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  1 Contratação de serviços de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal: caso de licitação, dispensa ou inexigibilidade? por Luiz Cláudio de Azevedo Chaves* 1 – Introdução à situação-problema Não é de hoje a discussão, acalorada, diga-se, sobre como os órgãos e entidades da Administração Pública devem proceder para contratar para os servidores de seu quadro de pessoal, cursos de graduação, de pós-graduação, palestras, treinamentos específicos, conferencistas e instrutores, conciliando as normas legais para contratação de serviços (CF, art. 37, XXI e Lei 8.666/93) e as peculiaridades inerentes a essa espécie de prestação de serviço. As dificuldades são inúmeras, e diversos são os fatores que contribuem para aumentar a insegurança no momento de celebrar tais contratos. O primeiro ponto diz respeito à obrigação de realizar licitação. Como o dever de licitar  é imperativo e fazê-lo pelo c ritério de menor preço é regra geral, o problema advém da imensa dificuldade (adiante veremos que na maioria dos casos haverá impossibilidade) de se estabelecer critérios de aferição idôneos que apontem com segurança a proposta efetivamente mais vantajosa, o que eleva sobremaneira o risco de insucesso na contratação. A experiência tem demonstrado que contratos dessa natureza, quando licitados, não raro, anotam má prestação de serviço e não atendimento aos objetivos traçados. Por lado outro, os contratos celebrados com fundamento nas exceções ao dever de licitar (dispensa e inexigibilidade de licitação) geram enorme desconfiança quando submetidos ao controle de legalidade. É que os procedimentos de contratação sem licitação costumam fornecer aos órgãos de controle rica fonte de irregularidades e falhas processuais. Isso acarreta maior rigor na investigação por parte desses órgãos. Esse rigor provoca certo melindre, uma espécie de “temor geral” nos setores responsáveis em instruir os processos de dispensa e inexigibilidade de licitação, que acabam sendo também mais rigorosos do que o necessário, vendo embaraço onde ele não existe. Outro fator que acaba soando negativo é a existência de sortida variedade de profissionais e empresas para o segmento de ensino e capacitação. Provocado pelo “temor geral” acima referido, o fato de haver, no mercado, grande variação de soluções para uma mesma

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Estudo sobre uma contratação pela modalidade de licitação inexigibilidade para cursos.

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    Contratao de servios de treinamento e aperfeioamento de pessoal: caso de licitao, dispensa ou inexigibilidade?

    por Luiz Cludio de Azevedo Chaves*

    1 Introduo situao-problema

    No de hoje a discusso, acalorada, diga-se, sobre como os rgos e

    entidades da Administrao Pblica devem proceder para contratar para os servidores de seu

    quadro de pessoal, cursos de graduao, de ps-graduao, palestras, treinamentos especficos,

    conferencistas e instrutores, conciliando as normas legais para contratao de servios (CF, art. 37,

    XXI e Lei 8.666/93) e as peculiaridades inerentes a essa espcie de prestao de servio. As

    dificuldades so inmeras, e diversos so os fatores que contribuem para aumentar a insegurana

    no momento de celebrar tais contratos.

    O primeiro ponto diz respeito obrigao de realizar licitao. Como o

    dever de licitar imperativo e faz-lo pelo critrio de menor preo regra geral, o problema advm

    da imensa dificuldade (adiante veremos que na maioria dos casos haver impossibilidade) de se

    estabelecer critrios de aferio idneos que apontem com segurana a proposta efetivamente

    mais vantajosa, o que eleva sobremaneira o risco de insucesso na contratao. A experincia tem

    demonstrado que contratos dessa natureza, quando licitados, no raro, anotam m prestao de

    servio e no atendimento aos objetivos traados.

    Por lado outro, os contratos celebrados com fundamento nas excees ao

    dever de licitar (dispensa e inexigibilidade de licitao) geram enorme desconfiana quando

    submetidos ao controle de legalidade. que os procedimentos de contratao sem licitao

    costumam fornecer aos rgos de controle rica fonte de irregularidades e falhas processuais. Isso

    acarreta maior rigor na investigao por parte desses rgos. Esse rigor provoca certo melindre,

    uma espcie de temor geral nos setores responsveis em instruir os processos de dispensa e

    inexigibilidade de licitao, que acabam sendo tambm mais rigorosos do que o necessrio, vendo

    embarao onde ele no existe.

    Outro fator que acaba soando negativo a existncia de sortida variedade

    de profissionais e empresas para o segmento de ensino e capacitao. Provocado pelo temor

    geral acima referido, o fato de haver, no mercado, grande variao de solues para uma mesma

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    demanda de treinamento, torna nebuloso o correto entendimento sobre questes como

    singularidade e notria especializao. Assim, uma caracterstica do segmento que deveria ser

    considerado salutar e proveitoso, no atual cenrio, termina por dificultar a instruo dos processos.

    A falta de orientao adequada aos servidores envolvidos no processo de

    contratao, que costumam no possuir conhecimentos bsicos sobre as normas que regem as

    contrataes governamentais, como tambm, o distanciamento entre os setores responsveis

    pelas contrataes e os rgos de assessoramento, aumenta ainda mais o abismo existente na

    maioria dos rgos e entidades pblicas entre os setores de capacitao de pessoal e aqueles

    ligados diretamente s contrataes (setores responsveis pela elaborao de editais e redao de

    contratos, assessorias e procuradorias jurdicas). A falta de comunicao entre esses segmentos

    trava a marcha processual, adiando a providncia, alm de criar um ambiente organizacional

    desfavorvel soluo dos impasses surgidos no curso de sua instruo. No incomum os

    processos serem desenvolvidos nos departamentos de capacitao (esse desenvolvimento sempre

    consome precioso tempo) e, ao chegar s mos da Assessoria Jurdica ou Controle Interno, ser

    contra indicada ou mesmo indeferida a contratao, retornando o processo para reiniciar a

    instruo sob novas bases.

    Em que pese haver na doutrina alguns excelentes trabalhos de grandes

    mestres do Direito Administrativo tratando do assunto em apreo, procuraremos, neste trabalho, a

    partir de uma viso mais pragmtica, lanar um pouco mais de luz sobre esse intrincado tema,

    enfrentando as questes mais delicadas que o envolvem, a fim de ofertar s escolas de governo e

    setores responsveis pela capacitao e desenvolvimento de pessoal, bem como s assessorias

    jurdicas, novos parmetros para melhor realizar seus respectivos processos de contratao de

    treinamentos, utilizando de forma segura os mecanismos que a lei pe disposio do agente

    pblico.

    2 A importncia e o papel da capacitao continuada na organizao

    Nos dias de hoje a competio entre as empresas e a evoluo tecnolgica

    predeterminam, a cada dia, novos rumos nas organizaes. Fatores como qualidade e

    produtividade passam a ser perseguidos com maior afinco pelas corporaes de maneira que

    possam acompanhar o ritmo dessas mudanas. unnime entre os estudiosos da Cincia da

    Administrao que uma entidade, seja ela pblica ou privada, para alcanar resultados cada vez

    mais positivos, necessita dar ateno ao seu corpo de funcionrios. Trat-los como verdadeiro

    capital da empresa; capital que precisa ser preservado e mantido atualizado em relao ao seu

    valor patrimonial. Afinal, qualquer instituio feita de pessoas; por mais mecanizada ou

    automatizada ela seja, sempre sero as pessoas que faro a diferena no alcance dos objetivos

    institucionais. Como bem assevera Ulrich1,

    1 ULRICH, Dave. Os campees de Recursos Humanos: Inovando para obter os melhores resultados. 6. ed. So

    Paulo: Futura, 1998

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    O diferencial competitivo para as empresas se constitui de seu capital

    humano e intelectual, uma vez que o capital humano a fonte de criao e

    de inovao. As pessoas compem a riqueza e o poder das organizaes. As

    mquinas trabalham, mas no inventam...Como o ser humano o

    principal insumo responsvel pela competncia e sucesso das organizaes,

    torna-se necessrio entender como extrair das pessoas seus mais altos

    nveis de criatividade, inovao, participao e engajamento.

    Assim, manter o corpo de funcionrios motivado e atualizado com novas

    tecnologias, novas metodologias e, mais ainda, mant-los agregados organizao meio hbil

    para que esta se mantenha em um ciclo de melhoria contnua, atraindo, via de consequncia,

    melhores resultados. Dentro desse perfil cultural, a medida que mais agrega valor ao capital

    humano, sem sombra de dvida, a capacitao. Por meio dela, a entidade passa a se servir de

    profissionais mais qualificados, aptos a melhor desempenharem seus papis, proporcionando

    ganho de produtividade. Ademais disso, um bom plano de capacitao tambm funciona como

    elemento motivador. O profissional submetido capacitao continuada se sente mais bem

    cuidado pela instituio que serve; passa a se enxergar pea relevante no processo produtivo na

    medida em que tratado como investimento daquela. Se sente responsvel por esse investimento

    e em troca o devolve com seus maiores esforos e com entusiasmo. Profissionais com viso

    moderna j avaliam o investimento em capacitao feito pelas empresas como um diferencial

    positivo no momento de optar por uma vaga no mercado de trabalho.

    No servio pblico no poderia ser diferente, pois a nica distino que se

    faz em relao s empresas privadas que estas visam lucro. O avano dos meios de comunicao,

    o acesso informao, o aumento da conscincia do cidado em relao aos seus direitos, bem

    como o papel que deve desempenhar o gestor pblico, entre outros fatores, passou a exigir das

    entidades pblicas maior comprometimento com os processos de gesto, pois cumprem funes

    que interessam a toda sociedade. Ora, nunca se disse que rgo pblico no precisa ser moderno e

    eficiente s porque no gera lucro. Ao contrrio, dever do Estado garantir coletividade cada vez

    melhores servios.

    Nesse contexto, a capacitao dos servidores representa, tal qual nas

    empresas privadas, elemento essencial ao alcance desse objetivo. E, penso, no servio pblico, essa

    necessidade mais gritante, no s pela importncia acima referida, mas tambm pelo fato de que

    o ritmo da rotatividade profissional muito inferior do que o anotado nas empresas privadas. De

    um modo geral, a maioria das carreiras pblicas, prende o servidor por dcadas, e em boa parte

    dos casos, vai at a aposentadoria. Por isso, um quadro de servidores que provavelmente receber

    pouca oxigenao, precisa estar submetido a programas de treinamento contnuo a fim de que ele

    seja dotado de condies que lhe permitam, de um lado, acompanhar a evoluo da atividade

    estatal, e do outro, manter-se motivado apesar dos vrios anos a servio do rgo.

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    3 Licitao: regra geral e excees

    Dito isto, cada rgo ou entidade pertencente ao Poder Pblico precisa

    dotar-se de meios que lhes permita cumprir essa misso, promovendo aes de capacitao interna

    em carter continuado, criando programas de qualificao profissional entre outras medidas. Para

    isso, por bvio, deve se servir da gama de servios da rea de ensino que o mercado oferece.

    Todavia, no ser suficiente apenas planejar de forma coerente as aes de capacitao. Ser

    igualmente importante selecionar o prestador de servios que atenda aos anseios da

    Administrao.

    Conforme visto no captulo introdutrio, na Administrao Pblica, essa

    no uma tarefa das mais fceis, pois ao contrrio dos particulares, o Administrador Pblico no

    possui a mesma liberdade de escolha quando necessita realizar compras, contratar servios e obras

    ou alienar bens. Para faz-lo, necessita obedecer a um rigoroso procedimento preliminar

    preestabelecido na forma da lei. Isto porquanto, na eventualidade de sua escolha vir a ser

    equivocada, os prejuzos da m gesto sero sentidos por toda a sociedade. Da porque, a lei impe

    a partir de quais critrios sero escolhidos os parceiros mais adequados para Administrao

    Pblica. Tal comando encontra seu fundamento na Carta Magna de 1988. O art. 37, XXI da

    Constituio Federal fixa o que chamamos de Princpio do Dever Geral de Licitar:

    Art. 37 Omissis

    ...

    XXXI - ressalvados os casos especificados na legislao, as obras, servios,

    compras e alienaes sero contratados mediante processo de licitao

    pblica que assegure igualdade de condies a todos os concorrentes, com

    clusulas que estabeleam obrigaes de pagamento, mantidas as

    condies efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitir

    as exigncias de qualificao tcnica e econmica indispensveis garantia

    do cumprimento das obrigaes.

    Trata-se de regramento geral, mas que, conforme o prprio dispositivo

    indica no incio da sua redao, admite excees.

    Concordando, pois, com a existncia de excepcionalidades casusticas, o

    Constituinte atribuiu competncia para que norma infraconstitucional pudesse discorrer sobre as

    possveis hipteses nas quais seria aceitvel o afastamento do dever de licitar. Vez ou outra uma

    determinada situao de fato poder indicar que a realizao da licitao pblica poder no

    satisfazer de forma adequada justamente o bem jurdico que visa tutelar, que o interesse pblico.

    Assim, so previstas na Lei Geral das Licitaes e Contratos Administrativos, Lei Federal n.

    8.666/93, em seus artigos 24 e 25 as situaes em que a Administrao poder deixar de promover

    o certame licitatrio para a contratao de obras, servios e para as compras, celebrando o

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    contrato de seu interesse por via de adjudicao direta da pessoa do contratado. No primeiro

    dispositivo, temos os casos de dispensa e, no segundo, o que interessa diretamente a este estudo,

    os de inexigibilidade de licitao.2

    Ao contrrio das situaes de dispensa, em que possvel desenvolver o

    procedimento licitatrio, h casos nos quais, mesmo que se pretendesse realiz-lo, este seria

    invivel. Essas situaes so caracterizadas pela norma licitatria como licitao inexigvel. A

    inexigibilidade de licitao se configura num cenrio em que a competio se revela impossvel de

    ser realizada, sendo esta sua marca nodal.

    A impossibilidade de submeter o objeto disputa licitatria no

    decorrente de fato externo como nos casos de dispensa. Na contratao emergencial (art. 24, IV),

    por exemplo, o objeto pode ser perfeitamente licitvel, sendo o condutor do afastamento da

    licitao a situao emergencial (fato externo) e a necessidade de abreviar a providncia a fim de

    evitar-se dano relevante para a Administrao; na dispensa para contratao de instituio sem fins

    lucrativos (art. 24, XIII), o afastamento da licitao deriva da natureza da pessoa do contratado, e

    no do objeto do contrato, que tambm poderia ser submetido disputa. Ao contrrio disso, a

    inexigibilidade surge sempre a partir do especfico objeto. O objeto, em si, ilicitvel. Nos casos de

    dispensa, a autoridade competente pode optar pelo afastamento; na inexigibilidade, no h essa

    opo.

    verdade que muitas vezes, o objeto determinado em razo de sua

    finalidade ou da natureza do negcio3, e, nesse compasso, um objeto, em princpio, licitvel, pode

    assumir caractersticas que venham a inviabilizar a licitao. A construo de um museu, por

    exemplo, que em princpio no guarda peculiaridade alguma, podendo ter seu projeto licitado

    normalmente, poder ganhar contornos especiais se o Municpio que pretende constru-lo tiver por

    escopo torn-lo capaz de dar visibilidade e prestgio internacional ou que ele se transforme no novo

    smbolo da cidade, de forma a incrementar o turismo na cidade. Essa finalidade impe uma

    caracterstica que torna o projeto especial, atribuindo-lhe uma marca singular. Assim, a natureza do

    negcio tornou o objeto projeto arquitetnico para construo de um museu peculiar e,

    consequentemente, ilicitvel por impossibilidade de comparao objetiva de propostas. A

    inviabilidade, portanto, prpria do objeto; em qualquer caso nasce com o objeto a ser

    contratado. Essa a lapidar lio de Celso Antnio Bandeira de Mello4, in verbis:

    2 A doutrina reconhece ainda uma terceira modalidade de afastamento do dever geral de licitar, fulcrada no

    art. 17, da Lei, chamada de licitao dispensada. Deixamos de fazer referncia a essa por tratar-se de

    desobrigao de licitao para as alienaes de imveis.

    3 Nesse sentido, FIGUEIREDO, Lucia Valle e FERRAZ, Srgio, Dispensa e Inexigibilidade de Licitao. So Paulo:

    Malheiros, 1994, p.102. Vera Lcia Machado DAvila, in DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (org.) Temas

    Polmicos sobre Licitaes e Contratos. So Paulo: Malheiros, 2005, p. 127 admite que a inexigibilidade pode

    tambm advir da pessoa do contratado, com o que discordamos.

    4 Curso de Direito Administrativo. 17 ed. So Paulo: Malheiros, 2004, p. 497.

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    So licitveis unicamente objetos que possam ser fornecidos por mais de

    uma pessoa, uma vez que a licitao supe disputa, concorrncia, ao menos

    potencial, entre ofertantes... S se licita bens homogneos,

    intercambiveis, equivalentes. No se licitam coisas desiguais. Cumpre que

    sejam confrontveis as caractersticas do que se pretende e que quaisquer

    dos objetos em certame possam atender ao que a Administrao almeja.

    Considerando, pois, que a inviabilidade de licitao decorre das

    caractersticas do prprio objeto ou do negcio (o que d no mesmo), seu reconhecimento no

    ser fruto de deciso discricionria do agente competente, como ocorre nos casos de dispensa de

    licitao. O senso de oportunidade e convenincia da autoridade incidir apenas na deciso de

    celebrar ou no o contrato. Caso decida pela contratao, outra alternativa no lhe restar seno

    reconhecer ser impossvel submeter a oportunidade de contratao competio.

    4 A inexigibilidade de licitao fundada no art. 25, II: requisitos e traos marcantes

    Importante novamente frisar que a impossibilidade de submeter

    competio que afasta o dever geral de licitar. Essa impossibilidade sempre decorre do objeto, seja

    porque nico, como nos casos de produto exclusivo5, seja porque, mesmo no sendo exclusivo, se

    mostra inconcilivel com a ideia de comparao objetiva de propostas. E essa ltima em que

    justamente se amolda a hiptese ora em exame. Vejamos o que diz a legislao:

    Art. 25 inexigvel a licitao quando houver inviabilidade de competio,

    em especial:

    ...

    II para a contratao de servios tcnicos enumerados no art. 13 desta lei,

    de natureza singular, com profissionais ou empresas de notria

    especializao, vedada a inexigibilidade para servios de publicidade e

    divulgao;

    Art. 13 Para os fins desta Lei, consideram-se servios tcnicos

    profissionais especializados os trabalhos relativos a:

    I estudos tcnicos, planejamentos e projetos bsicos ou executivos;

    5 Sobre o tema, vide nosso Contratao por inexigibilidade de licitao com fornecedor ou prestador de

    servio exclusivo. Breve anlise do art. 25, I da Lei 8.666/93. RJML de Licitaes e Contratos, n.26, p. 3 usque

    12

  • 7

    II pareceres, percias e avaliaes em geral;

    III assessorias ou consultorias tcnicas e auditorias financeiras ou

    tributrias;

    IV fiscalizao, superviso ou gerenciamento de obras ou servios;

    V patrocnio de causas judiciais ou administrativas;

    VI treinamento e aperfeioamento de pessoal;

    VII restaurao de obra de arte ou bem de valor histrico.

    VIII (Vetado)

    Como se v, o art. 25, II da Lei Geral de Licitaes reconhece que

    determinados servios, os tcnicos especializados, quando singulares, so incomparveis entre

    si, ainda que haja pluralidade de solues e/ou executores. O artigo 13 acima transcrito oferece

    uma lista de quais servios so tratados como sendo tcnicos especializados. O elemento central

    dessa hiptese de afastamento da licitao : possvel presena de vrios executores aptos, mas

    invivel a comparao objetiva de suas respectivas propostas.6

    A singularidade o elemento que torna o servio peculiar, especial. No

    ser suficiente que o servio esteja descrito no art. 13, pois, de per si, no o faz especial (singular).

    Deve haver, na execuo ou em suas caractersticas intrnsecas, algo que o torne inusitado. No se

    pode confundir singularidade com exclusividade, ineditismo ou mesmo raridade. Se fosse nico ou

    indito, seria caso de inexigibilidade por ausncia de contendores, fulcrada no caput do art. 25, e

    no pela natureza singular do servio. O fato de o objeto ser prestado por poucos profissionais ou

    empresas no impede que estes disputem o objeto. Logo, o fato de haver muitos ou poucos

    profissionais aptos a executarem o servio indiferente para a configurao da singularidade. A

    inviabilidade de competio decorre, invariavelmente, do objeto.

    A despeito de haver opinies em sentido contrrio7, outro conceito que

    entendemos equivocado a de que a singularidade pode decorrer da notria especializao de seu

    6Quando a doutrina fala em impossibilidade de comparao objetiva entre as propostas, est se referindo,

    no ao preo, mas ao objeto material da proposta. O preo, entre os vrios possveis executores at pode

    (deve) ser colocado lado a lado para fins de comparao e estipulao de faixa de mercado, no intuito de

    justificar a contratao sob o aspecto da economicidade; mas, como o objeto singular, no h um igual ao

    outro. Por isso no comporta comparao.

    7 Reconheo que parte da doutrina entende que a singularidade pode estar vinculada notria

    especializao. Nesse sentido: MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro. 19.ed. Malheiros.

    So Paulo, 1994, p. 258; MUKAI, Toshio, A natureza singular na contratao por notria especializao, RJML

    de Licitaes e Contratos, n.26, p. 13/15

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    executor. Para essa corrente doutrinria, a notria especializao envolveria uma singularidade

    subjetiva. Todavia, se imaginarmos que a inviabilidade pode decorrer da pessoa do contratado,

    teramos que admitir a absurda ideia de que um mesmo objeto seria, a um s tempo, singular e

    usual, conforme a pessoa que o executar. Ora, o servio ou no singular. Um projeto

    arquitetnico para casas populares, desprovido de qualquer complexidade ou vanguardismo

    tcnico, no pode ser classificado como singular apenas porque sua contratao recaiu no

    escritrio de Oscar Niemeyer. O projeto, em si, continuaria usual. Jacoby8, de forma bastante

    arguta, salienta que o processo de contratao de obras e servios inicia-se, necessariamente, pela

    definio do objeto, o que envolve a elaborao do projeto bsico e/ou executivo, e no pela

    escolha do executor. Acrescenta que quando os rgos de controle iniciam a anlise pelas

    caractersticas do objeto, percebe-se quo suprfluas foram as caractersticas que tornaram to

    singular o objeto, a ponto de inviabilizar a competio.

    Enfim, a caracterizao da singularidade do objeto depender

    exclusivamente do exame de seu ncleo, isto , daquele elemento central que materializa a prpria

    execuo. Se este se mostrar especial, ser considerado como de natureza singular.

    Todavia, para configurao da inviabilidade de competio, no bastar que

    a contratao se amolde em um dos servios arrolados no art. 13 e que o possa ser caracterizado

    como singular. Alm disso, ser imprescindvel que o mesmo seja prestado por profissional ou

    empresa que detenha notria especializao. Somente na presena desses trs requisitos, e nessa

    ordem, que estar configurada a inviabilidade de competio. A doutrina e a jurisprudncia no

    destoam desse enunciado9.

    5 Os servios treinamento e aperfeioamento de pessoal, do art. 13, VI, da L. 8.666/93

    A expresso utilizada pela norma geral das licitaes no precisa se

    considerado o segmento de Gesto de Pessoas. A terminologia hoje existente variada para

    significar as mesmas espcies de servios, s sendo til mesmo para o campo da Cincia da

    Administrao. Segundo Chiavenato10, utiliza-se a expresso treinamento, quando se quer indicar

    8 JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses, Contratao Direta sem Licitao. 9 ed. Frum. Belo Horizonte, 2011,

    p.604.

    9 Vide: TCU, Smula 252; JUSTEN FILHO, Maral, Comentrios Lei de Licitaes e Contratos Administrativos.

    14. ed. Dialtica. So Paulo, 2010, p. 367; MELLO, Celso Antnio bandeira de, Op. Cit., p.508; DI PIETRO,

    Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo. 5. ed., Atlas. So Paulo, 1995, p. 273; CARVALHO FILHO, Jos dos

    Santos. 11 ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2004, p. 226; JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses, Op. Cit. p. 605;

    MUKAI, Toshio, Op. Cit.

    10 CHIAVENATO, Idalberto, Gesto de Pessoas. 3. ed. Elsevier. Rio de Janeiro, 2008, p.402. TEIXEIRA, Gilberto

    Explica que a expresso capacitao tornou-se uma espcie de jargo, pois no atual paradigma de ensino e aprendizagem, capacitar o outro questionvel. (O processo-ensino aprendizagem e o papel do professor como gestor d pensar. disponvel em www.serprofessoruniversitario.pro.br/modulos).

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    uma ao educacional que visa a um resultado rpido, aplicado de forma sistemtica, com o

    objetivo de repassar ou atualizar conhecimentos, habilidades ou atitudes relacionados diretamente

    execuo de tarefas ou sua otimizao no trabalho; desenvolvimento, quando a ao est

    associada ideia de resultados de mdio prazo e se prope a um crescimento cognitivo, emocional

    e pessoal; e, capacitao, para referir-se a ao educacional, tanto para treinamento como para

    desenvolvimento. Todas elas so aes que visam desenvolvimento, aperfeioamento ou

    manuteno de competncias. O termo aperfeioamento o menos preciso. Na verdade, falar em

    aperfeioar significa dizer, no sentido mais puro, que o indivduo est a caminho da perfeio, o

    que uma utopia, pois no possvel algum pretender chegar perfeio. Atualmente quase no

    empregado, sendo utilizado como sinnimo de desenvolvimento.

    Para os fins a que se destina este trabalho, passaremos a empregar a

    nomenclatura legal, apenas para causar menor dificuldade com o emprego de variadas expresses.

    Prosseguindo, no nos parece razovel interpretao restritiva para

    considerar que o art. 13, VI quis limitar como conceito de servio tcnico especializado apenas as

    aes de treinamento, devendo ser estendido a todas as aes de educao, em todos os nveis.

    Assim, qualquer que seja o nome que se d para o servio (treinamento, aperfeioamento,

    desenvolvimento, capacitao, ensino) o mesmo estar alcanado pelo inciso VI, do art. 13 da Lei

    8.666/93. Esto includos nesse contexto a contratao de professores, instrutores e conferencistas

    quando chamados por via direta (pessoa fsica); contratao de cursos de extenso (curta ou longa

    durao), de graduao ou de ps-graduao na forma in company; inscrio em cursos de

    extenso, de graduao ou de ps-graduao abertos a terceiros na forma presencial ou no sistema

    EAD.

    5.1 Natureza dos servios de treinamento e aperfeioamento de pessoal

    Que os servios acima epigrafados atendem ao primeiro requisito, no

    resta dvida, porquanto descritos no inciso VI, do art. 13. Diante disso, o prximo passo ser

    determinar se, e em que casos, tais servios assumem caractersticas singulares a ponto de tornar a

    licitao invivel. E para esse exame mister que se faa uma anlise sobre o que compe o ncleo

    do objeto treinamento, pois exatamente nele onde se identificar a peculiaridade que poder

    torn-lo singular.

    Chamamos de ncleo do objeto do servio a parcela da execuo que lhe

    d identidade, que materializa a execuo. A obrigao principal, que em qualquer servio um

    fazer. No servio de limpeza, e.g., o ncleo do objeto reside na ao de limpeza propriamente dita

    (o fazer). A metodologia, a periodicidade, os equipamentos e insumos constituem parte da

    especificao, mas no por eles que o servio se d por executado, ou seja, sem o fazer o objeto

    no se materializa. Apenas quando o servente, aplicando a metodologia, seguindo a periodicidade e

    utilizando os equipamentos e insumos descritos no Termo de Referncia, realiza a limpeza que o

    servio se d por executado. Eis a o ncleo do objeto limpeza. Ainda no mesmo exemplo, se

    examinarmos o ncleo do objeto, perceberemos que, qualquer que seja o profissional, a empresa,

  • 10

    o local de execuo, a regio do Pas em que for executado, o servio ser basicamente realizado da

    mesma forma. Em outro dizer, aplicando a metodologia e demais especificaes, o resultado ser

    idntico e os objetivos perfeitamente alcanados, independentemente de quem o faa ou onde

    seja executado. Da porque no se pode dizer que o servio de limpeza possui natureza singular. O

    objeto permite comparao objetiva entre as vrias propostas. O mesmo, via de regra, no ocorre

    nos servios de treinamento.

    Nos servios de treinamento, a apresentao, objetivos gerais e especficos,

    publico alvo, metodologia e o contedo programtico constituem caractersticas tcnicas do

    objeto, mas definitivamente no seu ncleo. O objeto do servio de treinamento s se materializa

    com a aula (o fazer). por meio desta ao que o professor/instrutor, fazendo uso da metodologia

    diadtico-pedaggica, utilizando os recursos instrucionais e aplicando o contedo programtico,

    realiza o objeto. Portanto, o ncleo do servio a prpria aula. Ora, se a aula, no se pode, em

    regra, considerar que seja um servio usual ou executado de forma padronizada; no se pode

    admitir que, quem quer que seja o executor (o professor), desde que aplicando os recursos acima,

    obtenha os mesmos resultados. Afinal, como prprio do humano, as pessoas so diferentes entre

    si.

    Cada professor possui sua tcnica prpria, sua forma de lidar com grupos,

    sua empatia, sua didtica, suas experincias pessoais, seu ritmo e tom de voz. Tudo isso compe

    um conjunto que os tornam incomparveis entre si. Ademais disso, cada turma, porque composta

    de pessoas, tambm possui caractersticas que distinguem uma da outra, o que torna cada aula

    diferente uma da outra. Um grupo maior se comporta diferente de um com menos participantes;

    uma turma pode ser mais indagadora do que outra; uma turma pode ser heterognea em relao

    experincia e grau de escolaridade. Tudo isso requer do profissional, a cada servio, a necessria

    adaptao. Inclusive o prprio professor ser diferente a cada aula proferida, ainda que do mesmo

    tema, pois em um curso ouve uma pergunta de um aluno, que levanta uma questo no imaginada,

    conduzindo o desenvolvimento do contedo a uma vertente no programada; para outra turma,

    leu um livro ou artigo recm publicado que o leva a pesquisar novamente o assunto tratado e,

    eventualmente, provocar mudana de viso e conceitos. Quer dizer, as aulas sempre sero

    diferentes, seja na conduo, seja no contedo, seja na forma de exposio. No h como negar

    que cada aula (cada servio) , em si, singular, inusitado, peculiar. Nesse diapaso, vale transcrever

    excerto do Acrdo 439/1998-Plenrio, que ser melhor abordado mais adiante, citando lio de

    Ivan Barbosa Rigolin, em artigo publicado ainda sob a vigncia do Decreto-Lei 2.300/86:

    O mestre Ivan Barbosa Rigolin, ao discorrer sobre o enquadramento legal

    de natureza singular empregado pela legislao ao treinamento e

    aperfeioamento de pessoal (...) defendia que: A metodologia empregada,

    o sistema pedaggico, o material e os recursos didticos, os diferentes

    instrutores, o enfoque das matrias, a preocupao ideolgica, assim como

    todas as demais questes fundamentais, relacionadas com a prestao final

    do servio e com os seus resultados - que so o que afinal importa obter -,

    nada disso pode ser predeterminado ou adrede escolhido pela

    Administrao contratante. A reside a marca inconfundvel do autor dos

  • 11

    servios de natureza singular, que no executa projeto prvio e conhecido

    de todos mas desenvolve tcnica apenas sua, que pode inclusive variar a

    cada novo trabalho, aperfeioando-se continuadamente. (Treinamento de

    Pessoal - Natureza da Contratao in Boletim de Direito Administrativo -

    Maro de 1993, pgs. 176/79)

    O mesmo no ocorre com os treinamentos cujo ncleo do servio no

    reside na aula, mas no mtodo a ser aplicado. Nesses, a interveno do professor acessria, no

    sendo determinante na obteno dos resultados esperados. A metodologia, sim, que a

    responsvel pelo alcance desses resultados. Os cursos na metodologia Kumon um excelente

    exemplo. Este mtodo preconiza um estudo individualizado que busca formar alunos

    autodidatas...com material didtico prprio e auto-instrutivo, que permite ao aluno desenvolver os

    exerccios com o mnimo de interveno do orientador....11 (grifamos). O ncleo do objeto, ou

    seja, seu elemento essencial o mtodo e o material didtico empregado. Nesse caso, no se v

    presente o requisito da singularidade, pois quem quer que seja o orientador, em razo de sua

    mnima interveno, sero o mtodo e o material didtico os principais responsveis pela obteno

    dos resultados.

    Diante do acima exposto, correto afirmar que, sempre que o ncleo do

    servio de treinamento for a aula (o fazer) significar que a atuao do professor ser

    determinante para o alcance dos resultados pretendidos, apontando a natureza singular do servio.

    Em contrapartida, caso o mtodo supere a interveno do mestre, o treinamento no apresentar

    o elemento da singularidade. Percebe-se que a lgica do dever geral de licitar, em relao a estes

    servios se inverte, sendo, a singularidade a regra geral, na medida em que a quase totalidade das

    aes de capacitao so umbilicalmente dependentes da interveno do professor. Somente em

    carter excepcional que um treinamento anotar caractersticas to prprias que exigir menor

    interferncia do orientador.

    Para afastar de vez a confuso que ainda persiste existir em relao ao

    conceito de singularidade, abordemos a situao da contratao de cursos e treinamentos que no

    so especializados ou originariamente montados para o rgo contratante. Ficamos com um

    exemplo clssico: Curso de Redao Oficial ou Atualizao em Lngua Portuguesa.

    Ouo com enorme frequncia o argumento segundo o qual estes cursos

    no seriam de natureza singular porque o tema no complexo e h muitos professores de

    portugus no mercado. Mais uma vez precisamos insistir que singularidade no sinnimo de

    exclusividade ou raridade. No a quantidade de oferta de profissionais que indica a presena

    desse elemento no servio, mas sim o exame do componente de seu ncleo. Ora, todos ns, em

    nossa formao, desde o ensino fundamental, lembramos de professores que nos causava

    entusiasmo e daqueles com os quais aprendamos com maior dificuldade. Dos que nos despertava

    11

    Disponvel em www.kumon.com.br

  • 12

    interesse sobre a disciplina e daqueles cujo tempo da aula rezvamos para passar mais depressa. Se

    h professores que alcanam melhores resultados com seus alunos em relao aos seus pares, a

    concluso a que se chega no ser outra seno a de que, mesmo sendo um curso sobre tema de

    nvel mais elementar, e havendo milhares de professores aptos, se a interveno do mestre for

    determinante para o alcance dos resultados desejados, presente estar o elemento singular do

    servio.

    5.2 Os cursos no sistema EAD

    Uma questo atual que se deve levantar em relao aos cursos no sistema

    distncia (EAD). A primeira vista, pode-se ter a sensao que pelo fato de ser dependente de

    recursos de tecnologia da informao e a plataforma ser a mesma para todos os alunos e turmas,

    teramos aqui claro exemplo de curso padronizado, portanto, no singular, o que um grande

    equvoco. Os recursos tecnolgicos, apesar de padronizados, no constituem o ncleo (sempre ele

    a ser investigado) central do objeto, mas sim, o seu respectivo contedo. E este, afinal, um

    trabalho predominantemente intelectual. A elaborao do material instrucional e o

    desenvolvimento do contedo (o fazer) so orientados pela perspectiva pessoal do Professor-

    Conteudista, o qual possui mtodo de trabalho, viso cientfica e experincia que lhes so prprios.

    Ademais, os melhores cursos desenvolvidos no sistema EAD so ditados pela a interveno do tutor

    como componente determinante na obteno dos resultados. As orientaes sobre dvidas dos

    alunos, mediao em fruns de discusso e a correo de trabalhos uma atividade igualmente

    intelectual, e no mecanicamente automatizada. Por conseguinte, assim como os cursos

    presenciais, os cursos no sistema EAD tambm guardam, em regra, as caractersticas de

    singularidade, admitindo-se, excepcionalmente, que haja algum nessa sistemtica cujo mtodo

    supere a interveno do Professor-Conteudista e o do Tutor.

    6 A demonstrao de notria especializao

    Considerando que j foram enfrentados os dois primeiros requisitos para a

    configurao da inviabilidade de competio na contratao de treinamento e aperfeioamento de

    pessoal, resta avanarmos sobre o ltimo obstculo. Determinamos o alcance do art. 13, VI, bem

    como vimos como se detecta o elemento que torna singular o servio e quando essa singularidade

    no verificada, passemos agora desafiar o problema da notria especializao. Avancemos, pois.

    Parece-nos suficiente o texto da lei para dar soluo a eventuais impasses,

    mas a prtica tem demonstrado que no bem assim. A primeira vista, tem-se uma falsa ideia de

    que notrio especialista deva ser amplamente conhecido, quase famoso. Lgico que no. Veja-se o

    texto legal:

    Art. 25 - Omissis

    ...

  • 13

    1 - Considera-se de notria especializao o profissional ou empresa cujo

    conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho

    anterior, estudos, experincias, publicaes, organizao, aparelhamento,

    equipe tcnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades,

    permita inferir que o seu trabalho essencial e indiscutivelmente o mais

    adequado plena satisfao do objeto do contrato.

    Do texto acima transcrito no possvel encontrar nada que chegue perto

    da ideia de fama ou algo do gnero. Notrio especialista o profissional (ou empresa) que nutre

    entre seus pares, ou seja, ...no campo de sua especialidade... a partir do histrico de suas

    realizaes, quer dizer ...decorrente de desempenho anterior...ou de outros requisitos

    relacionados com suas atividades... elevado grau de respeitabilidade e admirao, de forma que se

    ...permita inferir que o seu trabalho essencial e indiscutivelmente o mais adequado plena

    satisfao do objeto do contrato.

    O pargrafo sub examine indica o norte de quais peculiaridades ou

    requisitos so considerados idneos para aferir se um profissional ou no notrio especialista, a

    saber: ...desempenho anterior, estudos, experincias, publicaes, organizao, aparelhamento,

    equipe tcnica.... Mais ainda. A expresso ...ou de outros... d bem o tom de rol exemplificativo

    desses requisitos. O legislador admite, portanto, que outros conceitos e requisitos, no ditados no

    texto expresso da lei, podem servir de base concluso de que o profissional escolhido o mais

    adequado satisfao do contrato. Nota-se tambm, que a enumerao dos requisitos so

    alternativos. Significa que no obrigatrio que estejam todos contemplados na justificativa da

    escolha, bastando apenas o apontamento de um deles para balizar a escolha. bom que se diga

    que essa anlise deve estar relacionada com as finalidades do objeto. Para Maral Justen Filho12 a

    notria especializao depender do tipo e das peculiaridades do servio tcnico-cientfico, assim

    como da profisso exercitada. Vamos a um exemplo prtico retirado de um caso que me foi

    trazido em sede de consulta.

    Determinada Secretaria Estadual de Segurana Pblica, ao organizar evento

    sobre criminalidade e segurana pblica, pretendeu contratar um policial civil para proferir uma

    palestra direcionada aos policiais civis, militares e corpo de bombeiros. O tema seria relacionado a

    abordagem policial. A organizao do evento, a cargo do setor de Gesto de Pessoas, pretendeu

    realizar a contratao com fundamento no art. 25, II c/c 13, VI, da L. 8.666/93.

    Chegando o processo na Assessoria Jurdica, no houve dificuldade em

    reconhecer a presena dos requisitos necessrios ao enquadramento legal pretendido, exceto pela

    no demonstrao de notria especializao. Houve, portanto, concordncia de que se tratava de

    um servio tcnico (1 requisito) e que o mesmo tinha natureza singular (2 requisito). Porm,

    entendeu a douta Assessoria que o profissional escolhido no apresentava nenhum dos requisitos

    12

    Op. Cit., p.371.

  • 14

    constantes do 1, do art. 25, pois era servidor de nvel mdio, sem nenhum livro ou artigo

    publicado e sem histrico na atividade docente ou como conferencista.

    A organizao do evento argumentou que a escolha havia recado na

    pessoa do indicado pelo fato de ser ele policial de carreira com mais de 35 anos de atividade

    policial, sem nenhuma anotao negativa em seus assentamentos, altamente condecorado, muito

    conhecido e respeitado no meio policial pela sua lisura, tica e retido no exerccio das suas

    atividades. Acrescentou ainda que a expectativa da organizao era no sentido de que, pelo fato de

    ser policial com larga experincia operacional, suas palavras seriam melhor assimiladas pelo pblico

    alvo a que se destinava a palestra.

    Ora, como no reconhecer notria especializao no presente caso?! Pouco

    importava se o profissional tem nvel superior ou mdio; se j publicou artigos e livros. A palestra

    era operacional e o palestrante escolhido reunia as condies que permitiam inferir que ele, no

    caso concreto, era indiscutivelmente mais adequado plena satisfao dos interesses da

    Administrao. Claro, se a palestra tivesse tema mais complexo, por exemplo, sobre Processo

    Penal, dirigida a Magistrados, Promotores e Procuradores de Justia, faltar-lhe-ia requisitos

    importantes justamente por no se tratar de seu campo de especialidade. Mas para esse mesmo

    pblico alvo, caso o tema da palestra fosse algo relacionado atividade operacional do policial,

    para esse fim, mais uma vez poderia ser considerado notrio especialista.

    A contratao, ao final, foi efetivada.

    6.1 A discricionariedade intrnseca do ato de escolha do profissional ou

    empresa

    No h discrepncia na doutrina, tampouco na jurisprudncia, quanto ao

    entendimento, bastante espancado neste trabalho, de que a singularidade no significa

    exclusividade. Se assim o fosse, tratar-se-ia de inviabilidade ftica de licitao, tal qual o a

    aquisio de produto exclusivo, e a contratao fundamentar-se-ia na cabea do artigo 25 da

    norma geral de licitaes. Logo, para a execuo do servio certamente haver algumas alternativas

    dentre as quais uma dever ser selecionada pela autoridade competente.

    Jos dos Santos Carvalho Filho13 aponta que a norma no capaz de ditar

    com rigor todas as condutas que um agente administrativo deve assumir para exercer as funes

    que lhe so cometidas. Ante essa impossibilidade, para variadas situaes a prpria lei oferece a

    possibilidade de valorao da conduta. So os casos em que o agente, para expedir o ato, avaliar,

    com seu sentir ntimo a convenincia e a oportunidade dos atos que vai praticar porquanto na

    qualidade de administrador dos interesses coletivos. exatamente o que ocorre no presente caso.

    13

    Manual de Direito Administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 36

  • 15

    Ao conceituar notria especializao, o dispositivo legal encerra com a

    expresso que permita inferir que o seu trabalho essencial e indiscutivelmente o mais adequado

    plena satisfao do objeto do contrato. No restam dvidas de que essa escolha depender de

    uma anlise subjetiva da autoridade competente para celebrar o contrato. Nem poderia ser

    diferente, pois se a escolha pudesse ser calcada em elementos objetivos a licitao no seria

    invivel. Ela impossvel justamente porque h impossibilidade de comparao objetiva entre as

    propostas.

    Consequentemente, uma vez que a escolha se dar por meio de uma

    avaliao subjetiva, ou seja, juzo de valor pessoal de quem detm a competncia para realizar a

    escolha, partir da soma de informaes sobre a pessoa do executor (experincias, publicaes,

    desempenho anterior etc), em comparao com esses dados dos demais possveis executores,

    ntido est que a escolha essencialmente discricionria. Ser a autoridade competente que,

    respeitando o leque de princpios a que se submete a atividade administrativa, notadamente,

    legalidade, impessoalidade, indisponibilidade do interesse pblico e razoabilidade, e ainda,

    sopesando as opes sua disposio, com fulcro em seu juzo de convenincia, indicar aquele

    que lhe parecer ser o indiscutivelmente mais adequado plena satisfao do objeto do contrato.

    Mais uma vez nos socorreremos de excerto do j citado Acrdo 439/98-Plenrio, TCU, que traz

    citao de brilhante lio de Eros Roberto Grau:

    Sobre a prerrogativa da Administrao de avaliar a notria especializao

    do candidato, invocamos novamente os ensinamentos de Eros Roberto

    Grau, na mesma obra j citada: '...Impem-se Administrao - isto , ao

    agente pblico destinatrio dessa atribuio - o dever de inferir qual o

    profissional ou empresa cujo trabalho , essencial e indiscutivelmente, o

    mais adequado quele objeto. Note-se que embora o texto normativo use o

    tempo verbal presente (', essencial e indiscutivelmente, o mais adequado

    plena satisfao do objeto do contrato'), aqui h prognstico, que no se

    funda seno no requisito da confiana. H intensa margem de

    discricionariedade aqui, ainda que o agente pblico, no cumprimento

    daquele dever de inferir, deva considerar atributos de notria

    especializao do contratado ou contratada.' (Eros Roberto Grau, in

    Licitao e Contrato Administrativo - Estudos sobre a Interpretao da Lei,

    Malheiros, 1995, pg. 77) (grifamos)

    Em relao a essa afirmao, no mesmo precedente, encontramos as

    palavras de Jacoby, in verbis:

    Portanto, cabe ao administrador avaliar se determinado profissional ou

    no notrio especialista no objeto singular demandado pela entidade,

    baseando-se, para tal julgamento, no desempenho anterior do candidato e

    nas demais caractersticas previstas no 1 do art. 25 da Lei de Licitaes.

  • 16

    Quem, seno o administrador, poder dizer se determinado instrutor

    'essencial e indiscutivelmente o mais adequado plena satisfao do

    objeto do contrato', (...) Apenas ele, mediante motivao em que relacione

    as razes da escolha, poder identificar no professor ou na empresa

    contratada os requisitos essenciais impostos pelas particularidades do

    treinamento pretendido. ('in' Contratao Direta sem Licitao, Braslia

    Jurdica, 1 ed., 1995, pg. 306) (grifo acrescentado)

    idntica a posio de Celso Antnio Bandeira de Mello14, que, com a

    habitual preciso, esclarece que:

    natural, pois, que, em situaes deste gnero, a eleio do eventual

    contratado a ser obrigatoriamente escolhido entre os sujeitos de

    reconhecida competncia na matria recaia em profissional ou empresa

    cujos desempenhos despertem no contratante a convico de que, para o

    caso, sero presumivelmente mais indicados do que os de outros,

    despertando-lhe a confiana de que produzir a atividade mais adequada

    para o caso. H, pois, nisto, tambm um componente inelimitvel por parte

    de quem contrata.

    No pode, pois, ser subtrado do prprio alvitre da autoridade, e s a ela

    competir, a deciso sobre qual notrio especialista deva recair a contratao. O que no se

    admitir que a escolha no seja calcada em argumentos que no se direcionem concluso de

    que o escolhido possui notria especializao, nem tampouco que os argumentos sejam

    flagrantemente desarrazoados; que a escolha seja pautada por um capricho ou uma preferncia

    meramente pessoal. Entre vrios professores, a autoridade poder, sim, optar pelo que se mostrar,

    em seu sentir, mais adequado, mesmo que seja autor da proposta mais elevada. Porm, no estar

    livre de apontar as razes pelas quais reconheceu nele o profissional mais adequado.

    6.2 Quem detm o notrio saber: o professor ou a empresa?

    Outro questionamento de ordem prtica que comumente suscitado o

    problema de se identificar se a empresa ou o profissional o detentor da notria especializao.

    Em princpio, pode parecer um obstculo de simples soluo. que o art. 25, II da Lei cita ambos a

    partir do emprego da conjuno alternativa ou (...com profissionais ou empresas...). De fato, a

    norma admite que possa ser considerado notrio especialista tanto o profissional como a empresa.

    14

    Op. Cit., p. 507.

  • 17

    Quanto ao profissional, no h qualquer dificuldade de reconhecimento. Mas em relao

    empresa, o assunto outro.

    H dois tipos de empresa nesse segmento: as empresas de organizao de

    eventos; e, as instituies com objetivo social voltada ao ensino e pesquisa. Nesse ltimo conjunto,

    h instituies vinculadas ao Poder Pblico, em geral, fundaes, e privadas. E estas ltimas, se

    subdividem entre as que tm e as que no tm fins lucrativos.

    Em um primeiro plano, cumpre destacar que a empresa (pessoa jurdica) s

    pode ser considerada notria especialista quando ela prpria for responsvel por produo tcnica

    ou cientfica. o caso das instituies ou empresas cujo objetivo social voltado ao ensino e

    pesquisa, seja ela vinculada ao poder pblico ou de natureza privada, com ou sem fins lucrativos.

    Nesses casos, a escolha certamente se dar em funo da produo tcnica ou cientfica com a

    assinatura da instituio, ou seja, aquilo que confere notoriedade para a instituio, tais como,

    cursos reconhecidos nacional ou internacionalmente, anurios, peridicos, relatrios, pesquisas,

    alm daqueles requisitos exemplificados no 1 do art. 25, II, ou seja, ...organizao,

    aparelhamento, equipe tcnica....

    Mas encontram-se fora do conceito de notria especializao as empresas

    de organizao de eventos15, porque sua atividade no singular. Afinal, elas apenas renem e

    coordenam vrios servios para a consecuo do objeto (realizao do curso), que em medida

    alguma, s excepcionalmente, seriam considerados singulares, tais como: aluguel de espao e de

    equipamentos, impresso de material didtico, servios de Buffet, hospedagem, transporte, entre

    outros, inclusive, a contratao do profissional que ir ministrar o curso. No podem, portanto, ser

    consideradas notrias especialistas. Mas, na prtica, isso acaba causando uma perturbao, pois na

    grande maioria dos casos a escolha se d em funo do profissional, que de fato o notrio

    especialista, mas o contrato celebrado em nome de uma empresa de organizao de eventos.

    Ora, se estas empresas no podem ser consideradas notrias especialistas, como seria possvel

    justificar apontar a singularidade do servio e a notria especializao do profissional, mas assinar

    contrato com a empresa? Para melhor entender e dar soluo correta a esse impasse, antes,

    preciso conhecer um pouco do mercado de treinamento.

    O segmento de treinamento de pessoal muito vasto. H incontveis

    empresas, instituies e profissionais para as mais diversas reas. A contratao pode ser realizada

    com empresas ou diretamente com os profissionais. Mas de um modo geral, raramente os

    profissionais so contratados diretamente como pessoa fsica, mediante Recibo de Pagamento a

    Autnomo-RPA. Duas so as razes. De um lado, para o contratante sai mais dispendioso, pois alm

    dos honorrios, o contratante deve recolher 20% da remunerao ao INSS, o que eleva a despesa

    total. Assim, os rgos evitam contratar por essa forma. Por outro lado, para o profissional tambm

    Nos referimos a empresa de organizao de eventos sem deixar de reconhecer que muitas delas so

    especializadas em eventos de ensino e capacitao, tais como seminrios, congressos, work shops, cursos

    abertos a terceiros e in company. De qualquer forma, no so responsveis por produo tcnica ou

    cientfica, nem tampouco executam servios de natureza singular.

  • 18

    desinteressante. Quando contratado diretamente pelos rgos costumam ser orientados a incluir

    no valor dos honorrios, as despesas relativas a transporte, estadia, alimentao e todas as demais

    necessrias ao cumprimento do contrato. Essas despesas so, portanto, antecipadas com recursos

    do prprio profissional para somente serem ressarcidas ao tempo do adimplemento da

    Administrao. Cedio que , infelizmente, os atrasos de pagamento provocados pelos rgos da

    Administrao Pblica, o risco da contratao passa a ser extremamente elevado. Da porque os

    profissionais, em sua maioria, evitam a contratao nesses moldes. A forma mais comum de

    contratar o profissional por intermdio de empresas de organizao de eventos. A pergunta que

    se faz : como justificar a contratao? A resposta pode estar no prprio art. 25 da Lei 8.666/93,

    em seu inciso III.

    J ficou assente que a inexigibilidade de licitao aqui tratada se funda na

    impossibilidade de comparao objetiva das propostas. Em outro dizer, que a seleo da proposta

    mais vantajosa, necessariamente, far-se- por critrios de ordem valorativa de cunho pessoal do

    agente competente (ato discricionrio). Teleologicamente, a mesma origem do reconhecimento

    da inviabilidade de competio para contratao de profissionais do setor artstico, isto ,

    impossibilidade de comparao objetiva entre as possveis propostas. Realmente, se uma Prefeitura

    quer contratar um(a) cantor(a) ou banda popular para animar a festa de aniversrio da cidade, no

    teria como estabelecer critrios objetivos para avaliar as vrias propostas dos mais diversos

    artistas, inclusive com estilos musicais tambm variados.

    Mas veja-se que o art. 25, inciso III, autoriza a contratao do artista no s

    por via direta, mas tambm ... atravs de empresrio exclusivo.... Por analogia, a mesma soluo

    pode ser conferida contratao de professores, quando contratados por intermdio de empresas

    de organizao de eventos. No desarrazoado reconhecer que o docente atuar mediante

    intermediao, exatamente como comum na classe artstica. Entendo que a situao mais que

    anloga; quase idntica a dos profissionais do setor artstico. Como o cerne da inexigibilidade o

    mesmo, no haveria bice algum na contratao do profissional atravs de seu empresrio, in casu,

    as empresas do ramo de organizao de eventos. No que o professor contratado tenha que

    demonstrar ser exclusivo de forma permanente de uma certa empresa de organizao de eventos.

    Mesmo porque isso quase inexistente no mercado. Mas, para o projeto especfico, alvo da

    contratao, sem dvida, atuar em carter de exclusividade. Uma exclusividade relativa. Mas, uma

    exclusividade.

    Poder-se-ia defender que a tese da exclusividade relativa ora proposta

    no totalmente adequada sob o argumento de que um nico professor por trabalhar para vrias

    empresas de organizao de eventos, poderia figurar em vrias propostas (de suas vrias

    parcerias). Seguindo esse raciocnio, tambm seria admissvel caber licitao, posto que haveria,

    em tese, vrios contendores para o mesmo objeto (contedo e professor). Definitivamente no.

    De fato, a realidade do mercado nesse segmento profissional possui essa

    configurao. Cada professor/conferencista atua ao lado de mais de uma empresa ou instituio. E

    tambm verdade que, com extrema frequncia, os rgos, na fase interna da contratao,

    sobretudo, na fase de cotao de preos, acabam por receber propostas de vrias empresas, tendo

  • 19

    o mesmo profissional como ncora do projeto. Ocorre que a escolha por qual empresa esse

    profissional ir atuar, caso aceite o projeto, do exclusivo alvitre dele prprio, e no das empresas

    pelas quais habitualmente atua. Ele quem decidir, ao seu talante, se aceitar ou no o projeto e

    qual empresa o intermediar junto ao contratante. Assim, mesmo podendo haver vrias propostas,

    ao optar pela empresa que melhor lhe atenda, estar, o profissional, a conceder sua escolhida,

    uma exclusividade relativa.

    6.3 A criteriosa escolha do profissional ou empresa

    Reconhecendo que a eleio do profissional uma deciso essencialmente

    discricionria, mas que, ao mesmo tempo, deve fundar-se em argumentos razoveis, relevantes e

    verdicos, ao comparar-se os profissionais, ver-se- que mais de um rene excelentes condies de

    execuo do objeto. Aps a anlise dos requisitos que o 1, do art. 25 enumera (no se nega que

    so exemplificativos, ao mesmo passo que constituem eficiente bssola a orientar a anlise) a

    indicao poder ser direcionada por razes, que, talvez, isoladamente, no seriam suficientes para

    tanto. Sejamos prticos.

    Digamos que um hospital pblico pretenda contratar um professor para

    ministrar curso de elaborao de termo de referncia destinado aos servidores das reas tcnicas

    responsveis pela especificao de insumos e equipamentos mdico-hospitalares. Em pesquisa,

    verificou-se que h vrios timos profissionais no mercado, com formao acadmica, publicaes

    importantes e vasta experincia docente no tema e com timas avaliaes, estando trs deles

    disponveis para o projeto. Em qual deles poderia recair a escolha? Qualquer um. Assim, a

    autoridade competente ter que traar algum parmetro que justifique sua deciso. Dentre os trs

    profissionais disponveis um demonstrou ter ministrado anteriormente o treinamento em tela em

    hospitais pblicos. Poder-se-ia justificar sua escolha exatamente por esse aspecto. A autoridade

    competente poderia inclinar-se licitamente na direo deste, sob a justificativa de que dentre os

    profissionais disponveis, este seria o mais adequado por ter vivenciado a experincia de ministrar

    cursos em rgos da Sade Pblica, o que permite inferir que sua expertise docente conta com o

    conhecimento das peculiaridades inerentes aos produtos e equipamentos que habitualmente so

    adquiridos em hospitais pblicos.

    7 Inscrio em cursos abertos a terceiros

    Esse tema quase no encontra tratamento especfico na doutrina. No

    mbito do Tribunal de Contas da Unio, os precedentes no chegam a esgotar o assunto. A

    referncia mais importante que se tem junto Corte Federal de Contas a do j referido Acrdo

    439/1998-Plenrio. No voto da lavra do Min. Adhemar Paladini Guisi, restou consignado que:

    Retomando proposta de deciso em estudo, consideramos

    desnecessrio firmar entendimento quanto inexigibilidade de licitao

  • 20

    para inscrio de servidores em cursos abertos a terceiros. Os cursos

    abertos para os quais no cabe licitao so aqueles inusitados, quer por

    no haver previso de sua repetio, quer pela indiscutvel notoriedade do

    instrutor, ou ainda aqueles oferecidos por uma nica empresa. Em todos os

    casos o texto da Lei suficientemente claro: h inviabilidade de

    competio. Para os cursos regularmente oferecidos por mais de uma

    empresa, no h que se falar em inexigibilidade, pois no h singularidade

    no objeto e, portanto, a competio perfeitamente possvel. O que pode

    ocorrer o desinteresse dos prestadores do servio em participarem de

    certame licitatrio, o que caracterizaria a hiptese de dispensa de licitao

    prevista no inciso V do, art. 24 (licitao vazia).

    Nada obstante o reconhecido saber do ilustrado Ministro, sou forado a

    discordar em parte. Estou de pleno acordo com o trecho em que diz que ...Em todos os casos o

    texto da Lei suficientemente claro: h inviabilidade de competio. Mas entendo que por

    motivos outros, no aqueles expostos no douto voto.

    Em primeiro lugar, no correto afirmar que h inviabilidade de

    competio para cursos abertos a terceiros ...quer por no haver previso de sua repetio...,

    porque h numerosos casos de cursos que se repetem ao longo do ano em vrias cidades e com

    vrias empresas. Tambm equivocado reconhecer que a inviabilidade de competio fruto da

    ...indiscutvel notoriedade do instrutor..., em virtude de tudo o que j foi dito acima sobre o fato

    de que a notria especializao no precede a singularidade do objeto, mas o contrrio. Quanto

    aos cursos ...oferecidos por uma nica empresa... estar-se-ia falando de inviabilidade por

    ausncia absoluta de competidores, com fundamentao legal no art. 25, caput, mas com

    procedimentos de justificativa anlogos ao do art. 25, I, o que exigiria da empresa organizadora

    uma declarao ou certido de exclusividade. No o que est sendo aqui tratado.

    Realmente, o texto da Lei suficiente para a hiptese de inscrio de

    servidores em cursos abertos. invivel a competio em razo de ser, aquele evento, especfico,

    nico. Pode haver programao do mesmo tema, com o mesmo instrutor, pela mesma empresa, na

    mesma cidade, mas ainda sim, cada qual ser nico. Os vrios cursos, ainda que idnticos,

    representam objetos apenas assemelhados, porm, distintos. No se pode cogitar no sentido de

    que h vrias opes intercambiveis. Argumentar que o curso pretendido se repetir ao longo do

    ano, no convincente, pois constituem objetos no cotejveis. Uma prova disso que no

    possvel garantir que um curso aberto venha a ser realizado, pois depende de qurum mnimo para

    sua confirmao. Portanto, jamais poderiam ser postos em comparao e disputa.

    Assim, para cursos abertos a terceiros, penso que a fundamentao correta

    na cabea do art. 25 da lei geral das licitaes e no em seu inciso II c/c art. 13, VI. Antes mesmo

    de ser caso de singularidade e de demonstrao de notria especializao, hiptese de

    inviabilidade absoluta de competio. A notria especializao do palestrante/instrutor pode servir

  • 21

    de lastro para a justificativa da escolha daquele especfico evento, para acomodao do ato em

    relao aos princpios de direito a que se submetem todos os agentes pblicos. Mas no integra,

    necessariamente, a fundamentao jurdica do afastamento do dever geral de licitar.

    Diante disso, podemos afirmar que inexigvel a licitao para inscrio de

    servidor em curso aberto a terceiros, por absoluta inviabilidade de competio, na esteira do art.

    25, caput, da Lei 8.666/93.

    8 Entendimento do TCU sobre o tema

    O dilema da contratao de cursos, professores, conferencistas no mbito

    da Administrao Pblica no recente e h muito vem sendo alvo de debates no meio doutrinrio

    e no mbito do controle externo.

    O primeiro enfrentamento de maior destaque junto ao Tribunal de Contas

    da Unio est consignado na Deciso 535/1996, cuja relatoria ficou a cargo do Min. Paulo Afonso.

    Provocada por meio de representao interposta pelo Instituto Sezerdello Correa-ISC, escola de

    contas do TCU, o Plenrio deliberou autorizar o ISC a promover o procedimento conhecido como

    credenciamento16, visando pr-qualificao de professores para contrataes futuras, nas vezes em

    que a escola necessitar, com arrimo no art. 25, caput:

    O Tribunal Pleno, diante das razes expostas pelo Relator, DECIDE: 1 -

    autorizar o Instituto Serzedello Corra a proceder ao cadastramento de

    docentes para ministrarem treinamento/aperfeioamento na rea-fim do

    Tribunal; 2 - autorizar o ISC a proceder, sempre que necessrio,

    contratao direta, por prazo determinado, dos docentes previamente

    cadastrados e selecionados de acordo com o currculo, dando-se

    preferncia aos professores do local onde ser realizado o

    treinamento/aperfeioamento; 3 - autorizar o Instituto a proceder, nos

    demais casos, a licitaes para a contratao de instrutores, realizando,

    dado o contedo didtico de cada disciplina, um certame licitatrio para

    cada conjunto de cursos de uma mesma disciplina; 4 - determinar a

    incluso da presente Deciso, bem como do Relatrio e Voto que a

    fundamentam, na Ata da Sesso Ordinria realizada nesta data.

    Como se v do decisum acima transcrito, naquela assentada, o Relator

    houve por bem distinguir duas espcies de treinamento: a) cursos rea-fim; e, b) cursos rea-meio.

    Desse modo restou consignado que os cursos que fossem destinados aos servidores atuantes da

    16

    Sobre credenciamento, vide o excelente artigo de DALLARI, Adilson Abreu, Credenciamento. RDE n.

    05/2006, Salvador, BA

  • 22

    rea-fim do Tribunal, deveriam ser contratados sem licitao fulcrado no art. 25, II e 1. c/c art.

    13, VI da Lei 8.666/93, por reconhecer, somente a estes treinamentos, a caracterstica da

    singularidade, bem como a necessidade de serem ministrados por profissionais de notria

    especializao. J os cursos destinados rea-meio deveriam ser ordinariamente licitados, segundo

    o entendimento do relator, em sntese, por no apresentarem nenhuma caracterstica que os torne

    singular.

    Essa diviso em categorias como elemento justificador do afastamento do

    dever geral de licitar no resolve o impasse. Basta imaginar que o mesmo curso seria ilicitvel em

    um rgo, em virtude de ser-lhe especfico de sua rea finalstica e, em outro, seria cabvel a

    licitao, por ser relativo atividades auxiliares. Sob essa viso, um treinamento destinado aos

    mdicos e enfermeiras de um hospital pblico, visando capacitao na triagem e diagnstico da

    dengue seria singular a exigir a contratao de notrio especialista; mas se o mesmo curso fosse

    ministrado para os mdicos e enfermeiras do Departamento de Sade, de um Tribunal de Justia, o

    curso seria licitvel. J vimos e revimos que a singularidade dos servios se prende ao prprio

    objeto. Ora, ou o objeto singular ou no . No possvel imaginar o mesmo treinamento,

    destinado ao mesmo pblico alvo, possa ser, ao mesmo tempo, licitvel e inexigvel.

    Posteriormente, a Corte Federal de Contas voltou a enfrentar o problema a

    partir de denncia sobre eventuais ilegalidades cometidas pelo TRT da 16 Regio na contratao

    de cursos para seus servidores nos anos de 1995 e 1996. Na oportunidade, o eminente, Min. Carlos

    tila, abandonando a tese da relativizao dos cursos em relao sua rea de aplicao, passa a

    enxergar a questo sob outro ngulo, inclinando-se pela no adoo de procedimento licitatrio

    para contratos dessa natureza, conforme o excerto extrado de seu voto, abaixo transcrito:

    (...)Considero muito pouco razovel fixar, mediante interpretao rgida e

    estrita da Lei, barreiras convencionais desnecessrias para o trabalho dos

    administradores dos programas de capacitao dos servidores pblicos.

    Bastam as enormes dificuldades naturais que j se antepem sua tarefa -

    como o caso, precisamente, da escassa disponibilidade de mestres e

    instrutores qualificados, experientes, e com boa didtica para transmitirem

    conhecimentos aos treinandos. Assim, tanto para a contratao de

    professores e instrutores para ministrar aulas em cursos organizados pelo

    prprio rgo, quanto para pagar a matrcula e participao de servidores

    em cursos especializados, organizados por terceiros e abertos inscrio de

    outros interessados - em ambos os casos - entendo que se caracteriza a

    inviabilidade de competio prevista no item II do art. 25, combinado com o

    item VI do art. 13 da Lei das Licitaes, sendo assim facultado aos

    administradores considerar, se assim o entenderem, inexigvel o processo

    de licitao.(...) (TCU, Deciso 747/1997, Rel. Min. Carlos lvares da Silva)

  • 23

    Encaminhou seu voto ao Plenrio da Corte com a seguinte proposta de

    deciso:

    (...)8.2. considerar enquadramento na hiptese de inexigibilidade de

    licitao prevista no inciso II do art. 25, combinado com o inciso VI do art.

    13, da Lei n 8.666/93, a contratao de professores, conferencistas ou

    instrutores, para ministrar aulas em cursos de treinamento, de formao ou

    de complementao de conhecimentos especializados de servidores, bem

    como para sua inscrio em cursos abertos a terceiros, destinados ao

    ensino de matrias especializadas, sempre que no se trate de treinamento

    baseado em tcnicas e mtodos padronizados de ensino;(...)

    O Plenrio, mesmo no acolhendo a proposta de deciso, deliberou da

    seguinte forma:

    O Tribunal Pleno, ante as razes expostas pelo Relator, DECIDE: 1.

    conhecer da denncia em pauta por atender aos requisitos de

    admissibilidade previstos no caput do art. 213 do Regimento Interno para,

    no mrito, consider-la improcedente; 2. remeter cpia do Relatrio e

    Voto, da Deciso no acolhida, bem como desta Deciso, SEGECEX, para

    que, no prazo de at sessenta (60) dias, coordene estudo e apresente

    concluses sobre a matria constante do item 8.2 da Deciso no acolhida,

    para posterior deliberao do Tribunal;(...)

    A deciso acima gerou estudos que culminaram na Deciso 439/1998, cuja

    relatoria coube ao Min. Adhemar Paladini Ghisi, e que se tornou um divisor de guas sobre a

    matria. A Secretaria Geral de Controle Externo do Tribunal, unidade tcnica designada para

    conduzir os estudos, chegou concluso de que, na imensa maioria dos cursos, a interveno do

    instrutor determinante para a obteno dos resultados pretendidos, sugerindo, ao final, como

    proposta de deciso, que a Corte fixasse o entendimento de que ...se enquadra na hiptese de

    inexigibilidade de licitao prevista no inciso II do art. 25, combinado com o inciso VI do art. 13, da

    Lei 8666/93 a contratao de professores, conferencistas ou instrutores, para ministrar aulas em

    cursos de treinamento, de formao ou de complementao de conhecimentos de servidores

    especializados,.... Mas assim o fez limitando o entendimento apenas em relao queles

    treinamentos que fossem desenvolvidos de modo especfico para a unidade contratante, ou ainda

    aqueles voltados para as peculiaridades dos provveis treinandos. Prosseguindo na proposta de

    encaminhamento, tambm entendeu ser perfeitamente possvel a realizao de certame licitatrio

    nos casos de cursos ...baseados em programas convencionais ou dirigidos a servidores no

    especializados..., por entender que, nestes casos, no existe o elemento da singularidade.

  • 24

    Nada obstante, o entendimento do relator foi ainda mais longe, aduzindo

    que

    ...a inexigibilidade de licitao, na atual realidade brasileira, estende-se a

    todos os cursos de treinamento e aperfeioamento de pessoal..e que a

    inexigibilidade de licitao para contratao de treinamento e

    aperfeioamento de pessoal, na atualidade, regra geral, sendo a licitao

    exceo.

    Acompanhado unanimidade pelo Pleno, o TCU fixou o seguinte

    entendimento:

    O Tribunal Pleno, diante das razes expostas pelo Relator, DECIDE: 1.

    considerar que as contrataes de professores, conferencistas ou

    instrutores para ministrar cursos de treinamento ou aperfeioamento de

    pessoal, bem como a inscrio de servidores para participao de cursos

    abertos a terceiros, enquadram-se na hiptese de inexigibilidade de

    licitao prevista no inciso II do art. 25, combinado com o inciso VI do art.

    13 da Lei n 8.666/93; 2. retirar o sigilo dos autos e ordenar sua publicao

    em Ata; e 3. arquivar o presente processo.

    Em que pese a fora dos argumentos expendidos ao longo do extenso e

    brilhante voto em apreo, bem como dos luminares mestres citados no relatrio que lhe deu

    supedneo, enxergo, com as devidas vnias, que este entendimento merece as pequenas reformas

    aqui propostas.

    Como dito antes, tambm partilhando do entendimento de que na

    contratao de cursos, a regra a inexigibilidade e a licitao a exceo, penso que o ponto de

    referncia deva ser o grau de interferncia do instrutor para o alcance dos resultados pretendidos

    no treinamento. Reconhecendo a existncia (em via de exceo) de cursos cuja metodologia

    didtico-pedaggica torna a interveno do instrutor menos determinante na obteno dos

    resultados, penso que no se deva generalizar da forma como decido pelo Egrgio Tribunal de

    Contas da Unio. Todo o processo de contratao de cursos deve exigir da autoridade competente

    seu correto enquadramento legal, com demonstrao da presena inequvoca de todos os

    requisitos legais (explicitao da caracterstica singular do servio, demonstrao de notria

    especializao e justificativa da razo da escolha do executor dentre as alternativas possveis). A

    generalizao reconhecida na Deciso 439/1998, que considera presumidamente singulares todos

    os cursos, pode conduzir ao enfraquecimento da instruo do processo na medida em que torna

    quase desnecessria a caracterizao do servio como sendo singular.

  • 25

    Tambm considero pouco correta a fundamentao no art. 25, II c/c 13, VI

    da Lei 8.666/93 para inscrio de servidores em cursos abertos. Como suso defendido, a licitao

    para os cursos abertos invivel, antes, pelo fato de que, cada um, nico. Claro que em boa parte

    dos casos, o curso aberto tambm poder ser enquadrado no dispositivo acima quando prestado

    por notrio especialista. Mas sendo ou no singular, sendo ou no prestado por notrio

    especialista, por exemplo, um curso aberto na metodologia Kumon, este seria ilicitvel pelas

    extensas razes aqui j defendidas. Da porque a melhor soluo para contratos dessa natureza

    fundamentar o afastamento no art. 25, caput.

    Por fim, bom que fique claro que apesar de ter sido proferida h mais de

    14 anos, a Deciso 439/1998 ainda continua balizando as decises da Corte Federal de Contas,

    como se v, apenas a ttulo de ilustrao, os seguintes precedentes: Acrdo 654/2004 - Segunda

    Cmara Rel. Min. Lincoln Magalhes da Rocha; Acrdo 1886/2007 - Segunda Cmara Rel. Min.

    Marcos Bemquerer; Acrdo 1247/2008 Plenrio Rel. Min. Marcos Bemquerer; Acrdo

    1762/2011 - Segunda Cmara Rel. Min. Augusto Sherman

    9 Impossibilidade de utilizao de dispensa em substituio inexigibilidade de licitao

    Nos processos de contratao direta, no incomum a ocorrncia de casos

    em que uma mesma demanda de interesse pblico possa vir a ser atendida por meio de mais de

    uma hiptese legal de afastamento do certame obrigatrio. Se h um vazamento em uma parede

    de um banheiro, seu reparo, sem dvida, um caso emergencial (art. 24, IV), pois a considerar que

    o vazamento aguarde a deflagrao e concluso de um torneio licitatrio, os prejuzos decorrentes

    podem se tornar insuportveis. Mas esse reparo pode no ser to dispendioso e seu custo

    permanecer no limite da dispensa de licitao em razo do valor (art. 24, I). A contratao do

    reparo poderia ser formalizada por qualquer um dos dois fundamentos. Salientamos acima que um

    curso aberto a terceiros inexigvel por no haver como ser cotejado com outro, por tratar-se de

    objeto nico, mas tambm no se afasta a idia de que pode tratar-se de um curso cuja

    interveno do instrutor seja determinante para o alcance dos objetivos e ser apresentado por

    profissional notrio especialista. A inscrio do servidor poderia ser amparada tanto no art. 25,

    caput como no art. 25, II c/c art. 13, VI, todos, da Lei 8.666/93. A despeito disso, no ser possvel

    que um caso inexigibilidade tambm possa ser enquadrada como dispensa de licitao. Uma no

    pode ser alternativa outra. Em um exemplo prtico, no correto contratar a inscrio de um

    servidor em um curso aberto na dispensa de licitao em razo do baixo valor (art. 24, II). A razo

    simples.

    J dissemos que o trao distintivo entre os institutos da dispensa e da

    inexigibilidade de licitao reside no fato de que, no primeiro, a licitao uma opo, ou seja,

    perfeitamente vivel; no segundo, ela impossvel. Por isso correto afirmar que, nos casos de

    dispensa, a licitao chega a ser instaurada, para, caso a autoridade assim decida, ser afastada

    (dispensada) por deciso de mrito administrativo. Na inexigibilidade, a licitao sequer

    instaurada, pois impossvel. Portanto, um objeto cuja licitao inexigvel no pode ser contratado,

  • 26

    alternativamente, por dispensa de licitao posto que esta admite a licitao. Ora, ou a licitao

    impossvel, ou possvel. Ambos, jamais! Veja-se o perspicaz apontamento de Celso Antnio

    Bandeira de Mello17, ao conceituar a inexigibilidade de licitao, verbis:

    Segue-se que h inviabilidade lgica deste certame, por falta de seus

    pressupostos lgicos, em duas hipteses: a) quando o objeto pretendido

    singular, sem equivalente perfeito...b) quando s h um ofertante. Em

    rigor, nos dois casos cogitados, no haveria como falar em dispensa de

    licitao, pois, s se pode dispensar algum de um dever possvel. Ora, em

    ambas as situaes descritas a licitao seria inconcebvel. Celso Antnio

    Bandeira de Mello, p.498.

    Nada obstante, fato corriqueiro nos rgos pblicos a inscrio de

    servidores nos cursos abertos com fundamento no art. 24, II, isto , na dispensa de licitao em

    razo do valor, o que vem a ser completamente equivocado, alm de atrair alguns inconvenientes

    operacionais.

    Uma das irregularidades mais encontradas pelo controle externo a

    dispensa de licitao com a caracterizao do chamado fracionamento ilegal de despesa, no qual

    o rgo realiza diversas contrataes, deixando de por em prtica a licitao que seria

    correspondente ao conjunto de contratos que poderiam ser contratados concomitantemente.

    Como os limites financeiros da dispensa do art. 24, I e II so de observncia rigorosa, ao sustentar a

    inscrio nesse fundamento legal, o rgo fica impedido de formalizar despesa superior ao limite

    legal, impedindo, o mais das vezes, a capacitao do nmero de servidores que o rgo necessita

    qualificar.

    Em muitos casos esse procedimento desenvolvido apenas e to somente

    em virtude da menor burocracia exigida para esse caso de dispensa em relao aos demais casos de

    contratao direta, sobretudo, os de inexigibilidade. De um modo geral, as dispensa de licitao

    para contratos de pequena monta, encontram caminhos mais facilitados nas rotinas

    administrativas, o que no ocorre para o restante dos casos de contratao direta. A principal delas

    a iseno da obrigao de publicao do ato de ratificao na imprensa oficial, conforme redao

    do art. 26, da L. 8.666/9318, que alm de muito dispendiosa, poderia se tornar um entrave na

    contratao.

    17

    Op. Cit., p. 498.

    18 Art. 26. As dispensas previstas nos 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situaes de

    inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do

    pargrafo nico do art. 8 desta Lei devero ser comunicados, dentro de 3 (trs) dias, autoridade superior,

    para ratificao e publicao na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condio para a eficcia

    dos atos.

  • 27

    A respeito desse aspecto, o Tribunal de Contas da Unio, ao apreciar

    representao19 interposta pela Secretaria de Material, Patrimnio e Comunicao Administrativa

    do TCU- SEMAT, contestando orientao da Secretaria de Controle Interno do TCU - SECOI, ambos

    os setores internos da prpria Corte de Contas, firmou entendimento no sentido de que no faria

    sentido que os contratos celebrados com dispensa de licitao ou inexigibilidade que

    permanecessem abaixo dos limites financeiros da dispensa dos incisos I e II do art. 24, tivessem sua

    eficcia condicionada a um procedimento cujo valor seria incompatvel com a despesa em si,

    decidindo da seguinte forma:

    (...) 9.2. determinar Secretaria de Controle Interno do TCU que reformule

    o SECOI Comunica n 06/2005, dando-lhe a seguinte redao: a eficcia

    dos atos de dispensa e inexigibilidade de licitao a que se refere o art. 26

    da Lei 8.666/93 (art. 24, incisos III a XXIV, e art. 25 da Lei 8.666/93), est

    condicionada a sua publicao na imprensa oficial, salvo se, em observncia

    ao princpio da economicidade, os valores contratados estiverem dentro

    dos limites fixados nos arts. 24, I e II, da Lei 8.666/93.

    Assim, todo contrato amparado em um dos dispositivos legais que

    autorizam o afastamento do dever geral de licitar cujo valor total no ultrapassar os limites do art.

    24, I e II ficam desobrigados da publicao de que trata o art. 26 da mesma Lei. Via de

    consequncia, no se deve concluir, do julgado acima, que o TCU reconhece a possibilidade do

    duplo enquadramento, como muitos ainda pensam, ou seja, sempre que a despesa ficar abaixo dos

    limites financeiros ditados no art. 24, I e II, neles poder-se-ia fundamentar a contratao, qualquer

    que fosse o pressuposto da contratao direta. Errado. O que inexigvel deve continuar sendo

    tratado como tal; a contratao emergencial, como emergencial deve ser instruda, e assim por

    diante, no importando o valor do contrato. Nesse diapaso, colhemos trecho da Declarao de

    Voto no mesmo precedente da lavra do Min. Augusto Scherman Cavalcanti que pe uma p de cal

    sobre o assunto, verbis:

    Assim, ante as mesmas razes, concordo com o nobre Relator em

    privilegiar a economicidade tambm nos casos de dispensa previstos nos

    incisos de III a XXIV e de inexigibilidade previstos no art. 25 da Lei 8.666/93,

    cujos custos se encontrem dentro dos limites prescritos nos incisos I e II do

    art. 24 da mesma Lei. Penso, contudo, deva restar claro que, nas hipteses

    de dispensa (incisos III a XXIV do art. 24) e de inexigibilidade (art. 25) de

    baixo valor, embora a eficcia do ato, em face do princpio da

    economicidade, no fique vinculada publicao dele na imprensa oficial,

    os demais requisitos do art. 26 e de seu pargrafo nico (como a

    apresentao de justificativas e o encaminhamento do ato autoridade

    superior no prazo indicado para ratificao), bem como os requisitos

    19

    TCU, Acrdo 1.336/2006-Plenrio, Rel. Min. Ubiratan Aguiar.

  • 28

    especficos que caracterizam as aludidas espcies de dispensa e a

    inexigibilidade, devem ser mantidos e criteriosamente observados.

    Para os servios de que se cuida o presente trabalho, no se deve utilizar a

    dispensa do art. 24, I e II para contratar inscrio de servidores em cursos abertos. A acomodao

    legal correta o art. 25, caput. Esse posicionamento poder suscitar uma reflexo sob o prisma da

    aparente fuga ao dever de licitar, ou violao ao princpio da moralidade, pois, adotando a tese ora

    defendida, um rgo poder inscrever em um nico curso aberto nmero ilimitado de servidores, o

    que verdade. Mas esse no seria o argumento vlido para obstar a inscrio abrigada no art. 25,

    caput, mas sim o exame de razoabilidade do ato da autoridade competente, que dever vir balizada

    por anlise de oportunidade e convenincia em encaminhar muitos servidores a um curso aberto,

    diante da alternativa de realizar treinamento fechado, inclusive sob o especial apreo ao impacto

    financeiro de ambas as possibilidades. Muito embora seja regra excepcional, os dispositivos que

    permitem a no licitao foram inseridos no ordenamento jurdico para serem utilizados sem

    receio do agente pblico, apenas com os devidos cuidados. Com essa inclinao, veja-se o teor da

    lio de Jacoby20 em excelente trabalho disponibilizado na rede mundial de computadores:

    No vedado contratar notrios especialistas: ao contrrio, em vrias a

    nica hiptese em que o interesse pblico poder ser efetivamente

    satisfeito, residindo nesse ponto angular a fora imanente do comando

    legal, justificadora da exceo ao princpio constitucional da licitao.

    Do mesmo modo, se o objeto apresentar as caractersticas que o torne

    singular, no ser vivel, tambm sob o aspecto lgico, a utilizao do art. 24, VIII ou XIII21 para

    contratao dos servios aqui estudados, ainda que a pessoa do contratado seja, no primeiro caso,

    rgo ou entidade pertencente Administrao Pblica, ou, no segundo uma instituio sem fins

    lucrativos com objetivo social voltado ao ensino ou pesquisa, porquanto ser ilgico admitir que algo

    possa ser, a um s tempo, singular ou exclusivo e licitvel.

    20 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. A contratao direta por notria especializao.Jus Navigandi, Teresina,

    ano 5, n. 38, 1 jan. 2000. Disponvel em: http://jus.com.br/revista/texto/428. Acesso em:16 abr. 2013.

    21 Art. 24 dispensvel a licitao:(...)VIII para aquisio por pessoa jurdica de direito pblico interno, de

    bens produzidos ou servios prestados por rgo ou entidade que integre a Administrao Pblica e que

    tenha sido criado para esse fim especfico em data anterior vigncia desta Lei, desde que o preo

    contratado seja compatvel com o mercado; (...) XIII na contratao de instituio brasileira incumbida

    regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de

    instituio dedicada recuperao social do preso, desde que a contratada detenha inquestionvel

    reputao tico-profissional e no tenha fins lucrativos.

  • 29

    10 Concluso

    Destarte, com base no que foi aqui exposto, podemos sintetizar a

    contratao de servios de treinamento e aperfeioamento de pessoal, nas mais variadas formas,

    no mbito dos rgos e entidades da Administrao Pblica, com as seguintes concluses:

    a) a inexigibilidade fundada no art. 25, II da Lei 8.666/93 depende da conjugao de trs requisitos, a saber: ser um dos servios arrolados no art. 13 da mesma Lei; possuir caractersticas que o torne singular; e, ser prestado por notrio especialista;

    b) os servios de treinamento e aperfeioamento de pessoal encontram-se discriminados no inciso VI, do art. 13;

    c) nos servios de treinamento e aperfeioamento de pessoal, a determinao da singularidade est relacionada ao ncleo do seu objeto, que a aula;

    d) como a aula uma atividade humana (no mecnica) e os variados docentes so incomparveis entre si, sempre que a interveno destes for determinante para a obteno dos resultados pretendidos, o servio ser singular;

    e) tais servios so, em regra, singulares, salvo aqueles cujo mtodo supere o docente na obteno dos resultados esperados;

    f) na contratao de cursos, a escolha da pessoa do executado ato discricionrio e exclusivo da autoridade competente, que dever apontar as razes que o fizeram inclinar-se por este ou aquele profissional ou empresa;

    g) cursos abertos a terceiros so sempre ilicitveis pelo fato de ser objeto nico que se esgota com a execuo, devendo ser contratados com base no art. 25, caput da Lei Geral de Licitaes;

    h) no vivel contratar por dispensa de licitao um objeto que, por sua natureza, seja exclusivo ou singular, ainda que aparentemente presentes os requisitos da hiptese de dispensa;

    Acrescento, por fim, que o presente trabalho foi desenvolvido a partir da

    experincia que vivencio diuturnamente, tanto na qualidade de palestrante e docente em cursos

    abertos e na modalidade in company, como na de servidor pblico incumbido das funes ligadas

    s contrataes governamentais. Como testemunha das enormes dificuldades encontradas pelos

    servidores que exercem, em suas respectivas unidades administrativas, a funo de planejar e

    executar as aes de capacitao de seu quadro de pessoal vi-me no dever de debruar-me nestas

    laudas as quais, espero, ao menos ser capaz acrescentar elementos positivos ao debate e

    evoluo da matria.

    Essa foi a viso que me serviu de norte.

    *Bacharel em Administrao e Direito. Especialista em Direito Administrativo. Professor da

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