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CONEXÃO CONTRATUAL: CONCEITOS, CLASSIFICAÇÃO E EFEITOS NA
HERMENÊUTICA, VALIDADE E RESPONSABILIDADE ENTRE CO-
CONTRATANTES.
SUMÁRIO: I – INTRODUÇÃO. II – CONCEITO DE CONTRATOS CONEXOS. III –
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS CONEXOS. IV – INSTITUTOS SIMILARES. V
– EFEITOS NA INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS CONEXOS. VI – EFEITOS
NA VALIDADE E EFICÁCIA DOS CONTRATOS CONEXOS. VII – EFEITOS NA
RESPONSABILIDADE ENTRE CO-CONTRATANTES. VIII – CONCLUSÃO.
I – Introdução
É incontestável que na época atual o processo histórico tem evoluído a um
ritmo veloz. Ao passar do tempo, o ritmo das transformações sociais tem acelerado,
onde as mutações na conjuntura sócio-econômica da sociedade ocorrem cada vez
mais rápido. Com a evolução das relações econômico-jurídicas, surgem novas
realidades negociais que não são contempladas pelo modelo existente no Direito
das Obrigações para enquadrar aquela situação no ordenamento jurídico vigente.
A partir dessa necessidade de buscar novos parâmetros e estabelecer um
paradigma para solução desses impasses, vemos as transformações dogmáticas e
menções a novos princípios que são erigidos para balizar a normatização jurídica
que virá a regular a matéria. Desse modo, observamos mudanças em todos os
ramos do direito, pois é consequência das transformações ocorridas na sociedade
que lhes deu origem.
Neste contexto de evolução na seara econômica e jurídica, o direito
contratual, e o Direito das Obrigações como um todo, nota-se uma resistência
quanto ao reconhecimento das novas realidades e mais ainda quanto a aplicação
dos efeitos que essas mudanças acarretam. Talvez seja porque o direito das
obrigações, face ao seu grande alicerçamento na doutrina clássica romanista,
guarde profunda relação com a demasiada elaboração científica e a lógica jurídica.
O misoneísmo presente no campo da teoria contratual deve ser posto de lado em
busca da democratização e equilíbrio social das relações contratuais, não
desprezando o valioso trabalho científico dos juristas do passado, mas adequando,
por meio da análise crítica, a dogmática clássica aos valores coetâneos e
necessidades sociais atuais.
O intuito deste trabalho surge exatamente para apresentar, ainda que de
maneira introdutória e embrionária face a escassez bibliográfica sobre o tema, os
contratos conexos como sendo parte dessa nova perspectiva na análise do contrato,
a partir de uma visão panorâmica a respeito das relações contratuais e a suas
consequências no âmbito econômico e jurídico.
O instituto da conexão contratual surge basicamente da superação da visão
clássica do negocio jurídico como ato isolado e com fim em si mesmo para a
constatação de que no mundo em que vivemos, nessa chamada “era da
comunicação”, os contratos em muitos casos encontram-se conectados entre si, e
por vezes esta interligação se torna indispensável para se atingir determinado
resultado numa operação econômica que não seria possível se assim não
ocorresse.
Desse modo, a evolução das comunicações nas relações humanas teve seus
reflexos no campo contratual, com a comunicação entre contratos que viabiliza a
realização de uma finalidade econômica mediante a união de vários contratos ou
mesmo a constatação de que determinadas relações contratuais se encontram
conectadas e por esse fato se impõe uma série de efeitos próprios.
Este trabalho então se propõe a identificar e conceituar os contratos conexos
dentre as situações que sugerem esta classificação, analisando suas espécies bem
como distinguindo os contratos conexos de institutos similares. Faz-se também
considerações a respeito dos possíveis efeitos resultantes da identificação dos
contratos conexos nos campos da interpretação, validade, eficácia e
responsabilidade.
II - Conceito de contrato conexo
Como é cediço, os contratos são um dos atos mais antigos que acompanham
as relações humanas, sendo considerado um instituto por demais cauterizado no
ordenamento jurídico pátrio e universal.
Assim como as próprias relações entre as pessoas, notadamente as
negociais, os contratos têm como característica peculiar a mutação constante de
suas formas e espécies, dinamismo este decorrente dos desafios que surgem a
cada dia para satisfazer a vontade dos contratantes perante as novas realidades
negociais que são criadas.
Os contratos conexos surgem então da necessidade de se abranger uma
relação jurídica contratual que não seria plenamente contemplada com a utilização
ou interligação de mais de uma espécie de contrato.
A respeito do que seriam contratos conexos, Carlos Nelson Konder1 afirma
que:
A conexão contratual é normalmente explicada pela singela e demasiado
genérica idéia de utilização de vários contratos para a realização de uma
mesma operação econômica. As definições, nesse sentido, costumam
combinar estes dois elementos: a pluralidade de negócios jurídicos e a
unidade de operação econômica.
Segundo esta definição, a conceituação jurídica dos contratos conexos, a
mais relevante para nosso estudo, restaria prejudicada, face a existência de um fator
alheio ao universo jurídico consistente na centricidade do pressuposto “operação
econômica” no conceito em elaboração. A dificuldade em delimitar o que seria
operação econômica, bem como a distinção entre a unidade e a pluralidade das
operações econômicas torna-se verdadeiramente um desafio aos economistas em
defini-la, e aos juristas em imprimir maior segurança à descrição do fenômeno.
Todavia, o próprio autor2 supracitado afirma que a extrajuridicidade da
definição é um obstáculo de menor relevância comparado a uma problemática mais
grave, que é a abrangência do conceito. Argumenta que, na sociedade hodierna, a
interligação entre diversas situações jurídicas é um fato recorrente, e a dificuldade
passaria a ser, então, não a determinação dos contratos que estejam de alguma
forma ligados entre si, mas sim os que não estejam. Desta forma, ao abranger a
quase totalidade dos contratos, o conceito de conexão seria esvaziado de conteúdo
e, portanto, inútil. Por outro lado, a restrição excessiva do alcance do conceito
remontaria à visão individualizada dos contratos.
1 KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 95. 2 Ibidem, p. 95-96.
A saída, diante de tal impasse, parece ser a identificação de uma
característica que cause um resultado jurídico especial aos contratos por ela
conectados, de relevância mais propriamente jurídica que econômica.
Ainda segundo o pensamento de Carlos Nelson Konder3, temos que:
A abrangência é natural ao conceito de contratos conexos. Não aquele
abrangência ilimitada e desprovida de conteúdo específico, mas o
reconhecimento de que um conceito genérico como este irá necessariamente
abarcar espécies de distintos matizes, que apresentam peculiaridades
relevantes. Esta heterogeneidade não é prejudicial ao conceito, contanto que
seja possível reconduzir todas as diferenças a uma mesma semelhança,
capaz de reuni-las sob um tratamento jurídico minimamente uniforme.
Sob este aspecto, o conceito de conexão contratual estaria ligada a uma
definição capaz de admitir a amplitude relativa ao gênero, indicando, porém, os
requisitos pertinentes ao seu reconhecimento. Surge então a idéia do fim unitário, ou
seja, caso haja individualização dos contratos, restaria frustrada a operação
econômica intentada pelas partes. A respeito desta questão, Cláudia Lima Marques4
afirma que:
A conexidade é, pois, fenômeno operacional econômico de multiplicidade de
vínculos, contratos, pessoas e operações para atingir um fim econômico
unitário e nasce da especialização das tarefas produtivas, da formação de
redes de fornecedores no mercado e, eventualmente, da vontade das partes.
Na doutrina, distinguem-se três tipos de contratos conexos de acordo com
suas características básicas de possuírem fim unitário (elemento objetivo), de
se existe uma eventual vontade de conexão ou união (elemento subjetivo) ou
se a conexão foi determinada por lei (compra e venda com financiamento do
art. 52 do CDC).
Percebe-se então, que a tarefa de delimitar, com clareza, os contratos
conexos, passa pelo exame detalhado de cada situação que se apresenta sob o
ponto de vista prático, cabendo encaixá-la, ou não, segundo suas características,
em uma das espécies de contrato conexo que veremos adiante, ou somente em
3 KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 97.4 MARQUES, Cláudia Lima. Notas sobre o sistema de proibição de cláusulas abusivas no Código de Defesa do Consumidor (Entre a tradicional permeabilidade da ordem jurídica e o futuro pós-moderno do direito comparado). Revista Trimestral de Direito CIvil, n. 1. Rio de Janeiro: Padma, 2000, p. 43.
mera associação de institutos contratuais que apenas possuem afinidades entre si,
dada a sua própria natureza negocial.
Para isso, é importante situar os contratos conexos em relação aos chamados
contratos atípicos. Segundo Luciano de Camargo Penteado5, os contratos atípicos
consistem em espécies contratuais que não possuem regime definido, e tampouco
recorrência no mercado. São, por diversas vezes, desenvolvidos para atender
situação única e irreprisável, ou que se reiteram na prática sem terem recebido um
regime legal exaustivo, e surgem em sua maioria da insuficiência dos modelos
existente no ordenamento jurídico ou pela chegada de operação econômica
importada do exterior sem a precedente normatização. Assim, em dado momento, o
contrato conexo pode se configurar um contrato atípico, muito embora, por sua
complexidade, vai muito além da simples condição de atipicidade contratual.
Ainda há que se distinguir outras espécies contratuais de contratos dos
contratos conexos, todavia, serão tratados mais adiante quando estudarmos os
institutos similares.
Feitas estas considerações, pode-se concluir que os contratos conexos vão
além da mera atipicidade, ou seja, em sua construção, não se leva em conta apenas
de aspectos fáticos, mas também, e principalmente, a ocorrência de um liame
jurídico necessário que vincula diferentes relações contratuais para um fim único,
sob as mais variadas razões, as quais se configurarão de acordo com cada espécie
de contrato conexo.
III - Classificação dos contratos conexos
Como vimos, a conexão contratual transcende a simples afinidade entre
modalidades contratuais, interessando somente à sua análise a relação do fim
unitário econômico e jurídico a que se propõe a conexão entre estes contratos.
Antes de classificarmos as principais espécies de contratos conexos,
analisaremos algumas características que cumpre destacar a respeito da conexão
contratual.
5 PENTEADO, Luciano de Camargo. Redes contratuais e contratos coligados. Direito Contratual: temas atuais/ coord. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Flávio Tartuce. 1ª ed. São Paulo: Método, 2007. p.470.
Procedendo ao estudo dos contratos conexos, identificamos duas principais
vertentes de contratos conexos: os estritamente empresariais e as relações de
consumo. Nos estritamente empresariais presume-se um equilíbrio no poder de
negociação entre as partes, tendo como principal norte a função social da empresa.
Nestes casos, a conexão contratual geralmente estará ligada com a existência de
grupos societários, envolvendo holdings e subsidiárias, ou, em outros casos, num
conjunto de negócios com um único objetivo, como uma transferência de controle
acionário.
Segundo Konder6, no âmbito dos contratos de cunho empresarial não há
relatividade dos efeitos dos contratos, tendo em vista serem celebrados mais
comumente entre apenas duas partes, mas as questões baseiam-se mais no que se
refere à autonomia entre os negócios.
No tocante às relações consumeristas, a presunção de desequilíbrio no poder
de barganha entre as partes sugere a aplicação de um regime compensador para tal
diferença, garantindo ao consumidor a proteção jurídica para harmonizar a sua
situação de vulnerabilidade. Nestes casos, conforme aponta o autor7 supracitado
onde rotineiramente se envolvem mais de duas partes, o problema está na posição
jurídica do terceiro considerado parte em um dos contratos conectados, onde por um
lado haverá injustiça caso seja considerado alheio ao contrato, mas, por outro lado,
a insegurança que poderia resultar de uma atribuição pouco criteriosa dos mesmos
direitos e obrigações que cabem às partes.
No que se refere à estrutura dos contratos conexos, é importante distinguir as
chamadas cadeias contratuais e os contratos de estrutura circular ou triangular.
Para Ricardo Luis Lorenzetti8, nas cadeias contratuais a conexão se dá de
forma linear, vertical, por meio de uma sucessão temporal de contratos em que o
credor de um é devedor de outro. A cadeia contratual se funda na sucessão de
contratos sobre um mesmo bem.Ana López Frias9 exemplifica a cadeia contratual
como aquele que apresenta a sucessão translativas de bens, como na saída de um
6 KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 99.7 Ibidem, p.100.8 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los contratos, tomo 1. Buenos Aires-Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 1999 – p. 45.9 FRÍAS, 1994 apud KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 100.
produto no mercado, feito que sucede a iniciativa do fabricante e que tem por fim a
aquisição daquele bem pelos consumidores.
Já em relação aos denominados contratos com estrutura triangular ou
circular, a sucessão de contratos gira em torno de uma pessoa, tendo no início e no
fim a mesma parte, como é o caso do crédito ao consumo e do leasing financeiro.
Neste último, um usuário que pretende adquirir um bem de alto valor contrata com
uma financeira uma locação com opção de compra ao final do contrato. Desta forma,
a financeira adquire o bem, aluga ao usuário que pode, ao término do prazo
contratual, comprá-lo da mesma. Nota-se que a sucessão de contratos (compra do
bem pela financeira, locação ao usuário e possível nova compra) procede de forma
circular retornando ao que originou toda a operação econômica.
Existem ainda outras classificações dos contratos conexos, sugeridos pela
doutrina pátria e estrangeira, mas que em certos momentos acabam por se
confundir com o que se entende ser as próprias espécies de contratos conexos, e
por essa razão trataremos delas no estudo destas espécies.
Após as considerações a respeito da natureza e estrutura dos contratos
conexos, e feita a observação sobre as demais distinções possíveis entre eles,
passaremos à análise das espécies contratuais conexas mais importantes.
III.i Grupos de contratos
A teoria dos grupos de contratos surgiu da percepção da existência do
“conjunto de contratos”, que seria a junção de vários contratos que, atuando de
forma simultânea, contribuem para uma mesma causa remota, entendida como fim
comum. Todos convergiriam para uma finalidade econômico-jurídica que constitui
sua própria razão de ser, representando um verdadeiro pacote contratual que abarca
toda a operação financeira que se pretende.
Vemos, na doutrina francesa, de onde surgiram os primeiros e mais
expressivos estudos até então a respeito dos chamados groupes de contrats, a obra
de Bernard Teyssié10, que, ao analisar o instituto dos grupos contratuais, afirma que
se os contratos têm cada um uma causa proxima diferente que os caracteriza, que
10 TEYSSIÉ, 1975, apud KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 117.
os torna únicos dentro do grupo, eles estão unidos por uma causa remota idêntica.
Mais do que apenas um ajuntamento, estes seriam a causa do complexo contratual.
Assim, temos que os grupos de contratos estão ligados ao conceito da
viabilidade da operação econômica mediante a utilizaçao de diversos contratos, os
quais se comportam como membros de um corpo jurídico-econômico que se cria
para satisfazer a negociação intentada pelas partes.
Ao tratar do tema, Cláudia de Lima Marques11, de forma didática e
exemplificativa ensina que:
Grupos de contratos, contratos vários que incidem de forma paralela e
cooperativa para a realização do mesmo fim. Cada contrato (por exemplo,
contratos com um banco múltiplo popular e um consumidor com conta
corrente) tem um objetivo diferente (cartão de extratos, crédito imediato
limitado ao cheque especial, depósito bancário simples) mas concorrem para
um mesmo objetivo (conta corrente especial do consumidor) e somente
unidos podem prestar adequadamente.
Com base no que afirma a autora, podemos observar que os grupos de
contratos possuem relação estreita com as relações de consumo, que constitui, ao
lado das relações estritamente empresariais, uma das famílias dos contratos
conexos. A exemplificação trazida na citação acima demonstra bem a presença dos
grupos de contratos nas relações consumeiristas, notadamente as de natureza
bancária.
Isto porque, como temos dito ao longo deste trabalho, são as imposições da
vida moderna que exigem a criação, modificação ou até desuso de modalidades
contratuais, e neste contexto, as relações de consumo têm cada vez mais evoluído
em suas formas e efeitos, justamente para absorver as necessidades do
consumidor, que como conseqüência acaba por trazer novas situações contratuais
como a que nos propomos a analisar..
Um exemplo disse é a seara bancária, que representa com clareza essa
dinâmica do mercado que acabou por acolher os grupos de contratos como forma
prestar uma diversidade de serviços e negociação de bens através de uma operação
econômica formada por vários contratos que juntos atendem a uma finalidade
desejada.
11 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 94-95.
III.ii Redes contratuais
Quando observamos a conjuntura econômica dos dias atuais, podemos
identificar no mercado inúmeras negociações ou operações econômicas que
ocorrem repetidamente, que possuem as mesmas características, e que por esse
fato estão conectadas, necessitando assim de uma figura que as coordene. É daí
que surge a noção das redes contratuais.
Luciano de Camargo Penteado12 define as redes contratuais da seguinte
maneira:
A rede contratual pode ser definida como uma coligação de contratos de forte
dependência destinada a organizar uma operação econômica unitária. Trata-
se da união de contratos de causas distintas para formar uma causa
contratual da rede, a qual permite a referência a deveres e direitos
decorrentes de um vínculo distinto do vínculo obrigacional tradicional, que
une partes contratantes.
Desse modo, como exemplo, temos o contrato de franquia, no qual podem
existir direitos e deveres entre os franqueados de natureza contratual, ainda que
necessariamente não haja contrato celebrado. São os deveres de assistência e
cooperação como também a lealdade e transparência, como também o direito a uma
delimitação espacial a ser observada para que outro franqueado se instale na
mesma rede.
Segundo Penteado13, a existência de uma causa da rede, que encontra entre
os seus elementos a oferta de produtos de determinado padrão de qualidade em
regime de concorrência que permita a subsistência da operação econômica de cada
franqueado impõe a cada um deles o respeito a setores geográficos de mercado,
uns em relação aos outros.
Ao tratar das redes contratuais no mercado habitacional, Rodrigo Xavier
Leonardo14 ensina que:
Por essa razão, concluímos que a expressão “redes contratuais” goza de
destacada vantagem para explicar as relações negociais que estimularam
12 PENTEADO, Luciano de Camargo. Redes contratuais e contratos coligados. Direito Contratual: temas atuais/ coord. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Flávio Tartuce. 1ª ed. São Paulo: Método, 2007. p.482-483.13 Ibidem, p. 483.14 LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes contratuais no mercado habitacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 133.
nosso estudo. Não se procura apenas superar a análise do contrato sob a
perspectiva estrutural, individualizante, em favor de uma perspectiva capaz
de perceber a vinculação econômica entre os negócios, com efeitos jurídicos.
Na teoria das redes contratuais sobressai, especialmente, o caráter
sistemático da ligação entre os contratos, de maneira que os eventos
ocorridos em um elemento do sistema (contrato isolado) vêm a se refletir, em
maior ou menor proporção, em todo sistema.
Dessa maneira, podemos observar que a característica marcante nas redes
contratuais é o seu caráter sistemático, ou seja, é uma cadeia de contratos que se
inter-relacionam em virtude de cada um integrar e interferir num sistema econômico
presente no mercado.
Como sugere Lorenzetti15, nas redes contratuais, cada contrato pode ser
individualizado, mas a união lhes dá uma “tonalidade especial”, e nela é precisa
considerar a existência de um vínculo associativo, que estabelece, entre os
contratos que a compõem, uma relação intra-eficacial quase societária.
Ainda segundo o jurista argentino16, na redá há uma complexificação e o
problema deixa de ser a circulação do produto ou serviço e passa a ser a
coordenação de atividades simultâneas. Os exemplos costumeiramente utilizados
por Lorenzetti são as redes de distribuição, as redes de franquias e a medicina pré-
paga: “se uma empresa vende a um distribuidor, estamos diante de uma relação de
troca. Mas se constrói uma rede de distribuidores, todos devem atuar
coordenadamente e, embora sejam contratos individuais,, autônomos, existe algo
que os une e que requer que funcionem conjuntamente”.17
Nas redes contratuais, iniciadas a partir de contratos do mesmo tipo (“contrato
marco”) ou semelhantes, envolvendo diferentes partes, devem os contratos estar
minimamente coordenados para que a partir da organização possa se colher os
benefícios econômicos que vão além daqueles previstos no contrato individual e que
decorrem justamente da própria rede.
15 LORENZETTI, Ricardo. Redes contractuales: conceptualización jurídica, relaciones internas de colaboración, efectos frente a terceros. Revista de Direito do Consumidor, n° 29, p. 23.16 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los contratos, tomo 1. Buenos Aires-Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 1999 – p. 45.17 Tradução livre de Ricardo Luis Lorenzetti, Tratado de los contratos, tomo 1. Buenos Aires-Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 1999 p. 45-46.
Segundo Carlos Nelson Konder18, “a finalidade supracontratual, o interesse
compartilhado existente nestes contratos autônomos é o benefício que os
integrantes da rede podem fruir para além daqueles já decorrentes dos contratos
individualmente considerados”.
Dessa maneira, temos, por exemplo, a redes de franquias, onde as relações
entre franqueador e franqueado representam o contrato e o objetivo individual. No
entanto, quando se observa o vínculo associativo entre os demais membros da rede,
vê-se o seu benefício por estar na mesma, resultante do aumento da distribuição e
das vendas.
Por fim, Lorenzetti19 ressalta que a “causa sistemática” não seria o objetivo
concreto buscado por meio da celebração de mais de um negócio, mas a geração e
o compartilhamento equânime de benefícios, custos e riscos que só é viável
mediante a permanência de certo equilíbrio na rede. Por conseqüência, a causa
sistemática indica que os membros da rede devem agir de maneira a preservar o
equilíbrio. O autor20 supracitado cita o seguinte exemplo: “O que acontece se um
contratante exige algo justo para ele, mas excessivamente oneroso para o conjunto?
Estes custos serão suportados pelo sistema e por cada um dos contratantes. A
causa contratual permanece indene, mas a causa sistemática se desequilibra”.
Vemos então que os efeitos inter partes nas redes contratuais geram
conseqüências para todos os membros, seja o adimplemento ou inadimplemento de
obrigação, pois o que está em jogo é justamente a finalidade supracontratual
econômica de que falamos, que sugere uma harmonia para benefício e proveito de
todos.
Destarte, existe nas redes contratuais uma finalidade econômico-social que
transcende a individualidade de cada contrato e que constitui a razão de ser de sua
união. Quando há o desequilíbrio, todo o sistema é afetado e não apenas um único
contrato.
III.iii - Contratos coligados
18 KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 128-129.19 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los contratos, tomo 1. Buenos Aires-Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 1999 – p. 51.20 Tradução livre de Ricardo Luis Lorenzetti, Tratado de los contratos, tomo 1. Buenos Aires-Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 1999 p. 44.
Quando se fala em contratos coligados, é preciso delimitar bem o sentido em
que se coloca a expressão. Por causa da escassa e esparsa doutrina pátria a
respeito dos contratos conexos, não há uma muita segurança em relação aos
termos empregados para denominar as espécies de contratos conexos, tarefa difícil
na realização deste trabalho.
Por esta razão, a expressão “contratos coligados” pode ser empregada, em
alguns casos, como sendo a descrição ou sinônimo de contratos conexos. No
entanto, trataremos dos contratos coligados como uma espécie de contrato conexo,
tendo em vista algumas classificações e peculiaridades que lhes são próprias, e que
também os distinguem das demais já apresentadas. Desse modo, abordaremos o
que se pode chamar também de contratos conexos stricto sensu, segundo o
entendimento de Cláudia Lima Marques21.
Diante de tão difícil missão de categorizar os contratos coligados, tem se visto
na doutrina italiana e argentina a apresentação suas classificações existentes, como
forma de apurar o conceito, eliminando a coligação contratual propriamente dita de
outros casos de mera ligação negocial que não suscita as mesmas questões, para
se chegar a um entendimento mínimo do que sejam os contratos coligados.
A primeira importante classificação dos contratos coligados é distinção entre
os negócios coligados com dependência unilateral e os com dependência bilateral.
Nos contratos com dependência unilateral, há uma sujeição de um contrato a
outro, se caracterizando muitas vezes em uma relação de acessoriedade entre
contratos. Como afirma Luciano Penteado22: “Um contrato só tem sentido se um
primeiro contrato existir. Existe distinção estrutural entre vínculos, mas unidade
funcional entre eles. Um exemplo típico dos contratos coligados com dependência
unilateral é o contrato tradicional de garantia em relação ao contrato garantido.
Já nos contratos coligados com dependência bilateral há uma influência
recíproca, de interdependência, sem relação de subordinação de um contrato em
relação aos outros. Ainda segundo Penteado23, nos contratos coligados com
dependência bilateral, a funcionalidade de uma só operação econômica foi
21 MARQUES, Cláudia Lima. Notas sobre o sistema de proibição de cláusulas abusivas no Código de Defesa do Consumidor (Entre a tradicional permeabilidade da ordem jurídica e o futuro pós-moderno do direito comparado). Revista Trimestral de Direito CIvil, n. 1. Rio de Janeiro: Padma, 2000, p. 44.22 PENTEADO, Luciano de Camargo. Redes contratuais e contratos coligados. Direito Contratual: temas atuais/ coord. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Flávio Tartuce. 1ª ed. São Paulo: Método, 2007. p.477.23 Ibidem, p. 477.
escandida em duas relações contratuais paritárias. Um exemplo disso, de acordo
com o caso concreto, seria a venda de um terreno e a empreitada contratada para a
sua edificação. Outra classificação sugerida na doutrina é a distinção entre
coligação genética e coligação funcional. Para Nelson Konder24, a coligação genética
estaria nos casos em que um negócio influencia na formação de outro, enquanto na
coligação funcional a influencia se dá no desenvolvimento da relação jurídica que
nasce do outro. Segundo Messineo25, somente a coligação funcional merece
atenção como verdadeira coligação, uma vez que tem por principal exemplo o
contrato preliminar em relação ao definitivo, a influencia sobre o outro negócio cessa
no momento em que este nasce.
Por fim, a classificação mais significativa segundo o entendimento de Nelson
Konder26, que é a relativa à fonte da conexão, que se divide em necessária e
voluntária.
Na coligação necessária, também chamada de coligação legal, há uma
obrigatoriedade decorrente de um dispositivo da lei, que torna a coligação como
parte da própria natureza dos contratos, como nos casos de subcontratos, ou nos
contratos parassociais em relação ao contrato de sociedade. Desse modo, a
vinculação entre os contratos é expressa e regulamentada, e sua inclusão ao lado
da voluntária é alvo de críticas por parte da doutrina, visto que desperta menos
questões e não representaria a coligação contratual plena.
Analisando a coligação contratual voluntária, principal foco das discussões
doutrinárias acerca dos elementos e conseqüências das conexões contratuais,
existe uma vontade das partes em coligar dois ou mais contratos pela busca de um
determinado fim prático. Como exemplo temos o aluguel de imóvel com a concessão
de uso da mobília, transporte de pessoa com fornecimento de alimentação, venda
com transporte entre outros casos.
Feitas estas classificações, é possível chegar a um entendimento do que
sejam os contratos coligados, sobretudo considerando os casos de coligação com
dependência bilateral, voluntária e funcional. Estas modalidades de coligação
representam o que se entende como coligação legítima, pois está fundada na
24 KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 104.25 MESSINEO, 1960 apud KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 10326 KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 105.
coligação oriunda da vontade das partes, com objetivo de tornar eficiente a junção
daqueles contratos, mediante a funcionalidade decorrente, sem que haja
subordinação entre os contratos e sim de cooperação recíproca.
Desse modo, os contratos coligados, na sua mais plena acepção, seria a
busca das partes em imprimir mais eficiência aos negócios, coligando-os para atingir
determinado fim prático, mediante a funcionalidade existente entre os contratos que
de forma coordenada e paritária cumprem suas funções.
IV - Institutos Similares
Após a breve explanação sobre as principais espécies do que se considera
conexão contratual, é adequado traçar algumas considerações a respeito do que
não está abarcado nesta acepção. A fim de esclarecer o próprio conceito dos
contratos conexos, e desta forma justificar sua autonomia conceitual, faz-se
apropriado uma abordagem em institutos similares, analisando as semelhanças e
diferenças para evidenciar o significado da conexão contratual.
IV.i - Contratos mistos
A distinção mais importante a se fazer a respeito da questão dos contratos
conexos é a sua diferenciação frente aos chamados contratos mistos.
Os contratos mistos são aqueles cuja estrutura é composta de elementos de
diferentes tipos contratuais já conhecidos. São contratos em que as prestações são
arranjadas pelo ato de autonomia privada de modo a conferir-lhes uma feição tal que
combine as diversas prestações. O elemento caracterizador do contrato misto é a
combinação de prestações de diferentes contratos, mas que ao fim representam um
único contrato, não acarretando interligação ou conexão de espécies contratuais.
Para Luciano Penteado27, a causa abstrata dos contratos mistos é a fusão de
prestações de contratos típicos. São os contratos cuja estrutura engloba elementos
típicos de dois ou mais contratos nominados.
Um bom exemplo de contrato misto é o do aluguel de cofre bancário. Há um
contrato misto de outros dois, quais sejam a locação e o depósito. Pelo primeiro
27 PENTEADO, Luciano de Camargo. Redes contratuais e contratos coligados. Direito Contratual: temas atuais/ coord. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Flávio Tartuce. 1ª ed. São Paulo: Método, 2007. p 471.
contrato, a tradição da posse outorga ao locatário um direito de posse sobre o cofre,
no qual depositará seus bens. O banco é credor de uma prestação em dinheiro que
remunera o fato de ter posto à disposição do cliente o espaço. O bens depositados
passam a estar em posse imediata do banco. Ele é o fiduciário que tem o dever de
guardá-los. Há uma pluralidade de elementos dos dois contratos, mas que é fundida
pelas partes em uma só declaração de vontade, a qual opera efeitos jurídicos
próprios, os quais combinam as características típicas de duas espécies de
contratos.
Para Luciano Penteado28, o contrato misto, usualmente, é o meio próprio para
a autonomia das partes elaborarem novos contratos.
Em suma, temos que os contratos mistos representam a união de duas ou
mais prestações de contratos típicos diversos em um só, enquanto nos contratos
conexos pressupõe-se a existência de dois ou mais contratos, seja ou não da
mesma espécie. De forma simples e direta, quando houver um só contrato será
misto; havendo vários contratos será conexo.
IV.ii - Contratos relacionais
Os contratos relacionais, que recebem uma profunda análise na obra de
Ronaldo Porto Macedo Júnior29 nasce de uma abordagem jurídico-sociológica, pois,
segundo o autor, “analisar o contrato enquanto prática implica entendê-lo como
elemento indissoluvelmente ligado à sociedade em que ele existe”.
Neste sentido, Nelson Konder30 afirma que os contratos relacionais
caracterizam-se por instituir relações contínuas e duradouras, com termos de
permutação abetos e nos quais as cláusulas substantivas são substituídas por
cláusulas constitucionais ou de regulação dos termos de renegociação, confiança e
dependência econômica. O contrato relacional constrói relações profundas com a
pessoa em sua integralidade (sem início e término claramente determinados), institui
extensivas formas de comunicação em uma variedade de modos e traz elementos
significativos de satisfação pessoal e não econômica.
28 PENTEADO, Luciano de Camargo, Doação com encargo e causa contratual. Campinas: Millenium, 2004, p. 271-272.29 MACEDO JR., Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo: Max Limonad, 2008, p. 151.30 KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 158.
Dessa forma, os contratos relacionais estão ligados à idéia de continuidade
da relação contratual que atinge longa duração, e por se inclinarem às criações de
relações contínuas e duradouras, onde os termos da troca são cada vez mais
abertos, e as cláusulas são de regulamentação do processo de negociação
contínua. Enfim, contratos relacionais englobam relações difíceis entre diversas
partes, onde os vínculos pessoais de solidariedade, confiança e cooperação são
determinantes. Diferem, pois, dos contratos conexos, na medida que representam
apenas a constatação de uma situação contratual de repetição, que não se confunde
com conexão, mas que está mais relacionada com a idéia de prestação de serviços
contínua ou de contrato de consumo com prazo indeterminado.
IV.iii - Grupos de sociedades
Quando se remete ao tema dos grupos de sociedades, a similitude com os
contratos conexos é inevitável, pois ambos se revestem de uma complexidade que
exige uma análise detalhada e que observe o conjunto em favor de sua
funcionalidade.
Segundo Nelson Konder31, enquanto na conexão contratual a ligação se opera
entre contratos individualizados que mantêm autonomia, mas, se encontram
teleologicamente vinculados. No caso do grupo de sociedades este fenômeno
ocorreria por meio da ligação entre as sociedades, que mantêm sua personalidade
jurídica e patrimônio próprios e autônomos, mas, sem constituírem uma nova
entidade, reúnem-se sob direção única para, somando esforços e valores de várias
naturezas, alcançar objetivos comuns, o mais das vezes de difícil consecução pelas
sociedades isoladas.
Com base no ensinamento do autor supracitado, observamos que é clara a
distinção entre os grupos de sociedades e os contratos conexos. Enquanto o
primeiro está relacionado ao fato de representar uma interligação institucional, o
segundo representa uma interligação contratual, em que pese utilizarem da união
entre suas espécies como forma de atingir uma capacidade negocial não antes
possível caso atuassem de maneira isolada.
V - Efeitos na interpretação dos contratos conexos31 Ibidem, p. 177.
Um dos pilares do direito contratual é o princípio da relatividade dos contratos,
no qual se tem que a avença apenas vincula as partes que dela participaram, não
aproveitado nem prejudicando a terceiros.
Todavia, diante das transformações do direito contratual, surgiram novos
princípios, chamados de princípios sociais, que se contrapõem aos estabelecidos na
doutrina clássica da qual tratamos no primeiro capítulo. Nesta esteira, temos o
princípio da boa-fé, que mitiga o princípio da autonomia da vontade, impondo um
agir ético na conduta dos contratantes e servindo de parâmetro na interpretação dos
contratos, bem como o princípio do equilíbrio econômico contratual, que faz
ressalvas e ponderações à força obrigatória dos contratos.
Desse modo, o princípio da relatividade dos contratos tem sido mitigado pelo
princípio da função social do contrato, que se contrapõe àquele na medida em que
impõe limitações no pacto celebrado entre as partes em detrimento dos efeitos que
causará a terceiros ou mesmo à sociedade em geral. Esta releitura dos princípios do
direito contratual tem influenciado decisivamente na interpretação dos contratos,
onde não se procura deixar de lado a doutrina clássica, mas sim complementá-la
com as novas tendências, tornando a hermenêutica contratual ainda mais rica.
Na seara dos contratos, não basta verificar a conexão existente. O intérprete
deve atentar não só para o exame clássico dos usos e costumes do mercado, das
circunstâncias em que foi firmado o contrato e da conduta das partes durante a
celebração, mas também o interesse das partes em importar para o contrato em
elaboração as normas e peculiaridades contidas em outro negócio. Em suma, não
se deve ignorar que o conjunto de interesses estabelecidos excede a figura do
contrato isolado, que apenas faz parte de toda uma regulamentação mais ampla.
Segundo Carlos Nelson Konder32, “a consideração dos demais contratos
envolvidos pode servir para esclarecer pontos obscuros do contrato isolado ou, ao
contrário, pode deixar transparecer contradições entre negócios que, isoladamente,
pareciam claros”.
Para ilustrar a situação, o autor supracitado ainda cita exemplos para as duas
hipóteses: Um exemplo trata de uma cadeia de arrendamentos na qual o primeiro
contrato determina que o arrendatário não pode ceder seu direito “sem o
consentimento expresso do arrendador, salvo para as pessoas que exerçam a 32 KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 158.
mesma profissão”, enquanto o segundo dispõe apenas que a cessão não ocorrerá
“sem o consentimento expresso do arrendador para as pessoas que exerçam a
mesma profissão” – a interpretação com base no primeiro contrato (conexo) revela a
omissão involuntária no segundo do termo “salvo”.
No tocante à segunda hipótese, formula o exemplo da compra e venda de um
imóvel na qual o vendedor se reserva o direito de uso, mas autoriza a realização de
reformas, precedida, contudo, de um contrato pelo qual os futuros compradores se
obrigavam ao pagamento de uma multa ao vendedor por inconvenientes causados
em caso de obras no imóvel.
Analisar os contratos a partir de uma visão do micro ao macro, com base na
idéia de entendê-los de acordo com o contexto que deu origem ao negócio, bem
como a circunstâncias que o cercam, é produto da tradicional e bem recebida
interpretação sistemática, a qual Luís Roberto Barroso33 faz os seguintes
apontamentos:
Não é possível compreender integralmente alguma coisa – seja um texto
legal, uma história ou uma composição – sem entender suas partes, assim
como não é possível entender as partes de alguma coisa sem a
compreensão do todo. A visão estrutural, a perspectiva de todo o sistema.
O que se extrai disso é que se deve interpretar uma cláusula de determinado
contrato a partir das demais que o integram, e, no caso dos contratos conexos, em
função dos outros que com ele compartilham de alguma interligação. Neste tom,
Luis Díez-Picazo34 ensina que:
[A interpretação sistemática] entra em jogo não apenas com relação às
diversas cláusulas de um mesmo contrato, mas também na relação que
vários contratos possam ter dentro de uma unidade negocial complexa
quando vários contratos tenham sido celebrados para conseguir uma única
finalidade econômica.
Conforme Nelson Konder35, nos contratos conexos, notadamente os que
envolvem as mesmas partes, a consideração de um deles na interpretação do outro
33 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 127.34 DIÉZ-PICAZO, 1996 apud KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 158.35 KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 197.
é absolutamente inafastável e os efeitos mútuos são limitados apenas pela sutil
fronteira entre a unidade e a pluralidade negocial. Ainda naqueles que envolvam
partes diversas, afirma o autor que a conexão decorrente do compartilhamento de
uma função unitária impõe a referida consideração.
Nesta esteira, o projeto de Código Civil argentino (1998) pretende positivar
expressamente essa observação entre os dispositivos de interpretação dos
contratos, que numa tradução livre preceitua que:
Art. 1030. Grupos de contratos. Os contratos que estão vinculados entre si
por terem sido celebrados em cumprimento ao programa de uma operação
econômica global são interpretados uns por meio dos outros, e atribuindo-
lhes o sentido apropriado ao conjunto da operação.
O referido artigo tem sido alvo de elogios por parte da doutrina, como por
Lorenzetti36, que afirma: “a conexão referida é um elemento importante para
interpretar os grupos de contratos, pois há uma finalidade supracontratual que
inspirou sua celebração e que deve guiar sua interpretação”.
A sedimentação do conceito dos contratos conexos tem afetado a
interpretação dos contratos, uma vez que estabelece meios próprios para sua
exegese, cuja observação deste parâmetro já se encontra até positivada em
ordenamentos jurídicos estrangeiros.
Por fim, conclui Nelson Konder37, que o reconhecimento dos contratos
conexos dá origem a diversos efeitos no âmbito da interpretação das disposições
contratuais, na medida em que autoriza (rectius: determina) ao intérprete buscar
amparo não apenas no negócio objeto do exame exegético, mas também nos outros
negócios que a ele se encontrem vinculados em virtude da persecução de uma
função comum.
VI - Efeitos na validade e eficácia dos contratos conexos
Na seara da eficácia e validade dos contratos conexos é, possivelmente, onde
se tem as maiores implicações decorrentes do reconhecimento da conexão
contratual. A hipótese em que um contrato que tenha ineficácia latu senso possa
36 Tradução livre de Ricardo Luis LORENZETTI. Tratado de los contratos, tomo 1. Buenos Aires-Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 1999 – p. 51. 37 Ob. cit., p. 198.
contaminar outro aparentemente imaculado, ou mesmo a declaração de invalidade
de um prejudicar ao demais contratos envolvidos, torna-se então um tema bastante
controverso e que tem sido objeto de muitos estudos.
Neste âmbito, Konder38 utiliza a denominação coligação negocial, que passa a
ser utilizada para se referir à espécie de conexão contratual (contratos coligados)
que permite a repercussão dos vícios de um negócio sobre outro a ele vinculado. O
autor continua dizendo que as vicissitudes de um contrato não se transferem de
forma automática a outro quando do reconhecimento de sua união em persecução
de uma função em comum, tendo em vista o princípio da conservação dos negócios
jurídicos, notadamente o aforismo clássico utile per inutile non vitiatur.
Fazendo uma breve análise do nosso ordenamento jurídico, temos no Código
Civil (art. 184, primeira parte) que a invalidade parcial de um negócio jurídico não
prejudicará na parte válida, se esta for separável e obviamente respeitada a intenção
das partes. Desse modo, podemos afirmar, por analogia, que entre negócios
coligados, a invalidade de um deles, se separável, não prejudicará o outro. Para isto,
é de suma importância observar, primeiramente, se a invalidade de um contrato
comprometeu a função em comum buscada pela operação plurinegocial, de modo
que só então se analise se o contrato aparentemente perfeito deve prosseguir ileso.
Diante dessa perspectiva, ainda que um negócio não apresente vício capaz
de invalidá-lo, seja por qualquer causa (incapacidade das partes, ilicitude do objeto,
não observação das formas ou impedimento legal específico), é razoável que a
coligação pode resultar na sua ineficácia (latu sensu), em virtude também de outro
apotegma clássico simul stabunt, simul cadent, que preceitua que os contratos
permanecem juntos e juntos perecem.
Para Nelson Konder39, mesmo nos casos em que se trata de hipótese de
anulabilidade, como um vício de vontade que atinja apenas um dos contratos,
considera-se viável a destruição também do outro negócio, válido, perfeito, a ele
vinculado. Assim afirma Bernard Teyssié40: “Nem a natureza da nulidade, nem a
boa-fé dos subadquirentes são capazes de freá-la. Se a proposta de distinguir entre
os efeitos das nulidades absolutas e relativas for por vezes invocada, não poderia
38 KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 219.
39 Ibidem, p. 222.40 TEYSSIÉ, 1975 apud KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 222.
ser retida: a anulação pronunciada importa, em todos os casos, as mesmas
conseqüências”.
Com efeito, vale relembrar que a análise da propagação de invalidade dos
contratos coligados passa primeiramente, e principalmente, pela ponderação a
respeito da finalidade comum, a funcionalidade existente entre os contratos que de
forma coordenada atuam em busca de um fim prático.
Partindo deste pressuposto, se a invalidade de um negócio coligado a outro
compromete o fim a que se destina a coligação realizada, não há sentido em
aproveitar o contrato válido, pois a coligação representava a razão de existir deste
contrato. Por outro lado, se nos outros contratos aparentemente perfeitos houver
disposições aproveitáveis, e que mesmo após a constatação de invalidade de um
contrato ainda sim se mantém sustentável a utilização dos contratos imaculados, é
sensato que se preserve o negócio jurídico, face ao mencionado princípio da
conservação dos negócios e da doutrina da nulidade parcial.
Com base nestas considerações, a polemica surge quando se tenta justificar,
juridicamente, que um contrato, considerado em si mesmo perfeitamente válido, se
torna ineficaz. Caberá ao magistrado, a partir da análise do caso concreto, verificar
se a sobrevivência do contrato se justifica em face da invalidez de outro a ele
coligado. Entretanto, ao se buscar fundamentação em meio as tradicionais causas
jurídicas de ineficácia do negócio, criadas a partir da ótica do negócio
individualizado, não se encontra uma teoria capaz de abarcar a extinção do negócio
num caso como este.
Segundo Nelson Konder41, nos casos de coligação com dependência
unilateral, que se submetem ao modelo tradicional do vinculo de acessoriedade, a
solução é mais pacífica, por meio do adágio clássico acessorium sequitur principale.
No entanto, aponta a dificuldade em justificar a contaminação nas diversas
hipóteses de dependência bilateral, que fogem a esse modelo. O autor indica,
segundo a doutrina e jurisprudência espanhola, que para esses casos não há uma
única regra, prevalecendo assim o entendimento de que se trata de uma questão
valorativa, em que podem pesar as circunstâncias do caso concreto.
41 KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 223-224.
Indica-se também, como reforço à resolução desse impasse, a aplicação da
teoria da causa, onde cada contrato possui sua causa individual, a qual por
conseqüência se tornaria inútil, caso outro contrato a ele unido não possuísse
eficácia. Em todo caso, na valoração das circunstancias do caso concreto e do
pressuposto causal do contrato, é importante considerar a anuência das partes
envolvidas em não excluir a vinculação entre os contratos, ou a menos que esta se
manifeste por meios de sinais objetivos.
Assim como a invalidade de um negócio jurídico pode afetar outro a ele
vinculado, há um ponto que não pode ser esquecido que é a situação de surgimento
de causa superveniente que importe na dissolução de um contrato, vindo assim a
afetar outro contrato a ele vinculado.
Entende-se que uma causa superveniente que venha a acarretar a
extinção de um contrato também pode se estender àquele a ele coligado, seguindo a
mesma idéia da função social e causa do contrato. Desse modo, acometimento de
fator prejudicial a um contrato transmite a sua dissolução a outro a ele vinculado,
ainda nos casos em que um outro participante alheio à primeira relação contratual
não tenha concorrido para sua extinção. No âmbito do crédito ao consumidor, temos
exemplos usuais, como nos casos em que a falta de entrega de um bem adquirido
mediante empréstimo concedido por financeira para este fim, justifica a extinção do
contrato de empréstimo ainda que não tenha sido concedido pelo vendedor do
produto.
VII - Efeitos na responsabilidade entre co-contratantes
O debate a respeito propagação da ineficácia de um negócio que afeta os
demais a ele coligados nos leva a outra importante reflexão que é a questão da
responsabilidade por inadimplemento contratual entre integrantes do grupo de
contratos que não sejam partes do mesmo contrato.
Se buscarmos na doutrina clássica a definição para esta situação, teríamos
que se encaixaria na chamada responsabilidade extracontratual, em função da
tradicional dicotomia que se fez entre partes e terceiros, mas que não abrange da
maneira mais adequada os complexos interesses envolvidos na conexão contratual.
Na análise de Nelson Konder42,a relevância da distinção transparece neste
ponto não apenas por conta de aspectos como a prova, o dies a quo para a fixação
do ressarcimento e a capacidade das partes, mas principalmente pela possibilidade
de desprezar eventuais cláusulas contratuais penais, exoneratórias ou limitadoras do
dever de indenizar, restando apenas a fundamentação na cláusula geral de
responsabilidade pelo ato ilícito. Assim, configurava-se a peculiar situação de o
terceiro poder acionar o devedor pedindo uma indenização superior àquela que o
credor direto poderia demandar, pois se encontraria livre dos termos nos quais
estava estabelecido o equilíbrio contratual.
Nessa esteira, vale ressaltar que a doutrina francesa dos grupos de contratos
não aparece como meio para a mitigação da relatividade e de alargamento da
quantidade de terceiros capazes de acionar o devedor inadimplente, mas
principalmente no sentido de conter esse movimento, por imposição, mediante a
aplicação do regime de responsabilidade contratual.
A partir da manifestação da jurisprudência estrangeira tem se notado um
esforço no sentido de encontrar uma definição mais precisa dos que sejam os
grupos de contratos, alcançando um conceito idôneo capaz de justificar a imposição
da responsabilidade contratual entre sujeitos que não fazem partes do mesmo
contrato individual. Para Nelson Konder43, a questão que permanece é a definição de
quais tipos de contratos conexos autorizam a aplicação do regime de
responsabilidade contratual àquele que aciona o devedor sem ter sido parte no
negócio inadimplido. A esta espécie, ainda por definir, de contratos conexos que
impõem responsabilidade contratual entre os “contratantes-terceiros” denominamos
grupos de contratos.
Para ilustrar este panorama, veremos a seguir uma análise jurisprudencial
feita pelo autor supracitado das decisões a respeito do tema ocorridas nas cortes
francesas, onde se verificou grandes debates e certas divisões entre as câmaras
cíveis da Corte de Cassação Francesa ao se debruçarem sobre o tema.
Relata Konder44 que, enquanto a primeira câmara cível (1ª C.C) toma posição
claramente favorável à teoria dos grupos de contratos, a terceira câmara cível (3ª
42 Ibidem, p. 258.43 KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: Grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 261.44 Ibidem, p. 258-260.
C.C) é mais reticente e mantém a proteção integral da vítima em um plano superior
ao respeito ao equilíbrio do contrato.
A partir do início da década de 1980, a 1ª C.C começou a autorizar a ação de
responsabilidade contratual no âmbito das cadeias translativas homogêneas,
formadas pela sucessão de contratos de compra e venda, e daí ampliou a sua
utilização para cadeias heterogêneas, como aquelas envolvendo uma compra e
venda e uma empreitada. Posteriormente, em 1984, a 3ª C.C se manifesta em
posição diversa, afirmando o caráter extracontratual da ação do proprietário da obra
contra o fabricante dos materiais. O Plenário, contudo, neste primeiro embate, toma
posição favorável à 1ª C.C, afirmando, em julgamento de 7 de fevereiro de 1986, o
caráter contratual da referida responsabilidade.
A partir daí a 1ª C.C prossegue neste que foi chamado de “contratualização”
da responsabilidade, ampliando os casos em que a indenização pleiteada fica
limitada aos termos fixados no contrato. Em um julgamento de 1988 ela permite ao
proprietário da obra opor ao subempreiteiro a cláusula limitativa de responsabilidade
estabelecida no contrato original da empreitada – ou seja, aplicando o regime
contratual mesmo a cadeias não translativas, isto é, em que não há um mesmo bem
sendo transferido pelos diversos contratos. Com isso, resta definitivamente
abandonado o fundamento da acessoriedade na transmissão da coisa, originalmente
aduzido, para dar lugar à invocação da teoria dos grupos de contratos.
A 3ª C.C, todavia, volta a afirmar posição diversa, agora corroborada por
entendimentos doutrinários substanciais, como a posição de H., L. e J. Mazeaud e F.
Chabas. Como sintetiza Mireille Bacache-Gibeili, basicamente três argumentos
foram aduzidos. Primeiro, a incerteza gerada no que toca ao domínio da
responsabilidade contratual, criada pela imprecisão da noção de grupos de
contratos: enquanto limitada aos casos de identidade de objetos (cadeias
homogêneas), era mais fácil, mas a sua aplicação às hipóteses de identidade
somente de causa torna os termos de tal responsabilização demasiadamente
imprecisos. Segundo, a dificuldade em conciliar os grupos de contratos com o
princípio da relatividade dos efeitos do contrato: fora das cadeias translativas não há
como se valer do tradicional acessorium sequitur principale. Enfim, o terceiro
argumento é a dificuldade praticar em ampliar o regime de responsabilidade
contratual em cadeias não translativas, pois há dois contratos bastantes distintos
formando o grupo, cada qual com seus próprios regimes por vezes incompatíveis.
Neste segundo embate, contudo, o Plenário põe fim ao movimento de
contratualização da responsabilidade, sob a invocação do art. 1165 do Code. Cria-
se, com este julgamento de 12 de julho de 1991, um regime dualista, que consiste
em admitir a ação de responsabilidade contratual às cadeias translativas, mas não
às cadeias não translativas.
Assim, estes fatos se configuram como exemplos de que os efeitos dos
contratos conexos, notadamente quanto a responsabilização, são fonte de
importantes debates e discussões tanto na esfera doutrinária como jurisprudencial. A
cada passo que se dá na construção desse conceito, ocorrem mudanças
significativas em todo sistema que embasa o ordenamento jurídico relativo aos
contratos.
Acima dos posicionamentos que possam ser tomados para solucionar tais
questões, é importante frisar que a imposição do regime de responsabilidade
contratual entre integrantes de grupos de contratos se apresenta como uma grande
seara de possibilidades ao intérprete que reconheça na conexão contratual um
fenômeno capaz de provocar efeitos jurídicos.
VII – Conclusão
A partir das considerações feitas a respeito do que seriam os contratos
conexos, passamos a identificar suas espécies. Na França, sob a denominação de
grupos de contratos, vemos a conexão contratual como produto de uma
funcionalidade pretendida pelas partes, da conexão como causa do complexo
contratual, representando a viabilidade econômica da operação.
Passando à idéia das redes contratuais, temos o valioso trabalho de Ricardo
Luis Lorenzetti, que identifica as redes contratuais como as hipóteses de redes de
distribuição (franquias), concessão e medicina pré-paga, onde o que une os diversos
contratos é a construção e distribuição de um sobrevalor, e guiada pelo conceito de
causa sistemática.
Nos contratos coligados, percebe-se a classificação dos mesmos em genética
ou funcional, necessária ou voluntária e com dependência unilateral ou bilateral, com
importância maior para as segundas espécies de cada classificação. Estas
definições são importantes para que se justifique, posteriormente, a contaminação
de um negócio jurídico pela invalidade ou ineficácia de outro a ele conexo.
Os contratos conexos distinguem-se de outros contratos similares. Em
relação ao contrato misto, a diferença tem por base que no contrato misto há uma
união de prestações de vários contratos em um só, quando na conexão há a
conjunção de mais de um contrato. Nos contratos relacionais, vemos que se
caracterizam por apresentarem apenas relações contínuas e duradouras e já nos
conexos percebe-se a superação de uma leitura singularizada em nome de uma
perspectiva mais abrangente.
Por último, temos a distinção entre os grupos de sociedades, onde estas se
configuram como conexão entre pessoas jurídicas e os contratos conexos
representam a ligação entre negócios.
O reconhecimento da conexão contratual suscita ponderações a respeito dos
seus efeitos jurídicos, variando conforme a espécie de conexão contratual
apresentada por meio das características já apresentadas. De forma geral, a
interpretação sofre interferências da maneira como se encara os negócios
envolvidos, deve adotar-se uma interpretação sistemática de modo a se avaliar cada
negócio em detrimento de sua função no complexo contratual.
A avaliação dos efeitos na validade e eficácia dos contratos conexos encontra
bastante relevância quando se observou as conseqüências que uma possível
nulidade ou ineficácia de um contrato conexo possa afetar outro a ele conectado, e
como se procederia nesses casos, seja pelo mantimento parcial daquele contrato
prejudicado por outro inválido, ou pela total anulação da operação econômica face a
perda de sua viabilidade.
Por último, o reconhecimento da conexão contratual impõe, aos contratantes
que participam do complexo contratual, um regime de responsabilidade contratual,
que ultrapassa a mera responsabilização geral do código civil, o que tem resultado
em grandes debates a respeito da limitação e ou extensão da conexão contratual a
fim de implantar essa responsabilidade contratual entre os co-contratantes, que deve
ser aplicada pontualmente, de acordo com a análise de cada caso específico.
BIBLIOGRAFIA
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______.Redes contractuales: conceptualización jurídica, relaciones internas de colaboración, efectos frente a terceros. Revista de Direito do Consumidor, n° 29
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MARQUES, Cláudia Lima. Notas sobre o sistema de proibição de cláusulas abusivas no Código de Defesa do Consumidor (Entre a tradicional permeabilidade da ordem jurídica e o futuro pós-moderno do direito comparado). Revista Trimestral de Direito CIvil, n. 1. Rio de Janeiro: Padma, 2000.______. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002
PENTEADO, Luciano de Camargo. Redes contratuais e contratos coligados. Direito Contratual: temas atuais/ coord. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Flávio Tartuce. 1ª ed. São Paulo: Método, 2007.______. PENTEADO, Luciano de Camargo, Doação com encargo e causa contratual. Campinas: Millenium, 2004.