ARTIGO - O PATRIMONIO HISTÓRICO DE MUQUI E A PERDA DA MEMÓRIA COLETIVA RELACIONADA À FALTA DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

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    RESUMO

    O estudo trata-se de uma pesquisa no sitio histrico de Muqui, localizada

    no sul do Esprito Santo. Para tanto, inicialmente fez-se uma definio dos

    termos necessrios ao entendimento do mesmo. Tem por objetivos analisar o

    processo de tombamento da cidade e observar como feita a educao

    patrimonial no municpio a fim de relacionar e criar um paralelo entre o

    patrimnio e as consequncias negativas que a populao vem a ter devido

    falta de educao patrimonial. Para isso, utilizou-se a pesquisa quantitativa

    com a aplicao de questionrio com perguntas mistas para a populao local.

    A fim de analisar os resultados obtidos em pesquisa, foi feita a tabulao dos

    dados para posterior comparao entre eles. Ao final do trabalho, concluiu-se

    que muito falta para que a histria do municpio seja divulgada de forma

    satisfatria e que a educao patrimonial ainda falha e interfere diretamente

    na preservao do bem tombado.

    Palavras-chaves: Educao patrimonial, patrimnio cultural, patrimnio

    histrico, tombamento.

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    Segundo Grumberg (2007, p. 2) chamamos de Educao Patrimonial o

    processo permanente e sistemtico de trabalho educativo que tem como ponto

    de partida e centro o Patrimnio Cultural com todas as suas manifestaes.

    Educao Patrimonial dividir, compartilhar informao sobre o

    patrimnio, so processos educativos concebidos de forma coletiva.

    No Caderno de Educao Patrimonial, disponvel no site do arquivo

    histrico de Joinville (Sd), a educao patrimonial consiste nas seguintes

    etapas metodolgicas:

    1 - Observao - identificar o objeto cultural, sua funo e significado, percepo visual e simblica. 2 - Registro Fixao do conhecimento percebido, desenvolvimento da memria, pensamento lgico, intuitivo e operacional. 3 - Interpretao - Desenvolvimento da capacidade de anlise e julgamento crtico. Anlise do tema, discusso, questionamento, avaliao, pesquisa de outras fontes. 4 - Apropriao - Envolvimento afetivo, capacidade de auto-expresso, apropriao, participao criativa, valorizao do bem cultural, zelo do bem cultural, preservao.

    De acordo com a apostila Guia de Preservao Cultural do Patrimnio,

    disponibilizada pela Secretria de Estado da Cultura (SECULT ES, 2008):

    Patrimnio Cultural, constitudo pelos bens que se referem ao, identidade e memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira como; as edificaes os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientifico; as formas de expresso; as formas de criar, fazer e viver; as criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas; as obras, objetos, documentos, edificaes e demais espaos destinados s manifestaes artsticos culturais.

    A importncia da preservao de um patrimnio cultural d-se pelo

    desenvolvimento e enriquecimento cultural e histrico de um povo. No

    preservar os bens herdados pode ocasionar o rompimento da corrente do

    conhecimento e memria da sociedade. O patrimnio envolve significados,

    informaes, mensagens e registros da histria humana, carrega consigo

    crenas, ideias, mensagens, costume, gosto esttico, e etc.

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    Os principais elementos que compem o patrimnio cultural so

    constitudos de bem materiais e imateriais. Os materiais dividem-se em dois

    grupos bsicos:

    I - Bens mveis: grupo que compreende a produo das obras de artes

    ou objetos utilitrios, mobilirios de uso dirio de determinada poca, e bens

    imveis que no se restringem a edifcios isolados, mas compreendem,

    tambm, seus entornos, garantindo sua visibilidade e fruio.

    II - Bens imateriais: compreendem toda produo cultural de um povo,

    desde sua expresso musical, saberes, as expresses literrias, danas,

    festas, e celebraes, at sua memria oral, passando por elementos

    caracterizadores de sua civilizao.

    Para que um bem seja preservado, ele no precisa ser obrigatoriamente

    tombado. Entende-se por preservao toda manuteno e processos de

    desacelerao da degradao de um bem em estado fsico com o objetivo de

    prolongar e manter suas caractersticas originais; porm, importante saber

    que o processo de tombamento de uma edificao ou mesmo um lugar, facilita

    sua preservao e mantm a memria coletiva de uma sociedade, j que ele

    garante por lei a salvaguarda e no descaracterizao do bem.

    Este artigo foi feito a partir de pesquisas realizadas na cidade de Muqui,

    situada ao sul do estado do Esprito Santo, a 180 km da capital, Vitria, (fig. 1).

    A cidade surgiu no final do sculo XIX, e guarda at os dias de hoje

    registros do passado estampados pela cidade atravs do acervo arquitetnico

    e urbanstico, construdo em funo de diversos ciclos econmicos, todos eles

    vinculados produo cafeeira.

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    Figura 1 Mapa do Esprito Santo

    Fonte: http://www.brasil-turismo.com/espirito-santo/mapas/mapa-politico.htm

    Muqui possui um vasto conjunto arquitetnico, com 227 imveis

    tombados, com predominncia da arquitetura ecltica que pode ser observada

    nas fachadas de seus edifcios.

    O estilo ecltico surgiu no Brasil no fim do sc. XIX e seguiu at as

    primeiras dcadas do sc. XX (SCANDOLARA, 2008). O estilo caracteriza-se

    uma mistura de estilos arquitetnicos do passado para a criao de uma nova

    linguagem arquitetnica. Algumas de suas caractersticas so: a ornamentao

    excessiva nas fachadas, jardins laterais, implantao sobre o limite da via

    pblica com recuo feito somente em um dos lados, entre outros.

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    Figura 2 - Palacete Bighi 1925 Fonte: Site da Cmara Municipal de Muqui.

    Figura 3 - Palacete Bighi - 2013. Fonte: http://professorjaci.blogspot.com.br/2013/01/usina-de-imagem-fotografia-e.html

    Alm de contar com este acervo de bens materiais, a cidade possui uma

    riqueza cultural que representada nas manifestaes folclricas e artsticas

    do Carnaval de Boi Pintadinho e no Encontro Nacional de Folia de Reis, evento

    que considerado por historiadores como o maior e mais antigo encontro de

    folias do Brasil. O encontro rene grupos de vrias regies do Esprito Santo e

    tambm de outros estados brasileiros.

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    Figura 4 - 63 Encontro Nacional de Folia de Reis - Muqui, ES. (2013) Fonte: http://www.muquiemfoco.com/2013/05/1508-63-encontro-nacional-de-folia-de.html

    Figura 5 - Carnaval - Muqui, ES. (2013) Fonte: http://www.carnavaldoboi.com.br/o-carnaval.php

    Visando preservar o patrimnio edificado e cultural de Muqui, em 1998

    iniciou-se o processo do tombamento da cidade, feito pelo Conselho Municipal

    de Cultura, onde 186 casares foram incorporados no processo. Dez anos

    depois, em 05 de novembro de 2009 a SECULT decide tombar a cidade a nvel

    estadual, num total de 299 mil metros quadrados, e abrangeu quase toda a

    rea urbana, principalmente a avenida central da cidade. Nela contm os

    principais imveis construdos na dcada de 1920, que contam a histria do

    ciclo cafeeiro na regio.

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    Figura 6 Zoneamento

    Fonte: SECULT ES, 2011.

    Com os objetivos de analisar o processo de tombamento de Muqui e

    observar como feita a educao patrimonial no municpio, utilizou-se a

    pesquisa qualitativa com aplicao de questionrio para levantamento junto

    populao local, qual o conhecimento popular sobre o patrimnio histrico e

    sua preservao.

    Para melhor entendimento deste estudo analisou-se uma nica

    edificao, o Bar Vitria, situado Avenida Vieira Machado, centro de Muqui.

    A edificao, apesar de ter sido bastante modificada ao longo desses

    anos, ainda guarda registros da poca de sua construo, que podem ser

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    observadas na fachada onde se tem o uso de elementos e ornatos

    caractersticos do ecletismo.

    Esta construo possui uma grande relevncia histrica, segundo consta

    no Museu Virtual, disponibilizado no site da Cmara Municipal de Muqui:

    No que tange evoluo administrativa do Municpio de Muqui, sabe-se que em 7 de novembro de 1890 a Freguesia de So Joo do Muquy foi desmembrada do Municpio de Cachoeiro de Itapemirim e anexada a So Pedro de Alcntara de Itabapoana. Porm logo em seguida foi assinado o Decreto 53/1890 de 11 de novembro de 1890, anexando Muqui a Calado. Sete anos mais tarde, no dia 15 de dezembro de 1897, foi encaminhado ao Presidente do Estado do Esprito Santo um oficio acompanhado de um abaixo-assinado contendo 72 assinaturas, reivindicado por Cachoeiro de Itapemirim, resultando em 1911 na devoluo do Distrito de So Joo do Muquy diviso administrativa estadual de Cachoeiro de Itapemirim.

    Mediante a Lei Estadual No.826 de 22 de outubro de 1912, com a emancipao poltica do Municpio, em 1. de novembro de 1912, foi instalado solenemente o Municpio de So Joo de Muquy. Nesta data Muqui foi elevada categoria de vila, com territrio desmembrado de Cachoeiro de Itapemirim. Essa mesma lei confirmou a criao do Distrito sede do novo municpio, cuja instalao se verificou a 1. de novembro de 1912[]

    [] Em 15 de novembro de 1912 foram realizadas as primeiras eleies para os cargos de Governador Municipal (Prefeito) e de Juzes Distritais. O Sr. Geraldo Vianna como Vereador mais votado foi o primeiro Presidente da Cmara Municipal e primeiro Delegado de Polcia. Os primeiros vereadores eleitos foram Mathurino Evangelista de Carvalho, Fortunato Jos Ribeiro, Zehi Simo e Luiz Siano. Foi instalada a Coletoria Estadual sob a responsabilidade de Edmundo Nascimento. []

    At ento o funcionamento das reunies da cmara municipal se davam

    na casa do vereador Geraldo Viana. No ano seguinte, viu-se a necessidade de

    um espao maior para abrigar todos os setores do governo. Foi ento adquirido

    um novo local para o Pao Municipal.

    O edifcio comprado possua apenas um pavimento e em maio de 1913

    foi assinado o contrato para a construo de um novo pavimento superior em

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    alvenaria formando um novo sobrado com caractersticas da arquitetura

    ecltica. O edifcio foi inaugurado em 12 de maro de 1914 (figura 7).

    Figura 7 - Antiga sede da Prefeitura e Cmara de Vereadores Fonte: Site Cmara Municipal de Muqui

    Aps o fim do uso da edificao como sede da prefeitura, em 1926, o

    edifcio foi vendido e transformado pelo Capito Jos Assad em um

    estabelecimento de lazer, o Cine e Bar Vitria, onde vestgios das instalaes

    podem ainda ser reconhecidos.

    Atualmente o edifcio encontra-se em uso, com o Bar Vitria no

    pavimento trreo, e o pavimento superior convertido em residncia unifamiliar,

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    acrescentando ainda um terceiro pavimento, como pode ser observado na

    figura 8. Houve ainda um acrscimo lateral construo, formando uma

    varanda no pavimento superior e dando lugar a mais um ponto comercial no

    trreo. Observa-se tambm que para fins de transformar o edifcio, que antes

    era sede do governo municipal, em comrcio houve perda de alguns elementos

    da fachada, como as janelas frontais no trreo que se abriram formando duas

    novas portas, assim como na lateral e o acrscimo da marquise. J no

    pavimento superior os balces foram transformados em janela.

    Figura 8 - Edifcio Bar Vitria - 2013 Fonte: Acervo pessoal

    A SECULT entende como sendo Educao Patrimonial:

    (...) a ao de sensibilizar adultos, adolescentes e crianas para a descoberta, o conhecimento e a preservao de bens aos quais se atribui valor afetivo, esttico, histrico ou cultural por isso, to importantes para a histria da comunidade.

    A educao patrimonial deve ser algo permanente, centrado no

    patrimnio, levando sua preservao a partir da convivncia e entendimento

    do patrimnio. As pessoas devem se identificar com o bem, para que tenham

    interesse em preserv-lo.

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    Em pesquisa nos arquivos da SECULT foi encontrado algumas aes

    elaboradas pela mesma para divulgao da educao patrimonial pelo estado:

    Patrimnio Cultural: Educar para Preservar Seminrio realizado na cidade

    de Vitria no ano de 2010, para lanamento da Cartilha de Educao

    Patrimonial e tambm do Manual de Preservao do Stio Histrico de

    Muqui. O evento contou com palestras de especialistas na rea e visitas

    tcnicas.

    Pela Paisagem Cultural Capixaba Seminrio realizado na cidade de

    Pancas no ano de 2012, teve como objetivo sensibilizar e envolver a

    populao e gestores pblicos sobre a poltica de preservao do

    patrimnio cultural.

    Apesar de um dos seminrios acima citados sendo sobre a cidade de

    Muqui, no foi encontrado registros de nenhum programa voltado educao

    patrimonial, ou divulgao do bem j tombado, para que haja uma interao e

    apropriao do bem por parte da populao. Ainda no site da SECULT (rgo

    que promoveu o tombamento estadual do stio histrico de Muqui) encontra-se

    um folder de divulgao do patrimnio explicando a importncia da Educao

    Patrimonial para a preservao do mesmo. Mas, infelizmente, no foi isso o

    observado no local. A prefeitura no tem muitas informaes sobre o

    tombamento e h uma grande falta de comunicao e at mesmo de interesse

    entre os setores relacionados gesto da cidade.

    A lei de n 2.947 de 21/12/1974 que trata sobre o tombamento no prev

    nenhum tipo de divulgao do patrimnio histrico, bem como programas de

    educao. Porm, mesmo no sendo previsto em lei a educao patrimonial

    uma forma de estimular um novo olhar. Considerando que a proposta desta

    educao uma articulao dos saberes, as escolas poderiam agregar ao

    conhecimento oferecido pelo programa curricular o conhecimento tradicional da

    comunidade, podendo entrar no mbito da educao no-formal, centrando nos

    espaos da vida, como por exemplo, manifestaes culturais.

    De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educao - 9.394/1996, a

    educao abrange processos formativos que se desenvolvem, na vida familiar

    e na convivncia humana, seja no trabalho, na instituio de ensino, nos

    movimentos sociais e manifestaes culturais. Ou seja, o contexto cultural local

    de suma importncia para a formao do sujeito.

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    Um dos programas criados pelo Ministrio da Educao e Cultura

    MEC o Programa Mais Educao, onde traa roteiros de como a escola deve

    e pode se relacionar com o patrimnio, e mostrar que atravs dele pode-se

    explicar a formao de cidadania, identidade cultural, memrias e outras

    coisas.

    Observou-se em Muqui que o programa acima citado no oferecido

    nas escolas e o municpio tambm no oferece nenhum tipo de incentivo para

    a educao patrimonial no ensino bsico municipal o que contribui para

    aumentar a falta de interesse relacionada ao patrimnio.

    A Secretaria de Cultura de Muqui encontra-se sem secretrio. Sendo a

    secretria da educao uma das responsveis pela divulgao e fomentao

    de tais projetos, a viabilizao de tal deveria ser facilitada, entretanto em

    momento algum isso foi notado e projetos que poderiam trazer um grande

    destaque para a cidade continuam deixando de existir.

    Devido a esses fatos a pesquisa tomou novos rumos, e apesar de

    constar informaes sobre o tombamento de Muqui, analisando os registros em

    mbito estadual no foi encontrado a Resoluo de Tombamento do Stio

    Histrico de Muqui. Em nenhum dos documentos estaduais levantados que

    listam os tombamentos, os bens, os stios arquitetnicos e urbanos constam

    dados de Muqui.

    Em pesquisa in loco foi possvel analisar, atravs das perguntas

    aplicadas no questionrio, que a maioria das pessoas entrevistadas

    demonstrou saber o que educao patrimonial e tombamento, assim como a

    maioria delas tambm concluiu o ensino em Muqui. Porm, quando se falou

    sobre a edificao do Bar Vitria somente duas pessoas souberam responder

    sobre seu antigo uso. Observou-se tambm, que este conhecimento no foi

    adquirido em nenhum programa de educao especifico e sim por interesse

    prprio de conhecer mais sobre a cidade.

    Devido ao fato da edificao representar uma parte importante da

    histria da cidade, conclui-se que no dada a devida ateno ao que diz

    respeito sobre a educao patrimonial e preservao do bem. A divulgao da

    histria do municpio tambm falha e observa-se que apesar de ser uma

    cidade com potencial valor histrico, pouco trabalhado para que isso

    contribua para a formao da cidadania dos moradores locais que acabam no

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    usufruindo dos bens que possuem, muitas vezes por no conhecer sua histria.

    A autoestima tambm fica desvalorizada e acaba por induzir pensamentos de

    que o tombamento, ao invs de ser um aliado para facilitar a preservao da

    cidade, torna-se um vilo que atrapalha o crescimento e desenvolvimento local.

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    BIBLIOGRAFIA

    http://archiinbrazil.wordpress.com/arquitetura-ecletica/ (acessado em 27/11/2013) http://www.arquivohistoricojoinville.com.br/nucleos/Educativo/EducaPatrimo

    nial%20.pdf (acessado em 09/12/2013) http://www.camaramuqui.es.gov.br/museu_virtual.asp?id=59 (acessado em 15/10/2013) GHIRARDELLO, N.; FARIA, G. G. M. Patrimnio histrico: como e por que

    preservar. Bauru, SP: Canal 6, 2008. GRUNBERG, Evelina. Manual de atividades prticas de educao

    patrimonial - Braslia, DF: IPHAN, 2007.

    http://www.secult.es.gov.br/?id=/noticias/materia.php&cd_matia=2347 (acessado em 02/12/2013) http://www.secult.es.gov.br/?id=/noticias/materia.php&cd_matia=4343 (acessado em 02/12/2013)