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Portal III Concurso Teleco de Trabalhos de Conclusão de Curso 2007 1 REGULAMENTAÇÃO OS IMPACTOS DA PRIVATIZAÇÃO NO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRO SÃO PAULO, 2007. RESUMO Este trabalho tem por objetivo investigar o impacto causado pelas privatizações no setor de telecomunicações brasileiro. A partir dos conceitos de sistemas nacionais de inovação, paradigmas e trajetórias tecnológicas, e padrões de inovação, analisaremos diversos dados do setor no Brasil e no mundo buscando identificar, qualitativa e quantitativamente, as transformações ocorridas nas últimas duas décadas. O impacto das privatizações será avaliado em três dimensões: balança comercial, buscando identificar alguma variação na dependência externa do setor; estrutura industrial, avaliando as alterações no número de empresas, seu faturamento e pessoal empregado; e comportamento inovativo, avaliando se a internacionalização afetou a vocação inovativa do setor. A conclusão deste trabalho é a de que não há indícios de que as privatizações tenham tido um impacto negativo no setor de telecomunicações do país, ao menos nas três dimensões avaliadas. Palavras-chave: telecomunicações; privatizações; inovação; paradigmas tecnológicos. 1. INTRODUÇÃO 1.1 Arcabouço teórico A partir da definição de sistema nacional de inovação dada pela OECD (OECD, 1997), uma dificuldade se impõe: como aplicar este conceito aos países em desenvolvimento? Esta questão se coloca na medida em que não podemos definir seus sistemas de inovação em termos de fronteiras geográficas de um país. Os departamentos de P&D e engenharia das empresas multinacionais são elementos importantes deste sistema. Conquanto participem ativamente da dinâmica tecnológica nacional, as raízes de seu comportamento inovativo não necessariamente se encontram no país onde está localizada fisicamente. Esta é a configuração encontrada no setor de telecomunicações brasileiro e, portanto, teceremos algumas considerações sobre o sistema local de inovações a ele vinculado. No âmbito econômico as telecomunicações eram vistas como um bem público, por causa de suas características de monopólio natural. Sob o novo paradigma a competição em diversos segmentos da indústria tornou-se viável, permitindo que o setor privado pudesse operar sob a égide da competição. Os governos, antes operadores do setor, instituíram autoridades reguladoras independentes. No âmbito tecnológico observamos, durante a década de 70, o surgimento de um novo paradigma tecnológico, o óptico-digital substituindo o eletromecânico. Quando falamos de mudança de paradigma tecnológico, nos referimos ao conceito encontrado no trabalho seminal de Dosi (1982). Neste trabalho Dosi define o que ele entende por tecnologia e paradigma. Para Dosi “... Tecnologia... inclui a percepção de um conjunto limitado de alternativas tecnológicas possíveis e de desenvolvimentos especulativos futuros.” Para definir paradigma tecnológico Dosi toma emprestado o conceito Kuhniano de paradigma científico. Dosi define paradigma tecnológico como “... um modelo e um padrão de soluções de problemas tecnológicos selecionados, baseados em princípios selecionados das ciências naturais e sobre tecnologias materiais selecionadas.” Associada ao conceito de paradigma tecnológico, Dosi define trajetória tecnológica como “... o padrão das atividades normais de solução de problemas (isto é, progresso) baseado num paradigma tecnológico”. Ou seja, um paradigma tecnológico define a direção do progresso técnico e, ao defini-la, exclui todas as outras. Uma questão crucial que se coloca, então, é como surge um paradigma tecnológico. E porque ele, e não outro? Dosi, ao examinar a seqüência ciência-tecnologia-produção, formula a hipótese de que forças econômicas associadas a fatores institucionais e sociais operam como um dispositivo seletor, identificando dentre as diversas direções possíveis de desenvolvimento especulativo

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Artigo sobre privatização no setor de telecomunicações.

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REGULAMENTAÇÃO

OS IMPACTOS DA PRIVATIZAÇÃO NO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRO

SÃO PAULO, 2007.

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo investigar o impacto causado pelas privatizações no setor de telecomunicações brasileiro. A partir dos conceitos de sistemas nacionais de inovação, paradigmas e trajetórias tecnológicas, e padrões de inovação, analisaremos diversos dados do setor no Brasil e no mundo buscando identificar, qualitativa e quantitativamente, as transformações ocorridas nas últimas duas décadas. O impacto das privatizações será avaliado em três dimensões: balança comercial, buscando identificar alguma variação na dependência externa do setor; estrutura industrial, avaliando as alterações no número de empresas, seu faturamento e pessoal empregado; e comportamento inovativo, avaliando se a internacionalização afetou a vocação inovativa do setor. A conclusão deste trabalho é a de que não há indícios de que as privatizações tenham tido um impacto negativo no setor de telecomunicações do país, ao menos nas três dimensões avaliadas.

Palavras-chave: telecomunicações; privatizações; inovação; paradigmas tecnológicos.

1. INTRODUÇÃO

1.1 Arcabouço teórico

A partir da definição de sistema nacional de inovação dada pela OECD (OECD, 1997), uma dificuldade se impõe: como aplicar este conceito aos países em desenvolvimento? Esta questão se coloca na medida em que não podemos definir seus sistemas de inovação em termos de fronteiras geográficas de um país. Os departamentos de P&D e engenharia das empresas multinacionais são elementos importantes deste sistema. Conquanto participem ativamente da dinâmica tecnológica nacional, as raízes de seu comportamento inovativo não necessariamente se encontram no país onde está localizada fisicamente. Esta é a configuração encontrada no setor de telecomunicações brasileiro e, portanto, teceremos algumas considerações sobre o sistema local de inovações a ele vinculado.

No âmbito econômico as telecomunicações eram vistas como um bem público, por causa de suas características de monopólio natural. Sob o novo paradigma a competição em diversos segmentos da indústria tornou-se viável, permitindo que o setor privado pudesse operar sob a égide da competição. Os governos, antes operadores do setor, instituíram autoridades reguladoras independentes.

No âmbito tecnológico observamos, durante a década de 70, o surgimento de um novo paradigma tecnológico, o óptico-digital substituindo o eletromecânico. Quando falamos de mudança de paradigma tecnológico, nos referimos ao conceito encontrado no trabalho seminal de Dosi (1982). Neste trabalho Dosi define o que ele entende por tecnologia e paradigma. Para Dosi “... Tecnologia... inclui a percepção de um conjunto limitado de alternativas tecnológicas possíveis e de desenvolvimentos especulativos futuros.” Para definir paradigma tecnológico Dosi toma emprestado o conceito Kuhniano de paradigma científico. Dosi define paradigma tecnológico como “... um modelo e um padrão de soluções de problemas tecnológicos selecionados, baseados em princípios selecionados das ciências naturais e sobre tecnologias materiais selecionadas.” Associada ao conceito de paradigma tecnológico, Dosi define trajetória tecnológica como “... o padrão das atividades normais de solução de problemas (isto é, progresso) baseado num paradigma tecnológico”. Ou seja, um paradigma tecnológico define a direção do progresso técnico e, ao defini-la, exclui todas as outras.

Uma questão crucial que se coloca, então, é como surge um paradigma tecnológico. E porque ele, e não outro? Dosi, ao examinar a seqüência ciência-tecnologia-produção, formula a hipótese de que forças econômicas associadas a fatores institucionais e sociais operam como um dispositivo seletor, identificando dentre as diversas direções possíveis de desenvolvimento especulativo

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permitidas pela ciência, aquelas em que se possa conceber alguma aplicação prática e esta ser comercializável. Uma vez que um paradigma é escolhido, a trajetória natural de progresso técnico estará definida. A fronteira tecnológica pode ser definida como o maior nível possível de ser alcançado numa dada trajetória e o progresso dentro dela é cumulativo. É muito difícil “saltar” de uma trajetória tecnológica para outra, pois na maioria das vezes volta-se ao princípio da nova trajetória, e também muito difícil comparar diferentes trajetórias.

O último ponto abordado por Dosi, e que guarda uma forte relação com este trabalho, é o relacionamento entre mudanças técnicas e mudanças sócio-econômicas. Para Dosi a mudança técnica é tanto fator de transformação quanto fator de ajuste, ou seja, a mudança técnica induz transformação sócio-econômica e ao mesmo tempo é um mecanismo de ajuste à mesma transformação. Mas Dosi chama a atenção para o fato de que não é possível identificar relação de causalidade ou sincronia entre estes dois efeitos. No caso específico das telecomunicações, podemos dizer que o novo paradigma possibilitou o aumento da competição e esta, por sua vez, contribuiu para a aceleração do progresso técnico, diminuindo significativamente os ciclos de inovação. Esta diminuição do ciclo de inovação, no entanto, só foi possível graças às características intrínsecas ao paradigma.

Outro trabalho de referência é o de Pavitt (1984) sobre padrões setoriais de mudança técnica, no qual ele analisou cerca de 2000 inovações ocorridas na Grã-Bretanha em quarenta anos. Ao analisar os dados a respeito das inovações, Pavitt relacionou-as a três atributos: o setor em que elas foram produzidas; o setor que as utilizaria; e o setor da principal atividade da firma inovativa. A partir destes atributos Pavitt criou cinco categorias, que foram definidas com cinco combinações possíveis destes atributos: os setores de produção, uso e principal atividade são os mesmos; os de produção e uso são os mesmos e a principal atividade está em outro; os de produção e principal atividade são os mesmos e o uso se dá num setor diferente; os de uso e principal atividade são os mesmos e a produção se dá num terceiro; e, finalmente, produção, uso e principal atividade estão situados em setores diferentes. Com isso Pavitt conseguiu comparar os setores em termos de quais eram os setores de origem das tecnologias usadas dentro de um setor, as fontes e a natureza institucional da tecnologia produzida em um setor, e o que caracteriza as empresas inovativas, tais como tamanho e diversificação tecnológica.

A primeira característica observada por Pavitt a cerca de inovações, e empresas inovativas, é que a maior parte do conhecimento aplicado pelas empresas não é de uso geral e não pode ser facilmente transmitido ou reproduzido, mas apropriado por aplicações específicas e empresas específicas. A segunda característica é a variabilidade, tanto na importância de inovações de processo e produto, quanto nas fontes de tecnologia, no tamanho e no padrão de diversificação tecnológica das empresas. A partir destes elementos constitutivos Pavitt propõe uma taxonomia, classificando as empresas em três conjuntos principais: setores dominados pelos fornecedores, setores intensivos em produção e setores baseados em ciência. Nos setores dominados pelos fornecedores a maioria das inovações vem dos fornecedores de equipamentos e materiais, caso clássico da indústria de vestuário, na qual as inovações vêm ou de novos equipamentos, ou de novos insumos. Nestes as atividades inovativas são direcionadas para inovações em processos Nos setores intensivos em produção podemos distinguir aqueles que são produtores em larga escala daqueles que são produtores de equipamentos especializados, mas em menor escala. No primeiro caso a vantagem tecnológica está na capacidade de projetar, construir e operar processos contínuos em larga escala ou projetar e integrar sistemas de montagem em larga escala a fim de produzir um bem final. No segundo caso o sucesso depende de que as habilidades específicas da empresa se reflitam em melhoria contínua no projeto do produto e em sua confiabilidade, além da habilidade de responder prontamente às necessidades dos clientes. Nos setores baseados em ciência as principais fontes de tecnologia são as atividades de P&D nas empresas do setor, baseadas no desenvolvimento rápido fundamentado no conhecimento científico das universidades ou outras fontes. É o caso da química orgânica ou inorgânica, para a indústria química; e do eletromagnetismo e física do estado sólido, para a indústria eletrônica.

1.2 Abordagem metodológica

Começamos nossa análise observando as mudanças ocorridas ao redor do mundo no setor de telecomunicações. Uma importante fonte de dados para acompanhar a evolução de diversos

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países é a União Internacional de Telecomunicações (ITU). Estes dados nos permitirão avaliar a evolução do acesso à telefonia fixa e telefonia móvel ao redor do mundo, comparando-as com o Brasil. Concentraremos nossa análise em alguns países da OCDE, três “newcomers” (China, Índia e Coréia) e dois da América Latina (México e Argentina), entre 1994 e 2005. Para avaliar o grau de dependência externa analisaremos a evolução da balança comercial do setor. Para tanto utilizaremos a base de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio do Brasil, de janeiro de 1989 até março de 2007. Levantamos os dados mensais de importação e exportação do setor, representado pelo capítulo 85.17 da Nomenclatura Comum do Mercosul. Para termos os dados consolidados e ao mesmo tempo detalhados por produto, a pesquisa foi feita em toda a faixa compreendida entre os códigos 85.17.0000 a 85.17.9999. Para identificar as transformações ocorridas na estrutura do setor nossa fonte de dados foi o IBGE, através da PIA – Pesquisa Industrial Anual. Consultamos tanto a PIA-Empresa quanto a PIA-Produto no período disponível, qual seja, de 1996 a 2004. A identificação das empresas seguiu a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) Grupo 32.2 – fabricação de aparelhos e equipamentos de telefonia e radiotelefonia e de transmissores de televisão e rádio. Ainda com os dados da PIA avaliamos a evolução das operadoras de telefonia, no Grupo 64.2 – telecomunicações, que apesar de em número reduzido face aos inúmeros prestadores de serviço no grupo, pelo volume das operações têm uma participação destacada.

Uma discussão subjacente a essa mudança de paradigma é a questão da inovação no setor de telecomunicações. Como ela está organizada? Como se comportou durante essa mudança de paradigma? Infelizmente não temos dados mais detalhados sobre a dinâmica da inovação do setor durante essas duas décadas, mas procuraremos enriquecer esta discussão com alguma análise quantitativa para ilustrar as conclusões deste trabalho. Utilizaremos dados das duas últimas PINTEC – Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica. Nestas pesquisas, em suas edições de 2000 e 2003, buscamos identificar o comportamento inovador das empresas do setor. Infelizmente a nossa análise aqui será apenas qualitativa, face essas pesquisas representarem apenas fotografias destas empresas nestes anos específicos, não sendo possível aferir nenhuma tendência, tão pouco identificar que impacto o evento que estamos estudando, as privatizações, causaram em seu comportamento inovativo. Finalizando nossa investigação sobre como se comportou a inovação no setor de telecomunicações no Brasil nestas últimas duas décadas, analisaremos os dados sobre o Grupo 73.1 – pesquisa e desenvolvimento das ciências físicas e naturais da PIA. Nossa intenção é utilizar o grupo como uma Proxy do que pode ter acontecido com P&D no setor de telecomunicações.

1.3 Revisão da literatura

Cassiolato (2001), em seu trabalho sobre sistemas locais de inovação no Brasil conclui que as subsidiárias das companhias multinacionais reduziram suas atividades inovativas e tecnológicas locais; que os esforços inovativos e mesmo de produção dentro dos clusters locais estão diminuindo; que as redes inovativas e produtivas estão sendo desarticuladas; e o nível de emprego de pessoal especializado dentro dos clusters diminuiu. Szapiro (2003) volta sua atenção para os impactos causados no sistema setorial de inovação, que na sua visão sai bastante enfraquecido do processo de reestruturação do setor, tendo perdido sua visão sistêmica e capacidade produtiva.

Shima (2004) conclui que a privatização do setor de telecomunicações no Brasil teve um grande impacto sobre o sistema local de inovação. Ele observa, no entanto, que tal impacto foi mais qualitativo que quantitativo. O que ocorreu foi que a capacidade inovativa do setor, antes concentrada no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás (CPqD), começou a se espalhar pelos departamentos de P&D das multinacionais. A questão que ele coloca, no entanto, é se a lógica de P&D “demandada” é a mais adequada ao desenvolvimento do país, pois ela garante apenas mudanças incrementais, mantendo a dependência tecnológica do país.

Diegues (2006) conclui que o pólo de tecnologia da informação e comunicação de Campinas passou por intensas transformações, com o surgimento de novas empresas, o desaparecimento de outras e a redefinição do papel das instituições locais. As atividades tecnológicas, no entanto, foram preservadas, graças ao arcabouço institucional existente a região. Leal (2006) chama a atenção para as mudanças no setor de telecomunicações a nível global, onde cada vez mais o

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software ganha importância devido à crescente convergência de tecnologias. Leal sugere que os fornecedores locais são uma importante fonte de inovações no setor, embora dependentes das estratégias das companhias multinacionais.

Na visão de Mani (2002), o CPqD, principal ator até então do sistema local de inovação em telecomunicações no Brasil, está aprendendo a responder rapidamente às mudanças em seu ambiente externo. Além da capacidade inovativa em equipamentos de comutação, está também desenvolvendo competências em manufatura e marketing, além de esforços consideráveis em softwares voltados para telecomunicações. Mani também destaca o papel do Estado brasileiro ao disponibilizar uma série de instrumentos legais e fiscais para manter essa capacidade inovativa. Mani conclui que o sistema setorial de inovação em telecomunicações está respondendo positivamente ao lidar com os efeitos negativos da globalização, servindo de exemplo para outros países em desenvolvimento.

2. O SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES NO MUNDO

2.1 Evolução do setor de telecomunicações

Quando nos propomos a avaliar quantitativamente as transformações do setor de telecomunicações ocorridas no Brasil nas últimas duas décadas, não podemos fazê-lo sem antes lançar um olhar para o resto do mundo e observar o que estava acontecendo com o setor a nível mundial. Essa discussão terá um suporte valioso nos trabalhos de Fransman (2000 e 2002), que soube muito bem identificar essa mudança de paradigma no setor, bem como analisou o boom de investimentos fruto desse novo paradigma. Em Fransman (2000) é apresentada a evolução do setor a partir de meados dos anos 80, com o começo da liberalização no Japão, Reino Unido e Estados Unidos, e as causas dessa mudança. Na década de 90, com a adesão da Comunidade Européia a esse processo, havia um consenso disseminado de que a liberalização das telecomunicações era inevitável.

Fransman coloca como um fator chave para a transformação ocorrida no setor ao redor do mundo a mudança do regime tecnológico da indústria. Em linhas gerais podemos dizer que, dentro da taxonomia proposta por Pavitt (1984), o setor que antes poderia ser enquadrado dentro da categoria onde os setores de produção, uso e principal atividade das firmas eram os mesmos, se deslocou nesse período para a categoria onde a principal atividade das firmas e uso da inovação estão nos mesmos setores, mas a produção da inovação está em outro.

Faz-se necessário, no entanto, tecer alguns comentários sobre a adequação da taxonomia Pavitt à dinâmica descrita por Fransman. Segundo este último, o setor poderia ser dividido em três camadas: a camada de equipamentos, a camada de rede e a camada de serviços. As camadas de rede e serviços estavam dentro da mesma empresa, a operadora de telefonia, enquanto que os fornecedores de equipamentos estavam organizados em empresas diferentes. Apesar de formalmente separados, operadores e fornecedores estavam umbilicalmente ligados, uma vez que, dada a característica de monopólio natural das operadoras, os fornecedores tinham apenas elas como clientes.

As operadoras de telefonia representavam o motor das inovações do setor. As inovações eram desenvolvidas em seus laboratórios, sendo repassadas aos fornecedores, para ajustes e produção, voltando às operadoras para testes, pois apenas estas dispunham da rede e das condições para fazê-los. Segundo Fransman, tal organização dava ao sistema de inovação um caráter fechado e com altas barreiras à entrada. Havia poucos inovadores e a base de conhecimento era fragmentada. Havia poucos incentivos às inovações, apesar de inovações incrementais e mesmo radicais terem acontecido, e o processo era lento e seqüencial.

A partir de meados dos anos 80 ocorreram mudanças significativas, tanto no aspecto da organização econômica, quanto no regime tecnológico. A partir de então teve curso uma crescente desregulamentação do setor, privatização das empresas antes estatais e separação mais clara entre as empresas de rede e as prestadoras de serviço. Concomitantemente, observa-se um deslocamento do motor inovativo das operadoras de telefonia para os fabricantes de equipamentos. Analisando o regime tecnológico, observa-se agora uma pulverização da capacidade inovativa do setor, dividida entre os diversos fornecedores de equipamentos. O

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sistema de inovação tornou-se aberto, com baixas barreiras à entrada e com muitos inovadores. Como agora os fabricantes forneciam para diversas operadoras, havia uma base comum de conhecimento e a busca por clientes passou a ser o incentivo à inovação, que agora era mais rápida e acontecia de forma concorrente nos vários fornecedores.

Voltando a Pavitt, podemos classificar o setor, inicialmente, como pertencente à categoria de empresas intensivas em produção, com um misto de escala intensiva e fornecedores especializados, e depois dividido claramente em dois: as operadoras, cuja trajetória tecnológica é dominada pelos fornecedores; e os fabricantes, no setor intensivo em produção, fornecendo equipamentos especializados. A taxonomia Pavitt nos leva aos mesmos resultados apontados por Fransman: houve um aumento no dinamismo tecnológico do setor.

2.2 Desregulamentação do setor de telecomunicações

Aquela época vivia o auge de um pensamento econômico que pregava que os governos deviam enfatizar um pequeno número de atividades essenciais deixando as decisões relativas à alocação de recursos para o setor privado. Depois de um longo período após a segunda guerra mundial, no qual os governos de vários países ampliaram a participação do Estado na economia, vários motivos levaram a uma mudança de atitude. Paralelamente ao processo de mudança de regime tecnológico, estavam também ocorrendo mudanças no cenário econômico. Como apontado por Kelly (1999) e Wallsten (2002) havia uma tendência mundial apontando na direção da desregulamentação, privatização e posterior regulação no setor.

Este movimento mundial de privatizações das empresas de telecomunicações atingiu seu auge na segunda metade da década de 90. Duas importantes privatizações ocorreram ainda na década de 80: a British Telecom do Reino Unido, em 1984 e a Nippon Telephone and Telegraph do Japão, em 1985. Dos 135 países observados ao final de 2005, tínhamos quatro cujo setor de telecomunicações sempre foi privado, 102 que haviam privatizado, total ou parcialmente, suas empresas de telecomunicações, e apenas 29 cujo setor ainda era estatal. Uma análise mais detalhada da evolução Setor de Telecomunicações no mundo pode ser obtida em Fransman (2002).

2.3 Análise comparada dos indicadores no setor de telecomunicações

Como este movimento de desregulamentação, privatização e regulação afetou os indicadores do setor de telecomunicações ao redor do mundo? Analisamos, então, dados comparativos de diversos países no que diz respeito a dois indicadores principais: número de telefones fixos instalados e número de acessos à telefonia móvel. Comparando a evolução do número de telefones fixos instalados e a teledensidade (densidade de linhas telefônicas por grupo de 100 habitantes) é possível observar que, com exceção do Japão, Reino Unido e Itália, todos os demais países apresentaram crescimento no número de telefones instalados, Destacamos, ainda, o acentuado crescimento de Brasil, China, Índia e Rússia. O Brasil apresenta certa saturação a partir do ano 2001, enquanto que China, Índia e Rússia continuam subindo. Ressaltamos também que em 2002 a China supera os Estados Unidos, sendo que no ano de 2005 os Estados Unidos tem quase 180 milhões e a China ultrapassa os 310 milhões de telefones fixos instalados. É possível observar que enquanto os países da OCDE e a Coréia passam de uma teledensidade entre 38% e 58% para algo entre 42% e 66%, com um crescimento entre 10% a 15%, os países em desenvolvimento tem um crescimento muito mais acentuado. O Brasil multiplica quase três vezes a sua teledensidade, enquanto que a Índia quatro vezes e a China mais de 11 vezes.

A análise apenas dos dados da telefonia fixa não nos diz tudo a respeito da evolução das telecomunicações ao redor do mundo. Analisamos os dados referentes aos números de assinantes dos serviços de telefonia móvel e a teledensidade desse serviço. Uma característica comum é que todos os países saíram de uma base instalada muito baixa e obtiveram crescimento expressivo. Destacamos aqui Rússia, Índia e Brasil, que apresentaram as mais altas taxas de crescimento. Ao observar a densidade do serviço de telefonia móvel notamos que a densidade do serviço na Itália e no Reino Unido ultrapassa 100%. Lembremos então, na análise da telefonia fixa, que havíamos observado quedas na Itália e no Reino Unido, além do Japão. Podemos dizer que nestes casos foi possível observar o efeito substituição.

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3. A BALANÇA COMERCIAL DO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES

3.1 Análise qualitativa

Observamos que houve uma grande transformação, quantitativa e qualitativa, nos últimos vinte anos na pauta de importações e exportações do setor. Ao analisarmos os números agregados, a dimensão quantitativa fica evidente, mas também há mudanças qualitativas. Avaliando a pauta de exportações e importações em três anos específicos, temos que: em 1989, início da nossa análise o setor importou 20 tipos de produtos e exportou 15. Destes, 13 eram coincidentes nas duas pautas. Já no ano de 1998 a pauta de importações do setor contava com 47 tipos de produto e a de exportações com 36. Todas as 36 mercadorias exportadas também faziam parte da pauta de importações. Analisando, por fim, o ano de 2006, observamos que a pauta de importações agora conta com 44 itens, enquanto que a pauta de exportações contem 34, todos eles também incidentes na pauta de importações.

Este é apenas o primeiro indício de que o cenário pós-privatização não foi tão ruim para as empresas do grupo como se poderia acreditar. Pode-se observar claramente um crescimento vertiginoso no número de itens na pauta de importações do setor, mas também se observa o crescimento no número de itens na pauta de exportações. É possível observar que o número de itens na pauta de importações apresenta uma descontinuidade muito forte em fevereiro de 1997, estabilizando nos cinco anos seguintes e depois apresentando uma queda considerável. O número de itens exportados teve um crescimento consistente, estabilizando a partir de 2004. Tais observações permitem concluir que, dada a coincidência entre as pautas de importação e exportação, não se percebe o sucateamento da indústria nacional. Se no ano de 2006 77% da nossa pauta de importações também era exportada, percebe-se mais uma conveniência comercial e operacional das empresas do que falta de capacitação.

Se nos ativermos à cronologia dos fatos podemos dizer que o “boom” inicial das importações (1997) foi conduzido pelo setor estatal. Não se pode dizer, então, que as operadoras internacionais que assumiram o sistema e privilegiaram seus fornecedores tradicionais nos países de origem. Tal decisão deve ser entendida como técnica: ou não havia capacidade produtiva para atender à necessidade de investimentos, ou tecnológica, no novo paradigma.

3.2 Análise quantitativa

Analisando os resultados de exportações e importações no período compreendido entre janeiro de 1989 e dezembro de 2006 percebemos claramente que a balança comercial do setor de telecomunicações era positiva no final dos anos 80 e início da década de 90. O ano de 1991 pode ser considerado como ponto de inversão. A partir deste ponto há uma forte tendência de crescimento das importações no setor. Esse comportamento pode ser facilmente explicado pelo fato de que o setor era abrangido pela Lei de Informática (7.232/84) que estabelecia a reserva de mercado também para o setor. A Lei estabelecia que sempre que houvesse similar nacional seria vedada a importação. Em 1991 foi editada a Lei 8.248 que pôs fim à reserva. Ou seja, a abertura comercial dos anos 90 já começava a mudar o perfil da balança comercial do setor. Apesar da oscilação observada, não conseguimos distinguir uma tendência clara de aumento do déficit com a privatização. E se observarmos o ambiente macroeconômico do Brasil naquela época, após a implantação do Plano Real, houve uma valorização do Real frente ao Dólar, o que levou a desequilíbrios na balança comercial do país como um todo. Em 98 e 99 temos uma atenuação do crescimento das importações que podem em parte ser atribuída às sucessivas crises internacionais, que culminaram com a desvalorização da moeda brasileira em 99. Já a queda das importações em 2002 pode ser em parte associada às incertezas da corrida presidencial, que levou a uma forte desvalorização do Real.

Podemos também analisar o comportamento da balança comercial do setor de telecomunicações à luz do que acontecia no resto do mundo naquele período. Fransman (2002) analisou este fenômeno, que chamou de “boom” e “bust” do setor. Trazendo para o contexto do setor de telecomunicações no Brasil, podemos dizer que o excesso de otimismo do mercado, que se traduziu inicialmente em altos lucros, fez com que houvesse uma “demanda” dos investidores por oportunidades de investimento. O Brasil, que estava abrindo seu setor de telecomunicações, era uma opção bastante atraente. Havia uma enorme demanda reprimida, tanto em serviços

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sofisticados, como telefonia celular digital e infra-estrutura para Internet de banda larga, como também em serviços básicos, como a telefonia fixa, Houve então uma grande aceleração dos investimentos em telefonia. Com a quebra das expectativas sobre a rentabilidade dos investimentos, houve um enorme refluxo desses investimentos, o que também poderia explicar parte da queda que observamos no Brasil em 2002.

4. ESTRUTURA INDUSTRIAL DO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES

4.1 Grupo de fabricação de equipamentos de telefonia

O segundo passo na nossa análise do impacto causado pelas privatizações no setor de telecomunicações é avaliar a estrutura produtiva do setor antes e depois de 1998 e observar as transformações. Os primeiros dados que avaliamos são os que indicam o número de empresas no grupo de fabricação e manutenção de aparelhos e equipamentos. Constatamos que o evento privatizações não teve um impacto observável no número de empresas do setor. Percebemos que o número de empresas no grupo de fabricação apresenta leve queda de 1996 a 1998, quando efetivamente se dá a privatização, e a partir daí apresenta certo crescimento, ocorrendo depois uma queda em 2003. Percebemos, sim, um crescimento vertiginoso do faturamento das empresas do grupo. A receita quase quadruplicou entre 1998 e 2001 e, mesmo com a queda ocorrida em 2002 e 2003, recuperou-se em 2004 e se encontra acima dos 20 bilhões de reais. Devemos, no entanto, chamar a atenção para o fato de que na preparação para o processo de privatização houve um acentuado processo de recuperação nas tarifas. Mesmo após as privatizações a estrutura de regulação previa que os serviços seriam reajustados pelo IGP-M, da FGV. Na composição desse índice há um peso considerável dos preços de atacado, e estes têm uma correlação muito grande com a cotação do dólar. A desvalorização do Real com certeza contribuiu para o aumento de receita até o ano de 2001. O crescimento de 2004 pode ser creditado à recuperação econômica que tivemos naquele ano.

Analisando agora o quantitativo de pessoal ocupado, percebemos claramente um aumento de mais de 50% do pessoal ocupado entre 1998 e 2000. Com a crise das de 2001 houve também uma forte redução no quadro, com recuperação no ano de 2004, voltando aos níveis de 1996. Uma possível interpretação para esses números é que com a privatização houve um esforço concentrado no sentido de atingir as metas acordadas com o órgão regulador. Com o atendimento das metas e a crise de 2001 houve um forte enxugamento. Avaliando a evolução do salário per capita no setor, deflacionados pelo IPCA de dezembro de cada ano, tendo como base o salário de 2004, percebemos que houve um crescimento no ano de 2001, mas com uma posterior queda, voltando aos níveis históricos.

Do conjunto de dados analisados nesta seção não podemos concluir que as privatizações tenham causado qualquer impacto, ao menos negativo, na estrutura industrial do setor. Nossa análise, no entanto, não faz distinção entre a nacionalidade do capital das empresas. Loural (2006) faz uma a análise a partir de 1990, segundo a qual a aceleração da inflação e a redução dos mecanismos de financiamento de longo prazo afetaram seriamente a estratégia dos fabricantes nacionais. Em poucos anos havia uma significativa defasagem tecnológica entre fabricantes brasileiros e estrangeiros. A alternativa encontrada foi fazer parcerias com fontes externas de tecnologia enfraquecendo o modelo de desenvolvimento de inovações concebido na década de 70. Com a introdução do Plano Real, a taxa de câmbio favoreceu os competidores externos, enfraquecendo ainda mais os fabricantes locais. Isto contribuiu para um intenso processo de aquisição de companhias brasileiras por grupos estrangeiros. Em 1994 as companhias de capital brasileiro tinham uma participação de cerca de 25% das vendas. Entretanto, em 1988 a participação das companhias nacionais já havia caído para perto de 10%, chegando a apenas 5% em 2002. Com base nos dados observados, a nacionalidade do capital de maneira alguma enfraqueceu a estrutura industrial do setor. A manutenção dos empregos e dos salários per capita, que de alguma forma sinalizam a qualidade destes empregos, também constituem bons indicativos de que o setor não foi desmantelado.

4.2 Grupo de serviços de telecomunicações

No grupo de serviços de telecomunicações o desempenho é ainda mais pujante. Observamos alguma oscilação entre 1996 e 1998, fruto talvez da reestruturação do setor (aglutinação das

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operadas estaduais em operadoras regionais) que também deve ter afetado os inúmeros prestadores de serviço no setor. Mas, a partir de 1998 é possível observar um crescimento acelerado, atingindo em 2004 um volume quase 180% superior ao de 1996. Já no caso do número de pessoas empregadas observamos uma diminuição consistente no grupo de serviços de telecomunicações. Aqui há dois fenômenos aos quais pode ser atribuída essa queda: a terceirização crescente de mão de obra, com a contratação de profissionais como pessoa jurídica (profissionais mais especializados) e cooperativas de trabalhadores (profissionais menos especializados); e a própria evolução técnica do setor, que atingiu ganhos expressivos de produtividade, levando à redução de pessoal empregado. Uma observação que não pode deixar de ser feita é que o setor de serviços de telecomunicações é um setor intensivo em mão de obra, com forte dependência em relação ao desempenho da economia como um todo. A recuperação de 2004 pode muito bem estar associada ao início da recuperação da economia como um todo, passado o vale de 2002 e 2003.

5. INOVAÇÃO NO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES

5.1 Análise dos dados da PINTEC

A dificuldade que temos em analisar a capacidade inovativa no setor de telecomunicações deve-se a pouca disponibilidade de dados a este respeito. A primeira pesquisa cujo foco era a investigação da capacidade inovativa das empresas brasileiras foi feita em 2000. Trata-se da PINTEC - Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica. Outra pesquisa foi realizada em 2003. Temos, portanto, duas fotografias para analisar. Como não podemos avaliar a evolução da capacidade inovativa das empresas do setor ao longo do tempo, nos resta uma análise, também relevante, da capacidade inovativa do setor frente ao conjunto da indústria brasileira. Se uma das questões levantadas, quando da privatização, era o desmantelamento de sua capacidade inovativa, vamos avaliar tal capacidade em 2000 e 2003, comparada-a o conjunto dos outros setores. A hipótese aqui é que a internacionalização no setor de telecomunicações é maior do que no conjunto da indústria brasileira. Tentaremos, portanto, identificar se o grau de internacionalização põe obstáculos à vocação inovativa das empresas.

Em seu estudo sobre o comportamento tecnológico das empresas no setor de telecomunicações no Brasil, Galina (2002 e 2005) verifica que o setor de telecomunicações é um dos mais inovadores do país. Ressalta, no entanto, que a execução local de algumas atividades de pesquisa e desenvolvimento não leva necessariamente a produtos inovadores, no que diz respeito à geração de patentes. Numa análise qualitativa Galina verificou o envolvimento das empresas fornecedoras de equipamentos em alguns nichos, sendo esse envolvimento basicamente motivado pelo uso de incentivos fiscais, que não são capazes de garantir a sua manutenção ao longo do tempo. Podemos perceber, com pequenas variações entre 2000 e 2003, que os números referentes às empresas do setor são bem superiores aos do conjunto da indústria nacional. A média de empresas que efetuaram alguma inovação em 2000 (1998 a 2000) e 2003 (2001 a 2003) foi de 62,1% e 51,6%, respectivamente. Quase 100%, no primeiro caso, e 55%, no segundo, superiores ao conjunto da indústria. Devemos ressalvar que o faturamento bruto médio por empresa do grupo é bem maior que a média da base e que há forte correlação entre investimentos em P&D e faturamento.

DADOS SOBRE EMPRESAS QUE INVESTEM EM INOVAÇÃO

2000 2003

Perfil das Empresas Média da

Base Média do Grupo*

Média da Base

Média do Grupo*

Nº Total de Empresas 72.005 298 84.262 306

Nº de Empresas que implementaram inovações 22.698 185 28.036 158

Taxa de Inovação (%) (Nº emp inov/ tot emp) 31,5 62,1 33,3 51,6

Faturamento Bruto – Média por empresa (R$ 1000) 8.088 70.105 11.318 68.437

Nº de Pessoas ocupadas – média por empresa 69 191 64 135

Tabela 1 – Quantitativos de empresas do grupo de telecomunicações relativos à inovação. Fonte: IBGE – PINTEC (2000 e 2003)

Analisando os dispêndios efetivados em inovação fica evidente a preocupação das empresas do grupo em investir em tecnologia. O gasto total em atividades inovativas chega a seis vezes o

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valor gasto pelo conjunto da empresas brasileiras. Um ponto que pode ser observado é o efeito da queda de investimentos em telecomunicação, acontecida a partir de 2002, sobre os dispêndios em atividade inovativa no setor. Avaliando os valores com referência ao percentual do faturamento líquido percebemos uma queda de mais de 20% dos dispêndios. Em linhas gerais podemos dizer que os dispêndios em P&D se mantiveram, com destaque para um forte crescimento de dispêndios com a introdução de inovações no mercado e com aquisição externa de P&D. Contrabalançando tivemos quedas sensíveis em aquisição de outros conhecimentos externos, em projetos industriais, treinamento e atividades internas de P&D. Esses dados evidenciam uma tendência de exteriorização das atividades de P&D nas empresas do grupo, com estas se concentrando apenas nas atividades de introdução dos produtos no mercado.

INTENSIDADE DA INOVAÇÃO (DISPÊNDIOS) – MÉDIA POR EMPRESA

2000 2003

Dispêndios em inovação Média da

Base Média do Grupo*

Média da Base

Média do Grupo*

Em atividades inovativas (R$ 1000) 1.166 6.221 1137 6351

Em atividades internas de P&D (R$ 1000) 504 3.316 1032 3157

Com treinamento (R$ 1000) 61 303 83,92 122

Com introdução de inovação no mercado (R$ 1000) 248 480 269 2007

Com projetos industriais e outras preparações técnicas (R$ 1000) 405 1.141 389 390

Com Aquisição externa de P&D (R$ 1000) 378 2.609 561 4797

Com aquisição de outros conhecimentos externos (R$ 1000) 401 1.792 392 558

Com aquisição de máquinas e equipamentos (R$ 1000) 751 2.906 716 2943

Incidência dos gastos em atividades inovativas /receita de vendas 3,8% 5% 2,5% 4,1%

Incidência dos gastos em atividades internas de P&D/receita de vendas 0,64% 1,75% 0,53% 1,3%

* Seção 32, Grupo 32.2 (fabricação de aparelhos e equipamentos e comunicações) segundo classificação CNAE

Tabela 1 – Quantitativos de empresas do grupo de Telecomunicações relativos à inovação. Fonte: IBGE – PINTEC (2000 e 2003)

O que podemos inferir desses dados é que, se num primeiro momento o motor da inovação se deslocou das operadoras de telefonia para os fornecedores de equipamentos, agora observamos um segundo movimento, que é o dos fornecedores terceirizando sua P&D, seja através de empresas menores, focadas em nichos de tecnologia, seja importando tecnologia. Este é um ponto em que cabe uma análise mais detalhada: a terceirização da P&D está se dando através da contratação de empresas menores, mais especializadas, ainda no Brasil, ou está seguindo o caminho da importação?

5.2 Estrutura industrial de P&D

Para investigar o que teria acontecido com a capacidade inovativa do setor de telecomunicações após as privatizações, optamos por avaliar o comportamento de uma variável que acreditamos possa ser uma boa Proxy de análise. Com os dados da PIA avaliamos o comportamento do grupo pesquisa e desenvolvimento das ciências físicas e naturais (73.1). Como o sistema local de inovação do setor de telecomunicações é reputado um dos mais desenvolvidos no país, faremos a suposição de que sua evolução tenha algum peso no desempenho do grupo, e que uma débâcle neste se refletiria no grupo. Devemos nos lembrar também que as privatizações ocorreram não apenas no setor de telecomunicações, mas em diversos setores. Com os dados do número de empresas no grupo observamos claramente um crescimento consistente, sem indícios de que a privatização ocorrida em 1988 tenha afetado o grupo. Ao contrário, observamos um crescimento persistente desde 1996, com um leve aumento na taxa de crescimento a partir de 2001.

Quando observamos a quantidade de pessoas empregadas no grupo, novamente não percebemos nenhuma redução que possa ser atribuída ao evento privatizações. O que se pode observar claramente é um crescimento ocorrido a partir de 2002. Tal crescimento pode ser em parte fruto da desvalorização cambial daquele ano. Este fato reforça a tese de importação de tecnologia, mas que deixa de ser atraente por uma questão cambial. Não se trata então de haver ou não competência no país para P&D, mas uma questão de preços relativos. Fazendo uma extrapolação a partir dos dados da PINTEC e da PIA podemos deduzir que, apesar de ter havido um aumento de importação de tecnologias para o setor, isso não exclui o fato de que pode ter havido uma

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migração das atividades de P&D das empresas do grupo de fabricação de equipamentos para as empresas do grupo de pesquisa e desenvolvimento. Essa suposição encontra algum subsídio nos trabalhos de Diegues (2006) e Leal (2006).

7. CONCLUSÕES

O foco deste trabalho foi o de investigar o impacto causado pelas privatizações no setor de telecomunicações. Com este objetivo procuramos nos cercar de um arcabouço teórico, além de dados de diversas fontes, para avaliar as transformações de uma maneira mais quantitativa. Nossaa hipótese básica: haveria, ou não, alguma quebra estrutural, ou mudança de tendência, que pudesse ser associada ao evento privatizações. Para sedimentar as conclusões deste trabalho, procuramos também na literatura trabalhos que já houvessem abordado a questão. Encontramos diversos trabalhos, tanto nacionais quanto internacionais, cujo foco de pesquisa era o impacto causado pelas privatizações no setor de telecomunicações. Conquanto acreditemos que a abordagem deste trabalho é diferente da dos demais, ficamos satisfeitos em perceber que essa é uma linha de pesquisa bastante prolífica.

Começamos nosso estudo pela observação das transformações ocorridas no setor de telecomunicações ao redor do mundo. Foi possível verificar uma mudança de regime tecnológico do setor a partir da década de 80. Onde antes havia uma operadora de telefonia, fosse ela estatal ou não, comandando as ações do setor, tendo os fornecedores quase como uma extensão de seus centros de pesquisa, há agora uma separação bem definida dos papeis, com as operadoras restritas à prestação de serviços, efetivamente como clientes dos fornecedores de equipamentos, estes agora responsáveis por todo o progresso técnico do setor. Essa mudança de regime tecnológico veio acompanhada de uma mudança econômica. O setor não mais poderia ser tido como um monopólio natural. Apesar de ainda haver muitas barreiras à entrada, a competição já era viável. Este fato, aliado ao pensamento liberal da época, fez com os governos do mundo inteiro promovessem a desregulamentação e privatização. Perceberam mais tarde que ainda era cedo para deixar o setor completamente livre e criaram estruturas de regulação dos mercados. Mesmo assim pudemos observar que, no ano de 2005, de uma amostra de 135 países observados, apenas 29 ainda mantinham seu setor de telecomunicações sob controle estatal.

O fato é que, seja fruto da mudança de regime tecnológico, seja fruto da liberalização econômica, seja de ambos, o setor de telecomunicações obteve nas últimas duas décadas um desempenho espetacular. Considerando apenas os dados de 1994 a 2005, o número de telefones fixos instalados passou de quase 645 milhões para mais de 1,25 bilhões de linhas, quase dobrando em onze anos. A teledensidade saltou de 11,52% para 19,42%. O desempenho da telefonia celular foi ainda mais impressionante, com o número de assinantes crescendo quase quatro vezes, saltando de pouco mais de 550 milhões para quase 2,2 bilhões de assinantes. Sua teledensidade saltou de 8,24% para mais de 34%.

No Brasil, tomando como referência o ano de 1998, passamos de um total de 18,36 milhões de linhas em serviço em julho para 38,6 milhões de linhas ao final de 2006. Algo em torno de 110% em oito anos e meio. A respectiva densidade de quase 11,5% nesse mesmo mês para 20,5% ao final de 2006. No caso da telefonia celular, partimos de uma base instalada de pouco mais de 4,5 milhões de acessos ao serviço ao final de 1997 para quase 100 milhões em dezembro de 2006. Ou seja, em nove anos o número de assinantes foi multiplicado por 21, e a respectiva densidade saltou de 2,8% para mais de 53%.

Em busca do impacto causado pelas privatizações no setor de telecomunicações procuramos observar o que aconteceu com a balança comercial do setor. A constatação imediata é que há um forte crescimento das importações nos setor e, conseqüentemente, aumento da dependência externa. Não encontramos, no entanto, qualquer indício de que essa dependência tenha relação direta com o evento privatizações. Ela começa muito antes, com o fim da lei de informática, e seus saltos e quedas parecem muito mais ligados ao ambiente macroeconômico e a conveniências comerciais, do que ao controle do capital.

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Também quando analisamos a estrutura industrial do setor não conseguimos encontrar qualquer evidência de que as privatizações tenham causado algum impacto negativo. Não há alterações dignas de nota no número de empresas, enquanto houve um forte aumento de receitas no setor. No caso da mão-de-obra encontramos dois comportamentos distintos: crescimento entre 1998 e 2000, fruto basicamente do elevado nível de investimentos e das metas acordadas com o órgão regulador; e queda entre 2000 e 2003, fruto do atendimento das metas e da crise no setor a partir de 2002. Em 2004 os níveis voltaram aos de 1996. O salário per capita apresentou alguma variação positiva em 2001 e 2002, mas no geral manteve-se estável. No setor de serviços pudemos observar tendências bem mais claras. O número de empresas apresentou forte crescimento a partir de 1998, e o número de empregados apresentou queda de quase 20% se considerarmos 2004 sobre 1997. A hipótese aqui aventada é de houve um forte movimento de terceirização no setor.

Finalizando nossa análise da privatização no setor de telecomunicações buscamos identificar os impactos causados no comportamento inovativo do setor. Aqui infelizmente não podemos contar com séries históricas que abranjam o período de análise (antes e depois de 1998) ou que sejam específicas do setor. Com a hipótese de que a internacionalização no setor de telecomunicações é mais acentuada do que no conjunto da indústria brasileira, analisamos os dados das PINTEC 2000 e 2003 tentando identificar diferenças no comportamento inovativo dos dois grupos. Verificamos que o comportamento inovativo da média das empresas do grupo é bem superior ao da média da indústria brasileira (100% em 2000 e 55% em 2003). E devemos frisar ainda que os dados das empresas do grupo também estão computados na média da base. Apesar de dispêndios em P&D constantes, pudemos observar que as empresas do grupo de fabricação estão gastando mais com a introdução de inovações no mercado e aquisição de P&D externa, enquanto estão investindo menos em aquisição de outros conhecimentos externos, projetos industriais, treinamento e atividades internas de P&D. Está havendo uma exteriorização das atividades de P&D nas empresas do grupo.

Para encontrar algum indício de como se comportou a dinâmica do setor no período analisamos a evolução do grupo de pesquisa e desenvolvimento na PIA para inferir o que aconteceu com a P&D em telecom. A hipótese aqui é a de que as empresas de P&D do setor de telecomunicações tenham alguma relevância no grupo de P&D. O resultado que encontramos, no entanto, é o crescimento consistente do número de empresas no grupo de P&D entre 1996 e 2004. É possível também observar a aceleração do crescimento do número de empresas a partir de 2001. Com relação ao número de empregados também houve crescimento a partir de 2001. Este resultado aponta na mesma direção do que observamos na PINTEC. As atividades de P&D podem estar deixando o grupo de empresas de fabricação de aparelhos e equipamentos de telefonia e se dirigindo para (ou originando) empresas especializadas em pesquisa e desenvolvimento. Tal movimento de criação de novas empresas é ainda uma decorrência ainda da especialização de funções observada por Fransman, e que foi observada também nos trabalhos de Leal (2006) e Diegues (2006).

Concluindo: no mundo todo as empresas do setor de telecomunicações enfrentaram uma mudança de paradigma tecnológico; a mudança de paradigma tecnológico também mudou o paradigma econômico; a privatização do setor no Brasil seguiu uma tendência mundial, sendo bem sucedida no que tange a valores obtidos pelos leilões e investimentos realizados no setor; não há indícios de que as privatizações tenham sido a causa da dependência externa no setor de telecomunicações brasileiro; não há indícios de que as privatizações tenham solapado a estrutura industrial brasileira no setor; o comportamento inovativo é mais acentuado nas empresas do grupo de telecomunicações do que na média do país; e a estrutura de P&D do país como um todo não foi afetada pelas privatizações, o que pode nos levar à hipótese de que a P&D do setor de telecomunicações também não o foi.

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