Artigos de Psicologia

7/25/2019 Artigos de Psicologia

1/10

14Desafios para oFuturo da Psicologia:

Contribuies da Psicologiana Construo do

Conhecimentono Sculo XXI

Challenges For The Future Of Psychology:Contributions Of Psychology In The Construction Of

Knowledge In The Xxi Century

Desafos Para El Futuro De La Psicologa:

Contribuciones De La Psicologa En La Construccin DelConocimiento En El Siglo XXI

VicenteCassepp-Borges

UniversidadeFederal

Fluminense

Artigo

PSICOLOGIA: CINCIA E PROFISSO, 2013, 33 (nm. esp.), 14-23


2/10

15

Resumo: O objetivo deste ensaio foi refletir sobre o futuro da Psicologia como rea do conhecimento e cinciaaplicada. So abordadas as maneiras como a Psicologia pode provocar as mudanas da sociedade que devemocorrer no sculo XXI e adaptar-se a elas. So apresentadas as vises skinnerianas do futuro da Psicologia,afirmando que o avano da rea pode trazer a soluo para a maioria dos problemas da humanidade. Oefeito Flynn apontado como fora produtora de mudanas psicolgicas e sociais, pois a humanidade ser

composta por pessoas mais inteligentes, que devem desenvolver a Psicologia e dela necessitar. Psiclogosmais inteligentes construiro uma rea cada vez mais sustentada em evidncias empricas. assinaladaa necessidade de a Psicologia se especializar, rever seus currculos em nvel de graduao e unir-se emtorno de um paradigma integrador. Conclui-se afirmando a necessidade de valorizar as opinies de jovenspsiclogos, alm de criar melhores formas de interao entre pessoas e mquinas.Palavras-chave: Histria da Psicologia. Psicologia aplicada. Pesquisa Cientfica Psicologia. Paradigma.

Abstract: The aim of this essay was to reflect on the future of psychology as a field of knowledge and appliedscience. The ways in which psychology can cause the changes in society that must occur in the XXI centuryand adapt to them are approached. Skinners views of the future of psychology are displayed, arguing thatthe progress in the area can bring the solution for most problems of humanity. The Flynn effect (1987) ispointed out as a force producer of psychological and social changes, because humanity will be composedof more intelligent people, who should develop psychology and also need it. Smart psychologists will build

an area increasingly supported by empirical evidence. It is signaled the need of psychology to specialize andreview its schedules at the undergraduate level and unite around an integrative paradigm. It was concludedby stating the need to value young psychologists opinions, in addition to the creation of better ways ofinteraction between people and machines.Keywords: History of psychology. Applied psychology. Scientific research Psychology. Paradigm.

Resumen: El objetivo de este ensayo fue reflexionar sobre el futuro de la Psicologa como rea delconocimiento y ciencia aplicada. Son abordadas las maneras como la Psicologa puede provocar los cambiosde la sociedad que deben ocurrir en el siglo XXI y adaptarse a ellas. Son presentadas las visiones skinnerianasdel futuro de la Psicologa, afirmando que el avance del rea puede traer la solucin para la mayora de losproblemas de la humanidad. El efecto Flynn es apuntado como fuerza productora de cambios psicolgicosy sociales, pues la humanidad estar compuesta por personas ms inteligentes, que deben desarrollar laPsicologa y precisar de esta. Psiclogos ms inteligentes construirn un rea cada vez ms sostenida enevidencias empricas. Es sealada la necesidad de que la Psicologa se especialice, revise sus currculos ennivel de graduacin y se una en torno a un paradigma integrador. Se concluye afirmando la necesidad devalorar las opiniones de jvenes psiclogos, adems de crear mejores formas de interaccin entre personasy mquinas.Palabras clave: Historia de la Psicologa. Psicologa aplicada. Investigacin Cientfica Psicologa. Paradigma.

A reflexo sobre o futuro da Psicologia oude qualquer outra rea constitui assuntodifcil e que pode gerar polmicas. algopouco discutido, possivelmente pelo fato deno existirem dados para serem coletados.

Para pesquisar a histria da Psicologia, omtodo utilizado simplesmente observarcomo as coisas ocorreram. Pode-se obterrelatos de pessoas que vivenciaram ahistria, documentos de pocas passadas ereviso de artigos cientficos ou no, dentreoutras fontes. No entanto, o futuro aindano aconteceu, e no existem indciossobre ele. Os dados disponveis sobre ofuturo so os acontecimentos passados eseus desdobramentos, alm da situaopresente. Analisar uma conjuntura atual ou

passada envolve diversas variveis, a maioriainacessvel ao conhecimento, sendo essa umatarefa complexa. O entendimento sobre todasessas variveis tem de ser muito profundo,pois no futuro haver novas variveis que

simplesmente desconhecemos, mas quealteraro profundamente o curso dos fatos.E variveis podem ser manipuladas, ou seja,somos construtores da Psicologia do sculoXXI.

Ard ila (2011 ) tev e uma cont ri bu ioimportante na discusso do futuro daPsicologia ao reunir 50 psiclogos comdestaque internacional, oriundos de diversaslocalidades do mundo, para abordar suasvises sobre o futuro da Psicologia. O autor

Desafios para o Futuro da Psicologia: Contribuies da Psicologia na Construo do Conhecimento no Sculo XXI

Vicente Cassepp-Borges

PSICOLOGIA:CINCIA E PROFISSO,

2013, 33 (nm. esp.), 14-23


3/10

16

os problemas que o mundo enfrentaria,como a ameaa de um holocausto nuclear,a exploso populacional ou a destruio domeio ambiente. Dessa maneira, previu que

solues mais eficazes para esses problemasno futuro envolveriam a Psicologia, em vez dasengenharias. Isso significa que, melhor do quedesenvolver msseis de defesa antibalstica, convencer as pessoas a no dispararemos msseis de ataque, melhor do que criarmtodos anticoncepcionais inovadores convencer as pessoas a us-los, melhor doque desenvolver tecnologias menos poluentes convencer as pessoas a no poluir. Assim,

o futuro da humanidade depende do avanoda Psicologia como rea do conhecimento.

Na tentativa de explicar a importncia deuma psicologia cientfica para uma sociedadeno futuro, Skinner (1972c) escreveu oromance Walden II. Nessa obra, foi criadauma sociedade utpica, na qual as pessoasso educadas pelos princpios da anlisedo comportamento. A ideia bsica do livro a de que, se possvel educar por meiode reforamento positivo, deveramos fazerisso, pois um meio de educar com o qualas pessoas se sentem mais felizes. A obrainspirou algumas sociedades alternativas reais,como Twin Oaks, nos Estados Unidos, e LosHorcones, no Mxico, que persistem athoje, e tambm inspirou o romance WaldenIII, que tentou ampliar a experincia de umasociedade alternativa para um pas (Ardila,1979). Walden IIfoi uma previso do futuro

que se tornou realidade, e o desenvolvimentoda Psicologia pode tornar a utopia ainda maisampla.

O efeito Flynn e seus efeitosno futuro da humanidade e daPsicologia

Mudanas sociais ocorrem, no entanto, pouco

crdito se d s caractersticas cognitivasdas pessoas que promovem as mudanas.

Resenhando aobra de Ardila

(2011), Cassepp-Borges (2011)

complementaque o futuro daPsicologia est

associado ao futuroda tecnologia.

sustenta que a Psicologia do futuro deverapresentar maior nfase na cincia, maiornfase na temtica social, teorizaese utilizao de modelos matemticos,

trabalhos sobre problemas complexos,maior profissionalizao e especializao eintegrao da Psicologia em torno de umparadigma unificador. Resenhando a obrade Ardila (2011), Cassepp-Borges (2011)complementa que o futuro da Psicologia estassociado ao futuro da tecnologia. O fatode o mapeamento cerebral se tornar maisbarato e porttil no futuro tende a facilitar acriao de modelos cognitivos cada vez mais

acurados, por exemplo.

Por maior que seja o embasamento terico,por melhor que seja o mtodo utilizadopara prever o futuro, no h como fugirdo exerccio especulativo, que envolvea subjetividade. Prever o futuro aindadeve ser feito com base em um exercciode realismo, ou seja, as previses nopodem ser demasiadamente otimistas nem

demasiadamente pessimistas. No se podeignorar nas previses o fato de que as pessoaspodem trabalhar na construo de um futuromais desejvel, no sendo meras vtimas dosacontecimentos. Com esse ensaio, pretende-se abordar diversas previses, algumaspessimistas e outras otimistas. Todas tratamde especulaes, mas com fundamento noconhecimento existente e disponvel hojeem dia.

Skinner e o futuro daPsicologia

No h como negar a importncia dopensamento de Skinner sobre o futuro daPsicologia. Dentre os grandes pensadores darea, ele provavelmente foi aquele que maisrefletiu sobre os desdobramentos que tomariaessa cincia. Em O Mito da Liberdade, Skinner

(1972a) levanta a necessidade de haver umacincia do comportamento para resolver




2013, 33 (nm. esp.), 14-23


4/10

17

Assim, no seria exagero atribuir o papel deagente causador das mudanas sociais a algoque pesquisadores da rea da intelignciadenominam efeito Flynn (1987). Existem

demonstraes, com slidas bases cientficas,de que a cada gerao aumentam o nmerode acertos em testes de inteligncia (Silva,2003), ou seja, cada nova gerao maisinteligente do que a gerao que a antecedeu.Esse efeito extremamente grande, na ordemde 18 pontos ou mais em um teste de QIpara inteligncia fluida (Silva, 2003), que avaliada por provas no verbais e que temmenor dependncia de influncias culturais

(Schelini, 2006). Ocorre que existe umavano tecnolgico e computacional queest modificando a maneira como as pessoasso estimuladas, e pessoas mais inteligentestendem a criar mquinas que estimulem cadavez mais o crebro humano. Isso pode seruma forma de potencializar o efeito Flynn.Assim, com a humanidade sendo compostapor pessoas mais inteligentes, diversasmudanas sociais devem ocorrer, dentre elas:

Aperfeioamento de sistemaspolticos e de gesto

A democracia provave lmente devepermanecer como um sistema poltico dasnaes hegemnicas. H diversas mximassugerindo que a democracia seja um sistemadesejvel como, por exemplo, nunca houveuma guerra entre duas democracias, ademocracia no um sistema perfeito, mas o melhor que existe ou a democracia o pior sistema poltico, depois de todos osoutros. O aumento da inteligncia humanadeve servir para aperfeioar a democracia,no s no meio poltico mas tambm nossistemas de gesto de escolas e de empresas,dentre outros. A democracia, para ser bemsucedida, depende da capacidade daspessoas de tomar as decises corretas ou, emoutras palavras, da inteligncia.

A Psicologia, como cincia, no deve ficaralheia melhoria desses sistemas, pois essacincia tem potencial para ser uma dasprincipais cincias de apoio dessa mudana.

Por exemplo, assim como a rea do Direitohoje contribui com a Lei da Ficha Limpa, aPsicologia do futuro poder contribuir como que poderia ser chamado de Lei da MenteLimpa. Sabe-se que ambientes polticosso um terreno frtil para pessoas comcapacidade de manipular as outras a fim deobter benefcios pessoais (leia-sepsicopatas).Com o avano das tcnicas de avaliaopsicolgica que provavelmente ocorrer no

futuro, inclusive a partir de testes existenteshoje, como o PCL, Hare (2004), pode-se criarlegislaes de forma a barrar candidaturas depsicopatas a cargos pblicos.

Mentalidade cientfica

O fato de termos pessoas mais inteligentestambm deve favorecer uma mentalidadecientfica na sociedade, em todos os seusnveis. O pensamento cientfico implica queas pessoas tenham capacidade de, mesmonas suas tarefas cotidianas, analisar hipteses,observar variveis, etc. Uma sociedade compessoas inteligentes ser mais cientfica, comas pessoas exigindo demonstraes de fatose menos pessoas aceitando explicaes semdemonstrao emprica.

A Psicologia tambm deve tornar-se uma reamais cientfica, seguindo a tendncia mundial.

Psiclogos aplicados estaro em contato como conhecimento produzido pela cincia, seroassinantes e leitores de revistas cientficas,alm de produtores de conhecimento.O aumento de leitores tambm far comque aumente o nmero de cientistas queproduzem conhecimento direcionado aopsiclogo aplicado. A nfase na cincia,inclusive com maior utilizao de modelosmatemticos e de pesquisas sobre temascomplexos que no podem ser investigadoshoje devido a limitaes metodolgicas,




2013, 33 (nm. esp.), 14-23


5/10

18

devem ser assuntos corriqueiros na Psicologiado futuro (Ardila, 2011).

As mquinas e o futuro daPsicologia

No se pode esquecer que cada vez asmquinas se tornam mais humanas. Osavanos da inteligncia artificial ocorreroem nveis mais rpidos do que a humanidadepossa acompanhar, evidentemente queacompanhados por um avano da intelignciados humanos que construiro essas mquinas.As pessoas do sculo XXI devero desenvolver

habilidades para relacionar-se tanto comhumanos quanto com computadores.

Allan Turing (1950), tido como o pai dacomputao moderna, sugeriu um teste noqual uma pessoa estabeleceria um chatcomum computador e com outra pessoa. Casofosse impossvel distinguir qual conversahavia sido estabelecida com o computadore qual havia sido estabelecida com a pessoa,poder-se-ia dizer que o computador pensava.A previso para o futuro de Turing foi queseu desafio seria superado no final do sculopassado. E talvez tenha sido superado antesdisso. J existem computadores capazes deestabelecer dilogos com humanos, mesmoque com limitaes. A derrota de GaryKasparov para o computador Deep Blue emuma partida de xadrez, em 1997, tambmpossui relao com o teste de Turing, poisa mquina jogou xadrez como se fossehumana, nas palavras do prprio Kasparov.

Para a Psicologia, existe a implicao de queo computador pode substituir o trabalho dopsiclogo. Essa uma realidade presentee que a Psicologia, como classe, precisaencarar. Se as mquinas j podem conversarcom pessoas, no seria impossvel que asmquinas pudessem fazer psicoterapiacom pessoas. Essa tecnologia j existe

(Boronat Corts, & Barres Fabado, 2001), e perfeitamente plausvel que seja cada vezmais aperfeioada no futuro. Parece lgicoque se diga que as mquinas nunca sero

capazes de atuar como os humanos. Mas, cadavez que se levante alguma caracterstica quehumanos tm e que as mquinas no tm, acincia trabalha para acrescentar tal atributo mquina. E tem tido sucesso nisso.

Skinner (1972b) foi alvo de uma polmicasemelhante quando criou as mquinas deensinar. Houve uma polmica, pois muitosafirmavam que a mquina poderia substituir

os professores. Skinner afirmou que umprofessor que fosse to ruim que pudesse sersubstitudo por uma mquina mereceria sersubstitudo por uma delas. No entanto, temosque lidar com o fato de que hoje as mquinas(computadores) substituem professoresna tarefa de ensinar. O conhecimento dahumanidade avanou bastante, e ir avanarainda mais pelo fato de termos mquinasensinando humanos. Nenhum professorsupera o material indexado pelo Googleem

conhecimento. mais inteligente se aliar aoscomputadores do que tentar super-los. Damesma maneira, softwares de psicoterapiasero um concorrente ou aliado do futuroque os psiclogos de hoje deveriam tratar commais seriedade.

Se, por um lado, as mquinas se tornaro cadavez mais humanas, por outro, a humanidadese tornar cada vez mais mecanizada.

A causa comumente atr ibuda para essefenmeno a interao com as mquinas,mas no se pode esquecer o papel dainteligncia humana nesse processo. Sabe-se que pessoas excepcionalmente maisinteligentes apresentam diversos problemasemocionais decorrentes disso (Alencar,2007), ou seja, o efeito Flynn tambm terconsequncias negativas, pois um aumentovertiginoso na inteligncia humana tambmpode se refletir em um aumento do sofrimentopsquico humano.




2013, 33 (nm. esp.), 14-23


6/10

19

Por mais mecanizados que humanos setornem, por mais humanizadas que asmquinas evoluam, no h perspectivasde que as mquinas consigam satisfazer

algumas necessidades humanas, pelo menosem um futuro prximo. Dificilmente asmquinas saciaro a necessidade de afeto,de amor, de sexo e de alimentao, dentreoutras. Analisando-se pela teoria humanista(Maslow, 1954), parece que as mquinasesto tendo cada vez mais a capacidadede satisfazer nossos desejos mais refinados,nossa capacidade de autorrealizao sem,no entanto, atender as nossas necessidades

primrias. Essas podem ser atendidas porhumanos, mas o ser humano do futuroprovavelmente ser algum com poucocontato com outros seres humanos, comtodo o sofrimento psquico decorrente disso,o que tambm possui relao com o efeitoFlynn, pois, em pessoas muito inteligentes,geralmente h uma dessincronia, j que odesenvolvimento cognitivo mais veloz que odesenvolvimento fsico e emocional (Alencar,2007). O psiclogo ser o profissional mais

capacitado para a funo de humanizar ahumanidade, de trazer o bem-estar para aspessoas. A Psicologia do sculo XXI precisaaperfeioar e massificar tcnicas para acelerartambm o desenvolvimento emocional,como o treinamento das habilidades sociais(Del Prette & Del Prette, 1999; Murta,2005). Por mais paradoxal que seja, asmquinas sero aliadas na construo dodesenvolvimento emocional humano. No

se pode esquecer que a Psicologia umacincia, e as mquinas elevam o potencialde qualquer cincia, inclusive as humanas.

Especializao da Psicologia

Ao se analisar a maneira como os cursos dePsicologia so estruturados em comparaocom os demais, pode-se dizer que a Psicologia o curso de graduao com perspectivas maisamplas dentro de uma universidade. Dentreas reas mais distintas do conhecimento,

difcil imaginar alguma que no possua aPsicologia aplicada quela rea. A Psicologiapode auxiliar praticamente qualquer rea doconhecimento.

Alm da amplitude na relao com as demaisreas, a Psicologia tambm uma das reasmais amplas dentro de si mesma, porquepossui diversas correntes tericas, todasmuito distintas, ou seja, as diversas reas doconhecimento humano tambm compem aPsicologia. Assim, algum que queira entendera Psicologia como um todo precisa deterconhecimentos em outras reas. impossvelcompreender a psicanlise sem compreendera Filosofia. Um psicometrista deve entenderde Estatstica, um neuropsiclogo deve terconhecimentos de Biologia, um psiclogosocial deve trabalhar com uma interfacenas cincias sociais, um psiclogo escolardeve conhecer a Pedagogia, o psiclogo dotrabalho deve dialogar com a Administraode Empresas, o psiclogo do esporte deve lerlivros de Educao Fsica, e assim por diante.Isso significa que, para se compreender toda

a Psicologia, deve-se compreender todoo conhecimento humano. A Psicologia seconstituiu em uma rea muito ampla, e impossvel conhec-la em sua totalidade; sonecessrias especializaes.

Frente a isso, o Conselho Federal dePsicologia (2007) vem investindo no registrode especialidades. Esse um caminho quea Psicologia do futuro deve adotar, o de

ser uma rea fragmentada. Por um lado,tal fato apresenta o aspecto negativo dediminuir o dilogo entre as diferentes reas,mas, por outro, o fato de trabalharmos comprofissionais especialistas traz pessoas commaiores conhecimentos para trabalhar comtemticas pontuais. As cincias tradicionaisse dividiram em especialidades, e issopossibilitou seu desenvolvimento. A Psicologia,como uma cincia jovem, aos poucos estpercebendo os ganhos de possuir profissionaise pesquisadores especialistas.

A Psicologia dosculo XXI precisa

aperfeioar emassificar tcnicas

para acelerartambm o

desenvolvimentoemocional, como

o treinamento dashabilidades sociais

(Del Prette & DelPrette, 1999; Murta,

2005).




2013, 33 (nm. esp.), 14-23


7/10

20

Observando o exemplo da Medicina, seria

natural imaginar que a Psicologia do futuro

possa desenvolver um caminho semelhante.

Uma das especializaes da Medicina

resultou na rea da fisioterapia, outra resultouna Enfermagem, e o mesmo se pode dizer

da Nutrio, da Fonoaudiologia e da Terapia

Ocupacional, dentre outras, nas quais

pode ser includa a prpria Psicologia. No

se pode esquecer que a Medicina uma

especializao da Biologia. Assim, possvel

imaginar que a Psicologia do futuro possa ser a

rea mede diversas outras reas. As subreas

da Psicologia podem ganharstatusde reasdo conhecimento, inclusive com cursos de

graduao especficos. J est comeando a

surgir uma graduao em psicopedagogia.

muito plausvel que avanos na modulao

do comportamento levem criao de

um curso de graduao em Engenharia

do Comportamento, vinculado rea das

cincias exatas.

No entanto, apenas especializaes no so

suficientes. A Psicologia precisa reciclar-se

como rea no prprio ensino de graduao.

bastante perceptvel que a rea evoluiu

bastante como cincia, mas os currculos

de graduao pouco diferem dos currculos

de 30 anos atrs. Algumas reas emergiram

e se consolidaram, embora possuam pouca

representao nos cursos. Por exemplo, as

neurocincias sero, com certeza, uma reade destaque da Psicologia do sculo XXI,

mas so representadas na graduao com

poucas disciplinas, geralmente esquecidas

no incio dos cursos e ministradas por no

psiclogos. A Psicologia jurdica tem sido

uma rea de atuao de muitos psiclogos,

e, quando aparece na graduao, geralmente

ministrada como disciplina optativa. A

Psicologia positiva tem ganhado um destaque

internacional crescente desde sua criao

(Seligman & Csikszentmihalyi, 2000) e deve

ser uma das reas hegemnicas da Psicologia

do sculo XXI, apesar de muitos professores

universitrios brasileiros nem ao menos terem

ouvido falar desse ramo.

O fato que, na dimenso do ensino, o

mundo e a Psicologia evoluem mais rpido

do que a universidade, mesmo que a prpria

instituio produza conhecimentos de

ponta em se tratando de pesquisa. A grade

curricular dos cursos de Psicologia rica em

fatos e personagens histricos da rea, mas

pobre no estado da arte da cincia. maisque urgente a reformulao dos currculos de

Psicologia, para adequ-los ao que se espera

dela e dos profissionais do sculo XXI.

Paradigmas da Psicologia

Com relao a paradigmas, as previses so

diferentes do que se prev com relao s

reas da Psicologia. Um nmero cada vez

maior de reas emergentes deve surgir na

Psicologia, mas a tendncia para a Psicologia

do futuro a de se concentrar em um

nico paradigma integrador (Ardila, 2011).

difcil apontar qual seria esse paradigma

diante da diversidade atual, mas fcil

apontar que esse paradigma ser a cincia.

Analisando-se a maneira como as outras reas

se consolidaram, percebe-se que sempre

houve crticos afirmando que naquela reaespecfica seria impossvel fazer cincia. Mas

o fato que, seja na Fsica, na Qumica ou na

Biologia, as reas do conhecimento evoluram

quando os fenmenos foram observados e

manipulados com um olhar cientfico.

A Psicologia de hoje apresenta diversas

correntes tericas distintas e muitas delas

se sustentam na cincia. Pasquali (2003)

lembra que as cincias exatas j passaram




2013, 33 (nm. esp.), 14-23


8/10

21

por uma Babel terica. A Frana utilizava o

p do rei francs como medida padro de

comprimento, enquanto a Inglaterra utilizava

o p do rei ingls, o que criava confuses

no comrcio exterior entre os dois pases. Asuperao dessas diferenas foi fundamental

para a evoluo das cincias exatas. Quando

se desenvolvem manipulaes atmicas,

no h necessidade em verificar se estamos

lidando com o tomo segundo Einstein ou

segundo Bohr, pois o tomo o mesmo para

qualquer fsico ou qumico. No entanto, a

compreenso de conceitos psicolgicos ainda

depende do autor utilizado. Uma palavraque deveria ser simples e corriqueira para

a Psicologia, como mente, gera diversas

discusses. O psicanalista entende de

uma maneira, o cognitivista de outra e

o behaviorista procura no entender. A

mente deve ser o principal objeto de estudo

da Psicologia em uma cincia unificada

(Pasquali, 2008); mesmo assim no h um

consenso entre os psiclogos sobre o que

ela seja.

A diversidade da Psicologia extremamente

importante nos dias de hoje, pois no h

uma demonstrao emprica convincente

sobre qual paradigma o correto. Conforme

as pesquisas surgem, os paradigmas vo

apresentando falhas e contradies, e novos

paradigmas surgem com lacunas pelo fato

de no estarem completos, e aos poucosvo moldando-se conforme novos fatos

so demonstrados e aceitos (Kuhn, 1972).

A Psicologia do sculo XXI precisa observar

quais as contradies existentes entre os

diferentes paradigmas e fazer o debate sobre

quais apresentam maiores evidncias, precisa

observar quais so as lacunas presentes no

conhecimento e tentar preench-las. Muitas

vezes, psiclogos procuram adequar suas

observaes empricas aos paradigmas,

quando o exerccio a ser feito justamente

o contrrio. O paradigma que deve

adequar-se observao emprica. O sculo

XXI o momento no qual a Psicologia deve

amadurecer, perdendo o pudor de derrubarteorias inadequadas realidade.

Concluso

A Ps icol og ia uma da s ci ncia s ma is

importantes na construo do futuro da

humanidade, mas, antes disso, precisa

construir a si prpria. Novas geraes de

psiclogos, cada vez mais inovadoras einteligentes que as anteriores, resolvero

os problemas atuais da rea. A Psicologia

precisa aprender a reconhecer esses talentos

e a valorizar as ideias dos mais jovens para

acelerar seu prprio desenvolvimento.

No h dvidas de que a humanidade ir

evoluir do ponto de vista da criao de

novas mquinas. No entanto, uma evoluo

que no seja associada a uma tecnologia

psicolgica pode ser catica. essencial

que as pessoas sejam felizes com as suas

bugigangas. Embora tenhamos a crena de

que a felicidade nasce espontaneamente nas

pessoas, isso somente ocorrer se houver uma

sociedade que favorea o bem-estar humano.

E a Psicologia tem um papel fundamental na

construo dessa sociedade. Pode-se afirmar

com otimismo que os psiclogos, cada vezmais inteligentes, tero competncia para

executar a tarefa.




2013, 33 (nm. esp.), 14-23


9/10

22

Vicente Cassepp-BorgesDoutor em Psicologia Social pela Universidade de Braslia e docente da Universidade Federal Fluminense,Volta Redonda RJ Brasil.E-mail: [email protected]

Endereo para envio de correspondncia:Universidade Federal Fluminense Polo Universitrio de Volta Redonda Instituto de Cincias Humanas e Sociais de VoltaRedonda Rua Desembargador Ellis Hermydio Figueira, 783, Bloco A, Sala 214A, Bairro Aterrado.

CEP: 27213415. Volta Redonda, RJ.




2013, 33 (nm. esp.), 14-23


10/10

23

Alencar, E. M. L. S. de. (2007). Caractersticas scio-emocionaisdo superdotado: questes atuais. Psicologia em Estudo,12(2), 371-378. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722007000200018

Ardila, R. (1979). Walden Tres. Barcelona: CEAC.

Ardila, R. (2011). A psicologia no futuro: os psiclogos maisdestacados no mundo falam sobre o futuro de sua disciplina.So Paulo: Vetor.

Cassepp-Borges, V. (2011). Progresso, cincia e tecnologia:resenha de A Psicologia no futuro: os psiclogos maisdestacados do mundo falam sobre o futuro de sua disciplina,

Aletheia, 34, 187-189.

Conselho Federal de Psicologia. (2007). Resoluo n 013, de14 de setembro de 2007. Braslia, DF: Autor.

Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (1999). Psicologia dashabilidades sociais: terapia eeducao. Petrpolis, RJ: Vozes.

Flynn, J. R. (1987). Massive IQ gains in 14 nations: What IQtests really measure. Psychological Bulletin, 101(2), 171-191.doi:10.1037/0033-2909.101.2.171

Hare, R. D. (2004). Manual Escala Hare PCL-R: critrios parapontuao de psicopatia revisados (Verso brasileira: H.Morana). So Paulo: Casa do Psiclogo.

Kuhn, T. (1972). The structure of scientific revolutions. Chicago:Chicago University Press.

Maslow, A. H. (1954). Motivation and personality. New York,NY: Harper.

Murta, S. G. (2005). Aplicaes do treinamento em habilidadessociais: anlise da produo nacional. Psicologia: Reflexo eCrtica, 18(2), 283-291. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722005000200017

Pasquali, L. (2003). Psicometria:teoria dos testes na psicologia eeducao. Petrpolis, RJ: Vozes.

Pasquali, L. (2008).A cincia da mente:a psicologia procurado objeto. Braslia, DF: Autor.

Schelini, P. W. (2006). Teoria das inteligncias fluida e cristalizada:incio e evoluo. Estudos de Psicologia, 11(3), 323-332. doi:http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2006000300010

Seligman, M. E. P., & Csikszentmihalyi, M. (2000). Positivepsychology: An introduction. American Psychologist, 55(1),5-14.

Silva, J. A. da. (2003). Inteligncia humana:abordagens biolgicase cognitivas. So Paulo: Lovise.

Skinner, B. F. (1972a). O mito da liberdade. Rio de Janeiro: Bloch.

Skinner, B. F. (1972b). Tecnologia do ensino. So Paulo: Edusp.

Skinner, B. F. (1972c). Walden II:uma sociedade do futuro(R.Moreno & N. R. Saraiva, trads.). So Paulo: Herder.

Turing, A. (1950). Computing Machinery and Intelligence.Mind, LIX(236), 433-460. doi:10.1093/mind/LIX.236.433.

Referncias




2013, 33 (nm. esp.), 14-23

Documents

Artigos de Psicologia