Upload
ngominh
View
242
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
�
Lá longe, lá longe, na aldeia de Móng-Há, vivia Lou Uóng, senhor de algumas terras e de grande sabedoria.
As pessoas chegavam junto de Lou Uóng, e Lou Uóng sabia sempre a resposta para todas as perguntas, a palavra para todos os momentos.
A palavra de paz e de harmonia.A palavra do tempo justo.A palavra das plantas e dos frutos.A palavra doce e também a palavra amarga.Todas as palavras da alegria.Quando Lou Uóng respondia às perguntas, as pessoas sabiam que
podiam ter confiança naquelas palavras, porque eram as palavras certas.Lou Uóng era assim.— É esta a melhor altura de colher o arroz, Lou Uóng?E Lou Uóng sorria, ouvia, sabia e respondia.— Ouve a minha história, Lou Uóng! Diz-me depois se sou eu ou
o meu vizinho quem tem razão!E Lou Uóng sorria, ouvia, sabia e respondia.— Diz-me, Lou Uóng, qual o melhor caminho para chegar a Kun
Iâm Tông?E Lou Uóng sorria, ouvia, sabia e respondia. No povoado de Móng-Há, onde Lou Uóng vivia, as pessoas traba-
lhavam no campo, desde que o sol nascia até que a lua vinha rendê-lo.E Lou Uóng trabalhava as suas terras, como qualquer dos seus vi-
zinhos. E também com elas Lou Uóng era justo, nunca delas querendo tirar mais do que elas naturalmente lhe davam.
E as colheitas eram fartas, porque Lou Uóng era justo para com a terra. E os deuses estavam satisfeitos.
06038-MIOLO-AF6.indd 8 22.06.06 13:33:58
10
Junto de Lou Uóng crescia A-Kâm. A-Kâm era mais bonita do que a flor do lótus.
As pessoas diziam a Lou Uóng:— Quando a tua ameixoeira der fruto, e o fruto estiver maduro,
assim A-Kâm estará madura para escolher marido.E Lou Uóng sorria, ouvia e respondia:— A-Kâm nasceu há pouco tempo! A-Kâm tem de aprender a tra-
tar dos campos, da casa, do templo, dos jardins. Só depois poderá olhar para a ameixoeira.
As pessoas voltavam a dizer:— Cuidado, Lou Uóng! Tu és justo, e sábio, e trabalhador. Mas
de vez em quando faz bem parar de trabalhar e erguer os olhos. Deixa de olhar tanto para a tua terra e ergue os olhos até A-Kâm. Vê como a tua filha está crescida, como ela tem a graça do junco e como a cor do ébano se espalha pelos seus cabelos. Vê como duas amêndoas brilham nos seus olhos e como se parece com as garças quando anda pelo campo a trabalhar a teu lado.
Mas Lou Uóng sorria, ouvia e respondia:— Ide em paz! A-Kâm terá ainda de viver muitos anos a meu lado
para poder saber tudo o que filha minha terá de saber.Como Lou Uóng era homem justo, e sabia sempre as respostas para
todas as perguntas, e tinha sempre a palavra certa para todos os momen-tos, as pessoas iam à sua vida e não voltavam a falar de A-Kâm.
Embora por vezes murmurassem, quando por ele passavam:— Olha para a tua ameixoeira, Lou Uóng! Olha para os frutos da
tua ameixoeira...
06038-MIOLO-AF6.indd 10 22.06.06 13:34:10
12
A-Kâm crescia, crescia...Lou Uóng trabalhava os campos, dava conselhos, fazia ofertas aos
deuses, via o sol e a lua sucederem-se no céu, acolhia o inverno e a prima-vera com igual sabedoria. Só não via como A-Kâm crescia, crescia...
Ao lado do pai e dos dois criados que sempre o ajudavam, A-Kâm trabalhava a terra. Semeava, lavrava, colhia. Então dizia:
— Mais um ano passou por mim.E de novo voltava a semear, a lavrar, a colher.O tempo ia passando, e A-Kâm crescia.De vez em quando, ao olhar a terra que todas as primaveras tomava
novas cores, novos perfumes, novas formas, também A-Kâm pensava nos frutos da ameixoeira e suspirava.
E de novo as pessoas diziam a Lou Uóng:— Tem cuidado, Lou Uóng! Quando os frutos da tua ameixoeira
estiverem maduros, assim A-Kâm estará madura para seguir seu mari-do. Terás de viver sem ela, Lou Uóng, porque assim é a lei da vida. Tam-bém tu um dia deixaste a casa dos teus pais, e antes de ti os teus avós fizeram o mesmo. E o mesmo haverão de fazer os filhos de A-Kâm, e os filhos dos filhos dos seus filhos. Porque assim o determinam os deuses.
Lou Uóng, sempre tão sábio e cheio de palavras certas, era um ho-mem diferente quando falava da filha:
— Ide em paz! A-Kâm tem muito que aprender a meu lado.O tempo ia passando. Ao lado do pai e dos dois criados, A-Kâm se-
meava, lavrava, colhia. Para de novo voltar a semear, a lavrar, a colher.
A-Hêng nascera quando nascera A-Kâm.Os pais eram pobres e A-Hêng muito cedo teve de se meter ao cami-
nho para encontrar lugar onde lhe dessem trabalho e ele pudesse viver.
06038-MIOLO-AF6.indd 12 22.06.06 13:34:15
13
Desceu vales, subiu serras, atravessou rios, até que um dia chegou a Móng-Há, e nos campos de Lou Uóng encontrou trabalho certo. E encontrou A-Kâm. Que era mais bonita do que a flor do lótus, tinha a agilidade do junco e parecia uma garça quando caminhava pelo campo ao lado do pai.
E A-Hêng olhou para A-Kâm, e A-Kâm olhou para A-Hêng e, de repente, pensou na primavera e suspirou.
A-Hêng era alegre e trabalhava bem. Por isso Lou Uóng gostava dele e entregava-lhe a maior parte das terras para que cuidasse bem delas e lhe desse o que elas necessitavam. E ensinou-o a ser justo com elas e a não tirar delas senão o que elas lhe podiam dar.
Ensinou-lhe muitas outras coisas.A seu lado, A-Hêng aprendeu também a escolher as palavras certas,
a adivinhar os ventos e as chuvas, a conhecer o cheiro da primavera e do inverno.
A seu lado, A-Hêng aprendeu sobretudo a amar A-Kâm, que cres-cia e amadurecia como o fruto da ameixoeira.
De novo as pessoas disseram a Lou Uóng:— A-Kâm terá de escolher marido. A-Hêng é trabalhador, honesto
e aprendeu muito da tua sabedoria. Basta olhar para os olhos de ambos para perceber como querem seguir juntos o seu caminho. Casa-os, Lou Uóng! E, em breve, terás a alegria de ver a tua família crescer. E terás netos que aprenderão contigo, para depois continuarem a tua sabedoria nos filhos e netos que também tiverem.
Mas Lou Uóng nem sequer as ouvia:— A-Kâm tem ainda muito que aprender a meu lado. E A-Hêng é
apenas um pobre trabalhador do campo, que pode ele dar-lhe de bom?— Eles amam-se, Lou Uóng! — diziam as pessoas.
06038-MIOLO-AF6.indd 13 22.06.06 13:34:15
14
Mas Lou Uóng nem sequer as ouvia:— Ainda é cedo, ainda é muito cedo, que sabem eles do amor?...Então as pessoas diziam:— Os frutos da tua ameixoeira estão maduros, Lou Uóng... Assim
está A-Kâm, assim está A-Hêng.Mas Lou Uóng nem sequer as ouvia.E A-Kâm olhava para A-Hêng, e A-Hêng olhava para A-Kâm, e
pensavam na primavera.
Mas o amor foi mais forte do que as palavras de Lou Uóng. Porque Lou Uóng perdera, de um dia para o outro, a sabedoria das palavras certas. Olhava para A-Kâm e pensava apenas como, sem ela a seu lado, poderia ele trabalhar a terra convenientemente. Sem ela a seu lado, como poderia fazer as sementeiras na altura exata1? Sem ela a seu lado, como teria a colheita pronta a horas?
Macau MIOLO.indd 14 16.10.08 10:41:35
16
Mas A-Hêng não pensava apenas na terra.Mas A-Kâm não pensava apenas nas colheitas.Um dia A-Hêng encontrou A-Kâm junto da ameixoeira carregada
de frutos. E souberam que não havia ninguém que os pudesse separar. Porque era primavera, e a terra inteira tinha novos cheiros, novas cores, novas formas. E o coração de ambos tinha-se tornado enorme, enorme, e nem lhes cabia dentro do peito.
Então A-Hêng pegou na mão de A-Kâm e contou-lhe como era fria e triste a terra donde viera, e como fora bom chegar até ali, e como seria bom ali erguer, com ela, a sua casa, a seu lado trabalhar a terra, criar os filhos.
Então A-Kâm pegou na mão de A-Hêng e contou-lhe como sem ele também aquela aldeia lhe pareceria triste e fria, e como seria bom, a seu lado, erguer a sua casa, trabalhar a terra, criar os filhos.
E debaixo da ameixoeira prometeram que nunca mais estariam longe um do outro.
E A-Hêng disse:— És a minha mulher! Para sempre.E A-Kâm disse:— És o meu marido! Para sempre.As folhas da ameixoeira ficaram a repetir baixinho:— Para sempre, para sempre, para sempre...Um dia A-Kâm sentiu que, tal como o seu coração, também o seu
corpo estava diferente. O amor de A-Hêng tinha entrado nele, e ele tinha-se tornado redondo, redondo, como a lua e o sol, como o fruto da ameixoeira, como as colinas na primavera.
Então A-Kâm chegou diante do pai e disse:— Vou ter um filho. Poderei agora casar com A-Hêng e com ele
erguer a nossa casa?
06038-MIOLO-AF6.indd 16 22.06.06 13:34:25
19
Mas Lou Uóng nem a quis ouvir:— Desta casa não sairás! E os teus
olhos nunca mais verão A-Hêng! As pessoas voltaram a dizer a Lou
Uóng:— Deixa que a tua filha se case
com A-Hêng! Um dia ela terá de sair daqui e seguir seu marido. Por que não A-Hêng, que gosta dela, tem for-tes braços para trabalhar a terra e é pai do neto que em breve terás?
De novo Lou Uóng não as ouviu:— A-Kâm fica na casa que foi
sempre sua. E A-Hêng é um pobre desgraçado, sem eira nem beira, que terá de procurar trabalho longe daqui.
— Casa-os, Lou Uóng! — diziam as pessoas. — O fruto da ameixoeira amadureceu já, e assim amadureceu a tua filha, e o seu ventre redondo.
Mas Lou Uóng nem as ouvia, nem as ouvia... Porque o ódio crescia dentro dele. E pelo ódio esquecera tudo.A palavra de paz e de harmonia. A palavra do tempo justo.A palavra das plantas e dos frutos.A palavra doce e também a palavra amarga.Pelo ódio esquecera todas as palavras da alegria.
06038-MIOLO-AF6.indd 19 22.06.06 13:34:38