As Cartas de Amarna e as Relacoes Intern

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    As Cartas de Amarna e as Relaes Internacionais

    no Egito do final da XVIII Dinastia

    Liliane Cristina Coelho

    Centro Universitrio Campos de Andrade

    Moacir Elias Santos

    Centro Universitrio Campos de Andrade

    Introduo

    Os egpcios sempre mantiveram contato com as populaes de seu entorno,

    mas durante o Reino Novo (c. 1550-1070 a. C.)1111, perodo de maior expanso

    territorial e que ficou conhecido como Imprio Egpcio, tais relaes so

    melhor documentadas. No final da XVIII Dinastia, entre os ltimos anos do

    reinado de Amenhotep III (c. 1391-1353 a. C.) e o incio do perodo de

    Tutankhamon (c. 1335-1323 a. C.), a troca de correspondncias entre os reisegpcios e governantes dos Estados aliados foi bastante abundante e algumas

    destas cartas foram localizadas na cidade de Akhetaton, capital do Egito

    durante o reinado de Amenhotep IV/Akhenaton (c. 1553-1335 a.C.).

    O stio de Akhetaton conhecido desde o incio do sculo XVIII. A

    primeira referncia moderna cidade encontrada na obra do jesuta francs

    Claude Sicard, que visitou o Egito em 1714, e o primeiro mapa detalhado do

    assentamento urbano foi publicado por Napoleo Bonaparte na Description de

    lgypte, obra que resultou de sua expedio ao pas iniciada em 1798. Entre os

    primeiros egiptlogos a visitarem o stio esto John Gardner Wilkinson, James

    Burton, Jean-Franois Champollion, Robert Hay, Nestor lHte e Karl Richard

    Lepsius2.

    1As datas seguem a cronologia proposta por J., BAINES; J., MLEK, J. O mundo egpcio: deuses,templos e faras.Madri: Ediciones del Prado, 1996. v.1. p.36.2 T. E., PEET ; C. L., WOOLLEY. The City of Akhenaten I. Excavations of 1921-22 at el-

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    A descoberta, em 1887, de um grupo de cartas atualmente conhecidas

    como Cartas de Amarna, por uma camponesa que vasculhava as runas da

    cidade em busca de materiais que pudessem ser utilizados como fertilizantes no

    campo (sebak, em rabe), levou s primeiras escavaes na cidade principal, na

    temporada de 1891-92, sob a direo de William Matthew Flinders Petrie. Os

    locais explorados pelo arquelogo foram o templo dedicado ao Aton, o Palcio

    Real e algumas casas privadas3. Os resultados desta primeira temporada foram

    publicados na obra chamada Tell el-Amarna4, at hoje uma importante

    referncia sobre o stio.

    A correspondncia localizada pela camponesa, que corresponde a

    tabletes escritos em cuneiforme, na realidade parte das cartas trocadas entre ofara e reis de Estados da Sria-Palestina. Atualmente so conhecidos 382

    tabletes, dos quais 350 so cartas ou listas que deveriam estar anexadas s cartas

    e os demais constam de contos ou relatos mitolgicos5. A escrita utilizada a

    cuneiforme, a lngua franca do sculo XIV a. C. Do conjunto, apenas nove

    cartas foram escritas pelo fara, sendo todas as outras correspondncias

    recebidas pelos reis egpcios6.

    Para este artigo, analisamos as cartas que foram enviadas ou recebidasdos Grandes Reis de Babilnia, Assria, Mitanni, Hatti, Arsawa (Anatlia) e

    Alashiya (Chipre)7 e que ajudam a esclarecer como eram as relaes do Egito

    com outros Estados do Antigo Oriente Prximo no perodo corresponde ao

    final da XVIII Dinastia.

    As relaes internacionais por meio das Cartas de Amarna

    As Cartas de Amarna, junto com documentos contemporneosugarticos e hititas e outras fontes egpcias, so documentos valiosos para a

    Amarneh. London: The Egypt Exploration Society, 1923, p.v.3Ibidem, p.v.4W. M. F., PETRIE. Tell el Amarna. London: Methuen & Co., 1894.5W. L., MORAN. Les Lettres del-Amarna.Paris: Les ditions du Cerf, 2004, p. 17.

    6 J., HUEHNERGARD; S., IZREEL. (ed.) Amarna Studies: collected writings. Winona Lake(Indiana): Eisenbrauns, 2003, p. 238.7Ibidem, p. 238.

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    histria da Sria e da Palestina durante parte do sculo XIV a. C.8. A

    correspondncia cobre cerca de 25 a 30 anos, entre os ltimos anos de reinado

    de Amenhotep III e o primeiro ano de governo de Tutankhamon, sendo mais

    abundante durante o reinado de Akhenaton. Segundo nos informa o

    assirilogo americano William Moran, que autor da traduo mais recente

    dos documentos, apesar de escritas em acadiano, as cartas so fontes valiosas

    sobre o cananita, que tem no hebraico bblico um de seus dialetos9. Um

    desenho de linha que apresenta dois modelos destas Cartas apresentado na

    figura 1.

    Figura 1Figura 1Figura 1Figura 1 Desenhos de linha, elaborados por Petrie, que mostram duas dasCartas de Amarna localizadas por sua equipe durante as escavaes de 1891-92.Referncia: PETRIE, W. M. F.. Tell el Amarna. London: Methuen & Co.,1894. PL XXXI.

    Em 1896, Hugo Winckler, um orientalista alemo, realizou a primeira

    transliterao e traduo dos textos contidos nos tabletes at ento

    conhecidos10. Em 1907, aps novas descobertas que aumentaram o nmero de

    tabletes para 358 e quando os estudos amarnianos atingiram seu auge, o

    assirilogo noruegus Jorgen Alexander Knudtzon publicou o primeiro volume

    8Ibidem, p. 237-238.9Ibidem, p. 223.10W. L., MORAN. Les Lettres del-Amarna.Paris: Les ditions du Cerf, 2004, p. 15.

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    de sua obra Die El-Amarna Tafeln, que at hoje uma referncia importante

    sobre as cartas e que estabeleceu a numerao ainda utilizada para sua

    organizao11, que consta das letras EAseguidas pelo nmero correspondente.

    Foi Knudtzon tambm quem estabeleceu, em funo de diferenas nas formas

    de tratamento e de linguagem, a diviso das cartas em dois grandes grupos: no

    primeiro est a correspondncia trocada com os Estados aliados (um grupo

    pequeno de cerca de 40 cartas) e no segundo esto as missivas enviadas ou

    recebidas de vassalos ou Estados subordinados. Os Estados aliados a que aqui

    nos referimos so Babilnia (EA 1-14), Assria (EA 15-16), Mitanni (EA 17;

    19-30), Hatti (EA41-44), Alashiya (Chipre EA33-40) e Arzawa (Anatlia

    EA31-32). J dentre os vassalos podemos contar pequenos reinos da Sria-Palestina que estavam sob domnio egpcio12.

    Algumas das cartas enviadas por governantes de Estados vassalos

    referem-se a pedidos de ajuda ao fara, especialmente no que se refere a tropas

    para evitar invases ou expulsar invasores. Para este trabalho, no entanto, nos

    interessam especificamente as cartas trocadas entre o rei do Egito e governantes

    de Estados aliados. Os assuntos tratados so os mais diversos, mas o cabealho

    das cartas tem uma forma geral: Diga a X. Assim disse Y.13. A forma detratamento mais comumente utilizada meu irmo e h saudaes que

    remetem famlia e aos bens do governante em questo, conforme podemos

    apreender a partir da saudao da carta EA1 transcrita abaixo:

    Diga a Kadashman-Enlil, rei de Kardunishe, meu irmo: Assim (disse)

    Nibmuarea14, grande rei, rei do Egito, teu irmo. Para mim, tudo est bem.

    Para ti, que tudo esteja bem. Para tua casa, para tuas mulheres, para teusfilhos, teus Grandes, teus cavalos, teus carros, para o teu pas, que tudo

    esteja muito bem. Para mim, tudo est bem. Para minha casa, para minhas

    mulheres, para meus filhos, meus Grandes, meus cavalos, meus carros, (e) as

    numerosas tropas, tudo est bem, e no meu pas tudo est bem15.

    11Ibidem, p. 15.12Ibidem, p. 18-19.

    13Ibidem, p. 28.14Nibmuarea (Nebmaatra, o Senhor da Verdade Ra) o prenome de Amenhotep III.15W. L., MORAN. Les Lettres del-Amarna.Paris: Les ditions du Cerf, 2004, p. 59.

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    Os assuntos mais recorrentes nas missivas so as declaraes de

    amizade, ou a manuteno de relaes diplomticas provenientes de reinados

    anteriores; a discusso das listas de presentes relacionadas a tal amizade; os

    pedidos de casamento, ou os casamentos diplomticos; e os presentes trocados

    no momento da unio16. Com menos frequncia, h pedidos de ouro ao rei

    egpcio e tambm cartas cujo objetivo informar a vitria sobre um inimigo

    comum.

    Durante o reinado de Amenhotep III (c. 1391-1353 a. C.), o controle

    egpcio sobre a Sria-Palestina estava dividido em trs reas: a regio que inclui

    os modernos Israel, Palestina, Jordnia e a costa libanesa at Beirute, conhecidacomo Cana, que era controlada pelo governador de Gaza; a regio do atual

    Lbano, que tinha como responsvel o governador de Kumidu; e a regio de

    Simurru (na Sria), rea tambm conhecida como Amurru e que corresponde s

    terras ao norte de Ugarit, cujo responsvel era o governador de Simurru17.

    Durante o Perodo de Amarna, no entanto, a hegemonia egpcia na regio da

    Sria-Palestina foi quebrada. O crescimento militar de Estados aliados como a

    Assria e o Hatti foi negligenciado pelos ltimos faras da XVIII Dinastia18. Talafirmativa pode ser confirmada ao analisarmos a missiva EA 41, na qual fica

    clara a insatisfao do rei do Hatti com o novo governo egpcio:

    [Assim (diz) o Sol], Shuppiluliuma, g[rande] rei, [rei do Hatti]. Diga a

    Hurey[a19, o rei do Eg]ito, meu irmo: (...) Agora, meu irmo, [t]u ests no

    trono de teu pai, e, assim como teu pai e eu estvamos interessados na paz

    entre ns, assim agora tu e eu deveramos ter amizade um pelo outro. O

    desejo eu expressei a teu pai, eu expresso a meu irmo tambm.Ajudemo-nos um ao outro20.

    16Ibidem, p. 33.17 D. P., SILVERMAN; J. W., WEGNER; J. H., WEGNER. Akhenaten and Tutankhamon:revolution and restoration. Philadelphia: University of Pennsylvania Museum of Archaeology andAntropology, 2006, p. 153.

    18J., HUEHNERGARD; S., IZREEL. (ed.) Op. cit., p. 223-224.19Hureya um apelido carinhoso de Akhenaton ou de Tutankhamon.20W. L., MORAN. Op. cit., p. 210-211.

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    J na carta EA17 h uma meno a uma vitria de Mitanni sobre os

    hititas, o que comprova o crescimento do Estado aliado:

    [O mais tardar n]o ano seguinte, no entanto, ... de meu irmo toda a terra

    do Hatti. Quando o inimigo se aproximava do [meu] pas, Tesshup, meu

    Senhor, deu-lhe em meu poder, e eu venci. No h um que retor[nou] ao

    seu prprio pas21.

    Tais cartas confirmam a importncia do Egito como um grandeEstado no cenrio do Antigo Oriente Prximo durante o sculo XIV a. C. ao

    mesmo tempo em que mostram a insatisfao dos governantes dos Estado

    aliados com o governo de Amenhotep IV/ Akhenaton ou de Tutankhamon,que pareciam no se importar com a manuteno das alianas estabelecidas porseus antecessores, se levarmos em considerao principalmente a missiva EA41,

    parcialmente transcrita acima. Em alguns casos, como por exemplo no doHatti, a relao que se rompeu durante este perodo s foi restabelecida cerca

    de um sculo depois, por meio de um casamento diplomtico entre o faraRamss II e uma princesa hitita.

    Os casamentos diplomticos, no obstante, so um dos outrosassuntos bastante recorrentes nas cartas. Significativo neste sentido conjuntode correspondncias trocadas entre o fara Amenhotep III e o rei babilnicoKadashman-Enlil. Em cinco missivas os governantes discutem a questo docasamento, que colocado de diferentes maneiras pelos governantes. Naprimeira carta (EA 1), enviada pelo fara ao rei babilnico, Amenhotep IIIresponde a Kadashman-Enlil uma questo colocada em uma correspondncia

    anterior, infelizmente no localizada:

    Diga a Kadashman-Enlil, rei de Kardunishe, meu irmo: Assim (fala)Nibmuarea, grande rei, rei do Egito, seu irmo. (...) Voc me pede agora aminha filha em casamento, mas minha irm que meu pai lhe deu est l,com voc, e ningum a viu (de maneira a saber) se ela atualmente est vivaou se ela est morta. Essas so tuas palavras que tu me escreveste sobre otablete. Mas tu j enviaste aqui um homem importante que conhea a tuairm, que poderia falar com ela e identific-la?22

    21Ibidem, p. 110-111.22Ibidem, p. 59.

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    Enquanto o rei babilnico reclama no ter notcias de sua irm, o

    fara se defende dizendo que ele deveria mandar ento algum que a

    conhecesse e que pudesse identific-la, pois apenas dessa maneira poderia

    confirmar que ela continuava viva. A reclamao de Kadashman-Enlil, no

    entanto, bem fundamentada, pois se uma irm sua j havia sido dada em

    casamento ao fara, por que ele haveria de querer tambm uma filha sua para o

    mesmo fim? A relao entre os governantes, no entanto, mantida e em outra

    carta (EA3) vemos que, apesar da desconfiana inicial, o rei babilnico deu sua

    filha em casamento a Amenhotep III:

    Quanto moa, minha filha, sobre a qual voc escreveu para mim para um

    casamento, ela se tornou uma mulher; est pronta para casar. Simplesmente

    envia uma delegao para busc-la. Anteriormente, meu pai te mandou um

    mensageiro, e tu no o mantiveste por um longo tempo. Tu o mandaste

    embora rapidamente, e tu tambm enviaste aqui, ao meu pai, um presente

    em sua homenagem23.

    Os casamentos diplomticos incluam tambm a troca de presentes,

    aqui chamados de presente em sua homenagem. Entre as cartas h vrias

    listas que tratam especificamente deste assunto, como a que encontramos em

    EA 14, que trata do envio de presentes em homenagem ao rei babilnico

    Burna-Buriyash, quando este lhe enviou sua filha em casamento. Trata-se de

    uma longa lista, na qual aparecem itens como peas de ouro, de cobre, de

    bronze, estatuetas femininas, e recipientes dos mais variados tipos.

    Em outra carta (EA 4), Kadashman-Enlil questiona Amenhotep IIIsobre uma resposta dada a ele a respeito de seu pedido para se casar com uma

    das filhas do fara. Segundo o rei babilnico, um rei pode fazer o que quiser,

    sem que ningum possa falar nada sobre suas decises:

    Alm disso, meu irmo, quando te escrevi a propsito de meu casamento

    com tua filha, de acordo com teu hbito de no dar (uma filha), tu me

    escreveste nestes termos: "Historicamente, nenhuma filha de um rei do

    23Ibidem, p. 66.

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    Eg[ito] dada a quem quer que seja." Por que n[o]? Tu s um rei, tu fazes

    o que gosta. Se tu deres uma menina, quem teria qualquer coisa a dizer? 24

    O questionamento de Kadashman-Enlil pertinente, j que o fara

    no explica os motivos que o levam a no dar uma filha em casamento,conforme o rei babilnico deixa claro em sua missiva. Amenhotep III diz

    apenas que se trata de um costume egpcio, o que leva o governante estrangeiro

    a afirmar, em outro momento na mesma carta, que se o fara mandasse

    qualquer moa bonita dizendo ser sua filha todos acreditariam e ele no

    precisaria dar explicao alguma.

    Para Samuel A. Mier, especialista em temas relacionados ao Antigo

    Testamento bblico, os casamentos diplomticos eram importantes para amanuteno das alianas entre Estados25, o que leva a uma discusso sobre

    quais as consequncias de um rei egpcio no enviar sua filha para se casar com

    um rei estrangeiro. O autor afirma que, talvez, a troca de princesas no tivesse

    necessariamente o mesmo significado para todos os atores internacionais e, por

    isso, tal fato no levava a quebras nas relaes entre o Egito e os outros Estados

    da Sria-Palestina. A troca de princesas por presentes, por exemplo, poderia ser

    uma alternativa para este impasse.

    Menes a casamentos anteriores de princesas estrangeiras com reis

    egpcios tambm so encontradas nas cartas. Em EA 29, por exemplo, uma

    princesa do Mitanni citada na troca de correspondncias entre Amenhotep IV

    e Tushratta:

    [Diga Naphurereya26, rei do Egito, m]eu irmo, meu filho, [eu] amo e que

    me a[ma: Mensagem de Tushratta], grande [rei], re[i de Mitann]i, teu

    irmo, teu padrasto, que o ama. (...) Para Tadu-Heba, minha filha, que tudo

    esteja bem27.

    24Ibidem, p. 68.25S. A., MEIER. Diplomacy and internacional marriages. In:R., COHEN; R., WESTBROOK,R. (ed.) Amarna Diplomacy: the beginnings of internacional relations. Baltimore: The John

    Hopkins University Press, 2000, p. 170.26Naphurereya (Neferkheperura, Belo em suas formas Ra) o prenome de Amenhotep IV.27W. L., MORAN. Op. cit., p. 179.

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    Em outro trecho desta missiva o rei babilnico procura confirmar os

    laos de amizade estabelecidos desde o reinado de seu av, Artatama, com os

    governantes egpcios. Ele se refere, quando menciona a correspondncia

    constante entre ele e Amenhotep III, rainha Tye, esposa de Amenhotep III e

    me de Akhenaton, que ele diz saber muito bem da situao a que ele faz

    referncia. Tushratta menciona o fato de Tye ser a esposa principal e preferida

    de Amenhotep III e, por isso, conhecedora da poltica externa praticada por seu

    marido, o que faz da rainha uma mulher muito importante naquele contexto.

    Como no h uma resposta de Akhenaton que possa ser analisada, ficamos na

    dvida sobre ser esta uma declarao unilateral ou recproca de amizade.

    Por fim, resta-nos falar justamente sobre as declaraes recprocas deamizade. Este o tema da carta EA 9, com certeza direcionada a Tutankhamon

    pelo rei babilnico Burna-Buriyash:

    Diga a um Nibhurrereya28, o rei do Eg[ito], meu [irmo]: Assim (diz)

    Burra-Buriyas rei de Karaduniyas teu irmo: Para mim est tudo bem. Para

    ti, para tua casa, tuas mulheres, teus filhos, teu pas, teus Grandes, teus

    cavalos, teus carros, que todos estejam muito bem.

    A partir do momento (em que) meus ancestrais e teus ancestrais fizeramuma declarao de amizade mtua, eles tm enviado belos presentes como

    homenagem e nunca recusaram um pedido de qualquer coisa de belo. Meu

    irmo frequentemente enviava duas minas de ouro como presente de

    homenagem. Agora, se o ouro abundante, envie-me tanto quanto os teus

    antepassados, mas se raro, envie-me metade do que teus antepassados

    enviavam29.

    Vemos, assim, que a manuteno das relaes de amizade entre oEgito e os Estados aliados passava no apenas pelos casamentos diplomticos,

    tal como discutido anteriormente, mas tambm pela troca de presentes. Na

    carta EA9, parcialmente transcrita acima, o pedido por uma quantidade de

    ouro semelhante quela que era enviada pelos governantes anteriores. Em

    outros casos, como em EA 3, cujo tema principal o casamento, o ouro

    28 Nibhurrereya (Nebkheperura, o Senhor das transformaes Ra) o prenome deTutankhamon.29W. L., MORAN. Op. cit., p. 80-81.

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    tambm o desejo do rei estrangeiro, mas este no usa como argumento a

    manuteno da amizade, como em EA9: o ouro necessrio para que ele possa

    terminar de construir seu novo palcio. De uma maneira ou de outra, no

    entanto, a manuteno das relaes internacionais passa pelos presentes, que

    so tambm dados em troca das princesas estrangeiras.

    Consideraes finais

    Embora formem um corpus pequeno de documentao sobre a

    situao poltica da regio da Sria-Palestina durante o final da XVIII Dinastia,

    as Cartas de Amarna auxiliam para a compreenso de como o Estado egpcio

    mantinha seus domnios em sua poca de maior expanso territorial. Nosabemos ao certo a quantidade de tabletes que se perdeu, dada sua fragilidade e

    a maneira como foram descobertos segundo alguns relatos por uma

    camponesa que vasculhava as runas em busca de fertilizante agrcola , mas os

    documentos existentes mostram que tal hegemonia se conservava por meio de

    diferentes fatores, como os casamentos diplomticos e a troca de presentes.

    Fica claro, por meio de tais documentos, que a diplomacia era

    essencial para manter os territrios e os aliados conquistados por meio deguerras e, consequentemente, para manter o Imprio Egpcio. A instabilidade

    do final da XVIII Dinastia, poca a que se referem os documentos aqui

    analisados, resultou na perda de alguns dos territrios aliados e subordinados

    que aparecem nas Cartas. Verifica-se, ento, que durante os primeiros reinados

    da XIX Dinastia h um grande esforo, por parte do governo egpcio, para

    restabelecer tais contatos diplomticos, o que se consegue, em alguns casos,

    bastante tardiamente na mesma dinastia.A manuteno das relaes diplomticas egpcias passava tambm pela

    linguagem. Vemos pelas formas de tratamento utilizadas por aliados que eles se

    consideravam e eram considerados pelo fara como iguais. Mesmo na

    lngua original dos tabletes, o acadiano, a palavra utilizada para rei a mesma

    quando falamos do fara ou de um dos Grandes Reis do perodo. J os

    vassalos tratavam ao fara como um superior e este se sentia assim em relao

    a eles.

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    A linguagem comercial no tratada diretamente neste artigo difere

    de um governante para outro. Os reis de Chipre e Ugarit, por exemplo, usam

    um vocabulrio muito mais comercial que aquele utilizado pelos faras, o que

    pode ser afirmado pela anlise de outras fontes do perodo, que dizem mais

    respeito ao tema e que no foram mencionadas neste trabalho.

    Por meio das Cartas de Amarna, ento, possvel compreender o que

    estava ocorrendo no Egito e em seu entorno em uma poca na qual o que

    chama mais a ateno dos estudiosos a revoluo religiosa que Akhenaton

    tentou levar a cabo no pas dos faras. Se levarmos em considerao as cartas

    encontradas, no entanto, no verdadeiro afirmar que este fara no estava

    preocupado com as relaes internacionais. Primeiro, porque os tabletes foramencontrados na cidade que Akhenaton mandou erigir para ser a sua nova

    capital Akhetaton, e em segundo lugar porque a maioria dos tabletes

    localizados na chamada Sala de Correspondncia do Fara data justamente de

    seu reinado.