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1 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.
Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.
As Identidades Visuais Mutantes E Seus Riscos Intrínsecos.
The mutant visual identities and its intrinsic risks.
Lorenzo Ellera Bocchese
FTEC – Porto Alegre | Rio Grande do Sul | Brasil
RESUMO
O contexto tecnológico atual confere
profundas e irreversíveis mudanças na política,
na economia e nas relações sociais e parece
empurrar as artes gráficas para uma constante
mudança sistemática e efêmera. As marcas
mutantes são identidades visuais corporativas
que modificam sua forma, cor ou tipografia de
acordo com cenário ou o contexto em que estão
inseridas e podem ser consideradas uma resposta
do design gráfico a esse pano de fundo
sociocultural. A partir desse cenário, o presente
trabalho procura estudar quais os riscos e as
oportunidades a que as organizações se expõem
ao utilizarem identidades visuais cambiantes em
sua estratégia de marca ou branding.
ABSTRACT
The current technological context shows
profound and irreversible changes in politics,
economics and social relations and it seems to
push the graphic arts to a constant systematic
and ephemeral change. Mutant brands are
corporate visual identities that modify their
shape, color or printing according to scenario or
the context in which they are in, and can be
considered as a graphic design response to this
sociocultural background. From this context, the
present work aims to study what risks and
opportunities that organizations are exposed to
when using changing visual identities in their
brand or branding strategy.
INTRODUÇÃO
A disseminação da ubiquidade na informática
conduz os designers à criação e à produção de
peças gráficas mais ágeis e, portanto, flexíveis. É
certo que as tecnologias têm a capacidade de
alterar conceitos e percepções da humanidade. A
invenção da fotografia, por exemplo, modificou a
forma como o homem entende o seu entorno e a
arte.
A era digital nos apresenta, a cada semana,
novidades tecnológicas e possibilidade de
produção de conteúdo em uma escala nunca
vivenciada pela humanidade. Percebe-se que
muitos desses lançamentos de dispositivos e
softwares são efêmeros; no entanto, mesmo
assim, podem causar ansiedade e aumentar a
sensação de que se está sempre em débito com a
tecnologia. Zygmund Bauman [1] afirma que a
vida atual é uma “vida líquida” por apresentar
condições de incerteza constante e que as
preocupações decorrentes disso são relacionadas
a não se conseguir acompanhar a rapidez das
mudanças e ao temor de ficar ultrapassado.
Os seguidos reinícios dessa “vida líquida”,
desencadeados pelas “novidades” tecnológicas,
são momentos desafiadores para consumidores,
empresas e designers.
2 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.
Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.
Para Bauman [1], o que move uma sociedade
líquida é a “modernização”, ou seja, “ir em frente
despindo-se a cada dia dos atributos que
ultrapassaram a data de vencimento [...]. A
necessidade é de correr com todas as forças para
permanecer no mesmo lugar” [1]. A análise
cáustica de Bauman pede uma reflexão a respeito
do desejo que as pessoas têm de sempre
estarem em dia com os lançamentos do
momento, muitas vezes, com esforços fora de
sua capacidade econômica para adquirir
novidades tecnológicas que nem sempre serão
usadas plenamente.
Bondia [2] também alerta para a
consolidação de um senso comum de que tudo
deve ser rápido e urgente, desencadeando uma
“obsessão pela novidade” e pela atividade. Desse
modo, tudo vira pretexto para ação, mas uma
ação que precisa ser veloz e (muitas vezes) sem
sentido prático ou estratégico.
O excesso de informação hoje existente
parece que está reduzindo o espaço para a
experiência (vivência); as pessoas ficam
constantemente conectadas lendo centenas de
postagens por semana, no entanto, sem se deter
ou se aprofundar em nada. Bondia [2] reflete que
o despropósito de conteúdo e informação inútil
colocados nas redes sociais eletrônicas está
roubando o tempo que as pessoas teriam para
viver experiências singelas como conhecer
melhor seu bairro, fazer visitas aos amigos e até
mesmo ler um livro com profundidade, sem ficar
espiando a última postagem no Instagram.
Além disso, o acúmulo de informação inútil
pode criar uma falsa sensação de que se está
experimentando muito, quando na verdade não
se está, pois informação/conhecimento sem
vivência se torna uma ficção.
Por conseguinte, esse contexto de
proliferação de imagens (fotos e vídeos) e a
sensação de que tudo está mudando e se
transformando incessantemente reclama uma
arte gráfica mais dinâmica, sob pena de a
comunicação ficar desalinhada com a ideia de
constante “evolução”.
As marcas mutantes, aparentemente, são a
resposta do design para essa “vida líquida”, veloz
e maleável. A variação na forma, na cor ou na
tipografia dessas identidades visuais vai ao
encontro do caráter da sociedade
contemporânea, além de representar uma
vantagem na aplicação em suportes eletrônicos,
os quais, frequentemente, trazem uma
configuração fluida e dinâmica.
Essas características podem ser bem
aproveitadas por estratégias de branding, mas é
necessário ter consciência dos seus riscos e de
suas potencialidades. Portanto, o mote do
presente trabalho é discutir a utilização de
marcas mutantes como parte de uma estratégia
de gestão de marcas.
Para isso, foi realizada uma pesquisa
exploratória para definir o conceito de marca
mutante e a relação do branding com esse tipo
de identidade visual, finalizando com uma análise
descritiva com o propósito de registrar, organizar
e interpretar as oportunidades das macas
mutantes com uma camada na construção de
marcas [3].
AS MARCAS MUTANTES
Os vestígios das primeiras expressões gráficas
dos humanos foram encontrados na África e têm
mais de 200 mil anos. Nossos antepassados pré-
históricos “imprimiam” nas paredes de antigos
canais de água, que eram utilizados como
refúgio. “Esse não foi o começo da arte como
conhecemos. Foi, mais precisamente, a alvorada
das comunicações visuais, porque essas
primeiras figuras foram feitas para sobrevivência
e com fins utilitários e ritualísticos” [4].
A gênese das marcas provém de meios
expressivos para uma compreensão mútua entre
os membros da sociedade ou de determinados
grupos específicos. Primeiramente, essa
compreensão entre os indivíduos concentrava-se
na comunicação verbal, progredindo para os
sistemas de escrita “dos quais o desenvolvimento
do alfabeto latino pode ser estimado como o
apogeu de um método de expressão abstrato e
racional” [5].
A partir do momento em que o homem deixou
de ser nômade e iniciou uma cultura de aldeia,
surgem a especialização nas artes e ofícios e a
propriedade privada. Esse novo cenário pedia
3 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.
Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.
também um novo sistema de identificação, que
servisse para tornar claro quem era o produtor de
uma peça manufaturada ou quem era o dono de
determinados animais, terras ou, ainda,
ferramentas.
Acredita-se que a representação visual do
indivíduo tenha surgido nas tribos nômades, as
quais identificavam o rebanho e alguns objetos
por meio de símbolos específicos. “Marcas de
propriedade como essas foram descobertas em
forma de riscos sobre chifres de animais e peças
de argila da Idade da Pedra” [5]. Per Mollerup [6]
coloca que marcas encontradas em lâmpadas a
óleo romanas, dos primeiros séculos depois de
Cristo, parecem ser os primeiros exemplos de
marcas destinadas à produção em escala.
É importante destacar que, nas marcas
comerciais dos séculos XIV e XV, eram utilizados
símbolos e desenhos que faziam alusão a
aspectos objetivos, como pontos cardeais,
balança, cruz, navios e bandeiras. No século
XVII, em uma fazenda finlandesa, os
trabalhadores desenvolviam sinais para controlar
corretamente os dias trabalhados e, em uma
tábua de marcação, ao final de cada dia, fazia-se
um furo com um prego ao lado de cada sinal.
Desse modo, era feito o controle de pagamentos,
como ilustra a figura 4.
Figura 1 – Relação dos empregados com as
anotações feitas pelos diaristas. Fazenda finlandesa, século XVII.
Fonte: FRUTIGER [5].
Percebe-se que as marcas têm acompanhado
o homem por, pelo menos, 5000 anos [6]. E que
o ser humano tem uma necessidade intrínseca de
externar, registrar e se identificar com símbolos,
desenhos e imagens. Como já foi mencionado,
vivemos o culto à imagem. Uma reflexão a ser
feita é se essa atitude não seria um resgate do
registro do pensamento e das escritas pictóricas
dos nossos antepassados. “É particularmente
claro o modo como essa necessidade de símbolos
fecha um círculo completo, que nos conduz às
pinturas rupestres” [5]. Segundo Frutiger, as
marcas e os símbolos são uma esquematização
da linguagem verbal, porque a vocação da
imagem pictórica em um mundo altamente
complexo é sinalizar, de forma organizada, os
locais, as organizações ou as ideias nos quais a
linguagem seria excessiva.
Desse modo, as marcas contemporâneas
estão procurando meios para se destacarem em
um cenário saturado de imagens. Aqui surge um
caminho que diverge da concepção de marca
única, estática e até, em certa medida,
engessada para determinada organização: as
marcas mutantes, que são uma alternativa para
se alcançar evidência diante de tanta informação
e conteúdo pulsante. Com elas, busca-se, por
meio do movimento, seja da cor, seja da forma,
seja da tipografia, atingir a apreciação do público.
O design gráfico atual é marcado pela estética
pós-moderna, com peças gráficas saturadas,
híbridas, multicoloridas e, muitas vezes,
pautadas pelo excesso, deixando para um
segundo plano a austeridade do modernismo.
No entanto, é relevante destacar que vem
surgindo nos últimos cinco anos uma tendência
que se opõe a esse modelo: o Flat Design, que
consiste em trabalhar imagens, pictogramas e
diagramações simplificadas, buscando formas
elementares e minimalistas (figuras 2 e 3). É
claro que um não suplanta o outro, eles convivem
juntos de acordo com a necessidade do briefing e
com o estilo/ideologia do designer. Contudo, as
imagens carregadas, multicoloridas e com efeitos
de volume e metalizados ainda predominam nas
peças gráficas contemporâneas.
4 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.
Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.
Figura 2 – Exemplo de Flat Design|Windows 8.
Fonte: http://early-adopter.com/flat-vs-
skeuomorphic/. Acesso em: 21 abr. 2015.
Figura 3 –Exemplo de Flat Design. Fonte:
http://pt.depositphotos.com/33169347/stock-illustration-business-icon-set-flat-design.html.
Acesso em: 21 abr. 2015.
Observando os trabalhos de David Carson
(1956), Stefan Sagmeister (1962) (figura 4),
Neville Brody (1957) (figura 5) e Paula Scher
(figura 6) (1948), consagrados designers gráficos
da atualidade, pode-se perceber que seus layouts
são desenvolvidos nessa concepção, ou seja,
suas propostas espelham o temperamento
contemporâneo, que é marcado pela heterodoxia,
pela liberdade visual e pela quebra de
paradigmas modernistas.
As marcas mutantes são uma das expressões
mais contundentes desse ambiente cultural de
constante mudança, proliferação de formas,
colagens e mistura de estilos. Pois elas são
identidades visuais corporativas que mudam sua
forma, cor ou tipografia de acordo com um
padrão pré-estabelecido.
Figura 4 – Trabalho de Stefan Sagmeister.
Fonte: http://www.sagmeisterwalsh.com/work/project
/aizone/. Acesso em: 21 abr. 2015.
5 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.
Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.
Figura 5 – Trabalho de Neville Brody.
Fonte:
https://www.pinterest.com/pin/453596993695188675/. Acesso em: 21 abr. 2015.
Figura 6 – Trabalhos de Paula Scher. Fonte:
http://www.boumbang.com/paula-scher/. Acesso em: 21 abr. 2015.
Esse sistema pode ser mais ou menos rígido
(em relação à liberdade ou às possibilidades de
mutações). Kreutz [7] define as marcas mutantes
em dois grandes grupos: Marca Mutante
Programada e Marca Mutante Poética (figura 7).
No primeiro grupo, constam as mutações
mais organizadas, planejadas e sistematizadas.
No segundo grupo encontram-se as marcas
mutantes mais “selvagens”, nas quais a mutação
ocorre de acordo com o contexto e o mote de
cada situação em que a marca está aplicada.
O que vai determinar a intensidade das
alterações na marca é a visão conceitual atrelada
à ideologia da organização (essa relação entre
identidade visual e valores da marca será
devidamente explorada no próximo capítulo).
6 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.
Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.
Deve-se ressaltar que o lado antagônico das
identidades visuais mutantes são as marcas
convencionais, as quais são
[...] fundamentadas em modelos positivistas, as manifestações convencionais – subdividas em tradicionais, que denominamos Identidades Visuais Estereotipadas, e modernas, que denominamos Identidades Visuais Arbitrárias – caracterizam-se pela rigidez na forma de identificação, pela padronização, pela crença no progresso linear e nas verdades absolutas, pelo cultivo do eterno e do imutável. As não-convencionais, as pós-modernas, as quais denominamos Identidades Visuais Mutantes, caracterizam-se pela flexibilidade e a dinamicidade da forma, pela heterogeneidade, pela fragmentação, pelo pluralismo, pela indeterminação, pelo efêmero e fugidio que indicam vestígios de identificação em constante reformulação [7].
Figura 7 – Tipos de Identidades Visuais Mutantes.
Fonte: Imagem do autor.
As marcas mutantes surgem com um
propósito de subverter o padrão modernista e
rígido das identidades visuais. Um ícone dessa
subversão é a logomarca da MTV (figura 8). Hollis
chama a atenção para o fato de que, com o vasto
banco de imagens e informações hoje disponíveis
a todos, os trabalhos, em sua essência, acabam
sendo muito semelhantes:
Embora muitas imagens sejam criadas pelos próprios designers, grande parte delas são imagens prontas, como as antigas xilogravuras reaproveitadas pelos
tipógrafos medievais de trabalhos anteriores, as antigas gravuras ou as fotografias do acervo de uma agência de imagens [8].
Logo, as marcas mutantes aparecem como
um modo de criar algo realmente novo. Stefan
Sagmeister pode ser considerado um desses
inovadores, ao apostar no desenvolvimento e na
aplicação das marcas mutantes, como, por
exemplo, as marcas da Casa da Música de
Portugal e da EDP (figuras 9 e 10). Todavia,
Meggs e Purvis afirmam que o conceito de marca
flexível já aparecia de modo embrionário na
década de 1950 com a marca da CBS:
[...] A aplicação dessa marca aos impressos da CBS, desde etiquetas de remessa até
comunicados à imprensa, era feita com atenção e cuidado. Mas a coerência dogmática no modo de usar a marca não era considerada necessária. Ela era usada com diversas versões da assinatura da empresa, e Golden e sua equipe evitavam empregá-la onde não era cabível. [...] O enfoque da CBS para a imagem e design corporativos não dependia de um sistema ou estilo, mas sim da política gerencial em relação ao design e ao talento criativo de seu pessoal. A vantagem dessa diretriz é um projeto corporativo variado e dinâmico, que pode mudar em função das necessidades da empresa e evolução das sensibilidades; o perigo potencial é a falta de alternativa caso a responsabilidade pela gestão ou pelo design passe para mãos menos astutas [4].
Figura 8 – Identidade visual da MTV. Fonte: Brands of the World. Disponível em:
<http://www.brandsoftheworld.com/>. Acesso
em: 12 mar. 2012.
7 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.
Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.
Figura 9 - Identidade visual da Casa da Música.
Fonte: http://www.sagmeisterwalsh.com/work.
Acesso em: 19 abr. 2015.
Figura 10 - Identidade visual da EDP. Fonte:
http://www.sagmeisterwalsh.com/work. Acesso em: 19 abr. 2015.
A questão levantada por Meggs e Purvis [4] é
o tema central deste artigo: em que medida as
marcas mutantes podem oferecer mais riscos do
que benefícios às empresas que as utilizam?
O BRANDING E AS MARCAS MUTANTES
O branding ou gestão de marca consiste em
um sistema que procura detectar os verdadeiros
objetivos (missão) e valores de uma organização
e, se necessário, modificá-los para uma melhor
eficácia do negócio, tanto em termos de geração
de lucro quanto em relação a trazer benefícios
para a sociedade.
A gestão de marcas é um trabalho em equipe [...]. Nessa equipe destaca-se o trabalho do gestor da marca. Seu papel é uma espécie de síntese de todo o trabalho interno relativo ao produto, aos processos e aos objetivos. O
gestor da marca une os interesses da empresa com os do público [9].
O branding preocupa-se principalmente com
os aspectos intangíveis. Porque o que se
administra em gestão de marca “está além dos
produtos, sua materialidade, sua utilidade e os
serviços que são oferecidos. [...] O que se
gerencia é sua imagem (física e conceitual). E o
branding tem como objetivo aprimorar a relação
entre consumidor/marca” [9].
Uma das maneiras de estreitar o vínculo com
os consumidores é o serviço. A prestação de um
bom serviço agrega valor. A compra de um
produto que traga consigo serviços que facilitem
a sua utilização (aprendizado ou manutenção)
cria uma experiência altamente positiva em
relação à marca. Outro fator fundamental para
tornar o contato com o cliente mais emocional é
um serviço de atendimento ao consumidor
realmente preocupado com o problema do cliente
e um pós-venda proativo.
A menção desses exemplos de construção de
marca neste trabalho tem a finalidade de mostrar
que identidade visual (como mencionado na
introdução) é apenas uma camada da “geologia”
de uma marca. Ou seja, ela não sustenta ou
modifica o desempenho de uma organização,
mas pode facilitar ou complicar a sua
comunicação.
A criação de uma identidade visual que esteja
em consonância com um verdadeiro propósito e
valores é uma tarefa complexa para os designers
gráficos. A começar pelo aspecto de que muitas
organizações têm uma visão distorcida de sua
8 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.
Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.
missão e até mesmo dos seus valores. Isso se dá
porque a cultura de se estudar e pesquisar
profundamente a ideologia e o impacto que ela
possui nas ações de comunicação ainda não está
disseminada no Brasil. Percebe-se esse descaso
pelo modo como o setor de telecomunicações
ainda trata seus clientes e por muitos sistemas
de atendimento ao consumidor que simplesmente
não funcionam (nos mais variados setores).
Infelizmente, muitas empresas acreditam que
a criação de uma nova identidade visual vai
promover mudanças na dinâmica dos negócios ou
até mesmo aumentar as vendas. Um exemplo é
o caso da Iberia, que em 2013 desenvolveu um
extenso programa de remodelagem de uso da
logomarca (figura 11) para tentar modificar a
percepção que os consumidores tinham do
serviço ruim que a companhia prestava. O
designer gráfico espanhol Rodolfo Fernández
Alvarez alerta que
[...] a mudança pode acontecer por movimentos de estratégia de comunicação, é claro que também motivada pela aliança comercial com a British Airways. Talvez para melhorar a imagem, antes de mudar o logotipo, lhes seria conveniente melhorar o trato com o
cliente, as ofertas e preços, a pontualidade, a qualidade de serviço, etc. Entendo que este redesign superficial, atuará como um boomerang. A mudança é para os usuários ou para a companhia? [10].
Ou seja, “fabrica-se mais facilmente um lote
de automóveis do que a imagem” [11] de uma
marca, pois ela é obtida por meio de uma gestão
sistemática dos processos de produção e
relacionamento com o cliente (em todos os
pontos de contato). Assim, percebe-se que a
transformação de uma identidade visual deve vir
a reboque de uma mudança nos procedimentos
de uma empresa (aqui fala-se em mudanças
radicais na logomarca, não em pequenos ajustes
ou modernizações). Pois uma marca “não nasce
como uma marca, mas como um produto ou
serviço” [11]. Marty Neumeier enfatiza esse
conceito ao afirmar que “marca não é o que você
diz que ela é. Marca é o que o consumidor diz
que ela é” [11]. Em outras palavras, Neumeir diz
que “marca é a percepção intuitiva de uma
pessoa em relação a um produto serviço ou
empresa”.
Figura 11 - Identidade visual da IBERIA. Fonte: http://foroalfa.org/articulos/iberia-
voando-baixo.
Acesso em: 19 abr. 2015.
Verifica-se que a construção de marca é um
processo contínuo de aferição da percepção do
cliente em relação aos produtos e aos serviços de
uma organização para o aprimoramento da
satisfação dos clientes. Seguir uma trajetória
linear e rígida para a gestão de qualquer marca é
se afastar das necessidades dos consumidores. E
tal atitude pode ser considerada como um
suicídio em termos de branding. Na realidade,
hoje, não basta saber o que consumidor está
fazendo, é fundamental saber o porquê.
Descobrir quais os motivos que levam o público-
alvo a determinada atitude pode gerar
estratégias que vão ao encontro dos anseios e
das vontades dos clientes.
Especificamente com relação à utilização de
marcas mutantes, o branding torna-se ainda
mais complexo, por dois motivos: 1º) É
fundamental que a empresa tenha um “caráter”
despojado, fluido e dinâmico, que são atributos
compatíveis com marcas cambiantes. 2º) A
aplicação de marcas mutantes não pode ser
exercida por leigos, ou seja, a empresa que adota
uma marca dessa natureza necessita de um
departamento com profissionais da área de
9 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.
Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.
comunicação e marketing capacitados para
gerenciar as mutações da marca.
O primeiro problema mencionado acima está
ligado com a gestão da imagem da marca. Como
foi apresentado na introdução, vivemos um
tempo de profundas e rápidas mudanças, “os
grandes ciclos econômicos e os avanços
tecnológicos afetam profundamente o manejo
das marcas” [9]. Costa [9] aponta que a
“imagem da marca, antes de ser um assunto de
design, é assunto de psicologia social”. Ou seja,
devemos entender como e por que as pessoas se
comportam de determinada maneira para poder
ter sucesso na comunicação visual com elas. E
isso tem uma estreita relação com a maneira
como as organizações se apresentam (produto ou
serviço) para o mercado e como as pessoas
interpretam essa presença.
A figura 12 faz uma representação
esquemática de como funciona esse
relacionamento. Ela procura demonstrar que
“[...] aprofundar-se na imagem da marca é [...]
penetrar no imaginário social, psicologia
cotidiana, no mundo pessoal das aspirações, das
emoções e dos valores” [9]. Costa [9] faz uma
relação entre o ambiente (o mundo físico das
marcas) e o indivíduo (mundo mental da marca),
conforme ilustra a figura. No mundo físico,
existem os objetos reais (produtos, serviços e
preços) e os símbolos (palavras, logos, cores,
slogans, cores, sons); no universo mental,
acontecem as percepções (o que a marca
representa – riqueza, agilidade, força,
sensualidade) e as experiências (os contatos com
as marcas). Portanto, o repertório/vivências de
cada pessoa vai interferir diretamente na
percepção das marcas.
Dessa forma, se um indivíduo não teve
nenhuma experiência com um produto ou
serviço, e se esse objeto tiver uma marca de
natureza mutante, a percepção do sujeito vai
depender do seu repertório (bagagem cultural).
Pois, como ressalta Costa:
[...] Sempre há, portanto, uma pré-imagem diante de uma nova marca [...]. Essa pré-imagem que fabricamos pode ser [...] inibidora ou [...] estimuladora da compra. Mas depois, o que decidirá futuras compras já não será simplesmente efeito de percepções: existirá
uma experiência real e direta. [...] As marcas vivem, assim, no mercado e na sociedade em conjunto com dois mundos, A e B (figura 31), em suas múltiplas dimensões reais e simbólicas [9].
Figura 12 - Representação gráfica da relação ambiente-indivíduo em relação às marcas.
Fonte: COSTA [9].
Isso quer dizer que marcas com uma
configuração (ainda) exótica, como as marcas
mutantes, estão sujeitas a preconceitos por parte
do público, o que sugere uma cautela ao acolher
essa concepção para identidades visuais. Mesmo
em tempos de ubiquidade generalizada da
informática e, consequentemente, uma maior
familiaridade das pessoas com recursos digitais e
composições gráficas pós-modernas, a maioria
dos consumidores ainda procura marcas que
transmitam estabilidade e segurança.
A segunda dificuldade (gerenciamento das
aplicações de marcas mutantes) deve ser levada
em conta com bastante relevância. Identidades
visuais cambiantes nas mãos de leigos em design
gráfico podem ser um grande complicador. Pois é
necessário ter-se bem a compreensão do
conceito de mutação e como será a sua
aplicação; mesmo as marcas mutantes mais
poéticas (ou selvagens) precisam de um critério e
de uma estratégia de design na sua aplicação.
Portanto, a organização que optar pela utilização
de uma identidade visual cambiante terá,
invariavelmente, que ter um departamento
interno (marketing ou design) competente ou um
escritório de design terceirizado que coordene as
aplicações.
10 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.
Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.
CONCLUSÃO
“A estratégia é a arte da diferença” [12] e,
atualmente, na era da transparência, não pode
haver uma “separação entre os símbolos e os
atos” [12], ou seja, a identidade visual (símbolo)
deve estar coerente com os valores e as atitudes
das organizações. Aaker [13] aponta que uma
estratégia de marca terá sucesso se conseguir
captar e incluir no planejamento a “alma da
marca” e que esse “espírito” está dentro da
organização, no modo como ela se movimenta e
se posiciona em relação aos anseios dos
consumidores.
Portanto, essa diferenciação, para ser
estratégica, tem de partir de um estado anímico
da organização. Deve-se criar uma cultura
interna que tenha verdadeiramente algo de
diferente. Isso significa que não basta ter um
discurso e uma aparência vanguardista (por
exemplo), é necessário ter atitudes (no
atendimento, na concepção de produtos ou
serviços e na visão de mundo) que sejam
pioneiras.
A marca Virgin, que começou na década de
1970 com uma loja de discos e hoje é um
conglomerado de várias empresas nos mais
diferentes setores, fundamenta sua diferenciação
na irreverencia, senso de humor, contracultura e
em uma estética arrojada e jovem. A
personalidade de um dos fundadores da
companhia, Richard Branson (figura 13), contagia
e impulsiona os valores da marca. Segundo Aaker
[13], a estratégia de Branson é criar experiências
memoráveis e divertidas aos seus clientes. Esse
foco em vivências agradáveis que guia as ações
da empresa é o que torna realmente a marca
atraente, ou seja, valores e atitudes que tenham
como fim o cliente, e não apenas o lucro, hoje
são grandes forças no branding, pois lidam com
algo intangível, mas mensurável, a imagem da
marca.
Figura 13 – Richard Brenson e sua clássica pose que representa a Virgin.
Fonte: http://www.virgin.com/richard-
branson/overcoming-stubborn-obstacles. Acesso em: 21 abr. 2015.
Marcas mutantes, pela sua diferenciação das
marcas tradicionais, (ainda) têm uma natureza
desbravadora, e a empresa que fizer uso desse
tipo de composição gráfica precisa,
invariavelmente, ter em sua essência valores
atrelados ao conceito de bandeirante. A Virgin,
por exemplo, pela sua ousadia (figura 14), teria
camadas sólidas em sua gestão de marca para
sustentar uma marca mutante como identidade
visual.
Em outras palavras, marcas mutantes podem
reforçar o branding em organizações que tenham
ideias igualmente flexíveis ou arrojadas por trás
delas. Empresas que atuam em setores como
esporte, entretenimento, tecnologias digitais,
cultura se sentirão mais confortáveis para utilizar
uma identidade visual cambiante, pois são
segmentos notadamente conectados a um
propósito de dinamismo, velocidade e mudanças
constantes. No entanto, estar em um segmento
dinâmico não significa ser uma empresa
hiperativa.
11 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.
Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.
Figura 14 – Richard Brenson, com toda a sua
irreverência, veste-se de mulher para acompanhar as comissárias de bordo.
Fonte: http://www.airlinereporter.com/2013/05/losing-a-bet-means-sir-richard-branson-dresses-like-
a-woman/. Acesso em: 21 abr. 2015
Portanto, não ser uma organização que esteja
em constante “deslocamento de ideias” e valer-se
do uso de uma marca mutante como identidade
visual pode ser um atitude perigosa e anti-
estratégica.
O que pode colaborar para essa análise é
verificar o segmento de atuação da empresa e o
público a que a identidade visual se destina. As
marcas mutantes, por se tratarem de uma
estrutura de identidade visual muito inovadora,
arrojada e instável, não são indicadas para
empresas que possuam valores austeros,
conservadores ou que precisem expressar uma
ideia de segurança, estabilidade ou solidez. Aqui,
podem-se citar dois exemplos básicos: escritórios
de advocacia e a indústria automobilística. Esses
dois setores de negócios precisam,
invariavelmente, conferir, por meio de sua marca,
segurança e estabilidade. Kreutz [7] aponta que
o “[...] objetivo da organização e o repertório do
público são dois fatores que poderão determinar
a escolha de um ou outro tipo de identidade
visual”. Kreutz [7] afirma, também, que os
segmentos de entretenimento, tecnologia,
esporte, arte e outros produtos ou serviços
direcionados aos jovens são os mais indicados
para a utilização das marcas.
Pereira destaca que McLuhan
[...] propõe que se considere como meio toda a forma de artefato, independente se de natureza concreta ou abstrata, isto é, não importando se trata-se de um rádio, computador, garfo, colher, ou se uma teoria científica, sistemas filosóficos ou estilo de pintura, afirmando que todos serão
igualmente artefatos [14].
A partir das ideias de McLuhan, pode-se
interpretar a identidade visual como um meio e
que esse meio vai trazer seus significados, suas
mensagens. Logo, utilizar para o artefato marca
uma concepção mutante implica em incorporar
na mensagem de toda a organização um aspecto
de agilidade, velocidade, inovação e ousadia. Em
outras palavras esse artefato mutante carrega
promessas e expectativas.
Percebe-se aqui, mais uma vez, o alto risco
que decorre da utilização de uma identidade
visual com aspectos cambiantes. A organização
que fizer essa opção precisa ter consciência de
que se os seus reais valores e atitudes não forem
ao encontro da mensagem intrínseca das marcas
mutantes, ela vai obter um discurso vazio e que
pode trazer conflitos na comunicação da
corporação.
Por outro lado, uma organização que entregar
em seu produto ou serviço os valores que as
marcas mutantes carregam podem se valer
estrategicamente desse modelo e obter
12 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.
Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.
vantagens na articulação do design gráfico e da
comunicação visual.
McLuhan também indicava que “[...] o artista
pode corrigir as relações entre os sentidos antes
que o golpe da nova tecnologia adormeça os
procedimentos conscientes” [15], ou seja, o
artista pode perceber as novas ondas estéticas e
sociais que estão por vir, e o designer, por sua
vez, deve ter a mesma sensibilidade aguçada.
Trazendo-se essa ideia para a esfera das marcas
mutantes, conclui-se que é necessário
compreender se os valores e os atributos (reais)
de uma marca têm relação com a mensagem
intrínseca de marcas cambiantes, para que se
possa fazer a escolha por esse caminho dinâmico,
flexível e arrojado.
REFERÊNCIAS
[1] BAUMAN, Z. Vida líquida, Rio de Janeiro,
Jorge Zahar, 2007, pp. 9-10.
[2] BONDIA, J. L.., “Notas sobre a experiência
e o saber de experiência”, Revista Brasileira de
Educação, 2002.
[3] PRODANOV, C. C.., FREITAS, E. C.,
Metodologia do trabalho científico, Santa Cruz
(RS), Editora Feevale, 2009.
[4] MEGGS, P.; PURVIS, A. W., História do
design gráfico, 4th ed., São Paulo, Cosac e Naify,
2009, p. 525.
[5] FRUTIGER, A.. Sinais e símbolos, 2 ed.,
São Paulo, Martins Fontes, 2007.
[6] MOLLERUP, P.. Marks of excellence: the
history and taxonomy of trademarks, London,
Phaidon, 2007.
[7] KREUTZ, E. A.. Identidade visual Mutante:
uma Prática Comunicacional da MTV”. Tese
(Doutorado), FAMECOS, PUC-RS, Porto Alegre,
2005, p. 8.
[8] HOLLIS, R., Design Gráfico: uma História
Concisa, São Paulo, Martins Fontes, 2005.
[9] COSTA, J., A imagem da marca: m
fenômeno social, São Paulo, Rosari, 2011, pp. 88,
89.
[10] ALVARES, R. F., “Ibéria, voando baixo”.
Website ForoAlfa
http://foroalfa.org/articulos/iberia-voando-baixo.
Acessado em> 29 mar. 2015.
[11] NEUMEIER, M., The brand gap: o abismo
da marca, Porto Alegre, Bookman, 2008.
[12] KAPFERER, J. N., O que vai mudar nas
marcas, Porto Alegre, ARTMED, 2002.
[13] AAKER, D. A; JOACHIMSTHALER, E.,
Brand Leadership, New York, The Free Press,
2000.
[14] PEREIRA, V. A., Estendendo McLuhan: da
aldeia à teia global: comunicação, memória e
tecnologia, Porto Alegre, Sulina, 2011, p. 177.
[15] MCLUHAN, M., Os meios de
comunicação como extensões do homem. 4 ed.,
São Paulo, Pensamento-Cultrix, 1974, p. 86.