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1 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation. Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015. As Identidades Visuais Mutantes E Seus Riscos Intrínsecos. The mutant visual identities and its intrinsic risks. Lorenzo Ellera Bocchese FTEC – Porto Alegre | Rio Grande do Sul | Brasil [email protected] RESUMO O contexto tecnológico atual confere profundas e irreversíveis mudanças na política, na economia e nas relações sociais e parece empurrar as artes gráficas para uma constante mudança sistemática e efêmera. As marcas mutantes são identidades visuais corporativas que modificam sua forma, cor ou tipografia de acordo com cenário ou o contexto em que estão inseridas e podem ser consideradas uma resposta do design gráfico a esse pano de fundo sociocultural. A partir desse cenário, o presente trabalho procura estudar quais os riscos e as oportunidades a que as organizações se expõem ao utilizarem identidades visuais cambiantes em sua estratégia de marca ou branding. ABSTRACT The current technological context shows profound and irreversible changes in politics, economics and social relations and it seems to push the graphic arts to a constant systematic and ephemeral change. Mutant brands are corporate visual identities that modify their shape, color or printing according to scenario or the context in which they are in, and can be considered as a graphic design response to this sociocultural background. From this context, the present work aims to study what risks and opportunities that organizations are exposed to when using changing visual identities in their brand or branding strategy. INTRODUÇÃO A disseminação da ubiquidade na informática conduz os designers à criação e à produção de peças gráficas mais ágeis e, portanto, flexíveis. É certo que as tecnologias têm a capacidade de alterar conceitos e percepções da humanidade. A invenção da fotografia, por exemplo, modificou a forma como o homem entende o seu entorno e a arte. A era digital nos apresenta, a cada semana, novidades tecnológicas e possibilidade de produção de conteúdo em uma escala nunca vivenciada pela humanidade. Percebe-se que muitos desses lançamentos de dispositivos e softwares são efêmeros; no entanto, mesmo assim, podem causar ansiedade e aumentar a sensação de que se está sempre em débito com a tecnologia. Zygmund Bauman [1] afirma que a vida atual é uma “vida líquida” por apresentar condições de incerteza constante e que as preocupações decorrentes disso são relacionadas a não se conseguir acompanhar a rapidez das mudanças e ao temor de ficar ultrapassado. Os seguidos reinícios dessa “vida líquida”, desencadeados pelas “novidades” tecnológicas, são momentos desafiadores para consumidores, empresas e designers.

As Identidades Visuais Mutantes E Seus Riscos Intrínsecos. · [email protected] RESUMO ... que modificam sua forma, cor ou tipografia de acordo com cenário ou o contexto em

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1 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.

Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.

As Identidades Visuais Mutantes E Seus Riscos Intrínsecos.

The mutant visual identities and its intrinsic risks.

Lorenzo Ellera Bocchese

FTEC – Porto Alegre | Rio Grande do Sul | Brasil

[email protected]

RESUMO

O contexto tecnológico atual confere

profundas e irreversíveis mudanças na política,

na economia e nas relações sociais e parece

empurrar as artes gráficas para uma constante

mudança sistemática e efêmera. As marcas

mutantes são identidades visuais corporativas

que modificam sua forma, cor ou tipografia de

acordo com cenário ou o contexto em que estão

inseridas e podem ser consideradas uma resposta

do design gráfico a esse pano de fundo

sociocultural. A partir desse cenário, o presente

trabalho procura estudar quais os riscos e as

oportunidades a que as organizações se expõem

ao utilizarem identidades visuais cambiantes em

sua estratégia de marca ou branding.

ABSTRACT

The current technological context shows

profound and irreversible changes in politics,

economics and social relations and it seems to

push the graphic arts to a constant systematic

and ephemeral change. Mutant brands are

corporate visual identities that modify their

shape, color or printing according to scenario or

the context in which they are in, and can be

considered as a graphic design response to this

sociocultural background. From this context, the

present work aims to study what risks and

opportunities that organizations are exposed to

when using changing visual identities in their

brand or branding strategy.

INTRODUÇÃO

A disseminação da ubiquidade na informática

conduz os designers à criação e à produção de

peças gráficas mais ágeis e, portanto, flexíveis. É

certo que as tecnologias têm a capacidade de

alterar conceitos e percepções da humanidade. A

invenção da fotografia, por exemplo, modificou a

forma como o homem entende o seu entorno e a

arte.

A era digital nos apresenta, a cada semana,

novidades tecnológicas e possibilidade de

produção de conteúdo em uma escala nunca

vivenciada pela humanidade. Percebe-se que

muitos desses lançamentos de dispositivos e

softwares são efêmeros; no entanto, mesmo

assim, podem causar ansiedade e aumentar a

sensação de que se está sempre em débito com a

tecnologia. Zygmund Bauman [1] afirma que a

vida atual é uma “vida líquida” por apresentar

condições de incerteza constante e que as

preocupações decorrentes disso são relacionadas

a não se conseguir acompanhar a rapidez das

mudanças e ao temor de ficar ultrapassado.

Os seguidos reinícios dessa “vida líquida”,

desencadeados pelas “novidades” tecnológicas,

são momentos desafiadores para consumidores,

empresas e designers.

2 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.

Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.

Para Bauman [1], o que move uma sociedade

líquida é a “modernização”, ou seja, “ir em frente

despindo-se a cada dia dos atributos que

ultrapassaram a data de vencimento [...]. A

necessidade é de correr com todas as forças para

permanecer no mesmo lugar” [1]. A análise

cáustica de Bauman pede uma reflexão a respeito

do desejo que as pessoas têm de sempre

estarem em dia com os lançamentos do

momento, muitas vezes, com esforços fora de

sua capacidade econômica para adquirir

novidades tecnológicas que nem sempre serão

usadas plenamente.

Bondia [2] também alerta para a

consolidação de um senso comum de que tudo

deve ser rápido e urgente, desencadeando uma

“obsessão pela novidade” e pela atividade. Desse

modo, tudo vira pretexto para ação, mas uma

ação que precisa ser veloz e (muitas vezes) sem

sentido prático ou estratégico.

O excesso de informação hoje existente

parece que está reduzindo o espaço para a

experiência (vivência); as pessoas ficam

constantemente conectadas lendo centenas de

postagens por semana, no entanto, sem se deter

ou se aprofundar em nada. Bondia [2] reflete que

o despropósito de conteúdo e informação inútil

colocados nas redes sociais eletrônicas está

roubando o tempo que as pessoas teriam para

viver experiências singelas como conhecer

melhor seu bairro, fazer visitas aos amigos e até

mesmo ler um livro com profundidade, sem ficar

espiando a última postagem no Instagram.

Além disso, o acúmulo de informação inútil

pode criar uma falsa sensação de que se está

experimentando muito, quando na verdade não

se está, pois informação/conhecimento sem

vivência se torna uma ficção.

Por conseguinte, esse contexto de

proliferação de imagens (fotos e vídeos) e a

sensação de que tudo está mudando e se

transformando incessantemente reclama uma

arte gráfica mais dinâmica, sob pena de a

comunicação ficar desalinhada com a ideia de

constante “evolução”.

As marcas mutantes, aparentemente, são a

resposta do design para essa “vida líquida”, veloz

e maleável. A variação na forma, na cor ou na

tipografia dessas identidades visuais vai ao

encontro do caráter da sociedade

contemporânea, além de representar uma

vantagem na aplicação em suportes eletrônicos,

os quais, frequentemente, trazem uma

configuração fluida e dinâmica.

Essas características podem ser bem

aproveitadas por estratégias de branding, mas é

necessário ter consciência dos seus riscos e de

suas potencialidades. Portanto, o mote do

presente trabalho é discutir a utilização de

marcas mutantes como parte de uma estratégia

de gestão de marcas.

Para isso, foi realizada uma pesquisa

exploratória para definir o conceito de marca

mutante e a relação do branding com esse tipo

de identidade visual, finalizando com uma análise

descritiva com o propósito de registrar, organizar

e interpretar as oportunidades das macas

mutantes com uma camada na construção de

marcas [3].

AS MARCAS MUTANTES

Os vestígios das primeiras expressões gráficas

dos humanos foram encontrados na África e têm

mais de 200 mil anos. Nossos antepassados pré-

históricos “imprimiam” nas paredes de antigos

canais de água, que eram utilizados como

refúgio. “Esse não foi o começo da arte como

conhecemos. Foi, mais precisamente, a alvorada

das comunicações visuais, porque essas

primeiras figuras foram feitas para sobrevivência

e com fins utilitários e ritualísticos” [4].

A gênese das marcas provém de meios

expressivos para uma compreensão mútua entre

os membros da sociedade ou de determinados

grupos específicos. Primeiramente, essa

compreensão entre os indivíduos concentrava-se

na comunicação verbal, progredindo para os

sistemas de escrita “dos quais o desenvolvimento

do alfabeto latino pode ser estimado como o

apogeu de um método de expressão abstrato e

racional” [5].

A partir do momento em que o homem deixou

de ser nômade e iniciou uma cultura de aldeia,

surgem a especialização nas artes e ofícios e a

propriedade privada. Esse novo cenário pedia

3 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.

Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.

também um novo sistema de identificação, que

servisse para tornar claro quem era o produtor de

uma peça manufaturada ou quem era o dono de

determinados animais, terras ou, ainda,

ferramentas.

Acredita-se que a representação visual do

indivíduo tenha surgido nas tribos nômades, as

quais identificavam o rebanho e alguns objetos

por meio de símbolos específicos. “Marcas de

propriedade como essas foram descobertas em

forma de riscos sobre chifres de animais e peças

de argila da Idade da Pedra” [5]. Per Mollerup [6]

coloca que marcas encontradas em lâmpadas a

óleo romanas, dos primeiros séculos depois de

Cristo, parecem ser os primeiros exemplos de

marcas destinadas à produção em escala.

É importante destacar que, nas marcas

comerciais dos séculos XIV e XV, eram utilizados

símbolos e desenhos que faziam alusão a

aspectos objetivos, como pontos cardeais,

balança, cruz, navios e bandeiras. No século

XVII, em uma fazenda finlandesa, os

trabalhadores desenvolviam sinais para controlar

corretamente os dias trabalhados e, em uma

tábua de marcação, ao final de cada dia, fazia-se

um furo com um prego ao lado de cada sinal.

Desse modo, era feito o controle de pagamentos,

como ilustra a figura 4.

Figura 1 – Relação dos empregados com as

anotações feitas pelos diaristas. Fazenda finlandesa, século XVII.

Fonte: FRUTIGER [5].

Percebe-se que as marcas têm acompanhado

o homem por, pelo menos, 5000 anos [6]. E que

o ser humano tem uma necessidade intrínseca de

externar, registrar e se identificar com símbolos,

desenhos e imagens. Como já foi mencionado,

vivemos o culto à imagem. Uma reflexão a ser

feita é se essa atitude não seria um resgate do

registro do pensamento e das escritas pictóricas

dos nossos antepassados. “É particularmente

claro o modo como essa necessidade de símbolos

fecha um círculo completo, que nos conduz às

pinturas rupestres” [5]. Segundo Frutiger, as

marcas e os símbolos são uma esquematização

da linguagem verbal, porque a vocação da

imagem pictórica em um mundo altamente

complexo é sinalizar, de forma organizada, os

locais, as organizações ou as ideias nos quais a

linguagem seria excessiva.

Desse modo, as marcas contemporâneas

estão procurando meios para se destacarem em

um cenário saturado de imagens. Aqui surge um

caminho que diverge da concepção de marca

única, estática e até, em certa medida,

engessada para determinada organização: as

marcas mutantes, que são uma alternativa para

se alcançar evidência diante de tanta informação

e conteúdo pulsante. Com elas, busca-se, por

meio do movimento, seja da cor, seja da forma,

seja da tipografia, atingir a apreciação do público.

O design gráfico atual é marcado pela estética

pós-moderna, com peças gráficas saturadas,

híbridas, multicoloridas e, muitas vezes,

pautadas pelo excesso, deixando para um

segundo plano a austeridade do modernismo.

No entanto, é relevante destacar que vem

surgindo nos últimos cinco anos uma tendência

que se opõe a esse modelo: o Flat Design, que

consiste em trabalhar imagens, pictogramas e

diagramações simplificadas, buscando formas

elementares e minimalistas (figuras 2 e 3). É

claro que um não suplanta o outro, eles convivem

juntos de acordo com a necessidade do briefing e

com o estilo/ideologia do designer. Contudo, as

imagens carregadas, multicoloridas e com efeitos

de volume e metalizados ainda predominam nas

peças gráficas contemporâneas.

4 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.

Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.

Figura 2 – Exemplo de Flat Design|Windows 8.

Fonte: http://early-adopter.com/flat-vs-

skeuomorphic/. Acesso em: 21 abr. 2015.

Figura 3 –Exemplo de Flat Design. Fonte:

http://pt.depositphotos.com/33169347/stock-illustration-business-icon-set-flat-design.html.

Acesso em: 21 abr. 2015.

Observando os trabalhos de David Carson

(1956), Stefan Sagmeister (1962) (figura 4),

Neville Brody (1957) (figura 5) e Paula Scher

(figura 6) (1948), consagrados designers gráficos

da atualidade, pode-se perceber que seus layouts

são desenvolvidos nessa concepção, ou seja,

suas propostas espelham o temperamento

contemporâneo, que é marcado pela heterodoxia,

pela liberdade visual e pela quebra de

paradigmas modernistas.

As marcas mutantes são uma das expressões

mais contundentes desse ambiente cultural de

constante mudança, proliferação de formas,

colagens e mistura de estilos. Pois elas são

identidades visuais corporativas que mudam sua

forma, cor ou tipografia de acordo com um

padrão pré-estabelecido.

Figura 4 – Trabalho de Stefan Sagmeister.

Fonte: http://www.sagmeisterwalsh.com/work/project

/aizone/. Acesso em: 21 abr. 2015.

5 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.

Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.

Figura 5 – Trabalho de Neville Brody.

Fonte:

https://www.pinterest.com/pin/453596993695188675/. Acesso em: 21 abr. 2015.

Figura 6 – Trabalhos de Paula Scher. Fonte:

http://www.boumbang.com/paula-scher/. Acesso em: 21 abr. 2015.

Esse sistema pode ser mais ou menos rígido

(em relação à liberdade ou às possibilidades de

mutações). Kreutz [7] define as marcas mutantes

em dois grandes grupos: Marca Mutante

Programada e Marca Mutante Poética (figura 7).

No primeiro grupo, constam as mutações

mais organizadas, planejadas e sistematizadas.

No segundo grupo encontram-se as marcas

mutantes mais “selvagens”, nas quais a mutação

ocorre de acordo com o contexto e o mote de

cada situação em que a marca está aplicada.

O que vai determinar a intensidade das

alterações na marca é a visão conceitual atrelada

à ideologia da organização (essa relação entre

identidade visual e valores da marca será

devidamente explorada no próximo capítulo).

6 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.

Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.

Deve-se ressaltar que o lado antagônico das

identidades visuais mutantes são as marcas

convencionais, as quais são

[...] fundamentadas em modelos positivistas, as manifestações convencionais – subdividas em tradicionais, que denominamos Identidades Visuais Estereotipadas, e modernas, que denominamos Identidades Visuais Arbitrárias – caracterizam-se pela rigidez na forma de identificação, pela padronização, pela crença no progresso linear e nas verdades absolutas, pelo cultivo do eterno e do imutável. As não-convencionais, as pós-modernas, as quais denominamos Identidades Visuais Mutantes, caracterizam-se pela flexibilidade e a dinamicidade da forma, pela heterogeneidade, pela fragmentação, pelo pluralismo, pela indeterminação, pelo efêmero e fugidio que indicam vestígios de identificação em constante reformulação [7].

Figura 7 – Tipos de Identidades Visuais Mutantes.

Fonte: Imagem do autor.

As marcas mutantes surgem com um

propósito de subverter o padrão modernista e

rígido das identidades visuais. Um ícone dessa

subversão é a logomarca da MTV (figura 8). Hollis

chama a atenção para o fato de que, com o vasto

banco de imagens e informações hoje disponíveis

a todos, os trabalhos, em sua essência, acabam

sendo muito semelhantes:

Embora muitas imagens sejam criadas pelos próprios designers, grande parte delas são imagens prontas, como as antigas xilogravuras reaproveitadas pelos

tipógrafos medievais de trabalhos anteriores, as antigas gravuras ou as fotografias do acervo de uma agência de imagens [8].

Logo, as marcas mutantes aparecem como

um modo de criar algo realmente novo. Stefan

Sagmeister pode ser considerado um desses

inovadores, ao apostar no desenvolvimento e na

aplicação das marcas mutantes, como, por

exemplo, as marcas da Casa da Música de

Portugal e da EDP (figuras 9 e 10). Todavia,

Meggs e Purvis afirmam que o conceito de marca

flexível já aparecia de modo embrionário na

década de 1950 com a marca da CBS:

[...] A aplicação dessa marca aos impressos da CBS, desde etiquetas de remessa até

comunicados à imprensa, era feita com atenção e cuidado. Mas a coerência dogmática no modo de usar a marca não era considerada necessária. Ela era usada com diversas versões da assinatura da empresa, e Golden e sua equipe evitavam empregá-la onde não era cabível. [...] O enfoque da CBS para a imagem e design corporativos não dependia de um sistema ou estilo, mas sim da política gerencial em relação ao design e ao talento criativo de seu pessoal. A vantagem dessa diretriz é um projeto corporativo variado e dinâmico, que pode mudar em função das necessidades da empresa e evolução das sensibilidades; o perigo potencial é a falta de alternativa caso a responsabilidade pela gestão ou pelo design passe para mãos menos astutas [4].

Figura 8 – Identidade visual da MTV. Fonte: Brands of the World. Disponível em:

<http://www.brandsoftheworld.com/>. Acesso

em: 12 mar. 2012.

7 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.

Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.

Figura 9 - Identidade visual da Casa da Música.

Fonte: http://www.sagmeisterwalsh.com/work.

Acesso em: 19 abr. 2015.

Figura 10 - Identidade visual da EDP. Fonte:

http://www.sagmeisterwalsh.com/work. Acesso em: 19 abr. 2015.

A questão levantada por Meggs e Purvis [4] é

o tema central deste artigo: em que medida as

marcas mutantes podem oferecer mais riscos do

que benefícios às empresas que as utilizam?

O BRANDING E AS MARCAS MUTANTES

O branding ou gestão de marca consiste em

um sistema que procura detectar os verdadeiros

objetivos (missão) e valores de uma organização

e, se necessário, modificá-los para uma melhor

eficácia do negócio, tanto em termos de geração

de lucro quanto em relação a trazer benefícios

para a sociedade.

A gestão de marcas é um trabalho em equipe [...]. Nessa equipe destaca-se o trabalho do gestor da marca. Seu papel é uma espécie de síntese de todo o trabalho interno relativo ao produto, aos processos e aos objetivos. O

gestor da marca une os interesses da empresa com os do público [9].

O branding preocupa-se principalmente com

os aspectos intangíveis. Porque o que se

administra em gestão de marca “está além dos

produtos, sua materialidade, sua utilidade e os

serviços que são oferecidos. [...] O que se

gerencia é sua imagem (física e conceitual). E o

branding tem como objetivo aprimorar a relação

entre consumidor/marca” [9].

Uma das maneiras de estreitar o vínculo com

os consumidores é o serviço. A prestação de um

bom serviço agrega valor. A compra de um

produto que traga consigo serviços que facilitem

a sua utilização (aprendizado ou manutenção)

cria uma experiência altamente positiva em

relação à marca. Outro fator fundamental para

tornar o contato com o cliente mais emocional é

um serviço de atendimento ao consumidor

realmente preocupado com o problema do cliente

e um pós-venda proativo.

A menção desses exemplos de construção de

marca neste trabalho tem a finalidade de mostrar

que identidade visual (como mencionado na

introdução) é apenas uma camada da “geologia”

de uma marca. Ou seja, ela não sustenta ou

modifica o desempenho de uma organização,

mas pode facilitar ou complicar a sua

comunicação.

A criação de uma identidade visual que esteja

em consonância com um verdadeiro propósito e

valores é uma tarefa complexa para os designers

gráficos. A começar pelo aspecto de que muitas

organizações têm uma visão distorcida de sua

8 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.

Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.

missão e até mesmo dos seus valores. Isso se dá

porque a cultura de se estudar e pesquisar

profundamente a ideologia e o impacto que ela

possui nas ações de comunicação ainda não está

disseminada no Brasil. Percebe-se esse descaso

pelo modo como o setor de telecomunicações

ainda trata seus clientes e por muitos sistemas

de atendimento ao consumidor que simplesmente

não funcionam (nos mais variados setores).

Infelizmente, muitas empresas acreditam que

a criação de uma nova identidade visual vai

promover mudanças na dinâmica dos negócios ou

até mesmo aumentar as vendas. Um exemplo é

o caso da Iberia, que em 2013 desenvolveu um

extenso programa de remodelagem de uso da

logomarca (figura 11) para tentar modificar a

percepção que os consumidores tinham do

serviço ruim que a companhia prestava. O

designer gráfico espanhol Rodolfo Fernández

Alvarez alerta que

[...] a mudança pode acontecer por movimentos de estratégia de comunicação, é claro que também motivada pela aliança comercial com a British Airways. Talvez para melhorar a imagem, antes de mudar o logotipo, lhes seria conveniente melhorar o trato com o

cliente, as ofertas e preços, a pontualidade, a qualidade de serviço, etc. Entendo que este redesign superficial, atuará como um boomerang. A mudança é para os usuários ou para a companhia? [10].

Ou seja, “fabrica-se mais facilmente um lote

de automóveis do que a imagem” [11] de uma

marca, pois ela é obtida por meio de uma gestão

sistemática dos processos de produção e

relacionamento com o cliente (em todos os

pontos de contato). Assim, percebe-se que a

transformação de uma identidade visual deve vir

a reboque de uma mudança nos procedimentos

de uma empresa (aqui fala-se em mudanças

radicais na logomarca, não em pequenos ajustes

ou modernizações). Pois uma marca “não nasce

como uma marca, mas como um produto ou

serviço” [11]. Marty Neumeier enfatiza esse

conceito ao afirmar que “marca não é o que você

diz que ela é. Marca é o que o consumidor diz

que ela é” [11]. Em outras palavras, Neumeir diz

que “marca é a percepção intuitiva de uma

pessoa em relação a um produto serviço ou

empresa”.

Figura 11 - Identidade visual da IBERIA. Fonte: http://foroalfa.org/articulos/iberia-

voando-baixo.

Acesso em: 19 abr. 2015.

Verifica-se que a construção de marca é um

processo contínuo de aferição da percepção do

cliente em relação aos produtos e aos serviços de

uma organização para o aprimoramento da

satisfação dos clientes. Seguir uma trajetória

linear e rígida para a gestão de qualquer marca é

se afastar das necessidades dos consumidores. E

tal atitude pode ser considerada como um

suicídio em termos de branding. Na realidade,

hoje, não basta saber o que consumidor está

fazendo, é fundamental saber o porquê.

Descobrir quais os motivos que levam o público-

alvo a determinada atitude pode gerar

estratégias que vão ao encontro dos anseios e

das vontades dos clientes.

Especificamente com relação à utilização de

marcas mutantes, o branding torna-se ainda

mais complexo, por dois motivos: 1º) É

fundamental que a empresa tenha um “caráter”

despojado, fluido e dinâmico, que são atributos

compatíveis com marcas cambiantes. 2º) A

aplicação de marcas mutantes não pode ser

exercida por leigos, ou seja, a empresa que adota

uma marca dessa natureza necessita de um

departamento com profissionais da área de

9 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.

Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.

comunicação e marketing capacitados para

gerenciar as mutações da marca.

O primeiro problema mencionado acima está

ligado com a gestão da imagem da marca. Como

foi apresentado na introdução, vivemos um

tempo de profundas e rápidas mudanças, “os

grandes ciclos econômicos e os avanços

tecnológicos afetam profundamente o manejo

das marcas” [9]. Costa [9] aponta que a

“imagem da marca, antes de ser um assunto de

design, é assunto de psicologia social”. Ou seja,

devemos entender como e por que as pessoas se

comportam de determinada maneira para poder

ter sucesso na comunicação visual com elas. E

isso tem uma estreita relação com a maneira

como as organizações se apresentam (produto ou

serviço) para o mercado e como as pessoas

interpretam essa presença.

A figura 12 faz uma representação

esquemática de como funciona esse

relacionamento. Ela procura demonstrar que

“[...] aprofundar-se na imagem da marca é [...]

penetrar no imaginário social, psicologia

cotidiana, no mundo pessoal das aspirações, das

emoções e dos valores” [9]. Costa [9] faz uma

relação entre o ambiente (o mundo físico das

marcas) e o indivíduo (mundo mental da marca),

conforme ilustra a figura. No mundo físico,

existem os objetos reais (produtos, serviços e

preços) e os símbolos (palavras, logos, cores,

slogans, cores, sons); no universo mental,

acontecem as percepções (o que a marca

representa – riqueza, agilidade, força,

sensualidade) e as experiências (os contatos com

as marcas). Portanto, o repertório/vivências de

cada pessoa vai interferir diretamente na

percepção das marcas.

Dessa forma, se um indivíduo não teve

nenhuma experiência com um produto ou

serviço, e se esse objeto tiver uma marca de

natureza mutante, a percepção do sujeito vai

depender do seu repertório (bagagem cultural).

Pois, como ressalta Costa:

[...] Sempre há, portanto, uma pré-imagem diante de uma nova marca [...]. Essa pré-imagem que fabricamos pode ser [...] inibidora ou [...] estimuladora da compra. Mas depois, o que decidirá futuras compras já não será simplesmente efeito de percepções: existirá

uma experiência real e direta. [...] As marcas vivem, assim, no mercado e na sociedade em conjunto com dois mundos, A e B (figura 31), em suas múltiplas dimensões reais e simbólicas [9].

Figura 12 - Representação gráfica da relação ambiente-indivíduo em relação às marcas.

Fonte: COSTA [9].

Isso quer dizer que marcas com uma

configuração (ainda) exótica, como as marcas

mutantes, estão sujeitas a preconceitos por parte

do público, o que sugere uma cautela ao acolher

essa concepção para identidades visuais. Mesmo

em tempos de ubiquidade generalizada da

informática e, consequentemente, uma maior

familiaridade das pessoas com recursos digitais e

composições gráficas pós-modernas, a maioria

dos consumidores ainda procura marcas que

transmitam estabilidade e segurança.

A segunda dificuldade (gerenciamento das

aplicações de marcas mutantes) deve ser levada

em conta com bastante relevância. Identidades

visuais cambiantes nas mãos de leigos em design

gráfico podem ser um grande complicador. Pois é

necessário ter-se bem a compreensão do

conceito de mutação e como será a sua

aplicação; mesmo as marcas mutantes mais

poéticas (ou selvagens) precisam de um critério e

de uma estratégia de design na sua aplicação.

Portanto, a organização que optar pela utilização

de uma identidade visual cambiante terá,

invariavelmente, que ter um departamento

interno (marketing ou design) competente ou um

escritório de design terceirizado que coordene as

aplicações.

10 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.

Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.

CONCLUSÃO

“A estratégia é a arte da diferença” [12] e,

atualmente, na era da transparência, não pode

haver uma “separação entre os símbolos e os

atos” [12], ou seja, a identidade visual (símbolo)

deve estar coerente com os valores e as atitudes

das organizações. Aaker [13] aponta que uma

estratégia de marca terá sucesso se conseguir

captar e incluir no planejamento a “alma da

marca” e que esse “espírito” está dentro da

organização, no modo como ela se movimenta e

se posiciona em relação aos anseios dos

consumidores.

Portanto, essa diferenciação, para ser

estratégica, tem de partir de um estado anímico

da organização. Deve-se criar uma cultura

interna que tenha verdadeiramente algo de

diferente. Isso significa que não basta ter um

discurso e uma aparência vanguardista (por

exemplo), é necessário ter atitudes (no

atendimento, na concepção de produtos ou

serviços e na visão de mundo) que sejam

pioneiras.

A marca Virgin, que começou na década de

1970 com uma loja de discos e hoje é um

conglomerado de várias empresas nos mais

diferentes setores, fundamenta sua diferenciação

na irreverencia, senso de humor, contracultura e

em uma estética arrojada e jovem. A

personalidade de um dos fundadores da

companhia, Richard Branson (figura 13), contagia

e impulsiona os valores da marca. Segundo Aaker

[13], a estratégia de Branson é criar experiências

memoráveis e divertidas aos seus clientes. Esse

foco em vivências agradáveis que guia as ações

da empresa é o que torna realmente a marca

atraente, ou seja, valores e atitudes que tenham

como fim o cliente, e não apenas o lucro, hoje

são grandes forças no branding, pois lidam com

algo intangível, mas mensurável, a imagem da

marca.

Figura 13 – Richard Brenson e sua clássica pose que representa a Virgin.

Fonte: http://www.virgin.com/richard-

branson/overcoming-stubborn-obstacles. Acesso em: 21 abr. 2015.

Marcas mutantes, pela sua diferenciação das

marcas tradicionais, (ainda) têm uma natureza

desbravadora, e a empresa que fizer uso desse

tipo de composição gráfica precisa,

invariavelmente, ter em sua essência valores

atrelados ao conceito de bandeirante. A Virgin,

por exemplo, pela sua ousadia (figura 14), teria

camadas sólidas em sua gestão de marca para

sustentar uma marca mutante como identidade

visual.

Em outras palavras, marcas mutantes podem

reforçar o branding em organizações que tenham

ideias igualmente flexíveis ou arrojadas por trás

delas. Empresas que atuam em setores como

esporte, entretenimento, tecnologias digitais,

cultura se sentirão mais confortáveis para utilizar

uma identidade visual cambiante, pois são

segmentos notadamente conectados a um

propósito de dinamismo, velocidade e mudanças

constantes. No entanto, estar em um segmento

dinâmico não significa ser uma empresa

hiperativa.

11 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.

Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.

Figura 14 – Richard Brenson, com toda a sua

irreverência, veste-se de mulher para acompanhar as comissárias de bordo.

Fonte: http://www.airlinereporter.com/2013/05/losing-a-bet-means-sir-richard-branson-dresses-like-

a-woman/. Acesso em: 21 abr. 2015

Portanto, não ser uma organização que esteja

em constante “deslocamento de ideias” e valer-se

do uso de uma marca mutante como identidade

visual pode ser um atitude perigosa e anti-

estratégica.

O que pode colaborar para essa análise é

verificar o segmento de atuação da empresa e o

público a que a identidade visual se destina. As

marcas mutantes, por se tratarem de uma

estrutura de identidade visual muito inovadora,

arrojada e instável, não são indicadas para

empresas que possuam valores austeros,

conservadores ou que precisem expressar uma

ideia de segurança, estabilidade ou solidez. Aqui,

podem-se citar dois exemplos básicos: escritórios

de advocacia e a indústria automobilística. Esses

dois setores de negócios precisam,

invariavelmente, conferir, por meio de sua marca,

segurança e estabilidade. Kreutz [7] aponta que

o “[...] objetivo da organização e o repertório do

público são dois fatores que poderão determinar

a escolha de um ou outro tipo de identidade

visual”. Kreutz [7] afirma, também, que os

segmentos de entretenimento, tecnologia,

esporte, arte e outros produtos ou serviços

direcionados aos jovens são os mais indicados

para a utilização das marcas.

Pereira destaca que McLuhan

[...] propõe que se considere como meio toda a forma de artefato, independente se de natureza concreta ou abstrata, isto é, não importando se trata-se de um rádio, computador, garfo, colher, ou se uma teoria científica, sistemas filosóficos ou estilo de pintura, afirmando que todos serão

igualmente artefatos [14].

A partir das ideias de McLuhan, pode-se

interpretar a identidade visual como um meio e

que esse meio vai trazer seus significados, suas

mensagens. Logo, utilizar para o artefato marca

uma concepção mutante implica em incorporar

na mensagem de toda a organização um aspecto

de agilidade, velocidade, inovação e ousadia. Em

outras palavras esse artefato mutante carrega

promessas e expectativas.

Percebe-se aqui, mais uma vez, o alto risco

que decorre da utilização de uma identidade

visual com aspectos cambiantes. A organização

que fizer essa opção precisa ter consciência de

que se os seus reais valores e atitudes não forem

ao encontro da mensagem intrínseca das marcas

mutantes, ela vai obter um discurso vazio e que

pode trazer conflitos na comunicação da

corporação.

Por outro lado, uma organização que entregar

em seu produto ou serviço os valores que as

marcas mutantes carregam podem se valer

estrategicamente desse modelo e obter

12 Fourth International Conference on Integration of Design, Engineering and Management for innovation.

Florianópolis, SC, Brazil, October 07-10, 2015.

vantagens na articulação do design gráfico e da

comunicação visual.

McLuhan também indicava que “[...] o artista

pode corrigir as relações entre os sentidos antes

que o golpe da nova tecnologia adormeça os

procedimentos conscientes” [15], ou seja, o

artista pode perceber as novas ondas estéticas e

sociais que estão por vir, e o designer, por sua

vez, deve ter a mesma sensibilidade aguçada.

Trazendo-se essa ideia para a esfera das marcas

mutantes, conclui-se que é necessário

compreender se os valores e os atributos (reais)

de uma marca têm relação com a mensagem

intrínseca de marcas cambiantes, para que se

possa fazer a escolha por esse caminho dinâmico,

flexível e arrojado.

REFERÊNCIAS

[1] BAUMAN, Z. Vida líquida, Rio de Janeiro,

Jorge Zahar, 2007, pp. 9-10.

[2] BONDIA, J. L.., “Notas sobre a experiência

e o saber de experiência”, Revista Brasileira de

Educação, 2002.

[3] PRODANOV, C. C.., FREITAS, E. C.,

Metodologia do trabalho científico, Santa Cruz

(RS), Editora Feevale, 2009.

[4] MEGGS, P.; PURVIS, A. W., História do

design gráfico, 4th ed., São Paulo, Cosac e Naify,

2009, p. 525.

[5] FRUTIGER, A.. Sinais e símbolos, 2 ed.,

São Paulo, Martins Fontes, 2007.

[6] MOLLERUP, P.. Marks of excellence: the

history and taxonomy of trademarks, London,

Phaidon, 2007.

[7] KREUTZ, E. A.. Identidade visual Mutante:

uma Prática Comunicacional da MTV”. Tese

(Doutorado), FAMECOS, PUC-RS, Porto Alegre,

2005, p. 8.

[8] HOLLIS, R., Design Gráfico: uma História

Concisa, São Paulo, Martins Fontes, 2005.

[9] COSTA, J., A imagem da marca: m

fenômeno social, São Paulo, Rosari, 2011, pp. 88,

89.

[10] ALVARES, R. F., “Ibéria, voando baixo”.

Website ForoAlfa

http://foroalfa.org/articulos/iberia-voando-baixo.

Acessado em> 29 mar. 2015.

[11] NEUMEIER, M., The brand gap: o abismo

da marca, Porto Alegre, Bookman, 2008.

[12] KAPFERER, J. N., O que vai mudar nas

marcas, Porto Alegre, ARTMED, 2002.

[13] AAKER, D. A; JOACHIMSTHALER, E.,

Brand Leadership, New York, The Free Press,

2000.

[14] PEREIRA, V. A., Estendendo McLuhan: da

aldeia à teia global: comunicação, memória e

tecnologia, Porto Alegre, Sulina, 2011, p. 177.

[15] MCLUHAN, M., Os meios de

comunicação como extensões do homem. 4 ed.,

São Paulo, Pensamento-Cultrix, 1974, p. 86.