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AS IMPLICAÇÕES DA ANEMIA FALCIFORME NO CONTEXTO FAMILIAR THE SICKLE CELL ANEMIA’S IMPLICATIONS IN FAMILY CONTEXT Giselda Damasceno da Silva Leal Maciel Discente do curso de Enfermagem do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UNILESTEMG Profª. Márcia Elena Andrade Santos Enfermeira Docente do curso de Enfermagem do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UNILESTEMG. Mestranda em Enfermagem pela UERJ. 1

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AS IMPLICAÇÕES DA ANEMIA FALCIFORME NO CONTEXTO FAMILIAR

THE SICKLE CELL ANEMIA’S IMPLICATIONS IN FAMILY CONTEXT

Giselda Damasceno da Silva Leal MacielDiscente do curso de Enfermagem do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UNILESTEMG

Profª. Márcia Elena Andrade SantosEnfermeira Docente do curso de Enfermagem do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UNILESTEMG. Mestranda em Enfermagem pela UERJ.

Endereço para correspondênciaGiselda Damasceno da Silva Leal MacielAv: São João, n. 1623, Bairro Ana Rita, Timóteo - MG, CEP: 35182-329. (31) 3849 23 11(31) 88447280 – [email protected]

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RESUMO

Trata-se de um estudo descritivo com abordagem quanti-qualitativa dos dados. Teve como objetivo caracterizar o impacto da Anemia Falciforme no contexto familiar de crianças/adolescentes, cadastradas nas Unidades Básicas de Saúde de uma cidade da Região Metropolitana do Vale do Aço. A amostra constituiu-se de sete mães como informantes e dez crianças/adolescentes menores de dezesseis anos. Adotou-se a entrevista semi-estruturada e formulário com questões objetivas e subjetivas. A coleta de dados foi realizada no período de 13 a 25 de fevereiro de 2008 e sua análise realizada a partir da tabulação dos mesmos, sendo construídos quatro núcleos temáticos. Os resultados apontaram que a existência da Anemia Falciforme muda a dinâmica familiar nos seguintes aspectos: a maioria das mães deixam de trabalhar fora o que pode desencadear super-proteção para com o filho e comprometer a renda familiar; a negação da doença ainda existe e a dor é o sintoma mais marcante. O fato de ter que levar o filho frequentemente a o Hemominas provoca medo e insegurança nas mães e acarreta mudança no cotidiano dos filhos resultando em baixa perspectiva de futuro. Conclui-se que há muito a se fazer no sentido de reduzir os reflexos negativos vividos pelas famílias estudadas. Os profissionais de saúde, entre eles o enfermeiro, têm papel primordial no acolhimento e acompanhamento dessas famílias, podendo ajudá-las a desenvolver mecanismos compensatórios para superar as dificuldades advindas da patologia e promovendo ações efetivas capazes de reduzir a morbi-mortalidade, permitindo que as crianças/adolescentes portadoras de Anemia Falciforme tenham uma melhor qualidade de vida.

PALAVRAS-CHAVE: Anemia falciforme. Família. Assistência. Sintomas.

ABSTRACT

This is a descriptive study approach with quantitative and qualitative data. The objective to characterize the impact of sickle cell anemia family in the context of children/ adolescents, registered in Basic Health Units, a city of the Metropolitan Region of the Valley Steel. The sample was composed of seven mothers as informants and ten children / adolescents than sixteen years. Adopted is a semi-structured and form with objective and subjective questions. Data collection was performed in the period from 13 to February 25, 2008 and their analysis from the tabulation of the same, being built four thematic clusters. The results showed that the existence of Sickle Cell Anemia changes the family dynamics in the following aspects: the majority of mothers stop working out what can trigger super-protection for the child and compromising the family income, the denial of the disease still exists and the pain is the symptom most striking. The fact of having to take the child in Hemominas often provokes fear and insecurity in the mother and brings change in the daily life of children resulting in low prospect for the future. It is concluded that there is much to be done to reduce the negative repercussions experienced by the families studied. The health workers, including the nurse, have key role in hosting and monitoring of these families and can help them to develop compensatory mechanisms to overcome the difficulties resulting from the disease and promoting effective actions capable of reducing morbidity and mortality, allowing children / adolescents suffering from Sickle Cell Anemia have a better quality of life.

KEY WORDS : Anemia, Sickle Cell. Family. Assistance. Symptoms.

INTRODUÇÃO

A doença falciforme é uma das enfermidades genéticas mais freqüentes no Brasil e no mundo. De acordo com o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), estima-se que no Brasil cerca de 3.500 crianças nasçam anualmente portadoras de Anemia Falciforme (AF). Sendo que 20% dessas não chegam a atingir a idade de cinco anos em decorrência das complicações apresentadas pela doença nos primeiros anos de vida (CEHMOB-MG, 2005; BRASIL, 2006).

De acordo com o Sistema Único de Saúde (SUS), estima-se que exista de 30 a 50 mil pessoas portadoras da doença no país. Diante dessa estimativa considerou-se que a doença falciforme é um grave problema de saúde pública (BRASIL, 2005).

Em 2001 o Ministério da Saúde (MS) criou o Programa Nacional de Triagem Neonatal popularmente conhecido como “teste do pezinho”. Este é realizado através da coleta do sangue do recém nascido na primeira semana de vida e visa a detecção precoce de doenças congênitas, dentre as quais, pode-se destacar a AF

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(BRASIL, 2001).Dados do MS demonstram que apesar do estatuto da criança e do adolescente

determinar obrigatoriedade na realização do teste do pezinho desde 1990, em 2001 dos 3.000.000 de recém nascidos brasileiros, aproximadamente um terço não o realizou. Para regulamentar e instituir o PNTN no âmbito do SUS, visando reduzir a morbi-mortalidade relacionada às patologias congênitas no Brasil, em 2001 entrou em vigor a portaria ministerial GM n.822/01, que incluiu o exame para detectar AF e outras hemoglobinopatias, garantindo igualdade de acesso ao teste do pezinho a todos recém-nascidos brasileiros (BRASIL, 2001; SOUZA; SCHWARTZ; GIUGLIANI, 2002).

A AF ocorre devido a uma deformação na membrana dos glóbulos vermelhos. Originada da população africana, esta doença acontece devido à herança genética dos pais, onde em lugar do filho receber o gene para hemoglobina normal A, ele recebe os genes da hemoglobina anormal S, tornando-se um portador. No entanto, se o filho receber do pai o gene para hemoglobina S e da mãe o gene para hemoglobina A, o mesmo torna-se apenas portador do traço falciforme, isto significa que ele não terá sintoma algum da doença, podendo ter uma vida normal. Desta forma, para que o filho possa ser portador da doença, ele terá que receber ambos os genes da hemoglobina S, tornando-se portador da hemoglobina SS e então da AF (CEHMOB-MG, 2005; ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2006).

Sabe-se que na doença falciforme, as hemácias adquirem um formato de foice quando se encontram em ambiente de baixa oxigenação. Devido a sua forma anormal as hemácias terão dificuldade para circularem na corrente sangüínea, ocasionando obstrução vascular e, por conseguinte, levando os pacientes a apresentarem vários sintomas como: acidente vascular cerebral (AVC); algia; infecção; febre; crise do seqüestro esplênico agudo; icterícia; úlcera de perna; priapismo; síndrome torácica aguda; crise aplásica e colecistite (CEHMOB-MG, 2005).

Dos sintomas supracitados, a dor é um dos mais freqüentes e alarmantes, pois, essa torna-se um evento constante nas crianças com AF. Na maioria dos casos acontece nos ossos longos dos membros. Sendo que no período de lactência poderão ocorrer nos ossos menores das mãos e dos pés. O quadro álgico decorrente da crise falciforme pode ser intenso e imprevisível, e durar em torno de dois a sete dias (BEHRMAN; KLIEGMAN, 2004; SMERTZER; BARE; 2006).

O tratamento durante as crises consiste em: administração de líquidos; analgésicos (narcóticos); antiinflamatórios não hormonais; oxigenoterapia em caso de hipóxia; monitorização da saturação arterial de oxigênio; elevação de membros para diminuir edemas e dores. Existem também técnicas de relaxamento e exercícios respiratórios (BEHRMAN; KLIEGMAN, 2004; SMERTZER; BARE; 2006).

A família constitui-se “fonte do primeiro suporte social” devido à importância de sua participação na prática do cuidado com a saúde (SANTOS; MIYAZAKI ,1999, p. 45). Para Furtado e Lima (2003, p.67) faz-se de suma importância entender a significância que envolve a palavra família. Para eles pode-se compreender família como: “relacionamentos em que as pessoas vivem juntas”, e compõe uma unidade econômica onde os mais velhos cuidam dos mais jovens.

Faz-se importante destacar que a existência de uma doença crônica atinge sobremaneira a estrutura familiar devido às adaptações a serem desenvolvidas pelos pais para vivenciarem a doença na família. Para tal, os pais das crianças portadoras de AF deverão ser esclarecidos sobre aspectos tais como: nutrição; manejo da dor; estresse diante das crises e como lidar com sentimentos de culpa por ter um filho portador de uma doença hereditária crônica. Tendo em vista que a dificuldade de adesão do tratamento muitas vezes se mostra relacionada à falta de

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informações, faz-se extremamente importante que os pais recebam acompanhamento psicossocial da equipe de saúde. Contudo, deve-se ressaltar a necessidade da criança ter uma vida normal, recebendo cuidados iguais às demais (SANTOS; MIYAZAKI, 1999; FURTADO; LIMA, 2003).

Neste contexto, mostra-se imprescindível que os profissionais de saúde promovam uma rede de apoio a fim de ajudar a família a superar as dificuldades diárias, sobretudo a desenvolverem a prática do cuidado no seio familiar. Outro aspecto importante é a avaliação da relação usuário e serviço de saúde que deve primar pela valorização de vivências das famílias visando o fortalecimento do vínculo desta com o serviço. Assim o acompanhamento da criança com AF na Unidade Básica de Saúde (UBS) fica mais viável (FURTADO; LIMA, 2003; MINAS GERAIS, 2005).

Diante da magnitude desse agravo na população infantil e das implicações deste no contexto familiar, percebeu-se a necessidade de caracterizar as famílias de crianças portadoras de AF cadastradas nas UBS de uma cidade da Região Metropolitana do Vale do Aço, com intuito de conhecer as formas de enfrentamento das mães diante da doença do filho.

Sendo assim, percebeu-se a necessidade de retratar as experiências das mães, na perspectiva de desvelar seus comportamentos perante as adiversidades encontradas ao vivenciar o cotidiano de filhos portadores de AF.

Na tentativa de aprofundar o conhecimento sobre o tema em estudo bem como analisar o perfil das famílias de crianças e adolescentes portadores de AF da região supracitada, foram delineados os seguintes objetivos específicos: determinar a freqüência do aparecimento de sinais e sintomas nas crianças/adolescentes; levantar o local de atendimento e o tratamento utilizado por esse grupo de pacientes e demonstrar a vivência das mães. Já o objetivo geral foi caracterizar o impacto da AF no contexto familiar.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem quanti-qualitativa dos dados. A pesquisa foi realizada na residência das famílias de crianças/adolescentes com faixa etária abaixo de 16 anos, portadores de Anemia Falciforme, em uma cidade da Região Metropolitana do Vale do Aço. A cidade foi escolhida devido aos casos existentes de AF, bem como a acessibilidade para realizar a pesquisa.

A pesquisa foi realizada após apresentação do pré-projeto à Secretaria de Saúde local e assinatura do Termo de Autorização à Pesquisa pelo Secretário Municipal de Saúde. Após autorização do mesmo, buscou-se informações na Vigilância Epidemiológica da referida cidade a fim de levantar os casos, bem como endereços das Unidades Básicas de Saúde, em que os portadores encontravam-se cadastrados.

Dos 12 casos de indivíduos abaixo de 16 anos, apenas dez foram encontrados. Dos outros dois, um comunicou a mudança para outra cidade, e o outro não foi encontrado no endereço fornecido. Assim, a amostra constituiu-se de sete mães e dez indivíduos portadores de AF.

A coleta de dados foi realizada nas residências após prévio agendamento, ocorrendo no período 13 a 25 de fevereiro de 2008 e tiveram duração de cerca de 40 minutos cada. Em todos os casos o informante foi a mãe.

Adotou-se a entrevista semi-estruturada e como instrumento de pesquisa foi utilizado formulário composto de questões objetivas e subjetivas, onde as respostas foram registradas ipsis literis.

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Os dados foram agrupados em quatro núcleos temáticos e então analisados buscando apresentar, sob o olhar das mães, os reflexos da AF na família. Os núcleos temáticos foram: Perfil socioeconômico e cultural das famílias do estudo; Condições de saúde dos portadores de AF (crianças/adolescentes); Tratamento e acompanhamento dos portadores de AF e o Convívio da família com a AF.

Todas as mães concordaram em participar da pesquisa, tendo assinado o Termo de Consentimento Livre Esclarecido de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, sendo garantido o sigilo e anonimato das informações, ressaltando o direito de desistirem de participar em qualquer momento, sem nenhum prejuízo ou dano (BRASIL, 1996). Destaca-se que nesse estudo as mães foram tratadas pela letra (M) seguida das letras de A a G classificadas aleatoriamente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Perfil socioeconômico e cultural das famílias do estudo Buscou-se traçar o perfil socioeconômico e cultural de sete famílias, através

das expressões das variáveis: idade; nível de escolaridade; profissão; renda familiar e situação marital, que são fatores importantes, podendo atuar como facilitadores ou dificultadores no contexto familiar, principalmente se tratando de uma doença crônica como a AF.

Foram entrevistadas sete mães com idades compreendidas entre 23 a 40 anos, como descrito na TAB. 1. Todas as mães possuíam companheiros, mas, apenas cinco (71,4%) estavam legalmente casadas. Este fato favorece o cuidado com o filho, bem como sua condição de saúde, pois, o convívio em família propicia maior conforto e estabilidade para os filhos que, ao conviver junto com os pais sentem-se mais seguros (GÓNGORA, 1998; FIAMENGHI JR, MESSA; 2007).

TABELA 1 Caracterização da amostra, segundo faixa etária das mãesFaixa etária (anos) Freqüência %23 a 25 1 14,326 a 28 1 14,329 a 31 - -32 a 34 1 14,335 a 37 2 28,638 a 40 2 28,6Total 7 100

O estudo demonstrou que todas as mães eram alfabetizadas, como mostra a TAB. 2.

TABELA 2 Distribuição da amostra, segundo o nível de escolaridade das mães.Escolaridade Freqüência %Fundamental incompleto 6 85,7Fundamental completo 1 14,3Total 7 100

O fato das entrevistadas serem alfabetizadas contribuiu sobremaneira na coleta dos dados, devido à facilidade em compreender as perguntas. Por outro lado, de acordo com Mello e Ferriani (1996) a escolaridade da mãe é um aspecto fundamental no que tange a prática de cuidado com a saúde dos filhos e a garantia de uma maior acessibilidade aos serviços de saúde.

A TAB.3 demonstra o perfil da amostra segundo a atividade laboral. A prática do cuidado já é, historicamente, creditada a mãe/mulher que acaba, quase sempre,

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por assumir as responsabilidades no cuidado para com o filho, muitas vezes, abdicando ao direito de terem outras atividades em conseqüência do sentimento de culpa pela doença do filho (FURLAN; FERRIANI; GOMES, 2003).

TABELA 3 Distribuição da amostra, segundo ocupação das mãesOcupação Freqüência %Não trabalha fora 6 85,7Trabalha fora 1 14,3Total 7 100

Das mães que relataram não trabalhar fora, uma realiza atividades de cabeleireira nos finais de semana, no próprio domicílio, no intuito de complementar a renda familiar sem deixar de permanecer ao lado dos filhos, um deles, portador da AF. Percebeu-se que as mães em sua maioria, mesmo necessitando financeiramente, não trabalhavam fora por entender que os filhos carecem de maiores cuidados, como mostra a fala a seguir:

“Preciso, mas tenho medo que meu filho precise de mim e eu não estou perto”. M.C

Estudos de Araújo (2004) revelaram altos índices de desemprego vividos por pais de portadores de AF, sendo que entre os trabalhadores, uma grande maioria era mal remunerada. A condição financeira da amostra em questão pode ser observado na TAB. 4.

TABELA 4 caracterização da amostra segundo renda familiar em salários mínimosRenda familiar Freqüência %Entre 1 e 2 6 85,7Entre 3 e 4 1 14,3Total 7 100

Para Furtado e Lima (2003), a dificuldade financeira provoca outras dificuldades, tais como aquisição de medicamentos e suplementação alimentar. Estas dificuldades agravam-se, quando a família tem mais de uma criança com AF, como apresentado na amostra estudada, onde duas famílias tinham mais de um filho portador. Tal fato pode ser observado na fala a seguir:

“Preciso trabalhar para ajudar na despesa porque meu marido recebe um salário mínimo e tenho dois filhos doentes, eu também tenho Anemia Falciforme, estou grávida e passo muito mal, por isso não tenho condições de trabalhar”. M.E

Para Furtado e Lima (2003) mães de crianças com doenças crônicas têm deixado de exercer atividades fora do lar por serem elas as responsáveis pelo cuidado para com o filho.

Condições de saúde dos portadores de Anemia Falciforme.

Fizeram parte desse estudo dez crianças/adolescentes, sendo seis (60%) do sexo masculino e quatro (40%) do sexo feminino, com idades descritas na TAB. 5.

O diagnóstico da doença em nove componentes da amostra foi realizado através da Triagem Neonatal, com exceção de um dos casos que só foi conhecido quando a criança tinha nove anos de idade, e atualmente o mesmo encontra-se com 16 anos.

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TABELA 5 Faixa etária dos portadores de Anemia Falciforme da amostraFaixa etária (anos) Freqüência %1 e 2 1 103 e 4 2 205 e 6 3 307 e 8 2 209 e 10 1 1011 e 12 - -13 e 14 - -15 e 16 1 10Total 10 100

Os portadores de A F são acometidos por vários sintomas, dos quais pode-se destacar: dor abdominal; dor nas articulações, ossos longos mãos e pés; cansaço a pequenos esforços; infecções/febre; esplenomegalia; priapismo e AVC (BRASIL,2006).

A freqüência de aparecimento dos sintomas da AF entre os indivíduos que fizeram parte da amostra, segundo relato das mães, estão demonstrados na TAB. 6.

TABELA 6 Freqüência de ocorrências das manifestações clínicas da Anemia Falciforme entre os indivíduos estudadosQueixa do sintoma Nunca Às vezes Freqüente SempreCansaço a pequenos esforços 50% 30% 10% 10%Dor abdominal 10% 50% 40% -Dor nas articulações: ossos longos, mãos e pés 30% 50% 20% -Infecção/febre - 80% 20% -Aumento do baço 50% 30% - 20%Priapismo - - - -AVC - - - -

Os eventos de dor geralmente atingem o sistema muscular esquelético, ocorrendo nos braços, pernas, região torácica e lombar. As crises álgicas ocorrem devido à baixa mobilidade das hemácias que em forma de foice, impedem o fluxo sanguíneo para órgãos e tecidos, provocando hipóxia tecidual e acidose, e, por conseguinte aumentando o dano isquêmico. Assim, ocorre a percepção nociceptiva da dor (BEHRMAN; KLIEGMAN, 2004; BRASIL, 2006; LOBO; MARRA; SILVA, 2007).

Pode-se afirmar que a crise dolorosa é um dos sintomas que mais se destaca dentre as manifestações clínicas da AF, conforme o que foi encontrado na amostra, (TAB. 6) podendo durar de quatro dias a semanas. Dentre os fatores desencadeantes, pode-se destacar: infecção; febre; desidratação e exposição a baixas temperaturas (BEHRMAN; KLIEGMAN, 2004; BRASIL, 2006; LOBO; MARRA; SILVA, 2007; KIKUCHI, 2007).

Este sintoma segundo Lobo, Marra e Silva (2007) está relacionado à deficiência da microcirculação mesentérica e das vísceras abdominais e pode apresentar-se com dor forte e intensa juntamente com irritação peritoneal. Observou-se no estudo que este causa grande impacto na vida das mães e dos filhos, como se pode notar nos relatos a seguir:

“Me sinto muito mal, pois vejo o sofrimento do meu filho, sei que estas dores sempre voltarão. Mas fico de mãos e pés atados, sem poder dizer a ele calma daqui a pouco passará e não voltará mais. Tenho medo que as próximas dores sejam piores, medo que ele não suportará. Peço a Deus todos os dias por ele e por mim, que me dê força para suportar tanta tristeza.” M.A

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“Me sinto mal, apesar do meu filho ser uma criança que graças a Deus não tem muito dos sintomas desta doença, fico mal no dia que tenho que levá-lo ao Hemominas, pois vejo outras mães que me contam como seus filhos sentem dores. Fico com medo que meu filho um dia possa vir a sentir dor como eles.” M.B

“Deus é tão grande para mim, que meus filhos apesar de serem doentes me ajudam tanto, não reclamam de dores, mesmo eu vendo que estão sentindo, eles escondem, só tenho que agradecer a Deus todos os dias”. M.G

Diante das falas acima, deve-se promover um trabalho contínuo de informações aos pais, com o objetivo de reduzir o sofrimento diante da dor, dentre as quais pode-se destacar: não subestimar a dor, pois esta é individual; ampliar a oferta de líquido via oral; administrar medicamentos conforme prescrição médica; evitar estímulos estressantes tais como frio, luz e ruídos e manter o paciente confortável e relaxado para diminuir a ansiedade. O controle da dor pode reduzir os prejuízos psicossociais que refletem na qualidade de vida das crianças/adolescente (SANTOS; MIYAZAKI, 1999; ARAUJO, 2007; KIKUCHI, 2007).

O cansaço a pequenos esforços pode ocorrer em casos de comprometimento cardíaco (SILVA, 1999). A ocorrência deste na amostra pode ser observado na TAB.6.

Dentre os componentes da amostra foi verificado um caso de sopro sistólico. O diagnóstico do mesmo foi constatado após um evento de febre reumática o que determinou a necessidade do uso de Penicilina Benzatina de 21 a 21 dias. Contudo não se pode afirmar que esta patologia originou-se da AF.

A TAB.6. demonstra alta freqüência da manifestação de infecção e febre entre os indivíduos estudados, torna-se importante as afirmativas de Smeltzer e Bare (2006) e Kikuchi (2007) sobre o grande risco da ocorrência de septicemia entre os portadores de AF e a necessidade de serem avaliados diante de qualquer suspeita de processo infeccioso. Para tanto, os familiares devem ser orientados a manterem-se alertas sob suspeita de elevação da temperatura, sendo que esta não deve ultrapassar os 38,5 ºC.

A capacidade de combater as infecções contra vários microrganismos fica deficitária devido ao comprometimento do baço, em conseqüência dos repetidos episódios de vaso-oclusão, que reduzem a função esplênica. Este evento ocorre, gradualmente, atingindo seu ápice em torno dos cinco anos de idade (BRASIL, 2006).

A infecção é a principal causa de morte entre os portadores de AF, estima-se que essas crianças sejam “[...] 400 vezes mais propensas a episódios de infecção...” e podem evoluir rapidamente para a morte. A faixa etária mais acometida é a de crianças menores de cinco anos, podendo destacar os dois primeiros anos de vida (MINAS GERAIS, 2005; BRASIL, 2006; ARAUJO, 2007. p. 242).

Devido ao comprometimento das funções linfóides do baço é recomendado um programa de vacinação especial para esse grupo, porém, as vacinas de rotina deverão ser mantidas. Entre os imunobiológicos especiais indicados a este grupo destacam-se a vacina pneumocócica conjugada 7 – valente (PREVENAR) e vacina meningocócica conjugada do grupo C (MINAS GERAIS, 2005; BRASIL, 2006; ARAUJO, 2007).

A ocorrência do seqüestro esplênico na amostra é descrito na TAB.6. sendo que um dos portadores já foi submetido à esplenectomia, este fato demonstrou que o dano no baço teve a ocorrência em 10% da amostra. Pode-se inferir, diante do dado encontrado, uma incidência relevante nesse estudo.

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A crise do seqüestro esplênico é o acúmulo de sangue no interior do baço acompanhado de queda abrupta no nível de hemoglobina, podendo ocasionar choque hipovolêmico. A etiologia das crises é desconhecida, mas, acredita-se ter relação com infecções virais, podendo ocorrer em crianças portadoras de AF nos primeiros cinco anos de vida. Destaca-se como a segunda causa de morte entre este grupo de doentes, portanto, deve-se dispensar especial atendimento de emergência durante estes eventos (CEHMOB-MG, 2005; BRASIL, 2006). Este quadro clínico aparece no relato da mãe a seguir:

“Minha filha sentia muita dor abdominal, sendo assim houve a necessidade de retirar o baço há um ano atrás. Mas mesmo assim ela ainda continua sentindo dores, mais brandas, mas com freqüência” M.G

Quanto à crise de seqüestro esplênico faz-se importante transmitir algumas orientações aos pais, tais como: o controle diário do baço através da palpação; observação da palidez; letargia; pele úmida e baixa temperatura em extremidades (KIKUCHI, 2007).

A ocorrência do priapismo não foi relatada na amostra, este dado pode estar associado ao fato dos portadores de AF do sexo masculino, se encontrarem na faixa etária inferior a sete anos de idade (TAB.5). Cabe ressaltar, que este sintoma ocorre com predominância em indivíduos adolescentes e em adultos jovens (BEHRMAN; KLIEGMAN, 2004; BRASIL, 2006).

O priapismo é uma ereção dolorosa do pênis, sem desejo sexual, causado por obstrução dos vasos por hemácias afoiçadas que comprometem a irrigação do órgão. É acompanhado de dor incontrolável, geralmente leva à intervenções médicas, e se não tratado rapidamente pode levar a impotência definitiva. Os pais devem ser orientados quanto a possibilidade de sua ocorrência e devem ajudar seus filhos a esvaziar a bexiga sob sinal da crise álgica, exercitar-se, tomar banho quente para atenuar os sintomas, e na persistência do episódio procurar o médico (BEHRMAN; KLIEGMAN, 2004; BRASIL, 2006; SMELTZER; BARE, 2006).

Em relação aos sinais e sintomas de AVC, nenhuma ocorrência foi relatada pelas mães (TAB. 6).

Por interromper o fluxo sangüíneo no cérebro este quadro clínico torna-se uma intercorrência grave, onde as células falciformes obstruem os principais vasos do cérebro, comprometendo, assim, sua oxigenação e acarretando prejuízos neurológicos de vários níveis. Estudos mostram que há ocorrência de AVC em cerca de 10% dos portadores de AF, este número não corrobora com os dados do presente estudo. O índice de reincidência deste evento mostra-se grande, cerca de 60% das crianças sofrem AVC, repetidamente, agravando, assim as lesões cerebrais (WHARLEY; WONG, 1999; BRASIL, 2006; KIKUCHI, 2007).

A manifestação do AVC ocorre de várias formas, incluindo hemiparesia, hemianestesia, deficiência do campo visual, afasia e paralisia de nervos cranianos, pode-se destacar também coma e convulsões. Algumas alterações neurológicas podem ser percebidas pelos familiares tais como: alterações visuais; letargia; confusão mental e outros (BRASIL, 2006).

Tratamento e acompanhamento dos portadores de Anemia Falciforme

Das mães pesquisadas, seis (85,7%) relataram receber algum tipo de ajuda para o tratamento do seu filho. Cehmob-MG (2005) afirma que os pacientes devem receber acompanhamento e tratamento gratuito, logo após o diagnóstico da patologia.

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Sobre a localidade da realização do tratamento, seis (60%) dos pacientes estudados eram em Governador Valadares, três (30%) em Belo Horizonte e apenas um (10%) no Pronto Socorro Municipal de Ipatinga. Brasil (2002) determina que o acompanhamento ambulatorial dos pacientes deve ser a cada duas a quatro vezes por ano. O paciente deve se identificar com o médico e sua equipe e assim evitar a rotatividade em vários centros.

Ao serem questionadas sobre as providências tomadas diante das intercorrências clínicas, uma (14,3%) das mães relatou que procurava imediatamente o pronto socorro, duas (28,6%) procuravam o hospital do município e quatro (57,2%) procuravam a UBS a fim de receber o encaminhamento para o hospital.

A Portaria n.822/01 do Ministério da Saúde assegura que devem ser implantados serviços que ofereçam atenção à saúde e integrem ações em todos os níveis de assistência, garantindo assim, o acompanhamento e tratamento integral à criança portadora de doença congênita (BRASIL, 2001; CEHMOB, 2005).

Em Minas Gerais o órgão responsável pela organização do sistema hemoterápico e hematológico é o Hemominas. Atualmente, este possui 23 unidades, dentre as quais a de Governador Valadares é a mais próxima da região pesquisada. De acordo com o Centro de Educação e Apoio para Hemoglobinopatias a fundação Hemominas tem objetivo de tratar e acompanhar os portadores de AF, que se inicia logo após a detecção da doença através da Triagem Neonatal (CEHMOB,2005).

Ao serem questionadas sobre o uso de medicamentos pelos filhos, seis (85,7%) das mães relataram que seus filhos fazem uso diário de várias drogas, apenas uma (14,3%) negou. Os medicamentos utilizados podem ser vistos na TAB. 7. De acordo com as mães, quando os analgésicos não cessam a dor de seus filhos estas recorrem ao atendimento de urgência, onde são administrados de acordo com a necessidade, soroterapia ou hemoterapia. Contudo, as mães do estudo não souberam precisar quantas vezes seus filhos foram submetidos à hidratação. Dos portadores contidos na amostra três (30%) já realizaram hemotransfusão alguma vez. Faz-se importante destacar que todos estão inseridos na mesma família e possuem a seguintes idades: cinco; sete e dezesseis anos. De acordo com Brasil (2002) a hemotransfusão é indicada para reposição do volume sanguíneo em conseqüência da hemorragia do seqüestro esplênico ou para repor a falta de oxigênio, aumentando a capacidade carreadora em prejuízo, pelas exacerbações da anemia. Dentre as indicações para hemotransfusão apresentam-se as crises de seqüestro esplênico, septicemia, dor intratável com episódios crônicos repetidos, AVC e priapismo.

TABELA 7 Freqüência do uso de medicamentos e hemotransfusão Tratamento Freqüência %Penicilina Benzatina 1 10Diclofenaco de sódio 1 10Hemotransfusão 3 30Dipirona 3 30Penicilina V 6 60Ácido Fólico 9 90

Grande parte dos medicamentos utilizados pelo portador de AF tem o objetivo profilático, devido à predisposição das crianças às intercorrências. Estudos mostram que 80% das septicemias por S. pneumoniae são evitadas em crianças de até três anos de idade. Em vista disto, a profilaxia para septicemias deve ser iniciada por volta do terceiro mês de vida devendo se estender até cerca dos cinco anos de

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idade, sendo indicado Penicilina Benzatina via intramuscular de 21 em 21 dias ou Penicilina V (fenoximetilpenicilina) via oral de 12 em 12 horas. Em caso de reações alérgicas à penicilina, administrar Eritromicina via oral de 12 em 12 horas. O ácido fólico também é recomendado em doses diárias de 1 a 2 mg via oral com o objetivo de prevenir a anemia megaloblástica causada pela hemólise crônica (BRASIL, 2002; MINAS GERAIS, 2005).

O Convívio da família com a Anemia Falciforme

Ao serem questionadas sobre a participação em algum grupo de orientação sobre AF, seis (85,7%) mães relataram ter recebido algum tipo de informação. Destas, cinco (71,4%) receberam informações através do médico e apenas uma (14,3%) relatou ter recebido informações partidas do profissional Enfermeiro. A mãe que alegou nunca ter recebido informações sobre a doença de seu filho, relatou ter-lhes buscado na internet.

A AF tem se mostrado como uma doença causadora de grande impacto na família. Portanto, este deve ser o ponto primordial na abordagem multiprofissional que deve primar pelo envolvimento de todos os membros da família (BRASIL, 2002).

Torna-se cada vez mais freqüente o incentivo da participação da família no processo do cuidado, haja visto, que esta assume lugar de destaque na tríade “saúde/doença/cuidar”. A família com uma ou mais crianças portadoras de uma doença crônica, sofre o reflexo da mesma em toda a sua rotina. Estes reflexos atingem a vida socioeconômica e psicológica de todos os seus componentes (SANTOS; MIYAZAKI, 1999; FURTADO; LIMA, 2003, p. 67).

No entanto, cada família manifesta-se de maneira singular a significância de ter um filho com uma doença crônica. Este desafio torna-se ainda maior quando os pais têm mais de um filho nesta situação. Uma doença crônica pode gerar inúmeras dificuldades na família, contudo, estas podem ser minimizadas com informações e capacitações apropriadas.

Brasil (2005) prevê um trabalho de capacitação dos profissionais de saúde que atuam no tratamento dos portadores de AF, objetivando prepará-los no que diz respeito à doença, bem como manter os pais e/ou cuidadores informados sobre a patologia da criança/adolescente. De acordo com Santos e Miyazaki (1999) a família funciona como ponto de sustentação social colaborando significativamente para a adaptação e vivência da doença. Crianças e adolescentes apoiados conseguem aderir de maneira mais efetiva ao tratamento.

O envolvimento no processo de educação deve englobar a todos, equipe multiprofissional, família e toda a comunidade. Dentre os procedimentos ambulatoriais oferecidos aos pacientes portadores de AF, a educação humanizada aos pais e familiares, com orientações para o cuidado devem ser destacadas (BRASIL, 2002; CEHMOB-MG, 2005).

Sobre a ajuda gerada pelas informações fornecidas às mães pelos profissionais a fim de melhorar o convívio com a realidade da doença do filho, cinco (71,4%) das mães responderam sim, e em contra partida duas (28,5%) responderam não. O nível da informação recebida pelas mães da amostra pode ser percebido nas falas a seguir.

“No começo foi muito difícil, pois não conhecia nada da doença, achei que iria perder meu filho, agora sei que ele pode ter uma vida normal (...) só recebi informação (...) quando meu filho tinha um mês de vida”. M.C

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“Nunca recebi nenhuma orientação sobre a doença do meu filho, (...) tive que recorrer os vizinhos para pegar na internet para mim”. M.A

“(...) explicaram o básico sobre AF, tenho muitas duvidas.”M.F

Em relação à adaptação da família no contexto doença falciforme é sabido que o sucesso advém da interação entre filhos e pais, portanto, famílias mais adaptadas demonstram maior adesão ao processo do cuidado, bem como menos atingidas pelo impacto da doença. Diante de tamanha importância na adaptação fazem-se necessárias, intervenções no sistema familiar, sobretudo no processo do cuidado (SANTOS; MIYAZAKI, 1999). A convivência com a doença pode ser observada nos relatos abaixo:

“Aprendi a conviver com a doença de meus filhos, pois tenho três filhos portadores de AF. Preciso ser forte para ajudar meus filhos nesta batalha que não é nada fácil para nenhum de nós (...)”. M.G

Ao serem perguntadas como se sentem tendo um filho portador de AF, as mães revelaram múltiplas formas de sentir. Um fato de grande relevância é a forma com que as mães vivenciam a condição de ter um filho doente, devido ao grande impacto emocional causado pela doença na vida de toda a família. O cuidado com os filhos doentes muitas vezes é causa de desgaste. Mas, por outro lado pode causar satisfação pessoal, principalmente quando há participação de todos os membros da família. Acerca disso, de acordo com Guiller, Dupas e Pettengill (2007) pode-se desencadear satisfação e o conhecimento sobre a doença, que além de afastar preocupações desnecessárias, ajuda a minimizar dificuldades, bem como superá-las.

“Agora já consigo aceitar a doença de meus filhos, pois aprendi a conviver com ela, já conheço quase tudo sobre ela. Sei o que posso fazer para diminuir a dor dos meus filhos. Sei que eles poderão ter vida normal como as outras criança (...)”. M.G

“Agora aceito bem, foi difícil quando fiquei sabendo do primeiro, agora já convivo com esta situação normal em minha vida. Pois quando recebi a noticia do primeiro filho é que fiquei sabendo que eu também era portadora de AF.” M.E

Acerca do manejo dos sintomas como diminuidor dos problemas causados na

família percebeu-se que medidas educativas podem favorecer, e reduzir em sobremaneira a angústia na vida das mães e dos filhos e por outro lado, promover maior confiança. Saber que o filho pode ter uma vida normal também pode atuar como fator colaborador, isto se faz presente na fala a seguir:

“Olha me senti muito mal no começo, agora como minha filha tem poucos

sintomas da doença, e vejo que ela pode ter uma vida quase normal, já aceito sua doença.” M.F

Sobre a vida escolar dos portadores da amostra destaca-se que além do portador de dois anos apenas o de dezesseis não estuda. As alegações se fazem presentes na fala a seguir:

“Minha filha optou por parar de estudar alegando faltar muito por causa das dores e também da ida ao tratamento (...) ela diz: estou estudando, mas, será difícil

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arrumar um emprego (...) difícil alguém me dar emprego”. M.G

É sabido que o índice de desemprego entre os portadores de AF é alto, dados apontam que 45,7% nunca trabalharam, enquanto o que diz respeito ao nível educacional, 68% não completaram o 1° grau, o que oferece poucas chances no mercado de trabalho (ARAÚJO, 2004).

Dentre os reflexos causados na família vale ressaltar particularmente aqueles que incidem diretamente nos filhos. Pode-se destacar o afastamento das atividades escolares, devido aos estereótipos atribuídos às crianças como “fingidos e preguiçosos”. As crises álgicas têm se destacado como fator comprometedor no desempenho da criança no âmbito escolar, social e familiar (SANTOS; MIYAZAKI, 1999; ARAÚJO, 2004, p. 6).

Os adolescentes se mostram mais atingidos acerca do comprometimento escolar e social, por ser este, um o período de mudança e transição emocional, física e social. Sinais e sintomas como icterícia, abdome distendido, enurese e retardo no crescimento, bem como dificuldades psicológicas podem prejudicar a adaptação no meio social (SANTOS; MIYAZAKI, 1999; ARAÚJO, 2004).

Portanto torna-se de suma importância que sejam passadas informações sobre a doença e seus sintomas a fim de favorecer o seu entendimento sobre as mudanças em seu cotidiano, bem como a necessidade do controle dos sintomas, tais como evitar exposições ao frio extremo e esforço físico. Assim a prevenção diária dos sintomas é facilitada (SANTOS; MIYAZAKI, 1999; CEHMOB – MG, 2005).

Outro aspecto percebido é o fato de algumas mães não assumirem a existência da doença no filho. Das mães pesquisadas seis (85,7%) assumiram que seu filho é portador da AF, em contra partida uma (14,3%) relatou que o filho está curado, que houve engano no diagnóstico. Ao ser procurada para certificar o dado, a Vigilância Epidemiológica local confirmou que a referida criança é portadora de AF e que esta mãe é a que mais busca ajuda no serviço.

Alguns pais ao saberem que o filho é portador de uma doença hereditária são acometidos por um sentimento de negação, passando então a duvidar da veracidade do exame e muitas vezes acreditam em curas mirabolantes para o dia seguinte. Estes se vêem atormentados pelo peso da doença do filho e usam a negação como forma de esquecer sua participação na ocorrência da doença. Em muitos casos, a mãe não assume a doença diante da sociedade, na tentativa se livrar ainda que ilusoriamente, do desconforto da culpa (FLEMMING; LOPES, 2000; BRITO; SADALA, 2007). A negação pode ser percebida no relato a seguir:

“Me senti péssima quando fiquei sabendo da doença de meu filho, pensei tudo de mal que uma mãe possa pensar. Pois não conhecia nada da doença. Mas agora sei que ele não tem mais esta doença. Ele é uma criança normal. Pois realizei novos exames há dois anos e comprovaram que ele estava curado.Tenho certeza que houve engano nos exames que mostravam que ele tinha AF”. M.D

Destaca-se neste contexto, que o enfrentamento da doença por parte de seus cuidadores pode favorecer significativamente na redução da insegurança diante das crises. De acordo com Santos e Miyazaki (1999) a segurança pode aumentar ainda mais, quando o enfrentamento incita a busca de conhecimento sobre a patologia, bem como evita comportamento de superproteção para com o filho.

CONCLUSÃO

Este estudo possibilitou conhecer as formas de enfrentamento dos pais de

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portadores de AF a partir da caracterização de seu cotidiano frente aos desafios vividos.

O núcleo temático “Perfil socioeconômico e cultural das famílias” do estudo revelou que a baixa renda, aliada a baixa escolaridade comprometeu em sobremaneira aspectos como alimentação, manutenção do lar, aquisição de medicamentos, condição financeira e social.

Sobre o núcleo temático “Condições de saúde dos portadores de AF” (crianças/adolescentes) percebeu-se de acordo com os relatos, que os pais sabem lidar com os sintomas, bem como evitá-los.

Contudo, sintomas como as dores marcam profundamente a vida das famílias com angústia e medo. Destaca-se, portanto, a necessidade de aumentar e melhorar a qualidade de informações sobre o quadro álgico da AF, afim de reduzir as angústias vividas, sobretudo pelas mães, e aliviar a sensação de impotência. Temas sobre a patologia e seu prognóstico, sinais e sintomas, enfrentamento diante da sociedade, quebra de tabus e outros, devem ser discutidos para se tornarem prática na vida destas famílias.

Sobre o Tratamento e acompanhamento dos portadores de AF foi observado que todos são acompanhados. Porém, este acompanhamento, na maioria dos casos, contou com a participação apenas dos hemocentros, quando de acordo com CEHMOB-MG (2005) deveria acontecer também com a participação das equipes das Unidades Básicas de Saúde (UBS).

A participação das equipes das UBS além de poder facilitar a rotina do tratamento pode auxiliar no desenvolvimento de práticas de cuidado voltadas á particularidade de cada família. Por se encontrarem mais próximas às famílias, acredita-se que as equipes vivenciam a mesma realidade vivenciada pelos pais e então, possam estabelecer relações harmônicas que suscitem um vínculo de confiança e segurança.

No que tange o acompanhamento profissional, percebeu-se uma grande carência na atuação da equipe multidisciplinar, além de Médicos e Enfermeiros junto aos portadores e seus familiares.

O núcleo temático “Convívio da família com a AF” demonstrou a singularidade das famílias na sua forma de sentir e conceber a doença do filho.

Quanto ao enfretamento dos pais de portadores de AF diante da sociedade, ainda há muito que ser trabalhado, a fim de evitar preconceitos e discriminações. Muitas vezes, esses sentimentos são percebidos dentro da própria família, através da negação da doença do filho por parte da mãe ou do pai. Por outro lado, estes sentimentos podem desencadear o fortalecimento da culpa e da super-proteção que não colaboram com a prática de uma vida saudável.

Conclui-se com este estudo que há muito a se fazer no sentido de minimizar e reduzir os reflexos negativos vividos pelas famílias estudadas. Os profissionais de saúde, entre eles o Enfermeiro, têm papel primordial no acolhimento e acompanhamento dessas famílias, podendo ajudá-las a desenvolver mecanismos compensatórios para superar as dificuldades advindas da patologia e promovendo ações efetivas capazes de reduzir a morbi-mortalidade, permitindo que as crianças e adolescentes portadores de Anemia Falciforme tenham uma melhor qualidade de vida.

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