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AS PAISAGENS DE CANAÃ DOS CARAJÁS-PA: ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DA PAISAGEM NA FRONTEIRA AGROPECUÁRIA E MINERÁRIA NA AMAZÔNIA ANDERSON VASCONCELLOS AMARAL 1 RICARDO SARTORELLO 2 RESUMO O município de Canaã dos Carajás, situado no sudeste do Pará, foi emancipado em 1994 para atenuar conflitos fundiárias por conta da mineração na região. Em 2010, o município apresentou a 5ª maior taxa geométrica de crescimento populacional do país, segundo o IPEA. Desde 2004, o projeto “Mina do Sossego” extrai 390 mil toneladas de cobre por ano. Em 2017, implantou-se o maior projeto de extração de minério de ferro do mundo S11D estimando produção de 90 milhões de toneladas/ano. No mesmo ano, decretou-se a criação da Unidade de Conservação de proteção integral Parque Nacional dos Campos Ferruginosos sobreposto ao território ambiental da FLONA Carajás. Para compreender esse complexo de transformações territoriais e socioambientais no contexto da Amazônia brasileira, propôs-se o desenvolvimento de pesquisa de mestrado que conta com suporte e integração entre o grupo de estudos “Paisagens e territorialidades” do Laboratório de Biogeografia da Universidade de São Paulo e o LabMap do Núcleo de Ciências Ambientais da Universidade Mogi das Cruzes. A pesquisa tem como objetivo analisar a transformação da paisagem do município considerando a relação entre expansão das vias de circulação e correlação com desmatamento e uso e ocupação da terra. Aplicando metodologia que busca integrar multitécnicas, produzindo tanto dados qualitativos, como dados quantitativos, a pesquisa utiliza: análise integrada da paisagem via ecologia da paisagem (análise multitemporal); produtos do projeto MAPBIOMAS em sua mais recente coleção (análise multitemporal contínua do uso e cobertura da terra); revisão bibliográfica internacional sobre o padrão de vias de circulação na Amazônia brasileira; aplicação do modelo linear de mistura espectral sobre imagens de satélite com uso de modelagem construída por amostragem global e de autoria internacional (compreensão do processo de fragmentação da paisagem), contextualização e interpretação dos resultados associados ao conceito de fronteira e, complementarmente, análise documental e análise por categorias analíticas ambientais para compreensão da formação da arena em disputa (mineração), utilizando métodos de pesquisa da Nova Economia Institucional. Analisamos neste artigo a coleção de produtos cartográficos que caracterizam as principais mudanças na estrutura da paisagem, incluindo-se desmatamento, uso e cobertura da terra e histórico multitemporal da evolução e principais padrões das vias de circulação. Como estado da arte, apresenta-se em desafio de refinamento as variáveis e técnicas associadas às métricas da paisagem, construção das chaves de legenda que comporão a análise cruzada das áreas fragmentadas recém-identificadas, pesquisa bibliográfica e documental que comporão a análise ambiental e formação da arena. 1 Acadêmico do programa de pós-graduação em Geografia Física da Universidade de São Paulo. E- mail de contato: [email protected] 2 Docente do Programa de pós-graduação em Políticas Públicas - Meio Ambiente na Universidade Mogi das Cruzes. E-mail de contato: [email protected]

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AS PAISAGENS DE CANAÃ DOS CARAJÁS-PA: ANÁLISE DA

EVOLUÇÃO DA PAISAGEM NA FRONTEIRA AGROPECUÁRIA E

MINERÁRIA NA AMAZÔNIA

ANDERSON VASCONCELLOS AMARAL1

RICARDO SARTORELLO2

RESUMO

O município de Canaã dos Carajás, situado no sudeste do Pará, foi emancipado em 1994 para atenuar conflitos fundiárias por conta da mineração na região. Em 2010, o município apresentou a 5ª maior taxa geométrica de crescimento populacional do país, segundo o IPEA. Desde 2004, o projeto “Mina do Sossego” extrai 390 mil toneladas de cobre por ano. Em 2017, implantou-se o maior projeto de extração de minério de ferro do mundo – S11D – estimando produção de 90 milhões de toneladas/ano. No mesmo ano, decretou-se a criação da Unidade de Conservação de proteção integral Parque Nacional dos Campos Ferruginosos sobreposto ao território ambiental da FLONA Carajás. Para compreender esse complexo de transformações territoriais e socioambientais no contexto da Amazônia brasileira, propôs-se o desenvolvimento de pesquisa de mestrado que conta com suporte e integração entre o grupo de estudos “Paisagens e territorialidades” do Laboratório de Biogeografia da Universidade de São Paulo e o LabMap do Núcleo de Ciências Ambientais da Universidade Mogi das Cruzes. A pesquisa tem como objetivo analisar a transformação da paisagem do município considerando a relação entre expansão das vias de circulação e correlação com desmatamento e uso e ocupação da terra. Aplicando metodologia que busca integrar multitécnicas, produzindo tanto dados qualitativos, como dados quantitativos, a pesquisa utiliza: análise integrada da paisagem via ecologia da paisagem (análise multitemporal); produtos do projeto MAPBIOMAS em sua mais recente coleção (análise multitemporal contínua do uso e cobertura da terra); revisão bibliográfica internacional sobre o padrão de vias de circulação na Amazônia brasileira; aplicação do modelo linear de mistura espectral sobre imagens de satélite com uso de modelagem construída por amostragem global e de autoria internacional (compreensão do processo de fragmentação da paisagem), contextualização e interpretação dos resultados associados ao conceito de fronteira e, complementarmente, análise documental e análise por categorias analíticas ambientais para compreensão da formação da arena em disputa (mineração), utilizando métodos de pesquisa da Nova Economia Institucional. Analisamos neste artigo a coleção de produtos cartográficos que caracterizam as principais mudanças na estrutura da paisagem, incluindo-se desmatamento, uso e cobertura da terra e histórico multitemporal da evolução e principais padrões das vias de circulação. Como estado da arte, apresenta-se em desafio de refinamento as variáveis e técnicas associadas às métricas da paisagem, construção das chaves de legenda que comporão a análise cruzada das áreas fragmentadas recém-identificadas, pesquisa bibliográfica e documental que comporão a análise ambiental e formação da arena.

1 Acadêmico do programa de pós-graduação em Geografia Física da Universidade de São Paulo. E-

mail de contato: [email protected] 2 Docente do Programa de pós-graduação em Políticas Públicas - Meio Ambiente na Universidade Mogi

das Cruzes. E-mail de contato: [email protected]

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PALAVRAS-CHAVE: Amazônia; paisagem; fronteira, desmatamento

ABSTRACT

Canaã dos Carajas, located in the southeast of Pará, was emancipated in 1994 to mitigate conflicts and land desorders due to mining in the region. In 2010 the municipality had the fifth highest annual population growth rate of the country according to IPEA. Since 2004 the "Mina do Sossego" project has been extracting 390 thousand tons of copper per year. In 2017, S11D, the greatest iron extraction project in the world, was implemented and they expect to have a production of nine million tons per year. In the same year the government decreed Parque Nacional dos Campos Ferruginosos overlaid protected territory FLONA Carajas. In order to understand such transformations in a social-environmental area in the Brazilian Amazon context, we have developed this research at a Master's degree level. This project has been carried out in the Biogeografia laboratory at USP and the Landscape and territorialities “Núcleo de Ciências Ambientais” – LabMap research center at Mogi das Cruzes university. It aims to analyze the development of the landscape of the given municipality considering the connection between the road network expansion and its correlation with deforestation and land use by applying a methodology that tries to integrate a wide range of techniques to produce not only qualitative data but also quantitative data. The research benefits from an integrated analysis of the landscape within the scope of landscape ecology (multitemporal analysis); products from the latest collection of MAPBIOMAS (multitemporal continuous analysis of land use and land cover); literature review of international publications on the road network patterns in the Brazilian Amazon; the application of linear spectral mixture to satellite images with the use of modelling built from global sampling; the understanding of the process of landscape fragmentation, contextualization and interpretation of results associated to the border concept and, additionally, document analysis and the analysis of environmental analytical categories to understand the formation of action arena (mining), applying the New Institutional Economics. The research has produced a collection of cartographic products that tried to characterize the main structure changes in landscape, including deforestation, land use and land cover and multitemporal historical background of its evolution and the main road network patterns. The state of the art entails a refinement challenge of the variable and techniques associated with landscape metrics, the construction of class legend that will be part of an analysis of recently identified fragmented areas, literature review and documents review that will be part of the environmental analysis and the action arena formation.

KEY-WORDS: Amazon; landscape; frontier, deforestation

1- Introdução

Na década de 1970 o Brasil protagonizava o princípio de uma profunda

transformação, de consequências duvidosas, no espaço amazônico. A Amazônia

brasileira passou a ser objeto de intensas intervenções estatais que procuraram dar

um rápido sentido de ocupação, integração econômica e povoamento àquele quinhão

do território. Estradas, projetos agrícolas, hidrelétricas e represas, projetos militares e

fronteiriços, e em especial, grandes projetos minerais, passaram a ser os

condicionantes e vetores da ocupação territorial do heartland ecológico brasileiro.

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Foi assim que surgiu o Programa Grande Carajás (PGC) na província mineral

de Carajás no sudeste do Pará. Inserido no contexto do I e II Plano Nacional de

Desenvolvimento (PND) do governo federal (1972-1974; 1975-1979), o programa

oficializou as primeiras e maiores transformações da paisagem amazônica.

Desde então, a rápida ocupação da região, impulsionada sobretudo pelo fator

mineração, abriu caminho para profundas transformações socioambientais, estando

o município de Canaã dos Carajás-PA, desmembrado de Parauapebas, no centro

dessa gênese (FIGURA 1).

Intensa alteração da paisagem, grandes projetos de extração mineral (Mina

Sossego e S11) em áreas adjacentes e internas a territórios ambientalmente

protegidos – Floresta Nacional de Carajás e Parque Nacional dos Campos

Ferruginosos –, maiores taxas de crescimento populacional do país, constante

expansão agropecuária e urbana, progressão da infraestrutura de circulação e

mudanças institucionais são elementos organizados e analisados nesta pesquisa para

compreender a relação entre o avanço da fronteira agropecuária e mineral e a

transformação da paisagem.

2- Metodologia multitécnica e análise contínua da paisagem

Para compreender a transformação da paisagem a metodologia adotada foi a

da análise contínua e integrada da paisagem entre 1984 e 2017. A pesquisa considera

a paisagem herdada no momento de emancipação do município (1994), o início das

atividades da mineração (1997) e suas posteriores modificações com base nas

variáveis analíticas prioritárias: 1) uso e cobertura da terra e 2) identificação do padrão

e expansão das vias de circulação. Como os procedimentos anteriores orientam para

a identificação da fragmentação da paisagem, em especial às áreas que não estão

sob proteção ambiental, será adotada a Nova Economia Institucional (OSTROM,

2008) para investigar a constituição de uma arena em disputa para melhor

compreensão dos processos territoriais ligados à dinâmica da mineração e do

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desenvolvimento da mais homogênea paisagem do município: as Unidades de

Conservação de Uso Sustentável e de Proteção Integral3.

FIGURA 01: Contexto da área de estudo.

O uso e cobertura da terra utilizado foi obtido a partir do projeto Mapbiomas4. A

metodologia Mapbiomas utiliza imagens da série Landsat – do 5 ao 8 (resolução

espacial 30m) – obtidas da NASA e USGS calibradas e ortoretificadas que são

classificadas de maneira inteligente via Google Earth Engine5. Através de uma árvore

de decisões programada (Java, Python, WebCollect, Workspace, Mapbiomas

plataforma) as imagens são submetidas a classificação treinada por algoritmo

(Algorithm Theoretical Basis Document – ABTD), específico para cada bioma e que

tem sua performance melhorada conforme o uso. Para cada mosaico, a imagem de

3 Floresta Nacional dos Carajás e Parque Nacional dos Campos Ferruginosos, respectivamente. 4 Portal de acesso: http://mapbiomas.org. 5 Plataforma viabiliza os dados:

https://www.google.com/intl/ptBR/earth/outreach/tools/earthengine.html.

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onde a classificação será processada são escolhidos os melhores pixels do ano, por

exemplo aquele sem cobertura de nuvem. O comportamento do pixel resultante

contém até 105 métricas ou camadas de informação (média da Banda, NDVI e outras)

que tornam-se fonte de dados a serem analisados pelo algoritmo. A recém lançada

terceira coleção do Mapbiomas cobre desde 1985 até 2017.

FIGURA 02: Perda de área florestada em Canaã dos Carajás-PA (PROJETO

MAPBIOMAS, 2018)

A partir dos dados de mudança na cobertura vegetal (FIGURA 2) obtidos pelo

Mapbiomas identificou-se os melhores períodos para escolha das cenas Landsat para

aplicação da Análise de Mistura Linear com base nos estudos de (SMALL, 2004). O

Modelo Linear de Mistura Espectral tem como vantagem a análise da informação do

conteúdo no nível do subpixel. Diferente da classificação temática clássica ou

categórica, que atribui um rótulo ou peso ao pixel, realiza-se uma modelagem através

da combinação linear de espectros puros, os chamados endmenbers (ROBERTS et

al., 1998).

A modelagem de Composição Global de Mistura Espectral6 está sendo aplicada

às imagens selecionadas para os anos de 1984, 1987, 1990, 1998, 2001, 2011 e 2018

6 Gentilmente cedido pelo LabMap do Núcleo de Ciências Ambientais da UMC (Universidade Mogi das

Cruzes).

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(mosaico municipal7). As datas estão sendo agrupadas de duas formas: na primeira

por bi-temporalidade e, na segunda, por tri-temporalidade. Às bi-temporais formarão

cinco imagens, assim organizadas: 1) 1984-1987; 2) 1987-1990; 3) 1990-1998, 4)

1998-2001, 4) 2001-2011 e 5) 2011-2018. As tri-temporais, por sua vez, em três

imagens: 1) 1990-1987-1984, 2) 2001-1998-1990 e 3) 2018-2011-2011.

Ao agrupamento escolhido aplicou-se às bi-temporais uma subtração

matemática das imagens8. Já às tri-temporais aplica-se um filtro9 de cor10 para cada

um dos anos do respectivo agrupamento. Nas bi-temporais, às áreas em vermelho

representam a localidade onde houve maior variação, como perda da vegetação ou

avanço do substrato. Nas tri-temporais, o destaque fica para o realce que degrada a

coloração entre o azul, o verde e o vermelho, neste caso indicando a direção da

mudança da paisagem na mesma cena.

Para compreender a modificação da paisagem a partir das vias de circulação,

aplicou-se a referência de revisão bibliográfica sobre o tema (ARIMA et al., 2015) que

tipifica padrões de vias de circulação na Amazônia em: espinha de peixe, retangular,

radial, dendrítico e stem of rose11. Essa metodologia possibilita a identificação da

penetração da fronteira pioneira, a tendência à legalidade ou ilegalidade dos

empreendimentos, a identificação dos agentes envolvidos, bem como a intensidade

de desmatamento e em certos casos até indícios de erosão para certos padrões. Com

o banco de dados das vias formado procede-se a tipificação. Quantificando dados

como densidade das vias (km/km2), hierarquia da via (pavimentada e não

pavimentada), ano de instalação e comparando com os seus aspectos visuais

(morfologia das vias) obtêm-se os padrões. À tipologia resultante dados como uso e

cobertura da terra e outros podem ser adicionados e cruzados.

Para identificar as vias diversas fontes de dados primários e secundários foram

considerados. A sequência de trabalho contemplou: digitalização e vetorização das

7 Órbita/Ponto (Landsat 5 e 8): 224/64; 224/65, 223/64 e 223/65. 8 Software usado: ENVI. 9 escolhemos o Substrato, entendendo como melhor realce das mudanças na paisagem. 10 R – Red (Vermelho), G – Green (Verde), B – Blue (Azul). 11 “Caule da rosa” em livre tradução.

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vias constantes nas cartas topográficas do IBGE; edição dos arquivos poli linha

(shapefile) disponíveis pelos órgãos de trânsito Federal e Estadual, por exemplo DNIT,

classificação visual não-automatizada seguido de vetorização por ano a partir das

imagens disponíveis no projeto MapbBiomas e uso de imagens de alta resolução do

Google Maps e dados da plataforma Openstreetmaps para sanar dúvidas. Ainda para

sanar dúvidas durante a classificação, contemplou-se as camadas de hidrografia

(shapefile) e por fim até os mapas resultantes da Análise de Mistura Espectral. Como

as infraestruturas lineares fragmentam a paisagem, adiciona-se, além das estradas,

a linhas férrea, linhas de transmissão de energia e até pista de pouso, ainda que esses

casos não estejam tipificados na bibliografia que selecionamos.

A posterior etapa metodológica, até o momento da pesquisa ainda não

empregada, utilizará novamente a metodologia da Análise Mistura Linear, porém com

a técnica dos endmembers agrupados por componentes principais-PCs (SMALL,

2012) aplicada ao mosaico multitemporal (2000-2018) sobre imagem do satélite

MODIS12. Essa aplicação tem como vantagem uma análise contínua (2000-2018) da

resposta espectral dos alvos escolhidos que refina e identifica as respostas ou

variações da vegetação. A leitura da mudança e estrutura da paisagem pode, dessa

forma, ser cruzada com os padrões e fragmentos da paisagem identificados com os

produtos das metodologias anteriores: uso e cobertura da terra, subtração bi e tri-

temporal das imagens Landsat obtidas com a Composição Global de Mistura

Espectral.

Para ampliar o escopo da análise, contribuindo com uma leitura de caráter

analítico e qualitativo, não centrada somente na estrutura e fisionomia paisagem, mas

nas ações com repercussão territorial e sobre os recursos da área de estudo,

propomos um capítulo abordando a questão da mineração e dos recursos naturais

através de uma abordagem via Nova Economia Institucional (NEI) com investigação

da arena constituída (OSTROM, 2008)

12 Apesar da menor resolução espacial (250m) quando comparado ao Landsat (30m), as imagens

MODIS têm a vantagem da maior resolução temporal, pois uma cena é gerada a cada 16 dias.

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O mapeamento e entendimento da concepção de arena foi abordado por Elinor

Ostrom (OSTROM, 2008) buscando explicar o comportamento humano nas

configurações institucionais. As instituições são entendidas como normas, regras e

estratégias usadas pelos seres humanos em situações repetitivas mobilizadas para

alcançar a ordem, previsibilidade e garantia de recursos. A partir da identificação dos

atores, posições, resultados, interações, controle e outros, a arena é entendida,

contribuindo para explicar as intenções humanas sobre os recursos e previsibilidades.

Para mapear e compreender a arena em disputa uma sistemática orientada

pela metodologia da análise de conteúdo baseada em Laurence Bardin

(CAREGNATO; MUTI, 2006) conduzirá uma análise documental sobre: relatórios de

Avaliações de Impacto Ambiental das áreas mineradoras (S11D e Sossego),

desenvolvimento da legislação sobre as áreas protegidas, Plano Diretor municipal,

Relatórios da Vale. Além da análise documental uma análise de dados da produção

econômica e mineral do município serão considerados, como a CFEM (Compensação

Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais) e os dados socioeconômicos do

IBGE e IPEA. Uma composição de categorias analíticas como desenvolvimento

sustentável e conflitos ambientais territoriais com base na Ecologia Política nortearão

a análise dos conteúdos e dados.

3- Primeiros resultados e próximos desafios

Após procedimentos descritos, dispõe-se dos seguintes resultados parciais:

identificação das vias por padrão visual de morfologia13 (FIGURA 03) e um conjunto

de imagens Landsat e mapas de uso e cobertura da terra agrupados temporalmente

que visualmente conseguem indicar as principais mudanças da paisagem (FIGURA

04) abrangendo uma escala temporal de 1984 a 201714.

13 Road network patterns (ARIMA et al., 2015). 14 Os dados relativos às imagens e mapas posteriores a 2011 estão sendo revisados, por isso não são

aqui apresentados. Além da identificação das vias de circulação houve identificação do ano, hierarquia (federal, estadual, vicinal) e condição (asfalto) para cada trecho, resultando em rico banco de dados a ser analisado.

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FIGURA 03: Padrões de vias de circulação. Elaborado pelos autores.

FIGURA 04: Fragmentos selecionados de mudanças na paisagem em três

perspectivas. Elaborado pelos autores.

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Os resultados acima indicam, por exemplo, que a fronteira se desloca de leste

para oeste (subtração SVD bi-temporal)15. Também demonstram, que as áreas

desmatadas mais recentes são precedidas de um distanciamento em relação a via de

circulação (subtração SVD tri-temporal)16, e ainda, quando comparadas isoladamente

entre uso e cobertura da terra e os padrões de via, as áreas de assentamentos

parecem ter um menor desmatamento em relação aos outros padrões (agricultura

comercial e urbano) e menor avanço da pecuária.

Como essa análise é visual e primária, encontra-se o próximo desafio da

pesquisa: metrificar a paisagem, em especial a área historicamente fragmentada e

não protegida do município. A vasta possibilidade de metrificação da paisagem e suas

respectivas intenções, seja para conservação ou compensação, (TURNER; GADNER,

2015) devem evitar redundâncias e atender as perguntas: “Quais padrões ocorrem

onde? Sobre que escalas espaciais os padrões existem? Como os padrões estão

mudando com o tempo?” (RIITTERS, 2018).

O protocolo analítico proposto na metodologia desenvolvido até este momento

confirma que a fronteira se deslocou e que as vias de circulação foram indutoras do

processo de fragmentação da paisagem. Uma análise que responda com métricas da

paisagem associadas aos dados produzidos no estudo das vias de circulação e a

identificação da arena constituída formam os novos momentos da pesquisa. Dessa

forma, objetiva-se alcançar um corpo analítico que dê conta de compreender pela via

quantitativa e qualitativa as diferentes paisagens do município sem perder o escopo

histórico, territorial e ambiental.

Referências

15 As areas em tons de vermelho (0 – filtro Red) representam localidades onde houve perda de

vegetação e não quantidade subtraída. Pelo oposto, os tons de verde (255 – filtro Green) são as localidades que não tiveram perda de vegetação. O resultado demonstra, por padrões de linearidade e manchas, onde ha desmatamento. 16 As localidades realçadas com as cores em vermelho, verde e azul na imagem (filtros Red,

Blue,Green) indicam localidade onde houve perda de vegetação (V) e aumento do substrato (S). Nota-se que as areas de modificação mais recente (Vermelho/1990) são geralmente vizinhas as do periodo anterior (Verde/1987). S: Substrato ou Substrate; V: Vegetação ou Vegetation; D: Matéria Escura ou Dark conforme análise de mistura espectral.

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