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XIV Seminário Temático Saberes Elementares Matemáticos do Ensino Primário (1890-1970):
Sobre o que tratam os Manuais Escolares? Natal – Rio Grande do Norte, 21 a 23 de março de 2016
Universidade Federal Rio Grande do Norte ISSN: 2357-9889 1
Anais do XIV Seminário Temático – ISSN 2357-9889
AS TABUADAS PRESENTES NOS MANUAIS PEDAGÓGICOS DO
ENSINO PRIMÁRIO PARANAENSE (1903-1946)
André Francisco de Almeida1
Neuza Bertoni Pinto2
RESUMO Este trabalho apresenta resultados parciais da dissertação de mestrado em andamento intitulada
―A Apropriação das Tabuadas no Ensino da Aritmética na Escola Primária Paranaense: 1903 a
1946‖ . A história da matemática escolar, principalmente a que se refere à escola primária, vem
mostrando que as tabuadas ocupavam um espaço importante nos livros didáticos escolares e que
seu ensino estava ligado às práticas de memorização, característica que marcou por longo tempo as
práticas da tabuada na escolarização inicial. Assim, considera-se relevante buscar essa
compreensão na temporalidade indicada, 1903, ano da instalação em Curitiba, do primeiro Grupo
Escolar do estado, o Grupo Escolar Xavier da Silva, a 1946, ano em que foi promulgada a Lei
Orgânica do Ensino Primário. As fontes a serem constituídas para este trabalho são livros didáticos
de Aritmética, utilizados no em escolas primárias do estado, ―Arithmética Elementar‖- livro 1
(1919), de George Buchler e ―Aritmética Elementar Ilustrada‖ (1922), de Antonio Trajano, além
dos documentos oficiais paranaenses do período demarcado. O estudo será conduzido a partir da
perspectiva da história cultural e da história das disciplinas escolares (Chervel, 1990)
contemplando conceitos de apropriação e representação (Chartier, 1990) e de cultura escolar (Julia,
2001).
Palavras-chave: Tabuada. Memorização. Aritmética.
A tabuada presente nos livros didáticos de Aritmética e os métodos de ensino
No início do século, a Aritmética prescrita no Paraná para a escola primária tinha
uma programação centrada nas quatro operações, um ensino que segundo o Regulamento
de 1901 teria um caráter essencialmente prático, voltado às necessidades da vida e a
utilidade direta (PARANÁ, 1901).
1 Mestrando da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, Campus Curitiba.
E-mail: [email protected] 2 Livre Docente da Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR, Campus Curitiba.
E-mail: [email protected]
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A tabuada ocupava um espaço importante no ensino da Aritmética, de modo
especial no ensino da operação multiplicação. Ao lado das recomendações de um ensino
prático o Regulamento de 1909, ressaltava a importância do método intuitivo para o ensino
da Aritmética, assim como para o ensino dos demais saberes a serem ensinados na escola
primária (PARANÁ, 1909).
As tabuadas, como o próprio nome sugere, são tábuas ou quadros organizados que
foram utilizados por muitas civilizações da Idade Antiga e ainda são utilizados para
consulta de resultados imediatos das operações entre algarismos. Este estudo está focado
em livros do final do século XIX, e também do século XX, que nos mostram que essas
tabuadas eram suporte para a realização das quatro operações básicas (adição, subtração,
multiplicação e divisão).
Para compreender como esse dispositivo foi apropriado no ensino primário do
período, no presente estudo foram analisados dois livros didáticos que tiveram ampla
circulação nas escolas primárias do estado do Paraná, no período delimitado. Os livros
―Arithmetica Elementar‖ (1919), de Georg Büchler3 e "Aritmética Elementar" (1922), de
Antônio Trajano4 foram utilizadas no contexto educacional paranaense em tempos de
Escola Nova, movimento educacional que ressaltava a renovação dos métodos de ensino e
defendia ideias pedagógicas que vinham contrapor um ensino anterior, centrado no
professor.
A pedagogia da Escola Nova consolidou-se na formação do magistério
pela experiência da Escola de Professores como uma denominação
genérica unificando vertentes diferentes, entre as quais se dava relevância
ao aluno como centro do processo de ensino-aprendizagem, à
3 Georg August Büchler (1884 – 1962) foi um pedagogo que nasceu em Steinbach, na região de Essen, na
Alemanha. Ele imigrou para o Brasil para lecionar Inglês e Matemática na Neue Deutsche Schule em
Blumenau-SC – atual Escola de Educação Básica Dom Pedro II. Ele lecionou até 1917, tendo sido afastado
devido às restrições impostas, principalmente aos imigrantes alemães, na Primeira Guerra Mundial.
Posteriormente, foi diretor da Escola Alemã em Florianópolis e em Joinville, onde permaneceu até 1938.
Mudou-se para São Paulo para dirigir o 2º grau da Escola Comercial de São Paulo, permanecendo até 1942,
quando, novamente, foi afastado de suas atividades devido a Segunda Guerra Mundial (GAERTNER, 2004).
4 Antônio Bandeira Trajano nasceu no dia 30 de agosto de 1843, na cidade de Vila Pouca de Aguiar em
Portugal, iniciou sua vida escolar aos três anos de idade numa escola primária local e posteriormente, aos 12
anos, frequentou uma escola de ensino secundário em Guimarães, Portugal. Em 1857, ano de sua chegada ao
Brasil, Antônio Bandeira Trajano, aos 14 anos, tornou-se brasileiro por naturalização e trabalhou em uma
casa comercial no centro velho de São Paulo. Publicou diversas obras escolares que começaram a ser
publicadas em 1879 e foram utilizadas por muitos anos nas escolas de todo o Brasil. (OLIVEIRA, 2013)
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metodologia ativa, à ação educacional pautada nos avanços científicos da
psicologia, da biologia e da sociologia (MIGUEL, 2011, p. 135).
No que diz respeito ao ensino de Aritmética, as idéias escolanovistas podem ser
vistas nos modos como os autores dos livros analisados abordam os conteúdos, utilizam as
terminologias, apresentam e propõem exercícios e especialmente o uso das tabuadas no
ensino das operações aritméticas.
Em momento histórico anterior (meados do séc. XIX), o livro ―Elementos de
Arithmetica‖, escrito por Camillo Trinocq5 e publicado pela Livraria de Garnier Irmãos,
em 1851, o autor fazendo menção à tabuada de adição, recomendava: ―para poder-mos
fazer uma addição, devemos saber de cór as sommas que produzem os nove algarismos,
accrescentados dous a dous. Eis o que aprendemos mediante a taboada seguinte, chamada
taboada de adição‖ (TRINOCQ, 1851, p.14-15). E assim o autor procede para cada
operação elementar da aritmética. Nesta obra a memorização estava sendo bastante
privilegiada, revelando um ensino bastante memorístico e mecânico. Neste livro
percebemos um traço forte do ensino tradicional, onde o conteúdo é apresentado
primeiramente, a definição formal, exemplos e muitos exercícios sugerindo repetições o
que vem ao encontro de método centrado no conteúdo e no professor e que estimula a
memorização. Algumas décadas após a publicação deste livro, no ano de 1890, início da
Primeira República, clamava Caetano de Campos6 em discurso aos professores:
Dantes, enchia-se a cabeça do aluno com uma série interminável de
definições por meio duma instrução imbuída na memória à força de
5 Pedro Luiz Camillo Trinocq de Bruyère foi sócio do Sr. Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e
Silva, Ministro e Secretário dos Negócios do Império do segundo reinado (D. Pedro II). Infere-se por sua
influência política gozar de elevado prestígio e reconhecimento como autor de livro didático. (ANDRADE
apud COSTA, 2010)
6 Antônio Caetano de Campos (São João da Barra - RJ, 17 de maio de 1844 — São Paulo-SP, 12 de
setembro de 1891) foi um médico e educador brasileiro que foi responsável por reorganizar a instrução
pública imperial. Educador por vocação, conhecedor das deficiências do aparelho educacional da monarquia
e politicamente convencido dos benefícios da instrução, que só o regime republicano poderia proporcionar,
sacrificou seus interesses pessoais para se dedicar ao magistério. Com a Reforma que levou seu nome,
institucionalizou pela primeira vez o método defendido pelo Movimento dos Pioneiros da Educação Nova.
Foi diretor da Escola Normal de São Paulo, entre janeiro de 1890 e 1891, lançou a pedra fundamental do
prédio que levaria seu nome, onde o curso normal iniciava a mulher para o mercado de trabalho, fornecendo-
lhe alguma cultura geral sem dispensar os trabalhos manuais. (Disponível em
http://academiamedicinasaopaulo.org.br)
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repetições, tantas vezes produzidas quantas eram necessárias para que o
fato aí permanecesse. [...] Modernamente o pedagogo atua de outro
modo. Coleciona previamente os fatos que devem ser explicados,
coordena-os tacitamente em seu gabinete, numa sucessão lógica que é
muitas vezes o segredo de todo o sucesso do ensino; apresenta-os depois
à apreciação do aluno, atendendo sempre à sua capacidade atual, à sua
idade, à sua agudeza de espírito e outras condições psicológicas que ele,
professor, estuda em cada aluno.(CAMPOS apud CARVALHO, 1989,
p.28)
Pensando deste modo, segue a análise de duas obras que vem contrapor o método
tradicional e reforçar o discurso acima apresentado. A mudança dos métodos é bastante
clara e evidente nas obras, o que revela um processo de modernização que avançava no
Brasil por meio do ideário escolanovista.
A tabuada na livro didático “Arithmetica Elementar” de George Büchler
A obra ―Arithmetica Elementar‖ – Livro 1, surge em um contexto particular na
educação do Brasil, é tempo de Escola Nova. Uma época em que existem outras
preocupações com o ensino (o de aritmética, em particular), pois a centralidade da
aprendizagem que antes estava fixada no conteúdo e no professor vai centrar-se no aluno,
uma das características do movimento da Escola Nova.
A obra, de autoria de Georg August Büchler, data do ano de 1919 e se subdivide em
vinte e cinco lições que apresentam temas diversos e um capítulo específico com notas
para o professor.
O autor percorre um caminho de exposição do conteúdo, construindo o conceito de
tabuada a partir de coisas do cotidiano do aluno. Observa-se que, na décima oitava lição da
obra, que autor aborda o conteúdo de multiplicação por meio do tema "as roseiras", onde
descreve uma situação que pode dar ideia de multiplicação por meio de uma história de um
jardineiro que realiza viagens e em cada viagem ele transporta duas roseiras.
Entende-se que por este processo que o autor estaria inserindo este conteúdo de
modo que o aluno pudesse compreender a aritmética por meio de uma situação prática,
onde a memorização viria num segundo momento. Os problemas presentes colocam a
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criança dentro de um contexto e fazem-na pensar de modo mais intuitivo e menos
memorístico.
Após o anúncio de uma problemática por meio de um tema relacionado ao
cotidiano do aluno e tê-lo feito raciocinar de modo analítico, o autor introduz a
multiplicação formal e incita o aluno a memorizar da mesma maneira, mas de uma forma
mais sutil:
2. A gente quando quer escrever: duas vezes, escreve assim: 2 x. Como
vocês devem lêr isto: X? Com que se parece esse signal? (cruz cahida)
Leiam o que vou escrever: 1 x 2, 3 x 2, 5 x 2, 2 x 2, 4 x 2. (BUCHLER, p.
138)
A memorização nesta obra está aliada a compreensão. Os conteúdos são
integralmente apresentados sem perder sua essência e rigor, porém há uma preocupação
maior com a compreensão, característica que vem perpassar as ideias pedagógicas que
vinham sendo introduzidas no Brasil em movimentos de renovação do ensino, em que o
ensino ativo e intuitivo ganha mais espaço na escola primária e de modo especial nos
livros em análise.
Nessa mesma lição apresenta a ideia da constituição da tabuada do número 2, a
partir da atividade prática, orientando o professor a chamar 10 alunos e distribuir 2
pauzinhos a cada um desses alunos. Em continuidade, coloca algumas perguntas chave que
conduzem a um raciocínio de análise em torno da atividade em questão:
5. Chame 10 alumnos! Olhem, eu dou 2 pausinhos a cada um delles.
Quantos 2 eu distribui? Quantos pausinhos são 10 dois? Por quantos
alumnos distribiu os pausinhos? Quantos tem cada alumno? Venham
agora, um por um, collocar os pausinhos sobre a meza. [4] Vou contar
mais uma vez: 0 . . . 2, 4, 6, 8, 10, ... 12, 14, 16, 18, 20. [Repetir] Venham
os mesmos alumnos, um por um, tirar 2 (dos 20 que estão sobre a meza).
[5] Vou contar mais uma vez: 20 . . . 18, 16, 14, 12 . . . 10, 8, 6, 4, 2, 0.
Decorar 0 . . . 2, 4, 6, 8, 10 . . . 12, 14, 16, 18, 20. 20 . . . 18, 16, 14, 12 . .
. 10, 8, 6 , 4, 2, 0. (BUCHLER, 1919, p. 158)
Procedendo da mesma maneira, apresenta a ideia da constituição da tabuada do
número 4:
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Figura 1. Construção da Tabuada do 4 (BUCHLER, 1919, p.160)
Nos exercícios da lição XXI, a súmula apresenta o tema: 1 x 3 até 10 x 3; 1 x 4 até
10 x 4. A ideia da tabuada do número 3 surge da seguinte prática: ―Quantos 3 póde tirar de
9, 18, 27, 12, 15, 6, 21, 24? Quantos 3 ha em 30, 15, 21, 9, 6, 12, 24, 18, 3?‖ (BUCHLER,
p.175). Nos exercícios de mais quatro lições, um método similar é utilizado para
desenvolver as demais tabuadas.
Nas notas ao professor XXIV e XXV observa-se:
5. Sendo esta a taboada mais difficil, convem repetir constantemente as
seguintes igualdades que mais facilmente podem ser retidas na memória.
3 x 7= 21, por conter a 1ª unidade da 3ª dezena.
5 x 7 = 35, por conter 5 no princípio e no fim.
7 x 7 = 49, repetição de 7 e penúltima unidade da 5ª dezena.
8 x 7 = 56, por conter a série 8, 7, 6.
As outras igualdades da taboada podem ser desenvolvidas das citadas.
(BUCHLER, p.228)
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Nos exercícios descritos é possível observar que a ideia de tabuada, presente na
obra, do autor se configura nos dois métodos utilizados para defini-la, ou seja, um método
explicativo, presente nas lições de ensino e um método de memorização, articulado a uma
prática, de exercitação, aspectos que indicam uma reivenção da tabuada do tradicional
ensino memorístico e repetitivo.
As tabuadas em "Aritmética Elementar" (1922) de Antônio Trajano
A obra de Trajano, recomendada no Paraná por indicação da Congregação do
Gymnasio Paranaense e Escola Normal no programa das escolas primárias, extraído do
Regimento Interno das Escolas Públicas do Estado do Paraná de 1903, ao introduzir as
operações elementares de aritmética em seu primeiro capítulo, apresenta uma imagem de
uma cena rural, de onde seria o ponto de partida para que o aluno começasse a pensar a
matemática nas coisas que são de seu cotidiano.
Figura 2. Cena de ilustração na introdução das operações elementares (TRAJANO, 1922,
p.15)
Esta cena denota a realidade brasileira daquele tempo, onde no pátio de uma escola
dirigida pela igreja, estão os alunos a fazer experimentações por meio dos jogos e
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brincadeiras. Ao que tudo indica, a cena reforça a presença do método intuitivo nas escolas
em transição para o movimento escolanovista.
Para Oliveira (2013), ao analisar essa questão presente na 12ª edição da obra
Arithmetica Primaria desse mesmo autor, relata que esta representação teve a finalidade de
ser incorporada como sendo parte de um procedimento metodológico. Assim ele explica:
[...] foi utilizada como um dos postulados do método intuitivo: o uso da
ilustração como dispositivo didático, para exercitar o princípio da
conversação – o professor pergunta e o aluno, observando, responde. O
método de ensino intuitivo propunha que a criança aprendesse de modo
com que ela fizesse uso dos sentidos, da intuição e/ou da reflexão em
contato com as coisas, podendo esse contato ser real ou representativo.
(OLIVEIRA, 2013, p.103)
No que diz respeito à operação de multiplicação, esta obra apresenta uma série de
termos que apesar de estar distante do vocabulário do aluno, contempla a definição da
operação em estudo: "Multiplicar números inteiros é repetir um número tantas vezes,
quantas são as unidades do outro". O autor explica que: "O número que se multiplica,
chama-se multiplicando; o número pelo qual êste se multiplica, chama-se multiplicador; e
o resultado da multiplicação chama-se produto‖ (TRAJANO, 1922, p.27) . Em seguida,
apresenta o sinal de vezes (x) como símbolo para esta operação. Apesar das características
de um ensino tradicional, em momento algum o autor menciona que a tabuada deve ser
memorizada ou mesmo que a criança precise decorar qualquer definição ou quadro
multiplicativo, pois na composição dos métodos que estão presentes nesta obra, o autor
está privilegiando método analítico, onde apresenta um quadro chamado "Tábua de
Pitágoras", que é um recurso que dá o mesmo resultado das tabuadas por meio de
processos mais intuitivos.
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Figura 3. Tábua de Pitágoras (TRAJANO, 1922, p. 26)
De acordo com (PINHEIRO, VALENTE, 2015), essa tábua de Pitágoras7, presente
nessa obra, é um representação da ruptura de um ensino anterior, calcado na memorização,
que naquele instante se muda, por meio de um novo dispositivo que se põe em função do
ensino desse saber. Os saberes são os mesmos, não mudam. O que se verifica em si são os
métodos e modos de ensino, certamente apropriados de novos ideários que os autores de
livros usam como fonte. Para esses autores:
Na tentativa de analisar a emergência de uma nova vaga pedagógica – a
do chamado ensino intuitivo –, surge a necessidade de interrogar como
essa nova proposta caracteriza o ensino que deseja substituir. E, nesse
ponto, cabe ponderar que certamente não constitui originalidade afirmar
que a emergência do novo, de uma nova proposta didático-pedagógica,
ocorre a partir de uma leitura do passado. Considerando uma dada
representação dele – desse passado –, nasce o antigo. No contraponto
com a representação do passado, do antigo, afirma-se o novo, num
embate, numa luta de representações. (PINHEIRO, VALENTE, 2015, p.
23)
7 O quadro acima, publicado no livro Arithmética Elementar Illustrada, trata-se de um quadro disseminado
pelos manuais didáticos – os textos de Monteverde – que contém ―todos os resultados da multiplicação de
cada um dos números, desde 1 até 9, por cada um dos mesmos números‖. Além disso, ―o modo de formar
essa tabuada é muito simples: escreve-se na primeira linha 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9. A segunda linha forma-se
dobrando os nove números da primeira. A terceira triplicando-os, e assim por diante até a nona linha‖
(MONTEVERDE apud PINHEIRO, VALENTE, 2015, p.24)
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Vale ressaltar que para esses autores, a tábua de Pitágoras não abandona a
memorização da tabuada, mas classifica-a como "um dispositivo da tradição para aprender
a calcular de cor". Ainda verificamos que, muitos exercícios nesse livro, bem como a
Tábua de Pitágoras é dada de modo incompleto, para que o aluno, por si só, faça suas
descobertas, um forte traço do ensino intuitivo.
Após esta exposição, o autor apresenta alguns problemas ligados ao cotidiano da
criança, como por exemplo:
Figura 4. Problema de Multiplicar. (TRAJANO, 1922, p. 27)
Apresenta em seguida uma série de "exercícios de aplicação" direta, onde o aluno
deveria então desenvolver na prática o conceito de tabuada por meio de problemas. Estes
problemas estão bastante voltados para noções de comércio, onde a prática também se
fazia presente no ensino de aritmética. Os temas são os mais diversos: flores, cavalos,
tecidos, frangos, dinheiro, economia doméstica, etc.
Considerações finais
Choppin (2004), no seu estudo sobre os livros didáticos, diz que este elemento
exerce quatro funções fundamentais que podem variar consideravelmente segundo o
ambiente sociocultural, a época, as disciplinas, os níveis de ensino, os métodos e as formas
de utilização. Ele intitula estas funções como: função referencial, função instrumental,
função ideológica e cultural e função documental. Segundo ele, o livro didático:
[...] põe em prática métodos de aprendizagem, propõe exercícios ou
atividades que, segundo o contexto, visam a facilitar a memorização dos
conhecimentos, favorecer a aquisição de competências disciplinares ou
transversais, a apropriação de habilidades, de métodos de análise ou de
resolução de problemas (CHOPPIN, 2004, p. 553)
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O livro didático tem um importante papel na constituição de uma cultura escolar e
constitui um elemento importantíssimo como fonte de pesquisa em história da
educação. Para Corrêa:
Testemunhos de conteúdos de naturezas diversas no que tange a valores
morais, éticos, sociais, cívicos e patrióticos, os livros escolares que
serviram de guia para professores e alunos ainda têm muito a ser
desvendado. Desvendá-los requer que se tomem em consideração dois
aspectos: primeiro, tratar-se de um tipo de material de significativa
contribuição para a história do pensamento e das práticas educativas ao
lado de outras fontes escritas, orais e iconográficas e, segundo, ser
portador de conteúdos reveladores de representações e valores
predominantes num certo período de uma sociedade que,
simultaneamente à historiografia da educação e da teoria da história,
permitem rediscutir intenções e projetos de construção e de formação
social. (CORRÊA, 2000, p. 11).
Certamente, o papel do livro didático nesse período, vem representar a força com
que o crescimento econômico do país avançava, onde fazia-se necessário existir material
apropriado que desse conta de formar o cidadão, de modo a bem prepara-lo para o mundo
do trabalho. Nesse caso, o ensino de aritmética estava imbricado com as noções da vida
prática, onde a memorização fazia-se necessária, porém com mais compreensão do que em
momentos históricos anteriores. Tal representação, nesse caso, advém das ―práticas que
visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no
mundo, significar simbolicamente um estatuto e uma posição.‖ (CHARTIER, 1990, p.23).
Podemos pensar ainda, de acordo com Valdemarin (2006), que nesse período de
estudo onde fortemente nas primeiras décadas do século XX, há uma presença forte do
método intuitivo, onde o livro didático passa a ser menos utilizado para que os materiais
didáticos ganhem espaço na aprendizagem dos alunos. Esses materiais eram caixas para
ensinos das cores e das formas, gravuras, coleções, objetos variados de madeira, aros,
linhas, papeis, etc., instrumentos tais que vinham tirar o ensino alicerçado exclusivamente
na memória e na repetição dos saberes. Os livros então se tornam menos essenciais para o
aluno, porém muito mais ao professor. Pois eram nesses manuais didático-pedagógicos era
onde o professor buscaria toda a concretização proposta para esse novo ensino em vigor
nas escolas brasileiras. Dessa forma, justifica-se a proliferação desses materiais nesse
período.
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O livro didático tem um importante papel na constituição de uma cultura escolar.
Para PINTO (2009, p.62), ao propor um modelo ordenado de interpretação, está sujeito a
múltiplas formas de leitura, reformulações, deslocamentos e distorções, dada a recepção
inventiva de seus usuários. O uso do livro didático é uma prática que constrói significados,
assim, analisando a obra, desses autores, através da descrição dos textos, dos exercícios e
das notas ao professor, é possível atribuir um significado para a ideia de tabuada
desenvolvida com a utilização desses manuais didáticos.
Pode-se verificar a inserção da obra ―Arithmetica Elementar‖ nesse contexto
e o alcance dessa obra nos comentários de Costa:
O professor que puder compreender e seguir o processamento indicado
nessa ―Arithmetica Elementar‖, ha de verificar as enormes vantagens do
ensino assim encaminhado. Aliás é o que se está passando nas escolas
públicas daqui [Ceará] onde uma plêiade de abnegadas professoras
realiza a reforma do ensino nos moldes modernos, debaixo da orientação
esclarecida do Prof. Lourenço Filho, que adoptou o livro de Büchler.
(COSTA, 1923, p.661).
Pela História Cultural foi possível perceber que a riqueza está no detalhe, por isso
escrever sobre um aspecto tão particular da aritmética, a tabuada, é tão importante. As
pesquisas bibliográficas e documentais permitiram aprofundar os conhecimentos e
desvendar uma parte desse detalhe – a tabuada de multiplicação.
O conceito de tabuada é construído por Georg August Büchler na obra ―Arithmetica
Elementar‖ – livro 1 utilizando-se de histórias que revelam um cotidiano (do início do
século XX) e que se apresentam em formas de lições visando construir uma ideia de
multiplicação dos números e, posteriormente, de tabuada, nesse contexto.
Nesse sentido, Costa (1923, p.659) ao comentar essa obra expressa sua opinião
acerca do ensino de matemática: ―Dest’arte se infere que o ensino da matemática deve ser
concreto em sua origem. A observação das cousas é o início de toda abstracção‖. E isso se
faz presente na obra, inclusive em seu prefácio, quando o autor cita uma frase atribuída a
Pestalozzi: ―a observação é a base absoluta de todo o conhecimento‖. O livro Arithmetica
Elementar ensina pela realidade.
As análises dos livros mostram que as tabuadas foram apropriadas pelos autores de
forma diferenciada, porém, já trazendo avanços em relação ás práticas anteriores que
recomendavam sua memorização, sem estimular a criança para a compreensão do processo
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Sobre o que tratam os Manuais Escolares? Natal – Rio Grande do Norte, 21 a 23 de março de 2016
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da operação a ser realizada. Características que remetem a uma renovação do método de
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