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ASPECTOS DIDÁTICOS METODOLÓGICOS NA CONFIGURAÇÃO DOS
SABERES MATEMÁTICOS PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR
PRIMÁRIO (1920 A 1980)
A formação de professores convive com intenso debate a respeito dos saberes que
devem se constituir referência para o preparo dos futuros professores. Tais saberes
oscilam ora em uma ênfase mais disciplinar, comprometida em ofertar aos professores
um “acúmulo significativo de conteúdos” como garantia de uma prática eficaz, ora vê-
se uma perspectiva denominada de profissional, com a contribuição significativa da
ciência da educação, sobretudo com a ênfase nas contribuições da didática
(HOFSTETTER&SCHNEUWLY, 2009). Os trabalhos que compõem o painel proposto
revelam um deslocamento progressivo dos saberes matemáticos de referência para o
professor primário, no período de 1920 a 1980, saindo de uma ênfase da matemática
devedora ao campo disciplinar que lhe dá origem, para saberes matemáticos que se
alteram com o impacto dos saberes didático-metodológicos, uma formação que se
configura segundo a lógica de uma matemática para ensinar. Tais estudos buscam
fundamento no diálogo com a história da educação que nos auxilia a compreender de
certa maneira o cenário no qual as transformações analisadas se desenrolam; orientados
por um referencial teórico-metodológico com os estudos de cultura escolar e História
das disciplinas escolares (CHERVEL, 1990), os quais nos auxiliam a compreender a
economia interna da escola, com relativa autonomia inclusive para a produção de novos
conhecimentos, contra uma visão de que a didática é um mero lubrificante para tornar
os conhecimentos matemáticos ensináveis.
Palavras-chave: Formação de Professores, Saberes Matemáticos, História da Educação
Matemática.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
657ISSN 2177-336X
DOS SABERES MATEMÁTICOS DISCIPLINARES NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PRIMÁRIOS AOS SABERES
MATEMÁTICOS ESCOLARES COMO OFÍCIO (1920 A 1940)
Martha R. I. Santana da Silva
Universidade Federal de São Paulo
RESUMO
Nos debates relativos à formação de professores a questão dos saberes de
referência é tema central, estes oscilam entre uma oferta de saberes a ensinar e saberes
para ensinar, a investigação dos saberes matemáticos para a formação de professores
não passa ileso dessa oscilação. Considera-se, portanto, uma organização curricular
(entre os anos de 1920 a 1940) que compreende a existência de uma matemática
ofertada aos futuros professores de caráter disciplinar, a qual estava vinculada ora à
matemática como disciplina, ora às ciências da educação, produtoras das metodologias
do ensino de matemática, ou das didáticas especiais desta. Frente a essa estrutura, as
demandas de uma matemática escolar, com suas especificidades. O currículo do
Instituto de Educação do Rio de Janeiro, portanto, materializa as aspirações por uma
formação na qual os saberes matemáticos mobilizados estejam em acordo com as
demandas da escola primária.
Palavras-chave: Formação de professores; saberes matemáticos, Instituto de
Educação.
INTRODUÇÃO
O movimento escolanovista trouxe para o cenário educativo as contribuições de
uma ciência em processo de ascensão, a ciência da educação a qual, dentre outras
coisas, refutava a Pedagogia Clássica, de base filosófica para dar lugar aos
conhecimentos médico-pedagógicos, sociológicos e estatísticos no trato das questões
educacionais (MONARCHA, 2009).
Nesse sentido, foi se configurando uma formação de professores em termos
disciplinaresi (ora influenciados por uma lógica dos saberes a ensinar, ora dos saberes
para ensinar) para exercer o seu ofício em termos de matérias de ensino.
Explicitaremos, a seguir, o esquema de análise com o qual temos caminhado para a
investigação dos saberes matemáticos envolvidos na formação de professores.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
658ISSN 2177-336X
Em primeira instância, cumpre afirmar a existência de uma matemática ofertada
aos futuros professores de caráter disciplinar, a qual estava vinculada ora à matemática
como disciplina, ora às ciências da educação, produtoras das metodologias do ensino de
matemática, ou das didáticas especiais desta. Os trabalhos de Hofstetter & Schneuwl
(2009) e Borer (2009) têm nos auxiliado na construção de um esquema de análise que
leve em conta o currículo das escolas de formação, demonstrando as variáveis
envolvidas na constituição deste currículo. Historicamente a questão dos saberes está no
centro dos debates relativos à formação de professores, ficando sempre em evidência a
luta pela definição de quais os saberes de referência para o exercício dessa profissão
(BORER, 2009).
Borer (2009) analisa a estrutura da formação do professor primário e secundário
suíço, classificando os conteúdos que os configuram como sendo conteúdos do campo
profissional: aqueles que vão garantir a especificidade da formação de professores, ou
os chamados saberes para ensinar; e os conteúdos ou saberes do campo disciplinar os
quais estão relacionados aos saberes a ensinar. A autora analisa os jogos presentes na
configuração da formação destes dois níveis do ensino, tendo em vista as duas naturezas
de conteúdos nas quais eles oscilam.
Quando das primeiras iniciativas pela formação de professores, tanto do professor
primário quanto do professor secundário, os saberes de referência eram de caráter
disciplinar, os conteúdos da formação eram os conteúdos que seriam ensinados na
escola, aliada a uma significativa formação geral. Em fins do século XIX o
desenvolvimento das ciências da educação impulsionou a preocupação com o aluno,
como ele aprende, métodos de ensino etc., essas inquietações deram margem à inclusão
de disciplinas de conteúdo profissional, inicialmente, tanto para a formação de
professores primários como secundários (BORER, 2009).
Entretanto, a formação do professor primário, na Escola Normal, de nível médio,
viveu continuamente o dilema da oferta de um conteúdo disciplinar ligado aos saberes a
ensinar e um conteúdo disciplinar profissional oriundo das ciências da educação. Os
conteúdos profissionais, mesmo com o impacto causado pelos discursos científicos,
tiveram sua oferta comprometida quando ofertados na formação Normal de nível médio,
seu espaço no currículo fora considerado satisfatório apenas quando ofertado em nível
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superior, quando conquistaram o status de saberes de referência na formação de
professores (a exemplo dos Institutos de Educação que serão mencionados
posteriormente). Tais realidades são comuns nos contextos suíços, franceses e
brasileiros (TANURI, 2000; BORER, 2009; GRANDIÈRE, 2010).
Os esquemas de análise para a compreensão dos saberes que configuram a
formação de professores esquematizados até aqui nos auxiliam na investigação dos
jogos envolvidos no movimento que estamos assumindo como sendo da transformação
dos saberes matemáticos ofertados na formação de professores, de conteúdo
disciplinar, a matéria, um conteúdo matemático com o qual os futuros professores se
deparavam a partir da realização da prática de ensino, ou estágios.
O lócus que estamos privilegiando na análise aqui esboçada é o Instituto de
Educação do Rio de Janeiro (IERJ), à época Distrito Federal. Essa instituição
materializou a partir do ano de 1932, as aspirações pela elevação da formação de
professores do nível médio, com as Escolas Normais, ao nível superior, (a mesma
situação ocorreu com o IE de São Paulo). Lourenço Filho juntamente com Anísio
Teixeira implementaram audaciosas inovações na formação de professores ampliando a
oferta de disciplinas pertencentes às ciências da educação, excluindo do currículo
aquelas disciplinas de formação geral (PINTO, 2006).
Na proposta de formação de professores no IERJ os saberes matemáticos
ofertados sofreram significativas transformações, sobretudo quando comparados à
tradição na formação de professores, até às primeiras décadas do século XX, e ao que
continuava sendo ofertado nas Escolas Normais, as quais não tinham sido extintas com
o estabelecimento dos IE‟s.
As transformações operadas no IERJ dizem respeito a um deslocamento dos
saberes matemáticos ofertados distanciando-se do campo disciplinar que lhes davam
origem, a saber, a Matemática; com o novo modelo instaurado no IERJ o saber de
referência deixa de ser um saber a ensinar e passa a ser um saber para ensinar.
Vejamos, por exemplo, como estava organizado o currículo dessa instituição: Seção de
Biologia educacional; de Psicologia e Sociologia Educacional; História e Filosofia da
Educação; Matérias do Ensino Primário nas quais eram estudadas de “per si”: Cálculo,
Leitura e Linguagem, Literatura Infantil, Ciências Naturais e Estudos Sociais; Seção de
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Desenhos e Artes; de Música e a seção de Educação Física. Quanto a esta forma de
organizar o currículo Lourenço Filho afirma que tratavam-se de “dois anos de estudos,
os quais, como já dissemos, versam tão sómente disciplinas que importem á formação
profissional” (LOURENÇO FILHO, 1934, p. 20).
Os saberes matemáticos do currículo do IERJ eram contemplados no componente
formativo denominado Cálculo, pertencente à seção Matérias do Ensino Primário.
Apesar da denominação, esta disciplina se ocupava do tratamento dos métodos e da
didática desse saber matemático, não havia previsão do estudo dos conteúdos, estes
seriam abordados em função dos métodos estudados. Escrevia a professora responsável
pela disciplina de Cálculo que era necessário ter os professorandos “Domínio perfeito
dos conhecimentos de Cálculo constantes do programa da escola primária” (SOUZA,
1937, p. 323) revelando que este não seria o espaço para a aprendizagem dos conteúdos.
A questão que se discute aqui, entretanto, leva em conta o significado presente na
pretensa tensão existente entre a teoria e a prática, nos limites que ganham evidência
com relação aos saberes matemáticos para ensinar e os saberes matemáticos
mobilizados pelos professorandos ao ingressarem nas salas de aula.
Futuros professores ou mesmo professores, ao realizarem a prática de ensino, seja
como estagiários ou como os dirigentes de classes põem em suspeição a validade,
autoridade ou pertinência dos saberes teóricos mobilizados para formá-los. Nesse
processo evidenciam-se as aparentes tensões resultantes da equação conteúdos e
métodos; teoria e prática.
Este momento formativo, a prática de ensino, ou estágios foi analisado por
Lourenço Filho, uma importante referência no cenário educacional brasileiro e
principalmente na formação de professores, sobretudo por ter sido normalista de
formação, professor de Escola Normal, professor e diretor do IERJ etc. Ainda em 1922
foi publicado na Revista de Educação o programa da disciplina Prática Pedagógica da
Escola Normal de Piracicaba, a qual tinha Lourenço Filho como professor e membro da
comissão de redação da revista, representando a Escola Normal. (REVISTA DA
EDUCAÇÃO, 1922).
A Revista de Educação de Piracicaba tinha como público principal os normalistas
de maneira que privilegiava publicações “...que visarem o aperfeiçoamento da maneira
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de ensinar as disciplinas do curso primário, complementar e normal” (REVISTA DA
EDUCAÇÃO, 1922). Nessa revista foi publicado o programa de Prática Pedagógica,
assinado por Lourenço Filho. Passemos então a considerar a proposta dessa disciplina
no curso de formação de professores primários.
A disciplina Prática Pedagógica era ofertada a partir do segundo dos quatro anos
de formação, dentre os objetivos apontados no programa estava o de possibilitar aos
futuros professores o conhecimento da atividade escolar, por meio da observação de
classes primárias. É necessário assinalar que essa experiência se iniciava antes mesmo
que os professores tivessem contato com as disciplinas de Psicologia aplicada à
educação e Pedagogia, disciplinas do terceiro e quarto ano, a intenção era pôr os alunos,
antes de tudo, em contato coma escola. (LOURENÇO FILHO, 1922, p. 50).
No segundo ano a disciplina Prática Pedagógica era ofertada duas vezes por
semana, uma média de sessenta aulas anuais, das quais dez eram de orientação e
cinquenta de observação nas classes. O período de observação era realizado em grupos-
modelo, a proposta então era favorecer espaço para apreender práticas pedagógicas
ideais. Era objeto de observação também o uso de materiais como: mapas, gravuras,
quadro negro, contadores, livros seguidos da sentença “Até que ponto podem ser
concretizadas todas as noções do ensino primário...” (LOURENÇO FILHO, 1922, p.
51).
No terceiro ano a Prática Pedagógica era ofertada três vezes na semana, uma
média de noventa aulas por ano, das quais quinze eram de orientação e setenta e cinco
de observação e experimentação. Nesse momento as futuras professoras já tinham
também disciplinas de psicologia geral e aplicada à educação e anatomia humana, o
que, segundo a concepção que regia o programa, possibilitava mais elementos para a
realização das observações, compreender a necessidade dos métodos de ensino,
norteados pelo objetivo de responder à questão A QUEM SE ENSINA “... e o faz
iniciando os praticantes na compreensão da necessidade do „método‟” (LOURENÇO
FILHO, 1922, p. 52).
Ao propor como objetivo da observação a questão “a quem se ensina” Lourenço
Filho apresenta dois tópicos Criança e Aluno, ele os separa, em um período em que os
termos começam a se confundir. As reflexões oriundas da psicologia educacional
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inauguraram discursos sobre o corpo da criança, sua estrutura, funcionamento,
estabelecendo etapas do seu desenvolvimento etc. Esses discursos produziam, ao
mesmo tempo, o corpo do aluno. O movimento que auxiliou a espalhar a educação
escolarizada tornou a criança praticamente sinônimo de aluno, fazendo dela um sujeito
de direito, do direito à escolarização. (FREITAS, 2009).
O programa do terceiro ano apresenta então “As especificidades com relação à
criança” e as especificidades com relação ao aluno, explicitando aspectos referentes a
este último, enfatizando a importância da inteligência atenta, visto tratar-se de um
regime escolar científico o qual era, necessariamente, metódico, para tanto importava
que o professor aprendesse, pela observação, como se estimula e mantém a atenção da
criança e o interesse (LOURENÇO FILHO, 1922).
A atenção, elemento vinculado ao ensino simultâneo: “Na organização do ensino
simultaneo, que é o normal nas escolas publicas, ha formas e modos compatíveis com o
bom exercício da atenção; como devem ser aplicados” (LOURENÇO FILHO, 1922, p.
52). É significativo considerar essa perspectiva, com acento na necessidade da atenção.
A uma atenção que não é a mesma requerida de um ambiente no qual se concebia a
heterogeneidade dos níveis dos alunos nas classes, como era organizada a escola antes
do estabelecimento do método simultâneo, em um ambiente com diferentes níveis de
aquisição dos conhecimentos escolares eram diferentes também os tempos de ensino.
A ênfase dada a atenção se justifica no fato de que aa organização do ritmo das
classes, das quais o quadro negro passa a ser um dispositivo que materializava a
simultaneidade dos tempos de aprender, não se concebia mais um ensino individual, no
qual crianças com diversas faixas etárias poderiam estar, também, com lições, ou seja,
níveis de escolaridade diferentes (FREITAS, 2009). A atenção requerida no modelo de
ensino no qual os professores se ocupavam individualmente dos alunos, dando-lhes
lições que variavam com o avanço de cada um, era diferente da atenção requerida em
um modelo escolar que impunha um mesmo tempo e ritmo para todos em uma classe.
Estudo prático do ambiente e do regime escolar. A prática pedagógica no quarto
ano levava em conta a formação teórica “acumulada” até este ponto pelo estudo das
disciplinas de psicologia aplicada à educação e pedagogia experimental: “... os alumnos
se exercitam a dar aulas, applicando conscientemente os preceitos da methodologia
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especial de cada disciplina”. (LOURENÇO FILHO, 1922, p. 54). As duas questões que
norteavam o estudo prático eram: “QUE SE ENSINA? e COMO SE ENSINA?”, como
já assinalado até aqui, vão se constituir preocupações estruturantes da formação de
professores, parâmetros sob os quais oscilarão os saberes de referência do currículo das
Escolas Normais, Institutos de Educação etc..
O quarto ano da prática pedagógica se orientava pela seguinte subdivisão a
Metodologia Geral e a Metodologia especial. A metodologia geral propunha pontos a
serem verificados ligados à organização de uma classe, contemplando aspectos como a
avaliação da integridade física dos alunos, acuidade auditiva e visual, medidas,
qualidade do ambiente da classe, os horários e os programas, em conexão com a
Pedagogia Experimental (LOURENÇO FILHO, 1922, p. 55).
A metodologia especial estava relacionada às orientações didáticas, subdivididas
em metodologia especial de diversas matérias, dentre elas o aprendizado da leitura, da
leitura oral, da linguagem oral, da linguagem escrita, do cálculo (aritmética)
(LOURENÇO FILHO, 1922, p. 55).
Juntamente com a prática pedagógica no quarto ano os alunos tinham também as
disciplinas de pedagogia experimental, aliada às demais disciplinas de cunho
pedagógico eles recebiam o arcabouço teórico, científico “... verificam primeiramente
que é que se faz e como se faz, para depois fazerem elles próprios” (LOURENÇO
FILHO, 1922, p. 56). A Pedagogia experimental tratava questões mais gerais, relativas
aos métodos, dentre eles o ensino ativo “a noção do methodô didactico único” (sem
especificar do que se trata), conhecimentos fundamentados nas contribuições da
psicologia aplicada à educação.
A disciplina Prática Pedagógica pressupunha o estreitamento da relação teoria e
prática, acreditava-se que o conhecimento do ambiente escolar por meio da observação
metódica auxiliaria os futuros professores, diminuindo o fosso entre as teorizações e
prática real: “Passa então a se exercitar na arte de ensinar, guiado pelo regente da
Pratica, sem grandes surprezas nem desilusões” (LOURENÇO FILHO, 1922, p. 57).
Como funcionava então a disciplina de metodologia especial? Essa disciplina
visava apresentar as metodologias das matérias a serem ensinadas no ensino primário,
elas eram expostas por meio de aulas modelos, ou as denominadas “aula-typo” pelo
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regente de Prática de ensino. Aos professorandos cabia a organização de planos para
serem executadas em cada ano dos grupos-modelos, os quais eram avaliados pelos
professores antes de serem executados.
A methodologia do cálculo, ou aritmética estava proposta da seguinte forma:
O ensino do calculo deve ser, a principio, todo concretizado. Recursos do
material didactico, em uso. Banimento absoluto da decoração inconsciente de
taboadas. Como se ensina a numeração escripta. Uso dos quadros de Parker.
Marcha do ensino, e possibilidade da sua objectivação em todas as lições
onde o alumno o exija. O calculo como fator da logicidade (LOURENÇO
FILHO, 1922, p. 55).
Os alunos ministravam uma média de cinquenta aulas por ano, o que correspondia
a uma aula de cada matéria, em cada classe da Escola Modelo (LOURENÇO FILHO,
1922, p. 57). Lourenço Filho afirma que o programa apresentado por ele, para a Prática
Pedagógica, havia sido executado com êxito no ano anterior.
Lourenço Filho era um defensor de uma formação de professores de natureza
profissional, muito provavelmente pelo envolvimento que possuía na prática, como
também, por ter sido um dos importantes representantes do movimento escolanovista no
Brasil, movimento que impulsionou, de uma vez por todas, a configuração de uma
proposta educacional que não pôde ignorar o sujeito que se educa, suas especificidades,
o método eficaz para a sua aprendizagem etc.
É válido, entretanto, considerar alguns aspectos, da realização da Prática de ensino
no Instituto de Educação do Rio de Janeiro (IERJ), instituição modelar, assim com o
Instituto de São Paulo, as duas primeiras iniciativas de formação de professores no nível
superior do Brasil. Uma publicação de Lourenço Filho na revista Arquivos do Instituto
de Educação divulgava o modelo de formação adotado no Rio de Janeiro, onde o autor
atuava como diretor da instituição. Em sua publicação Lourenço celebrava o fato de ter
se institucionalizado uma formação profissional, experimental, cientificamente
fundamentada (LOURENÇO FILHO, 1945).
A formação de professores do IERJ estava organizada em disciplinas de
fundamentos da educação, disciplinas ligadas aos conteúdos que seriam ensinados no
ensino primário as quais deveriam confluir para a realização da Prática de Ensino, fim
da formação de professores. Lourenço Filho afirma que a realização da Prática de
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Ensino, ao final dos estudos das professorandas acontecia quando estas já haviam tido
contato com as Matérias de Ensino e com as matérias de fundamentos da educação
proporcionando a relação teoria e prática (LOURENÇO FILHO, 1934; 1945).
É válido, portanto, destacar que em 1934, mesmo ano de publicação do artigo de
Lourenço Filho, no qual o autor destaca os progressos da Escola de Professores do IERJ
os professorandos dessa instituição responderam a um Inquérito sobre a disciplina,
Prática de Ensino, a qual possuía uma proposta parecida com o programa publicado por
Lourenço da disciplina Prática Pedagógica em 1922 (analisado anteriormente), ou seja,
tratava-se de um componente formativo no qual o futuro professor primário realizava
sua experiência nas Escolas Anexas ao IERJ como observador, auxiliar e dirigente de
classes primárias.
O Inquérito de 1934 é um documento que nos concede informações privilegiadas,
visto que as suas questões são dirigidas a futuros professores, em formação no IERJ,
avaliando a sua experiência de Prática de Ensino à luz de um arsenal de orientações que
envolviam os métodos de ensino amplamente propagados à época, como modernos; os
modelos de escola e de alunos; os materiais necessários para uma boa prática, e etc.
(PINTO, 2006).
No IERJ a prática de ensino era realizada no último ano de formação, quando as
futuras professoras já haviam cursado as matérias de fundamentos da educação como
biologia, psicologia, e a maior parte das matérias de ensino: Cálculo, Leitura e
Linguagem, Ciências Sociais e Ciências Naturais (LOURENÇO FILHO, 1945). O
referido inquérito estava organizado em seis questões nas quais os professorandos
deveriam avaliar basicamente a estrutura da disciplina Prática de Ensino em relação à
formação teórica, principalmente daquela ofertada nas matérias de ensino de Cálculo,
Linguagem, Ciências Naturais e Estudos Sociais.
Os professorandos avaliaram a experiência de Prática de ensino explicitando as
suas dificuldades e potencialidades em relação a cada matéria que precisavam ministrar.
Chama-nos atenção, a avaliação com relação à pertinência do que foi ensinado na
disciplina matéria de ensino de Cálculo, dos sete questionários respondidos quatro
professorandos afirmaram a necessidade desta disciplina estar mais próxima da Prática
de Ensino, julgando os seus conteúdos muito teóricos. Quanto aos saberes a ensinar,
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alguns alunos reclamaram a necessidade de se reservar na formação espaço para o
estudo dos conteúdos de cálculo para o ensino primário; foi também sinalizada a
dificuldade com relação ao trato metodológico dos conteúdos de cálculo, afirmando que
as vezes conheciam o conteúdo mas não sabiam ensiná-lo (SILVA, 2015).
Nesse sentido é forçoso considerar a preocupação de personagens como Anísio
Teixeira e o próprio Lourenço Filho em relação à necessidade de que a formação de
professores ofertada no IE estivesse diretamente ligada ao conteúdo previsto para o
Ensino Primário, considerar esses dois personagens é significativo visto ser o primeiro,
responsável pela organização do IERJ e o último, diretor dessa instituição (PINTO,
2006). Quanto ao bom andamento da disciplina Prática de Ensino em relação às outras
disciplinas do currículo Lourenço escreve:
Os cursos de Matérias carecem de estar estreitamente coordenados com os de
fundamento e com os de aplicação, tanto quanto, entre si, intimamente
correlacionados. Na Escola de Professores isso se tem feito, e os resultados
até agora obtidos, a julgar pela reação de interesse da parte dos alunos na
Secção de Matérias e de Prática de Ensino, tem sido a mais animadora
(LOURENÇO FILHO, 1934, p. 23 – 24).
As prescrições destes educadores, bem como, o testemunho de Lourenço Filho
quanto ao bem sucedido trabalho realizado no IERJ afirmando da dinâmica de
entrelaçamento entre a Prática de ensino e as demais disciplinas apontam para uma
preocupação com a formação de professores garantindo o seu conteúdo profissional, e
que este esteja em harmonia com as demandas do ensino primário, diante de uma
tradição marcada pela cultura livresca, muito próximo aos currículos dos liceus, ainda
que os discursos dos professorandos do IERJ apontem para algumas divergências.
Nessa perspectiva, portanto, que buscamos compreender os processos que
emergem de um “deslocamento” de saberes disciplinares de conteúdo profissional das
escolas de formação, via futuros professores ao exercitarem a prática de ensino, para o
mundo da prática real, o das salas de aula. A tensão revelada nos discursos dos futuros
professores são de qual natureza? Passemos a considerar a produção ligada à História
das Disciplinas Escolares que nos trazem elementos importantes para a compreensão
dessa possível tensão.
Nas produções da história das disciplinas escolares, encontramos a defesa da
necessidade de investigações que levem em conta as articulações, as transformações e
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especificidades dos dispositivos centrais da escola: a matéria ou disciplina escolar
(CHERVEL, 1990). A história das disciplinas escolares se fundamenta, por sua vez,
numa perspectiva conhecida como cultura escolar. Como o próprio nome já diz, essa
perspectiva concebe o espaço escolar como espaço cultural o qual produz dispositivos,
altera tempos sociais, como por exemplo, a separação do mundo da criança do mundo
dos adultos, reservando o tempo social infância ao momento de estar na escola. Chervel
(1990) defende uma perspectiva de cultura escolar, que considere a cultura que se faz no
próprio ambiente escolar, original em relação à cultura da sociedade.
Chervel (1990) se posiciona em favor dessa acepção, contra uma concepção que
concebe a ação da instituição escolar como meio de reprodução e de transmissão da
cultura acumulada pela sociedade às novas gerações, na qual os métodos se
transformam em função da transmissão dos conteúdos que são uma invariante do
sistema escolar.
A escola é então compreendida como entidade fruto de diversos interesses que se
disputam no seu interior, para o estabelecimento das finalidades do seu processo
formativo. Essas finalidades são classificadas como finalidades reais e de objetivo, as
quais demonstram o fosso que há entre o que é o real e o estabelecido/pretendido e é
nessa distância que se pode ler a expressão de uma cultura escolar (CHERVEL, 1990;).
Diante disso, a hipotética tensão entre os saberes matemáticos, teóricos, de caráter
profissional ofertados no currículo das Escolas de Formação, e os saberes matemáticos
com os quais se deparam os futuros professores na realização dos estágios, ou melhor,
da Prática de Ensino são reveladores da existência de saberes matemáticos de naturezas
diferentes. O currículo do Instituto de Educação materializa as aspirações por uma
formação na qual os saberes matemáticos mobilizados estejam em acordo com as
demandas da escola primária. Entretanto, a pluralidade e ação inventiva da escola na,
não somente reelaboração dos saberes que lhe são impostos, mas também elaboração
destes saberes são de esferas diferenciadas, resultando na intensa perseguição desse
saber teórico que alimente a prática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Futuros professores ou mesmo professores, ao ingressarem nas salas de aula para
a realização do ensino, seja como estagiários ou como professores realizando a prática
real se deparam com outras demandas para o ensino dos saberes matemáticos, se
deparam com as demandas de uma matemática escolar. Nesse processo evidenciam-se
as conhecidas tensões que são discursadas como sendo tensões resultantes da equação
conteúdos e métodos; teoria e prática.
Nesse contexto, é forçoso admitir a especificidade do conteúdo escolar, o que nos
leva a considerar o fato de que o futuro professor vivencia uma formação de natureza
disciplinar, que busca o máximo possível o estreitamento do diálogo com as demandas
escolares.
Finalmente o que temos quanto aos saberes matemáticos na formação de
professores é um saber de caráter disciplinar profissional, no caso do IERJ, sob
influência das contribuições das ciências da educação orientando métodos e processos,
fundados na nobre preocupação de formar o professor levando em conta a necessidade
dos saberes para ensinar, mas que se depara com as especificidades de saberes
matemáticos, produtos de um contexto pedagógico muito específico, a saber, a escola, e
que muitas vezes, como afirma Chervel (1990), nada devedor das demandas externas,
ou do campo disciplinar que parece lhe dar origem.
REFERÊNCIAS
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O historiador André Chervel (1990) problematiza o uso da nomenclatura matéria e disciplina
historicizando o uso dos dois termos, os quais são muitas vezes tomados como sinônimos, entretanto
afirma a pertinência do termo matéria para um contexto escolar e disciplina para um contexto próprio do
mundo acadêmico.
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670ISSN 2177-336X
FORMAÇÃO DO PROFESSOR QUE ENSINA MATEMÁTICA NOS GRUPOS
ESCOLARES CATARINENSES EM TEMPOS DE ESCOLANOVISMO (década
de 1930)
Thuysa Schlichting de Souza, UFSC - Florianópolis
Resumo
A Escola Normal Catarinense e, posteriormente, o Curso Normal do Instituto de
Educação de Florianópolis afirmou-se como local privilegiado para a formação dos
professores dos grupos escolares de Santa Catarina na primeira metade do século XX. O
estudo se dedicou à busca de vestígios para compreender a formação docente em
relação aos saberes matemáticos para ensinar em tempos de escolanovismo no estado.
As fontes de pesquisa são constituídas pela legislação oficial que deveria alicerçar a
formação dos professores que ensinavam matemática nos grupos escolares catarinenses
na década de 1930. O ferramental teórico-metodológico da história cultural e da cultura
escolar nos permitiu apontar as representações produzidas pelos dirigentes da educação
catarinense sobre a formação matemática dos normalistas para atender às novas
questões didático-metodológicas que emergiram com a disseminação das ideias
escolanovistas no estado. Estes dirigentes usaram de uma retórica embasada nas
ciências da educação, além da formação continuada, por meio das reuniões pedagógicas
e das semanas educacionais, como estratégia de divulgação de alguns princípios da
Escola Nova para o professorado de Santa Catarina.
Palavras-chave: História da Educação Matemática; Escola Nova; Grupos Escolares.
Considerações iniciais
As ideias do movimento da Escola Novaii circularam em muitos estados
brasileiros, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, durante a década de 1920,
quando “começa a se articular a posição que reivindica para personagens como
Lourenço Filho e Fernando de Azevedo o estatuto de porta-vozes do movimento de
renovação educacional que se processa no país e no exterior” (CARVALHO, 2000, p.
112). Buscando a consolidação de uma representação da Escola Nova como signo do
novo e do moderno em termos de concepções pedagógicas, estes “porta-vozes” da
escola renovada valorizavam sobretudo os conhecimentos advindos da psicologia
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
671ISSN 2177-336X
experimental, enaltecendo suas contribuições para a compreensão “científica” do ser
humano em sua individualidade.
No primado da escola ativaiii
, novas dinâmicas deveriam estimular as relações
escolares. Além do papel central desempenhado pelo educando, as orientações
metodológicas buscavam, em geral, uma valorização da experiência e da observação,
além do trabalho em cooperação através de atividades como jogos e excursões. Nesse
sentido, Lourenço Filho (1978, p. 151), expoente do movimento escolanovista
brasileiro, afirmava que:
A escola ativa, [...], concebe a aprendizagem como um processo de
aquisição individual, segundo condições personalíssimas de cada
discípulo. Os alunos são levados a aprender observando, pesquisando,
perguntando, trabalhando, construindo, pensando e resolvendo
situações problemáticas que lhes sejam apresentadas, quer em relação
a um ambiente de coisas, de objetos e ações práticas, quer em
situações de sentido social e moral, mediante ações simbólicas.
No estado de Santa Catarina, a Escola Nova foi compreendida pelos
“intelectuais” da educação catarinense como o caminho que permitiria a modernização
do ensino primário seguindo às tendências nacionais, especialmente por meio da
utilização destes métodos de ensino renovadores. Podemos destacar a participação do
inspetor escolar catarinense Adriano Mosimann na “IV Conferência Nacional de
Educaçãoiv
”, em 1931, como um dos primeiros eventos que contribuíram para
disseminar as ideias escolanovistas no estado. Assim, foi na década de 1930 que
percebemos de forma mais explícita a busca pela adequação da educação catarinense às
discussões que se consolidaram em âmbito nacional.
Neste cenário, às questões relacionadas à formação docente foram tratadas com
especial interesse pelos representantes da educação de Santa Catarina, os quais
almejavam difundir as teses do pensamento pedagógico nacional entre os professores,
seja por meio da reformulação curricular do curso normal, ou ainda pelas estratégias de
formação continuada. Seguindo a dinâmica que já se realizara em São Paulo em tempos
de Escola Nova, buscou-se “subsidiar a prática docente com um repertório de saberes
autorizados, propostos como os seus fundamentos ou instrumentos” (CARVALHO,
2000, p. 111). Daí houve a valorização das ciências da educação como alicerce da
prática docente.
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672ISSN 2177-336X
Desta história mais ampliada, este estudo se dedicou à busca de vestígios para
compreender a formação docente em relação aos saberes matemáticos para ensinarv em
tempos de escolanovismo no estado. As fontes de pesquisa são constituídas pela
legislação oficial indicadas para alicerçar a formação dos professores que ensinavam
matemática nos grupos escolares catarinenses na década de 1930. Estamos inseridos na
perspectiva da História Cultural, uma história que “tem por principal objeto identificar o
modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade cultural é
construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER, 1990, p. 17). Não nos comprometemos,
dessa forma, a buscar reconstituir o passado do ensino de matemática, mas entender as
representaçõesvi que permearam as práticas escolares - compreendidas como práticas
culturais - desse ensino em tempo e espaço específicos.
A ideia de representação não será mobilizada apenas como recurso para a
“fabricação” (CERTEAU, 2010) da história aqui proposta, as representações também
estão presentes no meio social relacionando-se ao lugar de formulação dos discursos.
Assim, operando com este conceito e considerando os estudos de Valdemarin (2010), os
quais apontam que o movimento escolanovista inspirou diferentes interpretações e
desdobramentos práticos frente ao lugar comum educacional que o seu discurso tomou,
pretendemos ainda tratar de algumas representações do ideário da Escola Nova que os
“intelectuais” da educação catarinense fizeram circular para o professorado catarinense,
as quais podem ser lidas nos documentos oficiais e nas prescrições para a formação do
professor que ensina matemática nos grupos escolares do estado.
Como a ênfase do estudo leva em conta a formação docente e a constituição dos
saberes para ensinar, buscaremos evidenciar os processos envolvidos na matemática
para ensinar e as mudanças (ou não) das disciplinas de formação matemática dos
professores que ensinavam nos grupos escolares catarinenses na década de 1930. Para
isso, realizaremos, num primeiro momento, um diálogo com os estudos da historiografia
da educação catarinense para compreendermos o processo de profissionalização docente
em Santa Catarina no período em questão.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
673ISSN 2177-336X
Formação docente em tempos de Reforma Trindade
O empenho dos técnicos do Departamento de Educação de Santa Catarina em
introduzir no estado as concepções provenientes do movimento da Escola Nova seguiu
o movimento nacional de disputas em torno do controle do sistema escolar na década de
1930. A Reforma Trindadevii
, em 1935, representou importante avanço no sentido de
incorporar as concepções escolanovistas na formação dos professores catarinenses.
Dentre as principais mudanças empreendidas na reforma, destacamos a
transformação das Escolas Normais Públicasviii
em Institutos de Educação, que
objetivava a formação de técnicos para o magistério em suas diferentes modalidades.
Assim, os Institutos abrangiam uma Escola Normal Primária (antiga Escola
Complementarix
), Escola Normal Secundária, Escola Normal Superior Vocacional,
Grupo Escolar, Escola Isolada e Jardim de Infância (SANTA CATARINA, 1935).
Cabe destacar que a finalidade da Escola Normal Primária seria a formação dos
professores para as zonas rurais, sendo um curso de três anos de duração. Qualquer
aluno que tivesse completado o curso primário num grupo escolar oficial ou equiparado
poderia se matricular na Escola Normal Primária, independente de exame admissional.
Já a Escola Normal Secundária, também com três anos de duração, objetivava fornecer
sólido preparo aos alunos que pretendiam dedicar-se ao magistério, ou seja, constituía-
se num curso de caráter propedêutico. Para matricular-se nesse curso, seria necessário a
apresentação do diploma das Escolas Normais Primárias. Por fim, a Escola Normal
Superior Vocacional tinha a finalidade de preparar professores para as diversas
modalidades de ensino. Só seriam admitidos para estudar nesse curso de dois anos de
duração aqueles alunos que completaram a Escola Normal Secundária (ibidem).
Nereu Ramosx (1936, p. 45), em mensagem apresentada à Assembleia
Legislativa de Santa Catarina, afirma que a Reforma Trindade seguiu as orientações
traçadas na VII Conferência de Educação em Fortaleza, no ano de 1934, de incumbir o
Instituto de Educação da formação do magistério. Além disso, reitera que esta
reestruturação teve como objetivo principal “o aperfeiçoamento do professorado,
elevando-lhe o nível de cultura e desenvolvendo-lhe as aptidões pedagógicas” (ibidem,
idem).
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
674ISSN 2177-336X
Desse modo, é possível perceber que a Reforma de 1935 procurava estar em
conformidade com as discussões nacionais sobre as novas formas de ensinar na escola
primária. Colaborando com esta discussão, Bombassaro (2007) afirma que este desejo
de adequação está relacionado às preocupações que mobilizaram a geração de
educadores escolanovistas, inclusive em Santa Catarina, de encontrar uma solução
perfeita que conjugaria a modernização dos métodos pedagógicos e o “bálsamo social
unificador” (ibidem, p. 156). Assim, devido à demanda política de adequação do
sistema de ensino aos projetos sociais do Estado, creditou-se às novas concepções
educacionais a tarefa de ajustar o passo da sociedade brasileira no rumo das nações
civilizadas.
Neste sentido, a formação dos professores tornou-se eixo principal da Reforma
Trindade, que se preocupou em propiciar aos docentes uma formação de caráter mais
científico e racional para exercer sua prática. Sendo assim, visando munir os professores
de conhecimentos que os fizessem compreender os alunos na sua complexidade, as
“ciências fontes de educação”, como a Biologia, a Pedagogia, a Sociologia e a
Psicologia constituíam a base da Escola Normal Superior Vocacional, ocupando juntas
21 aulas semanais nos dois anos de curso (SANTA CATARINA, 1935).
Segundo Silva, Daniel e Daros (2005) a formação de professores pela
modalidade implantada durante a reforma teve vida efêmera. No final de 1938, as
Escolas Normais Primárias tinham retornado à designação de Curso Complementar,
com dois anos de duração. Já a Escola Normal Superior Vocacional funcionou somente
nos anos de 1937 e 1938, pois o curso de formação docente foi novamente reformulado
em 1939, por meio do Decreto-Lei n. 306, de 02 de março. Assim, extinguiu-se a Escola
Normal Superior Vocacional e, em seu lugar, foi implantado o Curso Normal de dois
anos. Esta reorganização dos Institutos de Educação de 1939 foi inspirada numa
reforma ocorrida em São Paulo, a de Fernando de Azevedo, em 1933.
Para além da reestruturação curricular da escola normal, o Departamento de
Educação buscou outros meios de melhorar a formação docente, visando a adequação
do ensino catarinense aos preceitos da Escola Nova. Assim, foram criadas as Semanas
Educacionaisxi
e os periódicos de formação, como a Revista de Educaçãoxii
, que
compuseram estratégias dos técnicos do Departamento para produzir ambientes de
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675ISSN 2177-336X
instauração do novo. Bombassaro (2007), em seus estudos sobre as Semanas
Educacionais, aponta que estas reuniões se caracterizaram como lugares de
disseminação de alguns conceitos-chave na modificação da filosofia da educação para
os intelectuais renovadores. A autora complementa ainda:
Delimitando alguns aspectos que fundam o discurso da Escola Nova
em “formas distintas de ensinar”, como “centros de interesse”,
“educação integral” e “escola ativa”, os educadores catarinenses
implementaram parcelas dos dispositivos metodológicos, com o fim
de atender ao movimento renovador do ensino processado em âmbito
nacional (ibidem, p. 167).
Sendo assim, no processo de difusão das concepções oriundas da Escola Nova
em Santa Catarina, houve uma apropriação de alguns conceitos escolanovistas pelos
renovadores catarinenses, que incorporaram suas interpretações e, assim, constituíram
novas formas de praticá-las e representa-las para o professorado catarinense. Nessa
perspectiva, a Revista de Educação passa a representar um importante meio de
comunicação e propagação das ideias defendidas pelo Departamento de Educação para
o corpo docente.
Sobre as escolas primárias, a Reforma Trindade nada introduziu de novo nos
currículos dos grupos escolares (FIORI, 1991). Seu foco foi a formação docente e a
reestruturação administrativa da educação no estado. Dessa forma, objetivou-se
reformular o curso normal para formar professores adequados à “escola nova”, mais
moderna e renovada. No entanto, o currículo dessa escola primária tão almejada
continuou regido pelo Programa de 1928, o qual era fundamentado por antigas práticas
alicerçadas na Pedagogia Modernaxiii
.
A partir destas constatações, podemos inferir que a Reforma Trindade buscou
instituir um conjunto de mudanças significativas na organização do sistema educacional
catarinense, principalmente nos cursos de formação docente. Afinados com os
principais debates realizados em âmbito nacional, os técnicos da educação implantaram
os Institutos de Educação e, com ele, um conjunto de estratégias que os tornaram as
referências do Estado nas questões educacionais. Objetivava-se reformular o curso
normal com a introdução e a valorização dos saberes profissionais para formar
professores adequados à “escola nova”, mais moderna e renovada.
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676ISSN 2177-336X
Cabe, então, compreendermos como se configuravam os saberes para ensinar
matemática no currículo dos cursos de formação docente, tendo em vista à sua
vinculação às ciências da educação em tempos de escolanovismo no estado de Santa
Catarina.
Formação do professor que ensina matemática e os saberes para ensinar
No ano de 1935, após as mudanças empreendidas em decorrência da Reforma
Trindade, são instituídos os Institutos de Educação nas cidades de Florianópolis e
Lages, onde existiam as antigas Escolas Normais. Nestes locais, a formação do
professor que estaria apto a ensinar nos grupos escolares catarinenses deveria iniciar no
curso da escola normal primária, seguindo para a etapa da escola normal secundária e
finalizando com a escola normal superior vocacional.
Os técnicos do departamento de educação instituíram, então, um programa
específico para a escola normal superior vocacional, que ampliou a oferta de disciplinas
pertencentes às ciências da educação e excluiu de seu currículo aquelas de caráter
formativo mais geral, conforme quadro:
Quadro 1 – Disciplinas dos cursos de formação docente do Instituto de Educação de Santa Catarina
(1935)
Escola Normal
Primária
Escola Normal
Secundária
Escola Normal
Superior Vocacional
1º ano
Português
Aritmética
Geografia do
Estado
História do
Brasil
Desenho
Música
Trabalhos
Educação
Física
Português
Francês
Alemão (Inglês)
Geometria
Aritmética e
Álgebra
Geografia
História da
Civilização
Física
Química
História Natural
Desenho
Música
Trabalhos
manuais
Educação física
História e
Filosofia
Literatura
Higiene e
Puericultura
Psicologia Geral
e Infantil
Sociologia
Metodologia
Geral e Especial
Legislação
escolar
Desenho
Trabalhos
Música
Educação Física
2º ano
Português
Francês
Geometria
Álgebra
Português
Francês
Latim
Alemão (Inglês)
Psicologia
aplicada a Educação
Pedagogia
Sociologia
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
677ISSN 2177-336X
Aritmética
Geografia
História da
Civilização
Ciências físicas
e naturais
Desenho
Música
Trabalhos
Educação
Física
Geometria
Aritmética e
Álgebra
História da
Civilização
Física
Química
História Natural
Geografia
Desenho
Música
Trabalhos
Educação física
Educacional
Didática
Trabalhos
Música
Desenho
Educação Física
(Didática)
Prática
Pedagógica
3º ano
Português
Francês
Alemão
(Inglês)
Geometria
Álgebra e
aritmética
Geografia
História da
Civilização
Ciências
Físicas e Naturais
Agricultura
Noções de
Pedagogia e Psicologia
Desenho
Música
Trabalhos
Educação
Física
Português e
Literatura
Latim
Física
Química
Geografia
Cosmografia
História da
Civilização
História do
Brasil e do Estado
Filosofia
Matemática
Música
Desenho
Trabalhos
Educação física
***
Fonte: Elaborado pela autora utilizando o Decreto n. 713 de 05 de janeiro de 1935.
É notório que as disciplinas relacionadas aos saberes matemáticos a ensinar
praticamente não estão contempladas no programa da escola normal superior
vocacional, mas constituem o currículo da escola normal primária e da secundária. Essa
estrutura revela duas etapas para a formação docente que se desejava instaurar no
estado: uma primeira vinculada aos saberes a ensinar, relacionada à matemática como
disciplina (aritmética, álgebra e geometria); e a segunda de caráter formativo, vinculada
principalmente às ciências da educação, as quais deveriam assegurar a especificidade da
formação profissional dos professores primários.
O decreto n. 713 determinou que as Escolas Normais Primárias continuassem
seguindo o antigo programa do primeiro ano das Escolas Complementares, já no
segundo e terceiro ano deveriam ser adotados os programas da primeira e segunda séries
do Colégio Pedro II. Este programa estabelecido em decreto buscava formar os
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professores para as escolas da zona rural munindo-os de saberes relacionados ao campo
disciplinar. Especificamente os saberes matemáticos estariam contemplados em todos
os anos do curso, inicialmente destaca-se apenas a disciplina de Aritmética, nos dois
anos seguintes já são incluídos a Álgebra e a Geometria. Somente na última etapa do
curso é indicada a disciplina de Noções de Pedagogia e Psicologia, com uma carga
horária de duas aulas semanais das trinta aulas totais indicadas.
O programa da Escola Normal Secundária segue o mesmo princípio do curso
normal primário. Os conteúdos indicados nessa etapa da formação docente ainda
estavam relacionados aos saberes que seriam ensinados nas escolas primárias, aos
saberes matemáticos a ensinar, mas com maior aprofundamento. Indicava-se as
disciplinas de Geometria, Aritmética e Álgebra nos dois primeiros anos. No terceiro ano
não há mais referências a tais disciplinas e inaugura-se a Matemática no programa de
ensino do curso de formação de professores.
A Escola Normal Superior Vocacional apresenta uma outra configuração quando
se analisa seu programa de ensino. Coube aos cursos anteriores que constituíam as
primeiras etapas da formação dos professores do ensino primário catarinense,
aperfeiçoar os conhecimentos relacionados aos saberes matemáticos propriamente ditos,
aqueles saberes aritméticos, geométricos e algébricos que deveriam garantir o domínio
do campo disciplinar. Já a Escola Superior Vocacional deveria assegurar a
especificidade da formação docente, instituindo disciplinas que estivessem relacionadas
ao conteúdo disciplinar profissional, como pode ser verificado no quadro anterior.
Em 26 de fevereiro de 1937, o Departamento de Educação de Santa Catarina
promulgou o decreto n. 217 que organizou, a título provisório, o programa da Escola
Normal Superior Vocacional, especificando os conteúdos de cada disciplina “nos
moldes já existentes em estabelecimentos congêneres do País” (SANTA CATARINA,
1937). Este decreto sugere que somente no ano de 1937, após dois anos da instituição da
lei que organizou os Institutos de Educação, o referido curso iniciou o seu
funcionamento na prática.
Especificamente sobre os saberes matemáticos presentes no programa da Escola
Normal Superior Vocacional, observamos que não há indicação de disciplinas
relacionadas a matemática como campo disciplinar e com conteúdos relacionados aos
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679ISSN 2177-336X
saberes a ensinar. Mas alguns saberes vinculados à matemática são tratados para o
primeiro ano na disciplina de Metodologia do Ensino Primário e Didática, que deveria
abordar questões sobre os processos de ensino e aprendizagem e sobre os métodos de
ensino de matemática para as escolas primárias.
No sexto tópico do programa dessa disciplina, chamado “Didática Especial”, há
um item específico intitulado “do ensino e da linguagem”, onde aparecem algumas
questões referentes ao ensino de aritmética:
f- os problemas reais e sua solução. Como resolver problemas. O
raciocínio.
g- a função social do cálculo. A sua linguagem;
h- medidas de habilidades exigidas na aritmética. Testes;
i- as funções elementares exigidas nas diversas operações;
j- hábitos a dar no ensino do cálculo. Causas dos erros;
k- técnica da formação das conexões. Repetições necessárias;
l- motivação do ensino do cálculo. Globalização. Processos indutivos
do ensino da aritmética (SANTA CATARINA, 1937).
Em tempos de Escola Nova no estado, buscou-se instituir no currículo do curso
de formação docente alguns princípios advindos do cientificismo e das ciências da
educação que estavam em ascensão, principalmente da psicologia e da sociologia.
Assim, nas especificações destacadas no excerto acima, é possível verificarmos uma
tentativa dos legisladores catarinenses de fundamentar o ensino de matemática nas
escolas primárias em saberes autorizados.
Não é mero acaso que apareçam referências a “medida de habilidades” e aos
“testes” neste programa. Nessa época os representantes do escolanovismo brasileiro, em
especial Lourenço Filho, buscavam estabelecer formas eficazes e seguras de identificar
a capacidade de aprendizagem dos alunos por meio de dados quantitativos e
qualitativos. Dessa maneira, os Testes tornavam-se importantes auxiliadores dos
professores ao proporcionarem diagnósticos e prognósticos de aprendizagem das
crianças. No caso do trecho destacado, podemos identificar que os testes estão
associados ao ensino de aritmética, sem haver referências aos saberes geométricos.
Vale ressaltar que, embora a Escola Nova tenha congregado sob sua alcunha
diversas teorias, existem alguns princípios norteadores como: “a centralidade da criança
nas relações de aprendizagem, o respeito às normas higiênicas na disciplinarização do
corpo do aluno e de seus gestos, a cientificidade da escolarização de saberes e fazeres
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sociais e a exaltação do ato de observar, de intuir, na construção do conhecimento do
aluno” (VIDAL, 2003, p. 497). Nessa perspectiva a educação deve tornar-se “ativa” e
relaciona-se aos interesses da criança. Daí a questão da motivação ganha destaque,
como indicado no excerto acima.
A aprendizagem da aritmética na escola primária precisaria ocorrer por meio da
resolução de problemas, substituindo a memorização de conteúdos e regras pela
valorização da experiência do aluno. Nesse contexto de tempos escolanovistas, tentando
romper com as propostas consideradas tradicionais, os representantes da educação
catarinense buscavam proporcionar uma formação docente que estivesse atenta para a
importância da seleção e organização de atividades aritméticas que fizessem sentido
para o aluno, propostas principalmente sob a forma de problemas.
Embora não tenhamos identificado no programa outras indicações sobre “o que
ensinar dos saberes matemáticos na escola primária” ou “como ensiná-los” ou ainda “o
porquê ensiná-los”, as demais disciplinas trazem inúmeras referências aos principais
representantes das ideias escolanovistas no mundo, indicando que a formação dos
professores catarinenses em âmbito normativo era permeada de conteúdos e reflexões
embasados no novo pensamento educacional que se difundia pelo Brasil na época. Por
exemplo, há indicações para se estudar os pensamentos de E.L. Thorndike, de Stanley
Hall, de Spencer, de Dewey e até mesmo o Manifesto dos educadores brasileiros.
Algumas considerações
Na década de 1930 no estado de Santa Catarina, houve um esforço por parte do
Departamento de Educação em formar professores aos moldes da Escola Nova. Além da
inserção das disciplinas consideradas “ciências fontes da educação”, as quais deveriam
propiciar aos normalistas o conhecimento dos “modernos métodos pedagógicos”, a
divulgação dos princípios escolanovistas entre os professores das escolas primárias
também era feita por reuniões e revistas pedagógicas.
Quanto aos saberes matemáticos na formação dos professores dos Institutos de
Educação catarinenses, identificamos duas etapas distintas: aquela relacionada à
matemática como disciplina (aritmética, álgebra e geometria) que se dava nas Escolas
Normais Primárias e secundárias; e outra vinculada às ciências da educação e à
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
681ISSN 2177-336X
especificidade de sua formação profissional, realizada na Escola Normal Superior
Vocacional.
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683ISSN 2177-336X
A CIRCULAÇÃO DAS EXPERIÊNCIAS DE DIENES EM REVISTAS
PEDAGÓGICAS AO TEMPO DA MATEMÁTICA MODERNA (1960-1980)
Barbara Winiarski Diesel Novaes, UTFPR – Campus Toledo
Denise Medina França, UERJ- Maracanã
Resumo
Em 2015 comemoramos os 180 anos de institucionalização da primeira Escola Normal
brasileira, criada em Niterói, na Província do Rio de Janeiro, em 04 de abril de 1835.
Vê-se assim que há um possível lastro em termos da historicidade da formação do
professor no espaço geográfico brasileiro e que, no intervalo temporal em estudo, nos
parece importante ser fértil para que reflitamos sobre questões referentes à formação
didático-metodológica de professores das séries iniciais, em matemática. Essa
investigação busca vestígios sobre a matemática para ensinar nas séries iniciais que aqui
serão tratados sob o ponto de vista histórico e da cultura escolar. Ou seja, buscam-se
indícios de que maneira foram constituídos os saberes matemáticos para ensinar
divulgados por Zoltan Dienes pelas revistas pedagógicas, no período em questão.
Traremos como referencial os estudos da história da educação e da história cultural.
Esse estudo norteia-se pela seguinte questão: O que revelam as revistas pedagógicas em
termos das apropriações realizadas dos estudos de Zoltan Paul Dienes? Concluímos que
nos artigos analisados, com orientações aos professores, há ênfase para a aprendizagem
das crianças e, consequentemente para maneira de ensinar, isto é, os interesses de
aprofundamento dos estudos de como as crianças aprendem de acordo com as fases de
desenvolvimento cognitivo, da utilização de jogos com materiais estruturados e da
metodologia mais adequada para cada uma delas. O estudo também revela o
pioneirismo de um grupo de professores do Rio Grande do Sul na apropriação e
circulação das ideias de Dienes e experimentação em classes piloto das séries inicias.
Palavras-chave: História da Educação Matemática; Revistas Pedagógicas; Séries
Iniciais; Zoltan Dienes.
Considerações Iniciais
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“Conheça a incrível escola totalmente baseada em jogos”, esse era o título do
artigo que circulava na internet no mês janeiro de 2016. O texto do jornalista Paulo
Fernando Silvestre Jr. discorre sobre uma escola considerada inovadora, a “Quest to
Learnxiv
”, localizada em Nova Iorque, Estados Unidos e que atende alunos de seis a
doze anos. Segundo Silvestre, a escola possui resultados acadêmicos impressionantes,
baixa índice de faltas e evasão escolar, os professores adoram trabalhar no local e os
pais apoiam fortemente. Os livros são substituídos por games e jogos de tabuleiro.
Professores, alunos e funcionários fazem parte de um processo de colaboração mútua
em que todos ensinam e aprendem. Além disso utilizam “aprendizado baseado em
problemas, uso criativo de tecnologias e espaços físicos flexíveis” (SILVESTRE JR,
2015).
Apesar do caráter não científico da notícia, esta desencadeou várias reflexões e
questionamentos sobre as pesquisas que desenvolvemos no que tange a experiências de
inovação curricular no ensino da matemática durante as vagas pedagógicas da escola
nova e do movimento da matemática moderna, por exemplo.
Compreendendo que a história da educação matemática é um conhecimento
necessário para a formação do futuro licenciado, seja em matemática, seja em pedagogia
e que o conhecimento sobre o passado pode fazer com que pensemos práticas do
presente de forma mais crítica e fundamentada, a presente comunicação, integrante do
painel “Aspectos didáticos metodológicos na configuração dos saberes matemáticos
para a formação do professor primário (1920 a 1980)” tem por objetivo verificar os
processos de apropriação das experiências de Zoltan Paul Dienesxv
em revistas
pedagógicas para o ensino primário ao tempo do movimento da matemática moderna.
Foram utilizados como fonte privilegiada, três artigos publicados na Revista de
Ensino do Rio Grande do Sulxvi
, nos anos de 1972 e 1973 que relatam ações do Grupo
de Estudos sobre o Ensino da Matemática de Porto Alegre (GEEMPA) quando da visita
do prof. Zoltan Paul Dienes (POÇAS E ATHANÁSIOxvii
, 1972) e seus desdobramentos
por meio de experiências em classes-pilotoxviii
(GROSSIxix
, 1973) organizadas pelo
grupo citado e que utilizaram a metodologia proposta por ele. O último artigo aborda
novas maneiras de trabalhar com as operações matemáticas para o primeiro ano
(FAGUNDESxx
, 1972).
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3
Diante do exposto, procuraremos responder a seguinte questão norteadora: O
que revelam as revistas pedagógicas em termos das apropriaçõesxxi
realizadas dos
estudos de Zoltan Paul Dienes?
O cenário sócio-político
Formou-se o cenário para mudanças com a promulgação das duas leis nacionais
da educação: 4.024∕1961 e 5.692∕1971
Após 13 anos de estudos e discussões, foi promulgada a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (BRASIL, 1961). Pela primeira vez, uma legislação conseguiu fixar
diretrizes gerais para a Educação nacional. Ao abordar todos os níveis e com validade
para todo território nacional, caminhou para a unificação dos sistemas de ensino na
descentralização e flexibilização curriculares. Também inovou ao propor um
planejamento educacional e a abertura de novas experiências metodológicas em classes
experimentais, o que propiciou a liberdade de propostas inovadoras experimentais em
vários estados brasileiros.
A aceleração no ritmo do crescimento econômico e na demanda social de
educação agrava a crise do sistema educacional, justificando os vários acordos de
colaboração técnica e financeira entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a
Agency for International Development (AID), os quais tinham o objetivo de
diagnosticar e solucionar tais problemas.
Nesse período, segundo Romanelli (1982), além das medidas centralizadoras
adotadas pelo governo federal para suprir a demanda de matrículas e expansão do
ensino, foram acrescidas outras, que visavam à estruturação do ensino, para atender às
orientações dos pactos MEC-USAIDxxii
.
A tendência tecnicista implantada pela Lei 5.692/1971 surge, então, com ênfase
nas tecnologias do ensino, tirando o centro do processo de ensino-aprendizagem do
professor e do aluno, focando-o nos objetivos instrucionais e nas técnicas de ensino,
com divisão do trabalho pedagógico entre os especialistas da educação. Há
preocupações com a economia de pensamento e o raciocínio rápido, demandados pela
sociedade em desenvolvimento. Em grande medida, a lei corroborava com ideário do
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MMM, em um período em que se encontrava bem consolidado no Ensino Primário
(PORTELA, 2010; OLIVEIRA, SILVA, VALENTE, 2011; FRANÇA, 2012)
O conjunto de ideias propagado pelo MMM adequava-se perfeitamente à
política econômica adotada pelo País e à concepção tecnicista da nova LDB de 1971
(BRASIL, 1971). Esse fato pode ter impulsionado o privilégio na divulgação das ideias
de Dienes nas Revistas Pedagógicas destinadas a professores primários nesse período.
As seis etapas do processo de ensino e aprendizagem
A teoria da aprendizagem de Dienes envolve seis etapas de desenvolvimento.
Baseiam-se nas ideias de Piaget sobre o desenvolvimento das estruturas lógicas
matemáticas, que dependem da alimentação, complementação e ampliação por meio de
atividades previamente planejadas. Na medida em que considera a aprendizagem como
um processo de adaptação do individuo a um meio, condiciona o sucesso da
aprendizagem ao poder de “um determinado meio”, em gerar situações que exijam do
sujeito adaptações para dominar as situações surgidas. Podemos resumir as seis etapas
do processo de aprendizagem, no quadro 1.
Quadro 1 - As seis etapas do processo de aprendizagem
Fonte: FRANÇA, 2012, p.102
Como observamos no quadro denomina a primeira etapa do processo de
aprendizagem matemática de “jogo livre”, cujo objetivo é propiciar oportunidades em
que as crianças, ao manusearem um material concreto, adaptem-se a uma nova situação
proposta. A fase se resume basicamente em uma atividade lúdica, em que a criança
interage com o ambiente. Esta adaptação do sujeito ao meio, segundo Dienes (1969,
p.2) ocorre durante toda a vida.
Na etapa seguinte, são ditadas regras pelo professor, conforme o conceito
matemático a ser desenvolvido. O desafio maior é a adaptação possível, combinar e
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construir novas estruturas, a fim de dominar as novas situações, utilizando as estruturas
já formadas, as regularidades descobertas e as limitações do meio.
Na terceira etapa, percebe-se a estrutura comum dos jogos estruturados já
efetuados, descobrindo as relações de natureza abstrata existentes entre os elementos de
um e de outro jogo, o que precede à abstração do conceito.
Na quarta etapa, chamada “representação”, a proposta é representar a estrutura
comum, em diferentes registros, a fim de mais tarde poder examinar.
“Descrição de uma representação” é a quinta etapa, identificada por Dienes, na
qual explora-se e descreve-se as propriedades comuns das representações construídas,
das abstrações.
Dada a impossibilidade de descrever completamente as propriedades, por meio
da linguagem, há a sexta etapa, fruto de todas as anteriores, denominada
“axiomatização”, em que se organizam sistematicamente algumas propriedades dos
sistemas formais criados.
Dienes na Revista de Ensino/RS
O primeiro artigo analisado de autoria de Grossi foi publicado em agosto de
1973, pela Revista de ensino do RS. Nele, a presidente do GEEMPA relata as atividades
de Dienes durante sua estadia no Brasil, em que ministrou curso para professores dos
mais diversos pontos do Estado e do país e uma experiência com classes-piloto.
Ressalta que isso foi possível graças a uma iniciativa pioneira do Grupo de Estudos
sobre o Ensino da Matemática de Porto Alegre (GEEMPA).
Segundo Grossi (1973),
Durante 17 dias em que esteve em Porto Alegre, o Prof. Dienes trabalhou
todas as manhãs com um grupo restrito de professores (50), estudando a
abordagem de novos conteúdos na escola primária, naturalmente com uma
metodologia completamente renovada e, à tarde, na presença de 1.000
professores, orientou aulas-demonstração com alunos desde 6 até 15 anos
(Ibid., 1973, p.45)
O referido curso foi realizado em um ginásio de esportes, dividido em três
momentos. No primeiro momento Dienes explicava as regras dos jogos aos professores;
em seguida ensinava a regras as crianças que ficavam no centro do ginásio
experimentando, além de acompanhar de perto o que estavam realizando; finalmente,
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explicava à plateia as conclusões a que as crianças tinham chegado e quais conteúdos
matemáticos poderiam relacionar com cada jogo.
Conforme visto na seção anterior, Dienes teoriza sobre as seis etapas do
processo de ensino e aprendizagem. Contudo no curso em Porto Alegre foram
desenvolvidas as 4 primeiras, visto que as duas últimas necessitam de estruturas
elementares impróprias para a faixa etária do curso.
Na figura 1, a foto publicada na revista de ensino (POÇAS; ATHANÁSIO,
1972, p.8), mostra um momento dessa experiência.
A foto pode indicar à ênfase dada por Dienes à metodologia, com a introdução
de materiais manipuláveis para a realização das atividades, predominantemente em
trabalho em grupo. Podemos dizer que Dienes levou para as salas de aula blocos
lógicos, material multi base e o material dourado, visto que as atividades são propostas
para serem realizadas com a utilização desses instrumento de maneira ativa, viva.
Figura 1 - Professor Dienes mostra como se trabalha com matemática viva
Fonte: (POÇAS; ATHANÁSIO, 1972, p.8).
Poças e Athanasio (1972) aludem em seu artigo que “a criança aprende
matemática não por ter chegado à resposta certa, mas porque foi capaz de procurar
solução para o problema” (Ibid., 1972, p.9). Reforçam a ideia trazendo uma entrevista
Dienes publicada na Revista de Ensino, em que argumenta que uma das grandes falhas
da matemática tradicional seria o problema da “resposta certa” em que os professores
restringem-se a um conjunto de “truques” que em sua maioria não eram entendidas nem
pelos professores e nem pelas crianças.
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Já em 1972, Dienes apontava como raízes desse problema o fato dos
matemáticos desconhecerem os problemas psicopedagógicos e os pedagogos e
psicólogos não entenderem de matemática, ou seja, o diálogo era muito difícil. O ideal
seria que o professor tivesse o conhecimento dessas três áreas e “só assim poderia dar as
crianças a liberdade de que elas necessitam” (POÇAS, ATHANASIO, 1972, p.9).
No artigo de Grossi (1973), além de reportar a vinda de Dienes a Porto Alegre
em 1972, descreve a experiência baseada na metodologia renovada com oito classes-
piloto em seis escolas de Porto Alegre.
As escolas selecionadas foram aquelas “que tinham um bom número de
professores com curso de atualização em Matemática” (GROSSI, 1973, p.45) e as bases
do trabalho foram duas: “1) A liberdade é fator de motivação. 2) O aluno só abstrai a
partir do concreto” (Ibid., 1973, p.45).
Nessa perspectiva, os alunos na faixa etária de 6 a 12 anos, entre a primeira e
sexta séries do ensino ensino fundamental de 8 anos, geralmente trabalhavam em
pequenos grupos com liberdade para escolher a sua tarefa escolar pois os professores
punham a sua disposição muitos materiais didáticos concretos e fichas de trabalho
indicando as regras da atividade.
A experiência teve a duração de três meses. Segundo Grossi (1973) “não houve
preocupação de modificar o conteúdo matemático que já era atualizado nas seis escolas
escolhidas” (Ibid., 1973, p.45). O que teria maior alteração seria a didática “pois o uso
de muitos materiais didáticos concretos para trabalho livre dos alunos tinha como
objetivo seguir as seis etapas do processo de aprendizagem em matemática segundo
Piaget-Dienes” (p.45).
O desejo era que “os alunos fizessem suas descobertas a partir de problemas
propostos nos jogos estruturados em forma de regras” (GROSSI, 1973, p.46).
Acrescenta que ao final dos três meses os alunos das turmas experimentais
“apresentavam grande diferença dos seus colegas das outras turmas das mesmas séries
na sua escola” (Ibid., 1973, p.46).
Grossi (1973) relata que os professores encontravam-se semanalmente durante
quatro horas de estudo, para revisão e planejamento do trabalho em classe. Integravam
esta equipe uma psicóloga e uma professora de ciências naturais. Cada classe possuía
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uma observadora que uma vez por semana visitava a sala de aula e que também
participava das reuniões. Para garantir um trabalho escolar diversificado cada aluno
possuía uma de registro ou “ficha-controle” que permitia ao professor “planejar o
progresso de cada aluno através da confecção de novos materiais, assim como da
elaboração de novas fichas de trabalho” (Ibid., 1973, p.46).
A fala de Grossi (1973) reforça uma característica marcante de Dienes na ênfase
dada às contribuições da Psicologia e Pedagogia nas suas propostas. Afirma que
qualquer proposta de ensino de Matemática deve nortear-se por princípios psicológicos
e pedagógicos com o cuidado na elaboração de atividades bem planejadas pelo
professor, de acordo com os objetivos a serem alcançados pelo professor.
Em relação as fichas gráficas, afirma que muitas “foram utilizadas neste
momento, sob a inspiração dos livros de Mme. Picard, M. Dienes, Mme. Papy e Mme.
Clausard, autores referencia para as séries iniciais da época.
Grossi (1973) aponta como principais obstáculos encontrados nas classes-piloto
a dificuldade de mudança, o receio de o professor perder o domínio da turma ensinando
a matemática nos novos moldes, necessidade de preparar certa quantidade de materiais
concretos que demandam tempo, necessidade que o professor estude mais, pois o êxito
de sua atividade docente está no seu preparo, é necessário que o professor trabalhe mais
antes de cada aula preparando materiais, fichas e analisando a ficha-controle
detalhadamente (Ibid., 1973, p.53). Complementa que “para realizar uma reforma, não
basta só a boa vontade do professor” (p.53), sendo preciso apoio mútuo, o que
aconteceu nas classes-piloto “onde havia reuniões semanais, observadores e assessores”
(p.53).
No início, os professores tiveram muita dificuldade e sentiram-se perdidos.
Entretanto,
no final da experiência, estes mesmos professores afirmavam não
conceberem trabalhar mais de outro modo, pois, após o primeiro impacto de
orientar uma classe com atividades diferenciais, o que é difícil, o professor
começa a se desgastar menos, porque os alunos se tornam mais
independentes, tomam gosto pelos jogos, se relacionam melhor com os
colegas (GROSSI, 1973, p.53).
Fazendo um balanço dos três meses de aplicação da teoria baseada em jogos de
Dienes nas classes-piloto Grossi (1973) conclui que “proporcionaram, num clima de
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liberdade, maior criatividade, maior socialização, maior responsabilidade,
simultaneamente com um rendimento de aprendizagem muitíssimo superior, contatado
claramente pela comparação com as classes controle” (Ibid., 1973, p.53).
Percebemos no artigo de Grossi (1973) que havia ênfase no uso do material
concreto, pois nesse período estavam mergulhados na representação de que a
aprendizagem do aluno dependia do método de ensino e do material empregado.
Outro artigo que merece destaque é Operações Matemáticas no 1o ano,
publicada em novembro de 1972 na Revista de Ensino/RS e da autoria de Léa da Cruz
Fagundes.
“Professora, afinal, quando é que meu filho vai começar a „fazer continhas? ‟
Já estamos em junho!”
Se um aluno nos perguntar:
“Esse problema é de mais ou é de menos?” de que lhe serviu ter aprendido a
fazer adições e subtrações? Isso nos leva a indagar se terá ele realmente
construído algum conceito de operação!
Nossa decisão é, por isso, identificar os pré-requisitos para a programação
sequencial do ensino e determinar as melhores condições para a organização
das experiências de aprendizagem, baseando-nos, na teoria psicogenética de
Jean Piaget, em Dienes, em Licheranowicz, em Bruner, de um lado, e nas
estruturas fundamentais da Matemática, determinadas pelos matemáticos
Bourbaki, de outro lado (FAGUNDES, 1972, p.23).
Fagundes (1972) segue definindo operação e aprendizagem das operações
matemáticas na perspectiva de Jean Piaget, ou seja, acredita que essas noções ocorrem
muito antes de aprender a somar e diminuir números. Considerando a operação como a
“mudança de um estado determinado para um novo estado, a possibilidade de voltar ao
estado inicial” (Ibid., 1972, p.23), quando uma criança de 10 a 12 meses desloca, por
exemplo um “caminhãozinho, um chocalho, uma almofada, qualquer objeto, de um
ponto A para um ponto B, realiza uma transformação de estado” (p.23) e chama a
atenção que este exemplo propicia a iniciação da criança as duas formas de
reversibilidade (negação/inversão e reciprocidade/compensação) “as quais
encontraremos lado a lado durante todo o desenvolvimento da inteligência e que só
serão sintetizadas num único sistema ao nível das operações formais depois do 11-12
anos” (p.24).
Para ajudar a criança na passagem da ação à operação “concreta” do pensamento
Fagundes (1972, p.24) diz que é oportuno
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organizar um ambiente rico e propiciar, entre outras, atividades exploratórias,
que ajudem a corrigir as percepções parciais e momentâneas, os esquemas
operatórios incompletos, e construir as noções de conservação das
substâncias, dos comprimentos, das superfícies, das quantidades, em
conjuntos contínuos e discretos, aproveitando o momento ótimo de cada
indivíduo, favorecendo a estruturação mental para novos estágios (Ibid.,
1972, p.24).
Na analise do artigo verificamos que Fagundes (1972), corrobora com Dienes
que argumenta que sendo “o número um conceito muito complexo, para aprender a
harmonizar entre si os elementos conceituais que os constituem, é indispensável, antes
de tudo, conhecer estes elementos” (DIENES,1967, p. 1).
Considerações Finais
Nas Revistas analisadas podemos perceber que os autores se apropriaram das
ideias de Dienes que em grande medida dialogavam com a vaga pedagógica da escola
nova, porém entendendo a matemática como uma estrutura como os modernistas
apregoavam.
Um dos componentes que revela apropriações das ideias de Dienes e MMM
pelos autores dos artigos analisados, no ensino nas séries iniciais é a presença explícita
das orientações de como ensinar, postas por ele na fundamentação da metodologia
proposta pelo Movimento.
O estudo também revela o pioneirismo de um grupo de professores do Rio
Grande do Sul (GEEMPA) na apropriação e circulação das ideias de Dienes, visto as
experiências em classes piloto das séries iniciais promovidas pelo grupo.
No entrecruzamento das informações contidas nos artigos é evidenciada
inicialmente a dificuldade dos professores de assumirem a nova proposta. Talvez pela
insegurança nos conteúdos. Contudo, Grossi considerou o resultado favorável já que os
professores perceberam a mudança na aprendizagem de seus alunos em relação as
turmas controle. Outro fator preponderante foi o suporte dado aos professores pelo
grupo GEEMPA por meio de reuniões semanais para discussão e elaboração das
atividades propostas aos alunos de acordo com os objetivos desejados.
Lembramos que uma característica marcante de Dienes é a ênfase dada às
contribuições da Psicologia e Pedagogia nas suas propostas. Nos artigos analisados há
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sinais marcantes dos princípios que norteiam a proposta de Dienes, que revelam uma
representação de ensino e aprendizagem atrelada à Matemática, Pedagogia e a
Psicologia fundamentalmente cognitivista, apoiada, de maneira explícita, na
Epistemologia Genética de Piaget.
Em síntese, as revistas fazem circular a ideia que não se pode ensinar
matemática sem o auxilio da psicologia e pedagogia, sempre observando o nível de
complexidade a ser utilizado pelas crianças nas atividades propostas. Traz inovações
para a didática dessa área do conhecimento, quando propõe concretizações de conceitos
matemáticos abstratos, a partir de manipulações de materiais estruturados em jogos,
brincadeiras, histórias, etc. Assim como as novas propostas da escola totalmente
baseada em jogos, de hoje.
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?trkSplashRedir=true&forceNoSplash=true> Acessado em: 05 de março de 2016.
i O historiador André Chervel (1990) problematiza o uso da nomenclatura matéria e disciplina
historicizando o uso dos dois termos, os quais são muitas vezes tomados como sinônimos, entretanto
afirma a pertinência do termo matéria para um contexto escolar e disciplina para um contexto próprio do
mundo acadêmico. ii Apesar de operarem sob o mesmo slogan – a “Escola Nova” ou a “Escola Ativa” -, diferentes
projetos educacionais estavam em debate, reunidos, no entanto, pelo discurso da renovação educacional.
Segundo Valdemarin (2010, p. 208), a Escola Nova acoplava um conjunto de ideias que defendiam a
instituição escolar como lugar privilegiado para a construção de um projeto político-social num período
marcado pela recomposição de forças dos grupos participantes do poder. iii
Cabe aqui acentuarmos que, para Lourenço Filho, o eixo da escola nova é a maior socialização
do trabalho escolar, já a escola ativa é apenas um de seus capítulos (CARVALHO, 2000). iv
A IV Conferência Nacional de Educação, realizada no Rio de Janeiro em 1931, foi promovida
pela Associação Brasileira de Educação (ABE) e patrocinada pelo governo Federal. O evento congregou
os principais nomes do Movimento da Escola Nova brasileiro, tal como Lourenço Filho e Anísio Teixeira
(TEIVE, 2014). v
O estudo de Hofstetter e Schneuwly (2009) aponta para dois tipos de saberes que constituem a
identidade profissional do professor: o saber a ensinar – objeto do trabalho docente - e o saber para
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ensinar – as ferramentas para a sua atuação profissional. O saber para ensinar, que será evidenciado nesse
artigo, está relacionado ao saber que o professor precisa mobilizar durante a sua atuação profissional,
como, por exemplo, a própria maneira de abordar os saberes a ensinar. vi
Na perspectiva de Chartier, “as representações do mundo social assim constituídas, embora
aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses
de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a
posição de quem os utiliza” (CHARTIER, 2002, p. 17). vii
A reorganização do ensino catarinense de 1935 foi denominada de Reforma Trindade, pois
concretizou-se sob a égide intelectual do professor Luiz Sanchez Bezerra da Trindade, responsável pela
antiga Diretoria da Instrução Pública (FIORI, 1991, p. 121). viii
Nessa época, existiam apenas duas Escolas Normais públicas no estado de Santa Catarina,
uma localizada na cidade de Florianópolis e a outra em Lages. ix As Escolas Complementares tinham a finalidade de formar os professores que deveriam atuar
nas escolas isoladas das zonas rurais. x Nereu de Oliveira Ramos nasceu em Lajes, Santa Catarina, em 1888. Sua família constituiu
uma das poucas oligarquias que acompanharam todos os movimentos políticos mais importantes do
século XX, sem ceder à primazia da política estadual. Em 1905, matriculou-se na Faculdade de Direito de
São Paulo, onde foi redator da revista do Centro Acadêmico XI de Agosto. Bacharelou-se em 1909 e
retornou à Lajes no ano seguinte. Em 1911, transferiu-se para Florianópolis e iniciou sua participação na
política, elegendo-se deputado estadual. Participou da Revolução de 1930 como um dos líderes da
Aliança Liberal. Foi deputado constituinte em 1934, governador eleito pela Assembleia Legislativa em
1935, e interventor nomeado de 1937 a 1945. Depois de 1945, exerceu o cargo de vice-presidente da
República, além de deputado e senador em vários mandatos (MALIN, 2015). xi De acordo com Bombassaro (2007, p. 158) as Semanas Educacionais constituíam-se em
grandes congressos regionais que objetivavam a difusão das teses do pensamento pedagógico nacional
entre o corpo docente do estado a partir do ano de 1936. xii
“A Revista de Educação foi publicada bimestralmente entre os anos de 1936 e 1937 pela
Interventoria do Estado [...]. O periódico tinha por objetivo ser fonte de informações e conhecimentos
práticos para a orientação e o auxílio ao professor” (ibidem, p. 157). xiii
A Pedagogia Moderna surgiu em oposição ao excessivo intelectualismo da Pedagogia
Tradicional e, dessa maneira, defendia veemente o “ensino ativo”, “entendido como uma forma de tornar
viva a lição dos professores, mediante o uso de uma parafernália de materiais didáticos e, sobretudo, da
prática das lições de coisas” (TEIVE, 2014, p. 155). Já a Escola Nova propunha uma “escola ativa” com
ênfase na concepção de atividade, a qual desloca para as crianças a realização das tarefas. xiv
Para saber mais sobre a escola: http://www.q2l.org/. Acessado em: 05 de março de 2016. xv
Zoltan Paul Dienes - Matemático húngaro, nascido em 1916, obtém o título de Doutor em Matemática e
Psicologia, pela Universidade de Londres, em 1939. Trabalha como professor em Highgate School e
Dartington Hall School e nas Universidades de Southampton, Sheffield, Manchester e Leicester, todas na
Inglaterra. Torna-se pesquisador do Centro de Estudos Cognitivos da Universidade de Harvard (1960-
1961) e professor adjunto em Psicologia na Universidade de Adelaide (Austrália), no período de 1961 a
1964. É nomeado diretor do Centro de Investigação em Psicomatemática, em Sherbrooke, Quebec, em
1964 e, após o fechamento do Centro em 1975, por motivos políticos, dedica seus estudos à educação
indígena, como professor na Universidade de Brandon, no Canadá, até 1978. Disponível em:
<http://www.dienes.hu/page_biographies_DZ.html>. Acesso em 31 out. 2010. xvi
Sobre artigos de matemática publicados na Revista de Ensino/RS consultar Pereira (2010). xvii
Integrante da equipe da Revista de Ensino (POÇAS, ATHANÁSIO, 1972). xviii
Para mais informações sobre as classes-piloto organizadas pelo GEEMPA consultar Fischer (2006). xix
Presidente do Grupo de Estudos sobre Ensino da Matemática de Porto Alegre (GEEMPA) - é
professora do Laboratório de Matemática do I. E. “Gen. Flores da Cunha” - Porto Alegre, RS. (GROSSI,
1973, p.53) xx
Professora de Didática da Matemática da Clínica de Aprendizagem do Laboratório de Matemática do
Instituto de Educação “General Flores da Cunha” e integrante do GEEMPA-RS (FAGUNDES, 1972,
p.24). xxi
A apropriação, a nosso ver, visa a uma história social dos usos e das interpretações, referida a suas
determinações fundamentais e escrita nas práticas específicas que a produzem. Assim, voltar à atenção
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para as condições e os processos que, muito concretamente, sustentam as operações de produção do
sentido (na relação de leitura, mas em tantos outros também) é reconhecer, contra a antiga história
intelectual, que nem as inteligências nem as ideias são desencarnadas, e, contra os pensamentos do
universal, que as categorias dadas como invariantes, sejam elas filosóficas ou fenomenológicas, devem
ser construídas na descontinuidade das trajetórias históricas (CHARTIER, 1991, p. 180). xxii
São assinados 12 acordos MEC-USAID, entre 1964 e 1968, que pressionaram e exigiram
racionalização e eficácia na aplicação de recursos (MEDINA, 2012).
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