Upload
truongthien
View
214
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA VARA EMPRESARIAL DA COMARCA DA CAPITAL DO
RIO DE JANEIRO.
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO, órgão vinculado à Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
CNPJ n.º 30.449862/0001-67) sem personalidade jurídica, especialmente constituído para
defesa dos interesses e direitos dos consumidores, estabelecida à Rua Dom Manoel s/n, Praça
XV, Rio de Janeiro-RJ, CEP: 20010-090, vem, por seus procuradores, propor
AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO
Contra SONY BRASIL LTDA, inscrita no CNPJ sob o n.° 43.447.044/0001-77, estabelecida à
Rua Inocêncio Tobias, n.º 125, Bloco A, Barra Funda, São Paulo-SP, CEP: 01144-000, com
fundamento nos artigos 6°, IV e VI, 18, 26, caput, I e II, §§ 2º e 3º, 39, IV, V, XII, 46, 47, 50, 51,
XV, e 54, §§ 3º e 4º, todos da Lei n.° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), 446, do CC
2002, e nos termos que se seguem:
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO1
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
DOS FATOS
A ré atua no mercado fabricando produtos eletroeletrônicos, como televisores, aparelhos de
som, notebooks etc.
Além de sua boa reputação no mercado a ré, atualmente, para atrair os consumidores, vem
introduzindo seus produtos no mercado anunciando possuírem estes 1 (um) ou 2 (dois) anos de
garantia.
O consumidor, atraído pela oferta, compreendendo tratar-se de garantia de abrangência total de
01 (um) ou 02 (dois) anos, adquire o produto, em detrimento de outros fabricados e
comercializados por outros fornecedores com ofertas aparentemente inferiores, e, ao ler as
condições da garantia, acessíveis somente depois da aquisição (não no momento de reflexão
que antecede a compra), descobre que a garantia de 01 (um) ano ou de 02 (dois) anos não é
integral.
No caso da garantia de 01 (um) ano, que inclui o prazo previsto no Código de Defesa do
Consumidor, incidente nos primeiros noventa dias, a garantia seria quase que integral, pois
excluída a cobertura para transporte do produto para uma “oficina” credenciada.
No caso da garantia de 02 (dois) anos, no primeiro ano (primeira parte), que inclui o prazo
previsto no Código de Defesa do Consumidor, incidente nos primeiros noventa dias, a garantia
seria quase que integral, pois excluída a cobertura para transporte do produto para uma “oficina”
credenciada, enquanto que, no segundo (segunda parte) a garantia teria menor abrangência
ainda, cobrindo apenas os custos das peças necessárias para o reparo. O custo relativo à “mão
de obra” e de transporte do produto para uma “oficina” credenciada seria, nesta segunda fase,
de responsabilidade do consumidor.
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO2
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Pode-se afirmar que, a rigor, dentro das garantias de 01 (um) e de 2 anos a garantia integral é
de apenas 90 (noventa) dias, fato que não é informado previamente ao consumidor para que
uma escolha consciente possa ser feita no momento correto.
Não tendo sido previamente informado não se pode exigir do consumidor a submissão às
cláusulas da garantia que não convergirem com a garantia legal do CDC. A expectativa do
consumidor, no sentido de que as garantias contratuais de 01 (um) e de 2 anos, em termos de
cobertura, equivalem integralmente à garantia legal do CDC, é legítima quando não há
informações sobre as limitações das garantias contratuais contestadas. Por isso, ausente a
informação prévia deve-se interpretar as garantias contratuais como se integrais fossem.
Além de não permitir que o consumidor faça uma real comparação entre o que oferece e o que é
oferecido por outros fornecedores, contrariando o mandamento de que os fornecedores de
produtos ou serviços devem dar condições para que o consumidor faça uma escolha acertada, a
ré criou regramentos para as garantias contra vícios de inadequação incompatíveis com o
sistema de vícios do Código de Defesa do Consumidor, que deve prevalecer sobre elas sempre
que existir um conflito, tendo em vista ser o Diploma de proteção do consumidor uma norma de
ordem pública (artigo 1º, CDC).
Segundo o artigo 26, do CDC, o prazo decadencial para reclamar ao fornecedor pelos vícios do
produto é de 30 dias - tratando-se de produto não durável (artigo 26, I, CDC) - ou de 90 dias,
tratando-se de produto durável (artigo 26, II, CDC). Considerando que os produtos
eletroeletrônicos fabricados pela ré são duráveis, a garantia legal destes será sempre de 90
(noventa) dias.
O artigo 50, CDC, dispõe que “a garantia contratual é complementar à legal”. O artigo 446, do
CC 2002, fixa o dia seguinte ao término de garantia contratual, porventura existente, como termo
inicial para contagem do prazo legal decadencial de 30 dias para reclamar pelos vícios
redibitórios (artigo 445, CC 2002); tal dispositivo, aplicável por força do possível e necessário
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO3
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
diálogo de fontes (artigo 7°, CDC), auxilia na busca pelo real sentido do artigo 50, CDC: a
garantia legal pelos vícios do produto inicia-se, em regra, imediatamente depois do término da
garantia concedida pelo fabricante.
O primeiro conflito entre as regras da garantia oferecida pela ré e as da garantia do CDC reside,
pois, na regra para início da contagem do prazo da garantia do CDC: de acordo com as
garantias contratuais contestadas, o prazo da garantia do CDC inicia-se quando da aquisição do
produto, enquanto que, pelas regras do CDC, a garantia neste prevista inicia-se, em regra (a
exceção pode ocorrer no caso em que a garantia contratual é menos abrangente do que a
garantia legal e o consumidor necessita fazer uso da garantia legal), tão-logo verificado o termo
final das garantias contestadas. As regras previstas no CDC devem prevalecer sobre as regras
“criadas” pela ré, de forma a inverter a ordem de contagem dos prazos: primeiro inicia-se o
prazo das garantias contratuais, menos 90 (noventa) dias, e, depois, em regra, os noventa dias
da garantia legal.
O segundo conflito reside na possibilidade de afastamento da garantia contratual e prevalência
da garantia legal. Conforme visto as garantias contratuais contestadas são inferiores, em termos
de cobertura, à garantia legal. Por isso, se durante a vigência da garantia contratual (de um ou
dois anos) o consumidor necessitar fazer uso da garantia legal (quando a garantia contratual
não oferecer a cobertura que o consumidor necessita e que se encontra apenas na garantia
legal) esta prevalecerá, desde que vigente, sobre aquela.
Sendo necessário e possível o uso da garantia legal durante o prazo da garantia contratual dois
efeitos poderão ocorrer:
1) O primeiro efeito, que é válido para as duas garantias contestadas, refere-se aos custos do
transporte do produto detentor de vício de inadequação para uma assistência técnica
autorizada. De acordo com os termos da garantia contratual as despesas de transporte ou frete
do produto são de responsabilidade do consumidor. Especialmente em determinadas hipóteses,
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO4
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
como produtos pesados, de grande tamanho, os custos com transporte podem ser mais
elevados do que de costume, devido à necessidade de transporte especial, como os feitos com
Kombis, caminhões. Sendo necessário utilizar um transporte que gere custos o preço final do
produto acaba sendo superior ao constante da oferta que levou o consumidor a adquiri-lo.
Pelas regras contratuais elaboradas unilateralmente pela ré o consumidor é obrigado a suportar
o acréscimo do produto por fato que não pode lhe ser imputado, pois o vício de inadequação do
produto, manifestado dentro do prazo de garantia, é de responsabilidade do fornecedor,
conforme disposto no artigo 18, CDC. Obrigar o consumidor a arcar com custo que se fez
necessário por fato a ele não imputável, e sim ao fornecedor, tendo em vista que os vícios de
inadequação são de sua responsabilidade, configura “vantagem manifestamente excessiva” (ao
invés de arcar com algo que se encontra dentro do “circulo” de sua responsabilidade o
fornecedor repassa obrigação sua para o consumidor). Vista a questão sob a ótica da
responsabilidade civil, e considerando genericamente que dano é diminuição no patrimônio da
vítima, o valor pago para o transporte do produto detentor de vício de inadequação configura
dano causado por fato imputável ao fornecedor do produto.
Estando vigente a garantia legal do CDC os custos para transportar o produto detentor de vício
de inadequação não podem ser repassados ao consumidor. Caso o consumidor, em razão de
sua reconhecida vulnerabilidade frente ao fornecedor de produtos ou serviços, se submeter ao
abuso da ré (não raramente o consumidor é obrigado a se submeter a um abuso do fornecedor
para não se privar de um produto por prazo equivalente ao de duração de um processo judicial
ou perder o interesse pelo produto) terá direito ao reembolso do valor pago para transportar o
produto detentor de vício de inadequação para uma “oficina” credenciada.
2) O segundo, válido apenas para a garantia contratual de 02 (dois) anos, refere-se ao
pagamento pela mão de obra necessária para o reparo do vício de inadequação. Enquanto
vigente a garantia legal o eventual pagamento pela “mão de obra” para reparar o produto
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO5
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
detentor de vício de inadequação é indevido, e, sendo indevido, o consumidor poderá fazer uso
do direito previsto no parágrafo único do artigo 42 do CDC.
Note-se que ambos os efeitos acima mencionados também deverão incidir durante toda a
vigência da garantia contratual nas hipóteses em que inexistir a informação prévia, adequada e
clara sobre as limitações das garantias contratuais contestadas, pois a legítima expectativa do
consumidor deverá prevalecer em detrimento das regras criadas pela ré.
Em outras palavras: a ausência de informações prévias, adequadas e claras sobre as limitações
das garantias contratuais deve importar em se considerar como se integrais fossem estas.
Existindo informações prévias, adequadas e claras sobre as limitações da garantia contratual
deve-se reconhecer que, vigente a garantia legal, deve-se afastar a garantia contratual. Em
ambas as hipóteses (ausência de informações prévias, adequadas e claras e vigente a garantia
legal do CDC), os custos com o transporte do produto para uma assistência técnica arcados
pelo consumidor deverão ser ressarcidos; e o pagamento feito a título de mão de obra deverá
ser restituído em dobro.
DO DIREITO
Preliminarmente, cabe esclarecer que a presente ação não visa o reconhecimento abstrato da
abusividade das garantias contratuais, mas, sim, a adequação das mesmas às regras da norma
de ordem pública a que devem “obediência”.
Conforme visto anteriormente, à garantia contratual oferecida pela ré aplicam-se as normas do
CDC, tendo em vista ser de consumo as relações existentes, assim como as que futuramente
irão existir, entre a ré e os consumidores adquirentes do produtos por ela fabricados.
Do dever de informação para que o consumidor possa optar de forma livre e consciente
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO6
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
De acordo com o caput e inciso III, do artigo 4º, do Código de Defesa do Consumidor (legislação
aplicável), as relações de consumo devem ser norteadas pelos princípios da boa fé objetiva e da
equidade. No mesmo sentido, mas com aplicação para todas as relações negociais, os artigos
113 e 422 do CC 2002.
Segundo a autora Cláudia Lima Marques, “boa fé objetiva significa, portanto, uma atuação
refletida, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o,
respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com
lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando
para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos
interesses das partes”. (Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das
relações contratuais. São Paulo: RT, 2002, pp. 181/182)
O princípio da boa-fé objetiva, segundo a doutrina, possui três funções básicas: 1) fonte de
deveres anexos, ou, como preferem alguns autores, deveres laterais ou instrumentais; 2)
limitação ao exercício de direitos subjetivos (antes considerados lícitos e agora considerados
abusivos) e 3) interpretação da relação contratual (através de uma visão total dessa) para que
se alcance “o justo”.
“Efetivamente, o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual; 1) como fonte de deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual, os chamados deveres anexos, e 2) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos e 3) na concreção e interpretação do contrato. A primeira função é uma função criadora (pflichtenbegrundende Funfktion), seja como fonte de novos deveres (Nebenpflichten), deveres de conduta anexos aos deveres de prestação contratual, como o dever de informar, de cuidado e de cooperação; seja como fonte de responsabilidade por ato lícito (Vertrauenshaftung), ao impor riscos profissionais novos e agora indisponíveis por contrato. A segunda função é uma função limitadora (Schranken-bzw.Kontrollfunktion), reduzindo a liberdade de atuaçãodos parceiros contratuais ao definir algumas condutas e cláusulas como abusivas, seja controlando a transferência dos riscos profissionais e libertando o devedor em face da não razoabilidade de outra conduta (pflichenbefreinde Vertrauensubstande). A terceira é a função interpretadora, pois a
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO7
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
melhor linha de interpretação de um contrato ou de uma relação de consumo deve ser a do princípio da boa-fé, o qual permite uma visão total e real do contrato sob exame. Boa-fé é cooperação e respeito, é conduta esperada e leal, tutelada em todas as relações sociais. A proteção da boa-fé e da confiança despertada formam, segundo Couto e Silva, a base do tráfico jurídico, a base de todas as vinculações jurídicas, o princípio máximo das relações contratuais. A boa-fé objetiva e a função social do contrato são, na expressão de Waldírio Bulgarelli, ´como salvaguardas das injunções do jogo do poder negocial´”. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. São Paulo: RT, 2002, pp. 180/181)
“Na relação obrigacional a boa-fé exerce múltiplas funções, desde a fase anterior à formação do vínculo, passando pela sua execução, até a fase posterior ao adimplemento da obrigação: interpretação das regras pactuadas (função interpretativa), criação de novas normas de conduta (função integrativa) e limitação dos direitos subjetivos (função de controle contra o abuso de direito). (...)A função integrativa da boa-fé permite a identificação concreta, em face das peculiaridades próprias de cada relação obrigacional, de novos deveres, além daqueles que nascem diretamente da vontade das partes. Ao lado dos deveres primários de prestação, surgem os deveres secundários ou acidentais da prestação e, até mesmo, deveres laterais ou acessórios de conduta. Enquanto os deveres secundários vinculam-se ao correto cumprimento dos deveres principais (v.g. dever de conservação da coisa até a tradição), os deveres acessórios ligam-se diretamente ao correto processamento da relação obrigacional (v.g. deveres de cooperação, de informação, de sigilo, de cuidado).(...)Na sua função de controle, limita o exercício de direitos subjetivos, estabelecendo para o credor, ao exercer o seu direito, o dever de ater-se aos limites traçados pela boa-fé, sob pena de uma atuação antijurídica. Evita-se, assim, o abuso de direito em todas as fases da relação jurídica obrigacional, orientando a sua exigibilidade (pretensão) ou o seu exercício coativo (ação)”. (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 59)
Dentre os deveres anexos (de proteção), que decorrem da função criadora de deveres do
princípio da boa-fé objetiva, possui grande relevância o dever de informação. A relevância é
clara: dar condições para que o consumidor, naturalmente vulnerável nas relações que
estabelece no mercado de consumo, possa contratar de forma racional, ou melhor, fazer
escolhas acertadas.
“A fragilidade do consumidor sintetiza a razão de sua proteção jurídica pelo Estado. O consumidor é a parte frágil nas mais diversas e
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO8
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
variadas relações jurídicas estabelecidas no mercado. Ante essa constatação, diversos países, especialmente a partir da década de 70, editaram normas de tutela dos interesses dos consumidores. Como reflexo dessa preocupação, a ONU, em 1985, por meio da Resolução 39/428, recomendou que os governos desenvolvessem e reforçassem uma política firme de proteção ao consumidor para atingir os seguintes propósitos: proteção da saúde e segurança; fomento e proteção dos interesses econômicos do consumidor; fornecimento de informações adequadas para possibilitar escolhas acertadas; educação do consumidor; possibilidade efetiva de ressarcimento do consumidor e liberdade de formar grupos e associações que possam participar das decisões políticas que afetem os interesses dos consumidores” (BESSA, Leonardo Roscoe. Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002: convergências e assimetrias/ coordenadores Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer, Adalberto Pasqualotto. São Paulo: RT, 2005, pp. 282/283)
“A abrangência do dever de explicar é uma questão de necessidade: quando um especialista compra uma máquina complicada, o vendedor já pode pressupor certos conhecimentos; no entanto, no caso de produtos novos ou ainda não conhecidos no mercado, o vendedor deve explicar detalhadamente com usá-los”. (FABIAN, Christoph. O Dever de Informar no Direito Civil. RT: São Paulo, 2002, p. 127)
“Neste momento de tomada da decisão pelo consumidor, também deve ser dada a oportunidade do consumidor conhecer o conteúdo do contrato (veja art. 46 do CDC), de entender a extensão das obrigações que assume e a abrangência das obrigações da prestadora de serviços, daí a importância do destaque e clareza das cláusulas contratuais”. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, o novo regime das relações contratuais. RT: São Paulo, 2002, p. 191)
Ciente da abrangência das garantias oferecidas pela ré com os produtos que comercializa, o
consumidor terá a oportunidade de fazer comparações com o que é oferecido por outros
fornecedores, e assim poder optar pelo produto que lhe oferece melhores condições.
Porém, a forma como a ré vem apresentando os produtos que comercializa, acompanhados de
garantias contratuais, não permite que o consumidor possa, na fase em que ainda está
refletindo, fazer uma escolha acertada, pois apenas é informado que a garantia contratual
possui prazo de 1 ou de 2 anos. Inegavelmente, a informação “pura” de que o produto possui
garantia contratual de 1 ou de 2 anos é compreendida como se fosse garantia total de 1 ou de 2
anos, igual à garantia legal.
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO9
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
A obrigação dos fornecedores de produtos ou serviços de informar o consumidor no sentido de
lhe dar condições para que possa contratar de forma livre e consciente encontra-se positivada
nos artigos 6º, II, III, e 31, CDC.
Inegável, portanto, que a ré é obrigada a disponibilizar informações adequadas e claras na
oferta e apresentação dos produtos que comercializa com garantia contratual não integral, de
forma que o consumidor possa compreender o alcance dos termos desta e, assim, optar de
forma livre e consciente.
Tendo em vista que o direito à informação é um direito básico do consumidor o ônus da provar
que foi prestada ou disponibilizada ao consumidor é da ré.
A não comprovada informação prévia sobre as limitações da garantia deve ser penalizada com a
não vinculação do consumidor aos termos da garantia contestada (artigo 46, CDC), que deverá,
então, ser interpretada como se total fosse (artigo 47, CDC), conforme as expectativas do
consumidor.
Acrescente-se que, no caso específico da ausência de informação prévia, clara e adequada
sobre as limitações da garantia contratual, a garantia legal do CDC, conforme será demonstrado
no item seguinte, iniciará no dia seguinte ao término da garantia contratual.
Do início da vigência da garantia legal quando existente garantia contratual
complementar. Da prevalência da garantia legal sobre a garantia contratual. Do direito ao
reembolso do valor pago para transportar o produto para uma assistência técnica. Do
direito à restituição em dobro do valor pago a título de mão de obra
De acordo com o artigo 26, CDC, “o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil
constatação caduca em: I – trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO10
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
duráveis; II – noventa dias, tratando-se de fornecimento de fornecimento de serviço e de produto
duráveis”. O parágrafo 3º do dispositivo prescreve que “tratando-se de vício oculto, o prazo
decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito”.
Segundo o artigo 50, CDC, “a garantia contratual é complementar à legal e será conferida
mediante termo escrito”. No mesmo sentido, mas de forma “didática”, dispõe o artigo 446, CC,
localizado na seção do Título V do Código Civil que trata dos vícios redibitórios, que “não
correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia”.
De acordo com os dispositivos acima mencionados os fornecedores de produtos são legalmente
responsáveis pelos vícios de adequação dos produtos que comercializam durante dois
diferentes prazos: 30 ou 90 dias. O prazo e o início deste depende da existência ou não de
garantia contratual dada pelo fabricante e da natureza do produto (produto durável ou não
durável).
No caso dos produtos fabricados pela ré o prazo da garantia legal é de 90 dias, visto que estes
produtos são duráveis, pois não se exaurem no primeiro ou nos primeiros usos.
Existindo a garantia contratual para o produto o prazo legal de 90 dias (a garantia legal)
somente começará a fluir, em regra, assim que terminar o prazo da primeira, isto se a
abrangência das garantias for igual (como ocorre na hipótese tratada no item anterior) ou, não
sendo, a garantia contratual e a legal não forem utilizadas durante o prazo da primeira ou
somente for utilizada a garantia contratual.
“Nos termos então mencionados, os prazos ligados à garantia legal só terão início após o término do prazo de garantia concedido pelo alienante, isso pelo menos como uma regra; como toda a regra sofre exceção, aqui também o prazo de garantia legal pode ter início independentemente do transcurso do prazo de garantia contratual.Expliquemos melhor o nosso raciocínio: sendo a garantia contratual geral, referente a todo o bem, prevalece a soma dos prazos. Por exemplo: se na compra de uma televisão o fornecedor concede um ano de garantia completa, deveremos somar a esse prazo os 90 dias,
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO11
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
previstos no art. 26, II, do CDC, o que totalizará uma garantia de 15 meses.Todavia, como vimos, a garantia contratual pode se referir a apenas parte do produto e nesse caso duas situações podem ocorrer: primeiro, o vício se encontra na parte do produto coberto pela garantia contratual e nesse caso, como na regra exposta, os prazos se somam; segundo, a imperfeição se encontra em parte do bem não coberto pela garantia contratual (por exemplo, a garantia se refere apenas ao câmbio do veículo e o vício está no motor) e nesse caso, o prazo será unicamente aquele previsto em lei, tendo início com a tradição do bem ou a descoberta do problema”. (GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. Vícios do produto e do serviço por qualidade, quantidade e insegurança: cumprimento imperfeito do contrato. São Paulo: RT, 2004, pp. 251/252)
“Não temos dúvida, por isso, em afirmar que o sentido de complementar utilizado na redação do caput do art. 50 é o da letra b, ou seja, a garantia contratual vai até onde prever, e ao seu término tem início o prazo para o consumidor apresentar reclamação”. (RIZZATO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 581)
“Em verdade, o que o legislador fez, não sem tempo, foi solucionar a delicada situação consistente no fato de coexistirem duas modalidades de garantia: a legal e a contratual. (...).(...)Em tal circunstância, enquanto estiver em curso o prazo de garantia contratual, a garantia legal estará sobrestada, paralisada...” (GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume IV: contratos, tomo 1: teoria geral. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 193)
Compra e venda – Veículo automotor – Rescisão contratual e perdas e danos – Vício redibitório – Decadência – Lapso decadencial que somente começará a fluir após esgotados os dois anos de garantia dada ao bem objeto do contrato. Se o veículo automotor, objeto do contrato de compra e venda, possui garantia de dois anos, somente após o término desse lapso é que começará a fluir o prazo de decadência para a interposição de ação de rescisão contratual cumulada com pedido de perdas e danos por vício redibitório (2º TACivSP, AgIn. 589594-00/0, 1ª CâmCív., Rel. Juiz Renato Sartorelli, j. 13/09/1999).
Apelação cível – Consumidor – Defeito do produto – Prazo e decadência – Resolução do contrato. A garantia contratual, determinada pelo próprio fornecedor e estipulada de acordo com a sua conveniência, é complementar à garantia legal, consoante a exegese do art. 50 do CDC, o que induz a conclusão de que os prazos devem ser somados. Na espécie, o defeito foi constatado quando ainda não expirado esse somatório. Vício oculto. Apelação provida (TJRS, Ap.Cív. 70011580883, 14ª CâmCív., Rel. Des. Rogério Gesta Leal, j. 30/06/2005).
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO12
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Direito do consumidor – Defeito em “placa mãe” de computador – Garantias legal e contratual – Decadência – Prazo. A garantia contratual, sabe-se, é determinada pelo próprio fornecedor, que o estipula de acordo com a sua conveniência, representando, na verdade, um plus em favor do consumidor, em complemento à garantia legal, consoante a exegese di art. 50 do CDC, o que equivale a dizer que os prazos respectivos se somam, sem prejuízo do fornecedor que tem condições de conhece-lo previamente. Caso em que o defeito apareceu quando ainda não expirado esse somatório. E mesmo que assim não fosse, poder-se-ia cogitar da existência de vício oculto, a prejudicar a vida útil do produto, capaz de desencadear, apenas a partir de sua descoberta, a marcha decadencial. Danos materiais e morais devidos. Apelo provido (TJRS, Ap.Cív. 70007694078, 10ª CâmCív., Rel. Des.Luiz Ary Vessini de Lima, j. 07/10/2004).
Conclusão
Fundamentada está a tese de que o prazo da garantia legal inicia-se, em regra, imediatamente
após o prazo da garantia contratual concedida pelo fabricante, salvo quando esta contém
restrição (ou restrições) e, em razão desta (ou uma destas), a garantia legal é utilizada. Na
hipótese de inexistir informações adequadas e claras sobre as limitações das garantias
contratuais contestadas estas devem ser consideradas como se tivessem a mesma abrangência
que a garantia legal do CDC.
Conseqüentemente, fundamentada está a tese de que a ré é obrigada arcar com os custos de
transporte para assistências técnicas autorizadas e a não cobrar valores a título de mão de obra
quando vícios de inadequação se manifestam, nos produtos por ela fabricados, quando
incidente a garantia legal, desde que, por óbvio, estes vícios sejam “tempestivamente”
reclamados.
Do pagamento, pelo consumidor, de valor para transportar, para uma assistência técnica
credenciada, produto fabricado pela ré detentor de vício de inadequação manifestado quando
incidente a garantia legal, e reclamado “tempestivamente”, nasce a pretensão, para o
consumidor em face da ré, ao reembolso do valor.
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO13
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Nesta esteira, do pagamento, pelo consumidor, de valor a titulo de mão de obra para reparo de
vício de inadequação manifestado em produto fabricado pela ré quando incidente a garantia
legal e reclamado “tempestivamente”, nasce a pretensão, para o consumidor em face da ré, à
restituição do valor na forma do parágrafo único do artigo 42 do CDC.
Os consumidores que não foram informados ou não tiveram acesso prévio acerca das limitações
da garantia contratual contestada, conforme mencionado anteriormente, possuem também os
direitos aqui mencionados, desde que o vício de inadequação tenha se manifestado dentro do
prazo da garantia contratual ou da garantia legal, e desde que reclamado (o vício)
tempestivamente.
Da presente demanda como causa obstativa do curso dos prazos para o exercício dos
direitos relacionados com o reconhecimento de que enquanto vigente a garantia do CDC
para vícios de inadequação afasta-se a garantia contratual
Foi demonstrado acima que a garantia contratual que acompanha produtos fabricados pela ré é
inferior – em termos de cobertura – à garantia legal do CDC. Por isso, enquanto vigente esta,
conforme as regras apresentadas no corpo da presente, deve-se afastar a garantia contratual.
Conseqüentemente, o consumidor que tiver arcado com custos para transportar o produto
detentor de vício de inadequação manifestado quando vigente a garantia legal do CDC possui o
direito ao seu reembolso, visto que o transporte se fez necessário por força de fato imputável à
ré, pois foi ela quem introduziu produto detentor de vício de inadequação no mercado, e não o
consumidor, indivíduo leigo que recebeu produto lacrado e somente veio a descobrir o vício com
o uso.
Na mesma esteira, o consumidor que tiver remunerado, enquanto vigente a garantia legal do
CDC, o serviço prestado pela assistência técnica, segundo as regras da segunda parte da
garantia contratual de 2 anos, que apenas cobre o custo das peças de reposição necessárias,
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO14
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
terá direito à restituição em dobro do valor (parágrafo único do artigo 42 do CDC), tendo em
vista que indevida e injustificável a cobrança.
Vale repetir que, os consumidores que não foram informados ou não tiveram acesso prévio
acerca das limitações das garantias contratuais contestadas possuem também os direitos aqui
mencionados, desde que o vício de inadequação tenha se manifestado dentro do prazo da
garantia contratual ou da garantia legal, e desde que reclamado (o vício) tempestivamente.
Da questão tratada na presente podem ocorrer quatro situações que iniciam a contagem de
prazos para o exercício de direitos:
1) Consumidor verifica, durante a vigência da garantia legal do CDC, a manifestação de vício no
produto fabricado pela ré que possui a garantia contestada. Entra em contato com a ré, que lhe
informa ser necessário transportar o bem para uma assistência técnica à sua própria custa.
Impossibilitado de transportar o bem (a assistência técnica mais próxima é muito longe, o
produto só pode ser transportado através de meio de transporte especial que possui custo
elevado etc.), ou se recusando a se submeter ao abuso, o prazo para exercer o direito de exigir
o reparo, a rigor, continuará fluindo.
2) Consumidor verifica, durante a vigência da garantia legal do CDC, a manifestação de vício no
produto fabricado pela ré que possui a garantia contestada. Entra em contato com a ré, que lhe
informa ser necessário transportar o bem para uma assistência técnica à sua própria custa. O
consumidor, em razão de sua vulnerabilidade e o interesse de obter rapidamente o reparo do
produto, se submete ao abuso e arca com os custos para o transporte. Inicia-se o prazo para
exercer o direito de obter o ressarcimento do valor pago para remunerar o transporte.
3) Consumidor verifica, durante a vigência da garantia legal do CDC, a manifestação de vício no
produto fabricado pela ré que possui a garantia contestada. Entra em contato com a ré, que lhe
informa ser necessário transportar o bem para uma assistência técnica à sua própria custa. O
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO15
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
consumidor, em razão de sua vulnerabilidade e o interesse de obter rapidamente o reparo do
produto, se submete ao abuso e arca com os custos para o transporte. Ao entregar o produto na
assistência técnica se depara com a cobrança pela mão de obra necessária. Recusa-se, então,
a prosseguir. O prazo para exercer o direito de exigir o reparo sem custo, a rigor, continuará
fluindo.
4) Consumidor verifica, durante a vigência da garantia legal do CDC, a manifestação de vício no
produto fabricado pela ré que possui a garantia contestada. Entra em contato com a ré, que lhe
informa ser necessário transportar o bem para uma assistência técnica à sua própria custa. O
consumidor, em razão de sua vulnerabilidade e o interesse de obter rapidamente o reparo do
produto, se submete ao abuso e arca com os custos para o transporte. Ao entregar o produto na
assistência técnica se depara com a cobrança pela mão de obra necessária. Submete-se, então,
ao novo abuso e efetua o pagamento do custo da mão de obra. Inicia-se o prazo para exercer o
direito à restituição em dobro do valor pago indevidamente.
Em todas as hipóteses o ajuizamento da ação individual correspondente obsta o curso do prazo
para o exercício do direito, independentemente da natureza do mesmo (decadencial ou
prescricional).
Vale esclarecer que a autora preferiu utilizar o termo “obsta” porque pode ser utilizado
indistintamente para as hipóteses de prazo decadencial e prazo prescricional. Além disso, a
opção se deu para não se adentrar equivocadamente em questão que deverá ser tratada
somente em sede de liquidação de sentença (fase em que se verificará se o caso individual trata
de prazo decadencial ou prescricional).
Considerando, pois, que a ação individual obsta o curso do prazo decadencial ou prescricional,
e que a autora atua na presente como substituta processual dos consumidores, o ajuizamento
da presente deve ser reconhecido como causa obstativa do curso dos prazos para o exercício
dos direitos individuais (atuais e futuros) que estejam relacionados com a presente.
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO16
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Da antecipação de tutela
Determinar que a ré passe a informar sobre a abrangência da garantia contratual, de maneira a
chegar ao conhecimento do consumidor na fase de reflexão, isto é, na fase em que está
optando por adquirir o produto (o que incluí o produto em si e o seu fabricante), é medida
possível e que se faz urgente.
Dispõe o artigo 6º, II e III, CDC, que “são direitos básicos do consumidor”: “a educação e
divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de
escolha e a igualdade nas contratações” e a “informação adequada e clara sobre os diferentes
produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição,
qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.
No mesmo sentido o artigo 31, CDC, que prescreve que “a oferta e a apresentação de produtos
ou serviços devem assegurar instruções corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua
portuguesa sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia,
prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à
saúde e segurança dos consumidores”.
Conforme observado anteriormente o legislador preocupou-se de dar maior ênfase à informação
prévia para que o consumidor passasse a ter real liberdade de escolha, de forma a optar por um
produto fabricado por determinado fabricante, ou comercializado por determinado fornecedor,
depois de ser devidamente informado sobre todos os aspectos que circundam o produto.
Adquirir um produto desta forma significa ter feito uma escolha com liberdade.
Há, portanto, fundamento para obrigar a ré a dar condições para que o consumidor tenha
ciência prévia e adequada sobre a abrangência da garantia que acompanha os produtos
fabricados pela ré.
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO17
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Por outro lado, a espera pelo provimento final permitirá que consumidores adquiram produtos
fabricados pela ré acreditando erroneamente que estão fazendo a melhor escolha. Esta (a
melhor escolha) pode estar em outro produto que oferece, por exemplo, uma garantia integral de
um ano.
Acrescente-se que, deixar de informar o consumidor sobre a real abrangência da garantia
contratual, de forma a não permitir que ele faça a melhor escolha (esta pode estar em produto
fabricado por outro fornecedor) configura concorrência desleal, que é nociva não só ao mercado
de consumo, mas para toda a sociedade, o que significa dizer que a garantia contratual
oferecida pela ré, vista de forma global, contraria o artigo 421, CC 2002.
A medida, caso deferida, não será capaz de causar danos irreversíveis à ré, pelo menos não
injustos (a defesa do consumidor, vale lembrar, é limite ao exercício da livre iniciativa e dever do
estado – artigos 5º, XXXII, e 170, V, CF). O acolhimento da noção de dano injusto é de extrema
importância para a questão, tendo em vista que, se assim não fosse, a gama de situações que
reclamam antecipação dos efeitos da tutela seria radicalmente comprometida, pois é normal que
medidas tais causem danos na parte “prejudicada” pela medida.
“Essa noção normativa justifica a adjetivação do dano juridicamente tutelado como dano injusto, o que, no dizer de Alpa et alii, não é uma qualificação que possa ser tida como descontada de inútil e repetitiva do caráter já de per si ilícito do ato que o gera. Pelo contrário, é uma expressão que sublinha a extrema relevância que tem, para o Direito civil, a situação subjetiva prejudicada”. (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil, volume V, tomo II: do inadimplemento das obrigações. FIGUEREDO TEIXEIRA, Sálvio – coord. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 170)
Dispõe o parágrafo 3º do artigo 84 do CDC, repetido no artigo 461 do CPC, que, “sendo
relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento
final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu”.
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO18
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
O dispositivo supramencionado cuida da concessão de tutela liminar para garantir a total
satisfação do direito do consumidor nos casos em que a espera pelo provimento final da
demanda interfere de forma negativa. Trata-se, portanto, de verdadeira antecipação de tutela,
logo deve o dispositivo ora em comento ser interpretado em harmonia com o artigo 273 do
Código de Processo Civil, que trata do assunto de forma geral.
O artigo 273 do CPC exige, para que seja concedida a antecipação parcial ou total da tutela
pretendida, que exista prova inequívoca que convença o juiz sobre a verossimilhança das
alegações do autor, e que “haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”. A
antecipação da tutela não será concedida caso exista “perigo” de irreversibilidade do provimento
antecipado.
A doutrina e a jurisprudência já se manifestaram acerca da contradição existente nas
expressões “prova inequívoca” e “que convença da verossimilhança da alegação”, contidas no
artigo 273 do CPC, concluindo que, havendo uma prova inequívoca haverá certeza, e não
simples verossimilhança, cujo real significado é parecer ser verdadeiro o alegado, logo, a melhor
interpretação que deve ser dada ao dispositivo legal ora em comento é a de haver probabilidade
da existência do direito alegado para que possa ser concedida a antecipação da tutela.
“O artigo 273 condiciona a antecipação da tutela à existência de prova inequívoca suficiente para que o juiz se convença da verossimilhança da alegação. A dar peso ao sentido literal do texto, seria difícil interpretá-lo satisfatoriamente porque prova inequívoca é prova tão robusta que não permite equívocos ou dúvidas, infundindo no espírito do juiz o sentimento de certeza e não mera verossimilhança. Convencer-se da verossimilhança, ao contrário, não poderia significar mais do que imbuir-se do sentimento de que a realidade fática pode ser como a descreve o autor.Aproximadas as duas locuções formalmente contraditórias contidas no artigo 273 do Código de Processo Civil (prova inequívoca e convencer-se da verossimilhança), chega-se ao conceito de probabilidade, portador de maior segurança do que a mera verossimilhança”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil, 2ª edição, São Paulo 1995, ed. Malheiros, p.143)
RESPONSABILIDADE CIVIL DO FABRICANTE. ANTICONCEPCIONAL INERTE. DEFEITO DO PRODUTO RECONHECIDO. INGESTÃO PELA
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO19
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
AUTORA NÃO PROVADA. IMPOSIÇÃO DO PAGAMENTO DE DESPESAS DO PARTO EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. A prova inequívoca, para efeito de antecipação da tutela, quando se trata de relação de consumo, é de ser interpretada sem rigorismo, pois, nessa matéria, mesmo em sede de cognição plena, dispensa-se juízo de certeza, bastante a probabilidade extraída de provas artificiais da razão. DECISÃO MANTIDA (TJRS, AI 599374303, 9ª CâmCív., Rel. Desa. Mara Larsen Chechi, j. 25-8-1999).
Portanto, para que a antecipação de tutela possa ser concedida é necessário que: haja prova
(ou mesmo indícios) demonstrando que há probabilidade de ser verdadeira a alegação do autor
da demanda, e o fundado receio de que possa ocorrer dano irreparável ou de difícil reparação. A
medida não poderá, contudo, ser concedida quando houver perigo de irreversibilidade do
provimento antecipado.
Inegável a presença dos pressupostos necessários (fumus boni iuris e periculum in mora) para a
concessão da medida antecipatória e da impossibilidade de ocorrência de danos injustos à ré.
DOS PEDIDOS
Pelo acima exposto, requer:
01) A citação da ré via mandado próprio para, querendo, contestar a presente;
02) a condenação da ré na obrigação de prestar informações na apresentação e oferta
dos produtos que fabrica sobre as limitações das garantias contratuais que oferece;
03) a antecipação de tutela em relação ao pedido anterior e, em caso positivo, a fixação
de multa para o caso de descumprimento da medida;
04) seja a ré, nos casos em que não provar que prestou informações sobre as limitações
da garantia contratual na oferta e apresentação dos produtos que fabrica, obrigada a
proceder como se integrais fossem as garantias contratuais que oferece junto com os
produtos que fabrica, sem prejuízo da garantia legal do CDC;
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO20
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
05) nas hipóteses em que restar provada a prestação de informações sobre as limitações
das garantias contratuais na oferta e apresentação dos produtos fabricados pela ré: a
revisão da garantia contratual oferecida pela ré junto com seus produtos de forma a
reconhecer que a vigência da garantia legal do CDC somente inicia no dia seguinte ao
término da garantia contratual, exceto quando o vício de inadequação se manifestar
dentro do prazo da garantia contratual e a cobertura necessária estiver somente na
garantia legal do CDC;
06) a condenação da ré na obrigação de reembolsar aos consumidores possuidores da
garantia de 01 ano ou de 02 anos os valores por estes pagos para transportar os produtos
por ela fabricados, e por eles adquiridos, para assistência técnica credenciada para o
reparo de vícios de inadequação nas hipóteses do pedido n.º 4 ou quando vigente a
garantia legal do CDC, desde que “tempestivamente” reclamados os vícios de
inadequação;
07) a condenação da ré na obrigação de restituir, em dobro, aos consumidores
possuidores da garantia de 02 anos os valores por estes pagos a título de “mão de obra”
para assistência técnica credenciada para reparar vícios de inadequação manifestados
nos produtos fabricados pela ré, e por eles adquiridos, nas hipóteses do pedido n.º 4 ou
quando vigente a garantia legal do CDC, desde que tempestivamente reclamados os
vícios de inadequação;
08) seja reconhecido que ajuizamento da presente ação é causa obstativa do curso dos
prazos para o exercício individual dos direitos tutelados na presente;
09) a condenação das rés na obrigação de publicar, às suas custas, em dois jornais de
grande circulação desta Capital, em quatro dias intercalados, sem exclusão do domingo,
em tamanho mínimo de 20 cm x 20 cm, a parte dispositiva de eventual procedência, para
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO21
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
que os consumidores dela tomem ciência, oportunizando, assim, a efetiva proteção de
direitos lesados;
10) a intimação do Ministério Público;
11) a condenação das rés no pagamento dos ônus sucumbenciais.
Protesta por todos os meios de provas admitidos. Dá-se a causa o valor de R$ 31.415,00(trinta
e um mil quatrocentos e quinze reais).
Rio de Janeiro, 27 de agosto de 2010.
PAULO GIRÃO BARROSO
OAB/RJ 107.255
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO22