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ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA VARA EMPRESARIAL DA COMARCA DA CAPITAL DO RIO DE JANEIRO. COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, órgão vinculado à Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro CNPJ n.º 30.449862/0001-67) sem personalidade jurídica, especialmente constituído para defesa dos interesses e direitos dos consumidores, estabelecida à Rua Dom Manoel s/n, Praça XV, Rio de Janeiro-RJ, CEP: 20010-090, vem, por seus procuradores, propor AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO Contra SONY BRASIL LTDA, inscrita no CNPJ sob o n.° 43.447.044/0001-77, estabelecida à Rua Inocêncio Tobias, n.º 125, Bloco A, Barra Funda, São Paulo-SP, CEP: 01144-000, com fundamento nos artigos 6°, IV e VI, 18, 26, caput, I e II, §§ 2º e 3º, 39, IV, V, XII, 46, 47, 50, 51, XV, e 54, §§ 3º e 4º, todos da Lei n.° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), 446, do CC 2002, e nos termos que se seguem: COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 1

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - informar limitacoes da... · No mesmo sentido, mas com aplicação para todas as relações negociais, os artigos 113 e 422 do

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ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA VARA EMPRESARIAL DA COMARCA DA CAPITAL DO

RIO DE JANEIRO.

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO

DO RIO DE JANEIRO, órgão vinculado à Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro

CNPJ n.º 30.449862/0001-67) sem personalidade jurídica, especialmente constituído para

defesa dos interesses e direitos dos consumidores, estabelecida à Rua Dom Manoel s/n, Praça

XV, Rio de Janeiro-RJ, CEP: 20010-090, vem, por seus procuradores, propor

AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO

Contra SONY BRASIL LTDA, inscrita no CNPJ sob o n.° 43.447.044/0001-77, estabelecida à

Rua Inocêncio Tobias, n.º 125, Bloco A, Barra Funda, São Paulo-SP, CEP: 01144-000, com

fundamento nos artigos 6°, IV e VI, 18, 26, caput, I e II, §§ 2º e 3º, 39, IV, V, XII, 46, 47, 50, 51,

XV, e 54, §§ 3º e 4º, todos da Lei n.° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), 446, do CC

2002, e nos termos que se seguem:

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DOS FATOS

A ré atua no mercado fabricando produtos eletroeletrônicos, como televisores, aparelhos de

som, notebooks etc.

Além de sua boa reputação no mercado a ré, atualmente, para atrair os consumidores, vem

introduzindo seus produtos no mercado anunciando possuírem estes 1 (um) ou 2 (dois) anos de

garantia.

O consumidor, atraído pela oferta, compreendendo tratar-se de garantia de abrangência total de

01 (um) ou 02 (dois) anos, adquire o produto, em detrimento de outros fabricados e

comercializados por outros fornecedores com ofertas aparentemente inferiores, e, ao ler as

condições da garantia, acessíveis somente depois da aquisição (não no momento de reflexão

que antecede a compra), descobre que a garantia de 01 (um) ano ou de 02 (dois) anos não é

integral.

No caso da garantia de 01 (um) ano, que inclui o prazo previsto no Código de Defesa do

Consumidor, incidente nos primeiros noventa dias, a garantia seria quase que integral, pois

excluída a cobertura para transporte do produto para uma “oficina” credenciada.

No caso da garantia de 02 (dois) anos, no primeiro ano (primeira parte), que inclui o prazo

previsto no Código de Defesa do Consumidor, incidente nos primeiros noventa dias, a garantia

seria quase que integral, pois excluída a cobertura para transporte do produto para uma “oficina”

credenciada, enquanto que, no segundo (segunda parte) a garantia teria menor abrangência

ainda, cobrindo apenas os custos das peças necessárias para o reparo. O custo relativo à “mão

de obra” e de transporte do produto para uma “oficina” credenciada seria, nesta segunda fase,

de responsabilidade do consumidor.

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Pode-se afirmar que, a rigor, dentro das garantias de 01 (um) e de 2 anos a garantia integral é

de apenas 90 (noventa) dias, fato que não é informado previamente ao consumidor para que

uma escolha consciente possa ser feita no momento correto.

Não tendo sido previamente informado não se pode exigir do consumidor a submissão às

cláusulas da garantia que não convergirem com a garantia legal do CDC. A expectativa do

consumidor, no sentido de que as garantias contratuais de 01 (um) e de 2 anos, em termos de

cobertura, equivalem integralmente à garantia legal do CDC, é legítima quando não há

informações sobre as limitações das garantias contratuais contestadas. Por isso, ausente a

informação prévia deve-se interpretar as garantias contratuais como se integrais fossem.

Além de não permitir que o consumidor faça uma real comparação entre o que oferece e o que é

oferecido por outros fornecedores, contrariando o mandamento de que os fornecedores de

produtos ou serviços devem dar condições para que o consumidor faça uma escolha acertada, a

ré criou regramentos para as garantias contra vícios de inadequação incompatíveis com o

sistema de vícios do Código de Defesa do Consumidor, que deve prevalecer sobre elas sempre

que existir um conflito, tendo em vista ser o Diploma de proteção do consumidor uma norma de

ordem pública (artigo 1º, CDC).

Segundo o artigo 26, do CDC, o prazo decadencial para reclamar ao fornecedor pelos vícios do

produto é de 30 dias - tratando-se de produto não durável (artigo 26, I, CDC) - ou de 90 dias,

tratando-se de produto durável (artigo 26, II, CDC). Considerando que os produtos

eletroeletrônicos fabricados pela ré são duráveis, a garantia legal destes será sempre de 90

(noventa) dias.

O artigo 50, CDC, dispõe que “a garantia contratual é complementar à legal”. O artigo 446, do

CC 2002, fixa o dia seguinte ao término de garantia contratual, porventura existente, como termo

inicial para contagem do prazo legal decadencial de 30 dias para reclamar pelos vícios

redibitórios (artigo 445, CC 2002); tal dispositivo, aplicável por força do possível e necessário

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diálogo de fontes (artigo 7°, CDC), auxilia na busca pelo real sentido do artigo 50, CDC: a

garantia legal pelos vícios do produto inicia-se, em regra, imediatamente depois do término da

garantia concedida pelo fabricante.

O primeiro conflito entre as regras da garantia oferecida pela ré e as da garantia do CDC reside,

pois, na regra para início da contagem do prazo da garantia do CDC: de acordo com as

garantias contratuais contestadas, o prazo da garantia do CDC inicia-se quando da aquisição do

produto, enquanto que, pelas regras do CDC, a garantia neste prevista inicia-se, em regra (a

exceção pode ocorrer no caso em que a garantia contratual é menos abrangente do que a

garantia legal e o consumidor necessita fazer uso da garantia legal), tão-logo verificado o termo

final das garantias contestadas. As regras previstas no CDC devem prevalecer sobre as regras

“criadas” pela ré, de forma a inverter a ordem de contagem dos prazos: primeiro inicia-se o

prazo das garantias contratuais, menos 90 (noventa) dias, e, depois, em regra, os noventa dias

da garantia legal.

O segundo conflito reside na possibilidade de afastamento da garantia contratual e prevalência

da garantia legal. Conforme visto as garantias contratuais contestadas são inferiores, em termos

de cobertura, à garantia legal. Por isso, se durante a vigência da garantia contratual (de um ou

dois anos) o consumidor necessitar fazer uso da garantia legal (quando a garantia contratual

não oferecer a cobertura que o consumidor necessita e que se encontra apenas na garantia

legal) esta prevalecerá, desde que vigente, sobre aquela.

Sendo necessário e possível o uso da garantia legal durante o prazo da garantia contratual dois

efeitos poderão ocorrer:

1) O primeiro efeito, que é válido para as duas garantias contestadas, refere-se aos custos do

transporte do produto detentor de vício de inadequação para uma assistência técnica

autorizada. De acordo com os termos da garantia contratual as despesas de transporte ou frete

do produto são de responsabilidade do consumidor. Especialmente em determinadas hipóteses,

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como produtos pesados, de grande tamanho, os custos com transporte podem ser mais

elevados do que de costume, devido à necessidade de transporte especial, como os feitos com

Kombis, caminhões. Sendo necessário utilizar um transporte que gere custos o preço final do

produto acaba sendo superior ao constante da oferta que levou o consumidor a adquiri-lo.

Pelas regras contratuais elaboradas unilateralmente pela ré o consumidor é obrigado a suportar

o acréscimo do produto por fato que não pode lhe ser imputado, pois o vício de inadequação do

produto, manifestado dentro do prazo de garantia, é de responsabilidade do fornecedor,

conforme disposto no artigo 18, CDC. Obrigar o consumidor a arcar com custo que se fez

necessário por fato a ele não imputável, e sim ao fornecedor, tendo em vista que os vícios de

inadequação são de sua responsabilidade, configura “vantagem manifestamente excessiva” (ao

invés de arcar com algo que se encontra dentro do “circulo” de sua responsabilidade o

fornecedor repassa obrigação sua para o consumidor). Vista a questão sob a ótica da

responsabilidade civil, e considerando genericamente que dano é diminuição no patrimônio da

vítima, o valor pago para o transporte do produto detentor de vício de inadequação configura

dano causado por fato imputável ao fornecedor do produto.

Estando vigente a garantia legal do CDC os custos para transportar o produto detentor de vício

de inadequação não podem ser repassados ao consumidor. Caso o consumidor, em razão de

sua reconhecida vulnerabilidade frente ao fornecedor de produtos ou serviços, se submeter ao

abuso da ré (não raramente o consumidor é obrigado a se submeter a um abuso do fornecedor

para não se privar de um produto por prazo equivalente ao de duração de um processo judicial

ou perder o interesse pelo produto) terá direito ao reembolso do valor pago para transportar o

produto detentor de vício de inadequação para uma “oficina” credenciada.

2) O segundo, válido apenas para a garantia contratual de 02 (dois) anos, refere-se ao

pagamento pela mão de obra necessária para o reparo do vício de inadequação. Enquanto

vigente a garantia legal o eventual pagamento pela “mão de obra” para reparar o produto

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detentor de vício de inadequação é indevido, e, sendo indevido, o consumidor poderá fazer uso

do direito previsto no parágrafo único do artigo 42 do CDC.

Note-se que ambos os efeitos acima mencionados também deverão incidir durante toda a

vigência da garantia contratual nas hipóteses em que inexistir a informação prévia, adequada e

clara sobre as limitações das garantias contratuais contestadas, pois a legítima expectativa do

consumidor deverá prevalecer em detrimento das regras criadas pela ré.

Em outras palavras: a ausência de informações prévias, adequadas e claras sobre as limitações

das garantias contratuais deve importar em se considerar como se integrais fossem estas.

Existindo informações prévias, adequadas e claras sobre as limitações da garantia contratual

deve-se reconhecer que, vigente a garantia legal, deve-se afastar a garantia contratual. Em

ambas as hipóteses (ausência de informações prévias, adequadas e claras e vigente a garantia

legal do CDC), os custos com o transporte do produto para uma assistência técnica arcados

pelo consumidor deverão ser ressarcidos; e o pagamento feito a título de mão de obra deverá

ser restituído em dobro.

DO DIREITO

Preliminarmente, cabe esclarecer que a presente ação não visa o reconhecimento abstrato da

abusividade das garantias contratuais, mas, sim, a adequação das mesmas às regras da norma

de ordem pública a que devem “obediência”.

Conforme visto anteriormente, à garantia contratual oferecida pela ré aplicam-se as normas do

CDC, tendo em vista ser de consumo as relações existentes, assim como as que futuramente

irão existir, entre a ré e os consumidores adquirentes do produtos por ela fabricados.

Do dever de informação para que o consumidor possa optar de forma livre e consciente

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De acordo com o caput e inciso III, do artigo 4º, do Código de Defesa do Consumidor (legislação

aplicável), as relações de consumo devem ser norteadas pelos princípios da boa fé objetiva e da

equidade. No mesmo sentido, mas com aplicação para todas as relações negociais, os artigos

113 e 422 do CC 2002.

Segundo a autora Cláudia Lima Marques, “boa fé objetiva significa, portanto, uma atuação

refletida, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o,

respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com

lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando

para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos

interesses das partes”. (Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das

relações contratuais. São Paulo: RT, 2002, pp. 181/182)

O princípio da boa-fé objetiva, segundo a doutrina, possui três funções básicas: 1) fonte de

deveres anexos, ou, como preferem alguns autores, deveres laterais ou instrumentais; 2)

limitação ao exercício de direitos subjetivos (antes considerados lícitos e agora considerados

abusivos) e 3) interpretação da relação contratual (através de uma visão total dessa) para que

se alcance “o justo”.

“Efetivamente, o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual; 1) como fonte de deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual, os chamados deveres anexos, e 2) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos e 3) na concreção e interpretação do contrato. A primeira função é uma função criadora (pflichtenbegrundende Funfktion), seja como fonte de novos deveres (Nebenpflichten), deveres de conduta anexos aos deveres de prestação contratual, como o dever de informar, de cuidado e de cooperação; seja como fonte de responsabilidade por ato lícito (Vertrauenshaftung), ao impor riscos profissionais novos e agora indisponíveis por contrato. A segunda função é uma função limitadora (Schranken-bzw.Kontrollfunktion), reduzindo a liberdade de atuaçãodos parceiros contratuais ao definir algumas condutas e cláusulas como abusivas, seja controlando a transferência dos riscos profissionais e libertando o devedor em face da não razoabilidade de outra conduta (pflichenbefreinde Vertrauensubstande). A terceira é a função interpretadora, pois a

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melhor linha de interpretação de um contrato ou de uma relação de consumo deve ser a do princípio da boa-fé, o qual permite uma visão total e real do contrato sob exame. Boa-fé é cooperação e respeito, é conduta esperada e leal, tutelada em todas as relações sociais. A proteção da boa-fé e da confiança despertada formam, segundo Couto e Silva, a base do tráfico jurídico, a base de todas as vinculações jurídicas, o princípio máximo das relações contratuais. A boa-fé objetiva e a função social do contrato são, na expressão de Waldírio Bulgarelli, ´como salvaguardas das injunções do jogo do poder negocial´”. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. São Paulo: RT, 2002, pp. 180/181)

“Na relação obrigacional a boa-fé exerce múltiplas funções, desde a fase anterior à formação do vínculo, passando pela sua execução, até a fase posterior ao adimplemento da obrigação: interpretação das regras pactuadas (função interpretativa), criação de novas normas de conduta (função integrativa) e limitação dos direitos subjetivos (função de controle contra o abuso de direito). (...)A função integrativa da boa-fé permite a identificação concreta, em face das peculiaridades próprias de cada relação obrigacional, de novos deveres, além daqueles que nascem diretamente da vontade das partes. Ao lado dos deveres primários de prestação, surgem os deveres secundários ou acidentais da prestação e, até mesmo, deveres laterais ou acessórios de conduta. Enquanto os deveres secundários vinculam-se ao correto cumprimento dos deveres principais (v.g. dever de conservação da coisa até a tradição), os deveres acessórios ligam-se diretamente ao correto processamento da relação obrigacional (v.g. deveres de cooperação, de informação, de sigilo, de cuidado).(...)Na sua função de controle, limita o exercício de direitos subjetivos, estabelecendo para o credor, ao exercer o seu direito, o dever de ater-se aos limites traçados pela boa-fé, sob pena de uma atuação antijurídica. Evita-se, assim, o abuso de direito em todas as fases da relação jurídica obrigacional, orientando a sua exigibilidade (pretensão) ou o seu exercício coativo (ação)”. (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 59)

Dentre os deveres anexos (de proteção), que decorrem da função criadora de deveres do

princípio da boa-fé objetiva, possui grande relevância o dever de informação. A relevância é

clara: dar condições para que o consumidor, naturalmente vulnerável nas relações que

estabelece no mercado de consumo, possa contratar de forma racional, ou melhor, fazer

escolhas acertadas.

“A fragilidade do consumidor sintetiza a razão de sua proteção jurídica pelo Estado. O consumidor é a parte frágil nas mais diversas e

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variadas relações jurídicas estabelecidas no mercado. Ante essa constatação, diversos países, especialmente a partir da década de 70, editaram normas de tutela dos interesses dos consumidores. Como reflexo dessa preocupação, a ONU, em 1985, por meio da Resolução 39/428, recomendou que os governos desenvolvessem e reforçassem uma política firme de proteção ao consumidor para atingir os seguintes propósitos: proteção da saúde e segurança; fomento e proteção dos interesses econômicos do consumidor; fornecimento de informações adequadas para possibilitar escolhas acertadas; educação do consumidor; possibilidade efetiva de ressarcimento do consumidor e liberdade de formar grupos e associações que possam participar das decisões políticas que afetem os interesses dos consumidores” (BESSA, Leonardo Roscoe. Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002: convergências e assimetrias/ coordenadores Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer, Adalberto Pasqualotto. São Paulo: RT, 2005, pp. 282/283)

“A abrangência do dever de explicar é uma questão de necessidade: quando um especialista compra uma máquina complicada, o vendedor já pode pressupor certos conhecimentos; no entanto, no caso de produtos novos ou ainda não conhecidos no mercado, o vendedor deve explicar detalhadamente com usá-los”. (FABIAN, Christoph. O Dever de Informar no Direito Civil. RT: São Paulo, 2002, p. 127)

“Neste momento de tomada da decisão pelo consumidor, também deve ser dada a oportunidade do consumidor conhecer o conteúdo do contrato (veja art. 46 do CDC), de entender a extensão das obrigações que assume e a abrangência das obrigações da prestadora de serviços, daí a importância do destaque e clareza das cláusulas contratuais”. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, o novo regime das relações contratuais. RT: São Paulo, 2002, p. 191)

Ciente da abrangência das garantias oferecidas pela ré com os produtos que comercializa, o

consumidor terá a oportunidade de fazer comparações com o que é oferecido por outros

fornecedores, e assim poder optar pelo produto que lhe oferece melhores condições.

Porém, a forma como a ré vem apresentando os produtos que comercializa, acompanhados de

garantias contratuais, não permite que o consumidor possa, na fase em que ainda está

refletindo, fazer uma escolha acertada, pois apenas é informado que a garantia contratual

possui prazo de 1 ou de 2 anos. Inegavelmente, a informação “pura” de que o produto possui

garantia contratual de 1 ou de 2 anos é compreendida como se fosse garantia total de 1 ou de 2

anos, igual à garantia legal.

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A obrigação dos fornecedores de produtos ou serviços de informar o consumidor no sentido de

lhe dar condições para que possa contratar de forma livre e consciente encontra-se positivada

nos artigos 6º, II, III, e 31, CDC.

Inegável, portanto, que a ré é obrigada a disponibilizar informações adequadas e claras na

oferta e apresentação dos produtos que comercializa com garantia contratual não integral, de

forma que o consumidor possa compreender o alcance dos termos desta e, assim, optar de

forma livre e consciente.

Tendo em vista que o direito à informação é um direito básico do consumidor o ônus da provar

que foi prestada ou disponibilizada ao consumidor é da ré.

A não comprovada informação prévia sobre as limitações da garantia deve ser penalizada com a

não vinculação do consumidor aos termos da garantia contestada (artigo 46, CDC), que deverá,

então, ser interpretada como se total fosse (artigo 47, CDC), conforme as expectativas do

consumidor.

Acrescente-se que, no caso específico da ausência de informação prévia, clara e adequada

sobre as limitações da garantia contratual, a garantia legal do CDC, conforme será demonstrado

no item seguinte, iniciará no dia seguinte ao término da garantia contratual.

Do início da vigência da garantia legal quando existente garantia contratual

complementar. Da prevalência da garantia legal sobre a garantia contratual. Do direito ao

reembolso do valor pago para transportar o produto para uma assistência técnica. Do

direito à restituição em dobro do valor pago a título de mão de obra

De acordo com o artigo 26, CDC, “o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil

constatação caduca em: I – trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO10

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duráveis; II – noventa dias, tratando-se de fornecimento de fornecimento de serviço e de produto

duráveis”. O parágrafo 3º do dispositivo prescreve que “tratando-se de vício oculto, o prazo

decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito”.

Segundo o artigo 50, CDC, “a garantia contratual é complementar à legal e será conferida

mediante termo escrito”. No mesmo sentido, mas de forma “didática”, dispõe o artigo 446, CC,

localizado na seção do Título V do Código Civil que trata dos vícios redibitórios, que “não

correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia”.

De acordo com os dispositivos acima mencionados os fornecedores de produtos são legalmente

responsáveis pelos vícios de adequação dos produtos que comercializam durante dois

diferentes prazos: 30 ou 90 dias. O prazo e o início deste depende da existência ou não de

garantia contratual dada pelo fabricante e da natureza do produto (produto durável ou não

durável).

No caso dos produtos fabricados pela ré o prazo da garantia legal é de 90 dias, visto que estes

produtos são duráveis, pois não se exaurem no primeiro ou nos primeiros usos.

Existindo a garantia contratual para o produto o prazo legal de 90 dias (a garantia legal)

somente começará a fluir, em regra, assim que terminar o prazo da primeira, isto se a

abrangência das garantias for igual (como ocorre na hipótese tratada no item anterior) ou, não

sendo, a garantia contratual e a legal não forem utilizadas durante o prazo da primeira ou

somente for utilizada a garantia contratual.

“Nos termos então mencionados, os prazos ligados à garantia legal só terão início após o término do prazo de garantia concedido pelo alienante, isso pelo menos como uma regra; como toda a regra sofre exceção, aqui também o prazo de garantia legal pode ter início independentemente do transcurso do prazo de garantia contratual.Expliquemos melhor o nosso raciocínio: sendo a garantia contratual geral, referente a todo o bem, prevalece a soma dos prazos. Por exemplo: se na compra de uma televisão o fornecedor concede um ano de garantia completa, deveremos somar a esse prazo os 90 dias,

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previstos no art. 26, II, do CDC, o que totalizará uma garantia de 15 meses.Todavia, como vimos, a garantia contratual pode se referir a apenas parte do produto e nesse caso duas situações podem ocorrer: primeiro, o vício se encontra na parte do produto coberto pela garantia contratual e nesse caso, como na regra exposta, os prazos se somam; segundo, a imperfeição se encontra em parte do bem não coberto pela garantia contratual (por exemplo, a garantia se refere apenas ao câmbio do veículo e o vício está no motor) e nesse caso, o prazo será unicamente aquele previsto em lei, tendo início com a tradição do bem ou a descoberta do problema”. (GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. Vícios do produto e do serviço por qualidade, quantidade e insegurança: cumprimento imperfeito do contrato. São Paulo: RT, 2004, pp. 251/252)

“Não temos dúvida, por isso, em afirmar que o sentido de complementar utilizado na redação do caput do art. 50 é o da letra b, ou seja, a garantia contratual vai até onde prever, e ao seu término tem início o prazo para o consumidor apresentar reclamação”. (RIZZATO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 581)

“Em verdade, o que o legislador fez, não sem tempo, foi solucionar a delicada situação consistente no fato de coexistirem duas modalidades de garantia: a legal e a contratual. (...).(...)Em tal circunstância, enquanto estiver em curso o prazo de garantia contratual, a garantia legal estará sobrestada, paralisada...” (GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume IV: contratos, tomo 1: teoria geral. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 193)

Compra e venda – Veículo automotor – Rescisão contratual e perdas e danos – Vício redibitório – Decadência – Lapso decadencial que somente começará a fluir após esgotados os dois anos de garantia dada ao bem objeto do contrato. Se o veículo automotor, objeto do contrato de compra e venda, possui garantia de dois anos, somente após o término desse lapso é que começará a fluir o prazo de decadência para a interposição de ação de rescisão contratual cumulada com pedido de perdas e danos por vício redibitório (2º TACivSP, AgIn. 589594-00/0, 1ª CâmCív., Rel. Juiz Renato Sartorelli, j. 13/09/1999).

Apelação cível – Consumidor – Defeito do produto – Prazo e decadência – Resolução do contrato. A garantia contratual, determinada pelo próprio fornecedor e estipulada de acordo com a sua conveniência, é complementar à garantia legal, consoante a exegese do art. 50 do CDC, o que induz a conclusão de que os prazos devem ser somados. Na espécie, o defeito foi constatado quando ainda não expirado esse somatório. Vício oculto. Apelação provida (TJRS, Ap.Cív. 70011580883, 14ª CâmCív., Rel. Des. Rogério Gesta Leal, j. 30/06/2005).

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Direito do consumidor – Defeito em “placa mãe” de computador – Garantias legal e contratual – Decadência – Prazo. A garantia contratual, sabe-se, é determinada pelo próprio fornecedor, que o estipula de acordo com a sua conveniência, representando, na verdade, um plus em favor do consumidor, em complemento à garantia legal, consoante a exegese di art. 50 do CDC, o que equivale a dizer que os prazos respectivos se somam, sem prejuízo do fornecedor que tem condições de conhece-lo previamente. Caso em que o defeito apareceu quando ainda não expirado esse somatório. E mesmo que assim não fosse, poder-se-ia cogitar da existência de vício oculto, a prejudicar a vida útil do produto, capaz de desencadear, apenas a partir de sua descoberta, a marcha decadencial. Danos materiais e morais devidos. Apelo provido (TJRS, Ap.Cív. 70007694078, 10ª CâmCív., Rel. Des.Luiz Ary Vessini de Lima, j. 07/10/2004).

Conclusão

Fundamentada está a tese de que o prazo da garantia legal inicia-se, em regra, imediatamente

após o prazo da garantia contratual concedida pelo fabricante, salvo quando esta contém

restrição (ou restrições) e, em razão desta (ou uma destas), a garantia legal é utilizada. Na

hipótese de inexistir informações adequadas e claras sobre as limitações das garantias

contratuais contestadas estas devem ser consideradas como se tivessem a mesma abrangência

que a garantia legal do CDC.

Conseqüentemente, fundamentada está a tese de que a ré é obrigada arcar com os custos de

transporte para assistências técnicas autorizadas e a não cobrar valores a título de mão de obra

quando vícios de inadequação se manifestam, nos produtos por ela fabricados, quando

incidente a garantia legal, desde que, por óbvio, estes vícios sejam “tempestivamente”

reclamados.

Do pagamento, pelo consumidor, de valor para transportar, para uma assistência técnica

credenciada, produto fabricado pela ré detentor de vício de inadequação manifestado quando

incidente a garantia legal, e reclamado “tempestivamente”, nasce a pretensão, para o

consumidor em face da ré, ao reembolso do valor.

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Nesta esteira, do pagamento, pelo consumidor, de valor a titulo de mão de obra para reparo de

vício de inadequação manifestado em produto fabricado pela ré quando incidente a garantia

legal e reclamado “tempestivamente”, nasce a pretensão, para o consumidor em face da ré, à

restituição do valor na forma do parágrafo único do artigo 42 do CDC.

Os consumidores que não foram informados ou não tiveram acesso prévio acerca das limitações

da garantia contratual contestada, conforme mencionado anteriormente, possuem também os

direitos aqui mencionados, desde que o vício de inadequação tenha se manifestado dentro do

prazo da garantia contratual ou da garantia legal, e desde que reclamado (o vício)

tempestivamente.

Da presente demanda como causa obstativa do curso dos prazos para o exercício dos

direitos relacionados com o reconhecimento de que enquanto vigente a garantia do CDC

para vícios de inadequação afasta-se a garantia contratual

Foi demonstrado acima que a garantia contratual que acompanha produtos fabricados pela ré é

inferior – em termos de cobertura – à garantia legal do CDC. Por isso, enquanto vigente esta,

conforme as regras apresentadas no corpo da presente, deve-se afastar a garantia contratual.

Conseqüentemente, o consumidor que tiver arcado com custos para transportar o produto

detentor de vício de inadequação manifestado quando vigente a garantia legal do CDC possui o

direito ao seu reembolso, visto que o transporte se fez necessário por força de fato imputável à

ré, pois foi ela quem introduziu produto detentor de vício de inadequação no mercado, e não o

consumidor, indivíduo leigo que recebeu produto lacrado e somente veio a descobrir o vício com

o uso.

Na mesma esteira, o consumidor que tiver remunerado, enquanto vigente a garantia legal do

CDC, o serviço prestado pela assistência técnica, segundo as regras da segunda parte da

garantia contratual de 2 anos, que apenas cobre o custo das peças de reposição necessárias,

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terá direito à restituição em dobro do valor (parágrafo único do artigo 42 do CDC), tendo em

vista que indevida e injustificável a cobrança.

Vale repetir que, os consumidores que não foram informados ou não tiveram acesso prévio

acerca das limitações das garantias contratuais contestadas possuem também os direitos aqui

mencionados, desde que o vício de inadequação tenha se manifestado dentro do prazo da

garantia contratual ou da garantia legal, e desde que reclamado (o vício) tempestivamente.

Da questão tratada na presente podem ocorrer quatro situações que iniciam a contagem de

prazos para o exercício de direitos:

1) Consumidor verifica, durante a vigência da garantia legal do CDC, a manifestação de vício no

produto fabricado pela ré que possui a garantia contestada. Entra em contato com a ré, que lhe

informa ser necessário transportar o bem para uma assistência técnica à sua própria custa.

Impossibilitado de transportar o bem (a assistência técnica mais próxima é muito longe, o

produto só pode ser transportado através de meio de transporte especial que possui custo

elevado etc.), ou se recusando a se submeter ao abuso, o prazo para exercer o direito de exigir

o reparo, a rigor, continuará fluindo.

2) Consumidor verifica, durante a vigência da garantia legal do CDC, a manifestação de vício no

produto fabricado pela ré que possui a garantia contestada. Entra em contato com a ré, que lhe

informa ser necessário transportar o bem para uma assistência técnica à sua própria custa. O

consumidor, em razão de sua vulnerabilidade e o interesse de obter rapidamente o reparo do

produto, se submete ao abuso e arca com os custos para o transporte. Inicia-se o prazo para

exercer o direito de obter o ressarcimento do valor pago para remunerar o transporte.

3) Consumidor verifica, durante a vigência da garantia legal do CDC, a manifestação de vício no

produto fabricado pela ré que possui a garantia contestada. Entra em contato com a ré, que lhe

informa ser necessário transportar o bem para uma assistência técnica à sua própria custa. O

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consumidor, em razão de sua vulnerabilidade e o interesse de obter rapidamente o reparo do

produto, se submete ao abuso e arca com os custos para o transporte. Ao entregar o produto na

assistência técnica se depara com a cobrança pela mão de obra necessária. Recusa-se, então,

a prosseguir. O prazo para exercer o direito de exigir o reparo sem custo, a rigor, continuará

fluindo.

4) Consumidor verifica, durante a vigência da garantia legal do CDC, a manifestação de vício no

produto fabricado pela ré que possui a garantia contestada. Entra em contato com a ré, que lhe

informa ser necessário transportar o bem para uma assistência técnica à sua própria custa. O

consumidor, em razão de sua vulnerabilidade e o interesse de obter rapidamente o reparo do

produto, se submete ao abuso e arca com os custos para o transporte. Ao entregar o produto na

assistência técnica se depara com a cobrança pela mão de obra necessária. Submete-se, então,

ao novo abuso e efetua o pagamento do custo da mão de obra. Inicia-se o prazo para exercer o

direito à restituição em dobro do valor pago indevidamente.

Em todas as hipóteses o ajuizamento da ação individual correspondente obsta o curso do prazo

para o exercício do direito, independentemente da natureza do mesmo (decadencial ou

prescricional).

Vale esclarecer que a autora preferiu utilizar o termo “obsta” porque pode ser utilizado

indistintamente para as hipóteses de prazo decadencial e prazo prescricional. Além disso, a

opção se deu para não se adentrar equivocadamente em questão que deverá ser tratada

somente em sede de liquidação de sentença (fase em que se verificará se o caso individual trata

de prazo decadencial ou prescricional).

Considerando, pois, que a ação individual obsta o curso do prazo decadencial ou prescricional,

e que a autora atua na presente como substituta processual dos consumidores, o ajuizamento

da presente deve ser reconhecido como causa obstativa do curso dos prazos para o exercício

dos direitos individuais (atuais e futuros) que estejam relacionados com a presente.

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Da antecipação de tutela

Determinar que a ré passe a informar sobre a abrangência da garantia contratual, de maneira a

chegar ao conhecimento do consumidor na fase de reflexão, isto é, na fase em que está

optando por adquirir o produto (o que incluí o produto em si e o seu fabricante), é medida

possível e que se faz urgente.

Dispõe o artigo 6º, II e III, CDC, que “são direitos básicos do consumidor”: “a educação e

divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de

escolha e a igualdade nas contratações” e a “informação adequada e clara sobre os diferentes

produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição,

qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.

No mesmo sentido o artigo 31, CDC, que prescreve que “a oferta e a apresentação de produtos

ou serviços devem assegurar instruções corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua

portuguesa sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia,

prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à

saúde e segurança dos consumidores”.

Conforme observado anteriormente o legislador preocupou-se de dar maior ênfase à informação

prévia para que o consumidor passasse a ter real liberdade de escolha, de forma a optar por um

produto fabricado por determinado fabricante, ou comercializado por determinado fornecedor,

depois de ser devidamente informado sobre todos os aspectos que circundam o produto.

Adquirir um produto desta forma significa ter feito uma escolha com liberdade.

Há, portanto, fundamento para obrigar a ré a dar condições para que o consumidor tenha

ciência prévia e adequada sobre a abrangência da garantia que acompanha os produtos

fabricados pela ré.

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Por outro lado, a espera pelo provimento final permitirá que consumidores adquiram produtos

fabricados pela ré acreditando erroneamente que estão fazendo a melhor escolha. Esta (a

melhor escolha) pode estar em outro produto que oferece, por exemplo, uma garantia integral de

um ano.

Acrescente-se que, deixar de informar o consumidor sobre a real abrangência da garantia

contratual, de forma a não permitir que ele faça a melhor escolha (esta pode estar em produto

fabricado por outro fornecedor) configura concorrência desleal, que é nociva não só ao mercado

de consumo, mas para toda a sociedade, o que significa dizer que a garantia contratual

oferecida pela ré, vista de forma global, contraria o artigo 421, CC 2002.

A medida, caso deferida, não será capaz de causar danos irreversíveis à ré, pelo menos não

injustos (a defesa do consumidor, vale lembrar, é limite ao exercício da livre iniciativa e dever do

estado – artigos 5º, XXXII, e 170, V, CF). O acolhimento da noção de dano injusto é de extrema

importância para a questão, tendo em vista que, se assim não fosse, a gama de situações que

reclamam antecipação dos efeitos da tutela seria radicalmente comprometida, pois é normal que

medidas tais causem danos na parte “prejudicada” pela medida.

“Essa noção normativa justifica a adjetivação do dano juridicamente tutelado como dano injusto, o que, no dizer de Alpa et alii, não é uma qualificação que possa ser tida como descontada de inútil e repetitiva do caráter já de per si ilícito do ato que o gera. Pelo contrário, é uma expressão que sublinha a extrema relevância que tem, para o Direito civil, a situação subjetiva prejudicada”. (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil, volume V, tomo II: do inadimplemento das obrigações. FIGUEREDO TEIXEIRA, Sálvio – coord. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 170)

Dispõe o parágrafo 3º do artigo 84 do CDC, repetido no artigo 461 do CPC, que, “sendo

relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento

final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu”.

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O dispositivo supramencionado cuida da concessão de tutela liminar para garantir a total

satisfação do direito do consumidor nos casos em que a espera pelo provimento final da

demanda interfere de forma negativa. Trata-se, portanto, de verdadeira antecipação de tutela,

logo deve o dispositivo ora em comento ser interpretado em harmonia com o artigo 273 do

Código de Processo Civil, que trata do assunto de forma geral.

O artigo 273 do CPC exige, para que seja concedida a antecipação parcial ou total da tutela

pretendida, que exista prova inequívoca que convença o juiz sobre a verossimilhança das

alegações do autor, e que “haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”. A

antecipação da tutela não será concedida caso exista “perigo” de irreversibilidade do provimento

antecipado.

A doutrina e a jurisprudência já se manifestaram acerca da contradição existente nas

expressões “prova inequívoca” e “que convença da verossimilhança da alegação”, contidas no

artigo 273 do CPC, concluindo que, havendo uma prova inequívoca haverá certeza, e não

simples verossimilhança, cujo real significado é parecer ser verdadeiro o alegado, logo, a melhor

interpretação que deve ser dada ao dispositivo legal ora em comento é a de haver probabilidade

da existência do direito alegado para que possa ser concedida a antecipação da tutela.

“O artigo 273 condiciona a antecipação da tutela à existência de prova inequívoca suficiente para que o juiz se convença da verossimilhança da alegação. A dar peso ao sentido literal do texto, seria difícil interpretá-lo satisfatoriamente porque prova inequívoca é prova tão robusta que não permite equívocos ou dúvidas, infundindo no espírito do juiz o sentimento de certeza e não mera verossimilhança. Convencer-se da verossimilhança, ao contrário, não poderia significar mais do que imbuir-se do sentimento de que a realidade fática pode ser como a descreve o autor.Aproximadas as duas locuções formalmente contraditórias contidas no artigo 273 do Código de Processo Civil (prova inequívoca e convencer-se da verossimilhança), chega-se ao conceito de probabilidade, portador de maior segurança do que a mera verossimilhança”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil, 2ª edição, São Paulo 1995, ed. Malheiros, p.143)

RESPONSABILIDADE CIVIL DO FABRICANTE. ANTICONCEPCIONAL INERTE. DEFEITO DO PRODUTO RECONHECIDO. INGESTÃO PELA

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AUTORA NÃO PROVADA. IMPOSIÇÃO DO PAGAMENTO DE DESPESAS DO PARTO EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. A prova inequívoca, para efeito de antecipação da tutela, quando se trata de relação de consumo, é de ser interpretada sem rigorismo, pois, nessa matéria, mesmo em sede de cognição plena, dispensa-se juízo de certeza, bastante a probabilidade extraída de provas artificiais da razão. DECISÃO MANTIDA (TJRS, AI 599374303, 9ª CâmCív., Rel. Desa. Mara Larsen Chechi, j. 25-8-1999).

Portanto, para que a antecipação de tutela possa ser concedida é necessário que: haja prova

(ou mesmo indícios) demonstrando que há probabilidade de ser verdadeira a alegação do autor

da demanda, e o fundado receio de que possa ocorrer dano irreparável ou de difícil reparação. A

medida não poderá, contudo, ser concedida quando houver perigo de irreversibilidade do

provimento antecipado.

Inegável a presença dos pressupostos necessários (fumus boni iuris e periculum in mora) para a

concessão da medida antecipatória e da impossibilidade de ocorrência de danos injustos à ré.

DOS PEDIDOS

Pelo acima exposto, requer:

01) A citação da ré via mandado próprio para, querendo, contestar a presente;

02) a condenação da ré na obrigação de prestar informações na apresentação e oferta

dos produtos que fabrica sobre as limitações das garantias contratuais que oferece;

03) a antecipação de tutela em relação ao pedido anterior e, em caso positivo, a fixação

de multa para o caso de descumprimento da medida;

04) seja a ré, nos casos em que não provar que prestou informações sobre as limitações

da garantia contratual na oferta e apresentação dos produtos que fabrica, obrigada a

proceder como se integrais fossem as garantias contratuais que oferece junto com os

produtos que fabrica, sem prejuízo da garantia legal do CDC;

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05) nas hipóteses em que restar provada a prestação de informações sobre as limitações

das garantias contratuais na oferta e apresentação dos produtos fabricados pela ré: a

revisão da garantia contratual oferecida pela ré junto com seus produtos de forma a

reconhecer que a vigência da garantia legal do CDC somente inicia no dia seguinte ao

término da garantia contratual, exceto quando o vício de inadequação se manifestar

dentro do prazo da garantia contratual e a cobertura necessária estiver somente na

garantia legal do CDC;

06) a condenação da ré na obrigação de reembolsar aos consumidores possuidores da

garantia de 01 ano ou de 02 anos os valores por estes pagos para transportar os produtos

por ela fabricados, e por eles adquiridos, para assistência técnica credenciada para o

reparo de vícios de inadequação nas hipóteses do pedido n.º 4 ou quando vigente a

garantia legal do CDC, desde que “tempestivamente” reclamados os vícios de

inadequação;

07) a condenação da ré na obrigação de restituir, em dobro, aos consumidores

possuidores da garantia de 02 anos os valores por estes pagos a título de “mão de obra”

para assistência técnica credenciada para reparar vícios de inadequação manifestados

nos produtos fabricados pela ré, e por eles adquiridos, nas hipóteses do pedido n.º 4 ou

quando vigente a garantia legal do CDC, desde que tempestivamente reclamados os

vícios de inadequação;

08) seja reconhecido que ajuizamento da presente ação é causa obstativa do curso dos

prazos para o exercício individual dos direitos tutelados na presente;

09) a condenação das rés na obrigação de publicar, às suas custas, em dois jornais de

grande circulação desta Capital, em quatro dias intercalados, sem exclusão do domingo,

em tamanho mínimo de 20 cm x 20 cm, a parte dispositiva de eventual procedência, para

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que os consumidores dela tomem ciência, oportunizando, assim, a efetiva proteção de

direitos lesados;

10) a intimação do Ministério Público;

11) a condenação das rés no pagamento dos ônus sucumbenciais.

Protesta por todos os meios de provas admitidos. Dá-se a causa o valor de R$ 31.415,00(trinta

e um mil quatrocentos e quinze reais).

Rio de Janeiro, 27 de agosto de 2010.

PAULO GIRÃO BARROSO

OAB/RJ 107.255

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