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1 Boletim ABCP Centro-Norte – nov/dez 2018
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA POLÍTICA
REGIONAL CENTRO-NORTE
Boletim Regional
Caras/os associadas/os,
Nesse número, abrimos com o anúncio do termo de cooperação das
associações científicas das Ciências Sociais com a Procuradoria Federal dos
Direitos do Cidadão para proteção da liberdade docente. Trazemos também um
texto de opinião de um pesquisador da regional sobre a intenção do presidente
da República em transferir a embaixada brasileira para Jerusalém, ressaltamos
a publicação do edital das próximas eleições regionais da ABCP, anunciamos
que será lançado em fevereiro o edital do prêmio de melhor artigo de
pesquisador/a da regional Centro-Norte, trazemos chamadas de seleções de
pós-graduação, bolsas, editais de concurso em IFES da regional e
lançamentos. Finalizamos com uma entrevista com o professor Roberto Ramos
Santos, ex-reitor da Universidade Federal de Roraima (UFRR).
Saudações cordiais,
Danusa Marques – diretora regional
Francisco Mata Machado Tavares – vice-diretor regional
João Paulo Saraiva Leão Viana – secretário executivo regional
2 Boletim ABCP Centro-Norte – nov/dez 2018
1. Termo de cooperação das associações científicas das Ciências
Sociais com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão para
proteção da liberdade docente
A ABCP (diretoria nacional), em conjunto com Anpocs, ABA e SBS,
estabeleceu um acordo de cooperação com a Procuradoria Federal dos
Direitos do Cidadão (PFDC/PGR). O termo de cooperação, assinado no dia 3
de dezembro de 2018 pelas/os presidentes das associações da área de
Ciências Sociais mencionadas e pela Procuradora Federal dos Direitos do
Cidadão, Deborah Duprat, "tem por objetivo geral o acompanhamento e
enfrentamento de denúncias de violências, assédios e outras formas que
configurem ação arbitrária contra associadas e associados das referidas
entidades (professores, pesquisadores e estudantes), no exercício de suas
atividades, visando proteger e dar garantias à liberdade docente, à liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar, expressar e divulgar o pensamento por meio de
artigos, pareceres, relatórios, laudos, aulas, eventos acadêmicos, em
conformidade com o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”.
Acesse o termo de cooperação aqui.
2. Texto de opinião
Estamos acompanhando com atenção as declarações do presidente da
República sobre a transferência da embaixada brasileira em Israel para
Jerusalém. Para fomentar este debate de forma informada entre nós, trazemos
um texto de opinião do professor José Cauby Soares Monteiro, da
Universidade Federal do Pará (UFPA).
3 Boletim ABCP Centro-Norte – nov/dez 2018
Brasil, Palestina e Israel: dilemas e alternativas na política externa
brasileira
José Cauby Soares Monteiro1
Até a década de 1980, a abordagem neorrealista de política internacional
estabelecia rígida oposição entre os níveis de análise doméstico e internacional
da política, ao ponto de que Kenneth Waltz, em 1979, indagasse “o que me
importa a política externa da Costa Rica?“, pressupondo a reduzida importância
do Estado costa-riquenho no sistema internacional.
Daquela época até os dias atuais mantém-se, no máximo, a distinção entre o
“interno/externo“ como recurso analítico ou metodológico de forma muito
limitada ou sob ressalvas.
Os estudos de segurança internacional foram “ampliados e aprofundados“
desde o pós-2a Guerra, como demonstraram Barry Buzan e Lene Hansen, e as
pesquisas de economia política e política externa (em inglês FPA, foreign policy
analisys) concorreram e concorrem no mesmo plano de interesse e importância
com a temática da segurança internacional, ou em termos clássicos, da paz e
guerra.
O processo de globalização no âmbito econômico (financeiro, comercial e
produtivo) e a mundialização da política internacional para além da
globalização e do “fim do Estado” ou da limitação efetiva de sua soberania
plena ou operacional estabeleceram elos mais complexos entre sistema
internacional e os demais níveis mundiais de poder, e as dimensões doméstica,
regional e mundial da política externa.
Nesse contexto, analítico e metodológico, é que podemos entender, mesmo
que conjunturalmente, a afirmativa do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, de
que pretende transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém
1 Professor de Ciência Política e Relações Internacionais da UFPA.
4 Boletim ABCP Centro-Norte – nov/dez 2018
seguindo a decisão do governo Trump e sob aplausos evidentemente do
primeiro-ministro israelense Netanyahu.
O que levou Bolsonaro a essa declaração? A influência do sionismo cristão
evangélico brasileiro associado às organizações sionistas judaicas no Brasil
além dos laços religiosos com o governo israelense? Ou a influência do novo
alinhamento com a política externa estadunidense?
Por maior que seja minha simpatia por uma determinada análise de política
internacional que reduz, no limite analítico, ao âmbito doméstico (Helen Milner)
as determinações das ações dos estados no sistema internacional, no caso
brasileiro em exame, percebemos que ambos fatores, doméstico e externo, se
auto-alimentam, porém as motivações internacionais de alinhamento estreito
com os Estados Unidos via uma característica particular de sua política externa
são mais relevantes.
Quem conhece a evolução da política externa brasileira para o Oriente Médio e
Norte da África (em inglês, MENA, Middle East and North Africa) sabe que
desde a criação do Estado de Israel em 1948 até 1970/73 o Brasil foi
explicitamente pró-israelense; todavia, a partir da década de 1970, depois da
reação bélica árabe à agressão militar de Israel, em junho de 1967, e devido à
dependência brasileira do petróleo iraquiano e o receio da continuação das
retaliações dos países árabes ao Brasil, considerado então aliado de Israel, o
Itamaraty passou a acompanhar na ONU as votações pró-árabes (e portanto
pró-palestinas), como na célebre decisão de condenar a ideologia sionista
judaica como um tipo de racismo.
Essa tendência permaneceu, inclusive sob o governo de Michel Temer, sempre
com pequenas variações, como quando, por exemplo, nossa chancelaria foi
assumida por um ministro, Celso Lafer, de origem judaica, no governo FHC;
entretanto se deu continuidade à preocupação de que a conjuntura diplomática
pró-israelense não afetasse os bons relacionamentos comerciais, tecnológicos
e culturais com os países árabes.
5 Boletim ABCP Centro-Norte – nov/dez 2018
Para finalizar, vamos analisar algumas supostos resultados nefastos dessa
mudança de embaixada.
Os países árabes já se manifestaram oficialmente contrários a essa ação e
advertiram que poderia haver consequências comerciais para o Brasil, que tem
superávit com todos eles e crescimento médio positivo do volume de
exportações.
O grupo político Hamas, que governa a Faixa de Gaza, tanto quanto a
Autoridade Palestina também solicitaram ao presidente que não efetue essa
transferência da embaixada.
É difícil dimensionar o grau que alcançaria esta retaliação comercial, mas
podemos dizer em relação ao terrorismo que, aparentemente, são
despropositadas as supostas ameaças de ataques terroristas em território
brasileiro.
A adoção dessa medida de transferência da embaixada, como fizeram os EUA,
entretanto, não aparenta ser a melhor opção de política externa de alinhamento
com o governo estadunidense. Da mesma forma, uma alteração significativa
das relações com Israel poderia ocorrer de outros modos, como por exemplo,
com um aprofundamento nos âmbitos comerciais, tecnológicos e culturais que
há décadas vêm se desenvolvendo, sem suscitar necessariamente conflitos
com o mundo árabe ou muçulmano.
Em relação a esse último campo, o islâmico, de atores políticos e religiosos, é
sempre bom lembrar que se tratam de sociedades, populações e nações, na
sua maioria não-árabes, totalizando mais de um bilhão de indivíduos,
existentes em todos os continentes, inclusive na América do Sul (no Suriname,
20% da população é muçulmana).
Para maioria dos muçulmanos, Jerusalém é um dos três sítios sagrados do Islã
e por essa e outras razões os muçulmanos são também solidários com a causa
palestina.
6 Boletim ABCP Centro-Norte – nov/dez 2018
A presença do polêmico e contravertido primeiro ministro de Israel, Benjamin
Netanyahu, em solo brasileiro poderia ser até mesmo apenas uma novidade
diplomática, negativa para alguns ou positiva para outros, tanto faz, desde que
não gerasse tantas incertezas quanto ao papel do Brasil no mundo
contemporâneo, afinal de contas até recentemente nosso País não passava de
um “anão diplomático“ para o governo israelense. O que mudou?
Referências:
Buzan, Barry & Lene Hansen. A evolução dos Estudos de Segurança
Internacional. SP: Editora UNESP, 2012.
Fares, Seme Taleb. O Pragmatismo do Petróleo: As Relações entre o Brasil e o
Iraque. Curitiba: Juruá, 2009.
Gourevitch, Peter. Domestic politics and international relations. In: IN:
Carlsnaes, Walter; Risse, Thomas & Simmons, Beth A. (Editors). Handbook of
International Relations. London: Sage, 2002.
Lessa, Antônio Carlos. Israel e o mundo árabe no cruzamento da escolhas
internacionais do Brasil. In: Santos, Norma Breda dos (Org.). Brasil e Israel:
Diplomacia e Sociedades. Brasília: EDUNB, 2000.
Messari, Nizar. O Brasil e o Mundo Árabe. IN: Oliveira, Henrique Altemani de &
Lessa, Antônio Carlos (org.). Relações Internacionais do Brasil: temas e
agendas. Vol. I. São Paulo: Ed. Saraiva, 2006.
Milner, Helen & Robert Keohane (Editors). Internationalization and Domestic
Politics. Cambridge, 1996.
Santos, Norma Breda dos (Org.). Brasil e Israel: Diplomacia e Sociedades.
Brasília: EDUNB, 2000.
7 Boletim ABCP Centro-Norte – nov/dez 2018
Santos, Norma Breda dos. O Brasil e a Questão Israelense nas Nações
Unidas: da criação do Estado de Israel ao pós(?)-sionismo. In: Santos, Norma
Breda dos (Org.). Brasil e Israel: Diplomacia e Sociedades. Brasília: EDUNB,
2000.
Traumann, Andrew Patrick. A Diplomacia dos Petrodólares: relações do Brasil
com o mundo árabe (1973-1985). Dissertação apresentada à Faculdade de
Ciências e Letras de Assis – UNESP - Universidade Estadual Paulista, 2007.
Waltz, Kenneth. Teoria das Relações internacionais. Lisboa: Gradiva, 2002.
3. Edital para as eleições das Regionais da ABCP
O edital das próximas eleições regionais da ABCP foi lançado e pode ser
acessado no site da associação. Como já havíamos prometido, a atual gestão
não concorrerá à reeleição.
4. Prêmio de melhor artigo de pesquisador/a da regional Centro-Norte
2017-18
Mais um plano da diretoria regional está se concretizando! Em fevereiro,
lançaremos o edital do prêmio de melhor artigo de pesquisador/a da regional
Centro-Norte, com apoio da diretoria nacional da ABCP.
Poderão ser inscritos artigos publicados entre 2017 e 2018 em periódicos
acadêmicos que tenham classificação Qualis B2 ou superior, no limite de um
artigo por associado/a da regional Centro-Norte.
O prêmio consistirá em financiamento para o 12º Encontro ABCP, a se realizar
em João Pessoa, em 2020.
8 Boletim ABCP Centro-Norte – nov/dez 2018
Mais informações serão anunciadas em nossa página no facebook e o edital do
prêmio, assim que lançado, será enviado por e-mail para as/os associados/as
da regional.
5. Bolsa IPSA-USP Summer School
Em 2019, a ABCP manteve sua parceria com a IPSA-USP Summer School e
sorteou quatro bolsas de estudo, uma para cada regional, para financiamento
de associados/as na próxima edição do programa.
Para a Centro-Norte, sortearíamos a bolsa para um/a estudante da regional em
29 de novembro via facebook, mas acabado o prazo de inscrições tivemos
somente uma pessoa inscrita. Assim, não foi necessário sorteio. Marcos Felipe
Rodrigues de Sousa, do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da
Universidade Federal do Pará (PPGCP-UFPA), foi o contemplado da regional
Centro-Norte com a bolsa para a IPSA-USP Summer School.
6. Bolsa ABCP-ALACIP
Até 22 de março de 2019 estão abertas as inscrições para a bolsa ABCP-
ALACIP. São duas bolsas para doutorandas/os de programas da área de
Ciência Política e Relações Internacionais, que incluem passagens aéreas para
o encontro (em Monterrey – México) e U$S 320 para hospedagem e
alimentação. Acesse o edital aqui.
7. Edital de processo seletivo de pós-graduação da regional
Mestrado Profissional em Poder Legislativo (CEFOR – Câmara dos
Deputados)
9 Boletim ABCP Centro-Norte – nov/dez 2018
Inscrições entre 4 de fevereiro a 11 de março de 2019
A Câmara dos Deputados lançou processo seletivo para o Mestrado
Profissional em Poder Legislativo, oferecido pelo Centro de Formação,
Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor) da Casa. Um dos objetivos do curso é
aprimorar a atuação do Poder Legislativo por meio da profissionalização de
seus servidores e de outros cidadãos que atuam junto ao Parlamento.
Poderão inscrever-se todos os/as interessados/as que tenham concluído curso
de graduação em nível superior reconhecido pelo Ministério da Educação –
MEC. As inscrições estarão abertas de 4 de fevereiro a 11 de março de 2019.
O curso terá duração de 30 meses, incluído o período para elaboração e
apresentação da dissertação. O início das aulas está previsto para agosto de
2019.
Para mais informações, acesse o edital do processo seletivo ou entre em
contato pelos telefones (61) 3216-7642 e (61) 3216-7611.
8. Concursos em IES da regional
Universidade Federal de Grandes Dourados – UFGD
Área: Cooperação Internacional
Inscrições: até 18 de fevereiro de 2019
Foi publicado edital com indicação de uma (1) vaga para professor/a adjunto/a
A, com dedicação exclusiva, na área de Cooperação Internacional para a
Faculdade de Direito e Relações Internacionais (FADIR) da UFGD. Acesse o
edital aqui.
Os pré-requisitos da área de formação e titulação são:
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1. Graduação em Relações Internacionais, Direito, Ciências Sociais,
Economia, Administração, Geografia ou História;
2. Doutorado em Relações Internacionais, Direito, Ciência Política,
Sociologia, Economia, Administração, Geografia, História ou
Interdisciplinar.
9. Lançamento
Revista Olhares Amazônicos, volume 6, número 2
Foi lançado um novo número da revista Olhares Amazônicos, publicação do
multidisciplinar do Núcleo de Pesquisas Eleitorais e Políticas da Amazônia
(Nupepa) da Universidade Federal de Roraima (UFRR) destinada a divulgar
trabalhos científicos originais e de relevância na área do conhecimento das
Ciências Humanas, sobre os países que compõem a Pan-Amazônia. São eles:
Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
Confira aqui.
10. Entrevista: Prof. Roberto Ramos Santos (UFRR)
Roberto Ramos Santos é doutor em Ciência Política pela USP (2002), mestre
em Ciências Sociais pela UFSCar (1994) e possui graduação em Ciências
Sociais pela UFPE (1990). Atualmente é professor titular da Universidade
Federal de Roraima (UFRR), onde leciona no curso de Ciências Sociais e no
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional. Foi reitor da
UFRR por dois mandatos, no período de 2004 a 2012.
11 Boletim ABCP Centro-Norte – nov/dez 2018
ABCP Centro-Norte: Olá, prof. Roberto Ramos Santos! Agradecemos pela
disponibilidade em conversar conosco. Por favor, comente um pouco
sobre sua trajetória pessoal e acadêmica.
Roberto Ramos Santos: Eu sou da cidade do Recife e desde o ensino médio,
que foi cursado em escola pública, me interessei pela área das Ciências
Humanas. A princípio, pela busca do conhecimento e compreensão da
realidade social brasileira. Eu tinha uma necessidade de compreender a
desigualdade social do país e por que jovens como eu, de família operária e
negra, tinham tão poucas chances de ascender socialmente num país como o
Brasil. Essa necessidade, no âmbito familiar, tornou-se mais forte pelas
discussões internas sobre racismo e pela própria condição de vida da família,
acrescido do fato de ter sido bom aluno na escola e, aos 14 anos, ingressar no
mercado de trabalho para ajudar no sustento da casa. Não achava justo trocar
o turno da escola, passando a estudar à noite, para ter que trabalhar. Mas,
durante minha fase adolescente de trabalho no comércio do Recife, encontrei
pessoas ligadas aos movimentos sociais da cidade que me fizeram, pela
militância à esquerda, entender melhor a minha condição de classe. Depois, já
na Universidade, a motivação era seguir a carreira acadêmica, ser um cientista
social.
Como aluno do Curso de Bacharelado em Ciências Sociais da Universidade
Federal de Pernambuco fui aquilo que, na minha opinião, todo/a aluno/a deve
ser: estudioso, bolsista de iniciação científica, monitor de disciplinas,
organizador de eventos acadêmicos, membro de grupos de estudo e
participante dos seminários organizados pelo Centro de Ciências Humanas e
pelo Departamento de Ciências Sociais.
Ao concluir o Bacharelado, com monografia sobre representação política e
classe trabalhadora, recebi o estímulo de um ex-professor, Terrie Groth, hoje
docente na UnB, para deixar o Recife e ir para São Carlos tentar uma vaga de
mestrado na Universidade Federal de São Carlos. Como jovem e praticamente
sem dinheiro algum para sobrevivência no Sudeste, o desafio me pareceu
12 Boletim ABCP Centro-Norte – nov/dez 2018
muito interessante. No ano da seleção do Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais da UFSCar, em 1991, fui aprovado em primeiro lugar,
cursando o mestrado, da mesma forma que a graduação, com ênfase em
Ciência Política, discutindo a política de alianças da esquerda com grupos à
direita no estado de Pernambuco.
Quatro anos depois, em 1998, já como professor concursado da Universidade
Federal de Roraima, voltei para o estado de São Paulo para cursar o doutorado
em Ciência Política na USP; defendi a tese em 2002 sobre as bases políticas e
eleitorais do PFL pernambucano, com orientação da Maria d’Alva Gil Kinzo.
ABCP Centro-Norte: Você teve uma bela formação acadêmica, em
instituições de prestígio do eixo central da Ciência Política brasileira. O
que o incentivou a tentar a carreira docente no norte do país, fazendo o
concurso na UFRR?
Roberto Ramos Santos: No primeiro momento, o meu maior incentivo foi ter,
antes do ingresso no doutorado, uma experiência como professor de uma
universidade pública. Alguns amigos, ligados à APG da Federal de São Carlos
e da república onde eu morava, já eram concursados em universidades e eu
queria seguir o exemplo deles. Fazer doutorado já na qualidade de professor
de uma instituição federal de ensino. Por sorte, logo após ter terminado o curso
de mestrado, soube do concurso aberto para a área da Ciência Política na
Universidade Federal de Roraima e que, pela distância geográfica do estado e
custos elevados das passagens, as provas seriam realizadas em São Paulo.
Não pensei duas vezes, me escrevi no concurso e fui aprovado. Da minha
parte, tinha também uma curiosidade em conhecer a Amazônia com suas
tradições e povos indígenas e a realidade fronteiriça do país, considerando que
minha origem e cultura sempre foram do litoral.
ABCP Centro-Norte: Por favor, comente sobre sua trajetória docente,
como reitor da UFRR e, agora, como professor titular, aprovado há
poucos dias.
13 Boletim ABCP Centro-Norte – nov/dez 2018
Roberto Ramos Santos: Minha trajetória docente coincide com a de outros/as
professores/as que chegaram à UFRR nos anos 90 e foi de muito trabalho.
Tivemos a satisfação e o desafio de erguer uma universidade que foi criada
pelo governo federal em 1989 sem as condições mínimas de funcionamento.
Na sua história, a UFRR teve um difícil processo de implantação. Nasceu sem
estrutura física adequada, para funcionar foi preciso que se abrigasse em
prédios administrativos que pertenciam ao antigo território Federal de Roraima,
em estado avançado de degradação. E foi criada com pouco orçamento para
dar conta das suas atividades iniciais de ensino, pesquisa e extensão em uma
região fronteiriça e dentro de um estado pobre financeiramente, de custo de
vida elevado e pouco assistido pelo poder público federal. Ao chegar no estado
de Roraima para assumir minhas funções acadêmicas, ingressei no esforço
coletivo dos/as servidores/as da Instituição para criar condições mais
adequadas de trabalho e oferta de cursos de graduação.
Como reitor, meu trabalho foi fortalecer a Universidade Federal procurando
fazer com que ela cumprisse adequadamente sua missão: “formar cidadãos
éticos e de capacidade crítico-reflexiva, respeitando e valorizando as
diversidades étnicas e culturais dos povos da Amazônia; igualmente, em razão
da localização geográfica da Universidade, promover o convívio e a integração
das populações fronteiriças, para ajudar essas comunidades em seu
desenvolvimento local”.
Na condição de Professor Titular, além de continuar participando da formação
de alunos nos cursos de graduação e pós-graduação, eu faço parte do Núcleo
de Pesquisas Eleitorais e Políticas da Amazônia. O Nupepa tem o objetivo de
desenvolver estudos e projetos em duas áreas temáticas: relações de fronteira
e sociedade e política na Amazônia, contribuindo com a reflexão crítica sobre
essa região. Compreender os aspectos relacionados com o desenvolvimento
econômico e social das populações amazônicas e os avanços da democracia
na região, observando a história política e as práticas eleitorais, tem sido nosso
foco de pesquisa.
14 Boletim ABCP Centro-Norte – nov/dez 2018
ABCP Centro-Norte: Você foi candidato ao cargo de prefeito de Boa Vista
no ano de 2016. Como foi a experiência de enfrentar um processo
eleitoral?
Roberto Ramos Santos: Foi muito interessante. Serviu para compreender
melhor meu objeto de estudo: as eleições em Roraima. Entender como o
clientelismo impera num estado de economia fraca e de baixa
institucionalização. Como candidato e com pouco recurso de campanha e
usando o nome social de professor, procurei ganhar o voto no corpo a corpo,
buscando mostrar aos/às eleitores/as a importância da mudança política como
forma de derrotar os grupos oligárquicos liderados por pessoas acusadas pela
mídia e pelo Ministério Público Federal de corrupção. Lógico que ganhar
eleições sem dinheiro para tocar uma campanha política em um estado
altamente clientelístico e não polarizado ideologicamente é praticamente
impossível. Mas, talvez, servindo como consolo e esperança, de seis
candidatos fui o terceiro mais votado, sendo suplantado pelo grupo que
controlava a máquina política da Prefeitura de Boa Vista, nas mãos de Teresa
Surita, ex-esposa do senador Romero Jucá, e do grupo político que controlava
o governo estadual nas mãos de Suely Campos, mulher do ex-governador
Neudo Campos. Teresa Surita (PMDB) foi reeleita prefeita de Boa Vista no
primeiro turno.
ABCP Centro-Norte: Tendo em vista a sua experiência como cientista
político e reitor de uma IFES no Norte do país, como o senhor observa o
desenvolvimento e institucionalização da ciência política na região norte,
e quais são, na sua ótica, os principais desafios e perspectivas da área?
Roberto Ramos Santos: Acho que nosso maior desafio é, em primeiro lugar,
vencer o preconceito no processo de formação; em segundo, encontrar uma
agenda própria de pesquisa; e em terceiro, conseguir mais investimentos em
ciência e tecnologia. Penso que a cultura acadêmica brasileira, de modo geral,
reflete o pensamento econômico do país, de que fora dos grandes centros
urbanos, não seja possível e necessário produzir ciência com qualidade,
15 Boletim ABCP Centro-Norte – nov/dez 2018
mesmo que nesses grandes centros já haja uma cansável e repetida agenda
de pesquisa. Para isso, um passo inicial seria fortalecer a pós-graduação na
região, criar mais cursos de mestrado e doutorado e que esses cursos de
Ciência Política, cada um ao seu modo, encontrassem uma agenda amazônica
e internacional de pesquisa. Por exemplo, aqui no Nupepa/UFRR estamos
cada vez mais trabalhando com a ideia de uma Amazônia Caribenha, criando
laços para a construção de uma agenda de pesquisa entre países pan-
amazônicos. No futuro, talvez esse seja um dos nossos diferenciais na análise
de política comparada. Também, penso que a Ciência Política como profissão
deveria ser, cada vez mais, voltada para o mercado.
ABCP Centro-Norte: Nesse contexto de expansão da ciência política
brasileira, como o senhor observa a criação das regionais, especialmente
a ABCP Centro-Norte?
Roberto Ramos Santos: Vejo com bastante otimismo o trabalho da ABCP
Centro-Norte. Foi louvável a criação da regional, principalmente com a
participação da UnB que tem uma longa tradição nos estudos da Ciência
Política brasileira. Penso que ainda temos um longo caminho para
institucionalizar a Ciência Política na região Norte do país e a regional da
ABCP é uma das nossas principais fortalezas nesse caminho.
ABCP Centro-Norte: Qual a mensagem que o senhor deixaria para os/as
jovens da região norte que pretendem seguir a formação na área de
ciência política?
Roberto Ramos Santos: Sigam a carreira com paixão e responsabilidade.
Um/a cientista político/a tem que ter capacidade analítica, observar fatos e
emitir adequadamente opiniões. E isso não se faz sem um profundo
conhecimento científico e filosófico. É preciso, na análise, diferenciar-se do
senso comum da política. Aqueles/as cientistas que gostam, nas eleições, de
aparecer na televisão e emitir suas opiniões sem o devido conhecimento têm
sido um verdadeiro desastre.
16 Boletim ABCP Centro-Norte – nov/dez 2018
ABCP Centro-Norte: Agradecemos pela entrevista. É uma honra para nós
entrevistá-lo.
Roberto Ramos Santos: Sou grato pela oportunidade de poder participar
dessa entrevista no Boletim da ABCP Centro-Norte. Gostaria de encerrar
dizendo que nunca tive dúvidas quanto à escolha da minha profissão. Costumo
dizer aos/às meus/minhas alunos/as de graduação que, nesses vinte e cinco
anos de carreira, se eu tivesse que novamente fazer o vestibular a escolha
seria a mesma. Em termos profissionais, sou feliz como acadêmico e cientista
político.
17 Boletim ABCP Centro-Norte – nov/dez 2018
GOSTARIA DE CONVERSAR CONOSCO? DIVULGAR ALGUMA ATIVIDADE QUE ESTÁ SENDO
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