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2 ELA Sábado, 12 de novembro de 2011 O GLOBO ‘Vivi na carne uma tragédia’ Gente econômica Marilu vem vindo na minha direção lá do fundo do corredor que dá acesso ao balcão da Sala São Paulo. Sua silhueta jovial se recorta em meio às pessoas que vêm e vão à procura de seus lugares para o concerto que começa daqui a pouco. Minha amiga está toda de preto e, quando chego perto, vejo que o círculo de metal pendurado ao pescoço por um cordão de seda é, na verdade, uma pulseira em forma de serpente. Sempre original, a minha Marilu. Inclinada na sua dire- ção está uma jovem de longos cabelos cor de mel. As duas conversam alegremente e sorriem quando finalmente nos encontramos. No inter- valo, vamos tomar um café no saguão. — Que delícia você ter a neta como com- panhia — comento com minha amiga. — Nem me diga, como gosto de estar com Sofia — diz Marilu antes de iniciar uma conhecida sequência de elogios pa- ra a linda moça. Todos merecidos, não é exage- ro nem corujice da avó. E arremata: — Ela não se econo- miza, e esse é um jeito maravilhoso de levar a vida. Ela não se economiza. A frase ficou martelando na minha cabeça ao lon- go de toda a segunda parte do concerto como um tema que se sobre- põe a outro ou um con- traponto dissonante. Ouço Mozart com fre- qüência porque a alegria concertante ou os dilace- rantes adágios de sua obra sempre me fazem pensar sobre o espetacular fluxo criativo de um gênio como ele. Como tantas ideias pu- deram sair ininterrupta- mente de sua mente in- ventiva ao longo de tão curta vida? Será que, ao se debruçar no piano, o ar- tista escrevia suas parti- turas com a segurança de que, ao compor um se- guinte concerto, elas vi- riam outra vez, originais e generosas? Ou será que ele guar- dava temas e motivos musicais para gastar nu- ma obra posterior, com receio de que pudessem vir a faltar? Acho que não. Acho que Mozart também não se economizava. Mas de onde viria essa consciência de que, ao contrário do planeta, os recursos de uma pessoa podem ser inesgotáveis e, portanto, não carecem ser preservados para uma ne- cessidade do futuro? Um sem-número de conselheiros se propõem hoje em dia a nos ensinar a administrar a vida. São particularmente fascinan- tes os especialistas em gestão do tempo, colecio- nadores das práticas dos grandes executivos bem- sucedidos que descobri- ram como otimizar todos os departamentos da vida — do uso do e-mail até o convívio com a família. No giro acelerado das vinte e quatro horas diárias, ou se aprende a dar prioridades a quem merece ou se nau- fraga no oceano de co- branças e tarefas. É uma outra economia pessoal, baseada na oferta de possibilidades escas- sas e na demanda por oportunidades raras, num mercado de ideias enla- tadas e comportamentos precavidos. Nessa nova economia, viver é admi- nistrar. Pelo menos para essa gente econômica que dá conta de tudo e, que desconsolo, acaba se dan- do muito bem. Como será que Sofia não se economiza? Pre- ciso me lembrar de per- guntar isso para Marilu da próxima vez em que a encontrar. Imagino que aquela jovem faça o con- trário do que se diz que é para fazer, dos clichês de auto-ajuda. Tem coisa mais chata do que in- vestir em autoconheci- mento se pode haver tan- ta coisa interessante acontecendo fora da gen- te? Há algo mais tedioso do que se prevenir, ter cuidados, manter distan- ciamentos e atitudes es- tudadas em vez de correr para abraçar os riscos? Talvez a boa adminis- tração e a gestão eficien- te — para usar mais dois clichezinhos — ajudem a lotar o mundo de em- pregos, comida, remé- dios e gadgets formidá- veis que nos auxiliam na economia dos relaciona- mentos, do networking, da poupança, do orça- mento e do trabalho. Mas tendo de adminis- trar, a gente tem de se economizar. Fico me per- guntando se, gerindo bem o estoque de afetos e emo- ções que fervem aqui den- tro, no final das contas o dia saiu barato ou o preço que cobrei por fraçõezi- nhas de mim lançadas ao mundo foi alto demais. Quanto valerá no mercado futuro o que deixei de ven- der agora? Com que juros me de- volverão a emissão desses pedacinhos bem adminis- trados de amizade e cria- tividade ofertados graças a uma sabedoria econô- mica? Que me respondam os analistas de plantão. E-mail para esta coluna: [email protected] ONDE ENCONTRAR ENDEREÇOS: Página 7: AL- LHAUSZ — CasaShopping, blo- co G loja E • ÁREA ÚTIL — Treze de maio 33/3107 • AR- TEIRO — Tel.: 8772-2065 • DOMME — CasaShopping, blo- co H, 2 o -piso • FINISH — Ca- saShopping, bloco 1/201 • NO- VO AMBIENTE — Redentor 4 • POEIRA — Dias Ferreira 480 • RESERVA+ — Francisco Ota- viano 67 (Galeria River) • TRIN- CA FERRO — Visconde de Pirajá 547/lj 226 GEPETO www.gepetostore.com. Página 10: AD — Shopping Leblon, 3 o - piso • ANA NORDESTE — Tel.: 8206-2583 • ARMADILLO — Visc. de Pirajá 468 • AVIATOR — Shopping Leblon, 3 o - piso • BLUEMAN — Visconde de Pi- rajá 351 • CHILLI BEANS — Shopping Leblon, 1 o -piso • FOX- TON — Garcia D’Ávila 147 • HOMEGROWN — Maria Qui- téria 68/sl • R. GROOVE — Visconde de Pirajá 371/lj 205 • RESERVA — Maria Quitéria 77 • RICHARDS — Maria Quitéria 95 • TOTEM — Shopping Le- blon, 1 o - piso • WÖLLNER — Visc. de Pirajá 511. EDITORA: Ana Cristina Reis ([email protected]) EDITORA ASSISTENTE: Carolina Isabel Novaes (carolina.novaes @oglobo.com.br) COORDENADORA DE MODA: Patricia Veiga (pveiga@oglobo. com.br) DIAGRAMAÇÃO: Leonardo Drummond (leodrum@oglobo. com.br) Telefone/Redação: 2534-5000 Publicidade: 2534-4310 E-Mail: [email protected] Correspondência: Rua Irineu Marinho 35 - 2º andar. CEP: 20233-900. ELA MÔNICA W ALDVOGEL N a última quarta- feira de madruga- da, logo depois de encenar qua- tro horas do es- petáculo “Os náu- fragos da louca esperança”, que estreou na terça e fica em cartaz até o próximo sábado, na HSBC Arena, Juliana Carneiro da Cu- nha recebeu Fernanda Monte- negro no camarim aberto ao público e emoldurado por cor- tinas brancas rendadas. As duas atrizes se conhecem há três décadas, desde que en- cenaram com Renata Sorrah a peça “As lágrimas amargas de Petra Von Kant”. — Quero conhecer o Gabriel — diz-lhe Fernanda. — Ele chega sábado (hoje). Estou louca para revê-lo. Eu me lembro bem quando você virou avó e me disse como era bom — comenta Juliana, cabelos ema- ranhados e cheios de papel pi- cado que imitam neve. Gabriel, quatro meses, é seu primeiro neto. Ele é filho da cineasta Jeanne Dosse, que pre- para um documentário sobre Juliana. “Mão de mãe”, previsto para 2012, será um filme sobre o amor da atriz pela filha e tam- bém pela arte. — Devo confessar que minha mãe é muito mãe mesmo, tanto na vida quanto em cena — escreve Jeanne, de Paris. Terapia bioenergética Na trupe do Théâtre du Soleil, Juliana diz que os atores a veem como a “chefe do sindicato”. Mas os colegas lhe enxergam como mãe mesmo — não ape- nas em cena, como afirmou Jeanne, mas também nos bas- tidores. Luiz Fernando Carva- lho, que a dirigiu nas novelas “Helena” e “Carmen” (TV Man- chete), no filme “Lavoura ar- caica” e na série “Hoje é dia de Maria”, também observa tal ca- racterística: — O arquétipo da mãe é muito próximo da Juliana. Ela é a mãe do Soleil. Foi minha mãe em “Lavoura arcaica”. Ela tem uma sensibilidade enorme e é muito generosa. Nas filmagens, sempre levava uma balinha pa- ra um, uma florzinha para outro. Ela está sempre ofertando — conta o diretor, que guarda car- tas de Juliana nas quais ela fala “coisas lindas” sobre a vida, a arte e interpreta ideogramas do I Ching. Há 23 anos fora do Brasil, a atriz mora em Paris, a meia hora ENTRE FERNANDA Montenegro e Renata Sorrah, amiga de toda a vida, na peça “As lágrimas amargas de Petra Von Kant” TRÊS GERAÇÕES: Juliana, a filha Jeanne Dosse, que está fazendo um documentário sobre a mãe, e o neto Gabriel. À direita, em cena com Ariane horas antes do espetáculo para, junto com todo o elenco, limpar o palco, organizar o teatro e fazer a própria caracterização. — O incrível é a força do conjunto, porque juntar tantos egos, e ninguém ter ego é algo raro — comenta Fernanda Mon- tenegro, após ver a peça. Fernanda relembrou os tem- pos em que trabalharam juntas, em 1982, “quando os filhos de Juliana ainda eram pequenos”. — É engraçado como as coi- sas se costuram, porque a filha dela (Jeanne) é casada com o filho do Boal (Julian) — observa Fernanda. — A Juliana é uma atriz absoluta. É um grande pra- zer o Brasil ter uma mulher com essa força. E, graças a ela, a Mnouchkine aderiu também à nossa cultura. Fã de Yves Montand A intensidade, a paixão e a vibração que Juliana leva ao palco são autênticos. Os co- legas do Soleil dizem que ela é assim no palco e fora dele. Tanto que tem amigos da vida toda completamente apaixona- dos. É um fã clube de primeira. Marco Nanini é um deles. — A Juliana sempre teve esta característica da coragem, não levanta bandeiras, é muito ba- talhadora e cuidou dos filhos com muita dedicação. Os dois trabalharam juntos em duas peças. O ator relembra o dia em que estavam no palco, em “A mão na luva” (1982), e Juliana cortou o rosto num aci- dente com um espelho. — Ela estava sangrando mui- to, mas não percebia, estava envolvida na personagem e continuou a encenar. Tive que interromper, e gritei: “Chega, Juliana!” — conta Nanini, que parou a sessão e a levou para o hospital. A paixão pelo teatro é um dos elos da amizade de Juliana e Renata Sorrah. As duas se co- nheceram em 1982, em “As lá- grimas amargas...”. Não se des- grudaram desde então. — Somos irmãs de alma. E agora somos avós. Eu, do Mi- guel. Ela, do Gabriel. — diz Sorrah, que hospedou a amiga na semana retrasada. Juliana era do tipo de amiga que ligava para Renata e dizia: “Hoje vou passar o dia com você”. Daí, tomavam café jun- tas, iam à farmácia, levavam os filhos à escola. Certa vez, as duas foram ao Plataforma depois de uma apre- sentação do ator francês Yves Montand, de quem Juliana era fã, no Rio. Ele também estava lá e, decidida a falar com o ídolo, Juliana arrastou Renata e se posicionou na frente dele. “Yves, você é meu passado, meu presente e meu futuro”, disse Juliana, em francês. — A Juliana disse isso, per- guntou da Simone Signoret, e saiu. Ela me deixou ali para- lisada na frente dele, sem saber o que dizer. Até hoje a gente brinca com isso: “Vous êtes mon passé, mon présent et mon futur— conta Renata. Durante esta temporada do Soleil no Rio, Juliana tem re- cebido no camarim atores, ami- gos e diretores. É nítido, pelos olhos vivos com os quais ela os cumprimenta, que Juliana so- nha mesmo acordada. Gaiarsa tinha razão. Arquivo pessoal Reprodução/1982 da Cartoucherie de Vincennes, sede da companhia fundada há 47 anos por Ariane Mnouch- kine, sua companheira. Juliana se mudou para a França, com o então marido, o cineasta fran- cês Stephane Dosse, e os dois filhos, em 1988. O casal, que se conheceu em Bruxelas, queria voltar a tra- balhar em Paris depois de viver por mais de dez anos em São Paulo. Juliana tinha acabado de sofrer duas perdas dilaceran- tes. Nos anos 80, depois de ser mãe de Mathieu e Jeanne, ela teve duas meninas que mor- reram recém-nascidas. A pri- meira, em 1983, com uma se- mana. A segunda, em 1986, com duas horas de vida. — Disseram que eu fiquei catatônica — lembra a atriz. — Na primeira, agi como se não fosse comigo. Mas na segunda, fiquei totalmente prostrada. Juliana fez terapia bioener- gética para superar a dor. Um ano depois, estava curada e decidida a voltar para Paris. Ela foi na frente, sozinha, para pro- curar trabalho e, depois, levar a família. Conseguiu. Mas, tem- pos depois, o casamento es- friou. Neste ínterim, em maio de 1990, a atriz estava com 41 anos e fez teste para uma oficina do Soleil. Na seleção, 1.200 atores foram separados em grupos e apresentaram cenas sobre tea- tro grego. — Fizemos uma coisa hor- rorosa — lembra-se Juliana. Passada com o que viu no palco, Mnouchkine, a mítica fundadora e diretora do So- leil, na época com 51 anos, desabafou: “Passei o dia as- sistindo a todos os grupos e não vi um só segundo de tea- tro. Que decepção!”. — Vi aquela senhora deso- lada e só pensava: “Meu Deus, não podemos deixá-la nesta si- tuação. Tenho que fazer alguma coisa para salvar o dia desta mulher” — recorda Juliana. Ariane pediu, então, uma im- provisação de um casal apai- xonado acordando. Juliana dei- tou-se no chão ao lado de um ator e, dali, salvou a pátria e conquistou a vaga. A oficina correu bem, acabou e, três me- ses depois, Juliana, que no Bra- sil já tinha encenado peças di- rigidas por Celso Nunes e Ader- bal Freire-Filho, foi convidada para integrar o Soleil e inter- pretar Cliteminestra, na tragé- dia grega “Os Átridas”. — Na peça, a personagem perde a filha e mata o marido. Vivi na carne esta tragédia. Seis meses depois do con- vite, no fim de dezembro de 1990, Juliana iniciou o rela- cionamento com Mnouchkine e optou por integrar de vez o elenco do Soleil. Nascida no Rio e criada em São Paulo, Juliana tem forma- ção em dança e morou fora do Brasil por 35 dos seus 62 anos. Hoje ela ganha cerca de C1.800 mensais, assim como todos os atores que integram a compa- nhia. Chega ao teatro quatro Martine Franck/1995 Walter Carvalho/2001 NOS BASTIDORES do filme “Lavoura arcaica”, com o ator Raul Cortez e o diretor Luiz Fernando Carvalho

Atriz sem vaidade juliana carneiro da cunha 2

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2 ● ELA Sábado, 12 de novembro de 2011O GLOBO.

O GLOBO ● ELA ● PÁGINA 2 - Edição: 12/11/2011 - Impresso: 10/11/2011 — 22: 05 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

‘Vivi na carneuma tragédia’

Gente econômica● Marilu vem vindo na minha direção lá do fundo

do corredor que dá acesso ao balcão da Sala São

Paulo. Sua silhueta jovial se recorta em meio às

pessoas que vêm e vão à procura de seus

lugares para o concerto que começa daqui a

pouco. Minha amiga está toda de preto e,

quando chego perto, vejo que o círculo de metal

pendurado ao pescoço por um cordão de seda é,

na verdade, uma pulseira em forma de serpente.

Sempre original, a minha Marilu.

Inclinada na sua dire-ção está uma jovem delongos cabelos cor demel. As duas conversamalegremente e sorriemquando finalmente nosencontramos. No inter-valo, vamos tomar umcafé no saguão.

— Que delícia vocêter a neta como com-panhia — comento comminha amiga.

— Nem me diga, comogosto de estar com Sofia— diz Marilu antes deiniciar uma conhecidasequência de elogios pa-ra a linda moça. Todosmerecidos, não é exage-ro nem corujice da avó. Earremata:

— Ela não se econo-miza, e esse é um jeitomaravilhoso de levar avida.

Ela não se economiza.A frase ficou martelandona minha cabeça ao lon-go de toda a segundaparte do concerto comoum tema que se sobre-põe a outro ou um con-traponto dissonante.

Ouço Mozart com fre-qüência porque a alegriaconcertante ou os dilace-rantes adágios de sua obrasempre me fazem pensarsobre o espetacular fluxocriativo de um gênio comoele. Como tantas ideias pu-deram sair ininterrupta-mente de sua mente in-ventiva ao longo de tãocurta vida? Será que, ao sedebruçar no piano, o ar-tista escrevia suas parti-turas com a segurança deque, ao compor um se-guinte concerto, elas vi-riam outra vez, originais egenerosas?

Ou será que ele guar-dava temas e motivosmusicais para gastar nu-ma obra posterior, comreceio de que pudessemvir a faltar?

Acho que não. Achoque Mozart também nãose economizava.

Mas de onde viria essaconsciência de que, aocontrário do planeta, osrecursos de uma pessoapodem ser inesgotáveis e,portanto, não carecem serpreservados para uma ne-cessidade do futuro?

Um sem-número deconselheiros se propõemhoje em dia a nos ensinar aadministrar a vida. Sãoparticularmente fascinan-tes os especialistas emgestão do tempo, colecio-nadores das práticas dosgrandes executivos bem-sucedidos que descobri-ram como otimizar todos

os departamentos da vida— do uso do e-mail até oconvívio com a família. Nogiro acelerado das vinte equatro horas diárias, ou seaprende a dar prioridadesa quem merece ou se nau-fraga no oceano de co-branças e tarefas.

É uma outra economiapessoal, baseada na ofertade possibilidades escas-sas e na demanda poroportunidades raras, nummercado de ideias enla-tadas e comportamentosprecavidos. Nessa novaeconomia, viver é admi-nistrar. Pelo menos paraessa gente econômica quedá conta de tudo e, quedesconsolo, acaba se dan-do muito bem.

Como será que Sofianão se economiza? Pre-ciso me lembrar de per-guntar isso para Mariluda próxima vez em que aencontrar. Imagino queaquela jovem faça o con-trário do que se diz que épara fazer, dos clichês deauto-ajuda. Tem coisamais chata do que in-vestir em autoconheci-mento se pode haver tan-ta coisa interessanteacontecendo fora da gen-te? Há algo mais tediosodo que se prevenir, tercuidados, manter distan-ciamentos e atitudes es-tudadas em vez de correrpara abraçar os riscos?

Talvez a boa adminis-tração e a gestão eficien-te — para usar mais doisclichezinhos — ajudem alotar o mundo de em-pregos, comida, remé-dios e gadgets formidá-veis que nos auxiliam naeconomia dos relaciona-mentos, do networking,da poupança, do orça-mento e do trabalho.

Mas tendo de adminis-trar, a gente tem de seeconomizar. Fico me per-guntando se, gerindo bemo estoque de afetos e emo-ções que fervem aqui den-tro, no final das contas odia saiu barato ou o preçoque cobrei por fraçõezi-nhas de mim lançadas aomundo foi alto demais.Quanto valerá no mercadofuturo o que deixei de ven-der agora?

Com que juros me de-volverão a emissão dessespedacinhos bem adminis-trados de amizade e cria-tividade ofertados graçasa uma sabedoria econô-mica? Que me respondamos analistas de plantão.

E-mail para esta coluna:[email protected]

ONDE ENCONTRAR●ENDEREÇOS: Página 7: AL-LHAUSZ — CasaShopping, blo-co G loja E • ÁREA ÚTIL —Treze de maio 33/3107 • AR-TEIRO — Tel.: 8772-2065 •DOMME — CasaShopping, blo-co H, 2o-piso • FINISH — Ca-saShopping, bloco 1/201 • NO-VO AMBIENTE — Redentor 4 •POEIRA — Dias Ferreira 480 •RESERVA+ — Francisco Ota-viano 67 (Galeria River) • TRIN-CAFERRO—ViscondedePirajá547/lj 226 • GEPETO —www.gepetostore.com. Página10: AD — Shopping Leblon, 3o-

piso • ANA NORDESTE — Tel.:8206-2583 • ARMADILLO —Visc. de Pirajá 468 • AVIATOR— Shopping Leblon, 3 o- piso •BLUEMAN — Visconde de Pi-rajá 351 • CHILLI BEANS —Shopping Leblon, 1o-piso • FOX-TON — Garcia D’Ávila 147 •HOMEGROWN — Maria Qui-téria 68/sl • R. GROOVE —Visconde de Pirajá 371/lj 205 •RESERVA — Maria Quitéria 77• RICHARDS — Maria Quitéria95 • TOTEM — Shopping Le-blon, 1o- piso • WÖLLNER —Visc. de Pirajá 511.

EDITORA: Ana Cristina Reis ([email protected])EDITORA ASSISTENTE: Carolina Isabel Novaes(carolina.novaes @oglobo.com.br)

COORDENADORA DE MODA: Patricia Veiga (pveiga@oglobo. com.br)DIAGRAMAÇÃO: Leonardo Drummond (leodrum@oglobo. com.br)Telefone/Redação: 2534-5000 Publicidade: 2534-4310E-Mail: [email protected]ência: Rua Irineu Marinho 35 - 2º andar. CEP: 20233-900.

ELA

MÔNICA WALDVOGEL

Na última quarta-feira de madruga-da, logo depoisde encenar qua-tro horas do es-petáculo “Os náu-

fragos da louca esperança”, queestreou na terça e fica em cartazaté o próximo sábado, na HSBCArena, Juliana Carneiro da Cu-nha recebeu Fernanda Monte-negro no camarim aberto aopúblico e emoldurado por cor-tinas brancas rendadas. Asduas atrizes se conhecem hátrês décadas, desde que en-cenaram com Renata Sorrah apeça “As lágrimas amargas dePetra Von Kant”.

— Quero conhecer o Gabriel— diz-lhe Fernanda.

— Ele chega sábado (hoje).Estou louca para revê-lo. Eu melembro bem quando você virouavóemedissecomoerabom—comenta Juliana, cabelos ema-ranhados e cheios de papel pi-cado que imitam neve.

Gabriel, quatro meses, é seuprimeiro neto. Ele é filho dacineasta Jeanne Dosse, que pre-para um documentário sobreJuliana. “Mão de mãe”, previstopara 2012, será um filme sobre oamor da atriz pela filha e tam-bém pela arte.

— Devo confessar que minhamãe é muito mãe mesmo, tantona vida quanto em cena —escreve Jeanne, de Paris.

Terapiabioenergética● Na trupe do Théâtre du Soleil,Juliana diz que os atores a veemcomo a “chefe do sindicato”.Mas os colegas lhe enxergamcomo mãe mesmo — não ape-nas em cena, como afirmouJeanne, mas também nos bas-tidores. Luiz Fernando Carva-lho, que a dirigiu nas novelas“Helena” e “Carmen” (TV Man-chete), no filme “Lavoura ar-caica” e na série “Hoje é dia deMaria”, também observa tal ca-racterística:

— O arquétipo da mãe émuito próximo da Juliana. Ela éa mãe do Soleil. Foi minha mãeem “Lavoura arcaica”. Ela temuma sensibilidade enorme e émuito generosa. Nas filmagens,sempre levava uma balinha pa-raum,uma florzinhaparaoutro.Ela está sempre ofertando —conta o diretor, que guarda car-tas de Juliana nas quais ela fala“coisas lindas” sobre a vida, aarte e interpreta ideogramas doI Ching.

Há 23 anos fora do Brasil, aatriz mora em Paris, a meia hora

ENTRE FERNANDA Montenegro e Renata Sorrah, amiga de toda a vida,

na peça “As lágrimas amargas de Petra Von Kant”

TRÊS GERAÇÕES: Juliana, a filha Jeanne Dosse, que está fazendo um documentário sobre a mãe, e o neto Gabriel. À direita, em cena com Ariane

horas antes do espetáculo para,junto com todo o elenco, limparo palco, organizar o teatro efazer a própria caracterização.

— O incrível é a força doconjunto, porque juntar tantosegos, e ninguém ter ego é algoraro — comenta Fernanda Mon-tenegro, após ver a peça.

Fernanda relembrou os tem-pos em que trabalharam juntas,em 1982, “quando os filhos deJuliana ainda eram pequenos”.

— É engraçado como as coi-sas se costuram, porque a filhadela (Jeanne) é casada com ofilho do Boal (Julian) — observaFernanda. — A Juliana é umaatriz absoluta. É um grande pra-zer o Brasil ter uma mulher comessa força. E, graças a ela, aMnouchkine aderiu também ànossa cultura.

Fã de YvesMontand● A intensidade, a paixão e avibração que Juliana leva aopalco são autênticos. Os co-legas do Soleil dizem que ela éassim no palco e fora dele.Tanto que tem amigos da vidatoda completamente apaixona-dos. É um fã clube de primeira.Marco Nanini é um deles.

— A Juliana sempre teve estacaracterística da coragem, nãolevanta bandeiras, é muito ba-talhadora e cuidou dos filhoscom muita dedicação.

Os dois trabalharam juntosem duas peças. O ator relembrao dia em que estavam no palco,em “A mão na luva” (1982), eJuliana cortou o rosto num aci-dente com um espelho.

— Ela estava sangrando mui-to, mas não percebia, estavaenvolvida na personagem econtinuou a encenar. Tive queinterromper, e gritei: “Chega,Juliana!” — conta Nanini, queparou a sessão e a levou para ohospital.

A paixão pelo teatro é um doselos da amizade de Juliana eRenata Sorrah. As duas se co-nheceram em 1982, em “As lá-grimas amargas...”. Não se des-grudaram desde então.

— Somos irmãs de alma. Eagora somos avós. Eu, do Mi-guel. Ela, do Gabriel. — dizSorrah, que hospedou a amigana semana retrasada.

Juliana era do tipo de amigaque ligava para Renata e dizia:“Hoje vou passar o dia comvocê”. Daí, tomavam café jun-tas, iam à farmácia, levavam osfilhos à escola.

Certa vez, as duas foram aoPlataforma depois de uma apre-sentação do ator francês YvesMontand, de quem Juliana erafã, no Rio. Ele também estava láe, decidida a falar com o ídolo,Juliana arrastou Renata e seposicionou na frente dele.“Yves, você é meu passado,meu presente e meu futuro”,disse Juliana, em francês.

— A Juliana disse isso, per-guntou da Simone Signoret, esaiu. Ela me deixou ali para-lisada na frente dele, sem sabero que dizer. Até hoje a gentebrinca com isso: “Vous êtes monpassé, mon présent et mon futur”— conta Renata.

Durante esta temporada doSoleil no Rio, Juliana tem re-cebido no camarim atores, ami-gos e diretores. É nítido, pelosolhos vivos com os quais ela oscumprimenta, que Juliana so-nha mesmo acordada. Gaiarsatinha razão. ■

Arquivo pessoal

Reprodução/1982

da Cartoucherie de Vincennes,sede da companhia fundada há47 anos por Ariane Mnouch-kine, sua companheira. Julianase mudou para a França, com oentão marido, o cineasta fran-cês Stephane Dosse, e os doisfilhos, em 1988.

O casal, que se conheceu emBruxelas, queria voltar a tra-balhar em Paris depois de viverpor mais de dez anos em SãoPaulo. Juliana tinha acabado desofrer duas perdas dilaceran-tes. Nos anos 80, depois de sermãe de Mathieu e Jeanne, elateve duas meninas que mor-reram recém-nascidas. A pri-meira, em 1983, com uma se-mana. A segunda, em 1986, comduas horas de vida.

— Disseram que eu fiqueicatatônica — lembra a atriz. —Na primeira, agi como se nãofosse comigo. Mas na segunda,fiquei totalmente prostrada.

Juliana fez terapia bioener-gética para superar a dor. Umano depois, estava curada edecidida a voltar para Paris. Elafoi na frente, sozinha, para pro-curar trabalho e, depois, levar afamília. Conseguiu. Mas, tem-pos depois, o casamento es-friou. Neste ínterim, em maio de1990, a atriz estava com 41 anose fez teste para uma oficina doSoleil. Na seleção, 1.200 atoresforam separados em grupos eapresentaram cenas sobre tea-tro grego.

— Fizemos uma coisa hor-rorosa — lembra-se Juliana.

Passada com o que viu no

palco, Mnouchkine, a míticafundadora e diretora do So-leil, na época com 51 anos,desabafou: “Passei o dia as-sistindo a todos os grupos enão vi um só segundo de tea-tro. Que decepção!”.

— Vi aquela senhora deso-lada e só pensava: “Meu Deus,não podemos deixá-la nesta si-tuação. Tenho que fazer algumacoisa para salvar o dia destamulher” — recorda Juliana.

Ariane pediu, então, uma im-provisação de um casal apai-xonado acordando. Juliana dei-tou-se no chão ao lado de umator e, dali, salvou a pátria econquistou a vaga. A oficinacorreu bem, acabou e, três me-ses depois, Juliana, que no Bra-sil já tinha encenado peças di-rigidas por Celso Nunes e Ader-bal Freire-Filho, foi convidadapara integrar o Soleil e inter-pretar Cliteminestra, na tragé-dia grega “Os Átridas”.

— Na peça, a personagemperde a filha e mata o marido.Vivi na carne esta tragédia.

Seis meses depois do con-vite, no fim de dezembro de1990, Juliana iniciou o rela-cionamento com Mnouchkinee optou por integrar de vez oelenco do Soleil.

Nascida no Rio e criada emSão Paulo, Juliana tem forma-ção em dança e morou fora doBrasil por 35 dos seus 62 anos.Hoje ela ganha cerca de C1.800mensais, assim como todos osatores que integram a compa-nhia. Chega ao teatro quatro

Martine Franck/1995

Walter Carvalho/2001

NOS BASTIDORES do filme “Lavoura arcaica”, com o ator Raul Cortez

e o diretor Luiz Fernando Carvalho