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29/1/2015 "Atualmente vigora um capitalismo social e do desejo". Entrevista com Maurizio Lazzarato http://www.ihu.unisinos.br/noticias/39543-atualmente-vigora-um-capitalismo-social-e-do-desejo-entrevista-com-maurizio-lazzarato 1/5 Maurizio Lazzarato, membro fundador da revista Multitudes junto com o filósofo italiano Toni Negri, retoma Deleuze e Guattari para uma abordagem crítica do marxismo clássico, que se constituía em uma ferramenta de transformação. "O que se produz já está vendido – assinala –, porque antes se converteu em objeto de desejo". A reportagem é de Pedro Lipcovich, publicada no jornal Página/12, 20-12-2010. A tradução é de Anne Ledur. Eis a entrevista. Você desenvolveu a noção de que o capitalismo é "produtor de subjetividade". Que diferença haveria entre a subjetividade produzida pelo capitalismo em suas primeiras etapas e a que se produz na atualidade? Atualmente vigora um capitalismo social e do desejo. Na primeira fase do capitalismo se tratava, acima de tudo, de produzir, e depois vinha o consumo. Hoje é ao contrário: um carro se produz depois de ter sido vendido, quero dizer, depois de ter sido constituído como objeto de desejo. Aqui entra a publicidade, o marketing. Por que antes isso não era necessário? Há um século não funcionava assim. Isso começou nos Estados Unidos, e um dos que introduziram essa concepção de marketing foi Edward Bernays, sobrinho de Freud. É sintomático que tenha sido o sobrinho de Freud, o fundador da noção do desejo inconsciente, quem introduziu esta passagem no capitalismo: construir o objeto como valor de desejo. Desejo massivo: é necessário que se mostre na televisão, que seja testado por consumidores. Há um século isso não se concebia, porque os operários não eram consumidores do que produziam. Henry Ford foi quem, a partir do barateamento gerado pela produção em série, propôs: "Meus produtos são comprados por meus operários". Hoje em dia o capitalismo, para funcionar, deve produzir subjetividade, tanto no trabalho quanto no consumo. Em ambos planos a subjetividade mudou. Em que mudou a subjetividade, da perspectiva do trabalho? No Ocidente, se pensa no trabalhador como um pequeno empresário. Cada indivíduo assume como tal o risco de sua atividade, é responsável pelo que faz, desde a empregada doméstica até o engenheiro especializado. Cada um deve ser autônomo, como um empresário. Isto é o "capital humano". Na antiga organização do trabalho, se tratava de uma subordinação direta. Hoje, a subordinação se constitui ao redor da autonomia. O indivíduo leva em si mesmo a condição de subordinação. Isto floresce do último neoliberalismo. Ao mesmo tempo em que a economia financeira passa a preponderar, todo o mundo passa a estar sob esta lógica empresarial. Mesmo o desempregado deve prestar contas: como organiza sua jornada, o que faz; se lhe pagam um subsídio, em troca, é necessário que seja ativo, que se faça responsável. Alguém poderia dizer: "Qual o problema? Está bem que as pessoas sejam responsáveis...". É que esta responsabilidade é concebida como se o indivíduo fosse culpado de sua situação. Na verdade, o desemprego não é por falta do indivíduo: o sistema produz a greve. Mas faz isso como se fosse sua falta, se diz que não tem vontade de trabalhar, que é preguiçoso, que se aproveita da assistência do Estado. Ele é culpabilizado. Como se explica a questão da subjetividade do lado do consumidor? O consumidor é objeto de diferentes dispositivos de poder: a publicidade, o marketing, a televisão impulsionam a construir seus objetos de desejo. O neoliberalismo, ao mesmo tempo em que acrescenta a desigualdade de ingresso entre as classes sociais, cada vez mais empurra as pessoas a consumir, como se o acesso ao consumo fosse possível para todo mundo. Os objetos de desejo, as mercadorias, estão sempre disponíveis... em imagens. Primeiro chegam as imagens; depois, as mercadorias. Outra importante transformação da subjetividade se produziu em relação às finanças, que são outro dispositivo de poder. O funcionamento mundial das finanças, dispositivo central do capitalismo, requer a generalização do crédito. Há um século, o crédito era para as empresas. As pessoas viviam da renda de seu trabalho. Hoje, todos podem ter crédito. Nos Estados Unidos há crédito para consumo, NOTÍCIAS Notícias do Dia Notícias de 2012/2011 Notícias Anteriores ENTREVISTAS REVISTA IHU ON-LINE Unisinos www.unisinos.br Minha Unisinos Compartilhar Imprimir Enviar por e-mail Diminuir / Aumentar a letra Quarta, 05 de janeiro de 2011 NOTÍCIAS » Notícias "Atualmente vigora um capitalismo social e do desejo". Entrevista com Maurizio Lazzarato Clima de terrorismo impede demarcação de terras indígenas. Entrevista especial com Marco Antônio Delfino de Almeida Crise energética. Governo federal segue amarrado aos velhos modelos de geração de energia. Entrevista especial com Telma Monteiro A fragilidade da Anvisa e o uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil. Entrevista especial com Victor Manoel Pelaez Alvarez Depois da estagnação na reforma agrária, indicação de Kátia Abreu reforça opção do Governo Dilma pelo agronegócio. Entrevista especial com Gerson Teixeira Buscar Início Sobre o IHU Áreas Notícias Entrevistas Publicações Eventos Cepat Espiritualidade Entre em contato

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29/1/2015 "Atualmente vigora um capitalismo social e do desejo". Entrevista com Maurizio Lazzarato

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Maurizio Lazzarato, membro fundador da revista Multitudes junto como filósofo italiano Toni Negri, retoma Deleuze e Guattari para uma

abordagem crítica do marxismo clássico, que se constituía em umaferramenta de transformação. "O que se produz já está vendido –assinala –, porque antes se converteu em objeto de desejo".

A reportagem é de Pedro Lipcovich, publicada no jornal Página/12,20-12-2010. A tradução é de Anne Ledur.

Eis a entrevista.

Você desenvolveu a noção de que o capitalismo é "produtor desubjetividade". Que diferença haveria entre a subjetividadeproduzida pelo capitalismo em suas primeiras etapas e a que se produz na atualidade?

Atualmente vigora um capitalismo social e do desejo. Na primeira fase do capitalismo se tratava, acima de tudo, de

produzir, e depois vinha o consumo. Hoje é ao contrário: um carro se produz depois de ter sido vendido, quero dizer,depois de ter sido constituído como objeto de desejo. Aqui entra a publicidade, o marketing.

Por que antes isso não era necessário?

Há um século não funcionava assim. Isso começou nos Estados Unidos, e um dos que introduziram essa concepção

de marketing foi Edward Bernays, sobrinho de Freud. É sintomático que tenha sido o sobrinho de Freud, o fundador

da noção do desejo inconsciente, quem introduziu esta passagem no capitalismo: construir o objeto como valor dedesejo. Desejo massivo: é necessário que se mostre na televisão, que seja testado por consumidores. Há um século

isso não se concebia, porque os operários não eram consumidores do que produziam. Henry Ford foi quem, a partir

do barateamento gerado pela produção em série, propôs: "Meus produtos são comprados por meus operários". Hojeem dia o capitalismo, para funcionar, deve produzir subjetividade, tanto no trabalho quanto no consumo. Em ambos

planos a subjetividade mudou.

Em que mudou a subjetividade, da perspectiva do trabalho?

No Ocidente, se pensa no trabalhador como um pequeno empresário. Cada indivíduo assume como tal o risco desua atividade, é responsável pelo que faz, desde a empregada doméstica até o engenheiro especializado. Cada um

deve ser autônomo, como um empresário. Isto é o "capital humano". Na antiga organização do trabalho, se tratava de

uma subordinação direta. Hoje, a subordinação se constitui ao redor da autonomia. O indivíduo leva em si mesmo acondição de subordinação. Isto floresce do último neoliberalismo. Ao mesmo tempo em que a economia financeira

passa a preponderar, todo o mundo passa a estar sob esta lógica empresarial. Mesmo o desempregado deve prestar

contas: como organiza sua jornada, o que faz; se lhe pagam um subsídio, em troca, é necessário que seja ativo, quese faça responsável.

Alguém poderia dizer: "Qual o problema? Está bem que as pessoas sejam responsáveis...".

É que esta responsabilidade é concebida como se o indivíduo fosse culpado de sua situação. Na verdade, o

desemprego não é por falta do indivíduo: o sistema produz a greve. Mas faz isso como se fosse sua falta, se diz quenão tem vontade de trabalhar, que é preguiçoso, que se aproveita da assistência do Estado. Ele é culpabilizado.

Como se explica a questão da subjetividade do lado do consumidor?

O consumidor é objeto de diferentes dispositivos de poder: a publicidade, o marketing, a televisão impulsionam a

construir seus objetos de desejo. O neoliberalismo, ao mesmo tempo em que acrescenta a desigualdade deingresso entre as classes sociais, cada vez mais empurra as pessoas a consumir, como se o acesso ao consumo

fosse possível para todo mundo. Os objetos de desejo, as mercadorias, estão sempre disponíveis... em imagens.

Primeiro chegam as imagens; depois, as mercadorias. Outra importante transformação da subjetividade se produziuem relação às finanças, que são outro dispositivo de poder. O funcionamento mundial das finanças, dispositivo

central do capitalismo, requer a generalização do crédito. Há um século, o crédito era para as empresas. As pessoas

viviam da renda de seu trabalho. Hoje, todos podem ter crédito. Nos Estados Unidos há crédito para consumo,

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Quarta, 05 de janeiro de 2011

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"Atualmente vigora um capitalismosocial e do desejo". Entrevista comMaurizio Lazzarato

Clima de terrorismo impede demarcaçãode terras indígenas. Entrevista especialcom Marco Antônio Delfino de Almeida

Crise energética. Governo federal segueamarrado aos velhos modelos de geração

de energia. Entrevista especial com TelmaMonteiro

A fragilidade da Anvisa e o uso

indiscriminado de agrotóxicos no Brasil.Entrevista especial com Victor Manoel

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Governo Dilma pelo agronegócio.

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educação. Se alguém quer estudar deve endividar-se, obter um crédito. E isto organiza a subjetividade. Um crédito é

uma promessa: eu vou pagar. Em 10, 20 anos, vou pagar este crédito. Como se pode assegurar que o crédito será

respeitado todo esse tempo? Em nível legal, mas também em nível subjetivo, se constroem mecanismos paragarantir que a promessa se cumpra.

Como seria o dispositivo em nível individual?

O sujeito fica tomado pela dívida. Toda sua vida vai estar condicionada pela dívida. Se você tem uma dívida de 30

anos, as condições e os limites de sua vida vão estar organizados por esse crédito. É o que acontece em nível dospaíses: quando a Argentina esteve endividada, os indivíduos e a nação estavam obrigados a viver sob as condições

definidas pela dívida.

Mas, na Argentina, a dívida pesou de forma diferente sobre os diferentes setores sociais: a muitos prejudicou,

mas a alguns, beneficiou. Houve empresários cujas dívidas foram estatizadas.

Sem dúvida. É o que acontece agora. É o que acontece agora na Europa, com a crise financeira. A dívida de bancos

privados está ressegurada pela dívida pública, e os que vão pagá-la serão, acima de tudo, os menos ricos. E há

quem aproveite a dívida: por definição, aproveita o setor financeiro. Nos Estados Unidos, este ano as empresastiveram os maiores benefícios.

Então haveria dois tipos de subjetividade – essa subjetividade do devedor, que concerniria a um setor dapopulação, talvez majoritário –, mas há outro setor que teria outra subjetividade...

Certamente. Assim como na indústria estão os empresários e os operários, nas finanças estão os credores e osdevedores. E os que comandam são os credores: os que dão crédito e definem as condições. Mas há diferenças

entre a oposição patrão-operário e a oposição credor-devedor.

Que diferenças?

De certo ponto de vista é o mesmo: há desigualdade entre patrão e operário, como entre credor e devedor. Oproblema é que hoje os credores não se definem de uma classe social específica. A condição de credor concerne

também à classe média, aos operários. Os fundos de pensão foram privatizados. Para sua velhice, o sujeito adquireum seguro privado. Quanto à subjetividade do devedor, Nietzsche trabalhou a questão da promessa. Diz que o queformou o homem civilizado não é o trabalho, nem o intercâmbio, e sim, a dívida. Porque a dívida constrói um homem

que pode prometer, e pode prometer enquanto constrói uma memória: eu vou pagar porque lembro da minha dívida. Adívida, a promessa, estão marcadas no corpo do indivíduo como a libra de carne de O Mercador de Veneza. O queme interessa destacar é que um indivíduo é ao mesmo tempo trabalhador, consumidor e devedor. A mesma pessoa

está presa em diferentes relações de poder.

A partir de conceitos de Gilles Deleuze, você assinalou duas formas distintas de sujeição: sujeitamento social e a

servidão maquínica. Como se apresentaram na fase atual do capitalismo?

Deleuze e Guattari apresentaram esses conceitos em Mil Platôs, em 1980. Nos anos mais recentes se destaca o

fato de que, ao mesmo tempo em que se demanda que sejamos sujeitos responsáveis, indivíduos soberanos,estamos presos em dispositivos maquínicos. Na empresa se demanda ao empregado ser sujeito soberano aomesmo tempo que uma parte do mecanismo. Na comunicação de massas, a pessoa deve ser sujeito ao mesmo

tempo que input-output de uma rede televisiva; o desocupado deve ser responsável de sua situação, e ao mesmotempo não é mais que uma variável de ajuste na economia. Um está preso em dispositivos heterogêneos,contraditórios. Por um lado, se é um componente de um sistema que nos sobrepassa; por outro, faz como se

fôssemos centros de decisões com soberania.

"Como se fôssemos...", você diz. Quer dizer que a verdadeira situação é a outra, a maquínica?

Sim, mas ambas funcionam juntas. Os dois dispositivos são reais. No sistema maquínico, estamos presos enquantoindivíduos. Na empresa, por exemplo, estão todos os componentes de minha subjetividade: minha inteligência,

minha atenção, minha capacidade física, intelectual; eu fico descomposto nesses componentes. É um processo dedessubjetivação, mas, ao mesmo tempo, sempre vai haver uma ressubjetivação. Há uma impossibilidade de sair dalógica para a qual eu sou um sujeito com objetos a meu redor. Certamente, na servidão maquínica, nem o homem é

sujeito, nem a coisa é objeto; ambos são parte de um agenciamento. Mas o sujeito vai retornar, ou bem em formaindividual ou em formas coletivas como o racismo, o fascismo.

Essa servidão maquínica se reverteria em formas de subjetivação?

Sim. O capitalismo funciona através daquela ideologia do indivíduo soberano, mas o individualismo já não funciona e

o nacionalismo, o machismo, o integrismo religioso são formas de subjetivação. A hipermodernidade derrota osujeito porque o capta no sistema maquínico coletivo, mas, ao mesmo tempo, sempre se reconstroemneoarcaísmos. Georges W. Bush marcou a ascensão do integrismo religioso no Ocidente; não somente a Al Qaeda

é integrista. O racismo cresce na Europa, particularmente na Alemanha. O individualismo não basta, faz falta umsujeito coletivo e é certo que, nesse lugar, poderia construir-se outro sujeito coletivo, mas se reconstrói onacionalismo, o racismo.

Em que respostas, mesmo que embrionárias e parciais, podem-se vislumbrar processos ou tentativasemancipatórias?

Acima de tudo, há que dizer que a crise continuará e se aprofundará. Hoje a crise gira em torno das finanças. A dívida

privada foi transferida para o Estado, já não há outro a quem transferi-la. A dificuldade é que não há modelos políticose de emancipação que correspondam à subjetividade atual. Há um século e meio o comunismo, o socialismo,correspondiam a uma subjetividade real: a da indústria sob o primeiro capitalismo, com os operários, os sindicatos.

Havia instrumentos reais que não existem mais. É necessário construí-los, e acredito muito que isso se deva fazer.Há que se construir uma outra cartografia teórica, outro instrumento distinto ao que o movimento operário construiuentre o fim do século XIX e o princípio do XX. Por outro lado, se desenvolvem lutas reais. Uma importante, na França, é

referente à aposentadoria.

A resistência ao aumento da idade para aposentadoria?

Sim. Se perdeu, mas a forma como se deu a luta oferece perspectivas. Apesar de a aposentadoria concernir aosassalariados, o processo não se centrou somente neles. Tocou também a outras categorias sociais. Mobilizou

estudantes, diferentes ordens de cidadãos. Não era uma luta somente corporativa. Se dispersou em toda asociedade. A luta é eficaz quando bloqueia todo o funcionamento da sociedade. Antes, para bloquear a sociedade eranecessário bloquear a produção.

Se refere à greve?

Sim. Hoje, por outro lado, é preciso bloquear a sociedade para bloquear a produção: bloquear a circulação, as rotas.

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Nesse caso, bloquearam as refinarias. Não havia combustível para circular. Mas, no momento, a ação é maisinteligente que os enunciados. Ainda não há enunciados que, nessa direção, digam respeito ao conjunto dasociedade. E o tema da aposentadoria concerne a todo mundo. Desde mais de 30 anos, a maioria das pessoas

vivem sob a situação clássica de emprego, mas é como se estivesse mos mesma situação há décadas. Ossindicatos ainda atuam como se tratasse de assalariados estáveis, mas, para as pessoas que incorporaram omercado de trabalho desde a década de 70, é mais difícil reunir os anos de trabalho que se requerem para a

aposentadoria. Então, não têm aposentadoria ou têm aposentadorias muito débeis, porque durante muitos anos nãotrabalharam, mudaram de trabalho, estiveram desempregadas, em precariedade.

Então, a reivindicação não é só que se mantenha a idade de aposentadoria?

Como dizia, os enunciados estão com um atraso com relação à ação. Os enunciados se referem à aposentadoriaaos 60 anos. Em nível teórico, ainda se pensa em um assalariado clássico. Assim funcionam os sindicatos e ospartidos de esquerda. Enquanto isso, há pequenas lutas, lutas de experimentação. Um exemplo, também na França,

foi a luta dos trabalhadores de espetáculos: não dependem de uma só empresa. Trabalham uma vez para uma, outravez para outra; uma vez fazem um filme; outra, uma obra de teatro; outra, uma publicidade. São móveis, precários.Como desenvolver uma luta se não se trabalha em uma empresa em particular?

Qual era a causa do conflito?

A modificação do seguro desemprego. Eles tinham um subsídio específico para as pessoas que não têm um postofixo, mas, com a lógica neoliberal, os subsídios de desemprego iam ser realocados por um seguro privado; uma vezmais, realocados à mutualização pela privatização.

Que instrumentos essa luta utilizou?

Por exemplo, bloquearam festivais como o de Avignon. Hoje, a cultura tem um papel econômico muito importante, porexemplo, em relação ao turismo. Bloquear um festival é bloquear a economia de uma cidade. Quando elesbloquearam o Festival de Arte Lírico em Aix-en Provence, os hoteleiros foram muito afetados e protestaram. Eles

também fizeram bloqueios móveis, que se deslocavam de um lugar a outro. A mobilidade, que haviam desenvolvidopelas características de seu trabalho, foi transformada em ferramenta de luta. A diferença do método clássico dosoperários, que ocupam uma empresa e se enclausuram nela, a questão era bloquear aqui e lá, em rotas, instituições,

museus, centros culturais, ministérios: vão e ficam um dia; amanhã, vão a outro lugar

Contra quem era a luta: o governo ou os empresários?

Contra os dois. Há dez anos, a Federação Patronal Francesa teve uma mudança de direção. Antes a dirigiam osempresários metalúrgicos, mas a condução passou à mão de empresas de serviços, como as seguradoras. Então,

empreenderam um programa "para a refundação social", cujo claro objetivo era transformar o Estado de bem estar,reprivatizá-lo. E se aplicou com a ajuda do Estado.

Em seu livro Políticas do Acontecimento, onde você enfoca um debate com o marxismo, não encontrei referênciasao conceito de mais-valia. Como considera essa noção?

A mais-valia remete ao conceito de valor. Para o marxismo, o valor seria uma quantidade objetivável, teria umaconsistência em si, mas as coisas não têm valor senão porque coletivamente lhes foi investido. Além disso, a mais-valia supõe uma concepção antrofomórfica de valor: no capital, o valor o produz só o trabalho humano, a máquina não

cria. Para Deleuze e Guattari, em troca, existe uma mais-valia maquínica: a máquina também produz mais-valia. Oconceito de mais-valia passa a ser: mais-valia humana mais mais-valia da máquina. O marxismo considera que aprodução de valor depende só do humano, particularmente do operário. Mas hoje, se pegamos as finanças, o valor de

um ativo está ligado com critérios, opiniões, desejos dos atores, não somente com o trabalho e sua organização, mascom a crença

Mas a noção marxista de mais-valia enfoca dramaticamente a diferença de classes ao postular que o patrãoexpropria parte do trabalho do assalariado. Enfocar que a mais-valia se obtém igualmente da máquina não implicao risco de manchar essa dimensão?

O conceito de mais-valia é politicamente muito forte porque está ligado com o conceito de exploração, em termos declasses sociais. O problema é que a forma de exploração mudou e não temos conceitos que correspondam a isso.Se um utiliza o velho conceito de mais-valia, faz como os trotskistas, que ainda estão com a indústria de 50 anos

atrás. Hoje existe a exploração de pessoas que trabalham como assalariados, mas não só essa. O grande centro deacumulação de riqueza são as finanças, e nas empresas financeiras a mais-valia não vem da exploração de quemtrabalha nelas, mas de outra parte. Haveria que examinar essas novas formas de organização da mais-valia eexploração, e não pensar que nada mudou e que, como há um século, os explorados são somente operários.Também os consumidores são explorados de outras maneiras.

De que maneiras?

Para que algo se venda, deve-se construí-lo como objeto de desejo. Quando você o compra, além de pôr dinheiro, seempobrece subjetivamente. Porque há uma "padronização" da subjetividade. Todo mundo deve desejar o mesmopara comprá-lo. Para fazer aparência de individualização, se agrega algum detalhe "personalizado". Junto com oempobrecimento econômico, há um empobrecimento subjetivo.

PARA LER MAIS:

05/10/2009 - A produção biopolítica é constitutiva ao capitalismo cognitivo

16/09/2010 - Educação e o poder disciplinar sobre os indivíduos

06/12/2006 - As Revoluções do Capitalismo. Um novo livro de Maurizio Lazzarato

06/12/2006 - Capitalismo cognitivo e trabalho imaterial. Entrevista com Maurizio Lazzarato

05/01/2011 - Uma crítica ao marxismo clássico

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