16
www.gruhbas.com.br Circulação Nacional Ano 12 - nº 84 - Março de 2008 Tiragem: 10.000 exemplares [email protected] ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA SALA DE AULA pág. 2 PROFESSORES DE QUILOMBOLAS E AS TRADIÇÕES CULTURAIS pág. 4 EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL NUMA PERSPECTIVA DE GÊNERO E RAÇA pág. 5 RELATOS DE EXPERIÊNCIA págs. 10, 11 e 12

aula de história 3

Embed Size (px)

DESCRIPTION

para melhorar as aulas

Citation preview

www.gruhbas.com.br Circulação Nacional Ano 12 - nº 84 - Março de 2008 Tiragem: 10.000 exemplares [email protected]

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTONA SALA DE AULA

pág. 2

PROFESSORES DE QUILOMBOLASE AS TRADIÇÕES CULTURAIS

pág. 4

EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL NUMAPERSPECTIVA DE GÊNERO E RAÇA

pág. 5

RELATOS DEEXPERIÊNCIA

págs. 10, 11 e 12

2PÁGINA

Jornal Bolando Aula Março de 2008

Editorial

ContatoEnvie seu relato de experiência ou sugestão deatividades para publicarmos

Jornal Bolando Aula - e-mail: [email protected] - T el.: (13) 3271-9669

Elaine Cristina Rodrigues Gomes Vidal

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTONA SALA DE AULA

Jornal Bolando AulaUma publicação do GRUHBAS

Projetos Educacionais e Culturais

Expediente

- Conselho EditorialGeraldo R. Pereira de Carvalho, MárioMonteiro Neto, Mary Kawauchi, PauloEduardo Dias de Mello e Sueli de OliveiraRocha- Jornalista responsáv elLuciana Lane Valiengo - MTb 30.758- ColaboradoresAnali Ordonez Gasparine, Andréia Marquesde Andrade, Drielly Vasques Borges, EdnaRoland, Elaine Cristina Rodrigues GomesVidal, Lucileide Maria da Silva, Márcia Silva,Mary Francisca do Careno, Roselene PiresCorbetta Barretos- Jornalismo Comunicação:Luciana Lane Valiengo- Revisão de textosSueli de Oliveira Rocha- Pesquisa de imagensLuciana Lane Valiengo- Editoração eletrônicaLuciana Lane Valiengo - MTb 30.758- CapaA primeira máscara da capa é uma reprodu-ção feita pelo aluno Diego C. Amaral da EEMarquês de São Vicente

- ImpressãoGráfica Diário do Litoral- Tiragem10.000 exemplares

O Jornal Bolando Aula é uma publicaçãobimensal do GRUHBAS Projetos Educacio-nais e CulturaisAv. Almirante Cochrane, 194 conj. 51 e 52Santos - SP - CEP: 11040-002Tel.: (13) 3271-9669Home page: www.gruhbas.com.brE-mail: [email protected]

*As idéias aqui apresentadas são deresponsabilidade dos articulistas.

BOLANDO AULAApoio didático aos professores das séries iniciais do ensino fundamental

A média nacional obtida pelos alunos da 4ª série do Ensino Fundamental,em Língua Portuguesa, na última edição da Prova Brasil cujos resultados já foram divulgados (2005), foi de 174,14.

Segundo a escala de descritores da prova, a nota obtida pelos estudantes indicaque, em média, eles concluem a 4ª série apresentando dificuldades em trabalharcom matérias de jornal, textos enciclopédicos, poemas longos e prosas poéticas.

Essa dificuldade, certamente, impacta o desempenho desses alunos na 5ªsérie (ou 6º ano, nas redes que já adotaram o Ensino Fundamental de 9 anos),onde desaparece a figura do professor polivalente, dando lugar ao professorespecialista, que atuará dentro de sua disciplina específica. Essa mudança naestrutura escolar gera uma necessidade muito maior do domínio, por parte dosalunos, de textos conceituais, tais como algumas matérias de jornal e textosenciclopédicos. Muitas vezes, a dificuldade apresentada por um aluno da 5ª série,em Ciências, História ou Geografia, por exemplo, pode residir não na falta decompreensão dos conceitos trabalhados por esses componentes curriculares,mas sim, na dificuldade de interpretação dos gêneros textuais em que se apóiao ensino dessas disciplinas. Em outras palavras, o problema está na leitura, enão na compreensão dos conceitos. Esta dificuldade aponta para um problema

na alfabetização desses alunos. Não naalfabetização propriamente dita(aquisição da escrita alfabética), massim na alfabetização entendida como umprocesso mais amplo, inserida em umcontexto de letramento.

O letramento dos alunos deve seruma preocupação constante de todoprofessor alfabetizador. Neste texto,util izamos o termo letramento,entendendo-o como:

“O estado ou condição de quem nãosó sabe ler e escrever, mas exerce aspráticas sociais de leitura e de escritaque circulam na sociedade em que vive,conjugando-as com as práticas sociaisde interação oral”’ 1.

Subjacente ao trabalho comalfabetização e letramento realizado emsala de aula, está a concepção que oprofessor traz de língua. Enquanto odocente a entende como um veículo decomunicação, por meio do qual alguémdiz ou escreve algo para (outro) alguémque deve compreender o que ouve ou lê,seu trabalho estará centrado em fazercom que os alunos adquiram a tecnologiada leitura e da escrita, a fim de quepossam valer-se deste instrumento detransmissão de mensagens. Por outro

lado, o professor que vê a língua como um processo de interação entre sujeitos,em que os interlocutores vão construindo sentidos e significados ao longo de suastrocas lingüísticas, orais ou escritas, estará muito mais preocupado com as relaçõesque cada um de seus alunos mantém com a língua, e também com suas relaçõesextralingüísticas, pois sabe que elas embasarão os sentidos e significados quecada um atribuirá aos textos que lê ou produz.

Assim, é fundamental que o contexto social em que ocorre a interlocução sejalevado em conta pelo professor que deseja realizar um trabalho significativo naalfabetização de seus alunos. O entendimento da língua como discurso fará comque o professor proponha à sua classe, desde a fase inicial da alfabetização, práticasdiscursivas materializadas em textos orais ou escritos, de diferentes tipos e gêneros.

Tradicionalmente, no Brasil, a alfabetização sempre esteve muito mais centradano domínio da tecnologia da leitura e da escrita do que na apropriação das práticassociais de leitura e escrita do aprendiz. Esse foco se traduziu nos materiaisdidáticos utilizados (cartilhas), nas atividades de alfabetização tradicionalmentepropostas às crianças (exercícios de coordenação motora, memorização defamílias silábicas, ditados de palavras descontextualizadas etc.) e, também, nasqueixas dos professores em relação aos alunos com dificuldades na alfabetização(“falta de conhecimentos prévios”; ou “é necessária a prontidão para aalfabetização”; ou “falta de lateralidade, coordenação viso-motora, percepção visualou auditiva, memória” etc.).

A partir da década de 80, com a divulgação, no Brasil, dos estudos de E. Ferreiroe A. Teberosky, os professores viram-se diante de uma nova teoria, que analisava aalfabetização não mais sob a perspectiva do ensino, e sim, da aprendizagem.

Esta “mudança de foco” não foi, de modo geral, bem assimilada por parte dosprofessores. A ansiedade por novidades, aliada à busca por “soluções mágicas”,que tendem a cair na superficialidade, fez com que houvesse uma banalizaçãode teorias investigativas sérias, como a da psicogênese da língua escrita. Assim,muitos equívocos foram cometidos: os alunos “desprovidos da prontidão para aalfabetização” passaram a ser chamados de “alunos pré-silábicos”; os ditadosde palavras passaram a ser denominados “sondagens”; as cartilhas foramdisfarçadas em novos livros didáticos, e as atividades com as famílias silábicasviraram “momentos de análise e reflexão sobre a língua”. Antigas práticasrevestiram-se de novas roupagens, que em nada alteraram sua essência, epassaram a receber nomes “novos”, incorporando vocábulos que as pesquisaspropunham para práticas que deveriam ser, realmente, diferentes. Infelizmente,nesse contexto, o laissez-faire ganhou espaço, sendo denominado “construçãoda aprendizagem”, enquanto o construtivismo passava a ser, por muitos, entendido(não sem razão), como sinônimo de espontaneísmo.

Desta forma, a alfabetização caiu em outro extremo: qualquer atividade quevisasse à construção de uma consciência fonológica pela criança passou a serreprimida; qualquer reflexão sobre letras ou sílabas, por mais contextualizadaque estivesse, virou um pecado a ser extirpado da escola; os professores, emoutras palavras, passaram a se preocupar, em maior ou menor escala, com oletramento em detrimento da alfabetização.

Esta situação ainda perdura, em muitos contextos, chegando ao absurdo dealgumas colocações do tipo: “Não importa se o meu aluno não é capaz de decifraro som que cada letra representa. Ele não precisa dominar a leitura em si, poissempre poderá encontrar alguém que leia para ele, que decifre a tecnologia e,desde que ele saiba contextualizar aquilo que lê, já posso considerá-lo alfabetizado.”

3

PÁGINA

Jornal Bolando Aula Março de 2008

Esse depoimento foi colhido durante uma formação realizada pelo Gruhbas, emcidade do interior paulista, em 2006. A professora em questão dava aulas para a 4ªsérie e justificava, com esse depoimento, o fato de alguns de seus alunos nãoconseguirem ler ou produzir textos como um bilhete simples. Sua colocação foirespondida mostrando-lhe que, em primeira instância, ela estava em desacordoaté com os indicadores do IBGE, pois o censo considera alfabetizado todo aqueleque é capaz de ler ou escrever justamente um bilhete simples. Além disso, foramdiscutidas, durante a formação, questões como a da função da escola, que é a depromover a autonomia dos alunos: um leitor que depende de outro para “decifrar” atecnologia da escrita não é um leitor autônomo, e tem seu direito de cidadanianegado, nesse contexto. E isso independe de seu grau de letramento.

Em alfabetização, não existem “soluções mágicas”, como alguns procuram, muitomenos receitas infalíveis. Alguns caminhos, porém, podem ser apontados comopossíveis facilitadores desta tarefa: o principal deles é aliar a alfabetização aoletramento, e não privilegiar um em detrimento do outro; como diz Magda Soares,alfabetizar letrando. O professor deve, sim, promover situações que propiciem aaquisição da consciência fonológica por parte de seus alunos, mas sempre de formacontextualizada, colocando as crianças, desde o início, em situações concretas deinteração com a língua. Os textos utilizados na escola devem ser os textos decirculação social real, e não artefatos produzidos especialmente para a alfabetização,sem nenhuma aplicabilidade prática. A escola deve se constituir como um espaçode apropriação da leitura e da escrita por parte dos alunos, e o professor deve fazero papel de mediador entre o aluno e a escrita, sem esquecer que este contato(texto-leitor) já ocorre no cotidiano social urbano, sem a sua mediação.

É fundamental, para garantir o sucesso na aprendizagem dos alunos, comopreconiza a LDB, que o professor alfabetizador estude e utilize esse estudo parauma reflexão sobre sua prática. Nenhuma ação pedagógica está destituída deteoria, por mais que seu autor não reconheça a teoria que o norteia. Somente aformação continuada, entendida como oportunidade de ação-reflexão-ação podefazer com que o professor reflita sobre aquilo que faz, e como faz, em classe,modificando sua prática de acordo com a necessidade de seus alunos. Em outraspalavras, não é capaz de formar alunos leitores aquele professor que não lê.

Texto de apoio p ara o formador e p ara o professor:“Alfabetização e Letramento”

Ao tratar do tema “Alfabetização e Letramento” com sua turma, você nãopode deixar de abordar os seguintes aspectos:

1) Estar alfabetizado significa adquirir uma tecnologia, a de codificar (escrever)e decodificar (ler) a língua escrita.

2) Na sociedade em que vivemos, não basta adquirir a tecnologia da escrita(alfabetizar-se), é preciso apropriar-se da escrita.

3) A apropriação da escrita implica fazer uso das práticas sociais da leitura eda escrita, articulando-as ou dissociando-as da interação oral, conforme assituações.

4) Letramento é o estado ou condição de quem não só sabe ler e escrever,mas exerce as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedadeem que vive, conjugando-as com as práticas sociais de interação oral.

5) O professor alfabetizador não pode estar com seu foco exclusivamente naalfabetização, nem exclusivamente no letramento: sua prática deve ser a dealfabetizar letrando.

6) Alfabetizar letrando traduz-se, na prática pedagógica, em oferecer aos alunosoportunidades de análise e reflexão sobre a língua (sempre de formacontextualizada), que os leve à construção da base alfabética e, simultaneamente,a promover o seu contato com diferentes gêneros textuais, colocando-os emsituações reais de leitura e escrita, mesmo antes que dominem a leitura e aescrita convencionais.

7) O professor que foca apenas a alfabetização corre o risco de não formarleitores/escritores competentes, pois, utilizando gêneros de circulação estritamenteescolar, não promove a interação dos alunos com textos reais, privando-os dosdesafios que a vida social lhes fará, no âmbito da leitura e da escrita.

8) O professor que foca apenas o letramento corre o risco de privar seusalunos da autonomia que o domínio da tecnologia da leitura e da escrita traz.

9) O conceito de letramento traz, subjacente, a concepção de língua comoprocesso de interação entre sujeitos, na qual os interlocutores vão construindosentidos e significados ao longo de suas trocas lingüísticas; nesse sentido,língua não é mero veículo de comunicação.

1 SOARES, M – Letramento: um tema em três gêneros.Belo Horizonte: Autêntica, 1998.

Elaine Cristina Rodrigues Gomes Vidal é educadora,licenciada em Letras (USP), formadora e chefe do SetorPedagógico do Gruhbas Projetos Educacionais e Culturais,além de colaboradora dos jornais Bolando Aula , Bolando Aula de História eSubsídio .

ATUALIZE-SE: APROPRIE-SE DAALTERAÇÃO NA LEI Nº 9394/06 E

INCORPORE- A ÀS SUAS PRÁTICASDE SALA DE AULA

LEI Nº 11.465, DE 10 DE MARÇO DE 2008 Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de

1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 dejaneiro de 2003, que estabelece as diretrizes e

bases da educação nacional, para incluir nocurrículo oficial da rede de ensino a

obrigatoriedade da temática “História e CulturaAfro-Brasileira e Indígena”.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa avigorar com a seguinte redação:

”Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversosaspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da populaçãobrasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da históriada África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil,a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação dasociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povosindígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar,em especial nas áreas de educação artística e de literatura e históriabrasileiras.” (NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 10 de março de 2008; 187º da Independência e 120º da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Fernando Haddad

Caros assinantes:No dia 24 de abril próximo, das 15 às 17 horas,

participe do primeiro Fórum com o Articulist a(bate-p apo on line) com a autora deste artigo.Todo assinante do jornal pode p articip ar, bast afazer seu cadastro no site www .gruhbas.com.br ,no link SOMENTE ASSINANTES.

Informações pelo e-mail [email protected] .

4PÁGINA

Jornal Bolando Aula Março de 2008

Mary Francisca do Careno

DiversidadePROFESSORES DE QUILOMBOLASE AS TRADIÇÕES CULTURAIS

No final da década de 80, quando comecei a fazer a pesquisa no Valedo Ribeira, recordo-me de algumas gravações durante as quais osinformantes manifestavam insatisfação com a educação oferecida para

as crianças e adolescentes locais. Na época, só havia classes multisseriadasde 1ª a 4ª séries. As séries posteriores deveriam ser cursadas em Itapiúna e ospais se preocupavam demais com as crianças, pois era “muito dificurtoso” paraeles acompanharem os filhos. Além disso, para chegarem até a escola, as criançastinham que caminhar muito ou pegar ônibus.

Os ônibus eram horrorosos, atrasavam - quando apareciam -, quebravam,estavam em péssimo estado de conservação e os alunos passavam praticamenteo dia inteiro fora de casa. Muitas vezes, tinham que caminhar quilômetros paratomar a condução e chegar até a escola. A maioria desistia e a populaçãocontinuava o círculo vicioso do analfabetismo ou semi-analfabetismo. Infelizmente,parece que atualmente a situação não mudou muito.

Consciente desse quadro, o movimento liderado principalmente pelas mulheresentrava em cena, reivindicando o ensino médio nas áreas remanescentes dequilombos. Reclamavam junto à Diretoria de Ensino e aos Prefeitos da região.Conseguiam a promessa de que haveria um núcleo educacional que atenderiaaos estudantes de todos os bairros da região do Ribeira. Isso, hoje, tornou-serealidade1, mas há ainda sérias restrições para solucionar os problemas sentidospela população remanescente de quilombos que, vencendo as questões materiaise técnicas, depara-se, muitas vezes, com práticas pedagógicas que entram emchoque, por exemplo, com a cultura e o linguajar locais e que são recorrentes emvárias outras localidades do país.

Para conseguir cumprir o seu intento de superar as desigualdades raciais esociais que existem em nosso país, os professores em geral e os governosmunicipal, estadual e federal, em particular, deveriam, necessariamente, ouvir eaprender com essas famílias negras a enxergar o mundo pelos olhos da tradiçãoe a buscar soluções por meio de propostas que reúnam sensibilidade, condiçõesde viabilidade e vontade política e apresentar propostas de não só “Assegurar otítulo da terra às comunidades urbanas e rurais remanescentes de quilombos”2,mas também implementar políticas públicas de educação, de saúde, depreservação, de manutenção e de condições de sustentabilidade econômica àsfamílias quilombolas, além de realizar uma reavaliação do prejuízo histórico aque seus habitantes foram submetidos ao longo do tempo. Segundo Munanga &Gomes (2006: 185), para combater as desigualdades existentes no Brasil, só alegislação não basta. “Precisamos construir novas lógicas e novas mentalidades,(...) por meio da promoção de igualdade de oportunidades ou ações afirmativas.”

Na tentativa de reacender as minhas inquietações sobre os caminhos da vida,da escola e da fala rural e na ânsia de dar continuidade à pesquisa que iniciei há15 anos no Vale do Ribeira, vou relatar uma cena escolar3 que retomo agoracomo ponto de partida para escrever este texto.

A estória se passou numa sala de aula, onde uma professora, muito entusiasmada,desenvolvia, segundo a Profa. Kátia Mota, uma atividade de “ampliação de vocabulário”- mostrando gravuras de objetos diversos. Solicitou, então, que as criançasnomeassem cada objeto articulando “corretamente” cada palavra.

Ao mostrar a gravura de um balde, um menino, que Mota chamou de Jorge,levantou a mão e disse: “bardi”. A professora, prontamente, corrige a fala domenino, dizendo “bardi, não, o certo é baudi”. O menino ficou calado diante daprofessora, mas virando-se para o coleguinha ao lado, disse: “Esta professora émaluca. Minha avó, que é minha avó, diz bardi. Agora ela quer que eu mude?!”.

Pois bem, essa estória é uma amostra e reproduz uma situação de variação dalinguagem que pode acontecer em qualquer lugar do Brasil com alunos e professoresque trabalham em escolas públicas, principalmente. Naquele momento, Jorge sedeparou com um dilema que sobre o qual os professores deveriam refletir: – acreditona palavra da professora ou na de minha avó? Qual a atitude que o menino deve

adotar: negar a autoridade da sua avó e acreditar que ela era uma ignorante quenão sabia falar certo? Ou será que ele deve silenciar ao mundo da escola e concluirque jamais seria capaz de falar a língua da professora?

Hoje, como a Profa. Mota, repenso a questão, ao ouvir professores que assistemàs minhas palestras e cursos de formação, quando eles se queixam da “falaerrada, da escrita horrível dos jorges” e se declaram frustrados porque nadaconseguem fazer para “melhorar o português” desses alunos. O lingüista MarcosBagno (2008:32) tem algumas explicações a respeito:

(...) muitas crianças que supostamente têmdificuldades de aprendizagem, na verdade têm dificuldade decompreender a linguagem empregada pelos professores, porqueelas são falantes de uma variante lingüística diferente,principalmente quando se trata de zona rural ou de periferias degrandes cidades. São problemas de comunicação dialetal queprecisam ser conhecidos pelos professores e, em seguida,enfrentados com um instrumento teórico e pedagógico adequado.

Na concepção atual, com base nos PCN, a alfabetização não deve selimitar, apenas, a saber decodificar letras e a compreender os significados dosnúmeros e suas operações básicas, mas deve, sobretudo, propiciar ao alunoacesso ao desenvolvimento de habilidades e competências básicas paramodificar a sua situação, a fim de que possa viver como cidadão pleno. Oprimeiro passo é respeitar o conhecimento que ela traz ao chegar à escola.

Com relação à situação do Vale do Ribeira, percebo que, apesar de muitos textospedagógicos e lingüísticos terem sido analisados e muitos autores discutidos, oprofessor ainda não concluiu que é preciso urgentemente mudar ou, mesmo se já ofez, ainda não consegue articular a ponte entre teoria e prática e os conhecimentoshistóricos e culturais prevalentes no universo da comunidade onde leciona.

NOTAS1Foi construída, no quilombo de André Lopes, a E. E. Maria Antônia Chules

Princesa.2Segundo a Constituição de 1988, é garantido às comunidades remanescentes

de quilombos o direito à terra por elas ocupadas. A orientação está presente noAto das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu artigo 68, que preceituaque: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupandosuas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhesos títulos respectivos”. No site da SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas dePromoção da Igualdade Racial) consta que a Convenção 169 da OIT (OrganizaçãoInternacional do Trabalho), da qual o Brasil é signatário, assegura aos grupos ecomunidades tradicionais o direito de se autodefinirem. Em 20 de novembro 2003,o decreto 4.887 regulamentou o procedimento de identificação, reconhecimento,delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos quilombolas.

3Fato relatado pela Profa. Kátia Mota, da UNEB (Universidade do Estado daBahia), mas que pode ocorrer em qualquer sala de aula, principalmente em escolasde comunidades tradicionais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBAGNO, Marcos. Entrevista. Revista Caros Amigos. São Paulo, fev. 2008,

ano XI, no. 131, p. 30-36.CARENO, Mary Francisca do. Vale do Ribeira: A hora e a vez das comunidades

negras. São Paulo: Arte e Ciência / UNIP, 1997.MUNANGA, Kabengele & GOMES, Nilma Lino. O negro no Brasil de hoje.

São Paulo: Global, 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/seppir. Acesso em: 21mar. 2008.

Mary Francisca do Careno é doutora em lingüística pela UNESP. Professorada UNAERP - campus Guarujá, onde é também Coordenadora Geral do NEIAB(Núcleo de Estudos Indígenas e Afro-Brasileiros), além de pesquisadora do Gruhbas.

5

PÁGINA

Jornal Bolando Aula Março de 2008

DiversidadeEDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURALNUMA PERSPECTIVA DE GÊNERO E RAÇAEdna Roland

Na década de 90, a UNESCO lançou um projeto internacional – a Rotado Escravo – com o objetivo de tornar visível o tráfico de escravos,considerando que há um verdadeiro “buraco negro” a este respeito na

história da humanidade e que temas candentes da atualidade, tais como odesenvolvimento social, os direitos humanos e o pluralismo cultural estão fortementeconectados a essa experiência histórica. O significado histórico e moral dessa tentativade obscurecer este fato pode ser apreendido pela afirmação do Prêmio Nobel ElieWiesel: o carrasco mata sempre duas vezes – a segunda vez, através do silêncio.1

Segundo Doudou Diène, idealizador do Projeto Rota do Escravo, o tráficotransatlântico de escravos se reveste de uma tripla singularidade na história dahumanidade: sua duração - aproximadamente quatro séculos; a especificidade desuas vítimas - a criança, a mulher e o homem negros do continente africano; e sualegitimação intelectual - a depreciação cultural da África e dos Negros e a conseqüenteconstrução da ideologia do racismo anti-Negro e sua organização jurídica nos“Códigos Negros”, vergonhosos textos excluídos da memória jurídica e histórica.2

O Projeto Rota do Escravo parte da concepção de que nenhum grande problemaatual da África está totalmente desconectado da sangria brutal e da violência sofridapelo continente com o tráfico transatlântico de escravos: nem o subdesenvolvimentoeconômico, nem uma certa cultura da violência, tampouco a desarticulação social nocontinente.

Por outro lado, conforme reconhecido pela Declaração e Programa de Ação deDurban, as desigualdades atuais sofridas pelos afrodescendentes têm também asua origem na experiência histórica da escravidão a que seus antepassados foramsubmetidos e que são recriadas por mecanismos atuais, nos quais as linhas decontinuidade das idéias e concepções racistas jogam um papel fundamental.

A Declaração e Plano de Ação de Durban, que resultaram da III Conferência Mundialcontra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatareconhecem que os povos de origem africana têm sido secularmente vítimas deracismo, discriminação racial e escravidão e da negação histórica de muitos deseus direitos. Afirma ainda que reconhecimento deve ser dado aos seus direitos: 3

ü à cultura e à sua própria identidade;ü à participação livre e com iguais condições da vida política, social, econômica

e cultural;ü ao desenvolvimento, no contexto de suas aspirações e costumes;ü à manutenção, preservação e promoção de suas próprias formas de

organização, do seu modo de vida, da sua cultura, tradições e expressões religiosas;ü à manutenção e ao uso de suas próprias línguas;ü à proteção de seu conhecimento tradicional e de sua herança artística e

cultural;ü ao uso, gozo e conservação dos recursos naturais renováveis de seu habitat;ü à participação ativa no desenho, implementação e desenvolvimento de

programas e sistemas educacionais, incluindo aqueles de natureza específica ecaracterística; e, quando procedente,ü à sua terra ancestralmente habitada.4

A Declaração de Durban reconhece também que os membros de certos gruposcom uma identidade cultural própria enfrentam obstáculos atribuídos a uma complexainteração de fatores étnicos, religiosos e outros, bem como de suas tradições ecostumes. Neste sentido, a Declaração exorta os Estados a assegurarem quemedidas, políticas e programas que objetivem erradicar o racismo, discriminaçãoracial, xenofobia e intolerância correlata abordem os obstáculos que esta interaçãode fatores cria.5

A Declaração de Durban atribui um papel fundamental para a educação em todosos níveis e em todas as idades como a chave para a mudança de atitudes ecomportamentos baseados no racismo, na discriminação racial, na xenofobia e naintolerância, bem como para a promoção da tolerância e do respeito à diversidadenas sociedades.6

Representando um avanço conceitual, a Declaração de Durban afirma de formacategórica que o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância revelam-sede maneira diferenciada para mulheres e meninas dos grupos discriminados,podendo levar a uma deterioração de sua condição de vida e à limitação ou negaçãode seus direitos.7

Em adição, reconhece e lamenta profundamente os enormes sofrimentos demilhões de seres humanos causados pela escravidão e pelo tráfico de escravos,convocando os Estados a honrar a memória das vítimas das tragédias do passado,restaurando a sua dignidade.8

Se a memória das vítimas do passado é uma dimensão fundamental que deveser contemplada pelas políticas públicas de promoção da igualdade para que sepromovam as necessárias mudanças culturais, atingindo os corações e mentesdos que hoje convivem com as resultantes dessas experiências históricas dopassado, Durban também oferece propostas concretas para acelerar a busca daigualdade efetiva, destacando a necessidade de se desenhar, promover e

implementar programas, políticas e legislação que possam incluir medidas positivase especiais para um desenvolvimento social igualitário.

Alerta, ainda, para a necessidade de que essas iniciativas contribuam para arealização de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais das vítimas doracismo e discriminação racial, inclusive pelo acesso mais efetivo às instituiçõespolíticas, jurídicas e administrativas, bem como a necessidade de se promover oacesso efetivo à justiça para garantir que os benefícios do desenvolvimento, daciência e da tecnologia contribuam efetivamente para a melhoria da qualidade devida para todos, sem discriminação.9

De maneira ainda mais explícita, Durban propõe que as medidas especiais oupositivas em favor das vítimas do racismo devem incentivar a participação igualitáriade todos os grupos raciais, culturais, lingüísticos e religiosos em todos os setoresda sociedade, dentre as quais devem figurar medidas para o alcance derepresentação adequada nas instituições educacionais, de moradia, nos partidospolíticos, nos parlamentos, no emprego, especialmente nos serviços judiciários, napolícia, exército e outros serviços civis, os quais – afirma – em alguns casos devemexigir reformas eleitorais, reforma agrária e campanhas para a igualdade departicipação.10

Após os atentados do 11 de setembro, a UNESCO empreendeu a elaboração daDeclaração Universal sobre a Diversidade Cultural, considerando que o respeito àdiversidade cultural é um instrumento fundamental para a promoção da paz e dasegurança internacional e que a cultura se encontra no centro dos debatescontemporâneos sobre a identidade, a coesão social e o desenvolvimento de umaeconomia fundada no saber.

Com base em vários instrumentos anteriores, esta Declaração afirma que a culturadeve ser considerada como o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais,intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e queabrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver junto,os sistemas de valores, as tradições e as crenças.11

Tais esforços e iniciativas, embora sirvam de indicativo dos rumos a seremseguidos não podem esconder o enorme desafio que ainda se coloca diante daspessoas e das organizações que a eles se filiam. Neste sentido, poder-se-ia afirmarque a promoção do respeito à diversidade cultural está diretamente associada àpromoção de uma melhor qualidade de vida para aqueles grupos sociaistradicionalmente discriminados e excluídos.

Conseqüentemente, não se pode perder de vista que a qualidade de vida de umdeterminado grupo social, em geral, está associada ao seu nível de renda que, porsua vez, costuma decorrer da sua inserção nas atividades produtivas ou econômicasda sociedade. E, esta inserção é grandemente afetada pelas discriminaçõesassociadas à raça e a gênero.

Nesse sentido, a implementação da Lei 10.639/2003, que modifica as Diretrizese Bases da Educação, determinando a obrigatoriedade do ensino da História eCultura Afro-brasileira, joga um papel fundamental na promoção dos direitoseconômicos, sociais, e culturais dos negros brasileiros: a revisão do papel históricodos negros e negras brasileiros é um dos principais instrumentos para que a justiçasocial possa ser feita. Contamos com os professores e professoras da RedeMunicipal de Guarulhos. Esperamos que cada mestre, no cotidiano da sua sala deaula, contribua para que esta verdadeira epopéia possa ser reescrita. E que tenhamosafinal uma cidade mais justa com todas as suas crianças e cidadãos de todas asorigens étnicas e culturais.

Notas1 UNESCO, The Slave Route, pág. 3.2 Idem, pág. 5.3 Idem, ibidem, pág. 5.4 Declaração de Durban e Plano de Ação, III Conferência Mundial de Combate ao

Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, Ministério daCultura, Fundação Cultural Palmares, s.d., parágrafo 34, pág. 22.

5 Idem, parágrafo 67, pág. 28.6 Idem, parágrafo 95, pág. 34.7 Idem, parágrafo 69, pág. 29.8 Idem, parágrafos 100 e 101, pág. 35.9 Idem, parágrafo 107, pág. 37.10 Idem, parágrafo 108, pág. 37.11 Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural in http://www.unesco.org.br/

programas/cultura/div_cultural.asp

Edna Roland é Coordenadora da Coordenadoria da Mulher e da Igualdade Racialda Prefeitura Municipal de Guarulhos, ex-Coordenadora de Combate ao Racismo e àDiscriminação Racial para a América Latina e Caribe, da UNESCO/Brasil, membrodo Grupo de Especialistas Eminentes Independentes das Nações Unidas,encarregado da implementação da Declaração e Programa de Ação de Durban.

6PÁGINA

Jornal Bolando Aula Março de 2008

Márcia Silva

Diversidade“MAKONO LA MASHINAMO ”1

Sejam bem-vindas as pessoas a umaparte do universo da arte africana

Este artigo apresenta uma sugestão de seqüência didática quecontempla objetivos e conteúdos da área de Artes e atende aosaspectos dispostos na Lei 10639/2003 ao salientar que: “O

ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a educação dasrelações étnico-raciais (...) se desenvolverão no cotidiano das escolas,nos diferentes níveis e modalidades de ensino, como conteúdo dedisciplinas, particularmente Educação Artística, Literatura e História doBrasil”.2

No Brasil, a despeito de algumas alterações, os espaços de educação,nos seus vários níveis, ainda colaboram, sistematicamente, para amanutenção ou reprodução de concepções e práticas racistas ao centrar,quase que exclusivamente conteúdos, textos e imagens que privilegiam aprodução científica, artística e cultural da Europa branca em detrimento daprodução científica, artística e cultural de outras matrizes, em especial aafricana.

Uma das implicações de tal postura incide diretamente no processode construção de conhecimentos de toda a comunidade escolar que acabapor internalizar esse ideal como único, certo e inquestionável. Afinal,está escrito e a escola falou. E com as aulas de Artes isso tambémacontece.

As aulas de arte, em sua maioria continuam mantendo o silêncioem relação às artes das áfricas e oferecendo o ideal de beleza europeucomo uma espécie de certidão visual (PAIVA: 2006,14), o que influenciaa criação de imagens internas que compõem as identidades dosestudantes. É o que Paiva chama de “figurações de memória (...) quetambém integram a base da formação e de sustentação do imagináriosocial” (2006,14).

Para além do produto palpável, existe a imagem que construímosidealmente dos produtos e produtores. Nesse sentido, é fundamentalque a escola propicie o conhecimento contextualizado da produçãoartística e cultural da África Negra e dos seus descendentes, espalhadospor todo o mundo. Conhecer as diferentes matrizes culturais éfundamental para que todas as pessoas possam problematizar e ampliaro entendimento sobre a diversidade também presente no conceito dearte e beleza.

Essa é a centralidade da proposta de seqüência didática que apresentamosem seguida e que tem como objetivo apresentar “coisas belas”, nem semprevistas ou entendidas como tal.

Um pouco das Artes das Áfricas

Intitulamos esse texto como Artes das Áfricas considerando que cadapaís africano se constitui de povos diversos e, conseqüentemente, érico em peculiaridades culturais e filosóficas, refletidas na produçãoartística.

A expressão Arte afr icana foi cr iada por pesquisadores e art istasocidentais no final do século XIX, designando as produções de todoo território africano sem considerar as dos diversos povos e etnias3

presentes na vast idão do cont inente afr icano (Souza et al : 2005:143).

“Uma menina negra, de três anos, passoua freqüentar a pré-escola. Após algumassemanas de “aula”, começou a chorar e arecusar-se a ir para a instituição (...) a meninaexplicou à mãe que não queria mais ir paraa escola porque, ali, ela tinha descobertoque “não poderia ser anjo”! (Meyer: 2006, p51-52)

7

PÁGINA

Jornal Bolando Aula Março de 2008

3 6

1

2 5

4

8PÁGINA

Jornal Bolando Aula Março de 2008

As obras escultóricas de Reinata, com detalhes pintados em grafite, celebrama sua origem Makonde, ao mesmo tempo que apresentam um caráter universalnos temas que partem de cenas do cotidiano.

Os Makondes4 são um povo bantu da África oriental, que hoje habita parte donorte de Moçambique e sul da Tanzânia e tem preocupações estéticas, em todoscampos, desde a arquitetura das aldeias e caminhos de acesso aos objetosde uso cotidiano, como: caixas de remédio, rolhas de garrafa, bilhas, potes epanelas de cerâmica.

O apuro estético foi logo percebido pelos invasores portugueses que cooptaramesse talento para satisfazer os seus interesses de colonizadores, o que originouesculturas da cultura ocidental cristã e bustos de personalidades da históriaportuguesa.

Na sala de aula:

Exponha as imagens - sem mencionar a origem étnica africana e estimule quefalem livremente sobre suas impressões.

Organize um registro das colocações dos estudantes.Promova uma leitura formal e interpretativa, lançando questões como:De que materiais são feitas as imagens? As imagens parecem estáticas ou

sugerem movimento? São alegres ou tristes? Por quê? Recentes ou antigas?Por quê? Seria apenas um produtor ou mais pessoas? Brasileiro ou estrangeiro?Homem ou mulher? Por quê? Já viram imagens parecidas com essas? O quechama mais a atenção em cada uma? O que elas têm de parecido? O que têmde diferente? E outras questões que julgar pertinentes, conforme as colocaçõesdos estudantes.

Não se preocupe com a precisão das informações vindas do grupo e sim coma coerência das respostas. Ao final, certifique-se da compreensão de que asobras são antigas, produzidas com materiais diversos (madeira, pedras esculpidas,talhadas, enceradas) e apresentam alguns aspectos em comum como arepresentação frontal e a geometrização das formas. Apresente o mapa docontinente africano, aponte a localidade da qual se origina cada obra e apresenteas informações da legenda de cada uma delas.

Comente sobre a diversidade étnica entre os povos africanos. A diversidadeétnica determina os modos de produção e estilos (aparência) também diversos,

A idéia que toda a produção artística das Áfricas, de ontem e de hoje, éexclusivamente de cunho mágico-religioso ainda é bastante forte. E isso nomundo todo. O fato é que foram e ainda são produzidas peças sem intençãomágico-religiosa, criações livres que congregam valores estéticos e culturais daÁfrica Negra tradicional, aos quais foram somadas influências contemporâneas.O amálgama pode ser verificado, por exemplo, nas obras da artista moçambicanaReinata Sadimba, uma artista de reconhecimento internacional, com obrasexpostas em vários museus e adquiridas por colecionadores de vários países,como França e Itália.

Legendas:1) Boneca Akuabá (Ashanti, África)-Madeira. Acervo do MAE/USP Em uma das línguas africanas, Akuabá significa dizer bem-vindo. A cabeça

redonda e o corpo longo e fino da boneca espelham o ideal de beleza dopovo Ashanti. A boneca é entregue em um ritual de fertilidade para mulheresque desejam engravidar. Para isso, a mulher deve carregar, alimentar, banhare enfeitar a boneca, tratando-a como se fosse uma criança viva. Quando acriança nascer, e se for perfeita, a boneca pode ser colocada em umsantuário, dentro de casa, ou pode ser entregue à criança como brinquedo.

2) Mãe-Representação da figura materna usada para o tratamento dedoenças das mulheres Yombe (República Democrática do Congo) Madeira -Acervo Museu Afro Brasil.

3) Máscara Ngil: forma afilada que inspirou artistas modernistas comoPablo Picasso.

4)Véu de noiva, da República da África do Sul.5) Banco de madeira feito no Congo, no século XIX, sustentado por figuras

representando a realeza.6) Estátua de Quéfren (2530? a.C.) de Gizé, faraó egípcio da quarta

dinastia. Esculpida em tamanho natural a partir de um sólido bloco de diorita,a pedra mais resistente que se podia obter durante o Antigo Império egípcio.Mede 1,65 m e representa o soberano de forma idealizada, com fortes linhasgeométricas.

Fontes das imagens1) fonte: www.arteafricana.usp.br2) www.museuafrobrasil.com.br3) fonte: http://veja.abril.com.br/vejarj/151003/arte.html4)fonte: http://veja.abril.com.br/vejarj/151003/arte.html5) fonte: fonte: http://veja.abril.com.br/vejarj/151003/arte.html6) fonte: http://www.historiadomundo.com.br/egipcia/arte-e-arquitetura-do-

egito/

fonte: http://www.perve.org.pt/Galeria/reinata/expo.htm

Reinata Sadimba, filha de camponeses nasceu em 1945, na aldeia de Nemu(Planalto de Mueda e Província de Cabo Delgado). Foi educada na tradição daetnia Makonde, na qual parte da educação das mulheres está na produção depeças utilitárias em barro. A artista, com os ensinamentos da tradição das peçasutilitárias, passa a produzir obras de arte que dialogam com a estatuária emmadeira, cuja feitura, dentro da tradição makonde, só é permitida aos homens.

Um estilo muito popular dentro daarte makonde é “Shetani”. Sãovárias figuras de pessoas,esculpidas em uma só pedra oubloco de madeira (árvores defamílias), representando a tradiçãoda união familiar.

Valingue (1953- CaboDelgado) Kurilamba,1998 - Pau-preto.

9

PÁGINA

Jornal Bolando Aula Março de 2008

mas os procedimentos resultam em um conjunto de características gerais quesão: estilização, frontalidade (as figuras aparecem de frente) e simetria.

Apresente as obras de Reinata e repita o mesmo procedimento apontado naprimeira atividade de leitura de imagens.

Se necessário, pergunte se a imagem em questão apresenta aspectos comunsàs imagens apresentadas anteriormente, em relação à forma e ao materialempregado. Ao término das colocações, certifique-se que os alunos perceberamque a forma é parecida, mas a técnica e o material são diferentes. Diga-lhes queas imagens apresentadas anteriormente foram produzidas há muito tempo e queessa imagem da obra de Reinata foi produzida em tempos mais recentes.

Apresente e explique o conteúdo do texto de apoio a partir do trecho “A idéiaque toda produção” até “... bustos de personalidades da história portuguesa”.

O término da explanação é um bom momento para a sistematização dosconteúdos trabalhados, organizando uma roda de conversa para que os estudantesfalem o que já sabiam, o que aprenderam e sobre o que gostariam de saber maissobre a arte dos povos africanos. Se os alunos já estiverem alfabetizados, apósa conversa, proponha que escrevam sobre os tópicos acima. Se não estiveremalfabetizados, construa com eles um texto coletivo na lousa.

Produção artística: Modelagem em argila.

Solicite que todos observem as esculturas apresentadas e se posicionem comoelas. Sugira, depois, que explorem outras possibilidades de articulação eposicionamento do próprio corpo. Em seguida, cada um deve escolher uma posiçãopara se apresentar para os demais, que devem reproduzir a posição. Rememoreas características comuns das imagens apresentadas e sugira a produção damodelagem em argila de uma figura humana, na posição que desejarem, mas queela apresente alguma das características comuns às imagens em questão.

Desenvolvimento

Oriente-os a forrar um suporte de madeira com folhas de jornal. Deixe-os “brincar”um pouco com a argila, sem se preocupar em dar forma, explorando as característicasda argila em relação a temperatura, peso, grau de umidade e possibilidadesexpressivas, até formar uma bola. Diga-lhes que vão utilizar o mesmo procedimentoda artista africana Reinata e modelar uma figura humana. Após todos terem terminado,reserve a produção e explique-lhes que serão lixadas e, quando estiverem totalmentesecas, pintadas. Ao término do processo, organize uma roda de conversa para quetodos reflitam e verbalizem a experiência de trabalhar com argila.

Avaliação

A senha para saber se esse trabalho foi significativo é a maneira como osalunos falam dele em sala de aula e no momento das apresentações. Também épossível organizar uma exposição dos trabalhos para a comunidade escolar.Nesse caso, os estudantes serão monitores, explicando sobre a arte da etniamakonde e sobre os processos pessoais de produção em argila.

É interessante que a arte escultura negra esteja presente na escola em épocasdiversas. Não é necessário esperar o 13 de maio ou o 20 de novembro.

Sugestão de montagem do espaço.

Em conjunto com os estudantes, amplie o mapa do continente africano edestaque os locais onde vivem os povos de etnia makonde.

Faça um painel com a reprodução das obras de artistas da África tradicional ede artistas contemporâneos da etnia makonde.

Peça que cada um escreva, em uma etiqueta, uma frase que revele o queaprendeu sobre a arte produzida na África.

Na sala de exposição, exponha as peças produzidas pelos estudantes. Coloqueo mapa ampliado em uma parede, o painel em outra e as frases dos alunos em outra.

No dia da exposição, os grupos de alunos podem se revezar na monitoria daexposição, explicando aos visitantes os conteúdos aprendidos sobre as artes da África.

No HTPC

1) Refletir sobre a epígrafe do artigo.2) As atividades propostas são específicas para a área das artes e estão abertas

a desdobramentos e relações multidisciplinares (um trabalho entre muitas

disciplinas, sem que se percam suas características ou suasfronteiras) e/ou interdisciplinares (trabalho que apresenta inter-relação entre duas ou mais disciplinas, sem que nenhuma sesobressaia sobre as outras, mas que estabeleçam uma relaçãode reciprocidade e colaboração, com o desaparecimento defronteiras entre as áreas do conhecimento). O corpo docente,em conjunto com a coordenação, pode explorar e planejar desdobramentos deatividades que contemplem conteúdos de outras áreas de conhecimento a partirdos conteúdos do site http://br.geocities.com/pembaportoamelia/makonde.htm quetraz mais informações sobre a arte, história e cultura Makonde.

3) Sugestão de leitura no HTPC: CAVALLEIRO, Eliane (Org.). Racismo e anti-racismo na educação : repensando nossa escola. São Paulo: Summus, 2001.

Márcia Silva é Mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP). É autora domaterial didático pedagógico de Artes do Sistema Anglo de Ensino. Docente noEnsino Superior, atua junto às disciplinas: Fundamentos da Arte-educação;Metodologia do Ensino da Arte e Prática de Ensino de Arte. Desenvolve eassessora projetos e pesquisas metodológicas para o ensino de Arte e relaçõesétnico-raciais. É capacitadora do Gruhbas e colaboradora dos jornais BolandoAula e Bolando Aula de História.

Notas:1"Makono la Mashinamo” que, traduzindo do makonde para o português,

significa “Mãos de Escultura”. Esse foi o título da primeira exposição individualde Reinata, na Perve Galeria –Lisboa/Portugal.

2 Ver: BRASIL, Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003. D.O.U de 10/01/2003.e www.mec.gov.br/secad/diversidade/ci3 O conceito de etnia é difere-se do conceito raça. O que caracteriza a etnia

são fatores culturais, como tradição e língua. Os membros de uma etniacompartilham de valores culturais próprios e se comunicam por meio de umalíngua, que é também própria. As pessoas que constituem essa população seidentificam e são reconhecidas pelos outros como membros da mesma etnia.Portanto, a etnia é uma espécie de identidade.

O conceito de raça - já abolido pela biologia - se prende à idéia de que ahumanidade se divide em raças superiores e inferiores e pode ser distinta pelacor da pele, o formato da cabeça, o tipo de cabelo etc.

Nesse artigo estamos utilizando o termo negro para nos referirmos a umagrande parcela da população que é discriminada em função da cor da sua pele.

4 Extraído de http://br.geocities.com/gotaelbr/makondeb.htm Acesso em 02/02/2008.

Fontes de consulta

SILVA, Dilma Melo & CALAÇA, Maria Cecília Félix. Arte africanae afro-brasileira. São Paulo: Terceira Margem, 2006.

BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. PCN Arte. Brasília,1997.________________________________. Diretrizes Curriculares

Nacionais e para a Educação das Relações étnico-Raciais e para oEnsino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. CNE/CP003/2004, de 10 de março de 2004.

________________________________Educação anti-racista:caminhos abertos pela lei Federal 10.639/03. Coleção Educaçãopara Todos. Brasília: SECAD, MINC, 2005.

JUNGE, Peter (org.) A Arte da África. Obras primas do MuseuEtnológico de Berlim. Centro Cultural do Banco do Brasil, 2004.

SILVA, Márcia Regina: Artes. Coleção didática para o EnsinoFundamental - vol.7- Anglo Editora, 2005.

SOUZA, A L. et al. De olho na Cultura: um ponto de vista afro-brasileiro.Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO/UFBA) - Fundação CulturalPalmares - MINC, 2005.

Artigos

LARAIA, R.B. Comemorações do 5º Centenário do descobrimentodo Brasil. Disponível em http://www.vivabrazil.com/ . Acesso em 02/02/1008.

10PÁGINA

Jornal Bolando Aula Março de 2008

A COR DO HOMEMMilton Nascimento e Fernando Brant

Mais pode um homemEscravizar outro homem?O homem negro não é melhorQue o homem branco, nem piorA pele branca não é piorQue a vermelha, nem melhorA pele negra, branca, vermelha, amarelaÉ apenas roupa que veste um homem- Animal nascido do amorCriado para pensar, sonhar e fazerOutros homens com amor.

“... O grande desafio da escola é investir na superação da discriminação edar a conhecer a riqueza representada pela diversidade etnocultural quecompõe o patrimônio sociocultural brasileiro, valorizando a trajetória particular

dos grupos que compõem a sociedade...” (Parâmetros Curriculares Nacionais –temas transversais).

Já é uma prática sistemática o trabalho abordando as questões sobre valores,respeito mútuo, diversidade cultural, amor próprio, dentre outros, junto aoseducandos, na busca de reflexões diárias sobre as diversas faces das condutashumanas, com a preocupação de uma formação para a cidadania.

Parti, desta vez, do texto “A presença negra no Brasil” (extraído do livro didáticoHistória e Geografia Interagindo e Percebendo o Mundo, 3ª série, de Lílian Sorient,Rosini Rudek, Rosiane de Camargo. Editora do Brasil/Quinteto Editorial), tecendo

uma discussão sobre a condição de escravos na qual os negros oriundos daÁfrica eram colocados.

Os alunos fizeram, ainda, a análise de O mestiço (1934) e A negra (1923),respectivamente de Tarsila do Amaral e Cândido Portinari, pondo o negro emevidência.

Durante esse trabalho, foi sendo realizada a leitura em voz alta dos capítulosdo livro “Nó na garganta”, de Mirna Pinsky. É a história de Tânia, uma meninanegra de 10 anos cuja família decidiu trocar a vida pobre e difícil da cidade grandepor uma oportunidade diferente no litoral. No novo ambiente, Tânia defronta-seentão com a dura realidade do preconceito. Uma experiência amarga, que alevará ao encontro de sua verdadeira identidade.

As crianças deliciaram-se com o desfecho da história, na qual Tânia, apesarde todo o preconceito das pessoas que estão ao seu redor, se descobre ao versua imagem refletida no espelho e percebe que, para que os outros a valorizem,ela precisa valorizar-se primeiro. Propus discussões, ilustrações e reescrita dolivro lido.

Complementando a leitura anterior, também li para a classe o livro “Meninabonita do laço de fita” (editora Ática), de Ana Maria Machado. Após a leitura,promovi uma discussão sobre os valores humanos, a beleza negra, a diversidadeétnica e cultural e a questão da própria identidade, através do resgate das origensde cada família. Os alunos ilustraram e recontaram o texto.

Uma mãe da aluna da sala confeccionou dois bonecos: um branco e umnegro para que as crianças pudessem simular situações preconceituosas. Aboneca negra, representada como a “menina bonita do laço de fita” era levadapor um aluno da sala a cada dia. No dia seguinte, fazia-se o relato de comotinha sido a “convivência” com a “menina”, pois a criança tinha que alimentá-la e levá-la ao banheiro, colocá-la para dormir, dentre outras atividadescotidianas. A família, também mandava um relato escrito de como tinha sidoa experiência.

Roselene Pires Corbetta Barretos

Relato de Experiência“... SOMOS TODOS IGUAIS,BRAÇOS DADOS OU NÃO!”

(Geraldo Vandré)

AS CRIANÇAS E OS SEUS DIREITOS

11

PÁGINA

Jornal Bolando Aula Março de 2008

Roselene Pires Corbetta Barretos é pedagoga, pós-graduada emPsicopedagogia, professora da E.M.E.F Flórida Mirim, em Mongaguá.

Relato de ExperiênciaA ÁFRICA ESTÁ EM NÓS

Este projeto foi desenvolvido no período de 21 de outubro a 22 de novembrono ano de 2007 em Vargem Grande Paulista, na EM Ana Maria Camposde Oliveira, com a participação da monitora Aldene Maria da Silva e 30

alunos da 3ª série A do Ensino Fundamental de 9 anos, do turno vespertino. Oprojeto teve como objetivo:

· Focalizar os tantos “brasis” que fazem o nosso país;· Socializar um novo histórico sobre a trajetória política, cultural sociológica e

religiosa dos povos africanos;· Refletir a identidade da nação que somos e do país em que vivemos, buscando

superar o preconceito deixado como herança, retratada até hoje na desigualdadesócio-econômica.

· Permitir o acesso à cultura extremamente rica trazida com os africanosescravizados,

· Valorizar a influência dos negros e seus descendentes, que nunca deixaram defazer cultura e de transformar a própria história que não pode ser esquecida ou negada.

Este projeto incluiu várias produções de escrita retratando a vida do povoafricano, utilizando gravuras de pessoas. Foi realizada também uma pesquisacom os familiares dos alunos, resgatando a história da família e formando, assim,sua árvore genealógica e descobrindo sua identidade familiar. A pesquisa trabalhoucom a valorização da individualidade e da história de cada um. Foram apresentadoscontos e filmes para as crianças conhecerem a história da origem do povo africanoe, assim, reconhecerem as diferenças e abordarem a questão do preconceito deforma crítica. O projeto pôde abranger várias disciplinas, como Língua Portuguesa,Matemática, Geografia, História e Artes.

O produto final do projeto foi uma exposição dos trabalhos, para todos os alunosda escola, além dos pais e demais pessoas da comunidade. Na exposição, osalunos da 3ª série A explanaram todo o conhecimento adquirido durante o projeto.

A avaliação do trabalho foi feita durante todo o processo de realização e aotérmino do projeto. Foram apresentadas propostas de novos trabalhos para o ano

Anali Ordonez Gasparine seguinte, como a elaboração de um encarte para as demais escolas do municípiosobre a questão racial no ambiente escolar.

Bibliografia:üüüüü As tranças de Bintou , Sylviane Diof, Ed. Cosac Naify.üüüüü Bruna e a galinha d’Angola. Gercilga de Almeida, Ed Pallas.üüüüü Irê Ayô: Mitos afro-brasileiros. Vanda Machado e Carlos Petrovich, Ed.

EDUFBA.üüüüü Xangô, o trovão. Reginaldo Prandi, Ed.Cia. das Letrinhas.üüüüü Tramas da cor – Enfrent ado o preconceito no dia-a-dia escolar , Raquel

de Oliveira, Ed. Selo Negro;üüüüü Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais.

Ministério da Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização eDiversidade (Org.).

Filme:üüüüü KiriKu e a feiticeira.

Sites:ü ü ü ü ü www.ufscar.br: Núcleo de Estudos Afro-brasileiros . Traz apostilas do

programa São Paulo - Educando pela diferença para a igualdade, com diversassugestões de atividades em sala de aula.ü ü ü ü ü www.ceert.org.br: Centro de Estudos das Relações do T rabalho e da

Desigualdade : produz material didático e de apoio para professores trabalharema questão racial.

Jornal:üüüüü Bolando Aula , de Gruhbas Projetos Educacionais e Culturais, nº 80 a 83,

2007.

Anali Ordonez Gasparine é pedagoga, formadora do Programa Letra e Vivae do Programa Pró-Letramento de Linguagem e Alfabetização, e diretora da EMAna Maria Campos de Oliveira

As leituras e propostas de discussões eproduções foram significativas, com retornossatisfatórios, percebendo-se, sobre as questõeselencadas, uma reflexão que trouxe comoconseqüência a mudança de postura dos alunos ea melhora na auto-estima de algumas crianças,antes alvo de chacotas, apelidos e até xingamentos,preconceito e discriminação por parte dos próprios colegas, e, agora, tratadascom respeito e admiração.

Trabalhamos ainda a música “Pra não dizer que não falei de flores”, de GeraldoVandré. A sala foi dividida em grupo e cada grupo ficou responsável por umaestrofe da música. Ao término do trabalho, os grupos se uniram em uma únicavoz cantando a música.

Confeccionamos o livro “A criança e os seus direitos”. Nele, as crianças fizeramas ilustrações de cada um dos dez princípios da Declaração dos Direitos dasCrianças, dos quais o primeiro é “Toda criança tem direito à igualdade semnenhuma discriminação de raça, cor, sexo, religião, nacionalidade...”

Socializei, ainda, as leituras dos livros “Declaração Universal dos DireitosHumanos” (Ruth Rocha e Otávio Roth, editora Melhoramentos); A criança e seusdireitos (Secretaria de Estado da Educação; FNDE/MEC) e O menino marrom(Ziraldo, ed. Melhoramentos).

Foi feita uma exposição na escola com os trabalhos das crianças onde acomunidade pode apreciar.

12PÁGINA

Jornal Bolando Aula Março de 2008

Relato de Experiência

“Dentro de pouco tempo tudo aquilo que lhes foiaparentemente ensinado terá sido esquecido. Não porburrice. Mas por inteligência. O corpo não suportacarregar o peso de um conhecimento morto que elenão consegue integrar com a vida”.

Rubem Alves

Trabalhamos com a lei n° 10639/03, “a diversidade cultural e étnica eas práticas escolares”, em oito salas com o objetivo de combater asformas de discriminação exclusão e preconceito. Tivemos o apoio do

jornal “Bolando Aula” — fornecido pelo Gruhbas —, da coordenação e dosprofessores, que nos auxiliaram no desenvolvimento do projeto “Eu sou decor, e você?”.

O fundador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Unicamp, Natanaeldos Santos, em entrevista, afirmou não existe preconceito e sim falta deinformação. De principio, quando ouvi essa declaração, fiquei intrigada.Contudo, ao longo do projeto percebi que é fundamental trabalharmos comos estudantes a noção de que todo preconceito é uma reação aodesconhecido.

Portanto, procuramos construir com eles um conceito de reflexão,reforçando a idéia de que brancos e negros são diferentes, mas issonão os faz desiguais. Afinal a diferença e a desigualdade não são amesma coisa. As pessoas são diferentes na cor, na maneira de ser,pensar e agi r. Mas isso não s ign i f ica que se jam infer iores ousuperiores.

A desigualdade é a idéia que leva uma pessoa a se considerar melhor queoutra, e por isso sentir-se no direito de ter privilégios. Quando se usa a diferençapara justificar a desigualdade, cria-se o racismo.

Trabalhamos esses aspectos com respaldos históricos da miscigenação emanifestações da cultura afro-brasileira que estão presentes em nosso dia-a-dia,no jeito de andar, falar e rir, nas preferências alimentares, nas maneiras de viver areligiosidade, nas inúmeras danças, ritmos, festas e comemorações que formama cultura brasileira.

De inicio foi difícil usar as estratégias certas para não fazer do projeto umaforma de manifestar a discriminação racial. Pensando nisso, nós o elaboramoscom toda a cautela. E hoje, posso afirmar que o mesmo nos ajudou (professor/

Drielly V asques Borges

EU SOU DE COR, E VOCÊ?

alunos) a construir um novo olhar, superando alguns equívocos interiorizados nosenso comum.

A minha prática pedagógica está sendo estruturada buscando aigualdade entre educador-educando, na qual ambos aprendem e trocamexperiências no processo educativo, uma vez que “não há educadortão sábio que nada possa aprender, nem educando tão ignorante quenada possa ensinar” (BECKER). Prova disso é a contribuição de cadaaluno (sala) na experiência da minha vida como aprendiz dessaprofissão.

Com a 1ª A, apreendi a respeitar as diferentes leituras de um quadro de CândidoPortinari (obra O Mestiço); já com a 1ªB, apreendi a modelar uma galinha deargila (livro: A galinha d’Angola); na 2ªA aprendi a confeccionar máscaras. A 2ªBme ensinou a fazer fantoches de meia e a acreditar que se quisermos até bonecospodem ter vida (por meio de uma história produzida coletivamente sobre osconteúdos trabalhados).

A 3ª A me ensinou a reproduzir um livro (Menina Bonita do Laço de Fita). A 3ªB me ensinou a origem de muitas palavras usadas em nosso cotidiano (dicionáriocom palavras africanas). Os atores da 4ª A me ensinaram a dirigir uma peça deteatro. E por fim, os cantores da 4ª B me ensinaram a reger um coral (Música:Maria, Maria, de Milton Nascimento).

Agradeço a Deus por existir a diversidade entre as pessoas. Afinal é justamentepor meio dela que a cada dia aprendemos e ensinamos algo de novo.

Isso me faz lembrar a reação de muitas crianças negras que, aodescobrirem a razão de suas características, perceberam que naverdade são diferentes — porque cada ser humano é diferente um dooutro —, mas não inferiores. E assim, viram o quanto a pluralidade énecessária.

Drielly V asques Borges é auxiliar pedagógica da EMEF Lions Clube, deItanhaém.

Observação: As fotos foram tiradas durante o desenvolvimento do projeto,que foi riquíssimo. As datas das fotos não condizem com os dias em queforam tiradas, pois a máquina estava com problemas de configuração.

Menina bonita e o Coelho Coelho na casa da menina

13

PÁGINA

Jornal Bolando Aula Março de 2008

A diversidade étnica e cultural vista sob diferentes ângulos. Informe-se:leia e assista. Aí vão as nossas sugestões para a ampliação do seuconhecimento e possível aproveitamento em sala de aula. São sugestões

de livros, filmes e sites que abordam a temática da diversidade e a questãoafricana e afro-brasileira.

Literatura

· Outros contos africanos para criançasbrasileiras . Rogério Andrade Barbosa. São Paulo:Paulinas, 2004. Neste livro o autor faz um resgate decontos da cultura africana, cujos temais são universaise tradicionais, adaptando-os ao jovem leitor brasileiro.Sua leitura permite às crianças conhecer umapequena parte da cultura e sabedoria da África esugere novas formas de reconhecer a riqueza quenasce da diversidade. São narrativas simples,recolhidas da tradição oral: o primeiro explica porquea galinha d angola tem as penas pintadas e a razão

de seu canto característico - “tô fraca, tô fraca!” - e o segundo, o motivo de oporco ter o focinho curto. São histórias que divertem e ensinam, a um sótempo.

· O Menino Marrom . Ziraldo Alves Pinto,Editora Melhoramentos. Editado pela primeiravez em 1986, conta a história de dois amigosde cores diferentes que crescem juntos. Estaé a história de um menino marrom, mas falatambém de um menino cor-de-rosa. São doisperguntadores inveterados e vão quererdescobrir juntos os mistérios das cores. Serãomuitas as perguntas e muitas serão asrespostas.

Obras de referência para o conhecimento do professor

· Bonecas negras. Cadê? Maria Zilá Teixeira de Matos,Mazza Edições. A pouca visibilidade dos negros é percebidanos livros didáticos, no currículo das escolas, nas revistas,na televisão, nas propagandas e até nos brinquedos. Asbonecas negras ainda são raridade. Este livro vem sugerira visibilidade do negro na escola, com atividades práticaspara professores do Ensino Fundamental e para todos osinteressados em educar para a paz. Esta obra atende adois Temas Transversais sugeridos nos ParâmetrosCurriculares Nacionais (PCN): Ética e Pluraridade Cultural.Dentre outros objetivos do livro estão: conhecer a cultura

negra para valorizar e respeitar a diversidade; buscar justiça ao questionarpreconceitos; praticar o diálogo para resolver problemas; preparar a criançadiscriminada para se posicionar dignamente, em casos de racismo, comargumentos científicos, éticos e jurídicos. Traz ainda interessantes dicas para oeducador.

Lucileide Maria da Silva

DiversidadeMATERIAL DE APOIO PARA OPROFESSOR – LEI 10639/03

· A cor ausente . Wilma Baía Coelho, Mazza Edições. Trata-se de um estudo sobre o papel do sistema escolar na abordagemdas questões raciais e na reprodução do preconceito racial.Um dos principais objetivos do livro é ampliar a reflexão sobre acontribuição da escola para a reprodução da discriminação edo preconceito. O argumento central encaminha uma análisede um curso de Formação de Professores, evidenciando aorigem do problema.

· África e Brasil Africano . Marina de Mello e Souza, SãoPaulo: Editora: Ática, 2007, 2ª edição. A autora traça um amplopanorama do continente africano, com suas diversas sociedadeslocais, sua história e cultura, antes e depois da escravidão.Retrata as conseqüências da importação de quase 5 milhõesde escravos africanos ao longo de mais de 300 anos de históriado Brasil, mostrando as marcas de um legado cultural que atéhoje exerce grande influência em nossa sociedade.

Filme· Olhos Azuis. (Blue Eyes, 1996, documentário estadunidense de 93 minutos

de duração, produzido por Jane Elliot). O filme é uma releitura de . “The Eye of theStorm” (O olho da tempestade), documentário produzido em 1968, no qual JaneElliott — professora e socióloga — aplicou um exercício de discriminação em umasala de aula da terceira série, baseada na cor dos olhos das crianças. Ela ganhouum Emmy pelo documentário. Hoje, aposentada, aplica workshops sobre racismopara adultos. “Olhos Azuis” é a documentação de um desses workshops em que oexercício de discriminação pela cor dos olhos também foi aplicado. O objetivo doexercício é colocar pessoas de olhos azuis na pele de uma pessoa negra por umdia. Para isso, ela rotula essas pessoas, baseando-se apenas na cor dos olhos,com rótulos negativos usados contra mulheres, pessoas negras, homossexuais,pessoas com deficiências físicas e outras pessoas que sejam diferentes fisicamente.

· Sarafina, o som da liberdade (Sarafina) , USA, 1993, 116 minutos, direçãode Darrel Roodt. Na África do Sul, professora ensina jovens alunos negros alutarem por seus direitos. Para uma aluna em especial, essas lições serão umrito de iniciação na vida adulta, na forma de uma brutal tomada de consciência arespeito da realidade que a cerca.

Sites· Mundo Negro: www.mundonegro.com.brPortal da comunidade afro-descendente, traz notícias, agenda cultural e

educativa, artigos e debates.· Núcleo de Estudos Negros: www.nen.org.br O Núcleo de Estudos Negros – NEN — é uma organização a serviço do Movimento

Negro de Santa Catarina. Foi fundado no ano de 1986, reunindo estudantes universitáriose militantes negros na luta contra ao racismo e todas as formas de discriminaçãoracial e social a que está submetida a população afro-brasileira, mediante a busca depolíticas públicas que promovam a igualdade de oportunidades para este segmentohistoricamente alijado dos direitos de cidadania. A partir de seus estudos e pesquisase de seus programas de ação nas áreas da Educação, Justiça, Trabalho e Cidadania,o NEN busca assegurar o desenvolvimento sustentável nas comunidades negras,urbanas e rurais, e, do mesmo modo, a garantia dos direitos sociais. A estruturaorganizativa do NEN está constituída a partir dos seguintes Programas: Educação;Justiça e Direitos Humanos; Desenvolvimento, Trabalho e Cidadania; Pesquisas.

Lucileide Maria da Silva é pedagoga, integrante do Departamento Pedagógicodo Gruhbas Projetos Educacionais e Culturais, onde coordena o projeto “A lei10639/03, a diversidade cultural e étnica e as práticas escolares — materialdidático para professor”.

14PÁGINA

Jornal Bolando Aula Março de 2008

15

PÁGINA

Jornal Bolando Aula Março de 2008

O trabalho tem uma função social de grande importância,pois possibilita a participação do homem no mundo. Ohomem pode se eternizar através de uma obra: como um

livro, uma pintura, ou mesmo de um site diferenciado (como no casodo orkut).

Visto por este prisma, o trabalho parece algo prazeroso eagradável; no entanto, “a realidade” nos mostra pessoasestressadas, cansadas e com doenças ocupacionais sérias. Então,percebemos a necessidade da distinção entre trabalho e emprego.

O trabalho é fruto de uma escolha, uma opção pela profissão quepermite a expressão de nosso desejo de agir no mundo, comentusiasmo e criatividade. Já o emprego é uma atividade que garantea nossa sobrevivência.

Nos dias atuais, vemos diariamente os altos índices dedesemprego. Tais índices consideram todas as pessoas iguais ecom um objetivo comum: arrumar um emprego. Todavia os homenssão diferentes e têm objetivos diferentes. O importante da distinçãoentre trabalho e emprego é mostrar que o trabalho é uma questãode escolha e deve basear-se no desejo de cada um, enquanto oemprego denota uma escolha particular ou a falta de opção pararealizar um trabalho desejado.

Há pouco tempo, muitas pessoas optavam por uma área deatuação considerando o fator empregabilidade, ou seja, faziamdeterminada faculdade pela garantia de retorno financeiro. Com omercado saturado de hoje, cabe ao profissional escolher entre aquiloque dá prazer, alegria — e que o mobiliza a trabalhar mudando omundo de sua maneira — e um emprego que garanta exclusivamentea sua subsistência, tendo que se contentar com isso, apenas.

O emprego pode tornar-se um fardo pesado, mero cumprimentode uma obrigação. Nesse contexto, os dias se tornam tristes eenfadonhos e o trabalho parece árduo demais. Esse desânimo inicial,se prolongado por um período considerável, pode comprometer asaúde do indivíduo, provocando as famosas doenças ocupacionais(stress, depressão, L.E.R).

A realidade social, muitas vezes, impõe que arranjemos empregospara garantir a sobrevivência. Ter um emprego por um período, oupara arcar com uma formação para desenvolver um trabalho, éapreciável. A questão é que acabamos nos acomodando em empregose extinguindo nosso desejo de realização profissional. Outras pessoasainda sucumbem à tentação de ter um emprego por um salário melhor.

Assim, aceitam trocar, por um emprego que pague mais, o prazer darealização profissional conseguida por meio de um trabalho.

Como postulou Freud, nossa vida é permeada pelo princípio doprazer – tendência inata de evitar a dor e buscar o prazer – e peloprincípio da realidade – função aprendida, que modifica o princípiodo prazer e exige um adiamento da gratificação imediata.

Relacionando estes princípios ao tema abordado, percebemosque podemos escolher entre o trabalho — pautando nossa vida peloprincípio do prazer — e o emprego — permeando nossa vida peloprincípio darealidade (adiamento da gratificação).

Cabe salientar que a mesma função pode ser percebida de formadiferenciada. Exemplificando, podemos observar o caso deprofessores efetivos de rede pública. Embora todos desempenhema mesma função, vemos professores que trabalham, ou seja, que sebaseiam no princípio do prazer, realizando sua prática docente comentusiasmo e criatividade. Outros têm um emprego de professor,agem pelo princípio de realidade, trabalhando para garantir asobrevivência, mas não gostam do que fazem e contam os dias paraa aposentadoria (adiantamento da gratificação).

O professor hoje não possui mais o status que possuíaanteriormente. Há algum tempo, ser professor era algo admirável erespeitado pela sociedade. Entretanto, esse profissional não sóperdeu o status que possuía como também enfrenta a pressão dasfamílias e alunos cada vez mais questionadores. Por isso, o professordeve estar em constante atualização para responder a essademanda. No entanto, não podemos esquecer que ele tem um papelfundamental na sociedade, que é o de ensinar crianças, jovens eadultos, tendo ainda a responsabilidade de formar pessoas, formarcidadãos conscientes e capazes de criar um futuro melhor para simesmos e para o país. Nesse caso, ter um emprego de professorou trabalhar como professor é uma opção que repercutirádiretamente na formação da nossa sociedade.

É importante, portanto, que tenhamos consciência da diferençaentre emprego e trabalho. Partindo desse conhecimento, cabe a cadaum fazer a sua opção profissional. Acreditamos que a melhor escolhaseja por um trabalho, por mais que a trajetória para alcançá-lo sejadifícil. Afinal, não há nada pior do que fazer algo que detestamos porum longo período de nossas vidas.

Andréia Marques de Andrade é psicóloga, capacitadora emembro da equipe pedagógica do Gruhbas Projetos Educacionaise Culturais, colaboradora do jornal Bolando Aula .

Andréia Marques de Andrade

MultidisciplinarENTRE O PRAZER E AREALIDADE: A DIFÍCIL

ESCOLHA ENTRE TRABALHOE EMPREGO

16PÁGINA

Jornal Bolando Aula Março de 2008