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27/10/13 Autodinamismo: Jornadas de junho: trs enganos e uma hiptese
valjucapereira.blogspot.com.br/2013/10/jornadas-de-junho-tres-enganos-e-uma.html?spref=fb 1/3
Autodinamismo
sbado, 26 de outubro de 2013
Jornadas de junho: trs enganos e uma hiptese
Por
Luis Fernando Vitagliano
Conjuntura rara permitiu que setores sociais com interesses opostos estivessem juntos nas ruas.
Tenses maiores viro no futuro prximo
Por Lus Fernando Vitagliano
Em se tratando dos fatos polticos recentes, nossas cincias sociais esto claramente em dvida.
No temos, ao largo do que se escreveu e/ou discutiu, uma explicao razovel sobre os fatos.
Refiro-me especificamente s manifestaes de junho no Brasil e quero centrar essa anlise em
suas interpretaes e recentes desdobramentos.
Geralmente, um relativo consenso se estabelece a respeito dos fatos sociais que, com maior ou
menor grau de radicalismo, nutrem a memria coletiva. Ao analisar diferentes vises sobre os
acontecimentos, tenho o propsito de afastar-me dos desejos polticos que hoje motivam as
paixes da grande maioria dos analistas. De tudo que foi publicado sobre as manifestaes,
seleciono pelo menos trs perspectivas sintomticas.
Uma das vises defendida por intelectuais como Marilena Chau e outros professores de Cincia
Poltica, como os presentes no debate da Associao Nacional de Ps-Graduao em Cincias
Sociais (Anpocs), em guas de Lindoia em setembro (entre eles Claudio Couto e Adriano
Codato). Para esta linha, o que ocorreu no Brasil foi um princpio de intolerncia poltica com
fortes traos de fascismo. As manifestaes foram interpretadas a partir de fontes eminentemente
conservadoras e com pautas que substituram as questes pblicas pela defesa de moralismos
perigosos democracia. A pauta acabou sendo sequestrada por reaes antipartidrias que
beiravam o golpismo barato. Esta viso foca, portanto, nos traos reacionrios que se destacaram
em vrios momentos de junho. Mas no explica como estes traos foram capazes de substituir as
pautas inicialmente progressistas (transporte pblico de qualidade, melhores condies sociais,
polticas universais de sade, educao e cultura etc). Tambm no explica como a direita tomou
as ruas, j que este um espao de ao poltica usado por uma maioria crtica ao capitalismo.
Parece ser, portanto, uma interpretao distorcida, ao forar a sobreposio da pauta de direita
sobre a da esquerda o que no ocorreu em propores to grandes, se que ocorreu.
Outra viso associa os protestos de junho a manifestaes mais amplas e de abrangncia
mundial que comearam bem antes, com os movimentos antiglobalizao de Seattle, passando
pelo recente Occupy Wall Street. Tratando de interpretar os acontecimentos por este rumo,
surgiram (inclusive em Outras Palavras) vrios artigos. Intelectuais como David Harvey e Manuel
Castells destacaram as semelhanas entre os movimentos. At Francis Fukuyama, direita,
comparou as manifestaes de junho no Brasil com a Primavera rabe lgico que apresentou
ambos os casos como sintomas de que a democracia liberal est se expandindo pelo mundo. No
Brasil sobressaiu-se, na defesa deste ponto de vista, Vladimir Safatle. Mas h vrios problemas
tambm com essa viso. Um deles supor que os manifestantes faziam ligaes entre os
acontecimentos locais e os globais, que grupos como os Black Blocs do Brasil ligavam-se em
rede aos outros movimentos internacionais. O Brasil no viveu os efeitos da crise de 2008 como
os pases desenvolvidos. Em grande parte da Europa atingida pela crise, o desemprego entre os
jovens alarmante. Aqui, o mximo de internacionalizao do movimento que conseguimos foi
relacionar as polticas pblicas com a Copa de 2014, como em um cartaz que ficou famoso:
Queremos hospitais no padro FIFA! De resto, o antiglobalismo e o anticapitalismo surgiram de
forma muito mais autoritria e antidemocrtica que nos casos citados internacionalmente. Nem os
manifestantes daqui so iguais aos do primeiro mundo, nem os poucos que se identificavam com
movimentos internacionais de resistncia converteram-se em atores significativos no foram
convincentes e esto muito mais para figurantes que protagonistas.
Uma terceira linha, da qual o principal porta-voz talvez tenha sido o ex-presidente Lula (e que
ganhou muita audincia nos quadros do governo), refere-se ao triunfo da mobilidade social. Para
Lula, um dos fatores para a mobilizao de junho foi a ascenso dos pobres. A conquista de
melhores condies de vida pelos menos favorecidos teria gerado presso por melhorias imediatas
nos servios pblicos. O motivo de os cidados se insurgirem (ou surgirem) teria sido reclamar
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27/10/13 Autodinamismo: Jornadas de junho: trs enganos e uma hiptese
valjucapereira.blogspot.com.br/2013/10/jornadas-de-junho-tres-enganos-e-uma.html?spref=fb 2/3
seus direitos. Agora tm carro; querem locomover-se; o trnsito das metrpoles os impede. Ou:
agora que tm emprego, querem mais nibus para ir ao trabalho. Tm celular, e querem que as
redes das operadoras funcionem. Plano de sade, educao. Enfim: maior padro dos servios,
que agora passaram a ter ou a poder comprar. Essa viso tem pelo menos o mrito de partir de
fatos verificveis, mas seu problema est no mesmo limite das hipteses anteriores: uma
interpretao limitada. Ignora o papel da direita poltica. Alm disso, desconhece que a pauta se
ampliou, como revela um slogan frequente em junho: no so apenas vinte centavos. Os pobres
que conquistaram direitos no foram menos importantes que a classe mdia que criticava os
polticos e reivindicava uma campanha anticorrupo.
Poderamos dizer que h uma quarta viso: a crtica ao governo e suas medidas. Mas essa ,
principalmente, uma tecla ensaiada pelos partidos de oposio para sequestrar o momento
poltico. simplista e no nos vale mais que citar, por sua pobreza evidente Ou esta viso est
contemplada na primeira e apresentou faces autoritrias , ou apenas marketing poltico que
no colou.
Em busca de uma viso de sntese sobre junho, que supere os limites apontados anteriormente,
proponho partir das prprias contradies do movimento. As manifestaes de junho foram um
evento sem precedentes, nico e irreprodutvel nas suas origens. O inusitado de uma janela
histrica permitiu reunir contradies sociais muitos fortes, a ponto de deixar as mentes mais
perspicazes em paralisia ou seja, com enorme dificuldade para entender o que levou tanta
gente diferente s ruas.
Junho foi nico. O Movimento Passe Livre (MPL) surpreendeu em termos de reivindicao e
capacidade de mobilizao. Mas sua atuao no explica o que se sucedeu. Seus sucessos
iniciais esto ligados dificuldade dos governos para ler as insatisfaes muito mais para lidar
com elas. Os jornais falharam. A polcia ainda age como se estivesse em tempos de ditadura.
Diante da paralisia das velhas instituies, as mdias sociais surgiram como grande novidade e
tiveram um papel catalizador. A mdia alternativa foi fundamental para desbancar as maquiagens
arquitetadas por governos e foras polticas antidemocrticas. O jogo mudou na medida em que o
mar de descontentes reconheceu a legitimidade de protestar. Em algum momento, protestar por
qualquer coisa ganhou vasto apoio da sociedade.
mobilizao dos grupos ligados agenda social somaram-se as insatisfaes das classes
mdias, que h muito ensaiavam ir s ruas. Ambos os vetores somaram-se porque, quanto maior
a massa, mais as pautas ganhavam destaque. A direita empresarial do antigo movimento Cansei
e o MPL nas ruas, lutando por transportes pblicos de qualidade e contra a corrupo. Cada um a
seu modo, mas todos nas ruas. Tanto verdade que, to logo as contradies comearam a
tornar-se claras, o movimento geral perdeu flego e dispersou.
Porm, mais do que contraditrias, as pautas de junho eram genricas, pouco claras.
Congregaram interesses distintos, embora isso no tenha sido percebido, num primeiro momento.
Vale a pena um esforo para entender as foras presentes nos protestos como de fato so e
no como se manifestam na aparncia.
No seria til rotular junho como movimento majoritariamente de direita ou de esquerda, social ou
poltico, mas como um momento epifnio de exploso de muitas pautas que, em situaes de
normalidade, nunca seriam postas nas mesmas ruas. Como no havia uma mesa de
negociaes, esses muitos movimentos inicialmente no se viram como contraditrios. No
primeiro susto a respeito do que se esperava com os protestos, parte dos militantes que deram os
primeiros passos em direo s ruas recuou.
Minha tese que as contradies no seio da sociedade motivaram os protestos de junho. Foi um
momento em que os contrrios no se dividiram, somaram-se. Pouco antes, a pauta pblica havia
deixado de se renovar. As ruas expressaram o esgotamento dos avanos sociais. Ambos os
extremos da sociedade pressionavam por polticas governamentais que os favorecessem. Lula
tem razo: a necessidade de melhorias para os cidados uma agenda fundamental. Isso explica
porque um Celso Russomano, com sua pauta de reivindicaes focada nos consumidores, teve
tanta audincia na disputa pela prefeitura de So Paulo, um ano antes. uma presso que vem
dos setores oprimidos.
Mas, no devemos ignorar a relao dialtica entre os ganhos sociais e as classes. A viso das
esquerdas mostra-se mope por no perceber que os setores abastados tambm foram afetados
(ainda que indiretamente) pelos movimentos das classes subalternas. Seja no aumento das filas
nos aeroportos, seja pelo custo dos servios em geral ou pelo ultrajante resgate da cidadania,
que permite ao oprimido reclamar seus direitos A dialtica sugere que nenhuma ao histrica
existe sem sua anttese. E no se eleva o poder dos pobres sem alterar a correlao de foras
com os ricos. O governo o colcho que acomoda todas essas demandas. Nas ruas, em junho,
foram os governos os alvos. Porque eles estavam na linha de frente da defesa dos interesses dos
opressores e na retaguarda dos ganhos dos oprimidos.
Diante de todos esses contrastes, erraram todos os que viram, nas ruas de junho, consequncias
de longo prazo. Os protestos no desencadearam mudanas; por enquanto, eles expressaram
reaes diante do que houve anteriormente: maior acesso das maiorias a uma parcela da riqueza;
incmodo de setores da classe mdia com isso. Talvez o prprio projeto de ampliar benefcios
sociais sem alterar a estrutura de renda esteja no seu limite. possvel que manter a trajetria
iniciada h dez anos no seja mais praticvel, sem produzir fissuras nas estruturas que
reproduzem desigualdade e privilgios. Isso, naturalmente, despertar reaes no chamado andar
de cima. Para escandaliz-lo, nem preciso falar de reforma agrria basta mencionar a
reforma tributria
Junho no pode ser visto como algo maior do que foi. Foi um momento de catarse, no de
transformaes sociais. Nenhum dos movimentos que se uniram naquela ocasio tm hoje fora
para lanar isoladamente uma convocao expressiva de protesto. Os fatores histricos que
permitiram aqueles acontecimentos dispersaram-se e os diferentes setores, antes unidos em uma
mesma luta, j no se reconhecem.
Se a pauta de reivindicaes no pde ser capturada pelas direitas, hoje na oposio, uma boa
dose de realidade permitir perceber a dimenso dos desafios com que se deparam as esquerdas,
no futuro prximo. Para que sejam efetivos, os avanos sociais devero atingir diretamente os
privilgios das classes dominantes. Haver vontade e fora suficiente para tanto? Caso contrrio,
como isso comprometer o projeto poltico que chegou ao governo h dez anos?
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Postado por Valdir Pereira s 22:00
Fonte: OUTRASPALAVRAS
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