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Autogestão Habitacional e Formação Profissional Self-managed housing and professional education Coordenadora: Luciana Andrade, PROURB/FAU/UFRJ, Professora Associada, [email protected]. Debatedor: Fernando Minto, PROARQ/FAU/UFRJ, doutorando, [email protected].

Autogestão Habitacional e Formação Profissional

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Page 1: Autogestão Habitacional e Formação Profissional

AutogestãoHabitacionaleFormaçãoProfissional

Self-managedhousingandprofessionaleducation

Coordenadora:LucianaAndrade,PROURB/FAU/UFRJ,ProfessoraAssociada,[email protected].

Debatedor:FernandoMinto,PROARQ/FAU/UFRJ,doutorando,[email protected].

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RumoàterceiradécadadoséculoXXI,aindanosvemosdiantedodesafioderepensareefetivarum ensino de arquitetura e urbanismo que dialogue com as questões urgentes das cidadesbrasileiras.Amoradia,entendidanocontextourbano,éumdosproblemasprioritários.Alémdasua percepção nas múltiplas facetas – da questão fundiária à diversidade da composição dasfamílias;dodesenhourbanoàsquestõestecnológicas;dosaspectospolíticosaosburocráticos–,odiálogo técnico-acadêmico com a população que demanda habitação e cidade aponta para anecessidadedesuperaçãonãosódaspráticasdeproduçãodamoradiasocial,comotambémdomodelodesegregaçãodoconhecimentoimpostonamodernidade,quenaturalmenteserefletenoensino1.

EssapropostadeSessãoLivre foidesenvolvidacoma finalidadede levantarquestõesrelativasaessetema,elaboradasapartirdeexperiênciasconcretas,institucionalizadasounão,deaçãoparaa produção e/ou consolidaçãodamoradia social e, também, de transgressãoda supremacia domodeloelitizadoesegregadode(re)produçãoconhecimento.

Em1982,quandoaditaduraempresarial-militardosanos1960-1980sedistendia,oLaboratóriodeHabitação(Lab-Hab)doCursodeArquiteturadaFaculdadedeBelasArtesdeSãoPaulo,plantavaas primeiras sementes de uma utopia que se desenvolveu, com avanços e retrocessos, até amodalidade “entidades” do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Essa modalidade seresumiu a um pequeno percertual que foi possível conquistar de recursos para a produçãoautogestionárianoâmbitodesseprograma,moldadoporeparaempresáriosdaconstruçãocivil.

Se é dramática a suspensão de investimentos para um problema tão sério, como a falta demoradiapopular,oesgotamentodoprogramaabreaperspectivaparaareconstruçãodautopiaou do projeto de transformação que teve sua gênese no queMarilena Chauí (1992: 6) definiucomo“construçãodenovosterritóriosdesabereseações”,concluindoque:

...a socialização dos conhecimentos técnicos, a troca recíproca de saberes eexperiências, adecisãodemocráticadaautogestãodosmutirõesdemoradiapopular,asinovaçõestecnológicasepolíticasdaídecorrentesconstituemumaconquista popular na luta por direitos e uma crítica prática aos poderesideológicosexistentes2.

Mesmoqueodebatesobreaparticipaçãopopularnoprocessodeprojetosejamaisantigo,tendocomodestaquenoBrasilexperiênciascomoadeurbanizaçãoda faveladeBrásdePina3,no fimdos anos 1960, e também a discussão levantada sobre a questão do trabalho e da técnicadesenvolvidonocontextodogrupoArquiteturaNova4,foiaexperiênciadoLab-Hab,inspiradanasCooperativasUruguaias5,quefinalmentegerouumaproduçãomaissignificativa,apontandoparaa

1Sobre esse debate ver, por exemplo: Santos, Boaventura de Souza (2000). A Crítica da Razão Indolente: contra odesperdíciodaexperiência.SãoPauloCortez.ELatour,Bruno(2012).ReagregandooSocial:umaintroduçãoàteoriadoa-ator-rede.Salvador:EdUFBA;Bauru,SãoPaulo:Edusc.ErmíniaMaricatodesenvolveuumadiscussãosobreanecessidadedesuperaçãodafragmentaçãodasabordagensdepesquisasesobrehabitaçãoemMaricato,Ermínia(2009).Porumnovoenfoqueteóriconapesquisasobrehabitação.In:CadernosMetrópole,21.10sem.pp.33-52.

2Chauí,Marilena (1992).Apresentação:ConstruindoaUtopiaDemocrática. In:Bonduki,Nabil.HabitaçãoeAutogestão:construindoterritóriosdeutopia.RiodeJaneiro:Fase.

3Santos,CarlosNelsonFerreirados(1981).MovimentosSociaisUrbanosnoRiodeJaneiro.RiodeJaneiro:Zahar.

4Ferro,Sergio(1979).OCanteiroeodesenho.SãoPaulo.RevistaProjeto.

5Adespeitodarepressãopolíticaduranteaditaduramilitar,asideiascirculavameogrupodoLab-HabtambémdialogoucomodebatedeFerro(1979)edeSantos(1981).

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viabilidade de ummodelo até então descartado principalmente pela política hegemônica, mastambémpelaaçãoacadêmicanasfaculdadesdearquiteturaeurbanismo.

Desse modo, entendendo esse momento crítico como oportunidade para reconstrução dealgumas bases de sustentação de um projeto de transformação sócio-urbana6, nosso objetivonessa Sessão Livre é expor e discutir experiências passadas ou atuais de ensino, pesquisa eextensãoquetrabalhemnaarticulaçãoentreosconhecimentostécnicosepopulares,bemcomointencionamosdiscutiraformaçãoprofissionalnocontextodaautogestão.

Nãoédehojequeacríticaaomododeensinopositivistatemgeradoalternativasmetodológicas;algumasdelaspropondoaaproximaçãodoconteúdoaserensinadoàrealidadedosestudantes7.Maisrecentemente,arupturacomométodopositivistadeensinoextrapolouopróprioespaçodesua prática, tornando as próprias cidades ambientes de ensino-aprendizagem. Nesse sentido,aindaquemuitasescolasdearquiteturapareçampermanecernomodelodisciplinardoséculoXIX,nadamaisnaturalqueoambientedeformaçãodoarquiteto-urbanistasejaaprópriacidade,nassuas questões mais prementes. No contexto brasileiro, cabe ainda lembrar a cultura daautoconstruçãoque, seporum ladoapresentaproblemasespaciaise construtivos,poroutro serevelanaconstruçãodesaberesnãosistematizadosquesãoimportantestantooquestionamentodevaloresditadosdecimaparabaixo.Aspráticasevivênciaspopularesdaconstruçãoevivênciado espaço habitacional revelam possibilidades de inovação. Na construção do conhecimento apartirdeaçõestransformadoras,caberepensaracompartimentaçãotécnica(esocial)dotrabalhoe,naturalmente,doensino-aprendizagem.

Alia-sea issoo fatodequeasmudançasnas tecnologiasderepresentaçãográfica,bemcomooacessomais fácilà informaçãovia internet, tornoua juventudemaisávidaporoutras formasdeaprendizagemquenãoaquesedápelafragmentaçãodisciplinardeconteúdosaseremsomadosna síntese projetual. Pelo contrário, mais do que nunca o estudante quer experimentar arealizaçãodesoluçõese,sobretudo,ésignificativamentecrescenteonúmerodeinteressadosemparticipardatransformaçãofísico-espacialdeáreasdemoradiadaclassetrabalhadora.

Neste contexto, ainda se insere o debate ambiental, que aponta para uma série de soluçõesarquitetônicaseurbanísticasalternativascujaefetivaçãodaeficáciademandaaincorporaçãodastécnicasnocotidianodosmoradores,oquenecessariamentepassapeloseuconhecimentoparadeterminaçãodaescolha.

Assim, se qualitativamente a questão da moradia já demandava revisão profunda do modelomonocórdio implantado pelo PMCMV, na atual conjuntura política, quando são suspensosrecursos para a produção habitacional, esse momento crítico se mostra contraditoriamenteoportuno para aprofundar a reflexão e também a ação sobre o tema. Podemos considerar queessestemposapresentampotência,quandoanecessidadedemorarpodeassumirumadimensãocatalisadoradocomprometimentosocialedaorganizaçãopolítica,demodoanálogodoocorridonagênesedaproduçãohabitacionalautogestionáriapaulista.Apropostaobjetivaassimareflexãosobre a potência da experimentação, tanto no sentido da reestruturação da organização social,

6EssapercepçãotemsidodestacadaporFernandoMintoemdiferentesoportunidadesdedebate.

7Paulo Freire é uma grande referência desse pensamento didático. Ver, entre outros, Freire, Paulo;Macedo, DonaldoPereira(1990).Alfabetização:leituradomundo,leituradapalavra.SãoPaulo:PazeTerra;Freire,Paulo(1991).AEducaçãonacidade.SãoPaulo:Cortez;Freire,Paulo(1997).Pedagogiadaesperança:umreencontrocomaPedagogiadooprimido.SãoPaulo:PazeTerra; Freire,Paulo (2008).A importânciadoatode ler:em trêsartigosque se completam.SãoPaulo:Cortez.

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política e espacial dosmoradores, como também da formação profissionalmais comprometidacom a consequência do projeto arquitetônico e urbanístico sobre a vida das pessoas. Pretendetambém discutir seus desafios epistemológicos, didáticos, programáticos e tecnológicos, dentreoutros.

Luta por moradia: encontro entre universidade e moradores dasocupaçõesurbanasevilasemBeloHorizonte(Resumo)

DeniseMoradoNascimento

A partir do exercício teórico-prático a conduzir os trabalhos de ensino, pesquisa e extensão dogrupoPRAXIS(EA-UFMG)juntoàsocupaçõesurbanasevilasemBeloHorizonte,propomosrefletirsobreapergunta:épossívelconstruiroutraspráticasqueenfrentemadesigualdadesocioespacialcontemporânea,expressaestruturalmentenalutapormoradia,paraalémdapolíticahabitacionalpública? Hoje, diante do atual momento econômico-político que enfrentamos, não temosencontrado espaços para a argumentação e uma possível transformação estrutural dosprocedimentosquefazemacidade.Precisamosinventarumaoutralógicadapráticaqueemergeda lutapormoradiaondeencontra-seoutrosesquemasdepercepção,deapreciaçãoedeaçãoadquiridos pela prática, colocados em ação no estado prático, com estrutura temporal – ritmo,andamentoeorientação–constitutivadeseusentido,assimentendidoporBourdieu.Oprojetode pesquisa e extensão DIÁLOGOS parte do pressuposto de que o compartilhamento deinformações, tanto do conhecimento científico (codificado) da arquitetura e do urbanismo depesquisadores,edeoutrasáreasdeconhecimento,quantodoconhecimentoprático,própriodocotidiano dos moradores, alimenta e transforma os sistemas de conhecimento de todos osenvolvidosnosprocessosdeproduçãodamoradiaedoespaçopúblico.Ocompartilhamentodeinformaçõesinsere-senoparadigmaparticipativodesenvolvidoporPauloFreire:asaçõescapazesdetransformararealidadedocotidianopodemsertomadasporqueoindivíduo,movidopelasuapresençanomundoepelasuacuriosidadepelomundo,inventaesereinventa,constituindooutralógicadaprática.

Autogestãoeprocessosativosdeformação.(Resumo)

ReginaldoL.N.Ronconi

ApartirdaexperiênciadaurbanizaçãodafavelaRecantodaAlegria(1982)eduranteoprogramaFUNAPSComunitário(1991),observamosaestruturaçãodaspropostasdeautogestãoemanadaspelomovimentodemoradia.Osprocessosdeautogestãocolaboramcomoamadurecimentodaorganização e com a formulações de políticas publicas transformadoras. Os projetos deautogestão, como os vimos nos mutirões na cidade de São Paulo, apresentam uma carga deconhecimentos desenvolvidos para atender as necessidade naturais de um empreendimentohabitacionaleàslimitaçõesexistentesnosprogramasdefinanciamento.Apopulaçãoparticipadasdiscussões de projetos, da organização das obras, das diversas tarefas inerentes a logística, daprestaçãodascontas,docontroledefrequência,etc.Emborasetratandodeumaorganizaçãodeobra, o trabalho desenvolvido é diferente dos canteiro de obras convencionais. Existe aresponsabilidadepelaboaexecuçãodas tarefasdentrodamelhorpráticaconstrutiva,porémháuma preocupação especial com a formação. Essa dinâmica exige, da Assessoria Técnica,

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profissionaisformadoscomqualidadearespeitodosprocessosparticipativos.ParaissonoscursosdeArquiteturaeUrbanismosãoimportantes:oCanteiroExperimentaleosprojetosdeextensão.NoCanteiroExperimentaloestudanteviverá,nas relaçõesentreprojetoe construção, todososacertos e desenganos possíveis, compreenderá a necessidade de organizar adequadamente oprocesso construtivo, etc. Nos projetos de extensão terá a oportunidade de conviver com aurgênciadasdemandas,comasdificuldadesdecomunicação,comosentravesburocráticos,etc.Autogestão e processos ativos de formação apontam para soluções consistentes, em todas asescalas.

Limites,contradiçõeseaprendizadosnaautogestãohabitacionalemPernambuco(Resumo)DemóstenesMoraes

As lutas recentes dos movimentos de moradia pela autogestão na promoção de habitação deinteressesocialnoBrasilalcançaramavançosdesde2004,apartirdoProgramaCréditoSolidário(PCS) até a modalidade Entidades do Programa Minha Casa Minha Vida. Em Pernambuco, aexperiênciamaisampladeautogestãofoidesenvolvidapeloMovimentodeLutanosBairros,VilaseFavelas(MLB)comaconstruçãode200moradiaspopularesemregimedemutirãonobairrodaIputinga, Recife – PE, pormeio do PCS. Omovimento, além das parcerias com diversos órgãospúblicos,contoucomoassessoramentotécnicodoprograma“ConexõesdeSaberes”,projetodeextensãodaUniversidadeFederaldePernambuco(UFPE),paraodesenvolvimentodoProjetodeTrabalho Técnico-Social. Em relação aos projetos arquitetônicos e de engenharia, a assessoriatécnica foi realizada apenas por profissionais de engenharia civil. É importante ressaltar que aexperiênciadosmovimentosdemoradiaemPernambucoémaiorna realizaçãodeocupaçõesenão na execução de mutirões e que não há assessoria técnicas do campo da Arquitetura eUrbanismo suficientes para as demandas dos movimentos e comunidades populares. As rarasincursões dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo ficaram restritas a projetos de melhoriahabitacionalemassentamentosprecários.Aliadasaestasquestões,asdificuldadesparagerirasdimensõespolíticas, institucionaise técnicasdosprojetosvêmfazendocomqueosmovimentosoptempelacontrataçãodeconstrutorasparaaelaboraçãodeprojetoseexecuçãodeobras,emlugar do desenvolvimento de processos amplos de autogestão, restringindo também asalternativasprojetuais..

A Ocupação Solano Trindade no engajamento Social do TrabalhoFinaldeGraduaçãoeDisciplinasnaFAU-UFRJ(Resumo)

LucianaAndrade,FernandoMinto

AefetivaçãodaOcupaçãoSolanoTrindade,localizadaemDuquedeCaxias,RegiãoMetropolitanado Rio de Janeiro, nos aproximou do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM-RJ),colocando como desafio a superação da segregação entre ensino, pesquisa e extensão.Particularmente no que se refere ao ensino, até então, as atividades se encontravam bastantedissociadas,umavezqueosprogramasdasdisciplinasnãoapresentavammuitamargemparaumtrabalho de experimentação. As perspectivas de integração com as outras atividades sãodificultadaspeladiversidadedeatuaçãodosdocentes.OcomprometimentocomSolanoTrindade

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nos levou a superar esses entraves. Num primeiro momento, engajamos três TFGs quedesempenharam papéis específicos no processo de consolidação da ocupação. Num segundomomento,anecessidadedesetrabalharprojetualetecmnologicamenteasedificaçõesnointeriordaáreaocupadanos levouapropora reformulaçãodasdisciplinasdeProcessosConstrutivoseProjeto de Interiores. Neste caso, a reestruturação foi apenas para uma das quatro turmas.Desafiamososestudantesaproporsoluçõesqueatendamàsdemandasdosocupantesepossamserexecutadasdemodosimpleseeconômico,preferencialmentecomousodematerialreciclável.Apropostaéqueosprojetossejamexecutados,oquejáocorreuemcertograu,emmutirãocomalunos e moradores e também no âmbito do canteiro experimental, que foi reformulado paramelhor exploração das possibilidades dos sistemas construtivos. Pretendemos refletir sobre aspossibilidades e limitações dessa forma de atuação no contexto da formação do arquiteto-urbanista.