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Autorização concedida ao Repositório Insttucional da Universidade de Brasília pelas autoras, em 23 de março de 2018, para disponibilizar, no site repositorio.unb.br, o livro Modelo de rede colaboratva baseado nas competnncias em informação e narratva, com as seguintes condições: disponível sob Licença Creatve Commons 3.0, que permite copiar, distribuir e transmitr o trabalho, desde que seja citado o autor e licenciante. Não permite o uso para fns comerciais nem a adaptação desta.
REFERÊNCIAGERLIN, Meri Nadia Marques; SIMEÃO, Elmira Luzia Melo Soares. Modelo de rede colaborativa baseado nas competências em informação e narrativa. Brasília: Faculdade de Ciência da Informação, Universidade de Brasília, 2018. 240 p. (Coleção No balanço das redes: tradição e tecnologia, v. 3). Disponível em: <htp:::repositorio.unb.br:handle:10482:33026>. Acesso em: 12 dez. 2018.
MODELO DE REDE COLABORATIVA
BASEADO NAS COMPETÊNCIAS EM
INFORMAÇÃO E NARRATIVA
MERI NADIA MARQUES GERLIN
ELMIRA SIMEÃO
MODELO DE REDE COLABORATIVA
BASEADO NAS COMPETÊNCIAS EM
INFORMAÇÃO E NARRATIVA
Editora
FCI/UnB 2018
Reitora
Márcia Abrahão Moura
Vice-reitor
Enrique Huelva Unternbäumen
Decanato de Administração (DAF)
Decana: Maria Lucilia dos Santos
Decanato de Assuntos Comunitários (DAC)
Decano: André Luiz Teixeira Reis
Decanato de Ensino de Graduação (DEG)
Decano: Sérgio Antônio Andrade de Freitas
Decanato de Extensão (DEX)
Decano: Olgamir Amancia Ferreira
Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação (DPG)
Decana: Helena Eri Shimizu
Decanato de Pesquisa e Inovações (DPI)
Decana: Maria Emília Machado Telles Walter
Decanato de Gestão de Pessoas (DGP)
Decano: Carlos Vieira Mota
Decanato de Planejamento e Orçamento e Avaliação Institucional (DPO)
Decana: Denise Imbroisi
Faculdade de Ciência da Informação (FCI)
Diretora:
Elmira Luzia Melo Soares Simeão
Vice-diretora:
Fernanda de Souza Monteiro
Reitor
Reinaldo Centoducatte
Vice-reitora
Ethel Leonor Noia Maciel
Pró-Reitoria de Administração (Proad)
Pró-Reitora: Teresa Cristina Janes Carneiro
Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Cidadania (Proaeci)
Pró-Reitor: Gelson Silva Junquilho
Pró-Reitoria de Extenção (Proex)
Pró-Reitora: Angélica Espinosa Barbosa Miranda
Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep)
Pró-Reitor: Cleison Faé
Pró-Reitoria de Graduação (Prograd)
Pró-Reitora: Zenólia Christina Campos Figueiredo
Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PRPPG)
Pró-Reitor: Neyval Costa Reis Junior
Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento Institucional (Proplan)
Pró-Reitor: Anilton Salles Garcia
Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas
Diretor: Rogério Naques Faleiros
Departamento de Biblioteconomia
Chefia:
Jose Alimatéia de Aquino Ramos
Vice-chefia:
Gleice Pereira
© Meri Nadia Marques Gerlin (2018)
Todos os direitos em língua portuguesa, no Brasil, reservados de acordo com a lei. Nenhuma parte
deste livro pode ser reproduzida ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, incluindo
fotocópia, gravação ou informação computadorizada, sem permissão por escrito da autora. Esta é uma
publicação da Faculdade de Ciência da Informação da Universidade de Brasília e do Departamento de
Biblioteconomia da UFES, Brasil.
Revisão
Laboratório de Editoração e Normalização
(UFES)
Normalização e Projeto Gráfico
Denise Bacellar Nunes (UnB)
Capa e Diagramação
Meri Nadia Marques Gerlin (UFES)
Conselho Editorial
Denise Bacellar Nunes (UnB)
Marta Leandro da Matta (UFES)
Comitê Científico Antônio Miranda (UnB)
Eliana Zandonade (UFES)
Marta Leandro da Matta (UFES)
Martha Suzana Cabral Nunes (UFS) Renato Rocha Souza (FGV)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha elaborada pela bibliotecária Denise Bacellar Nunes CRB 1 - nº1957
Gerlin, Meri Nadia Marques; Simeão, Elmira Luzia Melo Soares.
Modelo de rede colaborativa baseado nas competências em informação e
narrativa / Meri Nadia Marques Gerlin, Simeão, Elmira Luzia Melo Soares. – Brasília: Faculdade de Ciência da Informação / Universidade de Brasília, 2018.
240 p.; Color. Coleção No balanço das redes: tradição e tecnologia
(Vol. 3)
ISBN 978-85-88130-50-0
1. Narrativa oral. 2. Contador de histórias. 3. Competência narrativa. 4. Competência em informação. 5. Rede Colaborativa. I. Título.
CDU 02:37
G371t
DEDICATÓRIA
Dedicamos e agradecemos, primeiramente, à Deus por esta
publicação que finaliza a coleção No balanço das redes: tradição e
tecnologia, compondo o terceiro volume e, desse modo,
representando o registro de uma determinada forma de (re)produzir
pesquisa e extensão universitária.
Aos membros da banca de defesa da tese de doutorado “No balanço
das redes dos contadores de histórias: competência narrativa e
competência em informação do sujeito narrador no século XXI” e
do comitê científico pelas valiosas críticas e sugestões que
transbordaram, contribuindo, desse modo, para o aperfeiçoamento
da publicação da pesquisa em livro.
Aos docentes, gestores e demais servidores da Faculdade de Ciência
da Informação da Universidade de Brasília (UnB) e do Centro de
Ciências Jurídicas e Econômica da Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES). À CAPES pelo incentivo à pesquisa concedido ao
Doutorado Interinstitucional, no âmbito Programa de Pós-
Graduação em Ciência da Informação, firmado entre a UnB e a UFES.
Aos sujeitos que contribuíram com o processo de investigação e
efetivação desta publicação, metamorfoseando-se em diversos
espaços tempos de informação, educação e cultura e, especialmente,
aos contadores de histórias espírito-santenses pelo encantamento de
suas palavras que no decorrer da obra ganharam visibilidade por
meio de um diálogo destacado de uma forma diferenciada e em um
formato especial.
Aos demais narradores, pesquisadores e colaboradores que
participaram dos Seminários No balanço das redes dos contadores de
histórias realizados ao longo de cinco anos de pesquisa e atividades
extensionistas, primeiro na Biblioteca Demonstrativa de Brasília e,
em seguida, no contexto do Centro de Ciências Jurídicas e
Econômicas e Centro de Educação da UFES.
A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que
recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas
escritas, as melhores são as que menos se distinguem das
histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos.
Entre estes, existem dois grupos, que se interpenetram de
múltiplas maneiras. A figura do narrador só se torna
plenamente tangível se temos presentes esses dois grupos.
“Quem viaja tem muito que contar”, diz o povo, e com isso
imagina o narrador como alguém que vem de longe. Mas
também escutamos com prazer o homem que ganhou
honestamente sua vida sem sair do seu país e que conhece suas
histórias e tradições (BENJAMIN, Walter. O narrador. In:
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política:
ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo:
Brasiliense, 1994. p. 197).
SUMÁRIO
PREFÁCIO ........................................................................................... 10
APRESENTAÇÃO ............................................................................... 13
CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO: TEXTOS E CONTEXTOS DAS
COMPETÊNCIAS EM INFORMAÇÃO E NARRATIVA ............................. 30
O ERA UMA VEZ NA ABORDAGEM DA PESQUISA E AS TRANSGRESSÕES
METODOLÓGICAS ...................................................................................................... 31
COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO, NARRATIVA E CONEXÕES EM TERRITÓRIOS DE EDUCAÇÃO E CULTURA .................................................... 37
CAPÍTULO 2 – UMA ARTE MILENAR ABORDADA NO CAMPO
DA ORALIDADE: PERFIL E FORMAÇÃO PROFISSIONAL .......... 47
INDICADORES DO PERFIL PROFISSIONAL: CATEGORIA DADOS PESSOAIS E
PROFISSIONAIS .......................................................................................................... 48
INDICADORES DO PERFIL PROFISSIONAL: CATEGORIA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL ........................................................................................................... 68
CAPÍTULO 3 – CONTEXTO DA ATUAÇÃO CULTURAL E
DELINEAMENTO DA COMPETÊNCIA NARRATIVA ................... 93
INDICADORES DO CONTEXTO DE ATUAÇÃO E DA COMPETÊNCIA
NARRATIVA: CATEGORIA DA ATUAÇÃO CULTURAL ................................. 94
INDICADORES DO CONTEXTO DE ATUAÇÃO E DA COMPETÊNCIA NARRATIVA: CATEGORIA DA COMPETÊNCIA NARRATIVA .................... 114
CAPÍTULO 4 - A VISTA DE UM PONTO SOBRE A
COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO E AS CONEXÕES EM
REDES ............................................................................................ 146
INDICADORES DAS CONEXÕES E DA COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO:
CATEGORIA DA COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO ..................................... 147
INDICADORES DAS CONEXÕES E DA COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO:
CATEGORIA DA CONEXÃO EM REDES ....................................................................... 163
CAPÍTULO 5 – PROPOSIÇÃO DE UM MODELO DE REDE
COLABORATIVA VOLTADO PARA A PRÁTICA DOS
CONTADORES DE HISTÓRIAS ................................................ 177
O CONTEXTO DAS REDES DE COLABORAÇÃO DOS CONTADORES DE HISTÓRIAS............................................................................................................................. ... 178
PLANEJAMENTO E PROPOSIÇÃO DE UM MODELO IDEAL DE REDE NA ERA DA
INFORMAÇÃO ............................................................................................................ 191
ALGUNS POSSÍVEIS EM TORNO DE UMA REDE COLABORATIVA REAL .......... 199
ESTRUTURA DE COLABORAÇÃO NECESSÁRIA AO MODELO DE UMA REDE
DISTRIBUÍDA ............................................................................................................... 204
À GUISA DE CONCLUSÕES ...................................................... 219
ERA UMA VEZ ......................................................................................... 220
ERA UMA VEZ... A PROPOSIÇÃO DE TRABALHOS QUE SE INICIARAM COM
O DIÁLOGO ..................................................................................................................... 221
DEPOIS DO “ERA UMA VEZ”... NÃO É O FIM! ....................................................... 225
REFERÊNCIAS ................................................................................... 230
SOBRE AS AUTORAS .................................................................. 240
10
PREFÁCIO
O contexto desta obra consolida-se perante a capacidade de o narrador
de histórias de Benjamin (1994) estabelecer relações na
contemporaneidade com pares, apoiadores e público em contextos
presenciais e virtuais. No processo de comunicação que comumente
estabelecem reinventaram-se em um espaço híbrido que “Desenha e
redesenha várias vezes a figura de um labirinto móvel, em expansão, sem
plano possível, universal [...] desprovida de significado central, esse
sistema de desordem, essa transparência labiríntica [...]" (LÉVY, 2010, p.
113).
O exposto fornece elementos a apresentação de um objetivo
alimentado perante a identificação das competências narrativas e em
informação que os narradores contemporâneos possuem e necessitam
adquirir para uma conexão colaborativa, com a finalidade de propor um
modelo de rede potencializado ou não pelas tecnologias de informação
e comunicação. Em determinado momento, deixou-se claro a crença de
que o domínio das redes digitais se apresenta como um desafio para os
atores culturais do universo da pesquisa que durante décadas
dominaram mecanismos da comunicação interpessoal.
Este volume encerra o ciclo de organização da Coleção “No balanço das
redes: tradição e tecnologia”, desenvolvida no âmbito do Grupo de
pesquisa Competência em Informação ligado ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade de Brasília (UnB)
e, posteriormente, atualizada em um contexto de produções do Grupo
de Pesquisa Competência em Informação e Processos Inter-
Relacionados do Departamento de Biblioteconomia da Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES), ambos certificados pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os
capítulos nele organizados constituem uma adaptação da pesquisa de
campo publicada na tese “No balanço das redes dos contadores de
histórias: competência narrativa e competência em informação do
sujeito narrador no século XXI”. O conteúdo desse trabalho de
doutoramento também deu origem a uma variedade de publicações em
revistas científicas e eventos acadêmicos pertencentes à área da Ciência
da Informação.
11
Ao apresentar resultados de uma pesquisa que se classificou como uma
combinação de estudos exploratórios e descritivos, caracterizou-se
como um estudo de campo qualitativo em alguns momentos e, em
outros, assumindo contornos quantitativos como será percebido.
Quanto aos procedimentos assumiu características de uma pesquisa
participativa, possibilitando perceber a importância da interação por
meio dos diálogos entre pesquisadores e sujeitos que dela participaram.
Diante do exposto, no primeiro momento procedeu-se a uma pesquisa
bibliográfica sobre os temas de interesse publicados pela Ciência da
Informação e áreas afins. A abordagem dos principais assuntos de
interesse encontram-se diluídos ao longo dos capítulos que colocam em
análise as competências de um narrador conectado em redes na
contemporaneidade.
No decorrer do segundo e terceiro momentos mapearam-se desenhos
possíveis das redes dos contadores de histórias com a finalidade de
fundamentar a análise dos dados coletados no campo da pesquisa e, desse modo, diagnosticar de maneira mais precisa as competências do
contador de histórias. Para isso, trabalhou-se com um questionário
contendo questões relacionadas com os indicadores de perfil e contexto
das habilidades, técnicas e atitudes direcionadas ao desenvolvimento das
competências em informação e narrativa, produção de conhecimentos e
compartilhamento de informações em redes de colaboração. Esse
processo requereu a integração de outras estratégias, como entrevistas
que tiveram como meta dialogar com os sujeitos por meio de perguntas
semiestruturadas que, de maneira flexível, conduziram a uma observação
mais direta da competência narrativa no campo de atuação dos
narradores de histórias.
A descrição dos diálogos receberam um destaque especial, constituindo-
se como referencial de análise tão importante quanto a base teórica.
Trata-se, portanto, de uma obra que também teve como meta dar voz
aos sujeitos narradores competentes e conectados em redes de
colaboração. As competências identificadas por meio de indicadores de
perfil e contexto, bem como a observação direta em territórios de
atuação conduziram ao quarto momento da pesquisa: a proposição de
uma rede voltada para a realidade de trabalho dos contadores de
histórias. Com o planejamento de um modelo de rede colaborativa que
12
girasse em torno da prática narrativa no Estado do ES, levou-se em
consideração o fato de que as tecnologias inovadoras tendem a ampliar
a conexão do narrador, colaboradores e público em redes, sejam elas
presenciais, virtuais ou híbridas, assumindo uma estrutura centralizada,
descentralizada ou distribuída.
O modelo apresentado caracterizou-se como uma tentativa de idealizar
a organização dos vários grupos de contadores de histórias (profissional,
voluntário e outros) em redes que se mostrassem mais distribuídas (um
ideal na era da informação), o que não eliminaria a centralidade na
estrutura de comunicação. Envolveu as relações dos atores sociais que
atuam em diversos territórios de informação, educação e cultura,
caracterizando-a como uma rede de comunicação híbrida real. Tendo
em vista que a maior parte não demonstrou ter uma participação efetiva
em redes voltadas para a área de atuação, observou-se a necessidade de
fomentar contextos de acesso e compartilhamento de informações que
possam fortalecer a competência narrativa em contextos híbridos de comunicação.
Nada obstante, questionou-se como a proposição de uma rede
colaborativa poderá estimular a participação do sujeito narrador do
Estado do ES e de outras regiões em contextos efetivos de busca,
avaliação e uso da informação narrativa que a contemporaneidade
requer, ao mesmo tempo em que a aquisição das competências em
informação e narrativa engendram o compartilhamento de informações
e a produção de conhecimentos acerca da prática profissional.
Depreende-se que a estrutura de colaboração proposta deverá
incluir grupos de narradores que estejam inseridos na sociedade da
informação e, principalmente, aqueles que ainda não foram privilegiados
com os benefícios das tecnologias de escrita, informação e comunicação
que fortalecem processos de uso da informação e produção de
conhecimento.
13
APRESENTAÇÃO
O narrador contemporâneo tem diante de si inúmeras oportunidades
em termos de conexões em redes cada vez mais distribuídas e, por conta
do acesso às tecnologias de escrita, informação e comunicação, contam
com ferramentas que viabilizam processos de busca e recuperação de
informações principalmente no ambiente digital. Então, por que mesmo
assim constantemente se deparam com inúmeras barreiras? Quando se
trata do acesso à informação disponível e necessária à formação e
consecução da sua prática, as dificuldades podem ser ocasionadas pelo
desconhecimento dos mecanismos de seleção e avaliação que
antecedem as etapas de uso de informação e produção de
conhecimento.
Trabalhar com a manutenção de processos de conexões e
compartilhamento de produtos no campo da narrativa oral, requer o
fortalecimento dos laços de comunicação das estruturas tradicionais de
colaboração que interligam público e pares. Estar conectado em rede
possibilita a revitalização das estruturas de relacionamentos sociais,
profissionais, de trabalho, técnico-científicas, culturais, artísticas ou de outra
natureza (VALENTIM, 2013). Diante do fato de que o contador de
histórias precisa aperfeiçoar o aprendizado de como produzir e
comunicar informações específicas de sua área de atuação, considera-se
a necessidade de aquisição de competências para se manterem conectados e aprendendo sempre na sociedade da informação.
Comumente reflete-se que “A expressão ‘sociedade da informação’
deve ser entendida como abreviação (discutível!) de um aspecto da
sociedade: o da presença cada vez mais acentuada das novas tecnologias
da informação e da comunicação” (ASSMANN, 2000, p. 8). Cabe, então,
considerar nessa sociedade aspectos pouco pontuados sobre habilidades
tecnológicas que sejam importantes para a prática do contador de
histórias. Nesse momento, competências em informação e narrativa desse
profissional ganham destaque e, ao mesmo tempo, geram uma certa
inquietação que se baseia na necessidade de realizar um estudo sobre
habilidades e técnicas (competências) necessárias para a transferência de
conhecimentos direcionados à informação narrativa. Os espaços de
troca desse tipo de informação acontecem por meio da interação entre
14
os contadores de histórias e outros sujeitos, se caracterizando, muitas
vezes, de maneira centralizada. Essa realidade requerer a proposição de
ações colaborativas e interativas em redes de comunicação mais
distribuídas, sem desconsiderar os diversos espaços, eventos e situações
em que elas se efetivam.
O conhecimento prévio necessário à organização desta obra alimentou-
se dos resultados de um estudo exploratório que requereu uma
investigação acerca das competências do narrador contemporâneo,
expondo, com isso, os contornos de um levantamento teórico
articulado com os procedimentos de um trabalho de campo inicialmente
publicado na tese “No balanço das redes dos contadores de histórias:
competência narrativa e competência em informação do sujeito
narrador no século XXI”. Nessa direção, apresentam-se pressupostos
responsáveis pela estruturação dos conteúdos devidamente organizados
ao longo dos capítulos:
- Perante a existência de habilidades que compõem as competências narrativas e informacionais dos sujeitos narradores, acredita-se que
ainda seja necessário percorrer caminhos que os auxiliem a aprender
autonomamente, a legitimar a sua prática e a divulgar a sua arte em uma
era digital (era da informação) potencialmente conectada por redes
sociais;
- Em seguida se reconhece a capacidade de o narrador de histórias
estabelecer relações com outros sujeitos ao mesmo tempo em que
recupera e comunica informações em territórios híbridos (presenciais e
virtuais) de comunicação;
- Expressa-se a crença de que os contadores de histórias precisam
adquirir habilidades de como acessar, avaliar e usar informação específica
de sua área de atuação de modo a compartilhá-la em redes de
comunicação tendo, com isso, o auxílio das tecnologias disponibilizadas
pela sociedade da informação;
- O acesso às redes distribuídas torna possível ao narrador estabelecer
relações com seus pares (companheiros de atividade), apoiadores,
público e outros sujeitos interessados em acessar, produzir e
compartilhar informações que giram em torno da sua prática. Desse
modo, as redes sociais com essas características podem ser
15
potencializadas pelo domínio das Tecnologias de Informação e
Comunicação (TIC) que se apresentam como um desafio
contemporâneo, assim como, por meio de outras formas de tecnologias
que com elas coexistem como, por exemplo, a escrita.
Essas pressuposições acabaram requerendo uma estratégia capaz de
expressar uma certa capacidade de o narrador obter maior autonomia
na seleção e processamento das informações, possibilitando o contorno
de uma investigação com características transdisciplinares e
desencadeada por uma questão que se conformou: quais as competências
que os sujeitos narradores possuem e aquelas que lhes são necessárias para
o compartilhamento de informações específicas de sua área de atuação numa
sociedade essencialmente conectada por redes? O problema em questão
conduziu ao delineamento da hipótese de que os contadores de histórias
apresentam competências narrativas e em informação necessárias para
a sua inserção na sociedade da informação, podendo, porém, ampliar a
capacidade de estabelecer relações com pares ao mesmo tempo em que buscam, produzem e compartilham informação numa sociedade
conectada por redes de diversos formatos. O uso das tecnologias de
escrita, informação e comunicação que essa sociedade requer apresenta-
se como um desafio aos atores que durante décadas dominaram os
mecanismos da comunicação interpessoal.
Tendo em conta uma pesquisa que se consolidou perante a relevância
social de identificar as competências em informação e narrativa que os
contadores de histórias possuem e aquelas que ainda lhes são necessárias
para a proposição de um modelo de rede potencializado ou não pelas novas
tecnologias, tornou-se visível o delineamento de um objetivo que
forneceu elementos para uma pesquisa que não poderia caber apenas
em uma maneira de pensar o problema. Na direção do que foi exposto
e com a finalidade de alcançar o que está sendo proposto no contexto
desta obra, especificamente pretende-se:
- Contextualizar a importância da narrativa oral no espaço de atuação
do contador de histórias do Estado do ES, considerando o perfil de
comunicador como indispensável para a sua inserção na sociedade da
Informação;
- Apresentar territórios de atuação representados por bibliotecas,
16
livrarias, escolas, ciberespaço e outros espaços tempos1 de articulação
da prática narrativa desses sujeitos em redes que se (re) atualizam na
contemporaneidade;
- Identificar habilidades que os narradores de histórias possuem para o
desenvolvimento da competência narrativa e aquelas que constituem a
competência em informação necessária aos processos de busca,
recuperação e compartilhamento da informação;
- Averiguar habilidades necessárias ao compartilhamento de informações
e a consecução da produção de conhecimentos nas redes de
colaboração dos contadores de histórias, dentre elas constam as
habilidades de acessar, avaliar e usar informação específica de sua área
de atuação;
- Acompanhar nos territórios de atuação movimentos das conexões em
redes (centralizadas, descentralizadas e distribuídas) de produção de
conhecimento e compartilhamento da informação narrativa,
considerando possíveis contribuições em processos de aprendizagens;
- Propor um modelo de rede colaborativa em que o contador de
histórias possa comunicar-se livremente com seus pares (companheiros
de atividade), público, apoiadores e outros sujeitos interessados em
acessar, produzir e compartilhar informação que gira em torno da
competência narrativa.
Com base naquilo que foi exposto o processo de pesquisa classificou-se
como uma combinação de estudos exploratórios e descritivos (GIL, 2009).
Os dados coletados e analisados permitiram buscar uma descrição das
características do objeto estudado o que não apareceu como uma
certeza, mas sim como possibilidades de buscar entendê-lo, ao mesmo
tempo em que se procurou proporcionar maior contato com o
problema com vista a explicitá-lo juntamente com a hipótese, porém, de
maneira flexível. A investigação do tipo qualitativa em determinados
momentos assumiu contornos quantitativos. Em relação aos
1 Expressão que compreende estruturas profissionais, pessoais, comunitárias e outras
em espaços de informação, educação e cultura, ao considerar os territórios de atuação,
presenciais e virtuais, em que o receptor situa-se no mesmo espaço tempo em que o
emissor ao exercer uma função de coprodução no processo de interação (MORAES,
2012).
17
procedimentos assumiu características de uma pesquisa participativa,
devido tornar-se imperativo a interação entre os sujeitos que dela
participaram: pesquisador contador de histórias; contador de histórias
entrevistado; comunidade interna e externa à universidade envolvida em
projetos de pesquisas e extensão; dentre outros.
Haja vista que muitos caminhos no campo da metodologia permitem
mostrar como produzir uma pesquisa, selecionaram-se algumas
ferramentas e estratégias que ampliaram o campo de visão dos
pesquisadores. A técnica de observação direta e extensiva se deu por meio
da aplicação de um questionário contendo indicadores de perfil e
contexto, com a finalidade de diagnosticar e identificar as competências
dos narradores de histórias. Em uma ação complementar adotaram-se
critérios para proceder a uma observação direta e intensiva por meio das
entrevistas tendo, para isso, como base um roteiro com questões
semiestruturadas para acrescentar elementos sobre as competências e
diagnosticar a dinâmica das conexões em redes. Em outros momentos acompanharam-se mais de perto os movimentos do grupo de
contadores de histórias, permitindo a exploração da prática narrativa
em territórios como livraria, escola, museu e ciberespaço. Esse tipo de
observação foi guiada por uma avaliação diagnóstica obtida após a
aplicação do questionário contendo indicadores de perfil e contexto
organizado junto com o roteiro de entrevistas (instrumentalização da
pesquisa) (GIL, 2009).
As atividades pensadas em torno da identificação das competências e
proposição da rede de colaboração foram organizadas em quatro
momentos e, como resultado, encontram-se diluídas e apresentadas ao
longo dos capítulos 1, 2, 3, 4 e 5 desta obra. No primeiro momento
procedeu-se a um levantamento teórico por meio de uma leitura
flutuante daquilo que fora publicado sobre o tema pela Ciência da
Informação e áreas afins. Bardin (2011, p. 126, grifo nosso) expõe que
esse tipo de leitura é a primeira atividade de uma pesquisa, consistindo
em um contato com as informações necessárias à análise em processos
de investigações e, com isso, culminando no “[...] ato de conhecer
textos e contextos deixando-se invadir por impressões e
orientações”.
Como consequência, entre os anos de 2012 a 2013 fundamentou-se uma
18
base teórica que permitiu, inicialmente, o levantamento e
exclarecimento acerca de temas relacionados com a área da narrativa
oral (memória, competência narrativa e conexão em redes) e,
posteriormente, com a competência em informação (redes
colaborativas, alfabetização em informação e digital). Foram
selecionados autores conceituados, pesquisadores, docentes e
contadores de histórias que direcionam suas publicações para diferentes
territórios de informação, educação e cultura. No primeiro volume da
coleção “No balanço das redes: tradição e tecnologia” fora publicada a
versão completa do levantamento teórico respondendo pelo título
“Tecendo redes e contando histórias: competências em informação e
narrativa na contemporaneidade”.
Tendo a base teórica estruturada mapeou-se a rede procedendo-se à
identificação das competências e análise do material coletado entre os
anos de 2014 e 2015. Conforme poderá ser verificado na sequência,
esses momentos foram antecedidos por ações de planejamento e estratégias de investigações, permitindo, em seguida, a efetivação dos
momentos de diálogos individuais e coletivos entre os contadores de
histórias.
O mapeamento da rede dos contadores de histórias constituiu o
segundo momento tendo, para isso, que recorrer à utilização de
técnicas de amostragem não probabilística intencional (GIL, 2009)
popularmente conhecida como amostragem bola de neve. Na medida em
que se estabeleceu um contato mais direto com os narradores por meio
das ações de eventos, tornou-se possível que outros membros desse
universo fizessem parte da pesquisa ao serem citados. Com esse
propósito, um contador de histórias indicava outro narrador e assim
sucessivamente.
Fora principalmente durante os processos de diálogos que os
narradores indicavam outros sujeitos para a composição da rede da
pesquisa. Não foram selecionados aqueles que não se enquadraram no
perfil de narrador de histórias profissional e que não forneceram
corretamente os seus contatos. A fase inicial do mapeamento foi
marcada pelo envio de 66 convites que ocasionaram em 36 respostas
positivas, sendo que incialmente foram enviados 22 e, posteriormente,
esse número dobrou para 44 (Quadro 1). As respostas resultantes dessa
19
fase de mapeamento ocasionaram na indicação de outros sujeitos para a
rede e, posteriormente, esses sujeitos continuaram sendo convidados
para eventos estruturados em torno da pesquisa e extensão
universitária.
Quadro 1 – Início do mapeamento da rede dos contadores de histórias da
pesquisa
MAPEAMENTO 1ª FASE 2ª FASE TOTAL
CONVITES ENVIADOS 22 participantes dos
eventos
44 narradores
indicados2
66
RESPOSTAS POSITIVAS 11 participantes dos
eventos 3
25 narradores
indicados
36
RESPOSTAS
NEGATIVAS
02 02 narradores
indicados
04
AUSÊNCIA DE
RESPOSTA
09 participantes dos
eventos
17 narradores
indicados
26
Fonte: Produzida durante a realização da pesquisa.
Várias atividades foram organizadas ao longo do processo, sendo algumas delas solicitadas pelos membros da comunidade externa à
Universidade. Por meio de diálogos, estabelecidos em palestras, oficinas
e outras ações, estabeleceu-se contato com narradores e demais
interessados pelos temas competência e conexão em redes, bem como
procedeu-se à continuação do processo de mapeamento e proposição
de uma estrutura de colaboração especificamente voltada à prática dos
contadores de histórias.
Tanto o estabelecimento de contato em eventos quanto o processo de
indicação tiveram continuidade por meio do correio eletrônico, redes
sociais e telefonemas. Durante o decorrer dos anos de 2016 e 2017 o
mapeamento da rede teve continuidade em ações de pesquisas e
realização de outras atividades acadêmicas, todavia, não se obteve de
2 Na segunda fase do mapeamento receberam-se 18 nomes de contadores de histórias
sem que os contatos telefônicos, de correio eletrônico e outros fossem devidamente
informados, o que contribuiu para que os convites não fossem devidamente enviados. 3 Destes 3 participantes não possuíam o perfil de contador de histórias, então, apenas
indicaram outros sujeitos para participar da segunda fase do mapeamento da pesquisa.
20
forma alguma um resultado aproximado ao que pode ser visualizado
nesta obra.
Da construção dos instrumentos até o tratamento do material coletado
destaca-se a contribuição recebida da análise de conteúdo, resultando na
interpretação dos dados coletados por meio de procedimentos
sistemáticos para abstrair a inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção de categorias e indicadores (BARDIN, 2011).
Essa técnica auxiliou na identificação dos temas que se fizeram relevantes
no processo de categorização dos assuntos trabalhados nos capítulos 2,
3 e 4, resultando na análise detalhada do material coletado. Para isso,
elaborou-se um escopo comparativo das informações relevantes no
processo de categorização, o que tornou possível proceder a uma
análise comparativa dos dados tabulados a partir da aplicação do
questionário e da transcrição das entrevistas que se constituíram como
momentos de diálogos entre narradores e pesquisadores.
Estruturada a estratégia do mapeamento procedeu-se a coleta dos dados, tendo, inicialmente, como meta diagnosticar as competências do
contador de histórias por meio da aplicação de questionários e
realização de entrevistas no terceiro momento. Mediante a aplicação
de um questionário contendo indicadores de perfil e contexto, primeiro
procurou-se identificar as habilidades direcionadas ao desenvolvimento
da prática narrativa, produção de conhecimentos e compartilhamento
de informações em redes de colaboração.
Na primeira versão do questionário os indicadores de perfil e contexto
tiveram como base três categorias: memória social, competência em
informação e competência narrativa. Nele continham categorias que
consubstanciaram a coleta e análise dos resultados inicialmente testados
durante o I Seminário No balanço das redes dos contadores de histórias.
No indicador do perfil do contador de histórias reuniram-se informações
sobre sexo, idade, formação, espaços de atuação, dentre outras. O
indicador do contexto da competência em informação permitiu a
identificação de aspectos relacionados com a inclusão digital e
informacional desse narrador. O terceiro indicador fora criado
especificamente para dar conta do contexto da narrativa oral ao receber
a seguinte denominação: indicador da competência narrativa (GERLIN;
SIMEÃO, 2015).
21
Essa primeira versão do questionário, utilizado em um teste inicial em
Brasília (DF)4, culminou em uma análise prévia durante discussões
realizadas principalmente entre pesquisadores do “Grupo de Pesquisa
em Ciência da Informação” da Universidade de Brasília (UnB). Para a sua
constituição, inicialmente, utilizou-se como parâmetro o Modelo de
indicadores de inclusão digital e informacional direcionado para o
desenvolvimento de competências (IDEAS) (CERVERÓ et al; 2011).
Posteriormente as categorias de análise foram aperfeiçoadas, resultando
na segunda versão do questionário que fora aplicada no Estado do ES
(universo da pesquisa).
Ao longo da coleta de dados muitas questões foram surgindo à luz das
discussões teóricas, contribuindo para a constituição de outras duas
versões dos indicadores de perfil e contexto, tendo como meta
identificar as competências e as conexões em redes dos contadores de
histórias. Desse modo, as categorias trabalhadas ao longo desta obra
(capítulos 2, 3 e 4) são divididas em três indicadores5, tornando viável o processo de investigação de competências específicas (ser, fazer e
conhecer) do contador de histórias na sociedade em rede: indicadores do
perfil profissional (categoria dados pessoais e categoria formação
profissional); indicadores do contexto de atuação e competência narrativa
(categoria atuação cultural e categoria competência narrativa) e
indicadores das conexões e competência em informação (categoria
competência em informação e categoria conexão em redes).
No termo de consentimento e esclarecimento que acompanhou o
questionário, constou o compromisso de não identificar o nome do
contador de história se assim fosse desejado. Mesmo podendo publicar
a identidade dos sujeitos entrevistados por permitirem a divulgação de
seus nomes e instituições em que atuam ou atuaram, optou-se pela não
utilização do nome completo do narrador neste volume. Em relação às
4 Realizado com contadores de histórias de Brasília contribuiu para a inclusão de tópicos
que consubstanciaram as questões norteadoras. A primeira amostra da pesquisa (pré-
teste) foi composta pelos sujeitos que participaram dos eventos promovidos pelos
Grupos de Pesquisas da UnB. 5 Na versão da tese de doutoramento “No balanço das redes dos contadores de histórias:
competência narrativa e competência em informação do sujeito narrador no século
XXI”, apresentam-se dois indicadores: indicadores do contexto de atuação e indicadores
do contexto de atuação.
22
instituições não serão divulgados os nomes das escolas de ensino
fundamental e infantil que pertencem a rede de ensino privada, já que
não foram verbalizadas no conteúdo das entrevistas ou na escrita das
questões abertas do questionário.
A participação dos sujeitos na fase final e o estado da arte em termos
de territórios de atuação dos sujeitos contadores de histórias puderam
ser representados nos diversos eventos e momentos de diálogos
individuais e coletivos até a finalização da coleta de dados. Desse modo,
ao longo de todo o processo foram distribuídos 138 questionários
apenas para os narradores que possuíram ou possuem algum tipo de
ligação com a contação de história. Dentre os 68 questionários (100%)
devidamente preenchidos e devolvidos, foram entrevistados 19
contadores de histórias durante a realização da pesquisa de campo
(27,9%) (Quadro 2).
Quadro 2 – Total de questionários enviados e preenchidos e devolvidos
TERRITÓRIOS DE
ATUAÇÃO
QUESTIONÁRIOS
ENVIADOS
QUESTIONÁRIOS
DEVOLVIDOS
PMC 35 33
PMV 03 03
PM Viana 01 01
PMJM 01 01
Rede de ensino privada 58 + 28 = 866 03 + 15 = 18
UFES 03 03
OSCIP Colorir 02 02
Autônomos 07 07
TOTAL: 138 68
Fonte: Produzida durante a realização da pesquisa.
Barreiras geográficas, de tempo e outras dificuldades do dia a dia
6 No primeiro contato estabelecido com essa unidade escolar foram distribuídos 58
questionários para professores da educação infantil que participaram do curso de
contadores de histórias e na segunda fase 28 questionários do ensino fundamental,
totalizando 86 questionários entregados.
23
impediram que a totalidade dos questionários fossem preenchidos e
entrevistas realizadas. Mesmo não conseguindo agendar os momentos
de diálogos com todos aqueles que aceitaram participar da pesquisa,
tornou-se possível identificar a relevância da atuação do narrador nos
territórios de informação, educação e cultura.
Estabeleceu-se contato com bibliotecários, professores, atores e
contadores de histórias autônomos que atuam ou atuaram em diversas
instituições do Estado do ES públicas, privadas e com outras
características: Empresa A Mala Produções; Grupo de Contadores de
Histórias Chão de Letras da Biblioteca Pública Municipal de Vitória
Adelpho Poli Monjardim (FAFI); Grupo Experimental de Contadores de
Histórias da UFES (GECHUFES) via Projeto de Extensão Informa-Ação
e Cultura e outras estruturas de ensino e pesquisa desta Universidade;
Grupo Filhos de Griô do Museu Capixaba do Negro (MUCANE);
Prefeitura Municipal de Cariacica (PMC); Prefeitura Municipal de
Jerônimo Monteiro (PMJM); Prefeitura Municipal de Viana (PM Viana); Prefeitura Municipal de Vila Velha (PMVV); Prefeitura Municipal de
Vitória (PMV); Projeto Colorir (Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público - OSCIP) e Rede de Ensino Privada de Vitória7.
Encontros coletivos em eventos e roda de conversas foram utilizados
para reunir um maior número de narradores principalmente na fase das
entrevistas, resultando no estabelecimento de diálogos com os sujeitos
narradores. As entrevistas foram realizadas com narradores de histórias
profissionais presencialmente, individualmente e em grupo. Com isso, os
contadores de histórias esclareceram aspectos relacionados com a sua
área de atuação, atividades desenvolvidas no campo da narrativa oral e
atividades paralelas (Quadro 3). Nessa fase a aplicação dos indicadores
de perfil e contexto teve continuidade, auxiliando na identificação de
pontos importantes no processo de diálogo, assim como também foram
realizados encontros coletivos para a aplicação dos questionários e
observação do campo.
7 Tendo em vista que foram entrevistados professores de duas instituições privadas,
pertencentes ao ensino fundamental que também oferecem educação infantil ao
município de Vitória, nesta obra optamos por essa denominação para identificá-las.
24
Quadro 3 – Identificação dos entrevistados, das atividades desenvolvidas no
campo da contação de histórias e atuação paralela8
ENTREVISTADO ATUAÇÃO
PARALELA
ATIVIDADES
DESENVOLVIDAS
Narradora
Biancardi
Professora - Ensino
Superior
Narradora profissional,
voluntária, formadora e
pesquisadora
Narradora Bossois Terapeuta Holística –
Autônoma
Narradora profissional e
voluntária
Narradora
Broseguini
Bibliotecária Escolar -
Ensino Fundamental
Narradora profissional,
voluntária e formadora
Narradora Célia
Oliveira
Bibliotecária Escolar -
Ensino Fundamental
Narradora profissional e
bibliotecária
Narrador
Fernandes
Psicopedagogo –
OSCIP
Narrador profissional e
formador
Narradora Helena
Silva
Bibliotecária Escolar -
Ensino Fundamental
Narradora profissional e
bibliotecária
Narradora Kruger Professora –
Autônoma
Narradora profissional,
formadora e empreendedora
cultural
Narradora
Magalhães
Advogada – Autônoma Narradora profissional,
voluntária e formadora
Narradora
Mendonça
Bibliotecária Escolar -
Ensino Fundamental
Narradora profissional e
formadora
Narrador Moraes Professor - Ensino
Superior
Narrador profissional,
formador, pesquisador e
escritor
Narradora Oliveira Professora –
Autônoma
Narradora profissional e
formadora
Narrador Pereira Professor – Autônomo Narrador profissional,
voluntário e formador
Narradora Pereira Bibliotecária Escolar -
Ensino Fundamental
Narradora profissional
bibliotecária
8 Foram selecionadas atividades e áreas de atuação mais citadas pelos contadores de
histórias no processo de entrevistas, assim como, todos foram considerados como
contadores de histórias profissionais com ou sem remuneração específica.
25
Narradora Samôr Escritora – Autônoma Narradora profissional,
voluntária e escritora
Narradora
Sampaio
Professora - Ensino
Fundamental
Narradora profissional,
formadora, pesquisadora e
escritora
Narradora Santos Pedagoga – Autônoma Narradora profissional e
formadora
Narradora Uliana Bibliotecária Escolar -
Ensino Fundamental
Narradora profissional
bibliotecária
Narrador
Valadares
Bibliotecário Escolar -
Ensino Fundamental
Narrador profissional e
formador
Narradora Varejão Pedagoga – Educação
Infantil
Narradora profissional,
formadora e pesquisadora
Fonte: Produzido durante a realização da pesquisa.
A coleta de uma amostra heterogênea dos dados fornecidos pelos
narradores capixabas9, fora feita à luz das categorias dos indicadores de
perfil e contexto, de forma que o diálogo necessário a uma abordagem
transdisciplinar ocorresse. Tendo em vista que o estabelecimento de
contato ocorreu em oficinas, cursos, seminários e outros tipos de
eventos, requereu um conhecimento da atuação desses atores sociais
em territórios de informação, educação e cultura.
A realização de eventos promovidos por projetos de extensão e
pesquisa foram essenciais em todas as etapas da pesquisa e,
principalmente, na fase de aplicação do questionários e realização das
entrevistas. Torna-se importante reafirmar que os questionários foram
preenchidos presencialmente e, em alguns momentos virtualmente,
devido dificuldades de tempo e geográfica por exemplo. Como forma de
garantir o estabelecimento de contato, foram utilizadas as
potencialidades das TIC, alcançando-se, assim, contadores de histórias
que mostraram dificuldade em participar de encontros presenciais que
comumente foram oferecidos.
9 Os termos capixaba ou espírito-santense são utilizados para indicar os sujeitos nascidos
no Espírito Santo, ao mesmo tempo que também designam monumentos, serviços e
produtos desse Estado.
26
Tendo em vista que do trabalho o campo culminou em trocas e
compartilhamento de ideias no formato de entrevistas10, o
desdobramento dos assuntos abordados nos processos de interação
tomaram rumos diferenciados devido a liberdade que um roteiro
semiestruturado ofereceu aos participantes. Na medida em que novas
questões surgiram foram imediatamente acrescentadas às categorias de
análise. Processos de observação mais efetivos no campo aconteceram
em uma escola da Rede de Ensino Particular (Vitória/ES), na biblioteca
escolar da EMEF Aristóbulo Barbosa Leão (PMV/ES), no Espaço infantil
de uma livraria em Vitória (ES) e no Museu Capixaba do Negro
(MUCANE) (Vitória/ES). Essa fase teve como meta identificar
competências necessárias às conexões centralizadas, descentralizadas e
distribuídas dos contadores de histórias.
No quarto momento procedeu-se a uma análise do material
observado no campo da pesquisa, culminando na apresentação de dados
percentuais que, em alguns momentos, são visualizados em gráficos, tabelas e imagens ao longo dos capítulos 2, 3, 4 e 5. Os dados obtidos à
luz da identificação das competências dos narradores de histórias foram
analisados com a contribuição dos diálogos estabelecidos com os
narradores entrevistados. Nessa fase também rascunhou-se um desenho
da rede dos contadores de histórias que participaram da pesquisa
possibilitada pelos indicadores de perfil e contexto. No que se refere ao
processo de representação gráfica dessa rede de colaboração, destaca-
se o auxílio do software UCINET11.
Após esse processo trabalhou-se com o planejamento de uma rede
colaborativa voltada para a realidade da atividade do contador de
10 As entrevistas foram gravadas com o consentimento dos participantes que permitiram
a divulgação dos dados e das imagens relacionadas ao seu trabalho no âmbito
profissional e humano. No processo de gravação, utilizamos técnicas da História Oral
para que o participante estivesse mais integrado com o processo e, em seguida, essas
técnicas contribuíram para a transcrição das gravações. Um processo de observação do
campo mais efetivo, apareceu como uma consequência dos diálogos. 11 A representação das redes teve a coordenação da professora doutora Daniela Lucas
lotada no Departamento de Biblioteconomia da UFES. Tendo, com isso, o auxílio do
software “UCINET 6.586” que instala automaticamente a ferramenta de desenho digital
livre “Net Draw 2.155”. Para isso, utilizou-se o manual na versão em Português
(ALEJANDRO; NORMAN, 2006).
27
história. Obviamente essa etapa teve como meta dialogar sobre a
proposta de um modelo ideal em que o narrador de histórias capixaba
e de outras regiões pudesse entender a dinâmica das suas conexões e
efetivar relações com seus pares (companheiros de atividade), público e
outros sujeitos interessados em acessar, produzir e compartilhar
informação que gira em torno da narrativa oral. A proposição da rede
aparece como um método de interlocução levando em consideração o
acesso, o uso e o compartilhamento de uma informação efetivamente
direcionada à prática do narrador de histórias, de modo que possa
atender às demandas profissionais impostas pela sociedade da
informação.
Por meio de um diálogo fluído entre pesquisadores e narradores tornou-
se mais fácil pensar em estratégias situadas no campo da Ciência da
Informação. Adotando, com isso, a abordagem transdisciplinar
observaram-se mudanças nas paisagens do trabalho do contador de
histórias e propuseram-se novas possibilidades de análises entre os anos de 2016 a 2017. Delimitaram-se importantes contornos acerca das
“competências narrativa e em informação” dos narradores de histórias,
bem como realizaram-se ações significativas no campo da pesquisa e
extensão universitária que coexistiram com o planejamento de um
modelo de rede de colaboração voltado para a prática do sujeito
narrador.
O modelo apresentado ao final da obra (capítulo 5) é proposto como
forma de representação e entendimento das paisagens das redes que se
constituem no campo de uma atividade baseada em um trabalho real que
passa por mudanças, se formando e conformando na era da informação.
Porém, chega-se a constatação de que a proposta da rede somente
poderá ser implantada com a aquiescência e gestão colaborativa dos
narradores de histórias, por hora conectados em redes sociais e eventos
que comumente são realizados pela academia, livrarias, escolas e outras
esferas de promoção cultural e de aprendizagens (formais e informais).
Ao finalizar esse momento de apresentação com o resumo de algumas
ações que contribuíram com processos de observações, análises e
diálogos compreendidos entre os anos de 2012 a 2017, visualiza-se um
exercício em termos reflexão acerca dos temas competência, narrativa
e conexão em redes no âmbito da pesquisa e extensão universitária.
28
Inicialmente as atividades que permitiram trabalhar com a proposição e
divulgação das ações de pesquisas, foram realizadas em parceria com os
projetos extensionistas “No balanço das redes dos contadores de
histórias (n. 52938 SIEX UnB)” e “Informa-Ação e Cultura (n. 401113
SIEX UFES)”.
Tendo iniciado o processo de constituição das bases teóricas da pesquisa
em 2012 e planejado as estratégias que consubstanciariam o processo
de investigação em 2013, realizou-se na Biblioteca Demonstrativa de
Brasília (BDB) o “I Seminário No balanço das redes dos contadores de
histórias”, registrado como atividade de extensão da Faculdade de
Ciência da Informação (FCI) da UnB. Esse evento teve uma continuidade
em 2014 com o “II Seminário No balanço das Redes” que aconteceu no
contexto do “II Seminário de Integração em Ciência da Informação (II
SEMINT)” no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE) da
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) sob a égide do
Doutorado Interinstitucional em Ciência da Informação firmado entre a UnB e UFES.
O “Fórum de discussão: Information Literacy, possíveis caminhos e
reflexões” realizado no ano de 2015, em pareceria com o Projeto de
Extensão “Informa-Ação e Cultura” e Conselho Regional de
Biblioteconomia da 6ª Região (CRB6), ao receber o apoio do projeto de
pesquisa “No balanço das redes dos contadores de histórias:
competências em informação do sujeito narrador no século XXI (n.
5601/2014 PRPPG UFES)” promoveu uma oficina sobre competência em
informação e outra sobre competência narrativa. Com essas atividades
complementou-se o trabalho de observação do campo e dialogou-se
com possíveis narradores indicados para o mapeamento da rede.
Enquanto que no ano de 2016 intensificou-se o trabalho de divulgação
dos resultados da pesquisa em apresentação de trabalhos, em cursos de
formação e palestras ministradas em parceria com os pesquisadores e
narradores, em 2017 fora realizado o “III Seminário No balanço das
redes dos contadores de histórias”, encerrando, com isso, as ações de
proposição da rede colaborativa. Nessa etapa de finalização a última
versão desse seminário esteve ligada ao “III Seminário de Contadores
de Histórias” alimentado por dois anos consecutivos, 2015 e 2016, pelo
desejo do Centro de Educação da UFES em compartilhar produções
29
científicas (teóricas e práticas) pertencentes à área da narração oral no
ES e em outros Estados brasileiros.
Essas e outras ações que nesse momento não foram citadas
compreenderam aspectos relacionados com a prática e a necessidade de
formação de narradores de histórias, professores, bibliotecários e
demais membros da comunidade interna e externa à Universidade
brasileira. Durante os diálogos que foram estabelecidos destacam-se
parcerias importantes entre os sujeitos do Grupo de Pesquisa
Competência em Informação da UnB, da Biblioteca Demonstrativa de
Brasília, da Biblioteca Central (BC) da UFES, do Grupo de Estudos de
Narrativas da Terra (GENTE), do Núcleo de Pesquisa e Extensão em
Currículos, Culturas e Cotidianos (Nupec), Grupo de Pesquisa
Competência em Informação e Processos Inter-relacionados, Projeto de
Pesquisa No balanço das redes dos contadores de histórias e
extensionista Informa-Ação e Cultura. As atividades que giraram em
torno da pesquisa e extensão universitária foram importantes para o processo de diálogo acerca das competências necessárias para a
conexão em redes do narrador contemporâneo.
Tendo em vista que a proposição de um modelo ideal de rede de
colaboração apresenta-se como possibilidades que não se esgotam com
os caminhos trilhados no campo da pesquisa e extensão representados
nesta obra, considera-se que seja ponto de partida para a implantação
de planejamentos de redes de colaboração no âmbito da contação de
histórias. Torna-se, então, necessário considerar as trocas que foram
estabelecidas nos processos de diálogos entre os sujeitos (emissor e
receptor; receptor e emissor), submersos em um processo extensivo
de comunicação e imbricados por uma memória que é social e ao
mesmo tempo coletiva, constituindo-se, pouco a pouco, nos territórios
de atuação de um sujeito narrador que tem como missão disseminar a
narrativa oral.
30
CAPÍTULO 1
TEXTOS E CONTEXTOS DAS
COMPETÊNCIAS EM INFORMAÇÃO E
NARRATIVA
Vistos de uma certa distância, os traços grandes e simples que
caracterizam o narrador se destacam nele. Ou melhor, esses
traços aparecem, como um rosto humano ou um corpo de
animal aparecem num rochedo, para um observador localizado
numa distância apropriada e num ângulo favorável. Uma
experiência quase cotidiana nos impõe a exigência dessa
distância e desse ângulo de observação (BENJAMIN, 1994. p.
197).
31
O ERA UMA VEZ NA ABORDAGEM DA PESQUISA E AS
TRANSGRESSÕES METODOLÓGICAS
A distância necessária para que em determinados momentos a arte do
narrador seja observada e destacada (BENJAMIN, 1994), de forma
alguma se aplica em processos investigativos direcionados ao
intercambiamento da competência em informação e narrativa oral. Ao
misturar ficção com realidade reflete-se sobre a importância de
processos de interação mais efetivos nas estratégias metodológicas no
campo da oralidade. Por esse ângulo, recorre-se a uma histórias que
expõe que a ausência de diálogos e o silêncio era algo que um certo rei
apreciava. Precisamente, no conto de Colasanti (1985) um jovem
monarca ordenou construir altíssimos muros ao redor do seu castelo,
determinando que por cima das torres, dos telhados e dos jardins
passasse uma imensa redoma de vidro para que nenhum som pudesse
entrar.
Nesse cenário fictício percebe-se o momento em que as palavras acumulavam-se pelos cantos, frases serpenteavam na superfície dos
móveis e interjeições salpicavam nas tapeçarias. Tudo teria continuado
da mesma forma caso um murmúrio e um rasgo de conversa não fosse
acolhida. A partir desse momento, a lembrança das palavras e da
oralidade perpassava
[...] por entre o estilhaçar, subindo, planando, pássaro-
grito que no azul se afasta, trazendo atrás de si em
revoada frases, cantigas, epístolas, ditados, sonetos,
epopeias, discursos e recados, e ao longe – maritacas
– um bando de risadas. Sons que no espaço se
espalham levando ao mundo a vida do castelo, e que,
aos poucos, em liberdade se vão (COLASANTI, 1985,
p. 92).
Da mesma maneira práticas da Ciência Moderna pautadas na
disciplinaridade costumam construir redomas em torno de estratégias
metodológicas, impedindo, muitas vezes, que um diálogo mais efetivo
seja fomentado entre as disciplinas e as diversas áreas do saber. O
pesquisador contemporâneo costuma reverter essa situação quando
utiliza métodos, ferramentas e estratégias que atendam às demandas
sociais. Os caminhos adotados para a realização de processos
32
investigativos, principalmente nas áreas humanas, precisam culminar em
diálogos e trocas de experiências, compreendendo, com isso, saberes e
fazeres dos atores na sociedade da informação.
A Ciência de um modo geral pode ser relegada a um isolamento
imposto pelo pensamento positivista que fortalece a
monodisciplinaridade (abordagem que permite integrar apenas uma
disciplina ou área do conhecimento) e o especialismo. Por outro lado,
a interdisciplinaridade presente em ambientes de produção científica,
aparece como uma solução para o início de uma integração dos
conhecimentos e, com isso, não se pode negar a relevância dessa
abordagem que acabou por constituir a Ciência da Informação em
processos ligados à pesquisa e técnicas investigativas.
Figura 1 – Interdisciplinaridade no contexto da Ciência da Informação.
Fonte: Gerlin e Simeão (2017).
Tendo em vista que com essa abordagem há uma abertura para a criação
33
de uma diversidade de estratégias metodológicas, constantemente é
adotada pela Ciência da Informação. Por ser capaz de transgredir o que
por muito tempo esteve posto pela disciplinaridade, acaba requerendo
que cada especialista transcenda a própria especialidade, para isso,
devendo ainda considerar os seus limites e apenas acolher as
contribuições das outras disciplinas (Figura 1). Com
a interdisciplinaridade não apenas as práticas dos especialistas passam a
ser consideradas como válidas mesmo que ainda esteja presa às
disciplinas. Existe uma consideração acerca dos saberes e fazeres dos
sujeitos que atuam em diversos campos do conhecimento. Tende a
possibilitar a ideia de incorporação dos resultados entre várias
disciplinas, “[...] tomando-lhes de empréstimo esquemas conceituais de
análise, a fim de fazê-los integrar depois de havê-los comparado e
julgado" (PINHEIRO; LOUREIRO, 1995, p. 14).
Essa abordagem propõe uma ruptura com a monodisciplinaridade,
porém, suas ações acabam requerendo uma integração mais efetiva entre as disciplinas, bem como a adoção de metodologias que proporcionem
processos de diálogos para além delas. O exposto poderá ser obtido
com a transdisciplinaridade que acrescenta um olhar diferenciado aos
processos de pesquisas que exigem um diálogo mais efetivo. Acredita-
se que a prática transdisciplinar seja uma solução para os problemas na
área da Ciência da Informação, fazendo-se necessário pensar
permanentemente na reforma do pensamento conforme pontua Morin
(2003).
No que se refere a uma pesquisa voltada para a identificação de
competências e conexões em redes dos narradores de histórias, esta
obra adota não apenas a abordagem interdisciplinar, mas também a
transdisciplinaridade. Com a finalidade de trabalhar com a identificação
das “competências em informação e narrativa” dos contadores de
histórias contemporâneos e, por conseguinte, na proposição de um
modelo de rede colaborativa, visualiza-se com a transdisciplinaridade
uma forma de promover a integração da prática do narrador
contemporâneo com outros fazeres, ultrapassando as barreiras
disciplinares ao possibilitar que outras áreas do conhecimento
permitam integração entre os saberes e livre trânsito de um campo do
saber para outro (BICALHO; OLIVEIRA, 2011).
34
Adotar uma perspectiva transdisciplinar no campo da Ciência da
Informação requer uma mudança epistemológica e não apenas
metodológica. Solicita assumir um nível de integração não apenas
disciplinar, tendo em vista que não pode haver nenhuma fronteira que
impossibilite a integração do saber popular ao qual recorrem os
narradores de histórias por exemplo. Dessa forma nenhum
conhecimento poderá ser considerado como mais importante do que o
outro, instaurando momentos de comunicação horizontais entre
narradores, pesquisadores, colaboradores e outros sujeitos (GERLIN;
SIMEÃO, 2017).
Figura 2 – Transdisciplinaridade no contexto da Ciência da Informação
Fonte: Gerlin e Simeão (2017).
Na tentativa de compreender o mundo atual com a intensificação do uso
das novas tecnologias, com a transdisciplinaridade pode-se dialogar não
necessariamente apenas no contexto de uma disciplina (PINTO, 2007).
35
Com essa abordagem os conhecimentos, as habilidades técnicas e as
atitudes no campo da narrativa oral podem ser consideradas como uma
práxis inovadora (teoria e prática transformadora) no campo da
informação. O diálogo estabelecido entre pesquisadores e narradores
pode constituir-se como uma possibilidade de ampliar a aquisição de
informação e produção de conhecimento, assim como a interação
efetiva com diversas áreas de informação (Arquivologia,
Biblioteconomia, Documentação e outras) e com outras disciplinas
(como a Administração, Ciência da Computação, Economia e outras)
que passaram a constituir a Ciência da Informação (Figura 2).
A ausência de diálogo entre as disciplinas pode culminar na dificuldade
de estabelecimento de contato dos pesquisadores com a sociedade,
desse modo, as abordagens inter e transdisciplinares aparecem como
uma postura da Ciência Contemporânea, em contraposição ao
especialismo imposto pela Ciência Moderna (GERLIN; SIMEÃO, 2017).
Com a adoção principalmente da abordagem transdisciplinar, há uma ação desenvolvida numa perspectiva
[...] que envolve aquilo que está ao mesmo tempo
entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e
além de toda e qualquer disciplina. Sua finalidade é a
compreensão do mundo atual, na qual um dos
imperativos é a unidade de conhecimento (PINTO,
2007, p. 111).
A adoção dessas abordagens torna possível entender como se deu as
transgressões disciplinares refletidas nos territórios de Educação,
Informação, Cultura e outros. A transgressão metodológica aparece
como uma essência do trabalho transdisciplinar proposto e
comprometido com o estabelecimento de contatos mais efetivos que
possam transcender práticas comumente impostas (ESPÍRITO SANTO,
1996; GERLIN; SIMEÃO, 2017). O rompimento com os modelos
tradicionais ainda existentes, apresenta-se como uma exigência
imposta pela contemporaneidade e como “[...] uma possibilidade de
articulação entre a teoria e a ação direcionada para constituição de
uma práxis [outrora] fundamentada no campo da disciplinaridade”
(PINHEIRO, 2007).
Tanto a abordagem inter quanto transdisciplinar permitem pensar em
36
trabalhos que rompam com a disciplinaridade, ao visualizar processos
de conhecimento gerados de modo diferente da Ciência tradicional
(monodisciplinar e envolta por especialidades). Assim sendo, o
planejamento de uma rede distribuída no campo da narrativa oral acaba
requerendo trabalhos que sejam atravessados pelo diálogo que essas
duas abordagens possibilitam. Diante da efetivação de uma pesquisa que
deu origem a esta obra, contextualizou-se a necessidade de pensar e
colocar em prática estratégias que conseguissem propor soluções para
um problema de pesquisa social complexo e inserido no campo da
Ciência da Informação.
Tomanik (2004, p. 169) dá visibilidade aos processos de pesquisas sociais
nos quais o cientista participa do cotidiano das populações pesquisadas,
apresentando esse tipo de atividade como sendo “[...] realizada dentro
de um contexto social, influenciada, ou mesmo determinada por este
contexto”. Numa experiência como essa, o cientista social sofre
influências, tendo em vista suas próprias convicções e os interesses do grupo com o qual mantém contato, estabelecendo assim uma relação
que não é baseada na neutralidade. Muitas vezes esse sujeito faz parte
do próprio grupo com o qual está pesquisando e junto a ele acaba
propondo novos contornos para as questões que lhes são apresentadas.
O exposto por Tomanik (2004) remete a abertura dos diálogos
estabelecidos com os sujeitos narradores tendo em vista a opção por
um trabalho mais voltado para a transdisciplinaridade sem, com isso,
deixar de receber a contribuição da interdisciplinaridade, o que permitiu
que também fosse estabelecido um contato mais direto entre os saberes
e fazeres dos acadêmicos e atores narradores da pesquisa. Na mesma
direção, o conto de Marina Colasanti (1985, p. 88) novamente auxilia ao
processo de contextualização da necessidade de uma aproximação mais
direta entre os pesquisadores e sujeitos da pesquisa, que entre
processos de comunicação constituíram a sua profissão e, que ao atuar,
em espaços tempos de informação, educação e cultura, permitiram a
conformação de estruturas de conexões efetivas e cada vez mais
descentralizadas.
37
COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO, NARRATIVA E CONEXÕES EM
TERRITÓRIOS DE EDUCAÇÃO E CULTURA
O contador de histórias pode ser descrito como um mediador que se
apropria de técnicas de origem da cultura oral, ao mesmo tempo em
que utiliza recursos que as tecnologias de escrita, informação e
comunicação oferecem. Esse sujeito narrador costuma atuar em
territórios de informação, educação e cultura, a saber: bibliotecas,
residências, escolas, web/internet12 e outros espaços de mediação da
informação narrativa. Ao adquirir técnicas e conhecimentos
diferenciados para o exercício de sua profissão em centros urbanos e
interioranos, acaba desenvolvendo uma ação que fortalece a cultura
regional. A atividade do contador de histórias penetra os centros
urbanos, o interior e as comunidades mais tradicionais, definindo, assim,
ao longo dos séculos XX e XXI uma profissão que se fortalece com a
prática da narrativa oral (MATOS, 2014).
Em seus territórios de atuação costumam disponibilizar variados serviços que podem ou não ser baseados nos preceitos da abordagem
da ação cultural, um ideal em termos de oferecimento de atividades
específicas no âmbito da prática do contador de histórias. Entende-se
por ação cultural uma atividade em que se contempla etapas flexíveis no
processo de planejamento de um serviço ou produto cultural. Para que
uma atividade possa assim ser caracterizada deve envolver todos os
atores interessados no processo cultural, ao gerar possibilidades de
transformação da realidade vivida (COELHO NETTO, 2002).
A ação cultural se diferencia da animação e fabricação pelo motivo de
considerar o sujeito como um ator participante no processo de
narração, espetáculos, produção de vídeos e outras atividades
relacionadas com a contação de histórias. Enquanto que na animação
(atividade diversionista) e fabricação (atividade ideológica) apenas o
narrador é o sujeito do processo e os ouvintes são meros objetos que
não são convidados a participar em momento algum. Um planejamento
no campo da ação cultural tende a reduzir riscos e incertezas,
12 A internet é uma rede de computadores que se constitui como uma grande rede digital,
assim como a World Wide Web (referenciada apenas como Web) é um ambiente de
rede (CASTELLS, 2003).
38
compreendendo etapas desde o fomento do diálogo até a reflexão da
prática narrativa (GERLIN; BARCELLOS, 2017).
No caso da ação cultural, a memória social e coletiva dos sujeitos
(narrador, ouvinte, colaboradores, etc.) são consideradas desde o
processo de planejamento até o momento do oferecimento dos
produtos ao público. A memória social está ligada ao modo como os
indivíduos se identificam, ao mesmo tempo em que também
representam o campo das representações coletivas. “Ora, fazer avançar
o pensamento sobre a memória social implica questionar a evidência
dessa relação e das ideias que aí se encontram inter-relacionadas”
(GONDAR, 2005, p. 23).
O sujeito narrador evoca fatos passados ao receber a interferência dos
grupos sociais aos quais pertence. Nessa direção seria possível colocar
que “[...] cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória
coletiva, que [...] muda segundo as relações mantidas com outros
ambientes” (HALBWACHS, 2013, p. 69, grifo nosso)”. A memória coletiva é constituída pelas memórias individuais, mas não se confunde
com elas devido se fundamentar nas reminiscências de diferentes grupos.
Desse modo, a memória social pode ser compreendida no contexto da
abordagem transdisciplinar (GONDAR, 2005), ao considerar o inter-
relacionamento dos conteúdos produzidos entre disciplinas e saberes
populares que atravessam a memória do contador de histórias.
Trabalhar com ações no campo da narração oral que possam
compreender ao mesmo tempo uma memória coletiva e social, acaba
requerendo considerar movimentos culturais gerados por narradores
de histórias com a contribuição dos grupos sociais organizados em
redes. Atividades no âmbito da oralidade que envolvam a ação cultural
costumam privilegiar a memória coletiva e permitem o
compartilhamento de experiências. Oferecem serviços e produtos que
possam dar um retorno à coletividade e criam condições para uma
transformação social na sociedade contemporânea (GERLIN, 2011).
A denominação narrador ou contador de histórias contemporâneo,
geralmente referencia um sujeito que atua nos grandes centros urbanos
(BUSATTO, 2011), adquirindo técnicas em cursos on line, oficinas
presenciais e outros eventos em espaços híbridos, mas que também atua
39
em comunidades de origem conservando características mais
tradicionais. Considera-se como narrador contemporâneo tanto o
narrador que aprende artesanalmente o ofício, quanto aquele que
participa de cursos de formação no meio urbano aperfeiçoando-se
profissionalmente para atuar em escolas, bibliotecas, web e noutros
espaços.
Na atualidade o narrador contemporâneo faz uso das tecnologias de
escrita e informação, sendo também influenciado pelos meios de
comunicação que o cerca no espaço presencial e no ciberespaço
(GERLIN; SIMEÃO, 2015). O ciberespaço, também conhecido como
espaço virtual, estimula o uso de recursos tecnológicos (computadores,
celulares, etc.) que facilitam as interações profissionais e humanas desse
ator social. O ambiente de aprendizagem virtual fortalece o uso de
ferramentas que facilitam as conexões em redes sociais e digitais,
viabilizando a reinvenção de um espaço desprovido de significado
central, configurando um sistema em desordem e com uma transparência labiríntica segundo coloca Lévy (2010).
O ciberespaço resulta de um movimento de experimentação de
comunicação coletiva e é por conta disso que se presencia a abertura de
um novo ambiente de comunicação, de busca de informação e produção
de conhecimento. Cabe, então, explorar as potencialidades desse “[...]
ambiente inédito [que] resulta das novas redes de comunicação para a
vida social e cultural. Apenas dessa forma seremos capazes de
desenvolver estas novas técnicas dentro de uma perspectiva humanista”
(LÉVY, 2010, p. 12).
A rede social pode ser entendida como um conjunto de nós
interconectados, responsáveis pelo entrelaçamento de uma diversidade
de atores em contextos híbridos (presenciais e virtuais). Essa estrutura
de conexão, atualmente potencializada pela internet por uma
comunicação síncrona e assíncrona, transforma-se numa importante
ferramenta de disseminação da informação e de organização do
conhecimento humano, tendo como base duas características: a
comunicação livre e horizontal (liberdade de expressão de muitos para
muitos) e o surgimento de comunidades virtuais no ambiente digital
(CASTELLS, 2003; UGARTE, 2008).
40
A comunicação assíncrona torna viável uma interação imediata entre os
sujeitos na era da informação, enquanto na comunicação assíncrona a
expectativa de resposta não é realizada em tempo real (RECUERO,
2009). Apropriando-se dos avanços trazidos pela web, ambiente digital
em rede da internet, o narrador profissional se utiliza de uma
diversidade de recursos de comunicação com a finalidade de trabalhar
com a divulgação de produtos e serviços que comumente são oferecidos
em territórios de educação e cultura presenciais (FLECK, 2007).
A influência da internet vai além da quantidade de sujeitos a ela
conectados, diz respeito a qualidade de uso que dela se faz dela. Mediada
por computadores, celulares e outros equipamentos eletrônicos,
caracteriza-se como uma espinha dorsal de comunicação e, por
conseguinte, apresenta-se como uma rede que interliga várias outras.
Evidencia-se como uma ferramenta de comunicação cada vez mais
interativa, baseada na integração de uma rede digitalizada, com ampla
“[...] capacidade de inclusão e abrangência de todas as expressões culturais” (CASTELLS, 2011, p. 461).
Figura 3 – Rede centralizada (a), rede descentralizada (b) e rede distribuída
(c)13
Fonte: Baran (1964).
13 “Centralized networks (a), decentralized networks (b) e distributed networks (c)”
(BARAN, 1964).
41
Baran (1964) enfoca o potencial das ferramentas de conexão e
transmissão, computador e rede de telefonia que por sua vez devem
fornecer um serviço acessível para uma ampla gama de usuários em
redes digitais de comunicação14. O estudo desse pesquisador auxilia na
proposição dos modelos de redes de comunicação em nossa época e,
com isso, inspira o planejamento do modelo de uma rede colaborativa.
A diversidade de composições que as redes podem ter são
representadas por meio de três desenhos idealizados por Baran (1964)
no século XX (Figura 2). Perante a representação desses desenhos
denominados topologias, percebe-se que os mesmos pontos unem as
representações das estruturas das redes, porém, com contornos
diferenciados. As topologias descrevem modos diferentes de
organização de redes de comunicação: centralizada (a), descentralizada
(b) e distribuída (c).
Quando Paul Baran escreveu seu famoso relatório,
incluiu essa ilustração para argumentar até que ponto
uma rede distribuída era algo completamente
diferente, em termos de sua natureza, de uma rede
descentralizada. Nós a incluímos com o mesmo
objetivo, mas se ele imaginava computadores nos
pontos que unem os segmentos, nós imaginaremos
quase sempre pessoas e instituições. Se Baran
imaginava as conexões como linhas e cabos telefônicos,
nós veremos nelas relações entre pessoas (UGARTE,
2008, p. 15).
As topologias apresentadas por Baran (1964) tornam-se relevantes para
entender uma diversidade de elementos presentes nas redes de
comunicação dos contadores de histórias. Contudo, a representação
desses três tipos de redes é trazida junto a uma importante constatação:
as conexões do narrador contemporâneo não podem ser exemplificadas
e classificadas de maneira inflexível a exemplo desses modelos. No que
se refere ao contexto das suas conexões compreende-se que a estrutura
centralizada ainda seja predominante. “A rede centralizada é vulnerável
14 Os relatórios produzidos por esse pesquisador em sua época torna visível que seus
estudos giraram em torno de uma proposta de conexão de redes voltadas na ocasião para
a segurança orgânica militar.
42
de tal forma que a destruição de um nó central elimina a comunicação
entre estações terminais” (BARAN, 1964, p. 1)15.
Uma rede que tenha uma característica centralizada, ao possuir um
único nó central (um único sujeito responsável) diminui
consideravelmente a perspectiva de comunicação com os seus outros
nós (sujeitos). Numa rede centralizada em que as tarefas são de
responsabilidade de um sujeito, acaba-se restringindo a atividade de
transmissão da informação para os demais membros do grupo por
exemplo. “A rede centralizada é, portanto, aquela onde um nó
centraliza a maior parte das conexões” (RECUERO, 2009, p. 57). A
estrutura de relacionamento nas redes centralizadas do contador de
histórias, torna possível que apenas um nó dessa rede (sujeito narrador)
seja responsável por transmitir informação para os demais membros,
diferente de um modelo de rede descentralizada em que a hierarquia
possui vários centros.
Uma rede descentralizada, em que mais de um sujeito se torna responsável por transmitir informação para os demais membros, ainda
apresenta uma característica hierarquizada e não se caracteriza como
uma rede distribuída. Numa rede distribuída todos os nós possuem mais
ou menos a mesma quantidade de conexões, não há valoração
hierárquica desses nós (BARAN, 1964; RECUERO, 2009; UGARTE,
2008). Nela os sujeitos narradores podem estabelecer contato e
tornarem-se livres para buscar as informações que são disponibilizadas
e para transmitir qualquer outro tipo de informação que julgue
necessária. O exposto permite citar que, “[...] toda rede distribuída é
uma rede de iguais, ainda que existam nodos mais conectados que
outros. Mas o importante é que em um sistema desse tipo, a tomada de
decisão não é binária” (UGARTE, 2008, p. 26, grifo nosso).
Nas redes distribuídas, por definição, ninguém
depende exclusivamente de ninguém para poder levar
a qualquer outro sua mensagem. Não há filtros únicos.
Em ambos os tipos de rede ‘tudo conecta com tudo’,
mas nas distribuídas a diferença está no fato de que um
emissor qualquer não tem que passar necessariamente
15 “The centralized network is obviously vulnerable as destruction of a single central
node destroys communication between the end stations”.
43
e sempre pelos mesmos nodos para poder chegar a
outros (UGARTE, 2008, p. 25).
A conexão de milhões de sujeitos hierarquicamente semelhantes no
ciberespaço expressa muito bem o exposto. Na internet pode-se
visualizar uma rede distribuída na qual os contadores de histórias
possam livremente se comunicar com pares, apoiadores e públicos (CASTELLS, 2003; LÉVY, 2010 e 2011). Dessa visualização surge a
probabilidade do desenvolvimento de ações efetivas com “[...] redes
distribuídas, que abrem a possibilidade de passar de um mundo de poder
descentralizado a outro mundo de poder distribuído. O mundo que
estamos construindo” (UGARTE, 2008, p. 25).
Observar, portanto, as redes em que os narradores de histórias
estabelecem suas conexões, expressas no espaço presencial e virtual
(híbrido), permite explorar uma metáfora estrutural para compreender
elementos dinâmicos e de composição dos grupos sociais dos
narradores de histórias. “Uma rede, assim, é uma metáfora para
observar os padrões de conexão de um grupo social, a partir das
conexões estabelecidas entre os diversos atores” (RECUERO, 2009, p.
24).
A abordagem de rede tem, assim, seu foco na estrutura
social, onde não é possível isolar os atores sociais e
nem suas conexões. O estudo das redes sociais [no
contexto presencial e] na internet, assim, foca o
problema de como as estruturas sociais surgem, de
que tipo são, como são compostas através da
comunicação mediada pelo computador e como
essas interações mediadas são capazes de gerar fluxos
de informações e trocas sociais que impactam essas
estruturas. Para estudar essas redes, no entanto, é
preciso também estudar seus elementos e seus
processos dinâmicos (RECUERO, 2009, p. 25).
A identificação da competência narrativa é relevante para o
desenvolvimento de um trabalho com a rede dos contadores de
histórias, assim como a articulação de conhecimentos, habilidade e
técnicas pertencentes ao contexto da competência em informação é
essencial para esta discussão. As habilidades abordadas no campo da área
de atuação desse sujeito e no campo da informação, são adquiridas por
44
meio da experiência da prática cultural e da formação. Por conta do
exposto a prática que permite disseminar informações narrativas, acaba
requerendo a adoção de técnicas, habilidades e atitudes (competências),
como estratégias de busca de textos narrativos, memorização e
comunicação que perpassam aspectos cognitivos e sociais.
A (re)escrita de contos brasileiros de origens variadas por exemplo,
requer a (re)produção de novas narrativas que, posteriormente,
poderão ser armazenadas, buscadas, selecionadas, avaliadas e usadas por
meio da narração no formato de livros impressos e em suporte de
mídias digitais responsáveis por sua sobrevivência, preservação e
disseminação.
A sobrevivência dos contos tem menos a ver com
lugares e hábitos preservados do que com a própria
essência de suas narrativas. Enquanto as histórias
servirem como válvula de escape para um mundo
melhor e combustível para a fantasia, elas terão
espaços em nossas estantes e grades televisivas
(HUECK, 2016, p. 254).
A práxis desse sujeito demanda um constante aprimoramento que pode
ser buscado e compartilhado com outros sujeitos nas redes de
comunicação (digitais e presenciais). Por conseguinte, associam-se as
habilidades e as técnicas componentes da competência em informação
ao contexto da competência narrativa identificadas ao longo desta obra,
com a finalidade de trabalhar na proposição do modelo de rede
colaborativa voltada para a prática dos narradores de histórias
contemporâneos.
A competência narrativa do narrador de histórias é composta por
habilidades que podem ser adquiridas por meio da experiência e em
atividades de formação. As atividades de capacitação geralmente são
promovidas em seminários, chats, blogs, cursos e oficinas presenciais e
virtuais, traduzidas como estruturas de aprendizagens formais e
informais. Essa competência compreende habilidades comunicativas,
técnicas adquiridas e conhecimentos voltados para a transmissão da
palavra oral. Esse tipo de competência é necessária para que o sujeito
narrador possa pesquisar, preparar e comunicar histórias de interesse
de seu público.
45
Evidencia-se a importância do inter-relacionamento da competência
narrativa com a competência no âmbito da informação de forma que se
possa buscar, selecionar e usar o texto narrativo. A competência em
informação é definida como um processo de interação e internalização
de fundamentos conceituais, atitudinais e habilidades específicas
relacionadas com a informação, bem como com o compromisso do livre
acesso e uso crítico da informação e geração de conhecimento
(BELLUZZO, 2013).
Destaca-se que a natureza de estudo da competência
em informação envolve conjuntos de ideias em relação
ao conhecimento aplicado para interpretar e
compreender situações ou fenômenos e se
fundamenta, em especial, em teorias da Ciência da
Informação (BELLUZZO, 2013, p. 68).
Essa competência requer um entendimento acerca da identificação de
habilidades que tornam possível a busca, a recuperação e o uso efetivo da informação. Coloca em questão um aprendizado permanente
necessário ao contador de histórias, ao considerar as estruturas de
comunicação que devem ser apreendidas cotidianamente (BELLUZZO;
FERES; KOBAYASHI, 2004).
As habilidades componentes das “competências em informação e
narrativa” são essenciais para a pesquisa, o preparo e a comunicação da
narrativa. Permitem a disseminação de histórias/contos em regiões
interioranas e urbanas, atingindo bibliotecas, escolas, praças,
ciberespaço, residências e outros espaços tempos que se constituem
como territórios em que a oralidade tende a se fortalecer virtualmente
e presencialmente com a mediação da informação narrativa. Com o era
uma vez disseminado em um conto e com o uso das mais variadas
tecnologias, o narrador pode interagir em um (con)texto diferenciado
na tela de um celular, computador e de outros equipamentos
eletrônicos.
Colocar em análise as competências que o contador de histórias
profissional, autônomo remunerado ou sem remuneração específica,
adquire, requer considerar a existência de habilidades imprescindíveis
numa sociedade potencialmente conectada por redes. Alguns
contadores de histórias não recebem remuneração específica, contudo
46
dedicam-se à prática da narrativa oral ao atuar como professores e
bibliotecários em escolas e bibliotecas (GERLIN, 2015). Esses
profissionais acabam buscando uma formação específica para trabalhar
com a oralidade nesses e em outros territórios de educação, informação
e cultura.
Diante do exposto, essa obra procura dar visibilidade a uma frente de
pesquisa pautada na inter e trasdisciplinaridade que buscou averiguar os
conhecimentos (saber), as habilidades (saber fazer) e atitudes (ser) que
os contadores de histórias possuem para o desenvolvimento da
competência no campo da narrativa e da informação. Tornando visíveis
conexões em redes que cada vez mais estão voltadas para a prática
profissional. A identificação das competências que o contador de histórias
possui e necessita para a manutenção das suas conexões, torna-se relevante
para o desenvolvimento de um trabalho numa rede de colaboração. A rede
que constantemente é referenciada pode cada vez mais ser entendida como
uma estrutura de colaboração constituída a partir de relações de trabalho,
culturais, humanas e outras, sendo que a sua maior característica é a
estruturação de um conjunto de interações sem hierarquização.
Se por um lado a rede digital possibilita interatividade
e compartilhamento de informações, constituindo-se
como uma ferramenta importante para o narrador de
histórias, por outro lado a rede social não depende de
tecnologia e sim da interação dos sujeitos (GERLIN;
SIMEÃO, 2015, p. 3).
As habilidades, as atitudes e as técnicas abordadas no campo da área de
atuação do sujeito narrador e no campo da informação, também são
adquiridas por meio da experiência da sua prática cultural em constante
processo de constituição. A práxis desse sujeito demanda um
aprimoramento que pode ser buscado e compartilhado com outros
sujeitos nas redes de comunicação (digitais e presenciais). A associação
das habilidades componentes da competência em informação ao
contexto da competência narrativa, conduzem, por fim, a uma meta que
consiste no trabalho com a proposição do modelo da rede colaborativa dos
contadores de histórias de forma a ressaltar as competências desse sujeito
conectado no século XXI.
47
CAPÍTULO 2
UMA ARTE MILENAR BORDADA NO
CAMPO DA ORALIDADE: PERFIL E
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de
artesão – no campo, no mar e na cidade -, é ela própria, num
certo sentido, uma forma artesanal de comunicação. Ela não está
interessada em transmitir o “puro em si” da coisa narrada como
uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida
do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na
narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila
do vaso (BENJAMIN, 1994. p. 205).
48
INDICADORES DO PERFIL PROFISSIONAL: CATEGORIA DADOS
PESSOAIS E PROFISSIONAIS
Ações de pesquisa e extensão universitária possibilitam uma
aproximação com os sujeitos narradores e, por meio delas, criam-se
espaços de reflexões sobre um perfil diferenciado de um contador de
histórias profissional que ainda se apropria de uma forma artesanal de
comunicação (BENJAMIN, 1994). Tornam visível uma diversidade de
contextos de atuação desses sujeitos conectados em redes (digitais e
presenciais) na sociedade da informação. Possibilitam diálogos que
conduzem a um conto comumente ouvido nas apresentações desses
profissionais: “O mundo” de Eduardo Galeano (2002). À luz dessa história
fictícia delineia-se uma imagem diferente da diversidade humana:
Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da
Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou,
contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida
humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.
- O mundo é isso – revelou - Um montão de gente,
um mar de fogueirinhas.
Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as
outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existe gente
de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de
fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos,
fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros
incendeiam a vida com tamanha vontade que é
impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem
chegar perto pega fogo (GALEANO, 2002, p. 11).
Os contadores de histórias podem ser representados como um montão
de gente diferente e, com isso, como uma diversidade de sujeitos
compartilhando experiências coletivas em territórios de educação,
informação e cultura. Cada narrador mantém um brilho diferenciado ao
colocar o ouvinte em contato com um fogo sereno que, ao mesmo
tempo, queima e deixa sua marca por meio da oralidade. Esse grupo
poderia muito bem ter sido retratado por Galeano (2002), expondo a
dinâmica de um trabalho extraordinário e tendo em vista que o ato de
narrar auxilia no tecido de uma variedade de histórias fictícias e reais.
Os contadores de histórias colaboram para o contexto desta obra
49
dando visibilidade a uma certa forma de narrar e compartilhar
experiências em estruturas de comunicações pessoais, humanas e
profissionais. Fornecem, com isso, elementos para identificar
competências adquiridas ao longo da vida e, principalmente, aquelas que
necessitam para conectar-se em redes de colaboração. Possibilitam o
delineamento dos indicadores do seu perfil profissional por meio da
exploração da “categoria dados pessoais e profissionais” acompanhada
da descrição dos respectivos temas tratados no decorrer deste capítulo
(Quadro 4):
Quadro 4 – Descrição de temas que compõem a primeira categoria dos
indicadores do perfil profissional
INDICADORES DO PERFIL PROFISSIONAL
Categoria dados pessoais
e profissionais
TEMAS TEMAS
Identificação pessoal
(nome, idade, sexo)
Tipo de ligação com a
área da contação de
histórias (profissional
remunerado,
voluntário, etc.)
Início na carreira (ano e
século)
Desenvolvimento de
atividades
relacionadas com a
arte de narrar
(narrador, formador,
pesquisador, etc.)
Profissões paralelas
relacionadas com a arte
de narrar
Territórios de
desenvolvimento das
atividades de
contação de histórias
Fonte: Produzido durante a realização da pesquisa.
Os indicadores do perfil profissional permitem a verificação de que a
maioria dos narradores possui até 50 anos de idade (86,77%) e
pertencem ao sexo feminino (89,70%), sem, com isso, desconsiderar a
representatividade menor do sexo masculino (10,30%) (Tabela 1). Esse
último dado remete a uma questão social fortemente relacionada ao
gênero, cabendo refletir o motivo de muitas vezes avós, mães e
professoras permearem o imaginário social como narradoras de
histórias. Essa parcela majoritariamente feminina remete ao fato de que
50
“Em muitas culturas de tradição oral, as avós [...] Contam histórias que
transmitem os frutos do seu aprendizado sobre a vida para o benefício
das gerações futuras” (MATOS; SORSY, 2009, p. 37).
Tabela 1 – Gênero, faixa etária e início da atividade de contação de histórias
Variável Categoria %
Gênero Feminino 89,70
Masculino 10,30
Total: 100%
Faixa Etária Até 50 anos 86,77
Mais de 50 anos 13,23
Total: 100%
Início atividade Século XX 30,90
Século XXI 48,50
Sem resposta 20,60
Total: 100%
Fonte: Produzida durante a realização da pesquisa.
Em nível nacional percebe-se a intensificação do oferecimento de ações
de extensão e de programas institucionais voltados para a narrativa oral
no século XX. No Estado do ES verifica-se que boa parte dos narradores
de histórias iniciou a sua atividade no mesmo período (30,9%) (Tabela
1), o que repercutiu positivamente no cenário de atuação no início do
século XXI.
No final do século XX houve uma intensificação do processo de narrar
e, por conseguinte, da profissionalização do contador de histórias
brasileiro (MATOS, 2014). O Programa Nacional de Incentivo à Leitura
(PROLER)16 contribuiu “[...] para a proliferação dos contadores de
histórias no Brasil, haja vista que considerava essa prática fundamental
para implementar o gosto pela leitura e o consumo de livros” (FLECK,
2007, p. 222).
As atividades do PROLER constituíram-se como iniciativas ligadas à
narrativa oral em diversas regiões brasileiras, incluindo o Estado do ES
nesse contexto (MAROTO, 2009). As metas do PROLER foram ao
16 Instituído pelo Decreto Presidencial nº 519, em 13 de maio de 1992 e vinculado à
Fundação Biblioteca Nacional, órgão do Ministério da Cultura (FLECK, 2007).
51
encontro das estratégias dos grupos criados na universidade brasileira,
tendo em vista que ambos fundamentaram-se na ideia de
democratização da leitura junto às camadas populares, perpassando os
territórios das bibliotecas, das escolas e de outros espaços de mediação
da leitura.
Destacam-se as atividades extensionistas do Grupo de Contadores de
Histórias da Universidade Federal do Espírito Santo (GECHUFES) que
fortaleceu o trabalho com formação de narradores no século XX,
prevalecendo até a primeira década do século XXI. O GECHUFES
caracterizou-se como um projeto de extensão criado em 1996 pelo
Departamento de Biblioteconomia da UFES, tendo como objetivo
formar contadores de histórias para atuar no universo capixaba
(GECHUFES, 2011).
Desde 1996, em conjunto com a professora Maria da Conceição Carvalho17, após a
criação de um projeto de extensão a gente viu a necessidade de abrir essa área de
formação dentro da Universidade. Bem no frigir dos ovos, do surgimento, vem
o PROLER e inúmeros programas de formação de leitores tanto para professor leitor
quanto para estudantes leitores. E a gente começa, então, a trabalhar com um projeto
de extensão nessa área. Depois da comemoração dos 100 anos de Malba Tahan,
surge então o Grupo Experimental de Contadores de Histórias da UFES - GECHUFES
(Narradora Biancardi).
Os diálogos estabelecidos nos momentos de entrevistas corroboram
com estudos publicados na área da narrativa oral, concernentes ao
fortalecimento da arte do narrador de histórias no final do século XX.
Também expõem um movimento de criação e consolidação de ações de
incentivo à leitura no século em questão. Elementos da atuação desse
profissional levam a constatação de que o “O contador de histórias pode
ser também um mediador de leitura, um leitor experiente capaz de
apresentar a outros potenciais leitores o vasto universo dos livros e das
histórias” (FLECK; CUNHA, 2015, p. 3).
Participei do PROLER como formadora em Pancas, Montanha, Mantenópolis,
Pinheiros, mais na parte norte do Estado [...]. Tinha o material que a gente preparava
17 Professora da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas
Gerais, na ocasião era professora do Departamento de Biblioteconomia da UFES e
coordenadora do GECHUFES.
52
[... para] a SEDU18 [que] cobrava o recurso material [...]. Como incentivo à leitura
eu botava algumas músicas chaves, acumulativas, músicas de domínio público.
Músicas de mais 300, 400 anos que os portugueses ensinavam. Da
colônia portuguesa e que não tem autoria. A Bia Bedran trabalha muito esse tipo de
conto, não é? Então colocava [na apostila] algumas dessas músicas porque achava
fundamental (Narradora Varejão).
Foi uma surpresa quando os movimentos começaram a se tornar públicos, porque eu
sempre fui uma pessoa extremamente tímida. O maior desafio do PROLER foi um
movimento grande que a Biblioteca Nacional empreendeu no final da década de 90,
de incentivo à leitura. O maior desafio pra mim foi vencer a timidez. Não só a timidez,
mas eu acho até que é um pouco de orgulho, sabe? Medo de errar em público. Então
hoje eu acho que aprender a contar histórias em público foi uma prova de humildade
(Narradora Sampaio).
As ações no campo da oralidade no século XX foram desencadeadas
por uma formação direcionada ao incentivo da leitura, tornando-se
importantes para o fortalecimento das práticas criadas em torno da
narração de histórias. As atividades realizadas em parceria com
instituições públicas e privadas, de dentro e de fora do Estado,
contribuíram para o fortalecimento da competência do narrador e para
a sua atuação em uma diversidade de espaços tempos que exigiram
profissionalização.
Ao colocar em análise aspectos relacionados com a prática profissional
do narrador no cenário espírito-santense, percebe-se que todos os
sujeitos da pesquisa tiveram algum tipo de ligação com essa área (100%),
envolvendo-se diretamente com práticas de leitura por meio da
oralidade. A maior parte do grupo ainda exerce alguma atividade no
campo da narrativa oral (77,95%) e mais da metade desempenha atividades paralelas relacionadas com a contação de histórias (67,65%)
(Tabela 2).
Em termos do exercício de profissões paralelas à prática da contação de
histórias, os narradores profissionais atuam ainda como: professor do
ensino fundamental; professor da educação infantil; professor do ensino
superior; bibliotecário escolar e de biblioteca pública; advogado;
terapeuta; dentre outras ocupações.
18 Secretaria de Estado da Educação (SEDU) do Espírito Santo.
53
A maior parte não recebe remuneração específica (67,65%) para atuar
como narrador, contudo desenvolvem um trabalho fixo como contador
de histórias em escolas, bibliotecas escolares, bibliotecas públicas,
museus e outras instituições. Menos da metade enquadra-se na categoria
de profissional remunerado autônomo (32,35%) atuando em territórios
de educação e cultura esporadicamente.
Tabela 2 – Atuação profissional e atividades paralelas no campo da
contação de histórias
Variável Categoria %
Atuação profissional Atua 77,95
Não atua 22,05
Sem resposta 0,00
Total: 100%
Atividades Paralelas Desenvolve 67,65
Não desenvolve 29,40
Sem resposta 2,95
Total:
100%
Fonte: Produzida durante a realização da pesquisa.
A autonomia relaciona-se ao fato de o narrador não estar ligado a um
território de atuação por uma profissão paralela mesmo que desenvolva
projetos em instituições sem fins lucrativos. Todavia, deve-se também
ao desdobramento da capacidade de controlar os insumos utilizados
para o desenvolvimento da atividade de narrar.
No fazer dos contadores de histórias, uma das
possíveis formas de controle do próprio trabalho é a
liberdade de escolha do repertório, assim como, a
delimitação de determinadas condições em relação
aos trabalhos “sob encomenda” (FLECK, 2009, p. 61).
A atuação autônoma exercita a oportunidade de oferecer uma
diversidade de produtos e serviços no campo da narrativa oral, como as
54
apresentações culturais e a confecção de material didático voltada à
formação que acaba por auxiliar narradores iniciantes ou em fase
adiantada de profissionalização. Cabe ao narrador atuar como
multiplicador da prática milenar de contar histórias, assumindo funções
de formador profissional ou escritor, por exemplo, compartilhando
informações e conhecimentos adquiridos ao longo da vida profissional
(Ilustração 1).
Ilustração 1 – Contação de histórias na escola com a escritora e narradora
Sampaio
Fonte: ESCRITORA... (2015).
Eu fiz muitos, mas eu ministrei muitos cursos também. Eu tenho uma geração de
contadores de histórias que passaram pela minha mão aqui no ES. O Fernando
Soledad19 é um deles. Tem uma turma que fez cursos comigo bem no comecinho.
Quando o PROLER parou de fazer o movimento aqui no ES, eu falei: - Essa coisa não
pode parar! [...] Como eu já tenho algum conhecimento e uma experiência eu
comecei a escrever algumas coisas e propus um curso no SENAC20 de muitas horas.
Nossa já faz muito tempo isso, deve ter tido uns vinte alunos. Foi um curso bem
19 Contador de histórias, ator e ex-participante do GECHUFES. 20 Serviço de Aprendizagem Comercial (Senac).
55
interessante, a gente fazia laboratório, gravava e assistia a filmagem e analisava a
performance de cada um. Quem tinha vícios de linguagem conseguia se ver ali no
vídeo e a gente comentava. Era um grupo assim que todo mundo ia comentando. Foi
muito rico esse grupo do SENAC. Depois eu ministrei cursos para professores em
escolas, oficinas em escolas também, em bibliotecas, em livrarias, etc. (Narradora
Sampaio).
No Estado, daquele período do GECHUFES para cá, eu percebi um crescimento muito
grande de pessoas interessando-se pela contação de histórias e se profissionalizando;
ganhando um dinheiro com isso. E eu até penso que podia ter pensado nessa
vertente, mas talvez não fosse a minha praia me profissionalizar para ganhar
dinheiro. Eu já ganhei dinheiro com isso, mas não é aquilo que eu coloquei para mim.
Ainda tenho projetos em que conto e a gente possui projetos de incentivo à leitura
em que convida os contadores de histórias. E quando acontece um imprevisto me
coloco lá pra contar do meu jeito. Também já tive uma experiência num projeto de
leitura na Igreja Presbiteriana do "Projeto Ágape" em que a contação de histórias foi
mais uma biblioterapia do que simplesmente contar a história e as crianças cantarem
(Narradora Broseguini).
A atuação do narrador sem remuneração específica se deve ao fato de
estabelecerem um vínculo diferenciado em territórios de educação e
informação, por meio de profissões como professores e bibliotecários.
O fato de que no campo de atuação coexiste um profissional
remunerado que atua autonomamente em diversos territórios e outro
que não recebe remuneração para narrar por estar ligado por uma
profissão paralela, possibilita identificar duas formas de atuações
relacionadas com a área da contação de histórias: o contador de histórias
profissional remunerado autônomo e o contador de histórias profissional sem
remuneração específica.
Existem ainda narradores de histórias que se enquadram nas duas
categorias de profissionais, atuando sem remuneração específica em uma
instituição em quem narra histórias profissionalmente e ao oferecer
produtos e serviços como profissional autônomo em uma diversidade
de territórios de educação e cultura: remunerado autônomo como
micro empreendedor e sem remuneração específica atuando como
professor ou bibliotecário escolar são exemplos fornecidos pelos
narradores.
Não sou vinculado a nenhuma instituição como contador de histórias, tenho o registro
de micro empreendedor individual, um CNPJ. Eu atuo autonomamente. Se fosse citar
56
algum vínculo seria com a PMV, porque pela Prefeitura dou algumas formações e
nela também faço um trabalho na biblioteca em que atuo como contador de histórias
(Narrador Valadares).
Em 1970 quando eu já fazia normal, eu contava histórias para as crianças. Eu sou
do tempo do normal21 ainda. E eu sempre gostei muito de contar histórias para as
crianças. Na atualidade eu desenvolvo momentos de contação de histórias, mas não
formalmente. [Conto histórias para...] o CMEI22 daqui, que responde por Creche
ainda (Narradora Varejão).
Costumo trabalhar como contadora de histórias voluntária. Eu acho que na [biblioteca
da] escola atuo como profissional, mas [...] eu comecei na igreja, [local em que] você
vai ficar com as crianças e tem que dar um jeito, não é? Na igreja evangélica
geralmente é assim. Então comecei faz uns 14 anos, com os pequenininhos de 0 a
4 anos e eu tinha que rebolar porque eles não prestam atenção (Narradora Pereira).
Independente do tipo de vínculo que estabeleça com seu público,
autônomo ou ligado à instituição em que atua, importa assumir com
maestria a função de um narrador comunicador, formador e outras
modalidades. Por meio do desenvolvimento de cursos de formação e
apresentações, “O gostoso mesmo é resgatar as possibilidades que as
histórias oferecem: educar, ensinar, brincar, encantar, fantasiar, criar,
sorrir (GIORDANO, 2013, p. 43).
De fato, a atividade no campo da oralidade assume uma importância
significativa perante um ator social que desenvolve uma prática que
requer uma aprendizagem contínua (GOMES, 2012). A aquisição de
habilidades e técnicas é imprescindível para oferecer produtos e
serviços, como a comunicação da narrativa oral baseada em textos de
autoria pessoal ou coletiva (FLECK, 2009). Para que isso aconteça, o
narrador precisa enxergar-se como pesquisador e produtor do seu próprio trabalho, envolvendo-se na formação de outros profissionais ou
não.
O narrador deve criar espaços de convivência e trocas de experiências
com os ouvintes, atuando autonomamente ou de maneira fixa em
territórios de informação, educação e cultura, resinificando as diversas
formas de atuação. Ao compartilhar experiências o narrador de histórias
21 Curso do ensino médio direcionado para formação de professores, para atuar no
ensino infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental. 22 Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI).
57
pode tornar-se comunicador, produtor e pesquisador do seu próprio
trabalho, assumindo vários tipos de ligações com a área da narrativa oral
que se complementam (Ilustração 2).
Ilustração 2 – Curso de Formação com o escritor e narrador Moraes
(OSCIP Colorir)
Fonte: PROJETO... (2015).
Dentro das duas categorias que descrevem as formas de ligação que os
contadores de histórias têm com a narrativa, identificam-se tipos de
ocupações que os ligam à prática de narrar: formador; narrador;
pesquisador e voluntário. Dentre elas destaca-se a sua ligação com o
voluntariado (29,40%) que tanto o profissional autônomo remunerado
quanto o profissional sem remuneração específica costumam
desenvolver fora dos seus territórios de atuação (Gráfico 1).
Ao oferecerem serviços e produtos diversificados saem de seu casulo
transformando-se em contadores de histórias espetaculares e, para isso,
devem buscar constantemente uma (trans)formação no que se refere à
aquisição da competência narrativa (habilidades e técnicas específicas da
área) necessária para que a mágica do era uma vez aconteça. Foram
fornecidas “outras ligações” como as de escritor (4,41%), produtor
cultural (1,47%) e promotor cultural (1,47%) que podem ser visualizadas
no campo das profissões paralelas.
58
Gráfico 1 – Indicadores dos tipos de ligação com a área da contação de
histórias
Fonte: Produzido durante a realização da pesquisa.
Durante os processos de observação da prática do contador de
histórias, verifica-se que as atividades paralelas como ator, produtor
cultural e empresário são, muitas vezes, consequência da arte artesanal
de narrar (BENJAMIN, 1994). Para dar conta do desenvolvimento de
tantas atividades os narradores podem criar empresas (Ilustração 3), ou
ingressarem em grupos institucionais com a finalidade de gerenciar as
atividades relacionadas com a contação de histórias.
Que é um trocadilho com amor, não é? O pessoal diz assim: - É “A mala” porque
você é uma mala, não é (risos)? E digo assim: - Isso também! Mas o nome veio por
conta de amor mesmo. Eu tinha que fazer uma coisa e eu só ia conseguir se eu
amasse essa coisa, tinha que amá-la. E de tanto amá-la surgiu “A mala produções”. E
na mala você carrega tudo, não é? E o contador de histórias é praticamente um
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
19,10% 19,10%
16,17%
29,40%
8,82%
59
viajante e o símbolo do viajante é a mala. Juntou tudo isso. [...] Eu até uso uma mala,
mas uso mais um baú. Minha marca registrada é um baú. Apesar de eu ser "A mala
produções", o baú é o meu xodó. Um bauzão, assim, é o meu xodó. Ele está presente
em todas as apresentações (Narradora Kruger).
Ilustração 3 – Contação de histórias com a narradora Kruger - A Mala
Produções
Fonte: GAB... (2015).
Destaca-se a ligação de escritor que os narradores possuem com a
profissão. Por meio dela se utilizam da tecnologia da escrita e conseguem
desenvolver atividades paralelas nos campos da educação e cultura.
“Esse contador de histórias também pode ser escritor, bastando que
consiga dominar bem ambas as técnicas (falar e escrever), para que assim
possa valorizar as duas, quando transfere a literatura oral para a escrita”
(GOMES, 2012, p, 34).
60
Eu usava a história pra conduzir esse ensinamento na área da Educação (Magistério).
Foi aí que eu comecei a criar as minhas próprias histórias, os livros que eu já editei.
"Zabum" que é para trabalhar as formas geométricas, "João o marinheiro azul" para
trabalhar as cores, "Queli e os números" para trabalhar os números, "As três
bruxinhas" para trabalhar as cores secundárias e qual está faltando? “Os dois grandes
amigos" para trabalhar a amizade, uma virtude que eu adoro e procuro cativar a
todo momento com essas meninas maravilhosas [do Grupo Chão de Letras] e com
você agora. A minha vida é palmilhada de histórias, graças à Deus (Narradora
Samôr).
Estou desenvolvendo um projeto sobre as lendas do Espírito Santo [...] e registrando
uma que é o "Lobisomem de Guarapari". Quando eu comecei a resgatar lendas eu
busquei historiadores, então, no meu penúltimo livro, "Lendas Capixabas em versos",
foram publicadas dez lendas capixabas contadas em forma de poesia. Tem muita
pouca coisa sobre o folclore capixaba infantojunvenil [...] (Narradora Sampaio).
Enquanto a narradora Samôr produziu obras como "João o marinheiro
azul" e "Queli e os números" com a finalidade de auxiliar no processo
de ensino e aprendizagem, a narradora Sampaio direcionou os seus
livros para o universo infantojuvenil, dentre eles destacam-se,
“Aventuras de um vermelho inquieto”, “Lenda capixabas em versos”
e “Roda viva – poemas infantis”23. A trajetória da narradora Sampaio
como escritora culminou na valorização da oralidade que é produzida
no Estado e na ocupação de uma cadeira na Academia Feminina Espírito-
santense de Letras.
O narrador Moraes desenvolveu um trabalho no campo da literatura
infantojuvenil ao escrever o “Menino e a atiradeira” e “Histórias de
quem conta histórias”24, sendo esta última selecionada pela Fundação
Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) para a Feira de Bolonha de
2011, para as Feiras de Frankfurt de 2011 e 2012, assim como, pelo
Ministério da Educação (MEC) para o Programa Nacional Biblioteca da
Escola (PNBE) de 2012. Na atualidade esse narrador também direciona
suas produções para a reflexão da prática de contar histórias.
“A arte de encantar: o contador de histórias contemporâneo e seus olhares” está
disponível para encomendar na internet. Esse é um livro em que cada um dá o seu
23 Os títulos das obras das narradoras Samôr e Sampaio foram informados durante o
processo de entrevista. 24 Títulos das obras informadas durante o processo de entrevista e pesquisadas na página
web do entrevistado (MORAES, 2015).
61
olhar, um contador de histórias é mais tradicional, todos atuam profissionalmente,
mas todos são contemporâneos porque atuam em nosso tempo. Isso é um
questionamento, realmente [...]. Eu prefiro chamar esse último contador de
profissional. Exatamente, é como se o contador tradicional fosse do passado. O
contemporâneo são todos eles, por exemplo, quando eu tenho trabalhado os olhares
do contador de histórias contemporâneo, todo e qualquer contador de histórias, até
mesmo o tradicional é contemporâneo (Narrador Moraes).
Uma das funções de um narrador que também atua como escritor é
fazer um resgate acerca da realidade do exercício de contar histórias,
bem como exercitar o registro do processo de diálogo por meio da
escuta, sendo assim, “[...] capaz de produzir novas histórias, novos
significados para levar à construções onde o objeto da aposta possa ser
a fé em um mundo mais humanizado e harmonioso” (GIORDANO,
2013, p. 31).
Existem diferenciações entre o contador de histórias contemporâneo
que atua profissionalmente em grandes centros e o narrador com
características tradicionais que adquire técnicas dentro das comunidades
de origem (MATOS, 2014; BUSATTO, 2011). Nos momentos de
diálogos estabelecidos com os contadores de histórias de Brasília
(GERLIN; SIMEÃO, 2015), compreendeu-se que todos os sujeitos que
atuaram no século XX e que atuam no século XXI são narradores
contemporâneos, desenvolvendo sua prática com uma característica
mais tradicional ou aperfeiçoando-a em cursos e outros eventos que são
oferecidos ou não nos grandes centros.
O campo de atuação do contador de histórias contemporâneo é amplo e
variado, podendo esse sujeito apresentar-se em eventos esporádicos ou regulares, atuando em territórios como hospitais, escolas, bibliotecas,
centros culturais, museus, teatros, empresas, cafés e livrarias (FLECK,
2009). Observou-se a dinâmica das práticas desses atores sociais em
alguns desses territórios, atuando como narrador profissional autônomo
remunerado ou profissional sem remuneração específica. Ao
acompanhar os movimentos da sua atuação, deparou-se com um
coletivo de sujeitos que fazem parte do Grupo Filhos de Griô do
MUCANE: Oliveira e Pereira que paralelamente coordenam o Grupo
Planeta Contos. Assim como, com as narradoras Bossoes, Samôr e
Magalhães que participam desse grupo e que também são componentes
62
do Grupo Chão de Letras25.
Ilustração 4 - Grupo Filhos de Griô (1º Encontro Estudantil de Histórias
Afro Brasileiras - MUCANE)
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
Fazer um evento desse, o 1º Encontro Estudantil de Histórias Afro Brasileiras, para
mim é melhor [...]. Eu trago crescimento coletivo pra todos os contadores de histórias
que vieram, para estudantes que querem aprender um pouco mais sobre contação
de histórias. Então gasto o meu tempo fazendo evento que é bem produtivo, porque
eu aprendo a fazer um evento e ajudo as pessoas a trabalhar com contação de
histórias (Narrador Pereira).
O primeiro encontro capixaba de estudantes com a matriz afrodescendente foi uma
ideia do Fábio Perere. Ele levou para o Chico Aníbal, que trabalha contação de
histórias no MUCANE e todos nós abraçamos. Passou a ser um projeto de todos nós.
A Livraria Paulinas também está nos ajudando nesse projeto (Narradora Magalhães).
Hoje a gente tem alguns trabalhos com públicos particulares, remunerados ou não,
mas muito trabalho ainda no 0800 [...], mas isso está diminuindo um pouco e, agora,
a gente está aqui no Museu do Negro. Depois de várias voltas que fiz no Brasil,
encontrei algumas pessoas para discutir não só a questão afro, mas também da
oralidade brasileira, mas aprendendo também com a questão do racismo, do
25 Grupo coordenado pela Biblioteca Municipal de Vitória (ES).
63
preconceito contra mulher, negro, deficiente, o que for nesse sentido (Narrador
Pereira).
Reunidos em torno de três grupos diferentes, esses artistas oferecem
autonomamente uma diversidade de serviços e produtos: confecção de
marionetes; oficinas de formação de contadores de histórias; produção
cultural de eventos e apresentações performáticas. A observação do 1º Encontro Estudantil de Histórias Afro Brasileiras, realizado no MUCANE,
deu visibilidade ao movimento de um trabalho desenvolvido com o
propósito de discutir a afrodescendência brasileira pela via da narrativa
oral (Ilustração 4).
Na observação do campo percebeu-se uma conexão entre os
participantes do evento. A proposta do encontro foi baseada em
demandas sociais identificadas pelo grupo de contadores de histórias,
culminando na programação de momentos de audição de histórias,
oficinas, exposições e outros. Por meio desse encontro o MUCANE
recebeu vários profissionais da área da informação, educação e cultura,
dentre eles sujeitos interessados na arte de contar histórias e produção
cultural, como bibliotecários, docentes e discentes de várias escolas do
ensino fundamental, médio e técnico do Estado do ES.
O diálogo estabelecido com as contadoras de histórias Bossois,
Magalhães e Samôr amplia a visão acerca dos espaços de atuação dessa
categoria de profissionais autônomos. Tendo em vista que essas três
narradoras são componentes do Grupo Chão de Letras, ligado à
Secretaria de Cultura da PMV, por meio do atendimento aos projetos
da Biblioteca Pública Municipal de Vitória (ES) acabam atendendo ao
público em territórios diversificados.
Eu acho que é da minha formação e da minha natureza, só que estava esquecido.
Então eu tomei posse de uma coisa que eu gosto. Foi maravilho e eu sou muito
agradecida a todas as minhas amigas que tanto me incentivam (risos). Sou
sinceramente muito agradecida, temos um grupo gostoso. Somos do Grupo Chão de
Letras, efetivamente em quatro. Tem muita gente que entra e sai (Narradora
Bossois).
64
A gente oferece nossos serviços em todos os espaços que a Biblioteca Municipal de
Vitória atende, praças, CAJUN26, nos CRAS27, na feira pública também a gente já se
apresentou, na calçada (Narradora Magalhães)...
Sim... Na calçada! A história cabe em qualquer espaço (Narradora Samôr).
Asilos também a gente já foi e trabalhou com grupos de terceira idade (Narradora
Bossois).
Ah! Nós também trabalhamos com dependentes químicos [...]. A gente encontra com
eles às vezes na rua tomando conta de carros: - Tia, você foi lá contar histórias! Tem
uma que me pega no colo e me levanta. Então é muito gratificante, sempre
foi (Narradora Samôr).
E casa que acolhe gente que mora na rua [...] (Narradora Bossois).
Tem também os espaços de igreja. Eu conto histórias também na catequese infantil
da Igreja Católica (Narradora Magalhães).
Eu já contei também em hospitais [...]. Eu comecei a trabalhar com crianças em
hospital que faziam acupuntura e tinham horror da agulha. Eu ia lendo histórias
enquanto eram agulhadas e deu certo. Isso foi no Hospital das Clínicas28 (Narradora
Bossois).
O narrador autônomo remunerado também pode atuar em diversos
territórios de educação e cultura voluntariamente. Essa classificação
indica, para além da autonomia, uma prática profissional que pode não
ser remunerada. No que se refere à atuação do contador de histórias
profissional sem remuneração específica, cabe observar uma certa forma
de narrar dessa categoria no cotidiano da escola e da biblioteca por
conta de uma ligação institucional. A dinâmica da ação cultural
desenvolvida por esse sujeito narrador auxilia na compreensão de uma
atividade que constantemente é desenvolvida de maneira fixa em
espaços de educação formal.
O trabalho do narrador que atua em espaços como a escola e a
biblioteca, geralmente gira em torno da criação de práticas de incentivo
à leitura perpassando temas de interesse do público atendido. A ação
realizada na área da narrativa oral na biblioteca da EMEF ABL exemplifica
26 Serviço de Convivência para Crianças e Adolescentes – CAJUN 27 Centro de Referência de Assistência Social - CRAS 28 Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), foi incorporado à UFES
com a denominação de Hospital das Clínicas.
65
bem o exposto. “Quando seleciono algo para os alunos objetivando o
incentivo à leitura, está ligado a esse objetivo. O que vai chamar a
atenção dos alunos para alguma coisa, como trabalhar com o tema
diversidade ao desenhar o próprio rosto” (Narradora Mendonça). Ao
selecionar a narrativa do poema “Diversidade” de Tatiana Belinky, a
bibliotecária dessa escola criou outras formas de dialogar com os alunos
durante os momentos de narração de histórias (Ilustração 5).
Ilustração 5 – Produções em torno da obra “Diversidade” de Tatiana
Belinky
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
No espaço de uma escola que tenha uma unidade de informação o
trabalho com o texto narrativo geralmente acontece na biblioteca,
devendo esse território ser um ambiente convidativo para o qual
constantemente o público costuma retornar. O momento de contação
66
de histórias deve garantir a continuidade da atividade de incentivo à
leitura e a oportunidade de buscar um livro relacionado com a narração.
Os trabalhos ligados à narrativa oral na biblioteca da EMEF ABL
resultaram em num produto final: um livro feito pelos próprios alunos
após a contação de histórias com o ensino fundamental. Culminou
também no registro das atividades que proporcionaram um diálogo
sobre a autoestima, as características de cada um, entre outros aspectos.
A narradora Mendonça relata ainda que existem crianças que se
recusaram a pintar a cor original de seu rosto no desenho do livro,
demandando um trabalho maior com a autoestima e afirmação da
identidade durante a produção cultural.
Ilustração 6 – Contação de histórias com a narradora Mendonça (Biblioteca
da EMEF ABL)
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
Fiz um curso de uma manhã na Paulinas. Tem uma narrativa que aprendi lá e conto
até hoje, a história da Corujinha. Fiz com uma pessoa da área da pedagogia. A escola
e acho que a livraria pode entrar também [como espaço de formação] por conta
desse curso que fiz. A oficina em que vou atuar como formadora com Eduardo será
na Livraria Paulinas. Como formadora será a primeira vez. Trabalho
profissionalmente na escola em que atuo e desenvolvi um trabalho de voluntariado
67
na APAE29. Muito raramente em sala de aula. Atualmente em sala de aula apenas
quando uma turma grande não cabe na biblioteca (Narradora Mendonça).
Para alcançar uma das metas do contexto da educação formal que é a
criação de práticas de incentivo à leitura, essa narradora propõe uma
viagem pelo mundo da imaginação, pela literatura e pela música
(Ilustração 6). As narrativas são apresentadas como um certo modo de proporcionar à criança permear o mundo das histórias selecionadas,
preparadas e comunicadas. Para isso, utiliza-se do recurso da música, da
poesia, do desenho e outros meios de expressão artísticas e literárias.
Conforme exposto pela narradora Mendonça, a busca por uma
formação específica para narrar histórias levou-a a atuar
profissionalmente em espaços fixos como a biblioteca escolar. Por conta
do exposto, discretamente inicia um trabalho como autônoma em
outros territórios por meio eventos esporádicos fora da instituição
educacional. Construindo espaços de criação e de incentivo à variadas
leituras, as atividades vão sendo desenvolvidas por essa narradora que
se caracteriza como uma profissional sem remuneração específica e ao
mesmo tempo remunerada autônoma.
Quadro 5 – O estado da arte da atuação do contador de histórias
contemporâneo
FORMAS DE ATUAÇÃO TIPO DE
LIGAÇÃO
CAMPO DE ATUAÇÃO
Profissional
remunerado
autônomo
Formador, narrador,
pesquisador e voluntário
Atuação em eventos
esporádicos em
territórios de educação,
informação e cultura
Profissional sem
remuneração
específica
Formador, narrador,
pesquisador e voluntário
Atuação fixa em eventos
regulares em territórios
de educação, informação
e cultura
Fonte: Elaborado durante a elaboração da pesquisa.
O cenário apresentado acerca dos indicadores do perfil profissional do
sujeito narrador, delineia o estado da arte da atuação do contador de
29 Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Vitória (APAE).
68
histórias no cenário espírito-santense. A atuação desse narrador pode
ser representada por duas categorias: contador de histórias profissional
remunerado autônomo e profissional sem remuneração específica.
Atuando em eventos esporádicos e/ou tendo um compromisso de
oferecer serviços e produtos em eventos regulares, deve ser
considerado como um profissional que poderá estabelecer uma
diversidade de ligações com a narração oral (Quadro 5).
As atividades que giram em torno da narração de uma história não
podem ser confundidas com atividades didáticas. O contador de
histórias das duas categorias (profissional remunerado ou sem
remuneração específica), deve aprender a conduzir de maneira lúdica os
momentos de comunicação de uma narrativa. O mesmo se refere a
outros tipos de produtos e serviços oferecidos pelo narrador de
histórias. No tópico seguinte aprofunda-se um entendimento sobre a
categoria de formação desse profissional, ligado ou não
institucionalmente ao cotidiano da escola, biblioteca e outros territórios de educação, informação e cultura.
INDICADORES DO PERFIL PROFISSIONAL: CATEGORIA
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Durante a abordagem de aspectos relacionados com a categoria anterior
fora destacada a importância da identificação dos dados pessoais e
profissionais, sendo possível percebê-los atravessados por temas como
o tipo de ligação com a área e diferentes formas de atuação do contador
de histórias na contemporaneidade. A segunda categoria permite o
delineamento dos indicadores do perfil do narrador ao enfocar aspectos
relacionados, especificamente, com a formação profissional desse grupo
de narradores.
Essa formação encontra-se imbricada com experiências compartilhadas
em territórios de atuação profissional, familiar e comunitário,
possibilitando aprendizagens formais e informais. A “categoria formação
profissional” é acompanhada da descrição de temas como formação
escolar e acadêmica, espaços tempos de formação no campo da
narração oral, contribuição do ciberespaço no processo de
profissionalização, dentre outros elementos que se constituem como
69
indicadores de análise do perfil do sujeito narrador (Quadro 6).
Quadro 6 - Descrição de temas que compõem a segunda categoria dos
indicadores do perfil profissional
INDICADORES DO PERFIL PROFISSIONAL
Categoria formação
profissional
TEMAS TEMAS
Formação escolar Formação acadêmica
Formação específica na
área da narrativa oral
Instituições que
forneceram espaços
de formação no
campo da narrativa
oral
Influência de narradores
de contextos tradicionais
Contribuição do
ciberespaço no
processo de
formação
Fonte: Produzido durante a elaboração da pesquisa.
A identificação de informações relacionadas com a aquisição de
“competências acadêmicas e não acadêmicas” do contador de histórias,
é pressuposto para entender o processo de aquisição das habilidades de
comunicação no contexto da sua profissão. Desse modo, torna-se
significativo considerar aspectos relacionados com a formação escolar
e/ou formação acadêmica desse profissional.
A educação formal que ocorre no âmbito de instituições alicerçadas pela
ação pedagógica, seria, inicialmente, responsável pela aquisição de
competências (habilidades, conhecimentos e técnicas) adquiridas pelo
narrador. Os conhecimentos adquiridos no âmbito da educação formal
também estariam aliados à educação informal que permeia o cotidiano
fora dos territórios escolares e acadêmicos. Dessa maneira, além das
habilidades e conhecimentos obtidos na escola e na academia, constam
aqueles que podem ser compreendidos no campo pessoal possibilitando
aprender ao longo da vida. “Entre as habilidades pessoais contam
também as de comunicação (apresentar-se, verbalizar pretensões,
comunicar-se com linguagem adequada, entender informação e
comunicação)” (DEMO, 2012, p. 21).
Perante ao exposto, identifica-se o último nível de formação escolar ou
acadêmica que os sujeitos narradores receberam em espaços formais de
70
educação, compreendido entre o ensino fundamental e cursos de pós-
graduação como especialização, mestrado e doutorado (Gráfico 2).
Caso a investigação fosse conduzida em outros territórios de educação
e cultura, talvez não fosse identificada a predominância da formação
superior de graduação (30,88%) e de pós-graduação (61,76%).
Gráfico 2 - Indicação da formação escolar e acadêmica do contador de
histórias
Fonte: Produzido durante a elaboração da pesquisa.
Meu ensino médio foi o de Magistério, depois cursei Serviço Social e Biblioteconomia
no ensino superior. Eu acho que o Magistério dá uma base pra trabalhar na escola.
Nunca trabalhei como professora. Eu saí do magistério trabalhei um tempo e depois
é que consegui ingressar na UFES, primeiro no Serviço Social e depois no Curso de
Biblioteconomia. Fiz tudo na UFES (Narradora Mendonça).
Fiz mestrado na área de Ciências Sociais e antes trabalhava em serviços de escritório.
Depois fui para a sala de aula porque eu achava que era algo melhor pra mim. E
quando fui trabalhando com sociologia, dei a devida importância ao processo histórico
da sociedade, coisas reais da sociedade (Narrador Pereira).
Tenho especialização em Biblioteca Escolar e Mestrado em Ciência da Informação.
Acho que a formação profissional auxilia, desde a graduação e talvez a minha área
específica, tenha me levado pra isso por eu ser apaixonada por trabalhar com o
visual, com a imagem (Narradora Uliana).
0%10%20%30%40%50%60%70%
0% 2,94%
30,88%
4,41%
61,76%
71
Faço especialização na área de Gestão e Administração de Bibliotecas, por esse
motivo cheguei mais cedo para pesquisar [...]. Meu ensino médio foi Auxiliar Técnico
em Administração. Acho que a Biblioteconomia por si só, quando você vai para a
biblioteca escolar, como no meu caso que trabalhei a vida toda nesse espaço, a gente
acaba tendo que desenvolver a narrativa de histórias (Narradora Pereira).
O percentual da formação acadêmica é um indicador valioso no decorrer dessa análise por conta do exercício de atividades paralelas à
área da contação de histórias. À vista disso, um pouco mais do que a
maioria afirma possuir cursos de pós-graduação em nível de
especialização completa (52,94%), seguido por mestrado (7,35%) e
doutorado (1,47%). Diante da indicação da predominância da formação
acadêmica em função da formação escolar, ambas fruto da educação
formal, verificaram-se algumas áreas em que os atores da pesquisa
realizaram seus cursos:
- Graduação: Arquivologia; Artes; Biblioteconomia; Ciências Sociais;
Direito; Educação Física; Geografia; História; Inglês; Letras; Pedagogia;
Serviço Social; etc.
- Pós-Graduação: Especialização em Direito do Trabalho;
Especialização em Gestão Empresarial; Especialização em Gestão de
Tecnologias Educacionais; Especialização em Planejamento e Gestão de
Unidades de Informação; Especialização em Psicopedagogia; Mestrado
em Educação; Mestrado em Ciência da Informação; Mestrado em
Ciências Sociais; Mestrado em Psicologia Social; Doutorado em
Educação; etc.
O fato de que a maior parte da coleta dos dados foi realizada com
contadores de histórias da Região Metropolitana da Grande Vitória
(ES)30, fornece elementos para pensar em outras possibilidades de
pesquisas no interior do Estado do ES, para identificar, por exemplo, o
nível de formação e de atuação cultural do narrador com características
tradicionais. Todavia, essa questão dará pano para outros tecidos e
outras investigações no campo da narrativa oral. Enquanto isso não
acontece, esta análise direciona-se para a formação de um profissional
que atua em espaços de informação, educação e cultura nessa região.
30 Região composta pelos municípios do ES de Vitória, Cariacica, Serra, Guarapari e
Fundão.
72
Tendo em vista que “Nenhuma prática educativa se dá no ar, mas num
contexto concreto, histórico, social, cultural, econômico, político, não
necessariamente idêntico a outro contexto”, no campo da narrativa oral
deve-se considerar os vetores elencados por Freire (2006, p. 20). Trocas
de informações e produções de conhecimentos, desse modo, ocorrem
em territórios de informação, educação e cultura que ocasionam em
aprendizagens informais, para que possam complementar a estrutura da
formação ofertada pela educação formal. As atividades informais
geralmente costumam acontecer fora do ambiente escolar e acadêmico,
portanto o contador de histórias é despertado para uma arte milenar
por meio de ações de formação informais que, muitas vezes, podem ser
promovidas dentro e fora do contexto de instituições de ensino.
Os diálogos estabelecidos com os narradores demonstram a
importância do oferecimento de atividades formativas por parte de
instituições educacionais e, no caso específico desses sujeitos, destaca-
se a instituição universitária. Tendo em vista que a biblioteca escolar e pública são territórios de atuação em que a prática voltada para a
narrativa oral se faz presente, torna-se possível encontrar nos cursos de
graduações da área da Biblioteconomia e Letras espaços de
aprendizagens formais e informais direcionados para a arte de contar
histórias. No entanto, o maior desafio das instituições de educação
formais na contemporaneidade é propiciar a construção de
conhecimentos que flexibilizem a estrutura rígida da disciplinaridade
(DEMO, 2012).
O nível de formação formal que obtive e com o qual faço uma aproximação com a
contação de histórias é a graduação em Biblioteconomia. Porque foi a partir dessa
graduação que descobri que era contador de histórias. Eu não sabia que levava jeito
para isso e comecei a estagiar logo no primeiro período, em 2001, numa biblioteca
escolar. Após auxiliar a bibliotecária a fazer o processamento técnico percebi que não
fazia muito sentido fazer a automação do acervo, processamento técnico, registrar
as obras no sistema e não usar (Narrador Valadares).
O curso de Biblioteconomia auxiliou no meu processo de formação, porque existiam
cursos que eram divulgados, só que não consegui participar. A disciplina de ação
cultural também possibilitou que conhecesse a arte de narrar. Assim como, tive
contato com literaturas falando sobre isso, e a gente sempre dava um jeito de usar a
contação de histórias ao longo do curso. Por exemplo, em um dos trabalhos que
apresentei na disciplina de psicologia utilizei fantoches para fazer a dinâmica da
73
apresentação do seminário. Foi muito legal, foi na Biblioteca Central da UFES
(Narradora Helena Silva).
Eu me formei em Letras e nesse curso a gente estuda literatura infantojuvenil e toda
a base teórica da literatura, da oralidade e da escrita. Estudei bastante, estudei muito.
E participei de alguns seminários e congressos na área de Letras. Nesses eventos
sempre tinha alguma coisa voltada para a literatura infantil ou para a contação de
histórias. Então participei de minicursos e oficinas durante o curso de Letras, mas
nada com intenção profissional, porque naquela época achava que seria professora
de gramática do ensino fundamental. Quando tinha, sei lá, uns seis minicursos na
bagagem, depois de 4 anos e meio de academia, já tinha feito muita coisa. Dei aula
um bom tempo, na escola colocava em prática a contação de histórias, leitura,
oralidade, só que não pensava em fazer isso profissionalmente, nem chamava de
contação de histórias, nem pesquisava, estava mais preocupada com o serviço diário
em torno do ensino da gramática para crianças de 5ª a 8ª série (Narradora Kruger).
A aquisição da competência narrativa ocorre tanto em ambientes
formais, quanto em ambientes informais desprovidos das metas
institucionais que os espaços de aprendizagens formais carregam. As
trocas de experiências no campo da informalidade acontecem por meio
da audição de histórias em contextos tradicionais ou em uma audição
dos pares em apresentações performáticas. Considera-se que o
processo de formação também deve ser complementado por ações que
aconteçam no âmbito da informalidade. “As pessoas sentem necessidade
do encontro, da troca, da partilha de experiências no campo de sua
atuação [...]” (FLECK, 2009, p. 10), dessa maneira, aprende-se
igualmente com narradores com características tradicionais, formadores
em cursos e outros sujeitos capazes de compartilhar seus saberes e
fazeres.
A influência dos narradores com características tradicionais na formação
dos contadores de histórias fundamenta-se no intercambiamento de
experiências, remetendo ao fato de que um “[...] grande narrador tem
sempre suas raízes no povo, principalmente nas camadas artesanais”
(BENJAMIN, 1994, p. 214). O relato de uma professora da Rede de
Ensino Privada de Vitória (ES), durante um curso de extensão na ocasião
da pesquisa, remete a um período de audição de histórias em sua
infância, no qual alimentava a crença de que alguém de sua família
transformava-se em lobisomem. A declaração que provocou risos entre
os seus colegas educadores, aproxima-se de outras histórias em torno
74
desse mito contado por narradores da tradição de diferentes localidades
e épocas.
A mania de lobisomem viveu seu auge na Europa da
Idade Média e nos anos de Inquisição. [...] Naqueles
tempos, os relatos eram tantos e tão comuns que era
raro encontrar alguém que não acreditasse na
existência desses seres. Isso pode parecer estranho
para nós, mas ilustra como uma ideia acabava difundida
e ganhava credibilidade (HUECK, 2016, p. 65).
No Brasil e em outros países a crença em seres míticos como o
lobisomem ainda é evocada. “Não faltavam pessoas que jurassem de pés
juntos que haviam visto, conhecido ou ouvido falar de alguém que tivesse
se transformado em lobo” (HUECK, 2016, p. 65). A narrativa universal
do lobisomem entre outros personagens míticos, constantemente é
conjurada pelos contadores de histórias tradicionais e pelo imaginário
capixaba, auxiliando, com isso, no processo de formação do narrador
contemporâneo (CASCUDO, 2006).
Na mesma direção do diálogo estabelecido com professores de uma
escola da rede privada, a experiência da audição de histórias que permeia
o imaginário popular acaba por compor a formação da narradora Helena
Silva que atua em uma instituição de educação pública do município de
Cariacica (ES), corroborando que o mito do Lobisomem afeta
diretamente a prática cotidiana dos sujeitos narradores espírito-
santenses. No ato de evocar à memória essa narrativa de conhecimento
da população do Estado do ES, também percebe-se a influência dela na
produção literária da narradora Sampaio.
Papai contava histórias típicas da Paraíba, localizada na Região Nordeste. Narrava
histórias como “A mula sem cabeça” que me influenciou pela riqueza da experiência,
servindo até os dias de hoje como inspiração. Contava sobre o Lobisomem jurando
que era verdade e colocava palitos de fósforo acesos na boca para encarnar o
personagem. Teve uma época em que mudamos para um bairro que não tinha
energia elétrica e, na varanda, enquanto ele contava várias histórias, jurava que meu
avô, o pai dele, virava mesmo Lobisomem (risos) (Narradora Helena Silva).
Quando estava no processo de elaboração de meu primeiro livro, eu tinha uma
ligação muito forte com Guarapari e ia todo o final de semana para lá. Eu conhecia
muita gente, conversava com muitas pessoas e quando eu lancei o livro eles
75
começaram a me contar as lendas dessa região. O "Lobisomem de Guarapari" eu já
procurei em um monte de lugar e ela não está registrada, então, já estou escrevendo
um poema com a história. E o legal das lendas é a gente perceber a conexão que
elas têm com a realidade. O "Lobisomem de Guarapari" tem a ver com
o saneamento básico. Ele é um lobisomem que aparece em quintais que estão com
casca de sururu porque as pessoas descascam e largam as cascas. Ela foi criada para
assustar as pessoas que largam lixo no quintal, casas que proliferam ratos, mosquitos,
etc. (Narradora Sampaio).
A história do Lobisomem e outras narrativas populares são
constantemente oralizadas por narradores com características mais
tradicionais. Estes contam como se fosse verdade e um ouvinte que
realmente mergulha no enredo dificilmente consegue questionar a
veracidade dos fatos. Essa constatação conduz ao pensamento de que
quem escuta um conto está sempre em companhia do repertório
cultural, social e histórico de um narrador (BENJAMIN, 1994). O ato de
ouvir e contar histórias, desse modo, pode ser identificado como uma
importante prática de formação e compartilhamento de experiências.
“Além de entretenimento, ouvir histórias ao redor da mesa, na eira,
tem como função um modo de aproximar familiares e trabalhadores”
(YUNES, 2012, p. 68, grifo nosso).
Tabela 3 – Influência de narradores da tradição no processo de formação
informal
Variável Categoria %
Influência da
tradição
Influenciado 75%
Não influenciado 20,60%
Sem resposta 4,41%
Total: 100%
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
A indicação de que a maior parte dos narradores ouviram histórias de
sujeitos com características tradicionais (75%), coloca em análise a
influência que receberam dos narradores da tradição (Tabela 3). O
percentual que afirma ter sido influenciado por narradores com
características mais tradicionais é representativo (75%), permitindo
contatar que durante décadas a atividade de narrar oralmente esteve
ligada ao compartilhamento de experiências. Aliado ao fato de que o
76
narrador da tradição influencia novos e experientes profissionais,
encontra-se a
[...] reminiscência doméstica dos que tiveram a sadia
promiscuidade de diferentes estratos socioculturais e
geracionais nas famílias estão mais numerosas em
cidades onde ‘causos’ vividos logo se transformavam
em histórias que eram as notícias do lugar (YUNES,
2012, p. 60).
Os diálogos que giram em torno da influência da audição de histórias
desde a infância até a fase adulta, denotam uma certa autoridade dos
familiares e outros narradores com características tradicionais. Os
encontros com esses contadores de histórias são facilmente
caracterizados pela “[...] escuta e como consequência de encontros para
contos de tradição da transmissão oral, devidamente guiada por um filho
da tradição” (GIORDANO, 2013, p. 35). Em um momento de formação
com caracterização informal, podem compartilhar aspectos relacionados com a prática de narrar por meio de conhecimentos relacionados com
a oralidade.
Logo, a intervenção dos membros da família é facilmente percebida no
decorrer dos diálogos com os narradores de histórias. Para além do
incentivo que os avós, pais e tios proporcionaram, no decorrer das falas
identifica-se a apropriação de crendices populares e brincadeiras no
intuito de tornar a narrativa mais atrativa. Além do exposto, percebe-se
que “Os tradicionais contadores de histórias repassam os
procedimentos éticos de um contador de histórias como um
conhecimento milenar, que garante a conservação e a transmissão de
tudo o que deve ser aprendido” (GIORDANO, 2013, p. 34)
Tive a influência na família, minha avó contava histórias para nós, a minha tia
também contava histórias. E a minha mãe, de certa forma fazia muitas brincadeiras
conosco, [...] a gente brincava muito de roda. Aquelas brincadeiras infantis de belisca,
não sei se você já viu. Com as pedrinhas! Ela ensinava a gente de fazer isso, brincava
de passar anel, muitas outras coisas. Mamãe brincava muito com a gente. E essas
pessoas, principalmente a minha avó e a minha tia contavam histórias (Narradora
Magalhães).
Minha avó e minha mãe, perfeitas contadoras de histórias [...] contavam histórias
para me proteger e aos meus irmãos do rio profundo. Contavam histórias do povo
77
das águas que eram tenebrosas e que viviam lá e que puxavam as pernas da gente
para morrer afogado, entendeu? Essas coisas todas para ficar com medo. Mas
ao invés de sentir medo, eu tinha motivação para caçar Saci, que era muito levado e
enganador, Mula sem cabeça, Curupira. Todas essas histórias do grande folclore
brasileiro que na verdade é mundial, porque acredito piamente, diante das minhas
experiências, diante das minhas vivências e capacitações, que as histórias narradas
fazem parte do patrimônio cultural universal (Narradora Biancardi).
A minha mãe também era contadora de histórias, mas só que sem formação. Ela
ainda é contadora de histórias da Barra do Jucú, em Vila Velha. Sempre me vi num
ambiente em que ela contava histórias sobre o nosso bairro. Então eu acho que isso
colaborou muito. O curso de Biblioteconomia e a minha história de vida também
(Narrador Valadares).
Na verdade eu sou filho de sergipana, não é? Então minha mãe chegou ao Estado
quando tinha de 8 para 10 dez anos, e ela contava e cantava muito, cantava as
cantigas de rodas. Ela contava muita história também de Lampião e de como que
era na sua época, o receio que eles tinham e isso ficou na lembrança e é familiar. E
isso foi passando, são 4 filhos e eu sou o caçula [...] e por ser minha mãe funcionária
pública, quem me criou mesmo foram meus irmãos. Então, caçula e sendo bajulado
e criado por irmãos tinha sempre uma parte da Literatura e de contar histórias
(Narrador Pereira).
O ato narrar histórias fictícias ou reais por parte desses narradores de
“causos”, acaba por permitir que em alguns momentos haja o
atravessamento da tecnologia da escrita. O narrador com características
tradicionais apropria-se de obras publicadas para que a leitura de
histórias aconteça, ao passo que esse processo não está isento da
[...] apropriação de sua própria história [relacionada
com a trajetória do coletivo]. É uma maneira de
autoexpressão e de encontrar o seu lugar no mundo,
de entrar em contato com as suas verdades, desejos
e, especialmente, de dar significado à sua existência
(FLECK, 2009, p. 28).
O narrador com características tradicionais pode narrar de memória ou
ler uma história de forma a envolver o seu ouvinte em um momento de
aprendizagens no campo da narrativa oral. “Ler junto em sala ou contar
literatura cria uma cumplicidade que nos lembra o colo da ama, da mãe
ou da avó, ao cair da noite, embalando o sono dos meninos com
cobertores de imagens” (YUNES, 2012, p. 68). A ausência de formação
78
específica da área de contar histórias direcionada para os narradores da
tradição, não impede que esses sujeitos sejam fonte de inspiração para
aqueles que fazem dessa arte uma profissão. A experiência que
costumam compartilhar ocasiona em possíveis contribuições para a
formação profissional.
Aprendi a gostar de ler com uma família de contadores de histórias, a minha avó
contava histórias, a mãe, a bisavó e as tias. Era uma família de contadores de histórias
e de leitores também. Então eu aprendi a gostar de ler com as muitas histórias
maravilhosas que elas me contavam. Eu tenho lembranças de quando eu tinha um
ano, talvez um ano e meio, sentada numa cama macia de plumas, sabe um colchão
de plumas da minha bisavó e ela lendo uma coisa que eu não entendia nada e depois
é que eu fui resgatar essa memória [...]. Então, essa coisa de ouvir história na minha
vida começou muito cedo. Ela tem uma conotação afetiva, porque eram familiares
que me contavam e que me deram um desejo imenso de ler (Narradora Sampaio).
Na minha casa não tinha televisão até uns 11 ou 12 anos, e a minha mãe estudou
até a 3ª série. Meu pai trabalhava no período da noite, então, a gente dormia na
cama dela, mas antes de dormir ela sempre lia alguma coisa pra gente, sempre
contava uma história [...]. Toda vez que penso nela eu lembro da minha mãe no
meio, nós três (meus irmãos e eu) e minha mãe lendo um gibi, um livro e até a Bíblia
que fosse. Toda noite ela lia alguma coisa para a gente. Essa prática de narrar
histórias vem dela na verdade (Narradora Pereira).
Meu pai era cantor, ganhou um concurso na Rádio Espírito Santo nos anos 30 e meu
avô não deixou ele ir, dizia que não era ambiente bom e tudo mais. Eu nasci com o
saber artístico de meu pai, a gente cantava muito [...] era um cara muito musical e
ele contava muita história também. Ele é descendente de Português, do meu avô
Firmino Varejão e de vovó, mãe do meu bisavô Firmino. Ele contava muitas histórias
da vinda dele para o Brasil (Narradora Varejão).
Eu nasci no interior e não havia luz elétrica e uma das diversões da gente era ir ao
vizinho, um fazendeirão. A gente sentava à beira de um fogão de lenha nas noites
frias. E ali os mais velhos ficavam contando histórias. Então, muitas das histórias
que hoje eu sei, ouvia nessas noites. Depois eu voltava pra casa morrendo de medo,
porque era muita história de assombração. Minha mãe também contou algumas
histórias pra gente. Ela gostava muito de contar (Narradora Bossois).
No decorrer dos diálogos percebeu-se um contador de histórias que
domina técnicas da oralidade, da leitura e do uso de outros recursos
como a musicalidade. Todavia, a oralidade ainda é o fundamento da
narração, ou seja, a palavra falada é fundamental para transformar o ato
79
de narrar em expressão artística (GIORDANO, 2013). Os narradores
com características tradicionais geralmente utilizam-se, para isso, de
fatos cotidianos, dos contos de assombração e de seres mitológicos que
pertencem a um repertório universal.
Esses contadores de causos que se transformam em grandes mestres
narram em torno de uma fogueira, de um fogão de lenha, em espaços
rurais e urbanos, em suas residências, em rodas de conversas e em
tantos outros espaços tempos. Muitas vezes sequer percebem que são
responsáveis pela formação profissional de outros narradores. A
tradição da arte narrativa é um elemento constituinte da formação do
contador de histórias capixaba e, por conseguinte, os narradores
contemporâneos com ou sem características acentuadas da tradição,
devem dominar técnicas para o exercício da narração oral.
Diferente de um contador de histórias que procura adquirir habilidades
e técnicas para uma possível profissionalização, o narrador da tradição
ao longo do tempo constrói sua competência em ambientes de formação informais, como nas pequenas comunidades espírito-santenses de
residências familiares, pescadores, quilombolas, paneleiras, desfiadeiras
de siri, catadores de caranguejo, etc. Por conta do exposto, pode-se
considerar que esse sujeito contemporâneo é dotado apenas de uma
prática artesanal de contar histórias?
Eu comecei a contar como o pessoal conta no interior. Quando eu voltei em 2001,
fui para a bienal do Rio só para pesquisar, eu fui para o Simpósio Internacional de
Contadores de Histórias. Eu também tive a sorte de chegar lá e encontrar um espaço
para me apresentar e as pessoas gostaram do meu jeito interiorano, tradicional de
contar. Então eu comecei a contar histórias de um jeito tradicional, com técnicas e
contava profissionalmente, mas com a valorização do método tradicional e bem
capixaba de contar. Quando teve um documentário eles me chamaram justamente
porque fazia essa ponte, entre o griô, que é totalmente tradicional e o urbano. Porque
você conta histórias tradicionais, mas é urbano. Então eu fui entender que o meu
perfil vinculava essa figura do rural (tradicionalismo) ao urbano. Eu tenho esse jeito
de contar e a predileção por contos tradicionais vem desses mestres, dessas pessoas
que não são consideradas profissionais (Narrador Moraes).
Conceber um contador de histórias com características tradicionais que
busca formas de profissionalização é justamente o que indica a colocação
do narrador Moraes: um narrador que atua como escritor e formador,
80
porém, que ainda assim consegue manter os ensinamentos dos mestres
que ouviu e com quem aprendeu ao longo da vida. Depreende-se que a
experiência que passa de narrador para narrador (BENJAMIN, 1994)
fundamenta, por conseguinte, a formação profissional de um narrador
contemporâneo que pode transitar em espaços de aprendizagem no
âmbito formal e informal.
O ato de ouvir e, posteriormente, memorizar uma narrativa coletada
em ambientes de aprendizagens, formais e informais, implica em não
excluir da memória social o caráter inventivo de uma prática que, ao
mesmo tempo, considera a necessidade de recreação de uma
coletividade, indicando, dessa forma, que o caráter repetidor é
indissociável da atividade criativa de narrar histórias (GONDAR, 2005).
O mesmo acontece com o contador de histórias que aos poucos se
torna profissional desprendendo-se ou não das características
tradicionais que um dia o inspirou. Memorizando, divulgando e
disseminando os contos da tradição, nesse vai e vem, surge a necessidade de constantemente considerar a influência dos membros da
família e de outros narradores com ou sem características tradicionais.
Independente de sofrer ou não influencias de narradores da tradição,
destaca-se a importância da audição e trocas de experiências com os
pares no processo de formação do contador de histórias
contemporâneo. Em atividades dinamizadas em espaços formais ou
informais, o narrador pode se deparar com uma fonte de inspiração
preciosa para a sua prática inicial ou experiente, ao internalizar um conto
a ponto de sentir que nasceram para ser contadores de histórias,
perante um contato inicial com a narrativa oral.
Se por um lado a maioria dos contadores de histórias (75%) recebeu a
influência de narradores com características tradicionais, por outro lado
menos da metade (45,58%) afirma ter recebido formação específica da
área. O fato de que os narradores de histórias foram mais influenciados
informalmente do que participaram de atividades formais, fornece um
indicativo da necessidade de análises futuras sobre a condução dos
processos de formação no campo da narração de histórias no Estado do
ES.
Conforme pode ser visualizado, menos da metade dos contadores de
81
histórias (45,58%) participou das formações que comumente são
oferecidas em espaços formais e informais, como cursos, oficinas,
palestras, enquanto um pouco mais da metade (52,95%) não participou
de nenhuma atividade de formação voltada para a área31. Ao verificar os
tipos de atividades de formação com as quais estabeleceram contato,
percebe-se que cursos (35,29%) e oficinas (36,76%) são estruturas de
formação mais procuradas (Gráfico 3). Os cursos são os eventos mais
buscados seguido pelas oficinas, sendo esta última “[...] uma invenção
contemporânea cada vez mais procurada por pessoas em busca de
formação nas artes da narrativa” (FLECK, 2009, p. 28).
Gráfico 3 – Participação em atividades de formação
Fonte: Produzido durante a elaboração da pesquisa.
Procurei algumas ideias e descobri no Jornal A Tribuna um curso da Livraria Paulinas
sobre contação de histórias, de 4 horas. Quem ofereceu esse curso, depois que eu
me lembrei, foi a Genilda Quirino, que é bibliotecária da PMV [...]. Depois eu fiz outro,
um segundo módulo com Fabiano Moraes na livraria Paulinas também. A partir
dessas 8 horas é que eu comecei a descobri que levava jeito pra contar histórias. Fui
31 1,47% não respondeu essa questão.
0,00%5,00%
10,00%15,00%20,00%25,00%30,00%35,00%40,00%
7,35%
35,29%
16,17%
36,76%
14,70%
4,41%
82
buscando outras formações também e colocando em prática na escola. Um tempo
depois saí um pouco da biblioteca escolar e fui para outras áreas de atuação durante
o estágio do Curso de Biblioteconomia. Logo em seguida fiz outras formações durante
80 horas, seminários, simpósios, tudo isso no período da graduação. Foi muito
importante a graduação na Biblioteconomia pra me descobrir como contador de
histórias. Eu acho que o contador de histórias tem isso, você descobre que é (Narrador
Valadares).
Uma vez eu levei minha filha Alice a um congresso, um encontro de contadores de
histórias que teve na Escola Maria Ortiz32. Faz muito tempo não consigo lembrar o
ano, mas teve uma maratona de contadores de histórias. E eu fui com ela nessa
maratona. Ela era pequena e quem assistia realmente era eu, porque mamando
dormiu. E eu vi as pessoas no palco e disse: - Gente isso eu faço! Já faço em casa
todo dia, isso eu faço. E aí desciam os contadores e eu fiquei sei lá, umas seis horas
vendo o pessoal se revezando para contar histórias. Eu percebi o seguinte: eu ouvia
a história que eles tinham contado uma vez e eu me sentia capaz de recontar aquela
história imediatamente, não precisava ouvir de novo (Narradora Kruger).
Eu considero que a vivência no GECHUFES foi extremamente importante para a
minha atuação profissional. Primeiro porque a primeira atuação profissional foi nas
escolas da PMV. Lembro da gente chegando nas escolas, no próprio grupo de
Revitalização33 que tinha uma professora que contava histórias. Então uma das ações
nossas nas escolas era a contação de histórias. E não só contávamos, mas nós
também descobríamos crianças, adolescentes e jovens que gostavam e
incentivávamos eles a contarem. Fazíamos muitas vezes intercâmbios com outros
bibliotecários que contavam em outras escolas [...]. Essa vivência foi muito intensa
dentro daquele momento em que nós participamos do Projeto de Revitalização,
porque a biblioteca era o espaço por onde entravam os projetos da Secretaria de
Educação. Para a minha vida profissional esse momento foi riquíssimo (Narradora
Broseguini).
A minha primeira vez foi em um evento do PROLER que aconteceu aqui em Vitória,
em que eu fiz uma oficina e um dos desafios foi que a gente justamente contasse
uma história no auditório Manoel Vereza da UFES34. Eu contei uma história do
32 Referência a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) Maria Ortiz
da Rede Pública Estadual do ES. 33 Refere-se ao Projeto de Revitalização dos espaços escolares da Secretaria Municipal
de Educação de Vitória (PMV/ES), em que a arte de contar de contar histórias foi
explorada por dinamizadores (bibliotecários e professores) do ensino fundamental
(GERLIN, 2006). 34Trata-se do Auditório Manoel Vereza de Oliveira do Centro de Ciências Jurídicas e
Econômicas da UFES.
83
Moacyr Sclia35 que falava do Gregório que era um dos nossos mentores no PROLER
[..]. Eu tinha uma admiração profunda por todos os contadores que vinham com o
pessoal da Biblioteca Nacional. [...] E um deles parou no meio da história e falou: -
Gente me desculpa eu esqueci, eu vou ter que começar tudo outra vez. Então foi esse
ato de humildade que me fez perceber que eu sou aprendiz (Narradora Sampaio).
A análise do conteúdo do material coletado durante a pesquisa, torna visível nesta obra a ocupação dos espaços de formação como cursos,
oficinas, rodas de conversas, laboratórios, entre outros, destacando-se,
dessa maneira, a importância do processo de formação e da dinâmica da
profissionalização no cenário capixaba que ocorreu entre as últimas
décadas do século XX e que cada vez mais é fortalecida no século que
se inicia.
O aproveitamento da dinâmica criada em torno da formação que os
territórios de educação, informação e cultura cotidianamente oferecem,
acaba permitindo a aquisição de uma competência importante no campo
da narração de histórias. Os sujeitos que buscam uma formação
profissional por meio da experiência, de forma que posteriormente os
auxiliem no processo de preparação e disseminação da narrativa, pode
contar com livrarias, universidades, escolas, prefeituras e secretarias
municipais e estaduais; entre outros territórios que os acolhem nos
processos de formação.
Cursos e oficinas são bastante citados como estratégias relevantes e,
por esse motivo, identifica-se que muitos recorrem a esses tipos de
atividades. Entretanto, não se pode desconsiderar a importância de
outros espaços tempos de formação, como grupos de discussões,
atividades de extensão universitárias constantemente referenciadas e
demais modalidades de eventos realizados por instituições de diversas
procedências no Estado do ES. Muitos narradores formadores são
citados como referência podendo, desse modo, substituir a instituição
formadora pelo indivíduo que compartilha experiências com seus pares.
A audição de histórias constantemente oferecida em territórios de
atuação, públicos e privados, pode se constituir como uma atividade
35 Escritor brasileiro que atuou como médico e professor universitário. Como autor
publicou crônicas, romances, ensaios e literatura infantojuvenil, etc. (MOACYR...,
2013).
84
importante no processo de formação dos narradores na
contemporaneidade. Nos espaços constituídos e em que ocorrem
audições significativas trocas de experiências são proporcionadas pelos
colegas de profissão, permitindo que os narradores de histórias possam
cada vez mais aperfeiçoar a sua arte em verdadeiras estruturas de
colaboração.
A troca de experiências, a troca de ideias sempre enriquece. Então quando eu vou
para um curso às vezes eu ensino e às vezes eu aprendo muito mais do que eu
ensinei. Porque eu ensino algumas coisas que eu sei, só que se você juntar o saber de
trinta pessoas você vai ter um saber muito maior (Narradora Sampaio).
Já participei de vários cursos de formações com vários contadores de histórias que
têm formas diferentes de contar. Mas o que acontece? Por que é importante a gente
participar dessas formações? Primeiro porque se coloca um pouco em cheque se
aquilo que a gente está fazendo pode aprimorar. Pode pegar uma coisinha de cada
um e melhorar o seu fazer. E também você pode descobrir uma daquelas vertentes
a sua. Por exemplo, eu gosto de contar a história pura e simplesmente, de narrar
usando pouquíssimos elementos de cena (Narradora Broseguini).
Na idade adulta foi o Fabiano Moraes a primeira pessoa que me influenciou porque
ia à escola do meu filho e via o trabalho que ele desenvolvia de musicalização, depois
nas festas da escola e ficava muito feliz. Então eu fui fazer o Curso de Letras e numa
Semana de Letras a Silvana Sampaio participou e contou uma história que eu não
esqueço nunca, foi a “Formiguinha Neve” e eu disse um dia vou contar essa história.
Aí eu comecei realmente a me interessar pela contação de histórias. E hoje estou
aqui (Narradora Magalhães).
No interior também encontrei grandes mestres durante minhas pesquisas. Por
exemplo, uma coisa que eu acho bacana é que eles são importantes e fundamentais
nesse aspecto profissional do meu trabalho. Porque quando eu fiz o curso com a Bia
Bedran, percebi que ela é uma contadora de histórias que pesquisa as próprias
histórias tradicionais, mas ela é profissional e a gente sabe disso. Só que eu não vi
ela fazendo espetáculo, não tive sorte. Tive azar de um lado e sorte pelo outro de
não assistir. Eu vi ela na roda, ela sentava numa cadeira e contava coisas que ela
lembrava. Mesclava tanto histórias ensaiadas quanto histórias que ela se lembrava
simplesmente de contar (Narrador Moraes).
Dentre as instituições que forneceram espaços para a formação no
campo da contação de histórias destacam-se a universidade (47,05%), a
escola (35,29%) e os programas institucionais (30,90%) (Gráfico 4).
Esses indicadores baseiam-se em respostas fornecidas de maneira
85
isolada o que tornou difícil o processamento da análise. Em alguns
momentos os participantes marcaram não haver participado de
nenhuma atividade de formação formal e, logo em seguida, marcavam a
escola ou a universidade como responsável especificamente pelo
oferecimento de cursos no seu processo de sua formação.
Várias instituições foram apontadas como viabilizadoras de eventos de
formações, destacando-se, por conseguinte, igrejas, faculdades,
bibliotecas públicas, universidades, secretarias de educação e cultura,
programas de leitura como o PROLER e o GECHUFES, entre outras.
Entendendo os territórios e os espaços de formação como sendo de
responsabilidade de um coletivo, direciona-se um olhar para os
movimentos criados por sujeitos que atuam em instituições de educação
formal ou informal.
Gráfico 4 – Instituições que oferecem espaços de formação
Fonte: Produzido durante a elaboração da pesquisa.
Na sociedade da informação a formação no campo da narração de
histórias mais do que nunca lida com as competências dos humanos. A
arte de narrar requer uma dimensão formativa que possa compreender
“[...] o desenvolvimento harmonioso do ser humano em todos os seus
aspectos: razão, emoção, corpo e espírito [...]” (GIORDANO, 2013, p.
0,00%10,00%20,00%30,00%40,00%50,00%
35,29%
16,17%
30,90%
47,05%
25%
86
43). Tendo em vista que essa arte milenar exige aprender como se
processam as atividades de formação durante a vida inteira, acaba
exigindo, com isso, uma humanização no que se refere as relações
formadas em redes de aprendizagens e profissionalização.
Uma coisa que até hoje eu faço mesmo atuando no campo da formação, tem pessoas
que param e só trabalham com formação. Procuro sempre estar participando das
formações, procuro sempre estar buscando essas capacitações. E trocar com pessoas
como o Fabiano de Moraes que quando tem curso aberto eu faço. Eu já tive a
oportunidade de estar com Gab Kruger numa contação de histórias e em espaços
abertos, como, por exemplo, a FAFI, quando tem alguma formação de contação de
histórias. [...] Umas das histórias que eu, por exemplo, conto e que é do Fabiano
Moraes, não sei se você teve a oportunidade de ouvir, é a história do “Corcunda
pobre e do corcunda rico”, eu aprendi contar ouvindo narrativa dele (Narrador
Fernandes).
Fiz dois cursos um no início que eu não lembro com quem e esse último que vocês
promoveram na UFES com o João Vitor36 que já conhecia da Biblioteca Pública. Você
mapeou a gente pelo curso e por que aceitei ao convite? Por que já gostava da área
da contação de histórias e vi que eu poderia me capacitar para contar na escola. E
sabendo quem era e quem ia dar a oficina pra mim foi tranquilo, porque já conhecia
o João Vitor da Biblioteca Pública quando contou histórias no meu setor [...]. Por causa
do estilo e das técnicas de teatro, não é? Trabalhou a voz [e expressão corporal e
facial...]. As duas oficinas que fiz foram via Universidade... Ah! Uma outra ação foi
via SEDU, foi uma conversa com outras pessoas que também contavam e fomos
trocando experiências, nela a Ana Pacheco37 contou histórias para a gente, ela conta
muito bem (Narradora Célia).
Fui buscando meios para isso, fazendo cursos, ouvindo um pouco outras pessoas
contando na biblioteca, porque é um ambiente em que sempre acontecia contação
de histórias. E com o pedido das crianças junta-se a necessidade de atender a uma
demanda que já existia e a necessidade de suprir, buscar em livros e em cursos uma
forma de contar histórias (Narradora Helena Silva).
Boa parte dos sujeitos narradores procuram por cursos, oficinas e
36 João Vitor Lemos é ator, contador de histórias e, na ocasião, graduando do Curso de
Biblioteconomia da UFES. Como aluno voluntário do Projeto de Extensão Ideias e
práticas em informação, educação e cultura que atualmente responde por Projeto
Informa-Ação e Cultura, foi responsável pelas oficinas de contação de histórias
oferecidas por esse projeto para a comunidade interna e externa à UFES (GERLIN,
2013). 37 Bibliotecária da SEDU.
87
outros espaços tempos de (in)formação, todavia, não se pode
desconsiderar que um pouco mais da metade (52,95%) deixou de
participar de atividades formais voltadas para a sua formação. A
narradora Uliana não procurou nenhum curso ou outro evento em
específico para trilhar seu percurso nesse campo de atuação, buscou por
histórias que encontrava na internet e com os próprios colegas.
Principalmente com os professores da educação infantil que possuem
“[...] uma certa convivência com isso e têm uma habilidade também,
então, o cotidiano acaba te levando. Um indica uma coisa e que indica
outra e você acaba buscando” (Narradora Uliana).
Tendo em vista que muitos profissionais acabam contando histórias no
seu próprio ambiente de trabalho, buscando ou não uma formação
específica, aparece a necessidade de (re)criação dos espaços de
formação em que os narradores de histórias mais experientes e aqueles
que estão se iniciando na área consigam trocar informações de maneira
colaborativa. A maioria dos espaços é demarcado por atividades presenciais, todavia, registra-se que mais da metade dos contadores de
histórias dá a devida importância ao ciberespaço no que se refere ao
processo de formação (63,24%)38.
A atuação marcante dos contadores de histórias da tradição ou daqueles
que aprimoram sua arte para dedicar-se a uma atuação profissional com
características mais performáticas se complementam. Com a
intensificação do uso das TIC por parte do narrador neste século, há
que se considerar o alcance da diversidade em termos de práticas e
repertórios de narrativas. Atualmente a internet exerce uma forte
influência na área da contação de histórias, assim como a mídia televisiva
e as emissoras de rádio fizeram no século XX.
Marquei que não tive influência de um círculo pessoal, apesar de passar a infância
no Maranhão onde essa cultura é muito maior, não é? Não tive essa influência na
infância, apesar de meu pai ser um grande narrador, de contar histórias de pescador
e de caçador. [...] Mas tive a influência de um grupo chamado Ópera na Mala, que
tinha um programa Baú de Histórias na TV Cultura na década de 90, depois até
entrei em contato com a Cris Miguel que é a atriz que na época fazia o programa.
Ela é de São Paulo, maravilhosa e super acessível (Narradora Kruger).
38 19,10% não dá a devida importância e 17,66% não respondeu essa questão.
88
No século XX o GECHUFES coordenou o Contando histórias na Rádio Universitária
da UFES. Trabalhando o contexto de cidadania cultural [...] tínhamos um momento
de contar histórias, percebendo o que essa história gerava nas pessoas que ouviam
as narrativas pelo rádio (Narradora Biancardi).
Quando vem o virtual? Primeiro porque eu assisto pessoas contando, busco fontes,
material [na internet]. Artigos para o processo de formação, então, também em
2005, você publicou na Roda de Histórias, não foi? Foi justamente por eu ter esse
vínculo com a tecnologia, um vínculo com o tradicional e outro com a tecnologia
(Narrador Moraes).
As TIC têm um impacto significativo no cotidiano dos contadores de
histórias na sociedade contemporânea, sendo um fator de importância
para a criação de ambiência de facilidades de acesso e uso da informação
e criação de conhecimento (BASSETTO, 2013). Com o uso delas
ampliaram-se as possibilidades de busca de informações no campo da
narrativa oral, incluindo nesse processo o fortalecimento do uso da
internet. Sem desconsiderar as dificuldades de acesso que ela ainda apresenta, torna-se evidente a oportunidade de um contador de
histórias com características mais tradicionais ou não profissionalizar-se
no espaço virtual.
Na atualidade as mídias de comunicação disponibilizam informações
sobre as narrativas de grupos de contadores de histórias na internet. “A
narrativa ciberespacial, sem fim e sempre mutante, é um lugar de deleite
num sentido de intermináveis transformações, mas, para que a narrativa
eletrônica amadureça, ela deve ser capaz de incluir também a tragédia”
(MURRAY, 2003, p. 170). Hoje o narrador de histórias também pode
contar com as atividades de formação voltadas para a aquisição da
técnica, em seminários, cursos, oficinas e outros eventos oferecidos por
instituições formais ou informais como o ciberespaço. Na linha da
discussão sobre a potencialidade dos espaços tempos de formação e
sobre a importância que é atribuída para as informações disponibilizadas
no espaço virtual, a internet aparece como uma rede de computadores
interligados, disponibilizando ferramentas potentes para um profissional
da área da contação de histórias que aproveita esse espaço para
fortalecer sua prática (CASTELLS, 2003).
Por meio da internet, a web oferece informação em formato de páginas
hipermídia, disponibilizando não apenas textos, mas também imagens,
89
sons e outras possibilidades de leituras disponíveis na grande rede. Essas
mídias são utilizadas pelos contadores de histórias em territórios de
informação, educação e cultura presenciais. Destaca-se que desde a sua
criação a internet tem como meta permitir ao sujeito autonomia no
espaço virtual, bem como, fornecer liberdade de expressão de modo
que se possa “[...] inventar e criar serviços e produtos, utilizando
ferramentas e softwares informáticos, contribuindo, assim, para o seu
desenvolvimento” (CUSTÓDIO; SILVA, 2009, p. 179).
Os diálogos estabelecidos em torno do uso das novas tecnologias
coexistem com colocações de que “O conversar caiu em desuso, os
jovens se falam pelo celular, pelo computador. O mundo das máquinas
substituiu o fazer humano – as histórias são gravadas, na tentativa de
substituir a voz do narrador” (GIORDANO, 2013, p. 32). O movimento
de apropriação das tecnologias de escrita, informação e comunicação
por parte do narrador de histórias, permite que um resgate da prática
da oralidade seja feito com o auxílio das ferramentas tecnológicas, requerendo que esse profissional adquira competências no campo da
informação.
O acesso às redes digitais me ajudou inclusive a melhorar a minha narrativa e em
como fazer essa contação de histórias. E outras inúmeras questões, ligadas a Bia
Bedran que usa a música e a própria contação de história através da internet. Então,
eu acredito que é um recurso que auxilia muito ao professor e ao contador de
histórias. Toda pessoa envolvida com a contação de história hoje tem que ficar em
contato com isso, porque querendo ou não, até mesmo na escola pública se tem
acesso à informática (Narrador Fernandes).
Algumas vezes eu busquei Bia Bedran pra ter ideias e pra ver porque é muito linda.
Então, eu acho que a gente tem que resgatar essas pessoas que admira, para fazer
não igual, mas ver como eles fazem e buscar fazer também. Tem uma dupla também
da TV Educativa que agora não consigo lembrar o nome. É um homem e uma mulher,
eles são um casal. Eles estiveram aqui no Campanelli fazendo um festival que o
Rodrigo39 fez. Uma das coisas do projeto dele era trazer alguém de fora. Então depois
que eu os conheci presencialmente, fui para o espaço virtual procurar em todos os
programas da TV Educativa, pra assistir as contações de histórias. Eu acho que tenho
39 Rodrigo Campanelli é ator, diretor teatral e escritor. Também atua como contador de
histórias tendo participado da primeira versão do GECHUFES no ano de 1996,
vencendo o concurso Malba Tahan de Contadores de Histórias promovido pelo Grupo
Experimental e ministrado cursos nesse projeto de extensão (RODRIGO..., 2007).
90
usado o espaço virtual como espaço de pesquisa, pra ver como esse pessoal mais
jovem, principalmente que usa os recursos eletrônicos, conta as histórias que estão
registradas em internet via vídeos. Então, é assim que a gente aprende [...]
(Narradora Sampaio).
O que aconteceu quando percebi que eu ia fazer esse serviço profissionalmente?
Eu comecei a procurar, a pesquisar, como é o nome daquilo que a gente
pesquisa? Referências! Eu precisava de referências, então como ia eu fazer? Eu não
queria chegar simplesmente do jeito que eu estou aqui de calça jeans e camiseta,
chegar na sua frente e contar histórias. A criança não ia se interessar, não ia conseguir
vender. Eu precisava de um produto diferente. Eu fui ver o que estava sendo feito no
ES. Utilizei a internet como recurso pra fazer isso. Pesquisei todo mundo que estava
trabalhando no Estado para ver o que eu podia fazer diferente. A partir do momento
que eu percebi o que estava sendo feito aqui, eu usei o Google pra pesquisar o que
estava sendo feito diferente no Rio de Janeiro, São Paulo e Portugal. Em língua
portuguesa como se contava histórias. Eu encontrei alguns grupos de referência,
alguns contadores de histórias de referência e eu assisti vorazmente tudo que
postaram na rede (Narradora Kruger).
A importância que é dada às tecnologias de informação na
contemporaneidade é ressaltada pelos contadores de histórias, assim
como, a audição de histórias continua sendo “[...] uma arma poderosa
em favor da disseminação da literatura e uma provocação com gosto de
‘quero mais’” (YUNES, 2012, p. 63). Nesse sentido, a tradição e a
tecnologia coexistem ao contribuir para uma aprendizagem formal e
informal voltada para a formação do contador de histórias. Na sociedade
da informação essa estrutura é efetivada em espaços educacionais
presenciais, como universidade, escola e grupos institucionais. A
aprendizagem informal é realizada fora de um contexto educacional
recebendo a contribuição da audição dos narradores da tradição e do
ciberespaço (DEMO, 2012).
Não se pode negar que o processo de aprendizagem proporcionado pela
educação formal adquirida em espaços escolares, acadêmicos e
estruturas informais se complementam. Independente de ocorrer em
ambientes presenciais ou virtuais, formais ou informais, de repente essa
área de atuação careça de aprendizagens mais autônomas. Nesse
sentido, apresenta-se ao final desse capítulo uma espécie de estado da
arte dos espaços tempos de aprendizagem do contador de histórias em
que a estrutura de aprendizagem formal e informal coexistem (Quadro
91
7).
Quadro 7 – Espaços tempos de aprendizagens formais e informais
ESTRUTURA DA
APRENDIZAGEM
TIPO DE FORMAÇÃO
OFERECIDA
ESPAÇOS TEMPOS DE
APRENDIZAGEM
FORMAL
Formação escolar,
acadêmica e outras.
Ensino Médio; Graduação;
Pós-Graduação; Ensino
presencial; Ensino à
distância; etc.
FORMAL/INFORMAL
Formação voltada para a
gestão cultural, formação
que compreende a arte de
narrar e outras.
Cursos, oficinas,
seminários, web
conferências; etc.
INFORMAL
Audição de narradores da
tradição ou pares; audição
dos pares; experiências
práticas nos territórios de
atuação e outras.
Residências; espaços
comunitários; ciberespaço;
etc.
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa
Conforme pontua Morin (2003, p. 103) é necessário reformular os
modos de aprender: “A reforma do pensamento, deve, portanto, ser
uma necessidade democrática fundamental: formar cidadãos capazes de
enfrentar os problemas de sua época [...] em todas as áreas”. Então,
talvez fosse necessário fundamentar uma nova dinâmica para o narrador
aprender a aprender, consubstanciada pelo compartilhamento de uma
gama de informações em redes híbridas e auxiliando na aquisição de uma
técnica necessária que envolvesse um processo de criação permanente.
Ou fosse preciso refletir um pouco mais sobre o que está posto em
termos de aprendizagens principalmente no campo da competência
narrativa.
Quando faço cursos ou as oficinas para contadores de histórias, a impressão que eu
tenho é que os profissionais que estão ministrando os cursos guardam a sete chaves
um grande segredo: o de contar histórias. Porque a gente fica sempre numa coisa
mínima, como se fosse um pequeno passo e a impressão que eu tenho é sempre
essa. Já participei de vários e a sensação é a mesma. Até nos eventos realizados nas
instituições em que trabalho a sensação é a mesma: que se divulga muito o que faz,
o que acho válido, mas o objetivo principal não se preenche. Então você continua com
92
a necessidade de buscar o que foi receber. De repente não seja alguma coisa que se
ensine, mas talvez de você se propor a fazer, de querer, então, você faz do seu jeito
encontrando a melhor forma de contar a sua história. Talvez seja isso. Acho
importante a troca de informações, para ajudar uns aos outros aprimorar o
conhecimento das técnicas difíceis de praticar. O segredo que ninguém quer
contar (risos). Ao meu ver [a rede] será importante para conhecermos os segredos
guardados a sete chaves (Narradora Helena Silva).
Dialogar com os narradores conduziu ao pensamento de que talvez a
arte de contar histórias não seja uma atividade que se possa ensinar.
Entretanto, muitas técnicas ainda deverão ser apreendidas e habilidades
compartilhadas no campo da narrativa oral. Existem habilidades que o
narrador de histórias não pode aprender em oficinas ou cursos, porque
são inatas (DEMO, 2012). Desse modo, torna-se necessário adotar uma
perspectiva de colaboração para ampliar as trocas de experiências
indispensáveis ao processo de formação, atribuindo valor aos
movimentos postos e (re)formas que ainda são necessárias aprender.
De certo modo a gestão cultural desse ator deve ser analisada mais de
perto e, assim, quem sabe os segredos guardados a sete chaves não
sejam revelados? Ou melhor, cada vez mais compartilhados entre os
atores sociais em espaços tempos de aprendizagens colaborativas que
se constituem como estruturas formais e informais de relacionamento
profissional e humano.
Perante ao exposto, urge a necessidade de identificar as competências
em informação e narrativa necessárias ao estabelecimento de uma
conexão em redes que permita o processamento de buscas e
recuperação da informação, bem como o compartilhamento de conhecimento na área da contação de histórias. Por conseguinte,
apresentam-se nos capítulos 3 e 4 indicadores sobre a atuação
profissional e competências que englobam conhecimentos, habilidades,
técnicas e atitudes que os narradores de histórias possuem e necessitam
para uma conexão em redes de diversos formatos na sociedade da
informação.
93
CAPÍTULO 3
CONTEXTO DA ATUAÇÃO
CULTURAL E DELINEAMENTO DA
COMPETÊNCIA NARRATIVA
Nada facilita mais a memorização das narrativas que aquela
sóbria concisão que as salva da análise psicológica. Quanto
maior a naturalidade com que o narrador renuncia às
sutilezas psicológicas, mais facilmente a história se gravará na
memória do ouvinte, mais completamente ela se assimilará à
sua própria experiência e mais irresistivelmente ele cederá à
inclinação de recontá-la um dia. Esse processo de assimilação
se dá em camadas muito profundas e exige um estado de
distensão que se torna cada vez mais raro (BENJAMIN, 1994.
p. 204).
94
INDICADORES DO CONTEXTO DE ATUAÇÃO E DA
COMPETÊNCIA NARRATIVA: CATEGORIA DA ATUAÇÃO
CULTURAL
O narrador contemporâneo envolve-se em processos de buscas e
recuperação com a meta de disseminar informações narrativas e
produzir conhecimentos por meio de pesquisas, preparação e
comunicação de uma infinidade de mitos, lendas, fábulas e outros contos
populares e/ou literários. A criação de serviços e produtos, bem como
a utilização de estratégias da tradição para a memorização e propagação
de narrativas permanecem ligadas às experiências de um sujeito que para
poder contar também deve saber ouvir (BENJAMIN, 1994). Para a
manutenção da sua prática narrativa necessita agenciar uma produção
cultural que possa considerar a importância do atravessamento de
aspectos sociais, históricos e culturais.
O agente cultural comumente é visto como um administrador que não
se envolve diretamente com a arte. Contudo, essa distância não atende as necessidades do campo de uma atividade pautada na abordagem da
ação cultural. Nesse tipo de ação o gestor lida diretamente com a
produção de serviços e com o agenciamento de processos, devendo,
desse modo, enxergar-se como sujeito de cultura. Da mesma forma que
um artista deve penetrar numa comunidade para estabelecer um contato
cultural mais efetivo com o seu público, esse agente precisa estabelecer
contato direto com os sujeitos ou grupos dos quais fazem parte
(COELHO NETTO, 2002).
O agenciamento que por vezes é realizado autonomamente pelo
narrador, assim como a caracterização do desenvolvimento de um
trabalho praticado, na maioria das vezes, no espaço presencial deve ser
colocado em análise. Para isso, delineia-se a “categoria atuação cultural”
voltada para uma ação permeada pela competência narrativa,
inicialmente procurando descrever temas que se configuram como
indicadores para a reflexão de uma certa forma de o narrador atuar
culturalmente (Quadro 8).
O narrador profissional envolvido com produção ou agenciamento de
um serviço cultural, precisa estar aberto ao processo de troca de
informações e compartilhamento de conhecimentos necessários a esse
95
contexto. Também deve considerar a diversidade das culturas e das
tradições no campo da oralidade.
Quadro 8 - Descrição de temas que compõem a primeira categoria dos
indicadores do contexto de atuação e da competência narrativa
INDICADORES DO CONTEXTO DE ATUAÇÃO E DA
COMPETÊNCIA NARRATIVA
Categoria atuação cultural TEMAS TEMAS
Agenciamento autônomo
das atividades culturais
Apoio de sujeitos em
instituições públicas
e/ou privadas
Avaliação do
relacionamento com
público, apoiadores e
pares
Diálogo com
profissionais de
outras áreas de
atuação
Desenvolvimento do
trabalho narrativo no
ciberespaço
Caracterização das
atividades culturais
(ação cultural,
animação, etc.)
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa
Perante a demanda de conhecimento sobre a área desse tipo de gestão,
cerca de um terço dos narradores de histórias (33,82%) possuem
conhecimento do campo da gestão cultural, enquanto a maioria afirma
não possuir (63,24%).40 O fato de o narrador deixar de assumir que
administra o processo, de forma alguma descaracteriza o exercício da
atividade de gerenciamento que comumente é por ele desenvolvida em
territórios de educação e informação.
Eu não sou gestor cultural, não faço gestão cultural. Mas como desde o doutorado
eu não tenho feito mais apresentações, em termos de oficinas, agora só
institucionalmente, então, o meu trabalho acaba sendo assim até desvinculado disso.
Mas quando eu fiz apresentações profissionais e ministrei oficinas, eu divulgava e ao
mesmo tempo enviava as propostas, fazia toda a gestão, todo o sentido do meu
trabalho. Mas de eventos, nunca! (Narrador Moraes).
Conheço a teoria da disciplina Ação Cultural. E por mais que você tenha esse
conhecimento teórico, você tem que saber como gerenciar um projeto cultural. Você
não precisa ser contador de histórias, não precisa se vestir de Emília, mas precisa
gerir um projeto cultural. Então, perpassa pelo planejamento. Ai vem a calhar toda a
40 2,94% não respondeu essa questão.
96
experiência que eu tive da área administrativa, na questão de gerenciamento de
coordenação, então, toda essa bagagem administrativa me põe aqui dentro como
gestor cultural. [...] Eu acho que tenho conhecimento de gestão cultural sim
(Narradora Célia).
A necessidade de captação de recursos, divulgação de serviços/produtos
e outras demandas, são evocadas por meio do diálogo estabelecido com
os narradores que se consideram ou não gestores. Nesses moldes
torna-se necessário buscar um conhecimento acerca da gestão cultural,
conforme indicado pela narradora Célia que tomou conhecimento da
gestão cultural, no campo teórico, por meio da disciplina Ação Cultural
ministrada pelo Departamento de Biblioteconomia da UFES.
A maior parte dos atores sociais utiliza a própria experiência adquirida
no campo da contação de histórias para gerenciar o próprio trabalho
(75%), enquanto uma parcela menor afirma não gerenciá-lo (22,05%). O
autogerenciamento não desconsidera a necessidade de integração com
uma equipe inter e transdisciplinar, assim como, quando necessário de
receber assessoria com a finalidade de criar condições para a
revitalização dessa arte, conforme expõe as narradoras do Grupo Chão
de Letras:
Na verdade o grupo faz parte do projeto Viagem pela Literatura, então, a Elizete41
que é a coordenadora, trabalha as ações do projeto no ambiente institucional. Nós
somos voluntárias nesse projeto e o Chão de Letras é um braço do projeto, a Elizete
faz todo esse trabalho por nós. Agora aqui fora, infelizmente, nós é que atendemos,
nós é que temos que regatear com as pessoas [...] (Narradora Magalhães).
Uma das nossas dificuldades é justamente isso. Geralmente a gente não tem muito
jeito para vender o trabalho. Essa é uma dificuldade nossa. A gente está tentando e
não vai, porque não é do nosso perfil esse tipo de trabalho (Narradora Bossois).
Agora a gente pediu a assessoria do Fábio Perere que conta histórias. Na semana
passada ele perguntou se a gente iria mesmo querer e se era verdade. É claro que a
gente vai querer! Porque ele conta histórias, mas é um empreendedor. É uma pessoa
41 Elizete Caser Rocha é coordenadora do projeto “Viagem pela Literatura” da
Biblioteca Municipal Adelpho Poli Monjardim, vinculada à Secretaria Municipal de
Cultura (Semc) de Vitória. Em 2014 o projeto que acolhe o Grupo Chão de Letras
comemorou no Mucane 20 anos de existência, tendo a participação de contadores de
histórias, produtores culturais, escritores e outros colaboradores (VIAGEM..., 2014).
97
que tem visão, ele busca, ele coloca e ele vai nos ajudar nesse processo que pra nós
é tão difícil (Narradora Magalhães).
A gestão cultural do trabalho do narrador envolve fases de
planejamento, produção, divulgação de serviços e distribuição de
produtos culturais (COELHO NETTO, 2002), constituindo-se como
atividades importantes para o contador de histórias que no cenário atual trabalha com o marketing da própria atividade. “O planejamento de uma
ação cultural se caracteriza a partir de um projeto a ser elaborado e
implantado junto com todos os sujeitos envolvidos” (GERLIN;
BARCELOS, 2017, P. 127). Nesse contexto, insere-se no ciclo do
processo de produção e de promoção de novos produtos, como um
livro impresso no campo da narrativa oral. No caso do exemplo exposto
aparece a necessidade de gerir dialogicamente processos de captação de
recursos, editoração, publicação, distribuição e difusão da obra
produzida.
Da mesma forma que o agenciamento cultural é importante para o
contexto de atuação de um narrador que é escritor e que necessita
divulgar seus produtos literários, torna-se essencial para o oferecimento
de um momento de contação de histórias e outros serviços
disponibilizados em territórios de educação e cultura. Não se pode
negar que o agenciamento autônomo, ou seja, realizado pelo próprio
narrador é recorrente. Essa constatação aponta para um campo de
trabalho que pode ser ocupado por gestores e produtores culturais que
não sejam narradores, porém, capacitados para atuar em equipes
formadas com a finalidade de apoiar a prática do sujeito narrador.
Não busco financiamento, chego e falo da importância da narrativa oral. Digo quais
objetivos ela tem, com que missão desenvolvo o trabalho, apresento o panorama e o
resultado disso. Faço o que realmente ensinam na área de marketing cultural [...],
fazendo o uso desse conhecimento, porque sou especialista em marketing. Ao
registrar o GECHUFES no Viva Leitura, por exemplo, acabamos desenvolvendo
trabalhos no meio de comunicação (Narradora Biancardi).
Eu sempre agenciei, mas é uma pena porque eu acho que eu teria pernas pra atuar
mais trabalhando do que agenciando, eu teria mais pernas. Eu poderia fazer muito
mais coisas se eu tivesse alguém divulgando esse trabalho. E hoje em dia o meu foco
é agenciar a distribuição de livros (Narradora Sampaio).
Eu não tenho ninguém que tenha agenciado o meu trabalho, no máximo eu recebi
98
convites e fiz o meu trabalho, fui contratado num tempo anterior. O apoio de sujeitos
de instituições públicas ou privadas para agenciamento, não. Não pra agenciamento,
mas mais no sentido de contratação. [...] Com exceção de algumas vezes que alguma
pessoa trabalhou na divulgação, fechando alguns trabalhos pra mim. Um amigo. E
também com editoras. Às vezes a editora era quem divulgava, chamava e levava [o
público], mas não era um agenciamento especificamente, era muito mais uma
contratação e divulgação. Para a própria pessoa que era interessante divulgar, não
era agenciando especificamente (Narrador Moraes).
O gestor envolve-se com todas as etapas de um processo cultural,
enquanto o produtor trabalha com áreas específicas da produção
cultural como a própria denominação indica. Um gestor pode, desse
modo, tanto se referir a um sujeito que assume essa função no campo
da cultura, quanto um narrador de histórias que gerencia todo o
processo cultural da atividade que costuma desenvolver. Na medida em
que o agenciamento cultural referencia um grupo que atua com a
perspectiva inter e transdisciplinar percebe-se o fortalecimento da
proposta de um trabalho colaborativo mais do que necessário na
sociedade em rede.
O sujeito ou grupo que se envolve com a gestão cultural, na
contemporaneidade deve considerar a (re)configuração do mundo atual
e as mudanças profundas no cotidiano de trabalho do contador de
histórias, ocasionadas pela articulação do uso das novas e tradicionais
tecnologias (CASTELLS, 2003; LANZI, 2012). Nesse sentido, um novo
tipo de administrador é requerido para suprir as demandas da sociedade
que a cada dia disponibiliza tecnologias de escrita, informação e
comunicação, requerendo, com isso, um agenciador das oportunidades
trazidas pelos meios de comunicação e pelas conexões potencializadas
pela internet.
Tanto os recursos disponibilizados pela era digital, quanto os
conhecimentos do campo da produção cultural são essenciais para a
divulgação e disponibilização de produtos e serviços relacionados com a
área da contação de histórias em espaços presenciais ou no ciberespaço.
“Trata-se de criar o maior número possível de oportunidades para que
o maior número possível de interessados conheça a parte essencial da
aventura cultural que é a criação” (COELHO NETTO, 2002, p. 85).
99
Cancelei o Facebook e tive que voltar, porque fiz uma formação no SESC42 e tive
pouca procura. Tive que voltar porque a divulgação que fizeram não foi tão eficiente
assim. Então eu tive que colocar na rede e teve procura. [...] Hoje a rede que eu
utilizo é o Facebook. O e-mail também uso, mas uso mais o Facebook, não participo
de fórum mais não (Narrador Valadares).
Tenho um social mídia porque não estou dando conta de fazer tudo. Veja bem,
mesmo com o social mídia cuidando da minha página profissional. A Mala Produções
no Facebook, eu ainda passo um tempão com os contatos que tenho in box, porque
a manutenção do meu público é feita num patamar muito pessoal. [...] A gente
descobriu quem é meu público alvo. São mães de classe média que seguem um estilo
de vida alternativo (Narradora Kruger).
Esse campo de atuação requer busca, acesso e uso de informações e,
acima de tudo, o estabelecimento de diálogos em redes virtuais e
presenciais, de modo que se possam tornar visíveis os movimentos que
giram em torno dos fazeres e dos saberes (conhecimentos, habilidades
e técnicas) do contador de histórias. O contexto cultural mediado pelas
tecnologias, requer desse narrador a participação em conselhos de
cultura, grupos de discussões, reuniões com apoiadores e o atendimento
de outras demandas que muitas vezes acontecem em reuniões
presenciais e/ou em grupos de discussões on line.
A falta de conhecimento da área da gestão cultural pode dificultar os
processos de captação de recursos, muitas vezes viabilizados por meio
do auxílio de colaboradores que atuam, direta ou indiretamente, em
instituições públicas e/ou privadas. Essa e outras barreiras enfrentadas
pelo sujeito narrador devem ser transpostas com o auxílio de
profissionais de diversas áreas e com a aquisição de competências em
informação. Do total de entrevistados, um pouco menos da metade
(42,64%) procuram esse tipo de apoio para o desenvolvimento do seu
trabalho, enquanto mais da metade (52,94%) afirma não buscar nenhum
apoio43.
Na verdade eu busco estar sempre muito antenada para conhecer o mercado, as
políticas públicas da área de cultura, a questão da formação, textos que tragam a
formação profissional do bibliotecário, que é a área em que eu atuo. Livros, artigos,
periódicos, reconhecimento e estudo dos projetos que a gente vê na área (Narradora
42 Serviço Social do Comércio (Sesc). 43 4,42% não respondeu essa questão.
100
Biancardi).
Na área de ação cultural, diretamente ligada à área da contação de histórias não.
Mas a gestão cultural sim. Porque eu participei do Conselho Municipal de Cultura de
Vitória, lá então a gente trabalhava nessa área também. E hoje eu sou do Conselho
Estadual de Cultura. Eu faço parte lá da cadeira da biblioteca. A câmara de literatura
e biblioteca, eu estou participando nessa câmara. A contação de histórias ainda não
é contemplada. De alguma maneira ela é contemplada mais um pouco pela área do
teatro ainda. [...] Eu entrei nesse ano no conselho, então a gente está se apropriando
um pouquinho mais do estatuto do regimento e trazer de alguma maneira. Então a
gente não tem uma noção tão grande ainda (Narrador Valadares).
Eu acho que quando se trata de uma pessoa só em busca disso é muito difícil. Se
você me perguntar se eu vou fazer sozinha. Não! Eu acho que não estaria preparada
para esse processo todo de novo. Mas sempre fui aberta e sempre achei que quando
você forma um grupo e você busca esses outros recursos as coisas tendem a ficar
mais fáceis. Você busca atividades e tem mais força junto com as instituições nas
quais está buscando recursos, de contadores e pesquisadores em volta disso, tudo
facilita, sozinha não faria mais. Mas com grupo sim (Narradora Uliana).
Na atualidade a ausência de domínio das ferramentas tecnológicas que
possibilitam, por exemplo, buscar e recuperar informações sobre os
editais culturais disponibilizados na web é um fator determinante na
carreira profissional do narrador de histórias. Os editais de incentivo à
cultura são ferramentas de fomento e difusão da produção e gestão da
cultura nos Estados brasileiros, funcionando em atendimento às
necessidades dos sujeitos sociais que se apropriam ou trabalham com
cultura na sociedade da informação.
Os editais de fomento e incentivo à cultura geralmente apoiam a uma
diversidade de seguimentos pertencentes às áreas de artes, música,
patrimônio e memória, audiovisual, livro e leitura, dentre outras.
Projetos que contemplam a narrativa oral geralmente mantém uma
conexão com metas relacionadas com o incentivo à leitura, também
podendo intercambiarem-se com a desenvolvimento de atividades
culturais ligadas a outras áreas que se apropriam dessa prática baseada
numa tradição milenar.
Apresentam como objetivo conceder recursos para investimentos dos
gestores por meio do estabelecimento de contato com empresas
privadas que tenham interesse em contribuir com diversas áreas de
101
cultura, dentre elas a narração de histórias, oferecendo como
contrapartida para as empresas deduções no Imposto de Renda. A meta
dos editais de cultura é tornar possível uma interseção entre política
pública e capital cultural em benefício da sociedade (GRUMAN, 2010).
A Lei Chico Prego que pertence ao município de Serra (ES), acaba
tendendo a suprir essas necessidades de incentivo de criação e
implantação de projetos visando o desenvolvimento cultural (SERRA,
1999). Existem outras leis no âmbito municipal com a mesma
característica, entretanto, destaca-se que o Estado do ES oferece acesso
a uma nova forma de apoio de financiamento para atividades culturais
por meio do Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo
(FUNCULTURA), regido pela Lei Complementar nº 458 de 21/10/2008,
tendendo, nesse sentido, a fomentar o planejamento, a criação/produção
e a distribuição de produtos e serviços culturais no Estado de maneira
mais direta (ESPÍRITO SANTO, 2008).
Eu submeti projeto no Funcultura uma vez, ele ficou classificado como primeiro
suplente. Era pra fazer um trabalho no interior do Estado na área da narrativa
tradicional da região. Então ele ficou de suplente, mas ninguém desistiu. E teve outro
que foi aprovado pela Lei Chico Prego. A gente fez um trabalho junto com o Fabiano
de Moraes, em educação infantil e biblioteca pública. Então a gente teve um apoio
via edital de cultura (Narrador Valadares).
A gente se relaciona com a Elkem44, toda essa área de administração, diretoria da
empresa, departamento pessoal. Pra estar fazendo esse trabalho a gente também
vai buscar apoio no campo educacional. De toda categoria educacional, dos
pedagogos, dos coordenadores, outros tipos de professores de outras áreas, porque
às vezes a gente vai trabalhar com o ensino médio e todas as outras áreas afins
(Narrador Fernandes).
A captação de recursos em editais de cultura municipais e estaduais é
uma estratégia potente que se apresenta para o gestor cultural que atua
no campo da narrativa oral. Por meio deles pode-se viabilizar recursos
para gerir o próprio processo de trabalho e, desse modo, tornar-se um
gestor cultural bem sucedido. O contrário também acontece no
momento em que um gestor externo oferece apoio ao processo de
gestão cultural, ao se dedicar à organização da escrita de um projeto e
44 Empresa idealizadora e que apoia a “OSCIP Colorir, Criando Valores”, coordenada
pelos professores e contadores de histórias Santos e Fernandes.
102
de outros documentos exigidos nesse tipo de editais. Existem outras
formas de gestão e de captação de insumos que podem ser viabilizados
diretamente em empresas privadas, sem a intermediação do Estado.
As perspectivas de trabalhos inter e transdisciplinares são facilmente
identificadas no cotidiano dos contadores de histórias. Com isso, a
gestão cultural acaba se consolidando e requerendo o fortalecimento
das suas estruturas de comunicação. O relacionamento com
colaboradores, nesse sentido, torna-se essencial para que os gestores
obtenham sucesso em sua área de atuação. Embora a maioria tenha o
costume de dialogar com sujeitos de outras áreas de atuação (75%), não
se pode desconsiderar uma parcela menor que assegura não se dedicar
ao estabelecimento dessa prática (20,60%)45.
Gráfico 5 – Avaliação do relacionamento com pares, público e apoiadores
Fonte: Produzido durante a elaboração da pesquisa.
O relacionamento com pares, públicos e apoiadores eu considero ótimo, ao mesmo
tempo que a negociação com o coletivo de fato auxilia muito no desenvolvimento da
arte de narrar, porque você percebe que é necessário negociar em todos os sentidos.
45 4,40% não respondeu essa questão.
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
ÓtimoBom
RegularRuím
Semresposta
14,70%
50%
16,20%
1,50%
17,66%
103
No sentido do repertório e da proposta de trabalho principalmente. Como abordado
mais adiante na pergunta, a atividade cultural que eu fiz nas instituições capixabas
eu considero que foram ação cultural. No processo de diálogo uma das negociações
era essa (Narrador Moraes).
O diálogo sempre foi ótimo e transparente, baseado na sinceridade e na troca de
ideias para ver qual era efetivamente o tipo de serviço que eles gostariam de ter do
contador de histórias, a ponto de conseguir ver o quanto gostariam da gente atuando.
Em aniversários, por exemplo, o diálogo tinha que ser muito transparente e claro.
Porque contar histórias em ambientes de aniversário, onde as crianças querem
farrear, brincar, correr, comer bolo, docinho e cantar parabéns, não é um lugar muito
apropriado para ter contação de histórias. Tem barulho e tumulto, fica difícil a
concentração da criança. Mas a ação pode acontecer desde que o contrato possibilite
um lugar específico para o contador estar lá realmente com um grupo de crianças e
adultos dessa festa de aniversário (Narradora Biancardi).
De modo a minimizar barreiras encontradas e auxiliar na resolução de
problemas, parece necessário compreender como as relações de
trabalho entre contador de histórias e apoiadores acontecem. O
estabelecimento de um bom diálogo com pares e público é relevante
dentro de um contexto de atuação cultural desse narrador. Nessa
direção, metade dos narradores avalia o relacionamento estabelecido
com pares, público e apoiadores como sendo bom (50%) e chegando a
ser avaliado como ótimo (14,70%). Esses indicadores colocam em análise
que as relações sociais desses gestores necessitam de vínculos mais
fortes com a finalidade de garantir ações colaborativas em redes de
relacionamento profissionais (Gráfico 5). O narrador de histórias deve
interagir com o público, apoiadores e pares, utilizando, para isso, todo
o conhecimento demandado para a realização da sua atividade, ao
considerar principalmente o ouvinte como sujeito e não como objeto.
A ação cultural aparece como uma ferramenta potente para o contador
de histórias, permitindo o desenho de redes mais distribuídas e
processos de comunicação extensiva46 (SIMEÃO, 2006), tanto para o
público no momento da comunicação de uma narrativa quanto para
outros sujeitos. Por meio delas proporciona-se uma participação mais
46 Tendo em vista que na atualidade o sujeito sofre uma forte influência dos aparatos
tecnológicos, a comunicação extensiva é um processo que requer instrumentalização de
sistemas mais abertos, cooperativos e suscetíveis ao compartilhamento de dados,
informação e conhecimento (SIMEÃO, 2006).
104
integradora e reflexiva nos processos de gestão e pode-se estabelecer
espaços de diálogos. Esse tipo de ação é um desafio já que considera
planejar “junto com” os sujeitos de cultura e “não apenas sobre” as suas
demandas sociais (FREIRE, 2006).
A gestão fundamentada nos preceitos da ação cultural viabiliza a fruição
de processos de diálogos o que vão ao encontro da perspectiva
transdisciplinar. Por meio de planejamentos e ações dialógicas produtos
e serviços, direcionados ao campo da narrativa oral, podem ser
negociados e oferecidos perante uma demanda social apresentada pelos
próprios sujeitos, grupos, comunidades e instituições com as quais o
narrador costuma estabelecer contato direto. Desse modo, tanto as
necessidades do profissional quanto dos sujeitos com os quais trabalha
precisam ser consideradas durante o processo de negociação.
A capacidade de dialogar é muito importante para garantir o sucesso de
ações culturais voltadas para a gestão de serviços e produtos que giram
em torno da contação de histórias, conforme relatado pelos narradores. Numa escola, palco de atuação do profissional remunerado e sem
remuneração específica, deve-se, por exemplo, pensar a priori em
estabelecer contato com as equipes pedagógicas e docentes que
geralmente trabalham na organização de um momento narrativo.
Entretanto, não é sempre que o diálogo costuma fluir entre os sujeitos,
tendo em vista que o processo de negociação nesse momento precisa
surgir de forma que as dificuldades possam ser superadas e o serviço
oferecido com sucesso.
Muitos não sabem trabalhar com o professor e o professor não sabe trabalhar com
a gente [...]. Eles não conhecem o bibliotecário, não sabem que eu posso ser um
excelente agente cultural e que posso promover a leitura [...]. Planejo sozinha porque
não tenho visibilidade, mas acredito que na medida em que eu for conhecida e
saberem da importância da biblioteca, eu vou ser convidada pra fazer as coisas, você
pode ter certeza. No entanto, algumas profissionais que eu entrei num seminário
enlouqueceram, queriam que eu participasse, houve uma interação [...] (Narradora
Célia).
Na condição de bibliotecário que conta história nesse lugar, a gente tem essa
dificuldade. Temos dificuldade de aproximação entre o bibliotecário e o professor. O
diálogo é realmente complicado. Mas seria muito importante se conseguíssemos ter
um diálogo mais próximo [...]. Não é ótimo, mas eu avalio como sendo bom. Tem
105
que melhorar. Tudo é negociar e dialogar para chegar a um ponto comum, ver o que
eles pensam e o que a gente defende também (Narrador Valadares).
A ação cultural, desenvolvida em diversos territórios e construída
coletivamente pelos sujeitos, pode ser comparada à transformação da
lagarta em borboleta, na qual “[...] é possível antecipar a imagem
transfigurada e multicolorida que dela vai surgir” (COELHO NETTO, 2002, p. 94). Tendo em vista que o processo de ação cultural pode ser
comparado com a metamorfose da borboleta, para que seja
caracterizado como uma interação social e possível de gerar
transformação cultural, deve compreender pelo menos três esferas: uma
ressignificação criativa perante o ato de narrar; uma ação que possa levar
em consideração a memória coletiva e social dos sujeitos e, por fim, o
alcance de uma ação reflexiva que possa gerar as transformações
necessárias.
Para que uma metamorfose social e cultural como essa aconteça deve-
se ativar a esfera da imaginação com a qual se possa reinventar
estratégias que conduzam a uma consciência reflexiva, assim como uma
ação igualmente reflexiva. A ação cultural é um ideal a ser perseguido
pelos narradores, porém, existem demandas por atividades com outras
características como a animação cultural. Outras abordagens como a
fabricação cultural existem de fato, porém, nessa obra discorre-se sobre
aquelas que foram mais citadas pelos narradores.
Eu vivi a contação de história, fui educada com história narrada, pela minha avó,
minha mãe, minhas tias, minhas irmãs mais velhas, tenho isso inato em mim.
Mas quando eu me capacitei me tornei especialista, tive condição de
compreender como um projeto deve ser implantado pra gerar modificação e
transformação no sujeito. A narrativa é uma ação cultural e não uma fabricação, uma
promoção de cultura do texto escrito, texto narrado, causo contado e todas essas
coisas. Então, aprendi e pude compreender o tanto que a narrativa de minha avó me
educou, me transformou num ser melhor e com maior compreensão do mundo
(Narradora Biancardi).
Algumas pessoas trabalham com animação cultural e outras com ação cultural,
também negociam com essa última área. Eu negocio no sentido de não fazer
animação cultural. Mas tudo é uma questão de negociação. Ao mesmo tempo eu
indico várias pessoas, porque de repente tem alguém que faça mais animação,
alguma coisa mais vinculada a uma festa e tudo mais. Tenho amigos que fazem
atividades nas duas áreas e têm outros que só fazem a parte mais vinculada ao
106
processo de animação (Narrador Moraes).
Acho que é uma ação cultural porque não vejo como animação, porque você está
agindo junto. E é uma ação coletiva, não é? Quando você fala ação cultural eu
entendo que, por exemplo, mesmo que seja uma contação de história dentro da
escola e você tenha uma turma pequena, definiria como ação cultural. Mas não
adianta eu ser agente cultural sozinha, eu só consigo ser agente e eu só consigo
produzir uma ação cultural, se eu tiver um receptor e ele entender esse
conhecimento. Então eu vejo que eu só sou agente cultural se tiver resposta
(Narradora Uliana).
O contador de histórias geralmente participa do processo de
construção da própria atividade cultural, tendo conhecimento da
importância das ações no campo da narrativa oral para a sociedade. Em
geral se dedicam ao contexto de duas frentes de atuação: animação
cultural e ação cultural. Tendo essas ações, nos diversos espaços de
atuação, metas diferenciadas. Há uma predileção muitas vezes por uma
ou por outra, porém, a maioria dos narradores afirma realizar ação cultural que se diferencia da animação, desde o processo do
planejamento até o momento da oferta do serviço ou produto (o que
não significa a sua finalização no ato de seu oferecimento).
Na animação cultural aspectos relacionados com a memória do narrador
ganham maior visibilidade e não se consideram as expressões sociais do
público com o qual irá trabalhar, enquanto na ação cultural as
lembranças evocadas pela narrativa oral são entendidas como
manifestação de um coletivo (COELHO NETTO, 2002; HALBWACHS,
2013). Com a ação cultural a memória coletiva guia o planejamento
envolvendo os sujeitos em todo o processo e o contador de histórias é
um mediador podendo (re)criar a atividade narrativa junto com o
coletivo. Além de ocasionar na diversão, com essa abordagem a
comunicação de uma história, por exemplo, possibilita práticas reflexivas
que podem gerar transformações.
Ao desenvolver animação cultural é difícil “Pensar nas formas de
exteriorização humana por intermédio do discurso [da narrativa] e em
[como] sua relação com os processos de transmissão cultural e de
representações nos faz pensar na memória” (OLIVEIRA; ORRICO,
2005, p. 82), contudo, esse tipo de atividade pode transformar-se na
imagem multicolorida da ação cultural gerida pelo contador de histórias.
107
Decerto, durante alguns momentos é preciso trabalhar com momentos
de animação por conta da demanda das próprias instituições que
contratam o serviço do narrador com essa finalidade.
Gráfico 6 – Caracterização da atividade cultural comumente desenvolvida
Fonte: Produzido durante a elaboração da pesquisa.
Ao destacar aspectos importantes relacionados com as atividades
culturais que os contadores de histórias desenvolvem, verificou-se a predominância da utilização do termo ação cultural (51,48%) se
comparada com a animação (8,82%) (Gráfico 6). O ato de narrar carrega
uma proposta de envolver o ouvinte e trabalhar com a memória social
tanto do narrador quanto daqueles que são envolvidos no processo
narrativo. Por esse motivo, mesmo que a proposta das instituições seja
baseada na animação cultural possui grandes chances de se mostrar
como uma ação cultural.
O processo de gestão do momento irá definir a melhor abordagem a
ser utilizada, sendo que considerar os sujeitos no processo de gestão
0,00%10,00%20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00% 51,48%
8,82%5,88%
8,82%
25%
108
acaba se mostrando como o melhor caminho. “Não tem como você
trabalhar com ação cultural sem buscar conhecer a gestão cultural, se
não olharmos o mercado, se não entendermos um pouco de marketing
cultural” (Narradora Sampaio).
Eu acho que faço ação cultural e animação cultural. A animação cultural quando a
gente pensa em eventos de aniversário e livraria. Ação cultural principalmente quando
desenvolvo na escola, na área da educação. Faço os dois, mas gosto mais da ação
cultural. Mas a gente faz também animação cultural [...]. Na educação 95% é ação
cultural. Em questões de apresentações maiores e fora da biblioteca escolar entendo
a atividade que faço como animação. Eu acho que a memória é sempre coletiva, essa
influência do outro pra mim é importante, essa minha história é importante. E quando
faço as apresentações em que acontecem coisas que não esperava que fossem
acontecer, então, isso vai me transformar. A ação no coletivo é muito importante.
Sem ter o outro não tem sentido (Narrador Valadares).
Porque muitas pessoas que contratam o serviço do narrador não têm noção, às vezes
confundem a narrativa oral com teatro, com dramatização, às vezes acham que é
uma animação cultural e não é. Você pode contratar um animador cultural e fazer a
narrativa no meio da animação cultural. Mas a narrativa não é animação, é mais
ação cultural porque o contador de histórias trabalha com gestos e palavras, então,
ele pode usar a contação como um momento da animação, mas na contação
propriamente dita não se pode usar muitos gestos, deve-se ser fiel ao texto e
proporcionar que o ouvinte construa os quadros com a sua imaginação. Ele tem que
construir a história, a imagem do texto narrado, deve viver as emoções que o texto
traz (Narradora Biancardi).
O oferecimento de serviços caracterizados como animações culturais
torna mais difícil a identificação das estruturas sociais da memória
individual, social e coletiva, que constantemente influenciará a
comunicação narrativa no cotidiano de trabalho. A ação cultural
desenvolvida pelo contador de histórias aciona algumas esferas da vida
do sujeito e, por conseguinte, da memória coletiva e social do grupo
com o qual estabelece contato (HALBWACHS, 2013).
A memória coletiva e social perpassa a individual, primeiro pelo motivo
de que o trabalho da memória individual é intelectual e, dependendo das
estruturas da sociedade, acaba localizando lembranças com as quais se
faz uso da inteligência no presente. Depois pela razão de que “[...] a
rememoração parte do presente (experiência exterior, social) para o
passado (experiência interna, individual)” e, por último, devido às
109
lembranças serem compartilhadas e relacionadas a um conjunto de
rememorações com os grupos dos quais o contador de histórias faz, fez
ou fará parte (OLIVEIRA; ORRICO, 2005, p. 83).
Engraçado, cada um lembra de alguma coisa e nunca é igual. Porque cada um se
apega ao que achou importante. E o que é importante pra mim, pode não ser
importante para você. Então eu penso a história de um angulo, mas você vai pensar
de um angulo diferente. Importa o que você achou mais importante e assim se vai
tecendo a sua memória e completando-a a partir da memória do outro (Narradora
Pereira).
Até mesmo numa aula, justamente por ser uma ação coletiva, o próprio
estabelecimento de histórias se dá coletivamente. Ao mesmo tempo em que você
conta histórias, outras histórias vêm à tona. Até mesmo quando eu conto, posso
lembrar de outras histórias que eu contei, de quando eu escutei, li no livro que eu
li (Narrador Moraes).
Tudo o que somos hoje faz parte de uma história que nos formaram. Todas as formas
de contribuição que recebemos de alguém. Dos nossos pais, das pessoas que nos
ajudaram, das nossas referências, dos contadores de histórias que nós conhecemos
[...]. Eu busquei na memória os momentos em que eu tive experiências de perda e
momentos de doença, para poder entender o que eu ia narrar e o que ia ter de
feedback dessas pessoas que estavam me ouvindo. Então, eu acredito que a nossa
forma de narrar, o nosso envolvimento e as pessoas que interagem com o próprio
contador de histórias se tornam personagens (Narrador Fernandes).
Sobre a questão da memória, às vezes trabalho com um tema, por exemplo, com
dois poemas em que faço com que eles trabalhem com a realidade deles [das
crianças], quando trabalho com o verso: “E no tom que sopra o vento, toca o barco...”.
Então, tem muita família de pescador aqui da Praia do Suá. Então eles começam a
falar sobre os pais deles. Então pergunto: - O seu pai sai para pescar se tiver um céu
bem preto? Eles respondem: - Não, não sai não, é perigoso... Tem uma pedra no céu
lá em Cariacica que se tiver uma nuvem em cima, não vai não porque é perigoso.
[...] Quando conto histórias acabo trabalhando com determinado tema com uma
turma e quando inicio o trabalho com uma outra turma, aquilo que trabalhei com
uma turma anterior acaba sendo lembrado com outra também. Exatamente. Mas
todo trabalho não é realizado dessa forma não. Tenho que confessar. Às vezes, leio
um poema com eles [acerca do referencial poético]. A música é que foi o
"tchan” (Narradora Mendonça).
A contação de histórias é uma atividade tradicional e, por conseguinte,
representa com maior propriedade a arte do narrador ao longo dos
séculos, sendo importante considerar a memória coletiva de todos os
110
envolvidos durante o oferecimento de uma diversidade de serviços
culturais no campo da narração de histórias. O processo de
comunicação entre narrador e ouvinte é primordial para o sucesso de
qualquer tipo de serviço e produto.
A ação cultural é uma modalidade colocada em prática pelos narradores
de histórias que atuam mais diretamente em instituições de educação
formal e informal. A relação com a memória coletiva proporciona
contextos de compartilhamento da história sociocultural do grupo.
Independente da caracterização da ação cultural, a narração de histórias
é sem dúvida uma habilidade desenvolvida ao longo dos séculos, sendo
aliada à capacidade de proporcionar ao seu público uma participação
mais integradora.
No ciberespaço a memória social e afetiva pode ser expandida e, com o
uso de computadores e outros recursos eletrônicos, a sua capacidade
de armazenamento oferece “[...] recursos infinitos. Devido a eficiência
de representação de palavras e números no formato digital, podemos armazenar e recuperar quantidades de informação muito além do que
antes era possível” (MURRAY, 2003, p. 88). Nessa direção, questiona-
se em que medida o trabalho cultural (ação cultural e animação cultural)
e comunicativo do narrador de histórias contemporâneo é desenvolvido
no espaço virtual. Os indicadores apontam que a minoria dos narradores
desenvolve o seu trabalho no ciberespaço (14,70%), enquanto a maioria
não desenvolve (69,10%)47.
Mesmo ao identificar que mais da metade dos contadores de histórias
(69,10%) não desenvolvem um trabalho no espaço virtual, aponta-se
para a necessidade de dominar as ferramentas disponibilizadas pela
sociedade da informação que podem auxiliá-lo na navegação desse
espaço ainda pouco explorado. De fato, não se pode negar que “A
memória humana foi estendida, com o meio digital” em todos os
sentidos, passando de uma unidade básica de disseminação em um livro,
CD-ROM, para “[...] banco de dados globais da internet, acessíveis
atavés de uma teia mundial de computadores interligados, os recursos
crescem esponencialmente” (MURRAY, 2003, p. 88).
O contador de histórias utiliza a internet para divulgar o trabalho
47 16,20% não responderam a essa questão.
111
desenvolvido no espaço presencial, precisando igualmente dominar as
ferramentas que a sociedade atual oferece para também desenvolvê-lo
no ciberespaço. “Vivemos um momento de somar diferentes tecnologias
e experiências. As TIC ampliam também as possibilidades de leituras”
(LANZI, 2012, p. 46, grifo nosso). As leituras possibilitadas pelas novas
tecnologias e as “leituras de mundo” do sujeito narrador são igualmente
importantes para o desenvolvimento da prática profissional e de vida
(FREIRE, 1997; 2006).
Então acontece de uma escola do Estado Amazonas ligar e falar pra gente “Ah! Eu
gostaria de trabalhar com os livros de vocês”. Pode claro! Vocês podem enviar? E digo
que os livros estão todos disponibilizados na internet e estão abertos e tem um
programa como se fosse uma folha. Então, as crianças têm de acesso de forma virtual
ao nosso material também. Esse material está todo disponibilizado. A única coisa que
a gente ainda não conseguiu, e foi a dica de uma portadora de necessidades especiais,
que é uma deficiente visual, pediu que a gente pudesse estar gravando, porque quem
não lê não tem esse mesmo acesso, então, seria uma ótima oportunidade de
futuramente a gente estar colocando o áudio nessas histórias pra que possa atender
também aos portadores de necessidades visuais (Narrador Fernandes).
Mantenho isso transformando a minha página no Facebook numa página de uma
pessoa que é super legal, que é engajada em algumas causas. E como essas causas
tocam essas pessoas profundamente, defendo o aleitamento prolongado, criação com
apego, que são causas que eu acredito pessoalmente. E ele faz a parte mais técnica
e já sabe quais são as causas. Agora a parte pessoal, eu tenho que fazer. Eu tenho
esse social mídia e ele faz também toda a parte gráfica da página e a manutenção
dos posts com a arte gráfica. Por exemplo, datas comemorativas, cartaz de peças,
cursos, isso tudo. E a gente se fala nas madrugadas. Ele já sabe do que eu gosto. Eu
mando o texto, ele faz, posta e uma vez por mês ele vai lá pra casa. Eu pago a ele
também on line. A vida toda é on line (Narradora Kruger).
Mesmo que o mundo esteja passando por um processo de mudança, não
se pode desconsiderar que a leitura de mundo precede a leitura dos
textos imagéticos acessados nos tablets, das palavras lidas tanto na tela
do computador quanto em um livro impresso, do som da narrativa e da
imagem em ambientes que disponibilizam vídeos no ciberespaço. Os
equipamentos eletrônicos são apenas recursos que podem e devem ser
utilizados e o foco das conexões em redes ainda deve ser a interação
humana. Coexiste na sociedade contemporânea um movimento
dinâmico com o qual o sujeito se depara ao adquirir habilidades para
112
apropriar-se das tecnologias de escrita, informação e comunicação e, ao
mesmo tempo, para relacionar-se interpessoalmente.
A execução de projetos no campo da narrativa oral exigem habilidades
e técnicas relacionadas com as competências narrativa e em informação
que comumente são adquiridas. Demandas relacionadas com as
necessidades humanas e com o campo da gestão cultural são requeridas.
A ação de submeter projetos em editais de incentivo à cultura é uma
atividade necessária à prática do sujeito narrador conforme pontuado
no decorrer deste capítulo. Nessa direção, serviços como contação de
histórias e produtos como a publicação de livros que os narradores
costumam oferecer também exigem o exercício da capacidade de
interação humana.
E saiu realmente na época certa, foi justamente nesse momento que eu estava tendo
esse convite da Elkem, pra poder estar trabalhando no enfrentamento à violência
escolar. E ganhei de presente essa palavra Colorir. Eu lembro como se fosse hoje eu
chegando em casa, eu encontrei com Eugênio e disse: - Eugênio eu ganhei um
presente. Ganhei a palavra colorir pra gente trabalhar e construir um projeto. O que
a gente pode fazer com isso? E logo veio em mente, não é? Por que não estar
trazendo a contação de histórias (Narradora Santos).
Quando fomos convidados, então, a empresa pediu pra que a gente pudesse sonhar,
então, pensamos nos personagens, como estar trabalhando com esses personagens
nessa faixa etária. Os livros foram criados em cada uma dessas competências, e logo
no início do projeto a gente nem tinha os livros prontos. Íamos munidos de avental,
acho que fui um dos primeiro contadores de histórias do sexo masculino que usava
avental pra poder contar histórias e usava velcro pra prender os personagens. E aquilo
se tornava lúdico no espaço escolar, o que foi chamando a atenção e as crianças de
certa foram agregando e comprando a ideia do projeto. Tanto que os objetivos do
projeto da redução da violência e depredação foi realmente comprovado e nós
conseguimos atingir nosso objetivo (Narrador Fernandes).
As obras publicadas pela OSCIP Colorir relacionam-se com um campo
de atuação permeado pela narrativa oral e escrita, fortalecendo o
contato dos contadores de histórias com pares, público e
colaboradores. Para isso, os narradores Santos e Fernandes criaram o
personagem “Colorido” entre outros que fazem parte de sua turma
(Ilustração 7). Tendo em vista que o conteúdo dos livros pode ser
acessado na página web do projeto, podem ser adquiridos tanto na
versão impressa quanto no espaço virtual. Dentre os títulos
113
disponibilizados destacam-se “A vitória do consumo eficiente de
energia”, “Todos contra as drogas” e “Todos contra o Bullying”.
Ilustração 7 – Contadores de histórias Santos e Fernandes (OSCIP Colorir)
Fonte: PROJETO... (2015).
Mesmo diante da dissertação das inúmeras possibilidades de trabalhos
no campo da narrativa oral no espaço presencial e virtual, ainda é
possível questionar quem é o contador de histórias espírito-santense.
Essa questão pode ser respondida pela narradora Célia, antes, porém,
sendo necessário contextualizar que esse sujeito atua no espaço
presencial (69,10%) e gerencia o próprio trabalho (75%), desenvolvendo
sua atividade em diversos territórios do Estado, ao tecer em grande parte redes de relacionamentos com público, apoiadores e pares.
Porém, esse ator social que assume desenvolver mais ação cultural
(51,48%) do que qualquer outra atividade, ainda busca respostas sobre
a composição da sua competência narrativa.
O que é um contador de histórias? O contador tem que ter técnica, tem que ter
domínio, entendeu? Só que você vai para o curso e eles dizem você tem que contar
por que senão você não irá se profissionalizar. Quanto mais se conta mais vai
aprendendo e melhorando, melhorando, melhorando até ficar bom no negócio. E se
eu ficar com medo nunca vou me profissionalizar, entende? É uma contradição. Ao
mesmo tempo que acho legal e que devo contar, eu devo romper a barreira do
desconhecido. Eu arrisco com um grupo pequeno, porque é mil e uma noites, é por
isso, isso, isso, mas para saber o final você vai ter que ler o livro. Você faz uma
114
contação de histórias que o menino se encanta com o livro (Narradora Célia).
Os narradores que fizeram parte da pesquisa podem ser considerados
contadores de histórias profissionais inseridos na sociedade da
informação, buscando formação específica para atuar numa área em
ascensão e em permanente constituição. O trabalho coletivo que é
desenvolvido entre comunidade interna e externa à Universidade,
escolas e outros territórios, há algum tempo é movido pela colaboração,
sendo potencializado por novas e antigas tecnologias.
Ao oferecer produtos e serviços variados, saem de seu casulo e
transformam-se em contadores de histórias espetaculares com asas
multicoloridas. Não são super-heróis ou heroínas, mas buscam uma
transformação cultural, política e social no que se refere ao seu campo
de atuação, requerendo, com isso, uma busca constante por
conhecimentos, habilidades, técnicas e atitudes direcionadas para a
prática de narrar histórias (competência narrativa). Para que isso
aconteça no campo da narração de histórias torna-se necessário a
articulação das competências em informação, narrativa e cênica.
INDICADORES DO CONTEXTO DE ATUAÇÃO E DA
COMPETÊNCIA NARRATIVA: CATEGORIA DA COMPETÊNCIA
NARRATIVA
A “categoria competência narrativa” foi criada para tornar visível e,
simultaneamente, compreender um conjunto de habilidades,
conhecimentos e técnicas pertencentes ao campo de uma competência
específica e observada perante a prática do contador de histórias na
contemporaneidade (Quadro 9). Essa competência torna possível o delineamento de temas relacionados com as habilidades que a compõem:
pesquisa, preparação e comunicação da história, sendo intercambiadas
de modo direto com as habilidades e técnicas componentes da
competência em informação que possibilitam processos de busca,
recuperação, avaliação, seleção e compartilhamento de informações
narrativas em espaços híbridos.
Uma diversidade de habilidades, técnicas e atitudes são necessárias para
a pesquisa, preparação e comunicação das histórias, dentre elas
destacam-se aquelas que estão delineadas no âmbito da competência
115
cênica pouco abordada nesta obra, porém, não menos importante para
o processo de disseminação de uma história. A competência cênica
encontra-se ligada ao contexto de comunicação de uma história, estando
relacionada com a construção e ao mesmo tempo com a reconstrução
de memórias faciais e corporais que são importantes para o desempenho
do contador de histórias (FERNANDES, 2006).
Quadro 9 - Descrição de temas que compõem a segunda categoria dos
indicadores do contexto de atuação e competência narrativa
INDICADORES DO CONTEXTO DE ATUAÇÃO E DA
COMPETÊNCIA NARRATIVA
Categoria competência
narrativa
TEMAS TEMAS
Pesquisa de narrativas Forma de seleção de
novas narrativas para
o repertório
Tipos de suportes/mídias
consultadas para a
seleção do material
Influência da faixa
etária do público
atendido
Tipo de público atendido
(infantil, juvenil, adulto,
idoso)
Preparação das
histórias (leitura,
escrita, memorização,
uso de recursos,
ensaio, etc.)
Ambientação e
organização do espaço
tempo da narrativa
Processo de
comunicação da
narrativa
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa
Os saberes e fazeres adquiridos e colocados em prática nas atividades
cotidianas e formativas com pares, públicos, apoiadores, narradores da
tradição e formadores, acabam requerendo do narrador um
aprendizado permanente. Torna-se necessário perceber o “[...] ato de
contar histórias, como uma prática política e crítica, como uma
sensibilidade, guiada pela voz sutil da intuição, que nos conduz à escolha
de uma história com a qual tenhamos afinidade” (MORAES, 2012, p. 49,
grifo nosso).
Não se pode localizar a dimensão educativa e política da palavra do
contador de histórias apenas no contexto da escola e de outros
ambientes formais de educação (MATOS; SORSY, 2014). A aquisição de
informações e a apropriação de conhecimentos em ambientes de
aprendizagens informais, como o ciberespaço, são igualmente
116
necessários à manutenção da competência narrativa que compreende
saberes e fazeres dos sujeitos narradores na contemporaneidade.
Gostei dessa definição de saberes e fazeres adquiridos por meio da experiência,
porque na verdade a competência narrativa é isso aí, você adquiri fazendo. Mas tem
outra questão: o que adianta participar de vários cursos sem os meus pré-
conhecimentos, sem todo o meu jeito, porque eu acho que a competência narrativa
também está ligado a questão do meu jeito enquanto pessoa, porque você pode ver
que os contadores de histórias têm um perfil. Pelo menos eu ainda não encontrei um
contador de histórias que seja extremamente sério e calado (Narradora Célia).
Quando você assiste a um vídeo de contação de histórias está ouvindo histórias, o
que é basicamente meu ponto de partida para contar histórias. Ao ouvir histórias eu
estou vendo como eles se posicionam, que tipo de figurino utilizam. Como eles usam
a voz, se eles fazem voz [diferente], se eles tem cenário, se não tem cenário, tem
eles têm malas, se eles têm baús, se tem luz, se tem edição, tudo isso, não é? Nessa
minha busca também faço cursos on line. Fiz um montão de cursos on line, presencial.
Um montão mesmo. Todos que encontrei disponível eu fiz. Eu tenho sei lá, uns dez
cursos diferentes (Narradora Kruger).
Convém pensar no lugar que o narrador de histórias ocupa na era da
informação, ao considerar que as habilidades culturais adquiridas ao
longo da vida são altamente importantes em uma sociedade que
disponibiliza tecnologias no campo da informação e comunicação. A
exploração do conteúdo de um texto selecionado em contextos de
buscas presenciais ou on line ao longo de sua caminhada é, portanto, algo
que se propõe a fazer naturalmente no seu cotidiano de trabalho. Para
isso, deve recorrer a um conjunto de habilidades, técnicas e
conhecimentos que possam auxiliar no processo de comunicação da
narrativa.
Tabela 4 – Pesquisa e seleção de histórias para o repertório
Variável Categoria %
Pesquisa e seleção Pesquisam e selecionam 73,53
Não pesquisam e selecionam 17,65
Sem resposta 8,82%
Total: 100%
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
A pesquisa de histórias é a primeira habilidade destacada no contexto
117
da competência narrativa, englobando a seleção de textos novos para
um repertório comumente utilizado em apresentações culturais, cursos
ministrados, gravação de vídeos e em outras atividades e produtos que
são oferecidos ao público consumidor. A importância dessa habilidade
conduz à identificação de que a maioria dos contadores de histórias
costumam selecionar narrativas novas para a constituição de seu
repertório (73,53%) (Tabela 4).
O repertório brasileiro oferece uma variedade de histórias de diversas
procedências, europeia, africana, indígena, entre outras (CASCUDO,
2003; 2006). Também há uma variação na forma como o contador de
histórias busca o seu material de trabalho, utilizando para isso diversos
suportes e mídias que a era digital oferece (CASTELLS, 20011). O
narrador competente em informação deve compreender "[...] como o
mundo da informação é estruturado, como acessar as redes formais e
informais de informação, conhecer as estruturas de comunicação"
(DUDZIAK, 2010, p. 8, grifo nosso).
A habilidade de pesquisa requer a aquisição de técnicas de busca e
seleção de informações no campo da narrativa com a finalidade de
renovação do repertório, devendo o contador de histórias, desse modo,
considerar fatores relacionados com o processo de seleção em
contextos presenciais e virtuais. Esse profissional também deve
ponderar acerca da necessidade de escolha de matérias que partam da
necessidade da plateia/público com o qual ira estabelecer contato
(MATOS; SORSY, 2009).
Eu renovava o repertório na medida em que surgia demanda, geralmente. Quando
havia a necessidade de dar conta de um convite e, às vezes, a demanda era minha
mesmo. Eu quero preparar uma apresentação só de contos indianos! Então eu
pesquisava para isso. Era lendo, ouvindo, também com sugestões. Tem história que
eu contei e quando eu terminei de fazer a apresentação, uma pessoa que assistia a
apresentação, pai de uma criança, falou: - "Oh, tem uma história que eu vou trazer
pra você, que eu acho que ia ficar muito bom você contando. Uma história de uma
enciclopédia muito antiga ‘Ciglo o contador de histórias’”. Eu contei por anos e anos
essa história. Ou seja foi uma sugestão de pais, de pessoas que escutavam. Já
aconteceu de outras histórias que quando a pessoa indicava eu dizia: - "Eu não me
vejo contando essa história". Mas nesse caso deu tudo certo. E a audição de pares é
claro. Isso sempre. CDs e DVDs, livros e internet (Narrador Moraes).
118
Busco as histórias no livro, CD, DVD, e parece que vai dar certo. Para umas turmas
dá certo, para outras não [...]. Tem histórias que você conta para qualquer público e
têm histórias que são mais complicadas, por ser mais complexa você não pode contar
para os pequenos, porque vai ter que parar o tempo inteiro para explicar a história.
Ou se conta uma história muito bobinha para os maiores também vão ficar rindo da
gente (Narradora Pereira).
A seleção de histórias acaba requerendo a articulação da competência
em informação necessária aos contextos não apenas de recuperação,
mas também de avaliação do processo de busca do texto direcionado
para a comunicação da história; etapa igualmente importante para a
busca e recuperação da informação narrativa. O processo de avaliação
encontra-se imbricado com a capacidade técnica e humana de selecionar
uma informação.
Durante o processo de seleção de uma história é requerido o
conhecimento do código da escrita (alfabetização) e a aplicação da
leitura e escrita no contexto social (letramento), junto à alfabetização digital e em informação, etapas importantes para uma posterior
preparação da informação narrativa. Identifica-se, com isso, que os
sujeitos narradores utilizam as TIC para a consecução das suas
pesquisas, buscas e seleções de textos narrativos, permitindo “[...]
reconsiderar o que significa uma pessoa alfabetizada para redefinir as
competências, habilidades e conhecimentos” (GARCÍA-MORENO,
2011).
São várias [formas de buscar e selecionar uma história], lendo, ouvindo, sugestão dos
pares não tanto, audição dos pares sim, e outras formas. Às vezes, eu busco coisas
na internet sim, algum vídeo que eu gosto e olho e preparo a história tendo como
base aquele vídeo, livros, catálogos não, internet de vez em quando, CD não
(Narrador Valadares).
A maioria lendo! Ouvindo também, as histórias do seu livro eu já usei aqui, as histórias
e a música da panela de barro, então, eu já trabalhei com eles. Às vezes uso livros
que tem o CD. Eles gostam. Lendo e ouvindo (Narradora Mendonça).
Até agora eu não vi um contador que faz aquilo só por dinheiro, tem o prazer de
contar, você vê que tem o prazer de contar [...]. Quando você pensa num contador
eu penso na Meri Nadia que gosta de tocar, que põe música, que tem todo um
molejo, que faz uma cara e conta história, eu penso no Eduardo que bate tambor
que brinca e conta histórias, eu penso na Alzinete que indaga na hora em que está
fazendo a sua exposição oral, entende? Que chama o ouvinte pra participar da
119
história e aí você pensa assim, nossa quantos modelos (Narradora Célia).
Gráfico 7 – Forma de seleção das histórias contadas
Fonte: Produzido durante a elaboração da pesquisa.
A realização das pesquisas que conduzem a escolha de um bom texto
pode, então, partir da audição dos pares, da leitura de textos extraídos
de livros impressos, blogs, páginas web, dentre outras estratégias que
conduzem à busca e recuperação. Tendo em vista que um processo de
seleção de histórias acontece de diferentes maneiras, identifica-se uma
predominância por meio de leitura de textos impressos e virtuais
(92,67%), da audição e visualização de recursos audiovisuais (52,94%) e
dos pares (23,52%) (Gráfico 7).
Aos textos impressos, somam-se os hipertextos e os
livros eletrônicos (e-books) que surgem como novas
ferramentas de comunicação e interação, instaurando
outros paradigmas nas relações entre autores, textos
e leitores (CACCIOLARI; MATSUDA, 2009, p. 2).
Tanto na prática da audição dos pares que envolve a tradição da
oralidade, quanto na apropriação dos recursos audiovisuais que
demandam o uso das TIC, “Ouvir não é uma atitude passiva; ao
92,67%
23,52%
52,94%
30,88%
11,76%
120
contrário, envolve um grande esforço de imaginação, de análise e de
assimilação do discurso” (NKAMA, 2012, p. 254). A atração pelo conto
selecionado é muito importante no processo de audição, influenciando
na maneira como posteriormente o narrador irá contá-lo. “De modo
geral, as histórias que escolhemos nos atraem pelo humor, pela
mensagem, pelas imagens [que fazemos dela] ou por qualquer outro
motivo” (MATOS; SORSY, 2009, p. 39).
Outras formas de seleção dos materiais podem ser pontuadas, todavia,
cabe nesse momento pensar nos diversos tipos de mídias e suportes aos
quais o narrador pode recorrer para compor o seu repertório. Os
indicadores sobre essa categoria trazem resultados e despertam para o
fato de que as mídias e suportes mais utilizados são os livros impressos
e digitais (86,76%); material multimídia na internet (60,29%); DVD
(23,52%); CD (25%), dentre outras opções (8,82%)48.
Acho que a internet ajuda sim, por exemplo, o que está acontecendo sobre contação.
Eu acabo utilizando o que está sendo produzido fora do Estado. Então, eu uso sim
com certeza. Então você quer alguma sobre narrativa, literatura e tal, então, usamos
a internet pra buscar. Algum artigo também. Não tanto em redes, não é? Depende
da perspectiva de rede. Uso vídeos, para pesquisar um cara que eu gosto. Vou lá e
procuro um pouco da história dele, no Youtube. O Roberto Carlos Ramos49 que eu
gosto muito, Roberto de Freitas50, eu gosto muito do estilo do pessoal de Minas Gerais,
então eu sempre procuro o contador de histórias dessa região (Narrador Valadares).
Então, às vezes, os saberes que você vai adquirindo influencia o contador, o seu jeito
de contar, como eu vejo a Alzinete, como eu vejo o Eduardo, e eu vou vendo como
eles desenvolvem a técnica deles. Eu acho que é uma técnica de cada um, quando
eu vou pra um curso eu busco um parâmetro de todos [...]. Então você estuda as
técnicas justamente porque em você já é nato, são as experiências que você vivenciou,
são saberes que você adquiriu um a um e você se identifica com a prática. Pelo menos
eu penso assim, eu peguei todas as experiências que eu vi de vocês e conquistei para
mim. [...] e aí chegou o momento que eu queria exercer, e o que eu fiz, fui fazer
alguns cursos para adquirir a técnica (Narradora Célia).
Percebe-se que durante a pesquisa de histórias as técnicas de seleção
são influenciadas tanto pelos momentos de audição dos pares, quanto
48 Questão de múltipla escolha com um percentual de 2,94% sem resposta. 49 Pedagogo, escritor e contador de histórias de Minas Gerais que inspirou o filme “O
contador de histórias” de Luiz Vilaça (ROBERTO..., 2015). 50 Contador de histórias de Minas Gerais (ROBERTO..., 2008).
121
pelos processos de busca de um texto on line ou em um livro impresso.
O fato de que a maioria dos contadores de histórias afirmam utilizar
mais o livro para trabalhar o contexto de seleção de uma história não
elimina a importância que é dada aos pares conforme identificado nos
processos de diálogos. O próprio ambiente de aprendizagem virtual
pode disponibilizar vídeos que exploram a performance dos narradores
e, com isso, auxiliar no processo de seleção de um texto narrativo.
Mesmo com todo aparato possibilitado pelas tecnologias de informação
e pelos meios de comunicação, pesquisas constantemente são realizadas
no cotidiano de trabalho do próprio narrador e em suportes mais
tradicionais como os livros impressos. Identifica-se por meio dos
diálogos e literatura pesquisada que os contadores de histórias não
costumam dispensar a leitura de uma boa obra impressa. Com isso, não
se pode desconsiderar a importância dos contos populares e a facilidade
com que são constantemente assimilados por diversas culturas
(MATOS; SORSY, 2009).
Eu preservo muito o direito do autor, advogada é triste, não é? Tem a questão legal,
então, quando eu busco um texto eu procuro ver se ele já é de domínio público ou se
ele é autoral. Se ele é autoral compro o livro. A Marta51 também faz muito isso, a
gente carrega o livro, não se prende apenas a fonte da internet (Narradora
Magalhães).
Quando vou para uma creche eu gosto de contar e levar o livro para estimular a
criança. Então, mesmo tendo o texto eu procuro comprar o livro. E toda vez que eu
vou contar levo o livro (Narradora Bossois).
O que me sobra? Literatura. Eu compro! Eu sou uma compradora de livro infantil.
Todo mês eu devo comprar quatro ou cinco unidades de livros infantis nacionais e
estrangeiros, de autores nacionais e estrangeiros. Ana Maria Machado, tenho toda a
coleção dela. Lygia Bojunga... tem muita gente lá em casa! Muita coletânea de contos
irlandeses, contos africanos, contos chineses. Quando eu acho uma coletânea assim,
eu pego tudo, sabe (Narradora Kruger)?
Por meio de uma diversidade de suportes disponibilizados (livros
impressos, livros eletrônicos, etc.) entra-se em contato com uma
variedade de gêneros literários: contos; romances; crônicas; dentre
outros. A busca e a recuperação da informação narrativa alcança um
51 Membro do Grupo Chão de Letras.
122
repertório universal, no qual fábulas, contos de fadas e outras histórias
tradicionais e populares trazem novas possibilidades em termos de
seleção para o sujeito narrador trabalhar com o seu público na era da
informação.
O contador de histórias tem que ter repertório atualizado [...], deve conhecer fábulas
de Esopo, deve conhecer contos de fadas e tudo mais, para depois ele vir com esse
repertório e ter a condição de adequá-lo ao seu público ouvinte. Então, o contador de
histórias que passa pelo GECHUFES, se ele não saiu bem formado, passa sabendo
que se ele quer agradar um público qualquer deve ter um bom repertório de contos
de fadas que ouvimos desde criança. Automaticamente quando se narra um conto
de fadas faz a pessoa viver a construção do ser que ela é hoje (Narradora Biancardi).
Tento não me ater apenas a histórias tradicionais de contação de histórias, por que
têm umas histórias que elas já são tão tradicionais de contador de histórias... Então,
não conto de fadas e fábulas, eu detesto, não consigo nem ler. Sei lá... “A princesa e
o sapo” contei uma vez eu acho. Eu coloquei que eu detesto essas duas vertentes,
são gigantescas não é (Narradora Kruger)?
Através da seleção dos textos narrativos os narradores de histórias
estabelecem contato com autores de obras literárias, narradores da
tradição que transmitem contos populares, com os pares que
comunicam suas narrativas na internet e/ou em espaços presenciais. A
seleção é uma habilidade importante e, antes de mais nada, uma tarefa
inteiramente coletiva, sendo identificada como primordial para cativar o
público. “O coletivo entra até nas escolhas que a gente faz. Quando se
vai escolher uma história, por exemplo. A escolha é coletiva, se eu me
proponho a fazer um trabalho numa determinada escola, por
exemplo” (Narrador Moraes).
A definição do público atendido é primordial para o processo de seleção
da história que será incorporada ao repertório e, posteriormente,
comunicada ao público alvo. A fase a ser considerada compreende desde
a infância até a melhor idade. Algumas narrativas podem ser selecionadas
independente da idade a ser atendida, devendo, porém, passar por
adaptações em fases posteriores para melhor atingir aos ouvintes. As
metas que devem ser atingidas em determinados territórios de atuação
também são levadas em consideração, direcionando o narrador para o
desenvolvimento de um trabalho de acordo com os objetivos que lhes
são requeridos.
123
Para selecionar histórias eu procuro conhecer meu acervo e adquirir livros diferentes,
se a história me toca penso que também tocará a criança. Então quero contá-la e
sempre tem alguma coisa a mais. Não seleciono sempre o mesmo estilo e penso em
encontrar histórias diferentes para que a narrativa seja contada. Se o autor é sensível
e a história encanta, conto e incorporo ao repertório. Sempre levo em conta a faixa
etária, mas a narrativa acaba tocando quem ouve independente da idade, como no
caso das professoras que acabam sendo tocadas. Mas conto histórias direcionadas
para o público infantil. Faço perguntas, olho para eles porque acho que seja
importante e percebo se estão retribuindo e fazendo perguntas também (Narradora
Helena Silva).
A narrativa é selecionada de acordo com a temática, já falei. Então eu penso em
como eu vou trabalhar a narrativa de acordo com a temática, não é? Então, assim,
eu poderia pegar uma receitinha pronta, mas se tiver uma receita pronta e não tiver
nada com a temática não valeu nada. O que adianta contar o Macaquinho numa
época de páscoa? Mas eu posso contar no dia internacional da família, porque o
macaquinho fala do papel desse sujeito que não fica em casa e não cuida do filho. E
o filho só quer atenção (Narradora Célia).
A atuação do contador de histórias profissional requer um repertório
atualizado, nessa direção, colocou-se em análise a frequência com que a
seleção das histórias é realizada. Depreende-se, dessa forma, que a
frequência varia de narrador para narrador, devendo ser analisada
dentro de cada realidade de atuação cultural desse profissional na
comunidade ou instituição na qual costuma atuar. As oportunidades em
termos de busca e recuperação da informação também são variadas e
acabam por influenciar consideravelmente o processo.
De maneira geral, experiências diferenciadas são tecidas em termos de
atuação profissional e mudam totalmente o contexto da seleção e, por
conseguinte, de apropriação das histórias oralizadas. Por meio da
constituição de um repertório, pode-se ampliar frequentemente a
possibilidade de atender às demandas dos ouvintes que de, maneira
geral, exigem histórias novas e com diversas visões culturais e sociais.
Em relação a frequência posso dizer que ela depende das oportunidades de acesso
as livrarias e consultas aos catálogos on line das editoras. Sempre que encontro uma
história com a qual me identifico ela é selecionada e preparada (Narradora
Biancardi).
Quando surgem as demandas específicas uso também, como no ano passado, no
segundo semestre de 2014, quando surgiu uma questão específica temática, e eu
124
nem gosto tanto. Você fica muito preso tem que ser daquele tema. Trânsito [...]. Pra
mim foi muito complicado. Aí a outra foi sobre reciclagem e eu achei muito bacana.
Depois virou meu também. Da Livraria Paulinas, então, quando é planejado, é mais
difícil. Quando é natural é mais gostoso (Narrador Valadares).
Atualmente é uma frequência pequena. Mas antes estava sempre buscando porque,
às vezes, você vê uma história e pensa foi feita pra mim. Às vezes, você nem planeja
muito isso. Chega um livro a sua mão e você pensa: olha que legal! Dá pra contar.
Você assiste a apresentação de uma pessoa e pensa que história legal, parece comigo.
E vendo que a história é legal coloco no repertório (Narrador Valadares).
O contexto de seleção encontra-se ligado ao processo de avaliação,
requerendo técnicas condizentes com a realidade do público atendido,
bem como conhecimento da qualidade das audições e das obras
utilizadas. Torna-se importante ainda no processo de pesquisa avaliar
uma mesma história com versões diferenciadas e de diversas
procedências direcionadas, por exemplo, para a infância. Muitas
narrativas trabalhadas “São histórias que denotam reflexos da correria, do estresse e da luta por conquistas meramente materiais, influenciada,
sobretudo, pela mídia; são valores que estabelecem o ter em detrimento
do ser” (GIORDANO, 2013, p. 31).
Nesse sentido, diálogos são constantemente estabelecidos com autores
de obras literárias e múltiplas relações são tecidas com pares, público e
apoiadores numa audição de histórias profissional ou com narradores
de comunidades tradicionais. Diante desse contexto, “O
autoconhecimento e a experiência de narrar são provenientes do buscar
conhecer-se ao narrar uma história, buscar conhecer-se ao ter contato
com as culturas, dos povos, as sabedorias concernentes de tais tradições
[...]” (MORAES, 2012, p. 35).
Procuro sempre inserir uma nova, porque as histórias que contei no ano passado não
posso contá-las de novo. Ele dizem assim: Ah! Tia essa eu sei. Tem uma história que
todo mundo ama que é aquela que repete, “A casa sonolenta”. Aí eu conto para o
primeiro ano, porque antes não tínhamos primeiro ano, não tinha nem biblioteca
quando entrei lá. Detalhe. Então contava a partir do segundo ano que vinha do CMEI,
então nesse ano eu não posso contar para o segundo ano a mesma história. A partir
do segundo ano em diante eu tenho que ter histórias diferentes. Porque eles lembram,
essa história você já contou (Narradora Pereira).
Conto sempre a mesma história para todas as turmas em cada semana e, às vezes,
mudo. Uma história que acho muito infantil, quando chega o quarto ou quinto ano
125
mudo, troco para outra. Escolho uma coisa diferente. Às vezes, me perco, então eles
dizem: você já contou essa! Aí então tenho que escolher outra. Então separo uns
livros só para ler para eles. Escolho a cada semana que eles vêm uma história
diferente. Como a maioria eu leio... mas tenho que repassar a voz do personagem
da história... fica mais fácil! (Narradora Mendonça).
Agora você vai contar histórias para crianças que passam de 10 minutos e que têm
um vocabulário extremamente evoluído, como fará para contar um texto desse para
uma criança da pré-escola? Da educação infantil? Vamos pegar um neto de três anos
que tenho, como pego uma história de morte infantil de um idoso que ludibria a
morte na educação infantil? Você deve então respeitar a faixa etária porque conforme
o texto que você narrar, ele não atinge seu público. No seu repertório se você trabalha
com crianças da educação infantil, você tem que ter histórias, curtíssimas,
normalmente repetitivas que a criança gosta [...] (Narradora Biancardi).
O contador de histórias profissional direciona contextos de busca,
seleção e avaliação do material ao público que de uma maneira geral irá
atender. No processo de busca e recuperação da informação narrativa
a “[...] faixa etária predominante e características socioculturais do
grupo devem ser observadas enquanto caracteres que tangenciam o
papel social do receptor, ou seja, seu lugar enquanto destinatário”
(MORAES, 2012, p. 44). O estabelecimento do tempo que deverá ser
despendido ao momento da comunicação da história é essencial,
devendo-se considerar fatores relacionados com a idade, instituição e
público que nela é constantemente atendido.
O processo de preparação e comunicação de um conto perpassa a
história de vida profissional de cada ator social envolvido no processo,
desse modo, deve-se adotar critérios desde a preparação até a
comunicação de variadas histórias. Enquanto os contos de fadas tornam possível trabalhar com as rotinas escolares, comunitárias e dos lares, a
fábula imprime no decorrer da narrativa uma moral para a história. Não
se pode perder
[...] a informação de que o conto ocupa um lugar
privilegiado e específico na infância, principalmente
quando aparecem nas narrativas fadas, duendes, ogros,
bruxas – aliás, feiticeiras, gigantes, fadas, duendes e
anões não são apenas elementos indispensáveis ao
conto de fadas (GIORDANO, 2013, p. 30).
As histórias de fadas, as fábulas e as lendas regionais são contos
126
tradicionais aos quais os narradores recorrem com intensidade em um
momento de comunicação, alcançando, com isso, sujeitos de diversas
idades e com gostos diferenciados por conseguinte. Em um universo em
que “Fornos de lenha foram substituído por micro-ondas e florestas
silenciosas por avenidas ensurdecedoras, e, ainda assim, nos debruçamos
sobre os destinos de Cinderela, Branca de Neve e seus companheiros”
(HUECK, 2016, p. 254), estabelece-se contato com um público mais
homogêneo ou diversificado, selecionando histórias que possam atende-
lo de maneira apropriada. Existem histórias que agradam a qualquer tipo
de idade e que podem ser adaptadas para atingir ao gosto de cada
público, outras que exigem uma reescrita para atingir ao objetivo e assim
por diante.
Se eu vou falar de Chapeuzinho Vermelho de zero a 4, 5, 6 anos de idade, do infantil,
eu só falo do lobo mal como um bicho, conforme foi maquiado pela Disney. Quando
estou falando da Chapeuzinho Vermelho na faixa etária de 15 a 80 anos eu já tenho
uma outra visão de que não é bem assim [...]. Eu já falo do lobo mal que eram
os débeis mentais que no tempo dos grandes feudos as velhas e as moças e a libido
delas saiam para o bosque e estavam monstrengos atrás das árvores, como lobo mal.
E elas voltavam dizendo que era o lobo mal que tinha comido literalmente
elas (Narradora Varejão).
Eu posso ter no meu repertório histórias para todas as idades, inclusive os contos de
fadas e as fábulas de Esopo que você pode contar para qualquer público, porque as
fábulas eram narradas para qualquer tipo de criança para educá-las nos princípios
morais daquela comunidade. Então, se conto A raposa e a uva52, através dessa fábula
educa-se a criança a não desrespeitar e ser perseverante (Narradora Biancardi).
O ouvinte de diferentes idades difere-se de um espectador passivo se é
que esse tipo de sujeito realmente existe, sendo considerado como coautor ou ouvinte autor no processo narrativo (MATOS, 2014), desse
modo, os serviços e produtos no campo da narrativa oral devem ser
direcionados para esse sujeito e toda a sua diversidade cultural. No ato
de seleção do repertório a maioria dos narradores de histórias
(95,58%)53 leva em consideração a faixa etária do público atendido e, na
mesma proporção, a maior parte (95,58%) costuma atender ao público
infantil (Gráfico 8).
52 Fábula de Esopo. 53 1,47% afirma que não e 2,94% não responderam essa questão.
127
Mesmo sendo o público do narrador de histórias em sua maioria
constituído por crianças, esse profissional deve acreditar que está
tratando de uma prática destinada a um público diverso que deve ser
atendido como um coletivo que possui peculiaridades. Por meio da
consideração da faixa etária um narrador experiente ou não, poderá
melhor selecionar os textos narrativos. Porém, deve-se levar em
questão não apenas a idade, mas também as particularidades sociais e
humanas do público atendido numa sociedade em que as diferenças é a
sua maior característica.
Gráfico 8 – Faixa etária do público atendido
Fonte: Produzido durante a elaboração da pesquisa.
Levando em consideração a minha faixa etária “Eu aprendi, eu aprendi...” que os
livros você não deve podar, selecionar por faixa etária. Mas quando eu estou
selecionando o material eu observo pra qual faixa etária vou estar contando histórias.
E quando estou numa faixa etária maior, se estou contando histórias, o meu
vocabulário, eu modifico, eu acrescento mais no verbo, na palavra, nos adjetivos nos
significados dos adjetivos pra mais ou pra menos, de acordo com a platéia, faixa
etária (Narradora Varejão).
E quando vou contar as histórias nos lugares, eu conto a lenda e digo que faz parte
do livro. Então, é uma forma de merchandising do livro. Agora os outros eu não tenho,
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
InfantilJuvenil
AdultoIdoso
Semresposta
95,58%
36,76%
19,11% 19,11%
2,94%
128
o livro é de poema, e as vezes eu até digo, mas depende do público. Quando você
sabe o lugar que você vai e que você vai direto no foco, o público é de tal idade, você
já vai com o repertório pensado. Agora, muitas vezes, você vai sem saber. Então, às
vezes, entra um poema desse livro Roda Vida, principalmente quando falo pra
professores porque é uma subversão da música carneirinho carneirão que eu dediquei
aos meus alunos (Narradora Sampaio).
A competência no campo da oralidade perpassa a capacidade da
comunicação do conto selecionado, muitas vezes tornando difícil
separar a segunda da terceira habilidade da competência narrativa:
habilidades de preparação e comunicação de histórias. Ao considerar
que o processo de comunicação exige uma boa preparação, resta, então,
fornecer detalhes de como essas habilidades são adquiridas no cotidiano
do contador de histórias espírito-santense.
Enquanto a preparação exige técnicas específicas que praticamente
eliminam o improviso, o ato de narrar exige habilidades e
conhecimentos no qual a improvisação pode aparecer como necessária em alguns momentos. “Na verdade o contar histórias não se improvisa
nunca e, exige um ritual e uma preparação do narrador [...]”
(GIORDANO, 2013, p. 44). Alguns textos narrativos selecionados
demandam maior dedicação do que outros, exigindo nesse caso mais
tempo de estudo e laboratórios de preparação individuais/coletivos. As
narradoras do Grupo Chão de Letras, Magalhães e Samôr acabam
fornecendo elementos para pensar que o processo de preparação de
histórias requer dedicação e técnicas específicas.
A gente tem no repertório histórias mais longas, histórias mais curtas, todas elas
exigem um tempo de preparação. Temos um laboratório no Grupo Chão de Letras,
a gente conta e ouve as histórias uma das outras, isso é muito importante (Narradora
Magalhães).
Preparar uma história não é um processo simples, não é só pegar e ler e preparar
rapidinho. É um processo demorado [...] a gente demora, estuda, assimila e mastiga.
Tem que trabalhar muito em cima de uma história para que ela saia de uma maneira
leve e prazerosa, causando impacto que a gente trabalhou (Narradora Samôr).
Em casa o meu filho já se acostumou. Eu conto histórias para ele desde pequeno e
agora ele é o meu crítico. Eu conto e ele franze a testa e eu vou melhorando. As
vezes estou dentro de casa para um lado e para o outro. Outro dia a namorada
estava lá em casa e perguntou para ele e ele disse assim: - “Ah! Ela está preparando
as histórias dela, não liga, doido é assim mesmo”. Às vezes, eu saio com eles na rua
129
e eles estão conversando, agora ela não pergunta mais “o que foi” [...]. E, às vezes,
eu estou no ônibus, eu gosto de andar de ônibus, e eu conto a história, faço caras e
bocas, faço exercícios, na rua também (Narradora Magalhães).
O narrador é caracterizado como um leitor extensivo por consumir
muitos e variados tipos de textos para dar conta da preparação e
exercício de sua arte (SIMEÃO, 2006). Nessa direção, leitura e escrita
relacionam-se com o contexto da alfabetização (técnica de saber ler e
escrever) que não exclui o conhecimento de mundo que o narrador de
histórias possui (letramento) (TFOUNI, 2010). As técnicas de preparo
de uma história estão inteiramente relacionadas com a leitura,
(re)escrita, memorização e ensaio e, posteriormente, com o uso da voz,
expressão corporal e facial, ou seja, com os procedimentos que tornam
possível a comunicação da história que compõe a competência narrativa.
Tabela 5 – Procedimentos para o preparo e comunicação da narrativa oral
PROCEDIMENTOS PERCENTUAL
(questão de múltipla
escolha)
Leitura em voz alta 82,35%
Leitura em voz silenciosa 30,88%
Escrita das partes da história para memorizar 33,82%
Memorização literal 20,58%
Reescrita da história para contá-la 17,64%
Caretas e outros tipos de expressões faciais 33,82%
Abuso da expressão corporal 17,64%
Expressão corporal na medida certa 38,23%
Mudança de voz para diferenciar os personagens 47,05%
Velocidade, tonalidade e volume da voz 50%
Uso de recursos 44,11%
Ensaio das histórias com diversos sujeitos, com gravação
e narração na frente do espelho
30,88%
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
Dentre os procedimentos das técnicas que compõem as habilidades de
preparação e comunicação de histórias, destacam-se os usos das
130
estratégias de leituras em voz alta (82,35%) e silenciosa (30,88%), bem
como a escrita das partes da história para uma efetiva memorização
(33,82%), podendo ou não culminar na reescrita de partes da narrativa
(33,82%). A memorização literal (20,58%) é responsável pela viabilização
de momentos de narrativa oral em que o contador de histórias precisa
apropriar-se da história na íntegra sem mudar as partes do texto (Tabela
5).
Outros procedimentos constituintes das técnicas são citados pelos
narradores conforme pode ser visualizado na tabela 5, possibilitando a
percepção de que antes que um conto esteja pronto é necessário
trabalhar a expressão facial (33,82%), expressão corporal na medida
certa (38,64%) em alguns momentos de comunicação e de forma
exagerada (17,64%) em outros. As técnicas de mudanças de voz são
usadas de forma que se possa diferenciar os personagens (47,05%) e o
trabalho com a velocidade, tonalidade e volume de voz (50%) também
são comumente requeridos, bem como gravações (30,88%) e o uso de recursos como músicas e objetos (44,11%).
A leitura principalmente em voz alta (82,35%) é uma técnica importante
para a composição da competência narrativa, sendo a grande
responsável pela preparação e consequente comunicação de um conto,
evidentemente em articulação com outras habilidades e técnicas. No
processo de preparação de um conto o narrador de histórias “[...] pode
escolher, criar, recriar, decidir contar ou não, iniciar, modificar, resumir
ou enriquecer, e até mesmo encerrar a história caso considere
conveniente” (MORAES, 2012, p. 37).
Todos veem a contação da história Macaquinho como a Bia Bedran conta, mas
quando peguei o livro e li tive uma outra visão [...]. No momento eu estou brincando
de contar histórias, para mim é uma diversão, eu me divirto junto com os meninos
(Narradora Célia).
Depois da leitura silenciosa namoro o texto e depois fico imaginando com que tipo
de público poderei utilizá-lo. Depois faço o planejamento de entonação da voz,
vírgula, ponto, exclamação, ler em voz alta e gravação para corrigir virose verbal.
Quando o texto não está preparado ao fazer a leitura em voz alta auxilia a detectar
onde não está preparado e evitar conectivos, evitar virose verbal: aí, né, etc.
(Narradora Biancardi).
Faço a leitura silenciosa e dali eu já vou maquiando e vou lendo em voz alta e vou
131
vendo o que eu posso fazer dentro da minha experiência anterior, uso algumas coisas,
adaptações. Sem fugir é lógico do texto [escrevendo as partes] sim. [reescrevendo]
Não. [Faço careta] Caras e bocas. A verdadeira história do lobo mal de Jon Scieszka ...
Sou até caricata. [...] Caracterização no corpo, vou tirando do baú e colocando coisas.
Tiro e boto, tiro e boto, tiro e boto (Narradora Varejão).
Seleciono e preparo as histórias lendo. Quando a gente ouve uma história boa a gente
corre atrás pra saber dela. Por meio de sugestões dos colegas também: - “Ah! Eu
contei tal história, assim, assim, assim”. Ontem eu estava conversando com a Márcia
Helena sobre “Viviana, a rainha do pijama”, e na escola dela dá super certo e eu não
conseguia contar na minha escola. Não deu certo. Aí ela estava me contando o jeito
que ela faz e talvez se eu fizer dê certo. O jeito dela é mais interativo do que o meu
(Narradora Pereira).
Por meio de uma leitura solitária, silenciosa ou coletiva, assim como, da
escrita das partes do texto, o sujeito narrador memoriza e prepara a
história para a comunicação numa posterior apresentação. Esse ator
social necessita acessar conhecimentos pertencentes ao processo de
alfabetização e letramento, principalmente para conseguir uma aplicação social que o ato de narrar exige do seu narrador na contemporaneidade.
No processo de memorização o narrador pode separar a história em
partes, devendo selecionar essa opção sem alterar o texto escrito e,
sobretudo no caso de narrativas provenientes de obras literárias
autorais, pode ser literal. “Por outro lado há os que consideram que a
modalidade oral, diferindo da escrita, requer outros aspectos que
podem vir a redefinir não apenas a moldura, mas também a estampa final
do conto” (MORAES, 2012, p. 27). Também podem utilizar a reescrita
para recontá-la com uma estrutura diferente, de forma que não
descaracterize a obra.
A realidade exposta apresenta a necessidade de o narrador dominar
técnicas de reescrita e adquirir conhecimentos acerca da arte de narrar
textos adaptados principalmente quando estes forem de domínio
popular. O contador de histórias profissional tendo ou não
características mais tradicionais deverá “[...] dominar a arte da palavra e
da imaginação criadora e começa por se considerar o contar histórias
como uma atividade muito importante que requer clareza nas suas
intencionalidades” (GIORDANO, 2013, p. 44).
Fica cada vez mais difícil a tarefa de separar as habilidades de preparo e
132
comunicação da história, pelo motivo de que os narradores entendem
que essas práticas estão articuladas e, principalmente, pelo fato de que
a maioria dos profissionais continuam a preparação durante o ato de
narrar. Conseguem, dessa forma, alcançar um processo de memorização
que permite que se conte um texto de cor, o que remete compreender
efetivamente aquilo que foi lido, oralizar com sentimento e
descontração. O uso de um recurso é uma consequência, jamais
podendo aparecer mais do que a narrativa apresentada, segundo a
opinião de alguns narradores.
Então eu juntei um pouco da teoria com a experiência, para não fazer feio,
entende? Então eu acabei juntando experiência pra tentar fazer algo que fosse meu,
único, o meu jeito. Porque por mais que você queira cantar igual a Bia Bendran você
não é ela, a sua voz, a sua entonação, a expressão, tudo, sem falar que você vai
contar oral, tudo depende da sua entonação, da sua fala, do seu sorriso, da sua
expressão, e aí não adianta nada você ter toda essa bagagem e não saber de
expressar, você ser travado, não estar num dia legal, eu acho assim contar é a arte
mesmo, é a diversão, é você entrar naquilo (Narradora Célia).
Às vezes [uso] um anel, um objeto que vai tornar curiosa que vai assim aguçar a
curiosidade da criança. Eu contei uma história da montanha encantada que foi uma
história da minha adolescência de escola, e eu contei pro meu filho em casa, depois
fui contar para os coleguinhas deles na escola, porque ele falava que a professora
não gostava de contar histórias e eu contava muita história pra ele em casa. Quando
cheguei lá o que tinha no primeiro capítulo? Um binóculo! E eu levei um binóculo
escondido na roupa e na hora em que falava do binóculo eu peguei e eles ficaram
loucos (Narradora Broseguini).
Contudo, o uso de recursos, a reescrita da história juntamente com as
mudanças de tom e velocidade da voz são muito necessárias no momento da apresentação da narrativa. Na educação infantil, por
exemplo, os contadores de histórias exploram o uso dos recursos com
maior intensidade. No caso das narradoras Bossois, Magalhães e Samôr
do Grupo Chão de Letras, costumam utilizar na maioria das vezes a
simples narrativa devido ao público diversificado que atendem.
Eu uso alguns recursos em algumas histórias, mas no geral uso mais a narrativa
mesmo (Narradora Bossois).
Eu uso pouco recurso, meu perfil não é de estar cheia [de recursos...]. Com fantoches,
tem hora que eu esqueço que ele está na minha mão. Às vezes, o recurso que eu
utilizo é a própria criança que eu vou colocando algumas coisas nela. A música
133
também, porque de vez em quando eu sou atrevida, não é? Mas como o contador
de histórias pode, eu uso a música (Narradora Magalhães).
No Grupo Chão de Letras o nosso perfil é bem parecido. A gente não usa muito
recurso não (Narradora Samôr).
O uso de variados recursos e tipos de gêneros textuais dependerá do
público atendido, das habilidades artísticas do narrador de histórias que,
muitas vezes, domina o uso de instrumentos musicais, da dança, da
dramatização, declamação e outras modalidades artísticas. As
adaptações de poesias e musicalização das narrativas da tradição oral são
algumas possibilidades de trabalhos que permitem “[...] a cada vez que
narramos uma mesma história, mesmo que texto físico tenha sido
memorizado e narrado integralmente, executamos um evento único e
original” (MORAES, 2012, p. 17).
Então eu subverto a poesia dizendo “Carneirinho, carneirão, olha pro céu, olha pro
chão, mas olha também pro lado, deixa de ser alienado”. E aí, “Olha no céu olha
para as estrelas, astros, satélites, cometas, não olha só com os olhos, lança mão de
uma luneta. Carneirinho, carneirão, olha pro céu, olha pro chão, mas não deixa o
senhor dizer pra você se esconder, vai em frente, mostra a cara, faça tudo que quiser
esteja sempre atenta para o que der e vier. Aqui no chão olha pra tudo, descobre o
certo e o errado, encara tudo de frente e não deixa nada de lado, olha e grita bem
alto aquilo que não gostar, nosso olhar serve pra isso, ver e denunciar” (Narradora
Sampaio).
As estratégias selecionadas durante o momento de preparação de uma
história variam de narrador para narrador que atuam em territórios
diferenciados. O uso de recursos, desse modo, caracteriza-se como um
elemento importante durante o processo de comunicação da história,
podendo o conto selecionado, dessa maneira, sofrer influências da realidade vivida. Existem várias versões da mesma história que podem
ser selecionadas e preparadas com a intenção de trabalhar fragmentos
da realidade social em um momento de narrativa oral ou noutro tipo de
serviço ou produto.
No território da educação a utilização de recursos artísticos na
apresentação das narrativas tornam possível explorar valores. No caso
da narradora Mendonça o uso de um tipo de texto poético possibilitou
a premiação do trabalho que desenvolve no cotidiano da biblioteca
escolar. Mesmo que a palavra que mobiliza a simples narrativa seja a base
134
do momento de narração, no caso dessa e de outras narradoras com a
narrativa é possível trabalhar com recursos que mobilizaram o ato de
divertir e, ao mesmo tempo, provocar momentos educativos de uma
maneira prazerosa.
Quando vou trabalhar com os alunos escolho o conteúdo. Por exemplo, para trabalhar
sobre valores esse exercício se torna mais difícil. Se for de Ricardo Azevedo já sei que
é bom. Enviei um e-mail pra ele agradecendo porque aquela premiação [Prêmio Karol
Kuntal, em 2013] que obtive foi graças ao trabalho com um poema dele. Ele ficou
feliz e me enviou até um livro, autografado e tudo... Teve um seminário de
bibliotecários da Rede e falei do trabalho de Ricardo Azedo e uma profissional da
USP questionou se o autor sabe que eu trabalho... O autor sabe (Narradora
Mendonça).
Eu li Chapeuzinho Vermelho, em seguida apresentei Chapeuzinho Amarelo do Chico
Buarque e Chapeuzinho Redondo que é do francês Geoffroy Pennart. Então, são duas
histórias baseadas na história clássica de Chapeuzinho vermelho. E então, os alunos
produziram as histórias deles, inclusive podendo ser sobre qualquer Chapéu. Só que
colocando no contexto deles, no contexto atual e inserindo elementos da atualidade,
bicicleta, celular, GPS, verificando o vestuário, que música que ela canta. Ouvi de um
aluno: - Não posso levar doce porque a vovó é diabética, então ela vai levar outra
coisa. As adaptações vão fazendo com que eles produzam e que a criatividade vá
aflorando. Tem uma aluna que está fazendo a história da Chapeuzinho toda em
rima. Está ficando divertida (Narradora Uliana).
É tão interessante, justamente porque tem todo um processo de identidade dentro
do local. Eles não sabem do que eu sou capaz, então, eu sou obrigada a correr atrás
das minhas coisas. Pra eles ter uma bonequinha de papel foi uma coisa
incrível. Quando eu trabalhei Monteiro Lobato eu fiz um resgate, eu queria resgatar
o livro, o autor no dia do livro através da figura da Emília. Era automático, quem vê
a Emília vê Monteiro Lobato que iniciou toda essa história de literatura infantil. Então
a figura da Emília representa sim. Vem toda a questão da contação de histórias. Eu
perguntei para as pessoas o que lembrou a Emilia: - “Nossa você me trouxe
lembranças da época em que ouvia histórias do sítio”. Eu falei assim: “É isso! Bingo!
Eu atingi o meu objetivo através da figura da Emília” (Narradora Célia).
Tendo em vista que com a escolha de uma música, uma poesia, de um
vestuário ou de um objeto pode-se imprimir uma marca durante um
momento de apresentação da narrativa oral, destaca-se que tanto a
habilidade da preparação quanto da comunicação requer a apropriação
de técnicas particulares por parte do seu utilizador. Nessa linha de
pensamento, infere-se que um recurso jamais será utilizado da mesma
135
forma por dois ou mais narradores e, contudo, não provocará o mesmo
impacto durante os momentos performáticos.
Para além do uso de diferentes recursos em um momento de
comunicação, importa pensar a importância da simples narrativa. Esse
fato remete ao filme Canção do sul (1946), no momento em que essa
narrativa cinematográfica conduz à trama de histórias tecidas pelo Tio
Remus, vivido pelo ator James Baskett, um experiente contador de
histórias retratado como um narrador tradicional. Com a riqueza da sua
experiência esse personagem oferece conselhos e lições de vida assim
como o narrador contemporâneo (BENJAMIN, 1994).
A gente não pode abusar porque a verdadeira arte, o melhor método é a narrativa
oral, de corpo presente com seu público. Mas tem determinados públicos que você
pode inovar porque irá querer. Então, quando você forma contadores de histórias
você dá a ele essa abertura, de auto reconhecer. Canção do Sul, por exemplo, é um
filme que sempre usei no espaço de formação, porque o personagem principal narra
história com simples narrativa e consegue fazer a transformação do sujeito
(Narradora Biancardi).
Existem outras demandas com as quais esse narrador se depara,
devendo dar conta delas para que obtenha sucesso no momento de
preparação da contação de histórias ou de outros serviços requisitados
na contemporaneidade. A ambientação e a organização do local em que
será contada a história é uma delas, sendo que metade dos narradores
(50%) afirmam se dedicar a essa frente de trabalho no campo da
narrativa oral. Enquanto outros narradores afirmam não se preocupar
com essa atividade (32,35%), uma parcela considerável não respondeu a
essa questão (17,65%).
A preocupação com a organização do ambiente em que será contada a
história é válida pelo motivo de proporcionar conforto e motivar tanto
o narrador quanto o ouvinte. Nesse sentido, deve-se dedicar um tempo
considerável ao preparo do espaço em que será realizada a comunicação
da história. Essa técnica que compõe a habilidade de comunicação é
necessária para possibilitar interação social entre os sujeitos que
promovem uma ação cultural, proporcionando que o público seja digno
do oferecimento de um serviço ou promoção de um produto.
Depende do que eu planejo, porque tem o cantinho da leitura, tem os tatames, às
vezes senta todo mundo nos tatames e a gente faz uma roda no tatame. Tento
136
sentar no chão também. Às vezes, sentam nas mesas mesmos, depende do que eu
quero deles. Se for só uma conversa, convido: vamos sentar no chão que fica uma
coisa mais íntima, parece que eles têm mais liberdade de falar. Mas, às vezes, eu
quero uma outra coisa mais formal e a atividade é escrita, então eu deixo eles na
mesa mesmo. São os tatames com almofadas mesmo, esse é o meu cantinho da
leitura (Narradora Pereira).
Porque tem ambientes que querem que a gente faça a narrativa como livraria, no
shopping em que não temos condição ambiental, sem até microfone. Então esse
diálogo eu sempre tive e foi sempre muito bom, porque a gente afina o momento da
narrativa com todo o material necessário e com o ambiente necessário, porque nem
sempre o ambiente que querem nos dar para narrar é apropriado para estar sem
microfone [...]. Se temos um bom relacionamento é mais fácil ter as condições
necessárias para o desenvolvimento da arte. Porque se você fizer em lugar não
apropriado, com um espaço físico, barulho em um ambiente que não permite a
concentração e em que a projeção da voz é prejudicada, você terá problemas, a
desqualificação da arte narrativa (Narradora Biancardi).
Geralmente quando chego no local vou até onde irei contar, vejo o que eu preciso
para a apresentação no local, mas na maioria das vezes eu não uso de nenhum
artifício. Mas quando eu usava colocava lá alguns instrumentos, uma cadeira, um
banquinho, mesmo que não sentasse, mas para ter uma referência. Também
procurava alguns lugares em que estaria o ouvinte para imaginar como eu seria visto.
Do lado de fora da janela pra ver como a pessoa iria me visualizar. Verificava como
estariam me olhando. Às vezes, tinha uma janela atrás, então eu pensava como eles
vão me ver. Pra ter uma noção. Iluminação, um lugar que não tivesse nenhum foco
de luz maior na plateia do que em mim [...]. Por meio de experiência, experimentação
fui aprendendo, também lendo alguns livros de espaços teatrais (Narrador Moraes).
Não faço muito não. Fiz uma vez no SESC, no antigo prédio do teatro Glória, era
lançamento de um livro sobre a história do teatro e fui muito bem pago. Tive que
contar com algum cenário, porque o pessoal que contratou é da literatura. Enfim, eu
fiquei um pouco sem graça de levar minha mala e peguei emprestado com a Gab
Kruger um fundo de uma floresta, um tapete e algumas coisas pra ficar mais bonito.
Foi a única vez que eu usei, mas fora isso me preocupa se é algum lugar que não
tem a interferência de barulho externo. Se a gente vai sentar e não vai ser virado
para a janela, se não vai ser virado pra porta. Nessa linha de organização, mas não
de levar elementos para compor o cenário (Narrador Valadares).
A preparação dos momentos de contação de histórias aparece como
uma condição necessária para a performance durante a comunicação
narrativa, desse modo, o narrador deve manter o local organizado para
137
se dedicar com maior facilidade a etapa da disseminação/distribuição do
serviço ou produto. O ambiente direcionado para a contação de
histórias, por exemplo, deve ser “[...] o lugar em que se pretende narrar
uma história devendo ser um ambiente arejado, aconchegante,
silencioso, tranquilo, isento de elementos que dispersem a atenção dos
ouvintes” (MORAES, 2012, p. 43).
A literatura geralmente não dedica um espaço considerável para essa
atividade necessária ao contexto da narrativa oral, devendo o sujeito
narrador aprender como fazer no decorrer do seu cotidiano de
trabalho. A ambientação do local em que será comunicada uma história
que poderá ser visualizada presencialmente ou virtualmente, requer
planejamento e observação constante dos espaços tempos em que o
narrador dissemina textos e contextos que envolvem práticas narrativas.
O tempo reservado para a apresentação de cada narrativa deve ser
considerado ao compreender que o narrador trabalha em instituições
em que as diferenças e necessidades culturais devem ser atendidas pelo profissional narrador. A destinação de tempo voltada para uma
comunicação deve, por conseguinte, considerar que cada público requer
um momento de narrativa oral diferenciado em termos de concentração
e necessidades institucionais. Um momento de narração para crianças
deve ter um tempo menor em termos de comunicação da narrativa oral,
enquanto que o oferecimento de um curso para adultos deve
compreender um espaço de tempo maior devido a meta de trabalhar
com formação na área da contação de histórias.
Geralmente minha apresentação de contação de histórias dura 40 minutos. Fiz
apresentações mais longas, com mais de uma hora, apenas com adultos e usei muitos
artifícios, como uma música ou alguma outra coisa. Mas geralmente dura 40 minutos,
até por ser um tempo que a gente acaba determinando mesmo para pessoa sair
querendo mais (Narrador Moraes).
Não mais que 20 minutos, depois disso costuma dispersar a atenção dos alunos na
biblioteca (Narradora Pereira).
O encontro todo dura 50 minutos. A contação dura cerca de 10 a 15 minutos. Tem
a ver com você conhecer o público. Com aquilo que eles gostariam enquanto
informação [narrativa]. Na minha opinião é assim. Se eu conto uma história, tenho
que ter pronto uma outra história se aquela não agradar. Entendeu? Ou, às vezes,
eu conto uma e eles pedem outra e outra. Dependendo do grupo a história rende.
138
Depende de sua atenção para aquilo que vai fazer (Narradora Mendonça).
O estabelecimento de um tempo correto para cada tipo de atividade e
público é importante para fortalecer o processo de comunicação entre
narrador e ouvinte. Desse modo, identifica-se que a maioria dos
contadores de histórias costuma interagir com seu público (86,76%)
durante a comunicação da história e, em seguida, que uma pequena
parcela costuma não permitir nenhum tipo de interação (8,83%)54.
Percebe-se, com isso, que a comunicação da narrativa exige que todas
as habilidades citadas anteriormente sejam somadas a capacidade de
interação com um público de todas as idades e contextos sociais
diferentes.
Uma criança em sala de aula, dentro de uma escola ela reage de uma maneira
diferente de quando ela está com os pais num espaço como o Tapete Mágico, num
espaço cultural que também era uma loja mas era um espaço cultural. Às vezes, as
escolhas podiam mudar também por conta disso, não é? E o público? Eram todos
eles: infantil, juvenil, adulto e idoso. Eu trabalho em um lar de idoso,
no Avedalma55 também. Adultos eu sempre gostei de contar histórias para adultos.
Em teatro em que eu tive a oportunidade de contar pra adultos especificamente. E
nos próprios cursos, não é? E pra idosos no Lar Avedalma que foi a maior experiência
que nós fizemos, eu e os alunos do curso. Foi uma experiência muito boa também.
Tivemos idosos que contavam histórias também lá e em outros espaços da terceira
idade em que eu tive a felicidade de trabalhar (Narrador Moraes).
No processo de comunicação percebe-se que o sujeito narrador, apesar
de não ser classificado como ator, caracteriza-se como um artista cênico
e, que, mesmo perante a necessidade de memorizar uma história,
escolher recursos e outras demandas que exigem técnicas e
conhecimentos no campo da informação, tecnologia e alfabetização, a
liberdade de expressão ainda deve ser o norte da atividade criativa do
contador de histórias. Desse modo, técnicas cênicas (expressão facial,
corporal, etc.) e do campo da relação interpessoal (relacionamento
entre duas ou mais pessoas) permitem um diálogo expressivo entre
narrador e público por meio das interferências e produções em torno
da narrativa oral.
54 4,41% não respondeu essa questão. 55 Abrigo à Velhice Desamparada Auta Loureiro Machado (AVEDALMA), localizado
no município de Cariacica (ES).
139
Em algumas histórias [tem a integração com o público] sim, em outras não. Tem
uma história do tatu que coloquei um trecho de música, então elas começam a cantar
e participam. A da corujinha primeiro eu conto a história e depois eles vão contando
de novo ao fazer as dobraduras e contam comigo. Em algumas histórias eles
interagem e em outras não (Narradora Mendonça).
Eu permito interferências. Lógico que em momentos em que a história não vá se
perder. Eu vejo a hora em que podem interromper, porque se você parar toda hora
não dá. Mas dá pra fazer essas interferências durante as histórias, mas a discussão
maior é sempre depois do final da história. Às vezes, você conta uma história inteira
sem interferência nenhuma, principalmente para os menores. Os mais pequenos que
são mais curiosos e não têm muita noção, vão interrompendo a história, mas mesmo
assim eu permito. Pra ser um agente cultural você precisa ter a resposta do outro por
que senão você não é agente (Narradora Uliana).
Ao trabalhar principalmente com a perspectiva da ação cultural, os
narradores de histórias consideram que “Contar histórias não é um
monólogo, pois, para além das tantas vozes que permeiam a fala do
contador, muitos diálogos interiores se dão durante a narração”
(MORAES, 2012, p. 49). Permitir a fruição do diálogo entre contador de
histórias, pares e público é uma das metas do processo de comunicação,
devendo o sujeito narrador, portanto, continuar a explorar o
relacionamento interpessoal ao qual exerceu secularmente.
Assim que eu quero fazer, por exemplo, a história da centopeia56, pergunto pra eles: -
A centopeia tem quantas pernas? Respondem: - A centopeia tem 10 pernas. Então
no diálogo [...] vou contar quantas pernas tem a centopeia que eu uso: - Ela tem 18
pernas? Então se tem 18 pernas, dezoitopeia. E no final já que vou retirando as
perninhas ela fica com perna nenhuma. Então se não tem perna nenhuma, às vezes,
eles criam o zeropeia ou então outro nome [...]. Na própria composição da história,
nas perguntas que a gente faz, tem um diálogo. Tanto que essa história que você
citou57 é um ótimo exemplo pra fazer isso aí. Eles descobrem o que é rima. E aí
eles constroem as rimas deles. Às vezes, rimas que não são tão boas a gente usa
mesmo assim. Eu acho que se dialoga assim, bem lembrado (Narrador Valadares).
56 História infantil “A Zeropeia” de Hebert de Souza, publicada pela editora Moderna,
citada na entrevista do Narrador Valadares. 57 História “Xula do Palhaço”, ouvida na observação do campo, especificamente no
Espaço Infantil da Livraria Saraiva. Tendo em vista a audição dessa história no
momento de entrevista lembramos com Valadares que ao contá-la com música,
instrumentos e rimas, a estratégia utilizada proporcionou o diálogo com o público no
momento da interferência.
140
As habilidades de pesquisa e preparação não são dissociadas da
habilidade de comunicação da história. Tendo em vista que essa última
habilidade que compõe a competência narrativa é acompanhada de
técnicas que fazem parte da competência cênica, bem como de
estratégias peculiares de cada contador de histórias torna-se
extremamente necessária para a fase da disseminação da história. Evoca-
se um fragmento da obra de Fernandes (2006, p. 375) para refletir que
“A formação do artista cênico de hoje deve ensinar a liberdade entre os
vários meios de expressão, para que cada um deles ganhe sua força e
independência” ao criar e permitir que no momento de disseminação
haja interferência, ou seja, diálogo perante o oferecimento de uma ação
cultural.
Às vezes, a interação é essencial para o andamento da história, é o que faz a história
existir. Você faz uma pergunta e ninguém responde o que fará a história existir? As
estratégias que utilizo são perguntas. Peço para adivinhar algumas coisas ou pergunto
que final que eles dariam para a história: - Vamos conferir o final do livro? - Esse é o
mesmo que o autor deu? - Vocês gostaram mais do final do livro ou mais do final de
vocês? (Narradora Pereira)
Olho para o público, faço perguntas relacionadas e gesticulo sempre procurando
envolver o público também. Como no caso do recurso de sons de copos que quero
utilizar. Informações de repertório e “novas” de interação com o público. Costumo
buscar inovar o repertório e descobrir novas formas de interação com o público, como
o exemplo citado dos copos que achei fantástico e irei utilizar (Narradora Helena
Silva).
Entende-se que o narrador não é um ator e tampouco se enquadra nos
parâmetros de atuação desse profissional, todavia, o narrador
contemporâneo mais do que nunca precisa adquirir informações de
como usar a informação narrativa e comunicá-la em diferentes
territórios de atuação. Deter, então, conhecimento de técnicas que
tornem possível preparar uma narrativa e posteriormente comunicá-las
em ambientes híbridos que permitam o diálogo, são habilidades
componentes da competência narrativa muito importantes para essa
nova era conectada por redes de informação (CASTELLS, 2011; 2003).
O exposto não isenta o narrador de histórias da necessidade de deter
competência em informação voltada igualmente aos processos de busca
e comunicação da informação em espaços presenciais e virtuais. Desse
141
modo, desde a seleção até o preparo da história deve-se compreender
que as novas e antigas tecnologias coexistem de forma que se possa
comunicar a narrativa oral. Depreende-se a necessidade de apresentar
o estado da arte das habilidades, técnicas e conhecimentos componentes
da competência narrativa que culmina na disseminação da narrativa oral
em espaços híbridos de comunicação (Quadro 10).
Quadro 10 – Habilidades, conhecimentos e técnicas componentes da
competência narrativa
COMPETÊNCIA NARRATIVA
PESQ
UIS
A D
E H
IST
ÓR
IAS HABILIDADE que
engloba a seleção de
textos para o repertório
utilizado em narração de
histórias, cursos,
gravação de vídeos e
outros produtos e
serviços no campo da
narrativa oral.
Conhecimento no
campo da competência
em informação,
necessária dos contextos
de busca até avaliações
no processo de análise
de textos narrativos
compostos por uma
diversidade de gêneros.
Técnicas de busca e
seleção, ao considerar a
informação necessária à
seleção em contextos
presenciais/virtuais e
processo de escolha de
uma história que deve
partir das necessidades
do público alvo.
A avaliação encontra-se
imbricada com a
capacidade técnica e
humana de selecionar
informação narrativa
relevante para um
público diverso com
necessidades
diferenciadas.
Durante o processo de
seleção é requerido o
conhecimento do código
da escrita (alfabetização),
a aplicação da leitura e
escrita no contexto
social (letramento), junto
à alfabetização digital e
em informação.
Tendo em vista a
utilização das tecnologias
de escrita, informação e
comunicação para a
consecução das
pesquisas, reivindica
técnicas para buscas e
seleção de textos
narrativos.
PR
EPA
RA
ÇÃ
O D
A
HIS
TÓ
RIA
HABILIDADE de preparo
de histórias que se
encontra relacionada
com a leitura, (re)escrita,
memorização, ensaio e,
posteriormente, com as
Conhecimento no
campo da
alfabetização/letramento,
e, com isso, das leituras
solitárias/coletivas,
escrita das partes do
142
técnicas de preparo do
uso da voz, expressão
corporal e facial.
texto para a preparação
de uma história com o
acréscimo ou não de
recursos.
Conhecimento de
estratégias de
memorização literal para
a viabilização de
momentos de narrativa
oral em que o contador
de histórias precisa usar a
história na íntegra sem
mudar as partes do texto
lido.
Uso de técnicas de
leituras em voz alta e
silenciosa, escrita das
partes da história para
uma memorização não
literal, reescrita e
reestruturação de partes
da narrativa para
posterior comunicação.
Trabalho com técnicas da
expressão facial,
expressão corporal na
medida certa em alguns
momentos e de forma
exagerada em outros,
necessitando, portanto,
acessar habilidades
pertencentes ao campo
de expressões artísticas
como a música, teatro,
etc.
As técnicas de mudanças
de voz de forma que se
possa diferenciar os
personagens e o trabalho
com a velocidade,
tonalidade e volume de
voz também são comuns,
assim como, o uso de
recursos como gravação,
músicas e objetos.
CO
MU
NIC
AÇ
ÃO
DA
HIS
TÓ
RIA
HABILIDADE que
perpassa a capacidade da
comunicação da história
selecionada, relacionada
com as habilidades
técnicas de pesquisa e
preparo da história.
Muitas vezes torna-se
difícil separar a habilidade
da preparação da
comunicação de
histórias.
Conhecimento acerca da
competência cênica
(expressão facial,
corporal, etc.) e
habilidades inatas no
campo do
relacionamento humano,
sendo extremamente
necessárias para a fase da
comunicação da história.
Comunicação de
histórias, exigindo
técnicas cênicas e do
campo da relação
interpessoal, permitindo
diálogos expressivos
Conhecimentos sobre as
tecnologias de escrita,
informação e
comunicação, bem como
a aquisição de habilidades
técnicas para acessar aos
143
entre narrador e público
por meio do preparo do
local, estabelecimento de
tempo necessário,
interferências, entre
outras produções em
torno da narrativa oral.
serviços que as redes de
comunicação oferecem,
com a finalidade de
compartilhar a narrativa
oral em espaços híbridos
de comunicação.
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
A competência narrativa requer habilidades e conhecimentos no campo
da busca, avaliação e uso de uma informação que efetivamente se faz
necessária para a manutenção da prática do contador de histórias. Na
contemporaneidade os sujeitos narradores acabam requerendo uma
base de conhecimentos sobre as TIC, bem como, a aquisição de
habilidades para que possa acessar aos serviços que as redes de
comunicação oferecem.
Entretanto, no seu campo de atuação se deparam com a coexistência
das novas tecnologias de informação com os mais antigos meios de
comunicação (escrita e oralidade), com a articulação das práticas
tradicionais e modernas. Nessa direção, a reflexão das narradoras
Oliveira e Biancardi permitem que se pense um pouco mais sobre essa
questão.
Eu acho que a gente está resgatando a contação de histórias. Teve uma exposição
aqui e a exposição falava justamente sobre isso, não lembro o nome da artista agora,
ela pegou uma cadeira de balanço antiga e colocou no canto da sala com um pano
branco jogado em cima, um radinho velho, não é? Cantando músicas antigas, músicas
de roda. E tinha uma caixa preta e nessa caixa preta tinha um celular em cima, não
esqueço dessa exposição, e pelo celular você via tudo o que estava dentro daquela
caixa, que eram coisas antigas. A cadeira simbolizada o que? Pra mim, o que o mais
gostava quando minha avó sentava e a gente sentava em volta e ela contava causos,
histórias, músicas, e hoje você não vê isso (Narradora Oliveira).
O sujeito se apropria da cultura, do conhecimento, da informação que a narrativa
leva. Ele se torna um sujeito interativo, proativo em sala de aula, fora dela, em família
[...] Daí vejo a importância das pessoas que estão envolvidas na arte de contar
histórias passar por espaços de formação que possuem variadas linhas de formação.
A gente prioriza a naturalidade da pessoa de contar que é inata, mas determinados
públicos estão mais audiovisuais do que auditivos, estão interagindo mais com a
imagem e o som. Então quando a gente usa a simples narrativa de corpo presente
com o público, tem que ter um texto muito bem preparado pra cativar, porque senão
144
as pessoas em época de altas tecnologias não te darão ouvido (Narradora Biancardi).
Ilustração 8 - 1º Encontro Estudantil de Histórias Afro Brasileiras no
MUCANE (Filhos de Griô)
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
De um lado, situa-se o uso das tecnologias que tendem a diminuir a
capacidade do sujeito contemporâneo narrar histórias (BENJAMIN,
1994) e, de outro, a habilidade profissional do contador de histórias que
é fundamental para resgatar a prática de narrar na sociedade da
informação. Percebe-se o encontro da tradição oral com as TIC nos
relatos coletados nos momentos de diálogos e na observação da
dinâmica nos territórios de atuação dos narradores de histórias.
Durante a observação do campo no 1º Encontro Estudantil de Histórias
145
Afro Brasileiras no MUCANE percebeu-se o encontro da oralidade com
as novas tecnologias, no momento em que um aluno do ensino
fundamental conecta-se às redes digitais ao mesmo tempo em que
participa de uma audição de histórias nos moldes tradicionais (Ilustração
8).
Numa época em que a velocidade da informação circula com maior força
por conta do uso das tecnologias de escrita, informação e comunicação,
Yunes (2012) permite acrescentar que a disseminação de uma história
ainda oferece ao público “um gosto de quero mais”. A intensificação do
uso das tecnologias não impediu a interação do contador de histórias
com seu público, remetendo ao fato de que a arte de narrar fadada a
extinção tem resistido em muito aos impactos das novas tecnologias
(BENJAMIN, 1994).
Além do fato de que o público mantém um contato direto com
equipamentos eletrônicos, não se pode negar que o contador de
histórias também faz uso deles para pesquisar na internet e conectar-se às redes sociais para se comunicar. Todavia, a pergunta que
constantemente foi feita ao longo do contexto de diálogo com esse
grupo é como utilizam as tecnologias de comunicação e informação em
sua área de atuação. Esse questionamento começou a ser respondido ao
longo da apresentação dos quatro primeiros indicadores de perfil e
contexto e será aprofundado com a exploração dos últimos dois
indicadores apresentados no capítulo a seguir.
146
CAPÍTULO 4
A VISTA DE UM PONTO SOBRE A
COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO E AS
CONEXÕES EM REDES
A reminiscência funda a cadeia da tradição. Que transmite o
acontecimento de geração em geração. Ela corresponde à musa
épica no sentido mais amplo. Ela inclui todas as variedades da
forma épica. Entre elas, encontra-se em primeiro lugar a
encarnada pelo narrador. Ela tece a rede que em última instância
todas as histórias constituem entre si. Uma se articula na outra,
como demonstraram todos os outros narradores,
principalmente os orientais. Em cada um deles vive uma
Scherazade, que imagina uma nova história em cada passagem da
história que está contando (BENJAMIN, 1994. p. 210-211).
147
INDICADORES DAS CONEXÕES E DA COMPETÊNCIA EM
INFORMAÇÃO: CATEGORIA DA COMPETÊNCIA EM
INFORMAÇÃO
O contador de histórias de Benjamin (1994) ainda propaga
acontecimentos fictícios ou reais por meio das reminiscências
transmitidas de gerações em gerações. Contudo, tece sua rede tendo
como base uma prática milenar, ao passo que acaba adquirindo
competências de forma que possa ser incluído na sociedade da
informação. A inclusão em informação aparece como uma necessidade
para qualquer profissional brasileiro e, por que não colocar, do mundo.
Diante das discussões que giram em torno do processo de globalização
mundial, o contador de histórias recebe importantes contribuições com
a intensificação do uso das TIC. No entanto, o uso dessas tecnologias
requer a aquisição da competência em informação, exigindo um contato
mais direto com aparelhos eletrônicos que os conectam à rede mundial
de computadores, assim como o domínio dos saberes necessários para manuseá-los.
Ante ao exposto, desdobram-se neste capítulo as categorias
“competência em informação” e “conexão em redes”, encerrando a
análise dos dados coletados por meio dos indicadores de perfil e
contexto, bem como a apresentação do conteúdo dos assuntos
componentes. Os indicadores das conexões e da competência em
informação finalizam essa etapa propondo uma análise que aponta para
a inclusão digital, alfabetização em informação, participação em redes
presenciais e virtuais, processos de busca, recuperação e avaliação da
informação, produção de conhecimento, compartilhamento de
informações em redes de colaboração e outros temas que constituem
os indicadores.
Como forma de compreender neste tópico a composição de uma
categoria que se caracteriza como competência em informação,
abordam-se temas relacionados com a alfabetização em informação
(conexão em redes, utilização de mídias sociais, aplicações de acesso à
internet, contextos de busca, seleção e avaliação da informação, etc.) e
alfabetização digital (execução de tarefas, utilização de equipamentos,
etc.) (Quadro 11).
148
Quadro 11- Descrição de temas que compõem a primeira categoria dos
indicadores das conexões e da competência em informação
INDICADORES DAS CONEXÕES E DA COMPETÊNCIA EM
INFORMAÇÃO
Categoria competência
em informação
TEMAS TEMAS
Inclusão digital Tipos de
equipamentos usados
para acessar a rede
digital
Execução de tarefas
simples
Utilização de mídia
social para a
comunicação em rede
Intensidade de conexão
em rede
Tipos de mídias
sociais utilizadas em
rede
Uso de aplicações de
acesso à internet
Ferramentas de busca
e recuperação da
informação
Inclusão informacional Seleção da
informação por grau
de importância dos
objetivos
Localização da
informação em obras
impressas e digitais
Processo de detectar
palavras chaves na
definição de um
conteúdo do texto
Critérios utilizados para
avaliar a qualidade das
fontes
Organização e
disponibilização do
conteúdo de
documentos
Tipos de arquivos
compartilhados
Produção coletiva de
novos arquivos para
compartilhamento
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
Diante do fato de que o excesso de informação dificulta o
processamento de busca e recuperação da informação narrativa e, por
conseguinte, prejudica as conexões em redes parece apropriado
apresentar indicadores que possam colocar em análise dados até o
momento coletados e compreendidos na “categoria competência em
informação”.
A competência em informação concebe conhecimentos (saber ser),
149
habilidades (saber fazer) e atitudes (saber agir) compreendidos entre
contextos profissionais e comunitários, de forma que possa dar conta
das demandas da produção de produtos e serviços no campo da
narrativa oral. Essa competência articulada ao contexto da narrativa
proporciona ao sujeito narrador ser competente no âmbito da
informação e, com isso, trabalhar em contextos de produção
colaborativa e divulgação da sua prática na era digital.
O narrador vive um momento em que necessita estar incluído
digitalmente de forma a usufruir dos benefícios da sociedade que
disponibiliza as TIC. Nessa direção, a alfabetização digital se faz
necessária para desenvolver habilidades e apropriar-se de técnicas no
que refere ao emprego das tecnologias que acabam por envolver
conhecimentos relacionados com o uso de recursos digitais e
eletrônicos (GARCÍA-MORENO, 2011). Esse processo envolve
narrador, público, colaboradores, enfim, todos os sujeitos que se
apropriam das tecnologias de escrita, informação e comunicação compreendidos nessa área de atuação.
As mudanças vividas no campo da informação envolvem, de maneira
geral, o uso dos equipamentos eletrônicos. Então, ser alfabetizado
informacionalmente é uma necessidade que se articula com a capacidade
de manusear um computador, tablet, celular e outros equipamentos
responsáveis pela sobrevivência na era da informação. Por meio do
domínio do uso deles é possível aprender não apenas como buscar e
produzir informação de um modo solitário, mas também aprender
compartilhar conhecimento de maneira colaborativa mesmo que ainda
haja carência de recursos para uma diversidade de profissionais, dentre
eles o narrador de histórias.
Como pode você colocar computador pra criança e não saber nada daquilo? Aqueles
computadores vindo com teclados com letras, eu me lembro que o meu laboratório
foi o mais bem montado, eu estava no "CMEI Magnólia na Ilha das Caeiras"58, e foi
uma referência aquele laboratório de informática para a pré-escola. Como eu não
podia entender aquilo? Como eu poderia ficar a margem daquilo? E resistente ao não
querer saber de informática, eu tinha que saber... [...]. como eu poderia ficar longe
daquilo ali, de clicar, deletar e não era mais tirar cópia. Tudo era imprimir, não era
mais manda isso, era envia. Desmancha, passa a borracha... Não! Deleta! Control C,
58 CMEI Infantil Magnólia Dias Miranda Cunha da PMV.
150
Control V, eu não quis ficar por fora. Tanto que hoje o celular está aqui [...]. Minha
sobrinha me deu de presente, um iPhone da Apple que faz tudo, é um espetáculo,
eu falo com o mundo inteiro, com quem eu quero (Narradora Varejão).
No escritório eu tinha uma máquina que era fantástica. Ela tinha memória, gravava
não sei quantas petições e depois eu fui obrigada a comprar o computador, sabe? O
técnico chegou instalou aquele negócio para mim e me ensinou a ligar e a fazer tudo.
E o dia em que ele chegou lá e disse: - “Tiana, tenho um negócio que você vai amar”.
Com aquele mouse que ele botou na minha mão e eu não conseguia controlar eu
falei assim: - “Você me desculpa [...] pode levar esse negócio daqui porque a nossa
relação não está muito boa”. Ele falou: - “Vou deixar e daqui uma semana eu volto”.
Porque também era uma coisa cara e achava que era inviável. Mas na semana
seguinte falei: - “Pode deixar aí que eu já estou próxima e já consigo rodar minha
mão sem me perder”. E aí eu fui vendo que a gente precisava disso, não é? Depois
eu comprei o telefone celular (Narradora Magalhães).
Na biblioteca não tenho computador, utilizo mais em casa, na sala dos professores e
na secretaria. Quando entrei a biblioteca era um espaço mínimo cheia de livro
didático, depois teve uma ampliação e a biblioteca passou a funcionar junto com
vários outros setores. Hoje o espaço é amplo, ainda não tenho um computador mas
avancei bastante (Narradora Pereira).
Depreende-se que a competência em informação requer sujeitos
alfabetizados digitalmente e em informação. Sem temer a redundância
dessa afirmação, a competência no âmbito da informação torna-se
importante para que o narrador possa agregar valor aos produtos e
serviços que são constantemente oferecidos em diferentes redes de
comunicação. Tendo em vista que na atualidade essa antiga estrutura de
comunicação se alimenta das relações sociais e pela estrutura da internet
(CASTELLS, 2003), ressalta-se a importância do uso do computador e, por conseguinte, dos benefícios por ele trazidos com a conexão em
redes.
A alfabetização em informação compreende desde as capacidades de
saber localizar até usar efetivamente informações. Então, pode-se
resumir que o contador de histórias deve desenvolver habilidades para
alcançar a competência necessária para acessar, buscar, avaliar e usar
informações relevantes para comunicar a narrativa oral numa sociedade
conectada por redes sociais e digitais fortalecidas com o uso das
tecnologias de escrita, informação e comunicação.
Destaca-se por conseguinte um período de transição fortalecido com o
151
uso de computadores e com o acesso das redes por meio da internet.
A cada dia as TIC conduzem o narrador profissional para a inserção em
estruturas de conexões descentralizadas e distribuídas. O exposto
permite considerar que se vive em uma época em que essa estrutura
tecnológica requer conhecimentos básicos para sobreviver e resolver
problemas que a contemporaneidade apresenta (BELLUZZO, 2007).
Eu sou menos pesquisadora do que o Eugênio e eu tenho mais do que 50 anos, não
é professora? A internet é uma coisa nova e quando a gente ganhou esse presente
da Elkem [mantenedora do projeto], em 2003, quando a pessoa disse olha vocês
podem mandar um e-mail dizendo o que vocês estão pensando, a gente não tinha
nem computador, e a gente ficou pensando o que será esse negócio de e-mail
(Narradora Santos)?
E fomos comprar um computador... (Narrador Fernandes).
Eugênio desenvolveu bem esse lado de informática, não é Eugênio? E um
complementa o outro. Nunca a gente está sozinho (Narradora Santos).
A nossa parte tecnológica, assim, se você vê o site é muito elogiado por jornalistas,
por quem acompanha as mídias sociais, porque a gente tem esse cuidado de estar
sempre atualizando, colocando informações novas. A gente está sempre de alguma
forma assim interagindo com as comunidades. Por exemplo, a gente foi fazer uma
atividade com o livro do bullying com a Escola Marista, e como as crianças podiam
dar um feedback pra gente? Através do site. Lá eles falaram com a gente, colocaram
os pareceres dos encontros, como foi a leitura do livro e como que contribuiu. Então
a gente tem esse feedback dos leitores, não é? Esse canal de comunicação funciona
e estamos monitorando o tempo todo (Narrador Fernandes).
O conhecimento de informática possibilita o uso de computadores e
outros equipamentos, comumente definidos pelos narradores da
pesquisa como importantes para a comunicação em rede. “Desde a
década de 50, os computadores vêm nos oferecendo a oportunidade de
apreender e armazenar um volume enorme de informação”
(DAVENPORT, 1998, p. 27), ainda se constituindo como o recurso mais
utilizado pelo contador de histórias para conectar-se em rede (75%),
juntamente com o celular (72,05%) que atualmente mantêm os sujeitos
conectados na maior parte do tempo (Gráfico 9)59.
Quase todos os contadores de histórias executam tarefas simples com
59 Questão de múltipla escolha.
152
seus equipamentos (94,11%), sendo que uma minoria afirma não
executar (1,48%)60. Esse aspecto relaciona-se com a alfabetização digital
remetendo ao advento da intensificação do uso das tecnologias de
informação e, por consequência, dos equipamentos eletrônicos que são
de extrema importância para permitir fluir a comunicação em redes
digitais.
Gráfico 9 – Equipamentos mais utilizados para o acesso à rede digital
Fonte: Produzido durante a elaboração da pesquisa.
Aspectos relacionados com a alfabetização digital como a execução de
tarefas simples em equipamentos eletrônicos facilitam o acesso à
informação narrativa, de forma que o contador de histórias consiga
buscar e recuperar informações para um uso efetivo, assim como
compartilhar conhecimento produzido no âmbito da área da narração
60 4,41% não respondeu essa questão.
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
80,00% 72,05% 75%
50%
26,47%35,29%
8,82%
153
de histórias. Essa última possibilidade se constitui como um campo de
atuação pouco explorado em termos de compartilhamento de produtos
e serviços em redes colaborativas.
O notebook se constitui como um equipamento popularizado na era da
informação, juntamente com o celular e o tablet tornam possível o
transporte de sistemas operacionais cada vez mais próximos dos
computadores de mesa. Logo torna-se necessário saber executar tarefas
simples com a finalidade de melhor utilizá-los. Desse modo, os sujeitos
da pesquisa apresentaram as tarefas que mais costumam realizar com
seus equipamentos, dentre elas entender mensagens simples que o
sistema operacional emite (57,35%), criar diretórios (47,05%), impressão
de textos e imagens (83,82%), fazer cópias de arquivos e patas (83, 82%),
transferir e capturar imagens e textos digitais (66,17%) (Tabela 6).
Tabela 6 – Tarefas simples que os contadores de histórias executam
TAREFAS EXECUTADAS PERCENTUAL
(questão de múltipla
escolha)
Entender mensagens do sistema operacional que as
máquinas emitem
57,35%
Copiar arquivos e pastas 83,82%
Modificar área de trabalho 58,82%
Impressão de textos, imagens, etc. 83,82%
Apagar 72,05%
Criar diretórios 47,05%
Guardar dados e informação no disco 55,88%
Transferir e capturar imagens e textos digitais 66,17%
Outras 14,70%
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
Esses indicadores apontam a alfabetização digital como sendo
importante para a utilização das TIC (GARCÍA-MORENO, 2011). O fato
de que a comunicação mediada pelo computador, telefone e outros
recursos eletrônicos expandiu as capacidades de conexões, a cada dia
tem permitido que variados formatos de redes sejam criados no espaço
154
virtual (RECUERO, 2009, p. 16). Não se pode esquecer que a rede digital
tende a reforçar o relacionamento presencial do contador de histórias
e não o contrário.
Dudziak (2010, p. 8) coloca que "Pessoas competentes em informação
estão familiarizadas com as várias mídias [suportes] de informação,
incluindo jornais, revistas, televisão, internet, entre outras". Tratando-
se dos tipos de mídias sociais utilizadas para se comunicar e buscar
informação na rede digital foram citados os tradicionais grupos de e-
mails (58,82%) e os mais modernos: blogs (29,41%), wikis como a
Wikipédia (39,70%); redes de relacionamento como o Facebook
(79,41%); redes de vídeos como o Youtube (69,11%) e outras mídias que
não foram especificadas (16,17%)61.
Gráfico 10 – Intensidade do uso das mídias sociais
Fonte: Produzido durante a elaboração da pesquisa.
O conhecimento básico no campo da informática possibilita o uso do
celular, computador e outros equipamentos basilares para o narrador
61 Questão de múltipla escolha com um percentual de 5,88% sem resposta.
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
Quasenão usa Uma vez
porsemana
Uma vezpor dia Várias
vezes pordia
Semresposta
1,47%0%
30,88%
57,35%
10,30%
155
de histórias comunicar-se em redes. À vista disso, quase todos os
sujeitos narradores afirmam que se apropriam de mídias sociais para
comunicar-se em redes sociais (88,24%), de outro lado identifica-se que
apenas uma pequena parcela deixa de utilizar algum tipo de mídia social
para comunicar-se em rede (5,88%)62. Um pouco mais da metade dos
contadores de histórias afirmam usar as mídias sociais com frequência
(57,35%) e uma vez ao dia (30,88%) (Gráfico 10).
A relevância das ferramentas de conexões em redes digitais coexiste
com a percepção de que o contador de histórias contemporâneo
apropria-se tanto da experiência do narrador tradicional, quanto dos
modernos meios oferecidos para navegar no ciberespaço. Esse novo
espaço de atuação requer a capacidade de se conectar em redes virtuais
para compartilhar informações e produzir conhecimento. Perante a
necessidade de atender às necessidades de formação de um cidadão apto
a enfrentar os desafios trazidos pelas transformações sociais,
conhecimento é uma necessidade cada vez mais presente na sociedade da informação (CACCIOLARI; MATSUDA, 2009).
O alcance da estrutura de uma rede de comunicação seja no ambiente
de trabalho, numa residência ou noutro local que permita acesso aos
serviços de internet por meio de wifi ou outro tipo de tecnologia de
conexão, torna-se importante para o contador de histórias, para
qualquer outro cidadão e, principalmente, para aqueles que na atualidade
ainda se encontram à margem do processo de inclusão tecnológica.
Podemos entender que a inclusão digital é um novo
direito humano procedente do novo ambiente
tecnológico que tem sido criado na rede. [...] Os
avanços na informação e comunicação devem ser
desfrutados por todos os seres humanos, e cabe
considerar que na atualidade exclusão digital equivale
a exclusão social [...] (LÓPEZ, SAMEK, 2011, p. 31).
Diante da importância de estar incluído ao conectar-se às redes de
comunicações (internet) em diferenciados locais de acesso remoto,
quase todos os contadores de histórias que participaram da pesquisa
62 5,88% não respondeu essa questão.
156
afirmaram fazer uso de aplicações de acesso à internet (95,58%).63 Em
relação à descrição das aplicações que costumam utilizar, obteve-se a
resposta de que em maior proporção utiliza os correios eletrônicos
(89,70%), mensagens instantâneas (83,82%), navegadores como o
Google (77,94%) e, em menor proporção, o uso de chats (22,05%) e
fóruns de discussões (19,11%).64
Gráfico 11 – Ferramentas de busca e recuperação da informação na
internet
Fonte: Produzido durante a elaboração da pesquisa.
Em relação ao uso das ferramentas de busca e recuperação da
informação, quase todos os contadores de histórias utilizam a internet
com frequência para buscar informações (95,58%)65. Quanto aos
recursos (ferramentas) que são utilizados para a realização das pesquisas
na internet, numa questão de múltipla escolha foram assinalados que os
buscadores (especificamente o Google) são usados com maior
63 1,47% não faz uso de aplicações de internet e 2,94% não respondeu essa questão. 64 Questão de múltipla escolha com um percentual de 4,41% que não respondeu essa
questão. 65 4,41% não respondeu essa questão.
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%97,05%
61,76%52,94%
38,23% 39,70%32,70%
157
frequência (97,05%), tendo também as redes sociais sido apontadas
como um campo potente para a recuperação de informações dos
narradores (58,82%) (Gráfico 11).
A rede digital oferece uma diversidade de ferramentas de busca e
recuperação para os sujeitos narradores que, muitas vezes, almejam
encontrar textos narrativos (romances, contos, crônicas, fábulas, etc.)
no espaço virtual. Nesse espaço as relações são as mais variadas
possíveis, colocando esse narrador na posição de usuário de informação
que percebe a viabilidade do acesso e do compartilhamento de
informações na esfera pessoal e no campo profissional (RECUERO,
2009).
A alfabetização digital e em informação, nesse sentido, torna possível
que o contador de histórias profissional envolva-se em processos de
buscas no ambiente de rede digital. O narrador Moraes traz uma
perspectiva diferente no que se refere a realização das pesquisas. Para
ele torna-se mais fácil pesquisar em fóruns, wikis, blogs, periódicos através do Google. Esse buscador alcança o própósito de pesquisadores
no que se refere à rapidez dos mecanismos de busca, contudo, “As
tecnologias de busca têm ido mais além dos próprios buscadores e, na
atualidade, os usuários se movem por diversos espaços de busca”
(GARCÍA-MORENO, 2011, p. 48).
Muitas vezes eu procuro por tema. Não, vou direto no Google. Nunca pesquisei
dentro do blog. E nas redes sociais é muito difícil, acho difícil pesquisar nas redes
sociais. É mais fácil eu pesquisar dentro do próprio Google e ele me aponta o que
tem dentro do Facebook. É impressionante. Eu uso muito mais o Google. Embora
questione algumas coisas do Google que sei que tem que ser questionadas. Mas,
infelizmente, têm coisas que eu não acho por meio de outros. Isso é uma questão de
pesquisa mesmo, então eu vou comparando aquela informação que está ali acho em
um livro também (Narrador Moraes).
Eu nunca participo de fóruns, não costumo responder. Apenas se for muito relevante
mas mesmo assim não é prática. Não é por nada. Por exemplo, hoje mesmo estava
com uma dúvida e eu achei vários fóruns e aí eu vou comparando. E não era relativo
a narrativa oral, era relativo a Correio porque estou esperando um livro que vou
pegar. Outro dia queria pesquisar sobre o interior do Estado. Coloquei no Google e
ele apontou a Wikipédia. Então aí eu vou pra Wikipédia. Da mesma forma ele
aponta para o livro, para um blog. Chego [ao assunto da wiki], mas não através dela,
é muito raro nela pesquisar. É muito mais fácil dentro da Wikipédia entrar em um
158
outro hyperlink. Então estava lá, comunidade de Linhares eu clico nesse link,
raramente que vou buscar alguma coisa. Biblioteca Virtual, Google Books, ou então
eu procuro em geral o livro e encontro numa biblioteca virtual. Mas eu não vou em
cada biblioteca. Mas do que direto no próprio periódico (Narrador Moraes).
O Google ainda é a ferramenta de busca mais utilizada. Estão à
disposição do contador de histórias outros motores de busca como as
wikis, bem como, conteúdos multimídia, repositórios digitais, bases de
dados, marcadores sociais e conteúdos colaborativos que podem ser
utilizados a maior parte do tempo (GARCÍA-MORENO, 2011). Wiki
que significa "rápido" e é o nome que se dá a toda uma família de
programas e serviços utilizados para escrever de maneira colaborativa
(UGARTE, 2008) e acaba também funcionando como um suporte de
busca para o desenvolvimento da prática do narrador, no que se refere
a pesquisa, a divulgação e noutros quesitos. Entende-se que o contador
de histórias deve buscar uma parcela significativa do conteúdo acessível
nas redes que tornam possível as consultas realizadas, por exemplo, em
bibliotecas e outros espaços de informação presenciais e virtuais. Para
isso, é necessário selecionar com maior autonomia a informação por
grau de importância e em função dos objetivos.
Eu costumo buscar a informação em sites, revistas e sites especializados. Prefiro
buscar por esse caminho, sempre procuro uma fonte que tenha mais confiança [...].
Mas da contação de histórias mesmo, de tentar buscar alguma coisa, alguma
informação que preencha, eu sou das antigas, ainda prefiro os periódicos. Vou
diretamente aos periódicos, posso até buscar no Google que periódicos que tem, usar
o Google como artifício, mas a informação em si, realmente que eu quero no Google
não (Narradora Uliana).
Além dos citados utilizo o data show quando utilizo um vídeo na internet. Acesso a
rede digital várias vezes por dia, depois de usar o telefone celular. [...] É interessante,
eu tenho computador em casa, mas se não tenho nada interessante para fazer no
computador, nem ligo o computador e tampouco o notebook se posso fazer do
telefone. Se posso fazer no telefone, faço no telefone. [...] Não sou tão internet não
(Narradora Pereira).
Auxilia vendo vídeos, porque como eu tenho essa deficiência de habilidade de técnicas
então você escutar alguém contar uma história, te abre possibilidades, as vezes você
não pode estar pensando que aquilo pode funcionar e você está vendo o contador de
histórias mostrando uma técnica ali e adapta em outro momento pra você. Então
auxilia sim (Narradora Uliana).
159
Diante da necessidade de selecionar informações com maior autonomia,
ao levar em consideração o grau de importância e em função dos
objetivos, a maior parte dos contadores de histórias (94,11%) declarara
ter aptidão para a realização dessa tarefa, enquanto uma pequena parte
afirma não conseguir (1,97%)66. Identificou-se também que a maioria dos
sujeitos (95,58%) se considera capaz de localizar a informação de que
necessita não apenas na internet, mas também em obras impressas67.
Além do exposto, durante o processo de busca e avaliação do processo,
a maior parte dos narradores (94,12%) afirma ser capaz de detectar
palavras que são mais importantes por meio de palavras chaves e, desse
modo, definir o conteúdo do texto68.
Tendo verificado que a maioria dos narradores seleciona informações
autonomamente em função dos seus objetivos, sendo capazes de
localizá-las no ambiente presencial e virtual (híbrido) ao detectarem
palavras chaves que sejam importantes para resumir e definir os
conteúdos dos textos necessários à prática narrativa, depreende-se que no final do século passado
Essas coisas devem parecer bastante estranhas, ou não
ter nenhum sentido, para quem usa o computador
apenas como uma espécie de máquina de escrever
incrementada com alguns recursos a mais. Talvez já
comecem, porém, a fazer sentido para quem redige
textos com abundante manejo de mixagem redacional
que inclui deslocamentos de porções de texto,
recurso constante a muitos arquivos, abertura de
multitelas, uso simultâneo da internet etc. Creio que
aumentará de sentido para quem é cibernauta, isto é,
navegante mais ou menos assíduo da internet,
pesquisando com os robôs de busca (AltaVista,
HotBot e tantos outros) no ciberespaço transformado
em imensa biblioteca virtual escancarada,
incrivelmente versátil e cada vez mais ilimitada. E é tão
fácil aprender meia dúzia de truques para incrementar
66 4,41% não respondeu essa questão. 67 1,47% não localiza a informação de que necessita e 2,94% não respondeu essa
questão. 68 2,94% afirma não possuir essa capacidade e 2,94% não respondeu essa questão.
160
a busca, por exemplo, interligando verbetes
compostos de várias palavras ou até frases inteiras
com um simples sinal de +, ou colocando entre aspas
etc. (ASSMANN, 2000, p. 10).
As estratégias de buscas descritas por Assmann (2000) ainda são
utilizadas na atualidade, basta trocar uma tecnologia por outra (o Alta
Vista pelo Google por exemplo), verificando que o ciberespaço continua
sendo apresentado como uma biblioteca sem fim, ou seja, que apresenta
inúmeras possibilidades, podendo ou não auxiliar sujeitos que buscam
informação na internet. Para que se possa obter sucesso nos processos
de busca, recuperação, avaliação e uso efetivo da informação, a procura
por palavras chaves na rede digital é destacada.
Gráfico 12 – Critérios de avaliação da qualidade das fontes de informação
Fonte: Produzido durante a elaboração da pesquisa.
Foi aquilo que eu te falei de quando eu pesquisei as referências de que eu precisava
para contação de histórias. Usei realmente as palavras chaves de que eu achava o
maior número de palavras chaves possíveis, na minha busca, não é? Então usava
contador de histórias, contação de histórias, contos populares, narrativa oral, usava
no Google, textos para a narrativa oral, textos para a contação de histórias. E aí
depois quando eu achava alguma coisa, Pedro Malasastes, por exemplo, Pedro
Malasartes narrado, Pedro Malasartes narrativa oral, Pedro Malasartes contador de
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%57,35%
44,11%
58,82%
26,47%
75%
13,23%
161
histórias, eu ia achando um maior número e enumerava, as vezes me sinto
controladora de voo, uns oito abas abertas assim, todas, da mesma história, Pedro
Malasartes A sopa de pedra, contado por pessoas diferentes e versões diferentes da
história escrita, assisto tudo, leio tudo, pra poder descobrir como que eu vou fazer. É
um “trampo”. O pessoal ficava assim, onde você perde tanto tempo na sua vida é
nesse tipo de coisa (Narradora Kruger).
Os sujeitos narradores utilizam os seguintes critérios para verificar a
qualidade das fontes e dos conteúdos de informação que
constantemente são buscados, como a análise do tipo de fonte (75%) e
a atualidade dos documentos (58,82%) (Gráfico 12). Outros critérios
são citados, como a verificação do conteúdo, domínio, instituição, etc.
As questões abordadas até esse momento baseiam-se no fato de que
saber avaliar diferentes fontes de informação distinguindo-as de acordo
com a sua qualidade e confiabilidade, caracterizam-se como habilidades
importantes da competência em informação e que devem ser
desenvolvidas em articulação com a competência narrativa.
De maneira geral mais da metade (67,65%) entende como sendo preciso
ter a capacidade de localizar, recuperar e apreender criticamente as
informações que comumente são buscadas e recebidas em diversos
formatos (imagem, texto, som)69. Não se pode desconsiderar que o
narrador é responsável pela organização e disponibilização do conteúdo
de documentos informativos (palestras, artigos, apresentações, etc.)
para os seus pares: cerca da metade dos contadores de histórias
(51,47%) afirma que trabalha coletivamente na produção de novos
arquivos com a finalidade de compartilhá-los, enquanto um pouco menos
da metade (42,65%) declara não assumir essa perspectiva de trabalho70.
Os sujeitos da pesquisa compartilham mais informações contendo fotos
(44,11%) e textos (39,70%), seguidos pelos tipos de arquivos multimídia
(32,53%). Em proporção a esses tipos de arquivos citados, compartilham
menos informações que contenham som (20,58%) e vídeo (22,05%)71.
Produzir e compartilhar informações requer o domínio das habilidades
de acessar, buscar, avaliar e usar informações para o desenvolvimento
de sua prática. Sendo, com isso, necessário considerar nos momentos
69 27,94% reconhece não possuir essa capacidade e 4,41% não respondeu essa questão. 70 5,58% não respondeu essa questão. 71 48,52% não respondeu essa questão de múltipla escolha.
162
de diálogos os polos da inclusão digital e em informação.
A competência em informação engloba tanto o contexto da alfabetização
digital quanto da alfabetização em informação, requerendo o diálogo e a
participação do sujeito narrador em projetos inclusivos. Um processo
que envolva inclusão digital deve refletir sobre o “[...] papel que as
escolas, bibliotecas, universidades, museus e outras entidades do âmbito
cultural em todo o mundo devem julgar na produção de informação e
conhecimento” (LÓPEZ, SAMEK, 2011, p. 35). A competência em
informação exige que a alfabetização digital e em informação seja
direcionada para o desenvolvimento de habilidades de utilização das TIC
e conexão em redes.
Às vezes, poderia ser visto por algumas pessoas como contraditório. Você faz um
trabalho que busca uma aproximação presencial com o outro e você usa pra fazer
isso a rede da internet? Pode ser um modo de trabalhar, mas eu gosto muito mais
do que? Dessa proximidade. A narrativa oral pressupõe o olhar, a interatividade
imediata de tudo, do barulho, do cheiro, do olhar, do outro, da expressividade [...].
Acho que tudo isso compõe a contação de histórias. Eu não consigo ver na internet
você fazendo tudo isso que no espaço presencial se faz. Então acho que seria até um
pouco contraditório, não é? Talvez para outros não [...], mas não faz meu estilo. Eu
acho que não é tão legal (Narrador Valadares).
Acredito que seja muito importante no que se refere a utilização de novos recursos
no momento de contar histórias. No que se refere a inovação do repertório e de usar
novos artifícios no momento narrativo, descobrindo, por exemplo, que a utilização de
copos fazendo sons pode ser um importante recurso, assim como, livros, artigos, etc.
(Narradora Helena Silva).
Enquanto não se conseguir visualizar a importância das tecnologias de
escrita, informação e comunicação no processo de narração de histórias,
será difícil utilizar os recursos que elas disponibilizam com toda a sua
potencialidade. O fato de que a experiência que move a prática do
contador de histórias ainda ser a mola propulsora da arte de narrar
oralmente na sociedade da informação, não descarta o uso das novas
tecnologias que são apresentadas como recursos que podem
impulsionar uma área de atuação tradicional e, ao mesmo tempo, em
potencial crescimento no século XXI.
O uso das TIC é importante no sentido de dar suporte. Nesse sentido, uso as
tecnologias para buscar a informação e já usei livros digitais, um e-book em PDF para
163
contar histórias. Quando não encontro o livro impresso utilizo as tecnologias da
informação como ferramentas no processo de narrativa oral. As TIC são ferramentas
importantes para a busca da informação narrativa. Porque quebram fronteiras na
medida em que quero uma história que não está mais disponível, então, vou buscar
por meio delas uma forma de encontrar essa informação. Muitos livros que não são
fáceis de encontrar estão disponíveis no meio virtual, bem como histórias que ainda
não foram registradas em livros posso ter acesso a pessoas contando essas histórias
em vídeos, encontrar fragmentos de textos dessas histórias e consigo acessá-las
(Narradora Helena Silva).
[...] eu uso a internet aqui no curso, inclusive a gente usa muito material, eu vou
fazer um comentário aqui que os autores não vão ficar muito felizes, mas a gente
sabe que o livro é muito caro, e com o projeto a gente procura fazer com que esses
livros possam chegar para as crianças. Alguns básicos a gente consegue encontrar já
na internet disponíveis pra download. Mas a gente consegue encontrar muita coisa
também, por exemplo no Youtube. Essa história que contei A história de uma folha72,
apesar de eu ter lido o livro eu encontrei ela no Youtube narrada por um outro
contador de histórias. [...] Então, a gente tem utilizado, exemplo, os nossos livros
chegam as nossas crianças eles estão disponíveis, estão abertos [disponibilizados na
internet] (Narrador Fernandes).
Que a contação de histórias é alimentada milenarmente pelo contato
presencial não se pode negar. No entanto, desde o surgimento da
internet a rede digital tem potencializado a atividade presencial que
comumente é realizada pelo narrador. A importância da Internet para o
contador de histórias está posta, porém, como infere o narrador
Moraes: “De certa forma é arriscado, mas podemos usá-las para
potencializar a colaboração em rede”. Agora só resta pagar pra ver ao
utilizar todos os recursos e ferramentas disponibilizadas e, com isso, se conectar em redes de colaboração que se fortalecem na era da
informação.
INDICADORES DAS CONEXÕES E DA COMPETÊNCIA EM
INFORMAÇÃO: CATEGORIA DA CONEXÃO EM REDES
Até o momento identificou-se o perfil de um profissional que atua
culturalmente ao ocupar espaços tempos de formação na sua área, de
72 Referencia a obra A história de uma folha: uma fábula para todas as idades de Leo
Buscaglia.
164
forma que possa dar continuidade a uma atuação baseada na tradição.
Apropriando-se das novas tecnologias, buscam competência narrativa e
em informação para a manutenção de sua arte. Destaca-se nesse ínterim,
a análise de aspectos relacionados com a segunda categoria dos
indicadores das conexões e da competência em informação com os
devidos temas relacionados. A “categoria conexão em redes” é a última
a ser trabalhada no contexto desta obra, ao procurar compreender o
movimento das conexões colaborativas do narrador de histórias
(Quadro 12).
Quadro 12 - Descrição de temas que compõem a primeira categoria dos
indicadores das conexões e da competência em informação
INDICADORES DAS CONEXÕES E DA COMPETÊNCIA EM
INFORMAÇÃO
Categoria conexão em
redes
TEMAS TEMAS
Participação em rede
presencial de
aprendizagem
Participação em rede
virtual (digital) de
aprendizagem
Participação de rede
social (presencial ou
virtual)
Utilização de
informações
atualizadas da área da
narrativa oral nas
redes
Uso da internet para
divulgar informação
atualizada de interesse
dos contadores de
histórias
Possibilidade de
buscar informações
relacionadas com a
narrativa oral nas
redes citadas
Compartilhamento das
tecnologias conhecidas
Importância atribuída
ao acesso do
contador de histórias
nas redes digitais
Importância atribuída ao
processo de participação
em atividades
direcionadas para a
formação do contador de
histórias
Interesse em
participar da rede
colaborativa proposta
pela pesquisa
Fonte: Produzido durante a realização da pesquisa.
O início de uma análise sobre a participação desse profissional em redes
de aprendizagens e de divulgação da narração oral, permite visualizar uma estrutura híbrida de compartilhamento de informações de uma área
165
em ascensão. No contexto dos indicadores que movem essa categoria,
visualiza-se de fato uma importância atribuída à participação dos
contadores de histórias em estruturas de comunicação colaborativas.
A conexão em redes de colaboração compreende processos de buscas,
produção e compartilhamento de informações em estruturas baseadas
em relações culturais, de amizade, de trabalho e de outras naturezas
(VALENTIM, 2013). Por sua vez o sujeito narrador trabalha com um
coletivo ao assumir uma perspectiva inter e transdisciplinar, devendo,
assim, dialogar com várias áreas de conhecimento que permitam
compartilhar saberes e fazeres oriundos de diversificados territórios de
atuação.
O percentual de participação nas redes sociais voltadas para a profissão
do contador de histórias é baixo, entretanto, percebe-se com as
entrevistas e com os resultados da análise deste indicador um
crescimento exponencial no que se refere a participação desse ator em
redes de relacionamento quando a meta é atingir as conexões de amizade.
Muitas vezes você olha para o amigo de Facebook que nunca viu. E você consegue
conversar com ele, manda mensagens e de certa forma você bebe naquela fonte, não
é? Porque eles contam com um estilo diferente e você vai trocando. Existem pessoas
as quais já pedi histórias e elas enviaram para mim (Narradora Magalhães).
Participo de uma rede social de bicicleta. Eu tenho uma rede social de bicicleta, de
amigos que se veem. Meu ciclo de amigos está mais voltado para a bicicleta, o pessoal
da UFES [...], da igreja. Então é uma rede [...] tanto presencial quanto virtual. Temos
uma rede no WhatsApp, Facebook e é uma rede de amizade mesmo (Narrador
Valadares).
Em se tratando das estruturas de conexões dos narradores, uma boa
parte participa de alguma rede social voltada ou não para a área da
narrativa oral, sendo bastante destacada a utilização das redes de
relacionamentos como o Facebook possibilitada perante o acesso à
internet. Os contadores de histórias pouco participam de redes
presenciais (79,41%) caracterizadas como comunidades de
aprendizagens voltadas para a arte de narrar, ao mesmo tempo em que
também não sinalizam participação em rede virtual (79,41%) direcionada
para a contação histórias. Uma parcela menor registrou participação em
166
redes sociais voltadas para a narrativa oral presencialmente (19,12%) e
virtualmente (17,65%) (Tabela 7).
Tabela 7 – Participação em redes presenciais e virtuais na área da narrativa
oral
Variável Categoria %
Rede presencial Participa 19,12
Não participa 79,41
Sem resposta 1,47
Total: 100%
Rede virtual Participa 17,65
Não participa 79,41
Sem resposta 2,94
Total: 100%
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
Existe uma variedade de ferramentas disponibilizadas no espaço virtual
que permitem a conexão entre narradores, pares, público e
colaboradores. Ao utilizar a internet comunicam-se tendo ou não o
objetivo de compartilhar e/ou produzir informação. Muitas vezes se
aproveitam dos benefícios das redes sociais e digitais para a divulgação
de serviços e produtos no campo da narrativa oral.
O uso que se faz da tecnologia de conexão é de grande relevância,
independente do rótulo e da estrutura que é apresentada em um
determinado momento. A rede Orkut que fora bastante utilizada pelos
membros da sociedade moderna, antes de sua desativação acabou sendo
ultrapassada pelo Facebook. Essa última é considerada na atualidade
como uma estratégia cada vez mais utilizada pelos narradores de
histórias, devido oportunizar integração e sociabilização desses e de
outros atores sociais no ciberespaço.
O Facebook é diferente do Orkut. Entrei nele pela primeira vez ano passado e já quis
sair. Todo dia eu tenho vontade de sair. Às vezes, publico mil coisas de uma vez só,
depois digo nunca mais quero publicar nada. Mas aí eu entrei pra tentar me
comunicar, mas eu vi que [da forma que desejava] não é possível. A comunicação
167
você não faz mais com uma pessoa. É estranho, pra coisa passageira. Se eu não
entrar hoje, eu não vou ficar sabendo provavelmente quase nada do que aconteceu
hoje. Se eu entrar amanhã também. O Orkut era diferente você tinha uma
comunidade. Agora acabou. É uma boa possibilidade de publicação e para
[compartilhar] a informação. Li ontem, por exemplo, um artigo sobre artes de contar
histórias de uma revista, então eu considero a tecnologia importante pra divulgação
das nossas tradições. As leituras são curtas e vejo que as pessoas gostam de curtir
fotos, vídeos. As pessoas querem uma coisa rápida, um passa tempo pra
descontrair (Narrador Moraes).
Eu sou! Eu sou [internauta73]! Não gosto muito de ser não, mas eu sou, não é? Ainda
mais que eu faço campanha contra. Falo: - Gente vão pra fora! Vamos botar as
crianças pra brincar na rua. Mas estou em casa o tempo todo conectada, boa parte
do tempo pelo celular. [...] Eu devo perder umas dez horas por dia eu acho, pra
responder e-mail, atualizar Facebook. Eu sei que é muito, mas é o que acontece.
100% das vendas que eu faço hoje são vendas orgânicas a partir da movimentação
do Facebook, do e-mail e agora a gente vai entrar com o Youtube. Vai ser inaugurado
agora [principalmente pra divulgação de] serviços (Narradora Kruger).
Em se tratando da participação do narrador em estruturas de
colaboração presenciais ou virtuais no âmbito de qualquer área, o
percentual de participação em redes colaborativas aumentou bastante
(60,30%), enquanto ainda há um quantitativo representativo que afirma
não participar (35,29%)74. Percebe-se que um número significativo de
contadores de histórias utiliza e/ou utilizou redes sociais em contextos
híbridos e nos mais variados formatos: Roda de histórias (portal digital);
Grupo Chão de letras (presencial); GECHUFES (grupo presencial);
OSCIP Colorir (presencial e virtual); Encontros de formação da Rede de
Bibliotecários da PMC (presencial); grupos do WhatsApp e Facebook
(virtual), dentre outros.
Um pouco mais da metade utiliza informações atualizadas e voltadas para
a narrativa oral nas redes de seu interesse (54,41%) e uma parcela
significativa afirma não utilizar (42,65%)75. A maior parte dos contadores
de histórias (63,24%) não usa a internet para divulgar informação
atualizada nas redes de comunicação. Ainda assim, observa-se um
73 Refere-se a um usuário interativo da internet (rede nacional e internacional de
computadores conectados). 74 4,41 não responderam essa questão. 75 2,94% não responderam essa questão.
168
percentual significativo de narradores que utiliza a rede digital para
divulgar informação relacionada a contação de histórias (33,82%)76.
As conexões em redes de colaboração como o Facebook, Web sites e
grupos institucionais são estruturas de comunicação citadas pelos
narradores. A rede digital é referenciada como um recurso potente no
que se refere a divulgação do trabalho do narrador de histórias e para
alcançar os objetivos de um planejamento relacionado com a busca do
material necessário para a atuação profissional.
O contador de histórias beneficia-se com a transferência de informações
eletrônicas proporcionadas digitalmente pelos computadores em redes
(internet). Essas questões envolvem a necessidade de pensar formas de
o contador de histórias aprender autonomamente em redes
colaborativas, assim como, de se integrar regionalmente e globalmente
na medida em que trabalha nas redes sociais com a divulgação de
produtos e serviços.
Já participei do Portal Roda de História e Conta Brasil. Mas atualmente não.
Anteriormente participei, mas nos dois últimos dois estou afastado. [...] Adicionei
algumas comunidades no Facebook mas não entro [no sentido de participar], apenas
olho. Fazem parte do meu rol de amigos, mas não entro. Quando faço o trabalho de
divulgação nessas comunidades costumo divulgar a informação nelas. O trabalho
narrativo no espaço virtual não. Apenas divulgo, mas fazer o trabalho o
desenvolvimento da narração não. Divulgo o trabalho presencial de narração,
digamos assim. Quando eu quero por exemplo fazer minha agenda, para que as
pessoas possam acompanhar eu coloco a agenda do mês que eu vou fazer em lugar
público. Materiais que saem sobre o meu trabalho em jornais e sites eu também
coloco. No Facebook que é uma rede de relacionamento virtual eu coloco para
divulgar realmente (Narrador Valadares).
Vejo como uma ferramenta para alcançar os objetivos planejados, por meio da
internet, nessa rede consegue-se acessar documentos, vídeos e outros para
incrementar o seu dia a dia de trabalho e conseguir também dialogar com seus pares.
Uso também pastas no computador, disponibilizo no e-mail, mas prefiro o pen drive.
Utilizo um link pelo Facebook, realmente assim não fica pesado realmente
compartilho também informações no grupo de Bibliotecários da PMC (Narradora
Helena Silva).
A internet é um dos primeiros lugares em que as pessoas buscam um serviço. Inclusive
76 2,94% não responderam essa questão.
169
já fui contactada porque assinei uma lista de advogados. Na realidade paguei para
isso. E a pessoa viu meu nome e área em que eu atuava e ligou pra mim. Então a
gente não pode fugir disso mais, a gente está num caminho sem volta. Mas que não
dispensa o encontro, assim como esse momento em que a gente está aqui, de tomar
café, comer biscoitinho e conversar (Narradora Magalhães).
Em alguns momentos parece redundante colocar que a conexão nas redes digitais possibilita trocas de experiências, busca e
compartilhamento de informações, bem como produção e
compartilhamento de conhecimentos. Entretanto, no momento em que
os narradoras enfatizam a importância de estar conectado em uma
sociedade por meio de redes, apresentam um caminho para um
encontro virtual que, ao mesmo tempo, mobiliza o relacionamento
presencial que é a base da arte de todo narrador profissional experiente
ou iniciante.
E não queria voltar a dar aula e aí o que eu fiz? Nessa época tinha pouca intimidade
com o Facebook, mas eu olhei para o meu Facebook e falei assim beleza, não vou
voltar a dar aula não, vou fazer um negócio aqui. E troquei o meu nome no Facebook
de Grabriela para Gab Kruger contadora de histórias. Ponto no Facebook. A partir do
momento em que eu admiti isso on line, parece que as pessoas acreditaram que isso
era uma verdade. Eu já até tinha contado histórias em lugares públicos antes, mas
sempre como voluntária em igreja, escola, creche. Profissionalmente eu nunca tinha
feito, a dinheiro eu nunca tinha feito (Narradora Kruger).
Atualmente não [trabalho no espaço virtual], mas no Facebook já fiz uma página
chamada Carapicho poético. Ela é uma página pra postar poesias e alguns trabalhos
que as crianças fazem em relação a poesia. Então a prefeitura bloqueou o facebook.
No telefone até que dava mas era complicado. Desbloqueou outro dia e pensei vou
começar novamente. Fui então tentar e bloqueou novamente (Narradora Mendonça).
Tratando-se do compartilhamento de algum tipo de informação
multimídia (som, texto e imagem) nas redes sociais ou utilizando algum
outro tipo de mídia, a resposta fornecida nesse sentido pelos narradores
é frutífera na medida que um pouco mais da metade (61,76%) afirma
dedicar-se ao compartilhamento de informação multimídia na internet,
enquanto uma parcela menor não costuma compartilhar esse tipo de
informação (16,17%).77
A maior parte dos contadores de histórias declara que o acesso à
77 2,94% não respondeu essa questão.
170
internet torna possível buscar informações relacionadas com a narrativa
oral (76,48%).78 Paralelo a essa categoria questionou-se se costumam
compartilhar com os pares as tecnologias que conhecem, obtendo como
resposta que a maioria compartilha (76,52%), enquanto a minoria não
(23,54%). Paralelamente questionou-se se costumam compartilhar com
os pares as tecnologias que conhecem, obtendo-se uma resposta
positiva da maioria (76,52%), enquanto a minoria respondeu
negativamente (23,54%).79
Gráfico 13 – Importância atribuída às redes digitais
Fonte: Produzido durante a elaboração da pesquisa.
Os narradores consideram o acesso à informação nas redes digitais
importante para a sua área de atuação (88,24%)80. Quando fora
solicitado que avaliassem se as redes digitais seriam mais importantes
para melhorar ou legitimar sua prática, ou mesmo para contribuir para
o reconhecimento do desenvolvimento dela ou mesmo divulgá-la, de
uma boa parte obteve-se a resposta de que é importante para melhorar
78 16,17% afirma que a internet não torna possível buscar informação da área da
narrativa oral e 7,35% não respondeu essa questão. 79 2,94% não respondeu essa questão. 80 8,82% não considera importante e 2,94% não respondeu essa questão.
ContribuirDivulgar
LegitimarMelhorar
Contribuir,divulgar,
legitimar emelhorar
5,88%
22,05%
7,35%
35,29%
29,41%
171
(35,29%). Outra parte significativa respondeu que as redes sociais são
igualmente importantes para contribuir, divulgar, legitimar e melhorar as
estruturas de trabalhos (29,41%) (Gráfico 13).
Mais da metade dos contadores de histórias (67,65%) consegue visualizar
positivamente a constituição das redes existentes na área da contação
de histórias81. O aumento da participação em redes de relacionamentos
e profissionais (potencializadas ou não pelas tecnologias) é uma realidade
nas últimas décadas. No século XX destacava-se o acesso aos portais82
como uma maneira de reunir os sujeitos em torno de temas
relacionados com a contação de histórias.
O portal Roda de Histórias criado pelo narrador Moraes no início do
século XXI fornece elementos para entender a constituição das
conexões do contador de histórias no Estado do ES, funcionando na
época como uma rede social no espaço virtual. Contextualizar a
relevância dessa ferramenta torna-se importante para entender a
articulação dos sujeitos em torno das redes virtuais e presenciais no cenário capixaba. Na ocasião esse portal foi considerado como uma
iniciativa que reuniu contadores de histórias de vários estados
brasileiros.
Em 2005 veio a ideia de criar um portal de contadores de histórias. Direcionado para
o Brasil inteiro. Então eu comecei a colocar links de sites de contadores e grupos.
Tinha um link para o GECHUFES, por exemplo. Tinha artigos como o seu, tinha
histórias de Lúcia Fidalgo83, de Bia Bedran, não é? Tinha vozes, histórias contadas em
vozes, tinha ainda uma sessão com dicas de livros sobre a arte de contar histórias,
livros para contar e tinha também uma coisa fantástica que era um calendário de
eventos nacionais e internacionais. Então foi em 2005 que ele foi lançado no Simpósio
Internacional de Contadores de Histórias do RJ, e depois do lançamento ele foi
81 25% sequer visualizar a constituição das redes na área da contação de histórias e
7,35% não respondeu essa questão. 82 Esse tipo de tecnologia conhecido como um site que reúne outros sites, podendo
integrar dados estruturados e não estruturados da área da narrativa oral, fornecendo
acesso à informação a partir de uma interface disponível na rede hipertextual. O portal
público, denominado portal Internet ou portal web, provê ao usuário uma interface à
imensa rede de servidores que compõem a Internet (DIAS, 2001). 83 Contadora de histórias, escritora, bibliotecária e professora universitária. Criou o
Grupo Morandubetá e atou como especialista dos projetos Leia Brasil e de leitura do
SESC Rio, entre outros (LUCIA..., 2011?).
172
crescendo cada vez mais (Narrador Moraes).
A Roda de Histórias foi crescendo cada vez mais e começou a ser uma referência no
Brasil. Em 2007 ele foi premiado pela coordenação desse portal, premiado pelo
Ministério da Cultura. E aí sim, em 2008 ele também foi contemplado pela Lei
Rouanet84. E depois com o patrocínio do Banestes85 aumentou, o site mudou, era
bilíngue, um contador de histórias colombiano é quem traduzia. Mas depois disso o
patrocínio acabou e depois de algum tempo entrei no Mestrado e era tudo muito
voluntário. Eu não recebi nada. Estava [on line] como blog, e só as imagens, mas em
breve deve sair, porque o domínio não renovei na verdade. Porque eu acabava
pagando pra trabalhar. Era o tempo todo pra atualizar. Mas era uma coisa muito
boa, chegou a hora que não era mais possível fazer isso tudo (Narrador Moraes).
O Portal Rodas de Histórias é um exemplo de atendimento de várias
demandas no campo da produção e disseminação de informação na área
da contação de histórias. A sua estrutura continha links de páginas
pessoais e grupos de contadores de histórias como o GECHUFES,
segundo informa o narrador Moraes. Havia no portal a estrutura de uma
rede de contadores de histórias, mas por outro lado, apresentava a
dificuldade de manutenção e ausência de fomento financeiro para a
manutenção da arquitetura da página na Web e, por conseguinte, da
estrutura de colaboração oferecida no ciberespaço.
A criação de portais, grupos de discussões em redes digitais e
presenciais aparecem como uma estratégia para trabalhar de forma
colaborativa. Para isso, deve-se conseguir fazer fruir a articulação dos
sabres e fazeres do sujeito narrador no espaço virtual e presencial,
atuando de forma a conectar contadores de histórias brasileiros e
internacionais. A possibilidade de apresentar uma agenda de eventos,
currículos, divulgação de serviços e produtos por exemplo, tende a
mobilizar os narradores capixabas e de outras regiões presencialmente
e virtualmente. Desse modo, um portal ou uma outra estrutura tende a
potencializar a produção em torno da prática narrativa, ao sugerir
material de estudo e aplicação técnicas para os interessados na área da
narrativa oral.
Roda de Histórias, projeto coordenado pelo Fabiano de Moraes, era um portal sobre
84 Lei de incentivo fiscal 8.313/91 na qual o proponente apresenta uma proposta cultural
ao Ministério da Cultura (MinC) (LEI..., 2015). 85 Banco do Estado do Espírito Santo.
173
contação de histórias, que abordava várias questões sobre contar histórias. E acabou
se transformando em um dos mais conhecidos nessa área em que me inseri. Na
minha linha de atuação, porque tudo tem os grupos. Cada um caminha para um
lado. Para o lado em que caminhei, a Roda de Histórias era o mais interessante dessa
área, era muito conhecido. E teve uma época em que recebeu um patrocínio do
Governo Federal também. Ganhou prêmio, foi premiado. E nós formamos a Ong
Roda de Histórias. Com a ideia de congregar contador de histórias e tal. Mas acabou
que não conseguimos patrocínio para ver acontecer. Nós criamos mas ela não teve
a continuidade. Teve uma boa intenção sim [...] Como rede de comunicação entendo
como sendo as redes sociais. O simpósio da Benita Prieto86 que hoje se chama Conta
Brasil87, era uma rede interessante de contadores de histórias profissionais do Brasil
e de fora do Brasil também, então eu já utilizei (Narrador Valadares).
Ela foi mesmo, eu não espera isso, ela foi o maior portal de contadores de histórias
do Brasil, por isso o prêmio também, porque foi uma coisa despretensiosa no
princípio. E tinha uma arte fantástica. E tinha um outro fator é o fator artístico, o
Helio Matos Júnior que é fantástico, ele fazia toda a arte do Tapete Mágico, já ilustrou
livros e tem um trabalho muito bacana, ele fez essa arte. E a parte do site, que era
um grande amigo também, Alexandre Fidelis, que também fez um trabalho
espetacular. Todos voluntários, só depois quando a gente conseguiu ampliar o
trabalho de produção com o patrocínio do Banestes, eles puderam ser remunerados,
pelo menos uma vez, por tudo que eles já tinham feito como voluntários e pelo que
eles fizeram na renovação do site. Eu não sei se teria espaço hoje na internet, a
minha dúvida é essa, se hoje seria um espaço viável. A ideia é essa, já se tem um
trabalho bem encaminhado (Narrador Moraes).
Ao mesmo tempo surgiram outras redes, por exemplo o site é da época da internet
que se transforma rapidamente. Chegou a época do Orkut e a mala direta não tinha
tanta função, por exemplo, hoje tem gente que nem entra em e-mail. Só fica sabendo
das coisas pelo messenger, usando o Facebook. Então eu nem sei se teria espaço
hoje. Foi a coisa de uma época. Não é mais uma novidade. E quando você faz uma
rede some, você publica e a pessoa não vai mais saber da informação (Narrador
Moraes).
O exposto permite refletir a relevância da captação de recursos de
forma que se consiga disponibilizar possíveis espaços de 86 Produtora cultural e contadora de histórias do Grupo Morandubetá desde 1991.
Criadora do Simpósio Internacional de Contadores de histórias promovido pelo SESC
Rio desde 2002. É presidente do Instituto Conta Brasil e coordenadora da Red
Internacional de Cuentacuentos (BENITA..., 2015). 87 Organização não Governamental (ONG) que nasceu para preencher uma lacuna no
espaço cultural brasileiro (CONTA..., 2009).
174
compartilhamento da experiência narrativa no ciberespaço. A gestão
colaborativa, nesse sentido, torna-se importante assim como o
levantamento dos insumos financeiros e tecnológicos necessários. Nesse
sentido, a apropriação de uma rede social como o Facebook parece o
mais indicado para reunir narradores e colaboradores em torno da troca
de informações rápidas e com a finalidade de produção de
conhecimentos emergentes.
Os processos de diálogos com os narradores forneceram material para
a tarefa de pensar uma possível proposição para a rede de colaboração
dos contadores de histórias. Todavia, o trabalho de planejamento
propositivo não aparece como uma ação de implantação. A ideia de
idealizar a arquitetura de uma página web que consiga conectar aos
narradores teria que ter o apoio de vários sujeitos interligados de
maneira colaborativa. Essa possível estrutura acabou aparecendo em
meio aos relatos como uma possibilidade futura. O exposto permite
pensar nas diferenças das conexões possibilitadas pelas redes de relacionamentos e pelos sites como os portais (responsáveis pela
distribuição de uma diversidade de informações devidamente
organizadas com esse fim).
A manutenção de um portal por meio de uma página web pode exigir
muitos insumos (recursos humanos, financeiros, tecnológicos, etc.),
enquanto que uma página criada numa rede de relacionamento poderá
funcionar com menos recursos, dependendo dos objetivos do grupo de
narradores. Percebe-se que uma página web apresenta recursos mais
apropriados para a base de uma rede de colaboração que busca e
recupera informação, enquanto um grupo no Facebook por exemplo,
não possibilita um histórico satisfatório em sua arquitetura e,
posteriormente, uma boa estratégia de recuperação dos processos de
interação e de divulgação dos serviços e produtos dos narradores. A
rede de relacionamento funciona como um ambiente de comunicação
rápido, interativo e efetivo, porém, até o momento parece ser limitado
para o que é requerido numa rede de colaboração que tem como meta
a busca e a recuperação de informações.
A estrutura de um portal ou outro tipo de página web caracterizada
como ambiente virtual mais elaborado, acaba funcionando com apenas
um administrador gerenciando. O exposto permite refletir que esse
175
espaço tempo de produção e compartilhamento de informação
caracteriza-se de maneira centralizada, enquanto um grupo criado no
Facebook pode assumir o desenho de uma rede descentralizada. A
internet oferece tecnologia para a criação de sites com recursos de fácil
apropriação, todavia, o narrador ainda irá se deparar com a escassez de
recursos para a sua manutenção e para envolver os sujeitos em
desenhos mais descentralizados e efetivamente mais distribuídos.
Diante do exposto até o momento, torna-se viável identificar que quase
todos (92,65%) os narradores consideram importante trabalhar
colaborativamente em eventos presenciais como oficinas e seminários
que abordem o tema da competência narrativa, desde que possibilitem
trocas de experiências e o aprimoramento das técnicas que possuem88.
Percebe-se que o planejamento de uma rede de colaboração voltada
para a contação de histórias deverá privilegiar o polo da conexão
presencial em eventos que possam discutir a competência em
informação e a competência narrativa.
Gráfico 14 – Interesse em participar de uma rede colaborativa
Fonte: Produzido durante a elaboração da pesquisa.
Ao partir de uma abordagem transdisciplinar que possibilitou o diálogo
com os sujeitos narradores, uma questão apresentada ao final do
88 1,47% não consideram importante e 5,88% não respondeu essa questão.
75%
22,05%
2,95%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80%
INTERESSADOS
NÃO INTERESSADOS
SEM RESPOSTA
176
processo de preenchimento dos questionários e das entrevistas motivou
o ato de refletir a proposição de uma rede de colaboração voltada para
a contação de histórias. Desse modo, identificou-se o interesse dos
narradores em participar de uma rede com as características que a
pesquisa propõe e o quão importante seria a conexão em redes de
colaboração para os profissionais. Desse modo, percebeu-se que a
maioria (75%) mostrou interesse em participar de uma rede colaborativa
voltada para os interesses dos narradores capixabas, enquanto um grupo
menor não mostrou interesse (22,05%) (Gráfico 14).
A fase de exploração dos diálogos e da análise dos dados coletados
convergiu na constatação de que existe uma crença na potencialidade de
criação de redes de colaboração. A leitura no decorrer dos capítulos
que para o leitor desta obra pôde parecer exaustiva (com descrição de
diálogos, gráficos, quadros, etc.), nesse momento culmina na finalização
da descrição dos resultados dos indicadores de perfil e contexto das
competências de um contador de histórias conectado em redes. A fase de apresentação da análise dos dados acabou por requerer um olhar
direcionado para a capacidade de reconhecer não apenas a ausência de
uma conexão significativa nas redes conformadas pelo narrador de
histórias, mas também em considerar suas reais possibilidades em
termos de atuação em espaços tempos híbridos de comunicação
interpessoal.
O capítulo a seguir compreende a importância da prática dos sujeitos
que se manifestaram no decorrer do processo de investigação por meio
dos relatos (re)constituídos, da disponibilização das informações sobre
o perfil profissional, acerca da atuação cultural e da conexão em redes,
das competências narrativa e em informação constantemente
identificadas. Diante dos resultados obtidos até o momento, parte-se
para a apresentação do último capítulo e, por conseguinte, para uma
explicitação que requer a descrição da proposta de uma rede de
colaboração. A proposição da estrutura de colaboração apresentada não
pertence apenas aos narradores, pesquisadores e demais colaboradores
responsáveis direta ou indiretamente por esta publicação. Pertence a
todos e todas que desejaram e trabalharam para que desenhos de redes
mais distribuídos sejam “possíveis” de ser pensadas na sociedade da
informação.
177
CAPÍTULO 5
PROPOSIÇÃO DE UM MODELO DE REDE
COLABORATIVA VOLTADO PARA A
PRÁTICA DOS CONTADORES DE
HISTÓRIAS
Quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais
profundamente se grava nele o que é ouvido. Quando o ritmo do
trabalho se apodera dele, ele escuta as histórias de tal maneira
que adquire espontaneamente o dom de narrá-las. Assim se
teceu a rede em que está guardado o dom narrativo. E assim essa
rede se desfaz hoje por todos os lados, depois de ter sido tecida,
há milênios (BENJAMIN, 1994. p. 205).
178
O CONTEXTO DAS REDES DE COLABORAÇÃO DOS
CONTADORES DE HISTÓRIAS
O sujeito deve estar no centro das ações de uma rede social voltada
para a narrativa oral, dessa maneira, narradores juntamente com
colaboradores e público em geral assumem uma excessiva importância
nessas estruturas de comunicação na sociedade da informação. Nesses
moldes, um processo de observação desenvolvido com os contadores
de histórias, minimamente deve ser conduzido de forma a considerar a
importância de atores sociais que tecem suas redes sobre a prática
narrativa. “Trata-se das pessoas envolvidas na rede que se propõe a
colocar em análise. Como partes do sistema, os atores atuam de
forma a moldar as estruturas sociais, através da interação e da
constituição de laços sociais” (RECUERO, 2009, p. 25, grifo nosso).
Topologias criadas por Baran (1964) delineiam redes centralizadas,
descentralizadas e distribuídas e acabam trazendo à baila questões
relacionadas com as estruturas de relacionamentos dos narradores de histórias no espaço presencial e virtual. Na rede centralizada há
concentração de tarefas em um único nó, enquanto na descentralizada
não há apenas um nó no controle do compartilhamento da informação,
entretanto, ainda assim não se configura como distribuída já que poucos
atores aparecem como responsáveis pela sua transferência. De fato, uma
observação iniciada nos territórios híbridos de atuação desses atores
torna visível uma representação dos nós (nodos) da rede, ou seja, um
desenho dos pontos de conexões dos sujeitos com composições
diferenciadas. O exposto permite inferir que uma conexão direcionada
para a área de atuação do sujeito narrador encontra-se em um momento
de expansão e fortalecimento, exigindo, com isso, um olhar diferenciado
para
[...] a centralização [que] é uma medida do grafo,
enquanto a centralidade é uma medida dos nós. A
centralização é normalmente medida a partir dos nós
e generalizada para as relações do grafo com os demais
grafos”. Um grafo é, assim, a representação de uma
rede, constituído de nós e arestas que conectam esses
nós (RECUERO, 2009, p. 25).
A representação de desenhos com contornos diferenciados tornou-se
179
necessária para que, desse modo, se conseguisse o mapeamento da rede
de atuação dos contadores de histórias. Essa ação foi iniciada por meio
de eventos promovidos pelos projetos de pesquisa e extensão (cor azul).
De certo modo, todos os atores da rede (cor vermelha) mostram-se
conectados a esse território de educação do ensino superior (Figura 4).
Todavia, esse tipo de mapeamento da forma como fora iniciado
demonstrava a existência de uma rede centralizada na qual os atores da
academia assumiriam posições de poder.
Figura 4 – Simulação do mapeamento das conexões por meio do território
da universidade
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
Nota: Uso do software “UCINET 6.586” e do “Net Draw 2.155”.
Caso o mapeamento considerasse uma única instituição promotora dos
eventos de pesquisa e extensão universitária, a rede acabaria
apresentando uma estrutura fechada e, com isso, não permitiria a
visualização da interação entre os participantes. Também não daria
visibilidade aos processos de compartilhamento de informação e de
produção de conhecimentos comumente vivenciados pelos narradores,
bem como estruturas de aprendizagens autônomas experienciadas em
territórios diferenciados. A falta de abertura e a impossibilidade de dar
visibilidade ao estabelecimento de contato com outros membros que
não fossem de sua rede pessoal, impossibilitaria o fortalecimento dos
laços sociais e a ampliação dos campos de aprendizagens colaborativas.
O que significaria cercear possíveis meios de compartilhamento de
180
informação e produção coletiva de conhecimento que pudessem da rede
surgir.
Com base na análise dos processos de observação intensiva e extensiva
identificou-se que as redes colaborativas são importantes para o
contador de histórias em duas versões: presencialmente e virtualmente.
Navegar em estruturas que possam alcançar essas duas modalidades,
deverá garantir a aquisição de competências e as possibilidades de
aprendizagens desse profissional ao longo da vida. As conexões
presenciais ganham a devida importância para o contador de histórias,
sendo que o seu maior desafio é a utilização das redes digitais em prol
do desenvolvimento da sua arte e fortalecimento da sua profissão.
Tendo em vista que a maior parte do grupo não participa de redes
presenciais (79,41%) e virtuais (79,41%) voltadas para os temas de sua
profissão, cabe pensar em estratégias que possam incentivar a
participação do narrador de histórias em estruturas de relacionamentos
voltadas para a sua área de atuação. Porém, não se pode desconsiderar que uma parcela significativa (60,30%) está conectada às redes de
amizades como o Facebook e outras, conforme visualizado nos
indicadores das conexões dos narradores. De maneira geral, todos os
indicadores de perfil e contexto auxiliam no processo de representação
da rede voltada para a prática dos contadores de histórias e, por
conseguinte, permitem pensar na proposição de uma estrutura de
colaboração ideal para fortalecer laços sociais. Os laços sociais dos
sujeitos da pesquisa podem ser denominados como “multiplexos”
(RECUERO, 2009; JOHNSON, 2011), tendo em vista que se verifica a
participação do contador de histórias em estruturas de relacionamento
com amigos e, em menor grau, com profissionais.
O grau de multiplexidade tem sido vinculado a tópicos
como a intimidade dos relacionamentos, sua
estabilidade ao longo do tempo, a redução da
incerteza, o status, o grau de controle de uma
‘panelinha’ [dos grupos fechados] sobre seus membros
(JOHNSON, 2011, p. 58).
As conexões em redes presenciais são apontadas como importantes
para auxiliar ao narrador na busca por formações de maneira mais
autônoma, de modo a culminar em processos de formação contínua.
181
Esse sujeito social navega em redes digitais utilizando a internet para
buscar informações (95,58%), tendo mais da metade recebido a
contribuição do espaço virtual no seu processo de formação (63,24%).
Ainda assim, uma pequena parcela se considera competente para gerir a
sua atividade cultural no ciberespaço (14,70%).
A maioria (88,24%) julga significativo o acesso às redes digitais, assim
como menos da metade (35,29%) avalia como sendo mais importantes
para melhorar a sua prática narrativa. Uma parcela menor (26,47%)
aponta igualmente a importância desse tipo de acesso para contribuir,
divulgar, legitimar e melhorar a sua prática na contemporaneidade. Os
diálogos estabelecidos com os atores sociais (representados pelos nós
ou nodos da rede) encaminham para uma breve análise das conexões
em espaços de atuação e aprendizagens formais e informais dos
contadores de histórias e, nesse sentido, permitem apontar para uma
verificação de como elas se sobrepõem.
A representação gráfica da rede dos contadores de histórias (Figura 5) acaba dando visibilidade ao desenho das conexões dos atores sociais no
cenário capixaba. Cabe colocar que os nós mapeados são elementos
importantes para a visualização de movimentos que se conformam nessa
representação e, acima de tudo, sobre a estrutura da rede dos
narradores da pesquisa89. O termo rede acaba sendo adotado para
designar um conjunto de unidades (nós) que se representam e se
conformam perante a dimensão das relações de tipos de laços sociais
específicos (JOHNSON, 2011).
O desenho das conexões da rede tiveram como base o estabelecimento
de processos de interações entre os atores, sendo identificados da
seguinte maneira: de 1 até 25 narradores mapeados em vários
territórios de atuação tendo a maioria participado das entrevistas e
preenchido aos questionários. De 26 até 45 participantes de eventos
de formação realizados no contexto da Escola de Ensino Fundamental
da Rede Privada preenchendo apenas aos questionários. De 46 até 52
contadores de histórias da PMC que atuam na sala de aula tendo apenas
preenchido aos questionários. De 53 até 68 contadores de histórias
89 Dos 68 atores sociais (100%) que responderam ao questionários da pesquisa, 19
sujeitos (27,94%) também concederam entrevistas.
182
que atuam em bibliotecas escolares da PMC, participantes de eventos de
formação realizado no início da pesquisa e que preencheram aos
questionários posteriormente (Figura 5).
Figura 5 – Representação gráfica da rede dos contadores de histórias da
pesquisa.
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
Nota: Uso do software “UCINET 6.586” e do “Net Draw 2.155”.
Por meio da visualização das relações sociais dos contadores de histórias
identificam-se conexões que em alguns momentos apresentam-se como
centralizadas (lado esquerdo da rede), descentralizadas (lado direito da
rede) e, em outros momentos, acabam assumindo o formato de uma
rede distribuída (centro da rede). Nesse sentido remete-se ao estudo
que fora elaborado por Baran (1964), referente ao desenho das redes
centralizadas, descentralizadas e distribuídas. Esse autor contribui com
a possibilidade de pensar a análise de uma rede que de certa forma
assuma variados tipos de composições.
A proposição de uma rede que possa fortalecer a estrutura de
colaboração entre os narradores e outros sujeitos, requer entender
minimamente como as conexões desses atores sociais é desenhada.
Algumas possibilidades de análise tornaram possível identificar como as
relações sociais são estabelecidas nos diversos territórios de atuação da prática narrativa. As unidades sociais que ligam em grupos os contadores
183
de histórias uns aos outros, baseiam-se de fato na indicação que entre
eles se fizeram. No início para participar das ações de pesquisa e,
posteriormente, possibilitando estender como a sua atuação nos
territórios pôde ser compreendida. Os campos representados por
cores tornam-se parâmetros de observação do atributo dos territórios
de atuação devidamente identificados nos nós da rede (Figura 6).
Figura 6 – Atributo de territórios de atuação do contador de histórias
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
Nota: Uso do software “UCINET 6.586” e do “Net Draw 2.155”.
O mapeamento dos territórios de atuação dos narradores expõe vários
tipos de relações desencadeadas entre os grupos desses atores sociais e
as instituições: Biblioteca Municipal de Vitória território de atuação do
Grupo Chão de Letras da Biblioteca Municipal de Vitória (ES) (cor
laranja); Escola de Ensino Fundamental da Rede Privada de Vitória (ES)
(cor verde escuro); Empresa “A Mala Produções” (cor rosa claro);
Museu Capixaba do Negro território de atuação do Grupo Filhos de Griô (cor azul claro); Prefeitura Municipal de Cariacica (ES) (cor azul
escuro); Prefeitura Municipal de Domingos Martins (ES) (cor roxo
escuro); Prefeitura Municipal de Jeronimo Monteiro (ES) (cor verde);
Prefeitura Municipal de Viana (cor roxo claro); Prefeitura Municipal de
Vila Velha (cor vermelha); Prefeitura Municipal de Vitória (ES) (cor
cinza); Projeto Colorir caracterizado como Organização da Sociedade
184
Civil de Interesse Público (OSCIP) (cor verde musgo); Universidade
Federal do Espírito Santo (cor verde claro) e outros territórios de
atuação de narradores autônomos que não fazem parte de nenhuma
instituição ou grupo em específico (cor rosa escuro).
Destacam-se as conexões dos narradores autônomos remunerados
representados pela cor rosa escuro que não estão ligados diretamente
a nenhum território, podendo trabalhar como narradores em uma
variedade de instituições. Na medida em que são contratados
esporadicamente para apresentações performáticas, acabam
constituindo, assim, uma estrutura descentralizada conforme o
delineamento do desenho no lado direito da rede. No centro
concentram-se bibliotecários conectados por uma rede distribuída e no
lado esquerdo professores conectados por uma estrutura centralizada.
Esses profissionais atuam fixamente em instituições de informação e
ensino ao contar histórias, não tendo, com isso, uma remuneração
específica conforme será colocado em análise posteriormente. De certa forma, todos os contadores de histórias possuem outras ocupações,
podendo ou não atuar como narrador no contexto das instituições que
os acolhem, estando livres, portanto, para trabalhar em outras áreas
constituindo novas estruturas de colaboração.
As profissões paralelas são identificadas como advogado, bibliotecário,
professor, pedagogo, escritor e terapeuta. Contudo, todos
atuam/atuaram profissionalmente como contadores de histórias no
cenário espírito-santense. Os territórios de atuação perpassam espaços
tempos de informação, cultura e educação (formal e informal), como
bibliotecas, centros de educação infantil, escolas, praças, livrarias, OSCIP
e museus.
No que se refere à troca de informação e produção de conhecimento,
não se trata apenas de pensar na estrutura de colaboração dos
contadores de histórias conectados em redes e, sim, direcionar um olhar
para as estruturas de relacionamentos cotidianamente conformadas.
Nesse sentido, a análise do seu perfil permite considerar que a maior
parte dos contadores de histórias têm diplomas de curso superior
(35,29%) e de pós-graduação (61,76%), representando um tipo de sujeito
que exerce uma profissão paralela e, ao mesmo tempo, que possuem
ligações com outras áreas de atuação. Enfoca-se nesse momento o
185
atributo da rede que se volta para as profissões paralelas que os
contadores de histórias desenvolvem (Figura 7).
Figura 7 – Atributo de profissões paralelas à área da contação de histórias.
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
Nota: Uso do software “UCINET 6.586” e do “Net Draw 2.155”.
As funções destacadas são as de advogado (cor rosa), bibliotecário (cor
azul), escritor (cor verde escuro), pedagogo (cor amarela),
professor (cor vermelha) e terapeuta (verde musgo). Os laços
fracos da rede em alguns momentos parecem estar relacionados com a
quantidade dos tipos de profissões paralelas às áreas da contação de
histórias, como a função de pedagogo (cor amarela) visualizada em
número reduzido e de forma centralizada próximo à rede
descentralizada (lado direito) e a de bibliotecário (cor azul) em um
número maior (no centro) conformando um desenho de rede
distribuída.
A quantidade menor desse atributo de profissões paralelas parece não conferir sentido à explicação para os laços fracos que se conformam,
tendo em vista que a profissão de professor (cor vermelha) e
bibliotecário (cor azul) em maior quantidade parece não fortalecer
apenas os vínculos sociais em redes mais distribuídas (centro da rede).
Do lado esquerdo da rede uma quantidade expressiva de nós que
representam a profissão de professor (cor vermelha) delineiam um
desenho de rede centralizada que não colabora com o fortalecimento
186
dos laços sociais no campo da narrativa oral. Importa colocar que um
laço fraco
Refere-se às nossas relações menos desenvolvidas,
mais limitadas no espaço e no tempo e de menor
profundidade afetiva. Esse conceito está intimamente
associado ao fluxo da informação dentro das
organizações e, por definição, seu uso carece de
sentido em vínculo sociais mais fortes, como em
relações multiplexas e de influência (JOHNSON, 2011,
p. 59).
Com o atributo de tipo de ligação com a área da contação de histórias,
visualiza-se um certo fortalecimento das relações sociais dos sujeitos e
identificam-se profissionais sem remuneração específica (cor
vermelha) que, na maioria das vezes, se relacionam entre si por meio
de estruturas distribuídas (centro da rede) e centralizadas (lado
esquerdo da rede). Pouco verificam-se laços fracos no desenho da parte
centralizada e distribuída da rede, enquanto que o tipo de ligação
profissional autônomo remunerado (cor azul) estão todos
praticamente localizados na parte descentralizada da rede (Figura 8).
Figura 8 – Atributo de tipo de ligação com área da contação de histórias.
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
Nota: Uso do software “UCINET 6.586” e do “Net Draw 2.155”.
Mesmo identificando-se a ausência de laços fracos no desenho da parte
centralizada e distribuída da rede, identificam-se profissionais sem
187
remuneração específica (cor vermelha) que, na maioria das vezes, se
relacionam entre si não caracterizando, com isso, uma rede distribuída
com os demais membros de fato.
Conforme pode ser observado nos atributos de profissões paralelas e
tipos de ligação com a área da contação de histórias, a centralidade está
fortemente relacionada com os territórios de desenvolvimento do
trabalho narrativo. A visualização dos laços fracos nos nós da rede não
impedem a ligação dos sujeitos em diferentes territórios, da escola à
biblioteca, do museu à biblioteca, da rede particular à rede pública de
educação, dentre outras ligações não especificadas. As conexões em
redes de colaboração podem ser compreendidas com a representação
dos territórios de atuação dos narradores de histórias e, principalmente,
por meio da interação síncrona ou assíncrona possibilitada pelas novas
tecnologias (RECUERO, 2009).
Figura 9 – Indicador do grau de centralidade da rede de contadores de
histórias.
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
Nota: Uso do software “UCINET 6.586” e do “Net Draw 2.155”.
A identificação dos sujeitos que exercem uma certa influência dentro da
rede pode ser mapeada pelo indicador do grau de centralidade (Figura
9), revelando o quanto um determinado indivíduo é central para essa
rede por meio dos nós destacados/ampliados na cor vermelha
188
(JOHNSON, 2011). Obtido por meio da análise das interações
estabelecidas entre os narradores de histórias, refere-se ao número de
atores com os quais um certo ator está diretamente relacionado e
aparece como uma medida de verificação acerca da importância de um
determinado nó (ator social) para a rede de contadores de histórias.
Tabela 8 – Grau de saída e entrada acerca das conexões dos narradores.
Atores Grau de
saída
Grau
entrada
Percentual do
grau saída
Percentual do
grau de entrada
A1 5,000 1,000 0,075 0,015
A2 3,000 8,000 0,045 0,119
A3 17,000 17,000 0,254 0,254
A4 2,000 3,000 0,030 0,045
A5 18,000 16,000 0,269 0,239
A6 21,000 19,000 0,313 0,284
A7 1,000 1,000 0,015 0,015
A8 2,000 2,000 0,030 0,030
A9 7,000 6,000 0,104 0,090
A10 1,000 1,000 0,015 0,015
A11 3,000 2,000 0,045 0,030
A12 1,000 1,000 0,015 0,015
A13 4,000 2,000 0,060 0,030
A14 1,000 0,000 0,015 0,000
A15 4,000 12,000 0,060 0,179
A16 2,000 4,000 0,030 0,060
A17 2,000 5,000 0,030 0,075
A18 5,000 3,000 0,075 0,045
A19 1,000 0,000 0,015 0,000
A20 1,000 1,000 0,015 0,015
A21 2,000 1,000 0,030 0,015
A22 1,000 0,000 0,015 0,000
A23 3,000 3,000 0,045 0,045
A24 3,000 3,000 0,045 0,045
A25 3,000 2,000 0,045 0,030
A26 1,000 1,000 0,015 0,015
A27 20,000 20,000 0,299 0,299
A28 até
A51
1,000 1,000 0,015 0,015
A52 7,000 7,000 0,104 0,104
A53 até
A68
3,000 3,000 0,045 0,045
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa. Nota: Uso do software “UCINET
6.586” e do “Net Draw 2.155”.
189
O desenho da rede representado na figura 9 baseia-se nos percentuais
de grau de entrada e saída conforme detalhado na tabela 8, destacando,
dessa maneira, principalmente os nós A3, A5, A6 e A27. Esses nodos
representam os pontos de conexões dos atores centrais da rede,
permitindo perceber que se referem aos sujeitos que tanto indicaram
quanto foram indicados em maior número pelos componentes do grupo.
O grau de entrada é representado pelo número de conexões que um
nó recebe de outro sujeito, indicando o número de vezes que o sujeito
foi indicado. Enquanto o grau de saída é representado pelo número de
conexões que sai de um nó para o outro, representando o número de
indicações que este fez a outros sujeitos da rede. “A centralidade e a
criticidade estão fortemente relacionadas com as características do
trabalho” narrativo que ganha visibilidade no desenho da rede
(JOHNSON, 2011, p. 77, grifo nosso).
As relações profissionais que unem os sujeitos narradores nos
territórios de atuação devem ser levadas em consideração na análise do grau da centralidade. Conforme pode ser observado na figura 9 e na
tabela 8, a medida do grau de centralidade é importante para que se
possa identificar os nodos que mais contribuem para a descentralização
da rede, possibilitando visualizar que os nós mais fortes estão localizados
no desenho distribuído (centro da rede) e centralizado (lado esquerdo
da rede). Tendo em vista que esses nós estão localizados no campo da
informação (bibliotecas) e educação (escolas), ou seja, em territórios em
que bibliotecários e professores atuam, depreende-se que os narradores
sem remuneração específicas são responsáveis pelo fortalecimento da
ampliação e fortalecimento da rede de colaboração do narrador no
cenário capixaba.
A análise expõe uma paisagem em constante movimento no momento
em que se percebe uma estrutura de rede com conexões centralizadas,
descentralizadas e cada vez mais distribuídas com o uso das novas
tecnologias. Nessa direção, justifica-se a proposição de uma rede o
quanto mais colaborativa possível para os interessados em compartilhar
informação narrativa, devendo assumir contornos que os espaços
tempos híbridos engendram em estruturas de comunicação presenciais
e virtuais e, principalmente, sendo capaz de ampliar os relacionamentos
profissionais e humanos entre os narradores.
190
O modo como as pessoas categorizam seu mundo
social em grupos de filiação é fundamental para
entender como elas buscam informação de maneira
direcionada, uma vez que o primeiro passo muitas
vezes incorpora certos pressupostos sobre as classes
de pessoas que podem ter determinados tipos de
conhecimento (Watts, 2003). Pode-se esperar que as
panelinhas altamente densas e relativamente isoladas
tenham altos níveis de conhecimento tácito, ao passo
que o pertencimento a vários grupos seja crucial para
compartilhar conhecimentos e lograr perspectiva
comuns na organização como um todo (JOHNSON,
2011, p. 79).
O pertencimento a diferentes grupos fechados formados geralmente
nos territórios de atuação dos narradores, acaba justificando um
número reduzido de sujeitos que apresentaram um certo fortalecimento
do grau de entrada e de saída em termos de indicação dos atores da
rede. Reafirmam o pertencimento aos grupos de trabalhos, bem como
de formação presenciais com características centralizadas, espaços de
relacionamento virtual também direcionados para as relações de
amizade. Ao mesmo tempo que os caracterizam como sujeitos que se
relacionam socialmente, dificultam uma identificação clara dos
agrupamentos direcionados especificamente para a área de atuação no
campo da contação de histórias.
Embora tanto a densidade social quanto a proximidade
ajudem a determinar o acesso de indivíduos uns aos
outros, este também é afetado pela sua mobilidade
relativa. Uma maior mobilidade pode ser consequência
direta da tecnologia, mas sua necessidade pode derivar
de imperativos funcionais determinados pela urgência
de desenvolver problemas (JOHNSON, 2011, p. 175).
As tecnologias de informação foram em grande parte responsáveis pelo
fortalecimento do processo de comunicação entre os narradores e, por
conseguinte, contribuíram com o processo de indicação dos atores da
rede dos narradores da pesquisa, tendo em vista que muitos estão
conectados às redes sociais na internet. Não apenas em termos de
comunicação mas também relacionado ao processo de busca da
191
informação, a conexão à rede virtual aparece como uma estratégia que
procura suprir necessidades de transcender o meio físico local para
alcançar aos objetivos propostos universalmente.
PLANEJAMENTO E PROPOSIÇÃO DE UM MODELO IDEAL DE REDE
NA ERA DA INFORMAÇÃO
As contribuições da Ciência da Informação e áreas afins conduziram à
estruturação de uma obra pautada na inter e transdisciplinaridade,
permitindo pensar na criação de uma estratégia de produção que
absorveu a contribuição de pesquisadores que publicam no âmbito de
diversas disciplinas e campos do saber, bem como de profissionais
dedicados à prática da contação de histórias. Os caminhos trilhados
viabilizaram a articulação de conceitos relacionados com competência
narrativa e em informação, conexão em redes, memória social e
oralidade, conduzindo a um processo de categorização que
fundamentou a identificação das habilidades, técnicas e conhecimentos necessários aos narradores conectados em redes digitais e sociais no
Estado do ES.
Os saberes, as atitudes e os fazeres necessários à manutenção da vida
pessoal e profissional desses sujeitos sociais foram devidamente
identificados por meio da junção das técnicas de observação intensiva e
extensiva, auxiliando, com isso, na composição de uma avaliação
diagnóstica necessária para a análise da rede dos sujeitos narradores e,
posteriormente, ao planejamento de um modelo ideal de rede de
colaboração no campo da contação de histórias.
Com os resultados da pesquisa delineou-se uma proposta de proposição
da arquitetura de uma rede voltada à prática dos contadores de histórias
capixabas, tendo a necessidade de pensar nos seguintes elementos para
a sua constituição conforme desenvolvido em tópicos posteriormente:
processo de planejamento; estrutura da gestão da rede; processo de
cooperação e colaboração; contextos híbridos de comunicação entre os
sujeitos; compartilhamento da informação e produção de conhecimento
voltado para o contexto da narrativa oral; acesso e uso da informação
narrativa e avaliação constante do processo de comunicação (Figura 10).
192
Figura 10- Elementos da estrutura do planejamento da rede de
colaboração.
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
• PLANEJAMENTO/GESTÃO DA REDE
Com a intenção de chegar a um melhor aproveitamento em termos de
produção e divulgação dos produtos e serviços voltados para o campo
da narrativa oral, torna-se necessário intercambiar as competências
necessárias no campo da informação e da narrativa oral. Nesse sentido,
entra em cena a função dos gestores da rede, podendo ser
representados pelos sujeitos que obtiveram um grau de centralidade
maior dentro do grupo conforme pôde ser refletido anteriormente na
apresentação da figura 9 e tabela 8.
Ao grupo de gestores, muitas vezes, caberá criar canais para a
transmissão e disseminação das informações necessárias ao
fortalecimento para as conexões dos contadores de histórias nos
espaços híbridos da rede (presenciais e virtuais). Nesse sentido, a
atenção sobre as relações que são estabelecidas entre os sujeitos do
grupo deve ter visibilidade. Dois tipos de relações que são apontados
por Johnson (2011) interessam nesse momento: as relações
determinadas pelo contexto que dizem respeito aos papéis definidos
193
culturalmente e as relações determinadas pelos atores que refletem os
elos específicos que caracterizam a sua conexão:
a) As relações determinadas pelo contexto cultural podem ser
visualizadas no desenho assimétrico da rede, ou seja, na medida
em que se percebe uma relação não igual para todas as partes.
Existem diversas diferenças em termos de ligação profissional
com a área, campo de atuação, estrutura dos grupos de
formação, etc. Essas diferenças podem ser visualizadas nas
análises dos indicadores do contexto de formação e atuação
profissional.
b) As relações determinadas pelos próprios atores da rede
refletem-se por meio das suas conexões, por meio das relações
que comumente são estabelecidas formal e informalmente.
Remetem aos tipos de consultas que são feitas informalmente
aos pares, público e/ou apoiadores e, consequentemente, que
são realizadas em paralelo com os canais formais de busca de informação que as redes digitais e sociais oferecem em diferentes
territórios de atuação dos narradores.
Diante dos atributos da rede identificados anteriormente com a
apresentação das figuras 6, 7 e 8, coloca-se em análise um contexto que
revela redes multiplexas em espaços tempos de informação, educação e
cultura. A potência do estabelecimento dos laços sociais dos atores
auxiliará no processo de identificação do perfil do grupo e planejamento
das ações que posteriormente serão melhor detalhadas. Nesse
contexto, os laços fortes e fracos deverão ser levados em questão, bem
como outras tipologias e definições no âmbito da análise de redes
principalmente no que concerne ao relacionamento no ciberespaço
(CASTELLS, 2003; RECUERO, 2009).
• COOPERAÇÃO/COLABORAÇÃO
A cooperação é entendida como um trabalho em comum desenvolvido
pelos contadores de histórias no campo da narrativa oral, tendendo a
“[...] auxiliar no processo de um objetivo comum juntamente com outras
ações conjuntas, tendo um propósito comum. E colaboração tem um
sentido de ‘fazer junto’, de trabalhar em conjunto com interação” não
194
devendo ter uma “figura hierarquizada” no centro da rede (KNIHS;
ARAÚJO JÚNIOR, 2007, p. 4).
A colaboração e a cooperação são elementos importantes para diminuir
processos de resistência por parte dos seus membros e, por
conseguinte, para que o planejamento da rede híbrida (presencial e
virtual) efetivamente aconteça, é preciso, por exemplo, pensar a
arquitetura dos encontros presenciais e em estratégias de acesso à
página web (RECUERO, 2003). Para isso, apresentam-se questões
centrais da rede colaborativa na tentativa de contribuir com a fruição de
produção de conhecimento e disseminação de informação narrativa,
com a finalidade de que o contador de histórias possa melhor buscar,
avaliar e usar a informação por meio das “[...] relações de colaboração
que unem seus membros em comunidades de prática” (JOHNSON,
2011, p. 49, grifo nosso).
Pensar numa estrutura de rede colaborativa que envolva a cooperação,
requereu o conhecimento da estrutura dos encontros e das possíveis trocas de experiências voltadas para a área da narrativa oral. Contudo,
percebe-se que a dinâmica dessas estruturas pouco acontece de maneira
mais integrada. A proposta da rede de colaboração, então, deve ser
visualizada como uma estrutura de cooperação útil para o contador de
histórias. O fato de trabalhar com a possibilidade de disponibilizar
informação nessa estrutura é muito importante, desse modo, quanto
melhor elaborado o planejamento do modelo de rede mais
eficiente/eficaz será a comunicação e os benefícios para seus atores
sociais.
• CONTEXTOS HÍBRIDOS DE COMUNICAÇÃO
A distância geográfica e a limitação de tempo torna necessário a criação
da arquitetura da rede em espaços presenciais e virtuais (híbridos), para que, assim, possa ser estabelecido um tipo de comunicação que consiga
agregar valor ao contexto de atuação do grupo de narradores. A
comunicação virtual tende a se consolidar no campo de atuação de um
contador de histórias em contato com as tecnologias da atualidade que
fortalecem as relações tanto no espaço presencial quanto virtual. Esse
tipo de estrutura de interação resulta na constituição de um recurso de
195
coleta e transmissão de informações importantes para a criação e a
manutenção das redes de colaboração que se formam e conformam
cotidianamente.
Nessa direção, ser letrado, alfabetizado digitalmente e em informação é
importante para que se possa usufruir dos recursos oferecidos pelas
novas tecnologias, requerendo, com isso, desenvolver a competência em
informação necessária para um aproveitamento das inúmeras vantagens
que oferecem. Diante dos benefícios oferecidos pelas tecnologias de
escrita, informação e comunicação, apresenta-se a proposta de um
modelo de rede que possa realmente ser acessível a essa categoria de
trabalhadores em espaços híbridos de comunicação.
O estabelecimento de uma rede híbrida não é sinônimo de um desenho
de comunicação descentralizado ou distribuído. A estruturação das
redes em ambientes virtuais e presenciais torna possível a ampliação do
oferecimento de produtos e serviços, o que requer, por conseguinte,
conhecimentos, habilidades e técnicas específicas a esse ambiente e, quem sabe, desse modo, mudar a estrutura de comunicação centralizada
comumente visualizada no campo da narrativa oral.
Observou-se no decorrer desta obra que as relações mantidas com os
pares no ambiente presencial, comumente possibilitam a aquisição de
experiência para a composição da competência narrativa do contador
de histórias. O espaço virtual e presencial é utilizado para pesquisar
material de trabalho, auxiliar nos processos de aprendizagens por meio
do compartilhamento da experiência dos contadores de histórias
tradicionais e, desse modo, divulgar a participação em apresentações
performáticas, pesquisas, cursos e outros eventos da área da narrativa
oral. O inter-relacionamento da competência que gira em torno da
prática de narrar e da competência em informação, conduzem à
produção de conhecimentos sobre a narração de histórias e criação de
produtos e serviços indispensáveis à manutenção de um trabalho
baseado numa tradição milenar.
• COMPARTILHAMENTO DA INFORMAÇÃO E PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO
Os processos de compartilhamento de informações e de produção de
196
conhecimentos precisam ser geridos no contexto das redes de
colaboração, requerendo o estabelecimento de contato do contador de
histórias com seu público, pares e colaboradores. A divulgação dos
produtos e serviços por exemplo, disponibilizados tradicionalmente em
espaços presenciais e, consequentemente, proporcionando interações
face a face, tornam possível o estabelecimento de contato dos atores
nos territórios das escolas, bibliotecas, residências, comunidades,
projetos de extensão, secretarias municipais e estaduais, entre outros.
O fortalecimento dos laços sociais nesses territórios auxilia na formação
de uma estrutura de interação paralela que timidamente é constituída
em ambientes virtuais. As relações presenciais revitalizam de maneira
mais direta projetos comuns entre os sujeitos que formam e conformam
uma rede híbrida (presencial e virtual). Diante da apresentação de
algumas barreiras no processo de relacionamento, de caráter geográfica,
financeira, linguagem, tempo e outras, o ciberespaço tende a auxiliar na
superação delas na medida em que o relacionamento em redes tornam as estruturas de comunicação mais distribuídas.
Já que as redes presenciais são centralizadas e os atores sociais
encontram várias barreiras no processo de conexão, de que modo uma
estrutura colaborativa idealizada para o contexto de atuação dos
narradores poderá auxiliá-los? As atividades no campo da busca e da
recuperação da informação que ocasionam na produção de
conhecimentos, voltados especificamente para a área da contação de
histórias, merecem uma melhor divulgação tendo em vista que as suas
ações não costumam acontecer colaborativamente. Assim sendo, torna-
se importante pensar em estruturas de comunicação que possam
fortalecer os laços profissionais e de amizade dos narradores na
contemporaneidade.
Entende-se que a divulgação das práticas relacionadas com a narrativa
oral é vital para a área de atuação dos contadores de histórias, uma vez
que potencializa as produções de conhecimentos que cada um possui,
bem como auxilia no processo de divulgação de uma diversidade de
produções no campo da narrativa oral. Nesse sentido, aparece a
necessidade de expandir processos de pesquisa, preparação e
comunicação da informação narrativa e, em seguida, compartilhamento
de conhecimentos voltados para uma competência narrativa que de
197
forma alguma exclui a aquisição de habilidades e técnicas compreendidas
no âmbito da competência em informação.
• ACESSO E USO DA INFORMAÇÃO/CONHECIMENTO
A identificação de uma relação social assimétrica nas conexões dos
sujeitos que atuam em uma diversidade de territórios de informação,
educação e cultura, encaminha à proposição de uma rede que torne as
relações mais distribuídas. O acesso e o uso efetivo da informação e
produção de conhecimentos em redes torna possível que estruturas de
poder sejam descentralizadas e, desse modo, tornam possível o
fortalecimento de relações mais igualitárias.
Tendo em vista que os narradores encontram-se inseridos na sociedade
da informação, o parâmetro desse modelo leva em conta o acesso às
redes digitais e a disponibilização de uma ampla gama de informação
igualmente em contextos formais e informais de aprendizagens.
Ao requerer um uso efetivo dos recursos de conexão presenciais e
virtuais que ocasionem em contextos de buscas, avaliação e uso de
informações e produções de conhecimentos efetivos, leva-se em conta
a “[...] compreensão das redes de comunicação informais – em particular
aquelas centradas nas relações interpessoais [...]” (JOHNSON, 2011, p.
17). Desse modo, recorre-se a duas abordagens de estrutura de
comunicação para colocar em análise a proposição da estrutura dessa
rede de colaboração: formal e informal (Quadro 13).
Quadro 13 - Rede formal e informal dos contadores de histórias
REDE DE
COMUNICAÇÃO
FORMAL
(presencial)
INFORMAL (ciberespaço)
Fluxo de
informação
Centralizado Descentralizado/distribuído
Estrutura Conhecimento
explícito
Conhecimento tácito
Tecnologia Em papel ou outro
tipo de suporte
Publicado em meio digital
Fonte: Adaptado de Johnson (2011).
198
A estrutura da rede de comunicação visualizada no campo da pesquisa
compreende o conhecimento que comumente é registrado
(conhecimento explícito) pelos narradores em livros impressos, CDs e
outros suportes. Outro tipo de conhecimento que deve ser levado em
consideração na estrutura da rede é aquele que o contador de histórias
adquiriu ao longo da vida, porém, que não está organizado (tácito). Em
alguns momentos esse tipo de conhecimento pode ser recuperado
informalmente no ciberespaço (meio digital), tendo em vista que uma
característica desse espaço é a ausência de organização das informações
que propiciem uma recuperação mais eficaz e eficiente.
• AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO
Espera-se que um planejamento de ações voltadas à proposição da rede
colaborativa afete positivamente o narrador de histórias profissional, já
que potencialmente aumentará as possibilidades de compartilhamento
de informação, produção e registro de conhecimento voltados para a
sua área de atuação. Nesse processo a competência em informação é
imprescindível para a inserção desse profissional numa sociedade cada
vez mais conectada por redes digitais e presenciais (híbridas).
Tendo vista que não pode se dissociar dessa estrutura a dimensão
dialógica, devendo-se, por conseguinte, considerar a experiências e
visões de mundo dos sujeitos envolvidos, aparece, desse modo, a
necessidade de que os sujeitos pensem em estratégias de avaliação que
compreenda todas as fases. Algumas noções do planejamento dialógico
podem auxiliar nos processos avaliativos durante o planejamento,
implantação e uso da arquitetura da rede. Em qualquer etapa torna-se
necessário encontrar parâmetros para o estabelecimento de
diagnósticos condizentes a uma estrutura colaborativa que envolva os
narradores nos polos da comunicação presencial e virtual.
O planejamento dialógico é uma possibilidade de avaliação que pode ser
apresentada aos atores da rede devido resgatar a dimensão histórica e
social da experiência por meio de processos de interação coletiva
(PADILHA, 2005). Ao se constituir como uma forma de resistência aos
modelos tradicionais inflexíveis, por meio de propostas de diálogos
representa uma alternativa para a constituição de avaliações diagnósticas
199
e prognósticas mais humanas. Esse tipo de avaliação vai ao encontro do
diagnóstico realizado por meio da apresentação dos indicadores de perfil
e contexto dos narradores de histórias (público alvo da rede) ao longo
dos capítulos 2, 3 e 4, nos quais se verificou o estabelecimento de
diálogos efetivos com os sujeitos interessados com a adoção de uma
abordagem inter e transdisciplinar.
ALGUNS POSSÍVEIS EM TORNO DE UMA REDE COLABORATIVA
REAL
Uma estrutura de relacionamento centralizada abriga um narrador
profissional que desenvolve geralmente a sua atividade no espaço
presencial, ao concentrar as tarefas em um único nó que aparece como
responsável pela recepção e transferência da informação narrativa. O
exposto permite recordar características de uma rede de
relacionamento que se apresenta com uma estrutura basicamente
centralizada e, por assim colocar, constituída a partir de relações
assimétricas pessoais e de trabalho.
Essa rede centralizada encontra-se voltada para a gestão cultural da
prática da contação de histórias, então, nela o narrador de histórias se
constitui como um sujeito que está no centro da rede sendo ele o
responsável por disseminar informações relacionadas com a sua prática
(produtos e serviços) para os outros sujeitos da rede. Esses outros
sujeitos (público, apoiadores, etc.) nutrem o interesse de adquirir
produtos como livros, CDs, entre outros, ou mesmo de contratá-lo para
atuar performaticamente em instituições escolares, bibliotecas e em
outros territórios.
Por meio das relações tecidas numa estrutura de comunicação
centralizada, muitas vezes o narrador busca apoio em instituições como
secretarias de cultura e de educação para a subsistência de sua arte
(Figura 11). Tendo em vista que em uma estrutura centralizada aparece
necessariamente a hierarquia (UGARTE, 2008), esse tipo de rede pode
chegar ao formato de uma estrutura na qual mais de um sujeito se torna
responsável por comunicar a informação. Mesmo assim o controle
continua sendo sua marca registrada, não chegando a assumir a
característica de uma rede descentralizada ou distribuída.
200
Figura 11 - Estrutura de relacionamento centralizada
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
Na tentativa de ilustrar uma estrutura descentralizada no campo da
contação de histórias, toma-se como parâmetro as relações dos sujeitos
que pertenceram a um grupo extensionista direcionado para a formação
na área da narrativa oral. À vista disso, o encontros do GECHUFES são
evocados e citados com a finalidade de ilustrar a dinâmica de estruturas
de colaboração hierárquicas com características técnico-científicas,
culturais e ao mesmo tempo artísticas com ênfase na formação do
narrador de histórias (VALENTIM, 2013).
Essa estrutura de colaboração se caracteriza pela ação formativa
constituindo-se como descentralizada, na qual a disseminação da
informação é limitada a alguns nós da rede: coordenadores; bolsistas;
monitores; colaboradores e narradores formadores, etc. (Figura 12). Na
maioria das vezes a estrutura do grupo extensionista em questão
constituía-se como presencial, mas potencialmente podia assumir características de uma rede virtual na medida em que informações sobre
201
as atividades do projeto de extensão pudessem ser divulgadas na
internet.
Figura 12 - Estrutura de colaboração descentralizada
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
A comunicação descentralizada ainda apresenta como característica a
hierarquia e o controle daquilo que deve ou não ser disseminado. Ao
passo que numa rede distribuída os sujeitos estão livres para buscar,
produzir e compartilhar informação. O espaço virtual da internet é um
exemplo do exposto, podendo-se em vista disso citar a característica
dos encontros de formação do GECHUFES que disponibilizaram
informações numa página web (GECHUFES, 2011). A comunicação
virtual torna possível que participantes de um grupo possam acessar
livremente o conteúdo disponível no ciberespaço, sem, para isso,
precisar de intermediários caracteriza-se como distribuída (Figura 13).
Conforme descrito por Ugarte (2008) a estrutura da informação na
internet abre possibilidades para uma nova distribuição do poder por
meio da estrutura de uma rede distribuída. Diante dessa realidade, o
espaço virtual viabiliza aos sujeitos uma estrutura de comunicação em
que o poder é descentralizado. Na medida em que os sujeitos
narradores tenham interesse de se manifestarem poderão fazer,
podendo individualmente ou em grupo compartilhar informação em
portais, blogs e em outras estruturas de redes sociais com a finalidade
de democratizar a informação nesse espaço. Decerto o ciberespaço
fortalece redes de cooperação permitindo surgir a interação necessária
202
ao trabalho colaborativo, ao engendrar contextos comunicativos em que
haja uma negociação coletiva entre os sujeitos narradores e seus pares,
público e colaboradores (KNIHS; ARAÚJO JÚNIOR, 2007).
Figura 13 - Estrutura de comunicação potencial para uma rede distribuída
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
De maneira geral os desenhos apresentados partem de estruturas de
comunicação estabelecidas entre os sujeitos que participaram do Grupo
Experimental ligado à Universidade, porém, ainda não se caracterizam
como redes de comunicação descentralizadas e distribuídas conforme
apresentadas por Baran (1964), mesmo que os narradores em alguns
momentos tenham de fato se apropriado das tecnologias de escrita,
informação e comunicação.
Os movimentos dos projetos de pesquisa e extensionistas funcionam
como um elemento de comparação para o processo de proposição do
modelo de rede colaborativa, já que a sua concepção parte das ações da
Universidade. Entretanto, pensar a sua implantação demandaria um tipo
de gerenciamento da rede que devesse partir dos próprios atores que a
utilizarão e não o contrário.
203
Quadro 14 – Comparativo das ações do grupo experimental e da proposta
rede de colaboração
GRUPO EXPERIMENTAL
REDE DE COLABORAÇÃO
Rede centralizada
e descentralizada
Gestão da
coordenação do
grupo de extensão
universitária
Rede
descentralizada e
distribuída
Gestão dos atores
centrais da rede
Estrutura
hierárquica
Público composto
por narradores
profissionais,
iniciantes e
interessados em
adquirir
habilidades e
técnicas
Estrutura
colaborativa tendo
o apoio de
projetos de
pesquisa e
extensão
universitária
Público composto
por narradores
profissionais
autônomos, sem
remuneração
específica,
apoiadores,
público (ouvinte) e
interessados
Foco do trabalho
na competência
narrativa
Atuação no espaço
presencial
Foco do trabalho
na competência
narrativa e em
informação
Atuação em
espaços híbridos
Atendimento em
territórios
presenciais
Acesso e busca de
informação em
encontros de
formação
presencial e na
página web do
grupo
Atendimento em
territórios
presenciais e
virtuais
Acesso e busca da
informação na
rede colaborativa,
porém não se
encerrando nela
Produção de
conhecimento e
compartilhamento
no espaço de
formação
presencial
Avaliação do
processo realizado
na maioria das
vezes pela
coordenação do
grupo
Produção de
conhecimento e
compartilhamento
na rede
colaborativa,
podendo assumir
diversas formas
Avaliação dialógica
do processo
realizada pelos
sujeitos da rede
colaborativa
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
Ao comparar o modelo de gestão do Grupo experimental e de uma rede de colaboração, diferenças e aproximações surgem ao permitir
alguns possíveis em torno de uma estrutura colaborativa e distribuída
idealizada na era da informação (Quadro 14).
O modelo de rede colaborativa dos contadores de histórias deve,
portanto, ser gerido coletivamente por um grupo que possa reunir
204
elementos da competência narrativa e em informação num âmbito
institucional e ao mesmo tempo autônomo. Ao promover ações
relevantes em diversos espaços de atuação presenciais e virtuais
(híbridos), os narradores autônomo remunerado e sem remuneração
específica poderão compartilhar experiência e, ao mesmo tempo,
estender o alcance do atendimento ao público por meio de ações
colaborativas.
O modelo proposto é idealizado com base nas ações de pesquisa e
extensão realizadas no âmbito da instituição universitária, porém, não
devendo se encerrar nessa instituição. Portanto, deve ser pensado de
forma que os sujeitos envolvidos possam compartilhar informações e
produções de conhecimentos, ao mesmo tempo em que se abram para
processos avaliativos baseados em um diálogo incessante que a
sociedade em rede requer. Ao partir de dois eixos norteadores:
presencial e virtual - representando na atualidade inúmeras
possibilidades de compartilhamento de informação e produção de conhecimento em espaços hibridizados - torna-se necessário repensar a
conexão do ambiente virtual que acaba englobando ações inteiramente
relacionadas com as competências narrativa e em informação. Cada um
desses eixos pode ser entendido juntamente com sua respectiva
contribuição para a proposição do modelo de colaboração necessário
para alcançar, em um futuro próximo quem sabe, uma estrutura
descentralizada e mais distribuída.
ESTRUTURA DE COLABORAÇÃO NECESSÁRIA AO MODELO DE
UMA REDE DISTRIBUÍDA
Primeira etapa da proposição da arquitetura da rede de colaboração
híbrida: foco na estrutura do grupo presencial
Na tentativa de definir o processo de proposição da arquitetura da rede
de colaboração, a primeira dimensão necessária ao planejamento
corresponde ao tema abordado e a segunda aos objetivos que
conduziram, nesse caso, a uma rede direcionada à prática do contador
de histórias (OLIVEIRA, 2008). Cabe, então, expor que o seu
planejamento tem como meta apresentar um modelo de colaboração em que o narrador e demais sujeitos possam refletir sobre a busca e o
205
uso de informação relacionada com a área da narrativa oral, bem como
sobre o compartilhamento de conhecimentos relacionados com os
produtos e serviços que podem oferecer ao público. Estando essa meta
inteiramente relacionada com as competências narrativa e em
informação, enfoca-se o polo presencial no qual poderá assumir o
formato de um grupo de estudos por exemplo, sendo ele responsável
pela promoção de pesquisas, oficinas, rodas de diálogos, cursos,
seminários e outros eventos no campo de atuação da narrativa oral no
século XXI.
Um grupo que possa representar esse coletivo deverá contemplar
estruturas de comunicação formais e informais, sendo constituídas de
maneira a alcançar alguns propósitos entre os quais se destacam a
fruição da informação e produção de conhecimento voltados para a arte
de narrar histórias (JOHNSON, 2011). Nesse contexto, a competência
(narrativa e em informação) do profissional narrador deverá ser
colocada em questão. Para pensar, então, numa estrutura de relacionamento mais voltada para os encontros presenciais, recorre-se
aos pontos abordados que remetem aos aspectos práticos da
organização da estrutura da rede de colaboração. Com base nesse
quadro, apresentam-se algumas demandas para o polo da rede de
colaboração presencial que também está ligado ao espaço de discussão
virtual:
- Definição de público alvo: A rede deverá reunir contadores de
histórias profissionais autônomos remunerados e profissionais sem
remuneração específica, bem como, narradores experientes e iniciantes;
colaboradores e demais sujeitos interessado em participar da estrutura
de colaboração.
- Tipo de rede e gestão (estrutura colaborativa): A primeira
questão a ser abordada baseia-se no fato de que uma rede
descentralizada e distribuída requerer que os seus sujeitos trabalhem de
maneira colaborativa. Desse modo, o grupo não teria um gestor apenas
e sim diversos sujeitos identificados como nós centrais para a rede. Caso
fosse necessário apontar os gestores da rede na atualidade, seriam os
narradores que se destacaram com os graus de entrada e saída e que
tronaram possível a representação de uma rede de narradores nesta
obra.
206
O desejo de criação de uma arquitetura que torne viável as conexões
de um grupo de estudos voltado para a prática do narrador de histórias,
é facilmente percebido no contexto dos diálogos possibilitados pelas
entrevistas apresentadas nos capítulos 2, 3 e 4. Esse desejo vai de
encontro com práticas geralmente vivenciadas pelos narradores em
encontros de formação e espaços de estudos por eles frequentados.
Percebe-se a potência que a relação interpessoal tem para os sujeitos
narradores, tendo em vista que no processo de diálogo obteve-se um
envolvimento significativo em grupos de pesquisa e extensão das
instituições de ensino da UFES e UnB. Dessa maneira, recorre-se ao
contexto dessas estruturas de trabalho para pensar a rede de
colaboração voltada para a prática do contador de histórias.
Tendo como meta estimular a utilização das tecnologias disponíveis para
ampliar a oferta de oportunidades e considerar a geração de atividades
voltadas ao desenvolvimento, produção e preservação cultural e artística
relevantes no contexto das manifestações culturais (FÓRUM DE PRÓ-REITORES DE EXTENSÃO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS
BRASILEIRAS, 2012)90, a primeira estrutura baseia-se na dinâmica de
um “Grupo extensionista” que costuma estar ligado a algum projeto ou
programa registrado na Pró-Reitoria de Extensão de uma Universidade
ou outra instituição de ensino, promovendo, portanto, uma das suas
funções sociais que é a promoção do desenvolvimento social dentro e
fora de instituições formais.
A segunda estrutura citada é a do “Grupo de Pesquisa”, denominação
utilizada por sujeitos pesquisadores que se organizam em torno de uma
ou mais linhas de pesquisa de uma área do conhecimento, com o
objetivo de desenvolver pesquisa científica. Nessa estrutura há o
envolvimento de pesquisadores, profissionais e demais interessados em
um permanente diálogo que gira em torno de atividades investigativas e
na qual o trabalho se organiza em linhas comuns de pesquisa91. Ao
90 Em relação ao contexto desta pesquisa no processo de investigação tivemos o
envolvimento na ações de mapeamento do Projeto de Extensão Informa-Ação e Cultura,
registrado no Sistema da PROEX da UFES. 91
São considerados grupos de pesquisa cadastrados na PRPPG, os Grupos de Pesquisa
da UFES registrados no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq (DGP/CNPq) e
certificados pela UFES. No caso desta obra obteve-se o envolvimento direto do Projeto
207
procurar dar visibilidade a essas duas modalidades de espaços de
(in)formação e outros movimentos que a Universidade costuma
oferecer para a comunidade interna e externa, delineia-se a primeira
etapa de planejamento da rede com foco em grupos com características
que exigem encontros presenciais que compreendam a articulação da
teoria e da prática (o que não significa pensar apenas em encontros
presenciais):
- Seleção dos temas de trabalho: Ao definir estratégias para a
abordagem de temas relacionados com a competência narrativa e em
informação no grupo de estudos, apresenta-se como resultado da
avaliação diagnóstica da rede que identifica habilidades e técnicas
necessárias ao contador de histórias conectado em rede. Com a
avaliação realizada ao longo da pesquisa, visualiza-se uma baixa
participação em redes de colaboração de interesse de sua área de
atuação, sejam elas presenciais ou virtuais. Esse fato foi comprovado
tanto na pesquisa realizada no Distrito Federal quanto no Estado do ES (GERLIN; SIMEÃO, 2015).
Compreende-se que o contador de histórias deve dialogar sobre o
aprimoramento das estratégias de acesso, busca e recuperação de
informações voltadas para a sua prática, aspecto pouco figurado nos
indicadores do contexto da competência narrativa e competência em
informação. Esse fato aponta para necessidade de compartilhamento de
temas em torno de sua prática e que cresce se comparado em
proporção ao contexto da inclusão informacional. Tendo em vista que a
maioria dos narradores considera importante o acesso às redes digitais
para melhorar a prática e auxiliar nos processos de formação de maneira
autônoma, percebe-se a importância que deve ser dada também aos
temas em questão.
- Foco nos processos de busca, recuperação e uso de
informações: para dialogar sobre as ferramentas de busca e
recuperação de uma informação voltada para a prática do narrador de
histórias, bem como, incentivar o compartilhamento de conhecimentos
No balanço das redes dos contadores de histórias e Banco de Lendas da Região
Metropolitana da Grande Vitória (ES), ambos devidamente cadastrados
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO, [2008-2013?]).
208
produzidos em termos de produtos e serviços no campo da contação
de histórias no Estado do ES, aborda-se como a informação vem sendo
buscada e como os contadores de histórias avaliam e verificam a
qualidade das fontes selecionadas, conduzindo às amostras do contexto
da inclusão informacional (GERLIN; SIMEÃO, 2015).
Tendo em vista que a maior parte dos contadores de histórias afirma
possuir competência para o acesso da informação nas redes digitais,
avaliar a informação em função de seus objetivos e em menor grau
produzir arquivos coletivos e compartilhá-los com seus pares, desperta-
se para o fato de que ainda devem atualizar-se com os processos de
busca e recuperação de uma informação que possibilitará o
aperfeiçoamento da sua prática por meio do uso inteligente e efetivo da
informação. O exposto requer uma reflexão sobre como o uso das suas
habilidades possibilitará aplicação no contexto de seu trabalho
(BELLUZZO, 2013).
- Estabelecimento de estratégias de diálogos e avaliações coletivas: diante do fato de que um processo de planejamento envolve
uma série de modificações, ao abranger os sujeitos e as tecnologias
existentes (OLIVEIRA, 2008), desperta-se para a necessidade de um
processo de avaliação que seja realizada pelos próprios sujeitos da rede.
Desse modo, o processo de conexão dos sujeitos da rede colaborativa,
inicialmente deverá levar em consideração uma avaliação diagnóstica
dialógica (PADILHA, 2005) realizada no contexto dos territórios de
atuação híbridos.
Registra-se a necessidade de a estrutura da rede apoiar ações na área de
interesse dos contadores de histórias, em ambientes educacionais, tais
como, escolas, bibliotecas, família, comunidade, enfim, de diversas
instituições de ensino escolares e não escolares que promovem
aprendizagens formais e informais, tendo como finalidade desenvolver
atividades em prol da competência narrativa e em informação ao
compreender o perfil dos sujeitos narradores. Também é necessário
considerar aspectos cognitivos, narrativos, históricos, imagéticos,
tecnológicos, sonoros, sociais e ambientais, dentre outros
compreendidos nas aproximações teóricas que futuramente poderão
fundamentar a prática.
209
A apresentação da primeira etapa do planejamento envolve diálogos
permanentes que deverão girar em torno da definição de novos
parâmetros para avaliações futuras. Ao organizar eventos como oficinas
de competência em informação coloca-se em análise os espaços tempos
de formação e de discussão das estratégias de uma rede colaborativa, ao
contar com uma equipe transdisciplinar para pensar as ações dos grupos
de estudos. Depreende-se, então, a necessidade de propor eventos em
que os próprios narradores possam estar na condução das formações
e/ou organização dos processos de discussões. Nesses eventos podem
ser criados espaços de trocas de experiências sobre a competência
narrativa e a competência em informação em espaços híbridos tendo
como foco, por conseguinte, processos de busca e produção de
informação em arquiteturas de informações disponibilizadas no espaço
virtual.
Segunda fase do planejamento da arquitetura da redes de colaboração: foco na arquitetura da página web
A proposição de um modelo de rede de colaboração direcionada para a
realidade do contador de histórias, permitirá que os sujeitos sociais
interajam e compartilhem informações em espaços híbridos. O
planejamento da estrutura de comunicação que se dará no ambiente
digital estende-se para o espaço presencial, estimulando, com isso, a
interatividade e participação dos sujeitos narradores que poderão
contar com as duas estruturas de relacionamento. Ao identificar as
necessidades dos contadores de histórias por meio dos indicadores de
perfil e contexto, o maior desafio é posteriormente saber como “[...]
conhecer melhor o ‘modelo mental do usuário’, podendo obter
resultados significativos que permitam melhorar a usabilidade dos sites,
disponibilizando as informações de forma correta em suas homepages”
(CUSTÓDIO, SILVA, 2009, 184, grifo nosso).
Pode-se comparar as homepages com as páginas
introdutórias de livros. A introdução de um livro deve
estar bem redigida, de forma clara, informando ao
leitor o assunto que aborda. E, o mais importante, deve
instigar e atrair o leitor para que ele complete a leitura.
Assim também deveria ocorrer com as homepages, mas
nem sempre isso acontece (CUSTÓDIO; SILVA, 2009,
210
p. 179).
Ante a proposta da rede que culminará em espaços de interação por
meio da organização de uma homepage, torna-se necessário pensar na
sua arquitetura. Um caminho a seguir seria a realização de um
planejamento voltado para a sua estrutura com a interface das
homepages centrada nos principais atores sociais da rede, culminando
numa projeção em termos do design, ao considerar como público alvo
contadores de histórias capixabas e demais interessados pelos temas de
interesse desse profissional. O planejamento terá esses sujeitos como
parâmetro de adequação, assim como, características e necessidades
educacionais, culturais, informacionais, tecnológicas, dentre outras
necessárias visando ao desenvolvimento das competências (GERLIN;
ROSEMBERG, 2012).
A arquitetura de uma homepage favoreceria o acesso às informações na
web pelos seus usuários potenciais, podendo nesse ambiente
proporcionar-lhes um direcionamento no ato do compartilhamento das
práticas narrativas no Estado do ES. A disponibilização de informações
voltadas para a prática do narrador, seria, então, um compromisso
assumido pela rede colaborativa. Entretanto, essa tarefa não é fácil já
que a pretensão de disponibilizar na web textos, imagens e sons
constitui-se como um potente mecanismo interativo de comunicação.
Uma homepage (portal, sítio, página), portanto, pode ser entendida
como um ambiente para alguns autores e como um gênero textual
emergente para outros em alguns momentos (MARCUSCHI, 2004),
todavia, mais do que enfocar denominações é importante conceber que
ela deve ser constituída por uma equipe, por se tratar de um trabalho que assume a perspectiva trans e interdisciplinar.
O grupo que cuidará do planejamento de uma página voltada para a
narrativa oral deverá ser composto por profissionais da arquitetura da
informação e contadores de histórias, juntamente com outros sujeitos
que participarão do processo. Com isso, o valor da atuação do narrador
é acentuado juntamente com o profissional de Arquitetura da
Informação que nesse tipo de projeto deve estar pronto para “[...]
participar dos trabalhos desde seu início. As mesmas informações que
irão nortear os trabalhos de redação e design serão as bases de seus
211
trabalhos” (LARA FILHO, 2003).
De um modo geral a arquitetura da informação
encontra-se distribuída em diversas outras atividades
ou mesmo englobada numa delas, seja no
gerenciamento do site, no design ou na área de
marketing das empresas. No início da internet,
quando os profissionais de informática eram os mais
familiarizados com as ferramentas e com o
computador, eles assumiam as atividades de design,
redação e organização do site. Com o passar do
tempo estas atividades foram – e estão sendo –
gradualmente ocupadas por profissionais diversos e
mais capacitados (LARA FILHO, 2003).
Quando se trata de um trabalho a ser desenvolvido no âmbito da
arquitetura da informação que pertence a uma área que está em
constituição, cabe uma atuação inserida em uma equipe transdisciplinar
de modo a considerar as necessidades do usuário e, assim, possibilitar o acesso às informações sobre serviços e produtos nas páginas da web.
Nesse contexto, deverá ser considerada a realidade cultural, social,
econômica dos sujeitos narradores e, paralelo a esse processo, torna-se
fundamental um planejamento voltado para os sistemas de navegação
universal. Haverty (2002, p. 844) atenta para o fato de que
A coisa que chama alguns arquitetos de informação
para o seu campo é a mesma coisa que oferece uma
luta em termos de moldá-lo como uma disciplina: a
natureza aberta, sem limites do fenômeno emergente
da experiência do usuário. Se AI torna-se uma
disciplina ou continua a funcionar como um campo, a
ideia de como projetar para estudar fenômenos
emergentes e será um tema-chave92.
92 The thing that draws some Information Architects to their field is the very thing that
offers such a struggle in terms of shaping it as a discipline: the open, unbounded nature
of the emergent phenomenon of user experience. Whether IA becomes a discipline or
continues to operate as a field, the idea of how to design for and study emergent
phenomena will be a key topic.
212
Tendo em vista o trabalho do arquiteto da informação que consiste em
criar formas e organizar estratégias para a disponibilização e um
“conjunto de informações” num site, com a finalidade de planejar a
distribuição de um conteúdo adequado ao público alvo (LARA FILHO,
2003), acredita-se que os envolvidos podem se deparar com frustração
e sucesso, bem como com alternativas de aprendizagens perante a
promoção de produtos e serviços oferecidos no campo da narrativa
oral. Desse modo, as necessidades profissionais dos contadores de
histórias e demais interessados pela área da narração de histórias, devem
ser contempladas pelos projetos que perpassam o domínio das TIC
disponibilizadas na sociedade contemporânea.
Perante uma perspectiva de trabalho inserida no campo da Ciência da
Informação, a adaptação das necessidades do público alvo e
disponibilização das informações por meio do site exige, por
conseguinte, um processo de planejamento baseado no diálogo com
diversas disciplinas e outros campos de organização de conhecimentos. Tendo em vista o exposto por Saracevic (1996) a Ciência da Informação
deve dedicar-se às questões científicas voltadas para os problemas da
efetiva comunicação do conhecimento e de seus registros entre os
seres humanos, no contexto social, institucional ou individual das
necessidades e uso de informação.
A atenção para o fato de que essa ciência é definida como um campo
englobando, tanto a pesquisa científica quanto a prática profissional,
possibilita trazer para o diálogo Le Coadic (2004) quando expõe que
diferentemente das outras ciências que levaram um longo tempo para
se afirmarem como uma ciência adulta, ela transpôs essas etapas em
cerca das últimas décadas. No início eram as histórias das instituições
(principalmente das bibliotecas), que eram descritivas, regionais, sem
nenhum valor científico. Depois histórias das técnicas (livros) e,
também, dos bancos de dados que começam a surgir. Atualmente,
contempla-se o contexto social dos indivíduos que marcam a história
das ciências.
As ações dos trabalhadores/pesquisadores que se envolvem com
planejamento da adequação em banco de dados e contextos de busca e
recuperação de informações narrativas no ambiente virtual,
relacionadas, por exemplo, com contos de fadas, fábulas e lendas
213
capixabas (GERLIN; ROSEMBERG, 2012), deve se abrir para o diálogo
com outras disciplinas, tais como a Biblioteconomia e Informática, além
de estabelecer contato com o conhecimento popular para além do
conhecimento científico (PINTO, 2007).
Figura 14 - Planejamento da arquitetura da rede de colaboração.
Fonte: Adaptado de Haverty (2002).
Com o auxílio de Haverty (2002) é possível pensar na arquitetura da
rede do contexto da pesquisa, sendo indispensável identificar uma
solução para o direcionamento das atividades no contexto tanto virtual
quanto presencial (Figura 14). Apesar da teoria desse autor ser voltada
para a arquitetura de rede virtual, visualiza-se no contexto desta obra a
facilidade com que as fases se adéquam aos dois espaços de
comunicação. Para planejar a arquitetura da rede presencial e virtual
adaptam-se as seguintes etapas de trabalhos pensadas por Haverty
(2002):
(1) Trabalhar na determinação de objetivos que consigam prever as necessidades dos sujeitos sociais, tendo em vista o problema levantado
no trabalho de campo da pesquisa; (2) Por meio do diálogo estabelecido
entre os sujeitos sociais procede-se a previsão dos insumos necessários
e ao cronograma de trabalho com vistas a encontrar a solução para o
problema; (3) Encontrar uma solução tendo em vista a atenção que é
dada pela rede de colaboração para o problema voltado para a criação
da rede e, por fim, (4) Proceder a criação da arquitetura da rede de
214
colaboração voltada para a prática dos contadores de histórias em
contextos híbridos.
Fase 1: para trabalhar na determinação de objetivos que consigam
prever as necessidades dos sujeitos sociais, tendo em vista o problema
levantado voltado para a criação da rede, contempla-se a visão dos
usuários/sujeitos sociais às exigências que a sociedade da informação
impõe e, por consequência, identificação dos atributos dos sujeitos que
participarão do grupo presencial e se utilizarão dos serviços da
homepage (objetivos e características do público alvo), assim como, do
conteúdo que será discutido nos grupos e disponibilizado para o site.
Nessa fase definem-se os problemas que movem o projeto de criação
da rede e que exigem soluções direcionadas para os temas que serão
debatidos sobre a competência narrativa e em informação, bem como,
a adaptação das informações numa página da web. Importa colocar que
os trabalhos desenvolvidos no grupo presencial e os produtos e serviços
oferecidos pelo contador de histórias também no espaço presencial, deverão ser divulgados na página Web. O exposto prova a ligação entre
os serviços oferecidos nos dois tipos de espaços de comunicação
(presencial e virtual) e comprova a necessidade de pensar a arquitetura
de uma rede de colaboração híbrida.
Fase 2: por meio do diálogo estabelecido entre os sujeitos sociais
procede-se a previsão dos insumos necessários e cronograma de
trabalho com vistas a encontrar a solução para o problema identificado
na etapa anterior. Nessa fase acontece a representação do quadro
gestacional, para, assim, poder tratar de cada etapa do problema, ao
procurar a identificação de soluções nesse âmbito. Considera-se a
natureza do problema de criação e identifica-se um estado adequado de
representação que possa produzir uma solução.
Fase 3: à luz da teoria da Ciência da Informação e áreas afins, discutem-
se possíveis soluções tendo em vista a atenção que é dada ao problema
que gira em torno da criação da rede. Traduz-se uma solução em torno
da estrutura do problema do projeto de arquitetura da rede voltada para
o fechamento dos trabalhos de criação do grupo presencial e do site,
etapa na qual se identifica uma solução que seja aplicável.
Fase 4: procede-se a criação da arquitetura da rede de colaboração
215
voltada para contextos híbridos de conexões dos atores sociais. Uma
vez que as soluções foram traduzidas para o contexto do projeto da
arquitetura da rede, a fim de resolver todos os problemas básicos,
constitui-se uma Arquitetura da Informação da rede, o que significa que ao
longo deste processo as soluções da estruturação do grupo presencial
e do design da página, serão validadas em relação às metas originais,
usuários/atores e conteúdos disponíveis. Nessa etapa os comentários da
equipe e testes de usabilidade poderão ajudar a atingir essa validação.
A qualidade de uma arquitetura de informação é discutida em termos
de como a facilidade de uso e satisfação podem influenciar nas atividades
do processo (HAVERTY, 2002). Ao definir como requisito as
necessidades do público alvo por meio da adaptação de modelos de
planejamento e adequação textual das informações narrativas,
apresenta-se a necessidade de considerar a cultura, a língua e a
necessidade de informação dos contadores de histórias e de outros
possíveis usuários.
Um exemplo de estrutura que caminha para o modelo de uma rede
distribuída do contador de história é a Red Internacional de Cuentacuentos
(2014)93, que conecta narradores de diversas nacionalidades e divulga
em páginas individuais vídeos, fotografias e informações textuais sobre
produtos e serviços dos contadores de histórias. Esse tipo de rede se
apresenta como um espaço tempo de comunicação potencial para o
sujeito narrador que atua em diferenciados territórios, viabilizando por
conseguinte o compartilhamento de experiências, produtos e serviços
que comumente são oferecidos.
Esse tipo de organização de rede oferece também uma oportunidade de
qualificação em consonância não apenas com os ambientes virtuais, mas
também para atender aos espaços presenciais disponibilizados em
espaços de informação, educação e cultura, a saber: escolas, bibliotecas
e livrarias; territórios em que tradicionalmente se fortalecem as relações
interpessoais dos profissionais.
93 A maioria dos coordenadores da rede são contadores de histórias e escritores de
diversos países, dentre eles Espanha, Brasil e Índia. Constituindo como um portal aberto
para a divulgação da contação de histórias, literatura e artes cênicas reúne mais de 1.000
contadores de 50 países dos 5 continentes.
216
Figura 15 – Proposta de planejamento da rede colaborativa
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
Refletir a adequação da informação narrativa, suas múltiplas linguagens e
contextos de comunicação numa rede virtual e presencial, acaba
implicando em saber quais são suas reais necessidades. O próximo passo
seria colocar em prática o planejamento da estrutura de cooperação e
colaboração (Figura 15). A proposição do modelo da rede alimentou-se
diretamente do estabelecimento de diálogos teóricos e práticos (práxis)
(FREIRE, 2005), alimentados pela experiência de pesquisadores e
narradores de histórias contemporâneos, caracterizando-se como inter
e transdisciplinar. O diálogo estabelecido permitiu identificar as
competências necessárias dos narradores conectados em redes híbridas
na sociedade da informação.
Os principais atores que serão beneficiados por uma rede colaborativa,
os contadores de histórias, são sujeitos que auxiliaram efetivamente no
processo de constituição dos dados contidos nesta obra. Fornecem,
com isso, importantes elementos para o delineamento da rede de
colaboração por meio da participação nos processos de diálogos. Na visão de alguns contadores de histórias, a rede teria que ser o mais
217
autoadministrável e o mais autônoma possível, para desse modo auxiliar
em questões práticas do cotidiano de trabalho da categoria.
O formato de associação funcionaria muito bem para a rede. Endenter o formato de
associação seria muito bom. Como funciona a associação? - Ah, eu quero contratar o
Eduardo. O Eduardo cobra 800 reais para a diária. Liga-se então para a associação
e pergunta-se é isso mesmo? É isso mesmo. Ah! Saquei. Ou então se faz o contrário.
Liga-se para a associação e se fala: queria um contador de histórias. Qual o perfil
que você quer? Ah! Eu quero o perfil assim, assim e assado. Ah! Nesse perfil a gente
tem essa pessoa assim. Então se a gente compreendesse como funciona o perfil dessa
associação, a gente conseguiria passar isso para a rede. Auto administrável, para
gente não precisar ter um administrador, ser auto administrável. A rede é um veículo
maravilhoso pra gente poder categorizar a profissão (Narradora Kruger).
Acho que seria interessante, porque já tem rede de poetas, algumas redes que são
interessantes já. Iria ser interessante pra mim e para os colegas também. Legal se
for alguma coisa prática e rápida de fazer, eu acho que seria interessante. O principal
é a praticidade, que é o que as redes sociais oferecem pra gente e não precisamos
ficar dando manutenção (Narrador Valadares).
Ilustração 9 – Encontro com Grupo Chão de Letras na UFES
Fonte: Produzida durante a elaboração da pesquisa.
Não resta dúvidas de que um modelo de rede direcionada à prática do
contador de histórias deverá ser implantado pelo próprio coletivo. A
metáfora que é utilizada no título da coleção que acolhe esta obra “No
balanço das redes”, acaba definindo o contexto das relações desses
218
atores sociais e de suas conexões em grupos, permitindo a priori
visualizar a estrutura de processos de comunicações estabelecidos no
movimento de uma diversidade de redes que por eles são tecidas. Acaba
expondo inúmeras possibilidades de compartilhamento de informações
e produções de conhecimentos expressados e registrados durante o
processo de observação nos territórios de uma efetiva e admirável
atuação cultural e social.
Para (não) finalizar um processo de reflexão iniciado acerca da rede de
colaboração ao longo dos encontros estabelecidos com os narradores
e registrados no decorrer dos capítulos, cita-se ao final deste capítulo o
fragmento de um diálogo realizado com as narradoras do Grupo Chão
de Letras (Ilustração 9). Momento no qual surgiram possibilidades para
pensar a (re)criação de espaços de conexões híbridas voltados para a
narração de histórias.
Na hora em que abri veio a rede do pescador na minha frente e descobri como ela
é desenhada. Como ela em cada pedacinho é conectada um com outro e como dá
tudo certo e eles colhem aquele monte de peixes. Então eu falei: - Estou dentro!
Quando eu vi o seu e-mail eu falei assim: - Gente é muito legal isso! Porque foi essa
a imagem que me abriu e disse pra mim assim: - Olha o livro não vai acabar, seus
amigos não vão deixar de existir, você não vai deixar de ir à casa de seu vizinho, você
tem mais um recurso pra utilizar, só isso (Narradora Magalhães).
Ao trabalhar com a proposição de um modelo de rede (método de
interlocução) que pudesse atender às demandas do sujeito narrador na
sociedade da informação, apresentou-se um levantamento de
indicadores de competências e conexões dos contadores de histórias da
rede da pesquisa. Colocou-se em análise questões relacionadas com a acessibilidade, colaboração, interatividade, relevância da informação
narrativa e outros temas que puderam ser identificados no processo de
reflexão sobre a rede de colaboração. Entretanto, todas essas demandas
não poderão ser refletidas e aprofundadas nesse momento, muitos são
os fios que ainda deverão ser puxados em outros contextos de pesquisas
e práticas possíveis no campo da prática tradicional do narrador de
Benjamin (1994), constantemente (re)atualizada na era da informação.
219
À GUISA DE CONCLUSÕES....
220
221
ERA UMA VEZ... A PROPOSIÇÃO DE TRABALHOS QUE SE
INICIARAM COM O DIÁLOGO
São os últimos dias de agosto. Não muito longe daqui,
sabe-se que o inverno começou a morrer. O frio está
impregnado pelo cheiro de flores amarelas das acácias
e se anuncia para breve o estalar das glicínias, as flores
azuis, as flores brancas; logo o ar terá cheiro de maça
e diabruras. Os dias serão mais longos (GALEANO,
2014, p. 17).
Coincidentemente os últimos dias de agosto marcaram tanto o
fechamento das ações investigativas relacionadas com a proposição de
uma rede colaborativa, quanto o tecido de considerações que culminaram
na finalização de uma obra alimentada pela pesquisa e extensão
universitária. No decorrer do processo, entendeu-se como se dá a
articulação entre os saberes, fazeres e atitudes dos sujeitos narradores
que acompanham as mudanças impostas pela sociedade da informação:
por meio de uma prática cultural que comumente é autogerida pelo
contador de histórias no espaço presencial (75%), demandando
competência narrativa e competência em informação para atuar em
territórios híbridos.
O entendimento sobre a gestão de produtos e serviços culturais
encaminha para o desenvolvimento de um trabalho no campo da ação
cultural (51,48%), envolvendo o diálogo com pares, apoiadores e
público. Essa perspectiva de trabalho aponta para a necessidade de
articulação entre diversas áreas do saber (transdisciplinaridade),
trazendo, com isso, a possibilidade de integrar o conhecimento do
contador de histórias profissional com a experiência do narrador da
tradição, do gestor cultural, do ouvinte, apoiadores e outros sujeitos
com os quais estabelecem contato.
Tendo em vista que a maioria (69,10%) não explora o espaço virtual para
desenvolver o trabalho cultural, na medida em que foram analisados os
dados da pesquisa tornou-se visível a existência do fortalecimento de
uma nova demanda de trabalho nesse novo espaço para aqueles que se
iniciaram na arte de contar histórias no final do século XX e início do
século XXI. Nesse sentido o narrador de histórias precisa manter e
222
adquirir as competências narrativa e em informação de forma a
desenvolver o seu trabalho no espaço presencial e no ciberespaço.
Com os indicadores de contexto da categoria competência em informação
identificaram-se sujeitos narradores que utilizam com competência os
equipamentos eletrônicos (celular, computador, etc.) e que se
apropriam de recursos que as redes digitais oferecem. A maioria executa
tarefas simples (94,11%) com seus equipamentos e, com isso, usam
mídias sociais para comunicar-se (88,24%). Mais da metade dos
narradores da pesquisa (57,35%) acessam essas mídias várias vezes ao
dia. As mídias sociais mais utilizadas são as redes de relacionamento
como o Facebook (79,41%), redes de compartilhamento de vídeos como
o Youtube (69,11%) e o e-mail (58,82%) que perdeu terreno mas não
desapareceu. Quase todos os narradores fazem uso de aplicações de
acesso à internet (95,58%), aproveitando essa grande rede para buscar
informações de seu interesse (95,58%). As aplicações de acesso mais
citadas foram o correio eletrônico (89,70%), mensagens instantâneas (83,32%) e navegadores (77,94%).
Os sujeitos narradores são capazes de localizar a informação desejada
(95,58%), selecionam a informação por grau de importância (94,11%) e
detectam palavras chaves no processo de busca (94,12%). Em relação
aos recursos utilizados para o acesso à informação na web, a análise dos
indicadores tornou visível que buscadores como o Google são mais
utilizados (97,05%) do que as bibliotecas virtuais (61,76%), periódicos on
line (52,94%), páginas webs (38,23%), blogs (39,70%) e wikis (32,70%).
Os narradores também não descartam o uso de periódicos digitais e
bibliotecas virtuais que de maneira geral auxiliam no processo de acesso
à informação. Esse tipo de busca consideravelmente poderá conduzir a
uma aprendizagem autônoma importante para o aperfeiçoamento das
habilidades adquiridas e para a aquisição daquelas que ainda são
necessárias para compor a competência em informação.
O fato de que os contadores de histórias avaliam e verificam a qualidade
das fontes selecionadas, conduzem às amostras do contexto da categoria
da competência em informação. Os critérios mais utilizados para a
avaliação da qualidade da informação selecionada são tipo de fontes
(75%), autoria (57,35%), acessibilidade (44,11%) e atualidade (58,82%). A
maioria dos contadores de histórias capixabas possui competência para
223
o acesso à informação nas redes digitais, bem como, para avaliar a
informação em função de suas necessidades. A informação buscada
auxilia cerca de metade do grupo (51,47%) no processo de produção e
disponibilização de conteúdos nas redes digitais. O resultado dessa fase
da pesquisa esclarece que esse sujeito deve atualizar-se com os
processos de busca que permitem o acesso à informação, de forma a
possibilitar sua efetiva produção, organização e disponibilização em
redes de relacionamentos.
Quando se trata da competência narrativa identifica-se que a maior parte
dos contadores de histórias dedica-se ao processo de pesquisas de
fontes direcionadas para a prática de narrar necessitando fazer uso da
competência em informação que conservam. Com isso, a maioria
seleciona histórias novas (73,53%) lendo (92,67%), ouvindo os pares
(23,52%) e recursos áudio visuais (52,94%). Também aceitam sugestões
(30,88%) dos pares, público, etc. Recorrem aos livros impressos
(86,76%), CD (25%) e outras fontes na internet (60,29%). No ato de selecionar leva-se em consideração a predileção do público e em sua
maioria atendem ao infantil (95,58%). Sua apresentação é performática
envolvendo o público na maioria das vezes (86,76%), fazendo valer o
processo de preparação da narrativa que lida com diversas habilidades e
técnicas para que o show possa acontecer (memorização, recriação da
história, uso de recursos, ensaio, etc.).
A categoria conexão em redes está relacionada com a competência
narrativa e competência em informação do sujeito narrador, auxiliando
no entendimento de como buscam e compartilham informações nas
redes digitais potencializadas pela internet na sociedade contemporânea
(CASTELLS, 2003). Depreende-se que o contador de histórias
contemporâneo deve aprimorar as estratégias de busca, acesso e
recuperação de informações voltadas para a sua prática, sendo esse
assunto pouco figurado nos indicadores do contexto da narrativa oral.
Nessa categoria visualiza-se uma baixa participação em redes de
colaboração de interesse de sua área de atuação, todavia, houve uma
boa aceitação no que se refere ao empenho em participar de uma rede
de colaboração (75%).
A estruturação da proposta da rede colaborativa teve como base a
análise dos dados das possíveis conexões do contador de histórias
224
capixaba na sociedade da informação. A validação do modelo aconteceu
em oficinas e outros eventos que foram estabelecidos com os
narradores de histórias que atuam em espaços tempos de educação e
cultura. Então, por que não continuar dando visibilidade às falas dos
sujeitos narradores nesta fase de fechamento dos resultados? A
motivação desta questão que permeou todo o contexto da obra,
permite recorrer ao parecer (final) de três narradoras de histórias
acerca da rede de colaboração:
Eu a princípio era um pouco contra [a onda da conexão em redes digitais], mas eu
acho que a gente não pode remar também contra a correnteza. Hoje eu acho que
você pode usar esses recursos em seu favor, em seu benefício. E depois, [...] eu fui
entender a função da rede. E até mesmo quando entendi a função da rede visualizei
a rede do pescador na minha frente, entendeu? E a rede do pescador estão não é
assim? Composta por aqueles nós? Aonde a gente vai se conectando, vai se
comunicando e não vai perder o presencial (Narradora Magalhães).
Bom a rede vai ajudar bastante nisso, não é? Pra escola pública pelos menos se cobrar
cobra bem pouquinho? A escola é pública e não tem recursos, então tem sempre
alguém que fala assim: - Tem fulano que vai de graça e se cobrar cobre apenas a
gasolina ou a passagem de ônibus pra fulano está bom. E a gente vai fazendo assim.
Tem uma professora que tem um grupo de teatro, então, a gente tá sempre tentando
fazer alguma coisa. Inclusive ela apresentou um espetáculo no Teatro Carlos Gomes
na semana passada sobre Eliz Regina. [Também estabeleço contato com] os
bibliotecários, ligo pra Geovana bibliotecária da PMV e pra outras pessoas,
bibliotecário geralmente conhece alguém, não é? Conheço alguém que conhece
alguém e vamos assim. Primeiro temos que conhecer a pessoa, quem indica tem que
conhecer. Você tem que ter uma pessoa que realmente conheça o fulano que levará
para a sua biblioteca e seu espaço (Narradora Pereira).
Acho que a pesquisa está ótima, parabéns pela iniciativa porque é um assunto cabível
e carente e se a rede se concretizar será de estrema importância para uma
comunidade grande, como a rede de contadores bibliotecários que dizem não saber
contar mas no fim acabam contando. Como uma professora de laudo com quem
trabalhei, ela disse assim, posso te ajudar em qualquer coisa mas não me peça para
contar histórias, três meses depois ela perguntou: - Posso contar essa história? Ela
se apaixonou e logo estava contando histórias. O ambiente da biblioteca escola pede
isso, não tem como, você se apaixona e mobiliza e logo está contando histórias
(Narradora Helena Silva).
Movidos por uma convicção de que a rede de colaboração tende a
auxiliar o narrador contemporâneo no processo de aquisição de
225
competências e profissionalização em espaços presenciais e virtuais,
acreditam que uma estrutura como essa apoiaria contadores de histórias
profissionais autônomos remunerados e sem remuneração específica
que atuam territórios de (in)formação, educação e cultura.
A transgressão metodológica esteve presente tanto na fase de
apresentação dos indicadores do perfil e contexto dos narradores de
histórias quanto durante a proposição da rede, permitindo explorar
junto com os narradores o desejo de que a rede fosse de fato
futuramente implantada. Os resultados que ocasionaram no
estabelecimento de parâmetros para entender os movimentos em torno
das competências nos territórios de atuação do contador de histórias,
também tornará possível compreender que nenhuma instituição
contemporânea está dissociada do movimento de transformação que a
sociedade da informação apresenta na atualidade. Contudo, antes
convém contextualizar que os resultados apresentados no decorrer dos
capítulos não conduz ao fim do processo de proposição de uma estrutura de comunicação voltada para uma arte milenar, mas sim para
o começo do fortalecimento de uma rede não estruturada porém que
apresenta inúmeras possibilidades...
DEPOIS DO “ERA UMA VEZ”... NÃO É O FIM!
Enquanto o clima de inverno (GALEANO, 2014) acolhia a finalização da
escrita de uma proposta que na atualidade constitui o terceiro volume
da coleção No balanço das redes: tradição e tecnologia, reflete-se que de
maneira alguma este processo pode se encerrar com as ações de
pesquisa e extensão universitária. Os movimentos que foram resgatados
no campo teórico e nos territórios de atuação dos contadores de
histórias, conduziram à comprovação da hipótese inicialmente levantada:
os contadores de histórias possuem competências que tornam possível
a sua conexão em redes de formatos variados e encontram-se, com isso,
inseridos na sociedade da informação. Com os resultados entendeu-se
que esses sujeitos dominam os mecanismos da comunicação
interpessoal, mas precisam utilizar melhor os benefícios trazidos pelas
redes digitais de maneira que possam buscar e produzir informação
direcionada para a sua área de atuação.
226
No decorrer do processo de avaliação diagnóstica tornou-se visível que
a maioria dos sujeitos pertence ao gênero feminino (89,70%), tendo
iniciado a prática entre o final do século XX (30,90%) e início do século
XXI (48,50%). Identificou-se no grupo de participantes um alto nível de
formação no que se refere à obtenção de cursos de graduação (30,88%)
e pós-graduação (61,76%), o que facilmente pôde ser associado ao fato
de que a maioria desenvolve atividades paralelas à arte de contar
histórias (67,65%) que exigem formação superior em diversas áreas do
conhecimento. A proposta de planejamento da rede colaborativa
perpassa, desse modo, a abordagem transdisciplinar e a suas ações
devem transpor barreiras que costumam impedir os diálogos das
disciplinas com outros campos do conhecimento (BICALHO;
OLIVEIRA, 2011).
Os vínculos dos narradores de histórias com os grupos sociais com os
quais atuam e, por conseguinte, os laços (associativo, dialógico, fraco,
forte, etc.) são constituídos nas instituições com as quais estão comumente ligados em eventos esporádicos ou regulares. As conexões
refletem aspectos da formação e atuação de um trabalho profissional,
conduzindo-os a uma estrutura de relacionamento “multiplexa” e a
participação em diferentes grupos formados nos seus territórios de
atuação (RECUERO, 2009; JOHNSON, 2011). O processo de
observação ainda não permitiu entender aspectos relacionados com a
comunicação em rede desses sujeitos (interação mútua, reativa, etc.).
Informações sobre essas questões foram identificadas e mais tarde
poderão ser aprofundadas em outras pesquisas.
A análise dos indicadores de contexto do trabalho cultural e das relações
visualizadas na representação dos nodos da rede, refletem o elo
existente entre seus atores. Junto aos dados desses indicadores
percebe-se um movimento de profissionalização em espaços tempos de
informação, educação e cultura ao final do século XX, possibilitando
dividir os contadores de histórias em duas categorias: profissional
remunerado autônomo (32,35%) e profissional sem remuneração
específica (67,65%). A representação dessas duas categorias de
profissionais é importante para pensar o perfil do público alvo da rede
de colaboração.
Os dados da observação do campo (intensiva e extensiva) apontam para
227
o fato de que a maioria sofreu a influência de narradores da tradição oral
(75%), apresentando, porém, características distintas do narrador
tradicional de culturas orais. Mesmo tendo herdado traços da tradição
oral, buscam formação em cursos, oficinas e outros eventos presenciais
(45,58%) e navegam no ciberespaço (63,24%). O fato de utilizarem as
TIC disponibilizadas pela sociedade da informação no processo de
formação ao longo da vida, auxiliará no planejamento da arquitetura da
rede de colaboração dos contadores de histórias que deverá ser
trabalhada ao considerar as conexões tanto no espaço presencial quanto
virtual (arquitetura em espaços híbridos).
Trabalhar na proposta de um modelo idealizado ao longo desta obra
demandou produzir algo simples e possível de ser colocado em prática,
um planejamento de uma estrutura colaborativa em que o contador de
histórias possa livremente estabelecer relações com seus pares
(companheiros de atividade), público e outros colaboradores
interessados em acessar, produzir e compartilhar informação que gira em torno da prática narrativa. A proposição de um modelo com essa
estrutura requereu a identificação de saberes e fazeres do narrador de
histórias capixaba por meio de indicadores de perfil e contexto. Nesse
ínterim, entender mais de perto como trabalham os narradores
alimentou a proposta por meio dos diálogos obtidos durante as
entrevistas e por meio da coleta de dados possibilitada pelos
questionários.
O resultado do trabalho de observação no campo de atuação desse
profissional aponta para o fato de que a rede de colaboração dos
contadores de histórias deverá ter dois polos: da comunicação
presencial que alimenta a prática milenar e da comunicação virtual que
paulatinamente insere esse profissional na sociedade da informação. O
resultado da análise forneceu elementos para pensar em possibilidades
de sucesso e enfrentamento de dificuldades que possam aparecer,
permitindo que a sua estrutura fosse repensada após o estabelecimento
dos diálogos com os maiores interessados. As demandas apresentadas
pelos contadores de histórias auxiliou na proposição do modelo da rede,
na medida em que se procurou pensar que a sua estrutura deverá ser
mais fácil de gerir possível e fundamentada em uma auto gestão. Poderá
também compreender encontros presenciais e não apenas um aspecto
228
virtual de rede de comunicação comumente enfocada na
contemporaneidade.
A necessidade de sustentar a atividade dos sujeitos contadores perpassa
as redes desenhadas na contemporaneidade, o que vai de encontro com
uma atuação isolada que não possibilita o compartilhamento das
experiências que comumente são vividas pelos narradores. Esses
sujeitos deverão adquirir habilidades que os conduzam a produção de
conteúdo necessário para uma formação na área. Também necessitam
de uma mudança de foco, de entendimento e de aceitação de outras
perspectivas de aprendizados perante o acesso de redes digitais e
presenciais, para, assim, fazer fluir uma conexão interativa que permita
o compartilhamento de informações de interesse da classe desses
profissionais.
Com os resultados levou-se em consideração o fato de que as novas
tecnologias tendem a ampliar a conexão entre os contadores de
histórias em redes, sejam elas centralizadas, descentralizadas ou distribuídas, devendo então o modelo proposto envolver diversas fases
de planejamento em termos de previsão de espaços tempos de
conexões (presenciais e virtuais) que permitam a descentralização. O
modelo apresentado, então, caracteriza-se como uma tentativa de
estimular a organização de vários grupos de contadores de histórias
(profissional, voluntário, etc.) em redes que se mostrem mais
distribuídas, o que não elimina a centralidade na estrutura de
comunicação.
Mesmo tendo em vista que a maior parte dos sujeitos narradores não
participa de redes presenciais ou virtuais voltadas para o campo da
narrativa oral, ao colocar em análise as relações dos atores sociais que
atuam em diversos territórios de informação, educação e cultura, a
estrutura de comunicação caracteriza-se principalmente pelas relações
de amizade. A apresentação dos indicadores e proposições de estruturas
colaborativas não torna possível finalizar e sim iniciar um processo de
discussão em torno dos resultados obtidos.
Nesse momento surge uma preocupação em fomentar contextos de
acesso e de compartilhamento de uma informação que fortaleça a
competência narrativa em contextos híbridos de comunicação. As
229
propostas de planejamento e implantação de redes no campo da
narrativa oral deverão estimular a participação do contador de histórias
em contextos de uso da informação narrativa e avaliações dialógicas,
assim como, permitir o compartilhamento experiências e produções de
conhecimentos voltados para a sua área de atuação profissional.
Uma arquitetura que permita a ampliação da rede deverá estimular a
participação dos contadores de histórias em atividades no campo da
profissionalização na era digital, para assim pensar em uma totalidade em
termos de investigações sobre contextos de busca, avaliação e uso da
informação narrativa. Assim como, deverá permitir o compartilhamento
de informações e a produção de conhecimentos voltados para a sua área
de atuação em redes de comunicação. Uma estrutura de colaboração
que envolva os narradores também deverá incluir grupos de que ainda
não foram privilegiados com os benefícios gerados pelas TIC.
Diante do fato de que até o momento os resultados citados resultaram
em publicações de trabalhos acadêmicos, artigos, livros e capítulos de livros na área da Ciência da Informação, pretende-se continuar o
processo de pesquisas com a finalidade de divulgação e trocas de
experiências com a comunidade interna e externa à Universidade. Os
resultados fornecem, por exemplo, elementos para pensar a realização
de outras pesquisas no interior do Estado do ES e identificar o nível de
formação e de atuação cultural do narrador com características mais
tradicionais. Por meio da identificação do perfil de um contador de
histórias com características mais tradicionais, seria interessante pensar
em formas de inseri-lo numa rede de colaboração inclusiva de forma que
pudessem compartilhar habilidades, técnicas e conhecimentos com
narradores iniciantes e experientes de áreas urbanas.
Constata-se que os contadores de histórias são possuidores de uma
diversidade de habilidades, técnicas e conhecimentos, sendo
constituintes de competências narrativas e em informação passíveis de
serem desenvolvidas em espaços presenciais e virtuais de diversas
regiões brasileiras. Porém, que, ainda assim, precisam aprimorar
estratégias de busca, acesso e recuperação de informação para uma
conexão efetiva em redes colaborativas, necessariamente, flexíveis e
interativas.
230
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SOBRE AS AUTORAS
Meri Nadia Marques Gerlin é doutora em Ciência da Informação
pela Universidade de Brasília (UnB), mestre em Educação e bacharel em
Biblioteconomia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Professora Adjunta do Departamento de Biblioteconomia do Centro de
Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE) da UFES, desenvolvendo, por
conseguinte, atividades no campo da informação, educação e cultura.
Líder do grupo de pesquisa "Competência em Informação e Processos
Inter-relacionados" certificado pelo CNPq e coordenadora do projeto
extensionista “Informa-ação e cultura” da Pró- Reitoria de Extensão da
UFES, trabalhando com uma diversidade de atividades relacionadas com
os campos do ensino, da pesquisa e da extensão universitária,
intercambiando temas no âmbito da ação cultural, do multiculturalismo,
do serviço de referência, da competência narrativa, da competência
leitora e da competência em informação.
Elmira Simeão (Elmira Luzia Melo Soares Simeão) é doutora em
Ciência da Informação pela Universidade de Brasília (UnB), com
mestrado em Comunicação e Cultura na Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). Graduada em Comunicação Social pela Universidade
Federal do Piauí (UFPI). Como professora na graduação em
Biblioteconomia e no Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação da Faculdade de Ciência da Informação (FCI) da UnB, tem
experiência na área de Comunicação, com ênfase em Publicações
Eletrônicas e Editoração, atuando principalmente nos seguintes temas
de pesquisa: tecnologia da informação, editoração, comunicação, ciência da informação, informação e saúde, comunicação extensiva,
competência em Informação e inclusão digital. Representante da UnB no
convênio com a Universidad Complutense de Madrid (UCM) e líder do
grupo de Pesquisa Competência Informacional certificado pelo
Conselho Nacional de Pesquisa do Ministério de Ciência e Tecnologia
(CNPq).