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bahktin e o silêncio
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O SILNCIO E O CALAR SOBRE A DITADURA MILITAR PELO OLHAR DE
BAKHTIN: A DIFERENA ENTRE O OUVIR E O ESCUTAR
Francis Lampoglia
(Mestranda em Cincia, Tecnologia e Sociedade, UFSCar)
Valdemir Miotello
(Prof. Dr. em Cincia, Tecnologia e Sociedade, UFSCar)
RESUMO: Este artigo discute as concepes de Mikhail Bakhtin sobre o silncio e o
calar no discurso, tendo como recorte os dizeres sobre a ditadura militar brasileira em
trs capas do jornal ltima Hora publicadas em 1966, 1967 e 1968, nos aniversrios
de 2, 3 e 4 anos do golpe militar, respectivamente. Enquanto o silncio e o ouvir
relacionam-se ao ato mecnico, o calar relaciona-se escuta ativa, aberta polissemia e
ambiguidade. Com isso, visamos observar a importncia do calar na compreenso dos
sentidos e como condio para a resposta ativa do sujeito.
PALAVRAS-CHAVE: discurso, jornal, ditadura militar
INTRODUO
Silncio e calar, ouvir e escutar no so termos sinnimos segundo os estudos
bakhtinianos. O silncio, condio fsica para enunciar, viabiliza o reconhecimento das
palavras, enquanto o calar fornece condies para a compreenso dos sentidos. O ouvir
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pertence ordem mecnica de apreenso dos sons, enquanto a escuta demanda resposta.
A partir disso, este trabalho discute tais conceitos nos dizeres de trs capas do jornal
ltima Hora, publicadas em 1 de abril de 1966, 1967 e 1968, aniversrio de dois, trs
e quatro anos, respectivamente, do golpe militar, tendo por enfoque o que se diz sobre o
regime ditatorial que vigorava na poca. Para tanto, faremos uma breve explanao
sobre os trabalhos de Mikhail Bakhtin e o Crculo bakhtiniano, seguida pela discusso
sobre o silncio e o calar e finalizaremos o trabalho, sem a pretenso de esgot-lo, com
as consideraes finais.
MIKHAIL BAKHTIN E O CRCULO: VOZES EM DISCURSO
Os trabalhos de Mikhail Mikhailvitch Bakhtin (1895-1975) podem ser
concebidos por fases, conforme a evoluo vivida por esse pensador durante sua
carreira. Com isso, a fase filosfica abrange o perodo entre 1918 e 1924
aproximadamente, poca em que se forma o Crculo de Bakhtin (1918) em Nevel
tendo como membros, entre outros, Pumpinski, Kagan, Volochinov e Iudina e em
que ocorre a mudana de Bakhtin e de alguns membros do Crculo para Vitebski (1920),
onde se achegaram novos pensadores como Solertnski e Miedvedev. Nesta fase,
Bakhtin, sob influncia do neokantismo e da fenomenologia, tentou refletir sobre uma
filosofia prpria (CLARK, HOLQUIST, 1998). Entre 1921 e 1924, perodo em que sua
sade mais se debilitara, debruou-se sobre as questes referentes natureza tica das
aes na vida cotidiana e a natureza esttica do autor como resposta do sujeito ao
mundo (MIOTELLO, 2002, p. 2).
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Entre 1925 e 1929, poca de intensa produo intelectual que culminou com a
priso de Bakhtin em 1929, devido ao expurgo de intelectuais da Unio Sovitica esse
pensador comea a afastar-se da metafsica e entra em dilogo com movimentos
intelectuais em voga, como o marxismo sovitico, o freudismo, o formalismo, a
lingustica e at mesmo a fisiologia. Essa segunda fase marcada pelas obras sobre o
Freudismo, os Formalistas Russos, a Filosofia da Linguagem e o Romance de
Dostoivski, alm de alguns artigos.
O terceiro perodo de Bakhtin envolve os anos de 1930, dcada marcada por seis
anos de exlio vivido por Bakhtin em Kustanai, Cazaquisto. Nestes anos, Bakhtin
procurou uma potica histrica na evoluo do romance (CLARK; HOLQUIST,
1998, p. 31). J na quarta fase, que abrange os anos de 1960 e 1970 poca que envolve
a redescoberta de seus escritos e a deteriorao da sade fsica que o acompanha at a
morte , esse pensador retorna metafsica sob uma nova perspectiva da teoria social e
da filosofia da linguagem.
Por no se deter em apenas um assunto, Bakhtin abriu caminhos para vrias
pesquisas, sendo seus trabalhos procurados por pesquisadores de linhas diversas.
Enquanto alguns crticos literrios o reverenciam por ser autor do livro sobre
Dostoivski, em que apresentou a teoria da polifonia, outros crticos literrios, como
tambm folcloristas e antroplogos, concebem-no sob a perspectiva de seu livro sobre
Rabelais, como o terico da carnavalizao e da ruptura das hierarquias sociais. Outro
grupo de crticos de literatura, tericos sociais e historiadores o percebem sob a tica da
doutrina marxista, sendo o texto referencial a obra O marxismo e a filosofia da
linguagem, de 1929. Em relao aos intrpretes anglfonos, Bakhtin emerge como o
terico do romance em The dialogic imagination (A imaginao dialgica). Embora
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todas essas vises sejam legtimas, nenhuma consegue abarcar todas as categorias
importantes ao seu pensamento. Entretanto, pretender que alguma verso de sua pessoa
seja a correta significaria estreitar numa camisa-de-fora o filsofo da variedade,
monologizar o cantor da polifonia (CLARK; HOLQUIST, 1998, p. 32).
A chegada dos primeiros trabalhos de Bakhtin em terras brasileiras efetuou-se
com algumas dificuldades assim como em outros pases ocidentais dados os
problemas de traduo e publicao sem ordem cronolgica. O pensamento do Crculo
de Bakhtin foi associado com frequncia e durante muito tempo, quase exclusivamente,
ao livro Marxismo e filosofia da linguagem, o primeiro a ser publicado em portugus
em 1979 (FARACO, 2006, p. 17). Essa obra, inclusive, juntamente com os livros
Freudismo e O mtodo formal nos estudos literrios, dentre outros uma obra cuja
autoria configura-se em um mistrio. Segundo Faraco (2006), a polmica teve incio
quando o lingusta Viatcheslav V. Ivanov afirmou que Marxismo e filosofia da
linguagem fora escrito no por Valentin N. Voloshinov, mas por Bakhtin. Da mesma
forma, a celeuma se estendeu aos outros textos sob assinatura de Voloshinov e de Pavel
N. Medvedev. Para Clark e Holquist, o resultado que nenhum relato de como e por
quem tais textos foram escritos pode jamais ser considerado como incontestvel
(CLARK, HOLQUIST, 1998, p. 172). Diante do mistrio da autoria, Faraco (2006)
divide a recepo desses escritos em trs direes, sendo a primeira daqueles que
respeitam a autoria das edies originais, reconhecendo como obra de Bakhtin somente
as obras publicadas em seu nome ou constante em seus arquivos, como o caso de
Faraco (2006). A segunda direo diz respeito queles que atribuem a autoria dos textos
disputados Bakhtin, como o caso de Clark e Holquist (1998), dentre outros. J a
terceira vertente abarca os dois nomes na autoria, atribuindo a Bakhtin/Voloshinov os
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livros Freudismo e Marxismo e filosofia da linguagem, assim como O mtodo formal
nos estudos literrios a Bakhtin/Medvedev, caso das edies francesa e brasileira, em
que aparecem as duas assinaturas. Este trabalho atribui a autoria majoritria dos textos
disputados a Bakhtin, sem descartar a relao dialgica entre os membros do grupo que
contriburam para a construo dos textos.
Com isso, ao conhecer a trajetria do autor que norteia nosso trabalho, podemos
ter acesso ao contexto em que Bakhtin pensou a questo do silncio e do calar, poca
que marca seu retorno metafsica sob uma nova perspectiva da teoria social e da
filosofia da linguagem. As dificuldades encontradas quando da chegada das obras de
Bakhtin no Brasil indica que pontos da teoria desse autor foram pouco explorados, ou
trabalhados por poucos pesquisadores, como no caso das noes estudadas a seguir.
O SILNCIO E O CALAR SEGUNDO BAKHTIN
Bakhtin (2003), em Apontamentos de 1970-1971, discute as questes sobre o
silncio e o mutismo (ou o calar, segundo Ponzio, 2006). O silncio refere-se s
condies para percepo do som (BAKHTIN, 2003) e para a identificao do signo
verbal (PONZIO, 2010). O silncio necessrio para a identificao do som, para
reconhecer as palavras e tem a ver com a lngua e seu substrato fsico, de ordem
acstica e fisiolgica (PONZIO, 2010).
O silncio a condio fsica para enunciar, possibilitando assim que as palavras
sejam reconhecidas. Para dizer necessrio que no haja rudos intervenes de
ordem mecnica e fisiolgica que possam comprometer a identificao das palavras.
Com isso, o silncio encontra-se na ordem da frase, relacionado a questes fonticas e
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sintticas. Para Ponzio (2010, p. 53), o silncio viabiliza a percepo dos sons e dos
traos distintivos da lngua (os fonemas) e, portanto, o reconhecimento, a identificao
dos elementos reiterveis do discurso, ou seja, dos elementos que fazem parte da lngua,
a nvel fonolgico, sinttico e semntico. O silncio em Bakhtin tambm pode ser
interpretado como espao do monologismo, da univocidade, em que os sentidos no
ecoam apenas as palavras, enquanto sons mecnicos se repetem. a palavra direta,
que no se importa com a alteridade.
A palavra direta, objetiva, no se preocupa da alteridade do interlocutor a no ser
para adiant-la, englob-la, assimil-la; esta palavra atende s a si mesma e por
isso, como diz Kierkegaard, no constitui propriamente comunicao nenhuma, ou
melhor, podemos dizer, somente comunicao do silncio. (PONZIO, 1995, p.
35-53 apud PONZIO, 2006, p. 474 traduo nossa)1
.
Na traduo de Apontamentos de 1970-1971 o termo utilizado como
contraposio ao silncio o mutismo. Entretanto, Ponzio entende que o termo calar
mais apropriado que mutismo, j que o calar no s mutismo. O calar no est fora
da linguagem, mas tambm falar indireto, palavra distanciada, palavra irnica,
pardia, alegoria: palavra da escrita literria (PETRILLI; PONZIO, 2000 apud
PONZIO, 2006, p. 473 traduo nossa).2
1La palabra directa, objetiva, no se preocupa de la alteridad del interlocutor si no es para adelantarla,
englobarla, asimilarla; esta palabra atiende solo a si misma y por eso, como dice Kierkegaard, no constituye propiamente comunicacin ninguna, o bien, podemos decir, es solo comunicacin del silencio (cf. Ponzio, 1995, p. 35-53 apud PONZIO, 2006, p. 474). Traduo nossa.
Com isso, neste trabalho adotaremos o
calar, por ser mais abrangente que o termo mutismo.
2El callar no es solamente mutismo. El callar no ha salido del lenguaje, sino que es tambin hablar indirecto, palabra distanciada, palabra irnica, pardia, alegoria: palabra de La escritura literria (cf. PETRILLI; PONZIO, 2000 apud PONZIO, 2006, p. 473).
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O calar da ordem do enunciado e se refere compreenso do sentido, no se
reduzindo apenas identificao das palavras. o espao da escuta aberta, da
polissemia, da alteridade, do dilogo, em que ocorre o encontro de/nas palavras. O calar
possibilita apreender a enunciao como evento irrepetvel, demandando resposta. Com
isso, o calar est vinculado escuta ativa, configurando-se numa escuta-resposta.
Diferentemente do ouvir, que se refere a um processo mecnico em que qualquer ser
vivo est propenso ao ato, a escuta relaciona-se compreenso do sentido da palavra,
em que as palavras esto abertas ambiguidade, sendo que tal exerccio s possvel no
mundo humano. Nas palavras de Ponzio, o calar condio da compreenso do sentido
da enunciao nica na sua repetibilidade e, portanto, a condio da resposta a essa, e
que est nesta sua singularidade e irrepetibilidade (PONZIO, 2010, p. 54).
Enquanto o silncio est relacionado s condies fsicas da comunicao, o calar
relaciona-se aos aspectos no-fsicos, como a ao de compreender os sentidos (em que
a compreenso demanda resposta). Bakhtin (2003) faz a seguinte distino entre o
silncio e o mutismo (calar):
A violao do silncio pelo som mecnico e fisiolgico (como condio da
percepo); a violao do mutismo [calar] pela palavra de modo pessoal e
consciente: esse o mundo inteiramente outro. No silncio nada ecoa (ou algo no
ecoa), no mutismo ningum fala (ou algum no fala). O mutismo [calar] s
possvel no mundo humano (e s para o homem). (BAKHTIN, 2003, p. 369).
Dessa forma, segundo a proposta bakhtiniana, necessrio o silncio para que
minhas palavras sejam reconhecidas e identificadas. Mas, para que minhas palavras
sejam compreendidas e respondidas, faz-se necessrio o calar, que se insere no campo
da enunciao e do irrepetvel. Para ilustrar a noo de calar em Bakhtin, selecionamos
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a capa abaixo, referente ao aniversrio de dois anos do golpe militar, publicada em 1 de
abril de 1966:
A manchete Comemorada a Revoluo, considerando-se a data de aniversrio
do golpe, remete a sentidos de que houve uma festa, ou algum evento comemorativo,
que celebrou os dois anos de ditadura militar. Entretanto, se calarmos e deixarmos de
impor nossos sentidos, penetraremos no espao da ambiguidade e da polissemia e
observaremos, ento, que o dizer comemorada a revoluo no se restringe a esse
sentido, mas encontra-se num entrecruzamento de vozes. Ao escutar o enunciado,
observando-o em seu contexto e abri-lo polissemia, podemos observar que se trata de
uma ironia, j que se encontra abaixo de dizeres como Recife: bombas no SNI e na
casa do general Portugal, So Paulo e Minas: luto nas escolas e bales tarjados e
GB: militar reage contra ataque do MDB ao governo, que se referem a manifestaes
Figura 1: Primeira pgina sobre o aniversrio de 2 anos do golpe de 1964
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de protesto dita revoluo em diferentes estados brasileiros. Nota-se, ento, que, ao
escutarmos o enunciado, possvel apreendermos outros sentidos, dentre eles a ironia,
que instaura a polifonia3
Um ano depois, publicada a seguinte capa no jornal ltima Hora:
. (BRAIT, 1996).
Tendo por enfoque os dizeres sobre o aniversrio da ditadura militar, destacamos
a manchete: Costa e Silva no aniversrio do 1 de abril At sldo de Marechal no d
mais para viver. O silncio, segundo a concepo bakhtiniana, est presente na medida
em que possvel identificar as letras e as palavras no jornal, ou seja, no h manchas
ou falhas na impresso que impeam a leitura da manchete em questo. O silncio,
ento, est presente justamente na ausncia do rudo, viabilizando a decodificao dos
signos. J no que concerne ao calar, momento em que deixamos de impor nossos
3Concebemos o conceito de polifonia como conjunto de vozes equipolentes em um dado discurso.
Figura 2: Capa da edio vespertina de ltima Hora publicada em 1 de abril de 1967
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sentidos e nos abrimos polissemia dos dizeres, podemos identificar mltiplos sentidos
que envolvem a manchete em questo. Tendo por contexto a ditadura militar que
oprimia com a censura os rgos de imprensa, pode-se depreender que a preposio
do do dizer Costa e Silva no aniversrio do 1 de abril incita diferentes sentidos,
como na indicao de que se oculta o dizer golpe, j que do precede um substantivo
masculino. A palavra revoluo, neste dizer, j no caberia, pois trata-se de um
substantivo feminino que no concordaria com a preposio selecionada para o
enunciado. Outro sentido ocultado pela palavra do poderia ser dia, o que resgataria,
pelo contexto e pela memria discursiva, sentidos sobre o primeiro de abril. A prpria
escolha de expor a data, ao invs de palavras que caracterizem o governo como
revoluo ou golpe, j polissmica, pois a data tanto se refere ao aniversrio do
golpe quanto ao dia da mentira. Calar nossos sentidos nos faz perceber, tambm, a
ironia na qual o enunciado encontra-se imerso, pois, dado o contexto de pobreza e
misria em que o povo brasileiro vivia na poca, dizer que o salrio de Marechal, posto
em que se encontra o presidente da repblica, insuficiente para viver, indica, no
mnimo, sentidos de mentira e desprezo do governo em relao ao povo brasileiro. Na
ironia expressa-se com as palavras um conceito mas se subentende (sem express-lo
por palavras) um outro, contrrio. Em palavras diz-se algo positivo, pretendendo, ao
contrrio, expressar algo negativo, oposto ao que foi dito (PROPP, 1992, p. 125). Com
isto, ao dizer que at o soldo de Marechal no d mais para viver, possvel
depreender seu sentido oposto, indicando no somente que o salrio significativo, mas
tambm o descaso e o desprezo do governo em relao ao povo brasileiro, j que o
salrio de um homem do povo, como um pedreiro ou cozinheiro, nfimo se comparado
ao salrio de um presidente da repblica. Se o presidente no consegue viver com seu
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salrio, que dir o restante da populao brasileira. Nesse jogo de ironia, portanto, o
jornal pe em circulao duas vozes, que lutam entre si com a finalidade de ganhar
espao na arena dos sentidos.
J na capa de 1 de abril de 1968, o dizer sobre o aniversrio do golpe desloca-se
da manchete principal para a chamada no rodap da pgina:
O silncio nesta capa prejudicado medida que o carimbo da palavra cortesia
dificulta a leitura da chamada, marcando a presena do rudo para a decodificao dos
signos, j que o silncio constitui o pressuposto fsico que permite a identificao das
palavras. Entretanto, tal silncio no rompido de todo, pois, com o auxlio de
ferramentas da informtica, como o recurso de ampliao da figura, e mesmo pelas
letras que no foram totalmente cobertas, possvel identificar o dizer Governo festeja
quatro anos de revoluo. Ao considerarmos a polissemia do enunciado, calando a voz
de uma interpretao atada a apenas um sentido, podemos perceber que o dizer no
Figura 3: Capa do jornal ltima Hora de 1 de abril de 1968
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apenas anuncia a comemorao do aniversrio do golpe, mas tambm quem a festeja.
Nota-se que quem festeja no o povo, mas o governo, marcando sentidos de que
somente esse ltimo tem motivos para comemorar, j que o agente que se beneficia do
poder. Tambm remete a sentidos de elitismo e aristocracia, marcando que a
comemorao reserva-se a um pequeno e seleto grupo, sendo extirpado o restante da
populao. Os sentidos que surgem do enunciado tanto pode indicar um governo agente,
que exclui a populao do poder e, consequentemente, da comemorao de sua tomada,
assim como aquele que excludo pelo povo, j que este no possui motivos para
comemorar e, portanto, no participa dos festejos com o governo. Observa-se tambm a
marcao temporal quatro anos, que pe em circulao sentidos no s de tempo
transcorrido, mas tambm de questionamento de quanto tempo dura uma revoluo. Os
quatro anos tambm podem remeter tanto a sentidos de vitria do governo, j que
conseguiu manter-se todo esse tempo no poder, quanto de pesar para a populao, j que
h quatro anos encontram-se excludos das decises polticas do pas.
CONSIDERAES FINAIS
Neste trabalho pudemos observar a importncia dos estudos bakhtinianos sobre o
silncio e o calar nos recortes analisados. Ao conhecermos a trajetria de trabalho de
Bakhtin e seu Crculo, notamos a influncia crucial do outro, como sujeito e como
possibilidade, na compreenso dos sentidos. Tendo por base a perspectiva do outro, os
estudos bakhtinianos apontam o calar como abertura para outras possibilidades de
sentidos, alertando-nos para a viso limitada que envolve a imposio de nossos
sentidos, restritos ao nosso contexto e a nossa vivncia, cegos a outros sentidos
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possveis. Com isso, ao calarmos a impostura de nossas interpretaes unvocas de
sentido e nos abrirmos s possibilidades da polissemia, vrios outros sentidos vo
(res)surgindo, tornando a leitura rica, porque dialgica.
ABSTRACT: This article discusses Mikhail Bakhtin's ideas about silence and
censorship in discourse, having as cut out the discourse about the Brazilian military
dictatorship in three covers of the ltima Hora newspaper published in 1966, 1967
and 1968, on the second, third and fourth birthdays of the military coup, respectively.
While the silence and the listening relate to the mechanical act, the silencing is related
to active listening, open polysemy and ambiguity. With this, we aim to observe the
importance of silence in the understanding of the senses and as a condition for the active
response of the subject.
Keywords: discourse, newspaper, military dictatorship
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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O SILNCIO E O CALAR SEGUNDO BAKHTIN