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Gaston Leval Mikhail Bakunin BAKUNIN~ FUNDADOR DO SINDICALlSMO .. REVOLUCIONÁRIO A DUPLA GREVE DE GENEBRA Tradução Plínio Augusto Coêlho

Bakunin Fundador Do Sindicalismo Revolucionario

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Gaston Leval Mikhail Bakunin

BAKUNIN~FUNDADOR DO SINDICALlSMO ..

REVOLUCIONÁRIO

A DUPLA GREVEDE GENEBRA

Tradução

Plínio Augusto Coêlho

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SUMÁRIO

Introdução 7

Bakunin, fundador

do sindicalismo revolucionário 19

Nota preliminar 19

Anarquistas e sindicalismo 21

Pré-sindicalismo 24

Tateios 26

Aporte de princípios 37

O fundador do sindicalismo 42

Tática de recrutamento 45

A educação pelos fatos 49

Valor das greves 54

A greve geral 57

A consciência operária 63

Cultura humanista das massas 67

Criação prática 74

O Congresso de Saínt-Imíer 78

Última recomendação 82

A Dupla Greve de Genebra 87

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INTRODUÇÃO

Alexandre Samis

No ocaso do setecentos, em apoio aos fatos, ouantes, para forjar o significado da imensa pira acesana França com a revolução de 1789, as camadas so-ciais, que das labaredas saltavam, buscaram definira idéia de liberdade. Para a burguesia, na Declaraçãodos Direitos do Homem e do Cidadão, daquele mesmoano, o laureado termo consistia em se "fazer tudo oque não prejudicasse o próximo". Evidentementeassociada ao binômio propriedade-Estado, a defini-ção embutia em seu texto a perspectiva de que a so-ciedade podia ser, de forma esquemática, o simplessomatório das partes. Algo como uma associação deentes privados, independentes em suas ambições pes-soais e unidos circunstancialmente por um vínculode interesses efêrneros que de perene só possuíama prevalência do projeto pessoal de cada um. Aindanesse mesmo período, uma outra concepção de liber-dade, a dos "montanheses", aliados dos sans-culottes,transcrita na Carta de 1793, dizia estar a liberdade

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associada diretamente à felicidade. Para estes "afimda sociedade era afelicidade de todos", salientandoa necessidade de uma mais profunda mudança naordem social vigente.

Em comum, tanto uma quanto a outra démar-che, postulavam a manutenção do recorte históricoque havia aprisionado em Estados as diversas etniaseuropéias. Diversamente, entretanto, os membrosda Convenção Nacional, então alcunhados de "mon-tanheses" pela posição que ocupavam no parla-mento, como ponto de partida para a alteração doquadro social, atribuíam a este a responsabilidadepela felicidade de cada um. A novidade vinha porconta da indissociável relação entre a constituiçãodas esferas pública e privada, além da evidente aten-ção que deveria ser dada à organização na futura so-ciedade que se buscava construir. Uma organizaçãocujo paradigma era agora coletivo, de classe, semocultar as contradições, e que deveria, pela condiçãode cidadão, atribuída indistintamente a todos, corri-gir as assimetrias associadas à velha ordem recém-destruída.

No século seguinte, a Revolução Francesa ser-viu de marco teórico para uma vasta diversidade deopiniões e de juízos formulados a respeito de levan-tes, insurreições e contendas políticas endêmicaspor toda a Europa e mesmo fora dela. Mikhail Baku-nin, nos anos de 1860, dizia da opção dos monta-nheses jacobinos, ao utilizarem indiscrimínada-mente a guilhotina, que esta tinha eliminado os arís-

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tocratas sem eliminar a aristocracia, e que era in-conciliável a convivência de um projeto real de liber-dade nos moldes políticos de uma ditadura. ParaBakunin a liberdade, questão central para os anar-quistas, possuía suas raízes complexas. Mas era asociedade, em ultima análise, que ensejava a reali-zação concreta de um tão primordial desejo humano.Segundo ele:

... cada indivíduo tem, ao nascer, em graus dife-rentes, não idéias e sentimentos inatos como pre-tendem os idealistas, mas a capacidade material eformal de sentir, de pensar, de falar e de querer. Sótraz consigo a faculdade de formar e desenvolveridéias e, como acabo de dizer, uma capacidade deatividade formal, sem nenhum conteúdo. Quemlhes dá o seu primeiro conteúdo? A sociedade.

Em comum com a proposição dos montanhesesapenas restava a preocupação com a sociedade,lócus privilegiado da realização de toda a utopia.Contra a mistificação, acrescentava:

E sendo assim, nós temos de rejeitar a possibi-lidade do que os meta físicos chamam as idéias es-pontâneas da vontade, o livre arbítrio e a respon-sabilidade moral do homem, no sentido teológico,metafísico e jurídico desta palavra".

Para tanto, Bakunin chama a liberdade a um es-paço concreto, definido coletivamente e possível ape-

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nas pela ação conjunta dos homens que, na sua plu-ralidade, concebem e transformam o meio atravésda própria sociedade. É por conta desta perspectivaque seu pensamento se nos apresenta como umconstante e instigante convite à imanência e à açãoancorada nas impressões humanas e nas suas ne-cessidades, muitas vezes tão complexas quanto sub-jetivas.

Dessa forma, e os textos de Gaston Leval e dopróprio Bakunin assim o atestam, muito do que escre-veu teve como principal objetivo interferir na formade organizar as ações dos homens no coletivo, na so-ciedade. O sindicalismo, com efeito, por ser o aspectomais visível da organização dos explorados, a des-peito de ter ele contemplado também os desclassifica-dos pela precariedade laboral, foi objeto de grandeinteresse seu. Principalmente no contexto do Con-gresso da Basiléia, em 1869, Bakunin, em contrastecom a corrente alemã que propunha uma orientaçãomais política - partidária - para a Associação Inter-nacional dos Trabalhadores (A.I.T.), defenderia aunidade econômica do proletariado. Desenhava-se aía sua posição em favor do que, em não muitos anos,iria constituir-se no sindicalismo revolucionário.

Os anos que sucederam a Comuna de Paris e mes-mo a morte de Bakunin, em 1876., apesar da pesadarepressão, não foram capazes de entregar ao esque-cimento a tradição sindical da AJ.T. Segundo o his-toriador Élie Halévy, as propostas de Bakunin espa-lharam-se pela Espanha, ainda mais após 1873. Pela

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fronteira espanhola, e pela Suíça, teriam chegado àFrança e crescido consideravelmente. Na Bélgica, ondena mesma época grande parte dos socialistas erabakuninista, influenciaram sobremaneira os auto-nomistas que se reuniram nos Congressos de Bru-xelas, em 1874; de Berna, em 1876; de Verviers, em1877 e no de Gand, no qual se tentou ainda umaaproximação sem sucesso com os "autoritários" [mar-xis tas]. Essa vertente do anarquismo se estenderiapara além de 1880 com características que poderiamclassificá-Ia como movimento de massas, e, no fimdo século XIX, com o advento do sindicalismo, retor-naria ainda sob a forma e os pressupostos defendi-dos por Bakunin.

Segundo Émile Pouget - ao estabelecer a ge-nealogia da greve geral, uma importante forma deluta adotada pelos sindicalistas revolucionários -,durante a Internacional, no Congresso de 1866, dis-cutia-se já o uso das greves parciais e da generaliza-ção desta prática. Em Bruxelas, dois anos depois,falava-se em uma "greve universal" e, no ano de1869, após o Congresso da Basiléia, o jornal belgaLmcemacionale. defendia a greve geral que deveriapreceder uma nova sociedade. Estas posições refle-tiam o crescimento de uma vertente de perspectivaeconômica que pretendia, pela greve geral, acabarcom a exploração capitalista. Entre os anos de 1870e 1871, entretanto, com o enfraquecimento da Inter-nacional, passou à vigência em seu interior umaorientação mais política para o movimento social.

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Apesar de tal realidade, na estrutura da Internacio-nal, que em alguns Congressos regionais, como o dasessão belga, em 1873, onde se encontravam mui-tos seguidores de Bakunin, era ainda possível dis-cutir a greve geral. A posição belga acabaria por serlevada ao Congresso Geral da Internacional, na-quele mesmo ano, em Genebra, que contou com aspresenças dos então anarquistas, adeptos da "pro-paganda pelo fato", Andrea Costa e Paul Brousse. Agreve geral ocuparia uma vez mais grande parte dosdebates, e sensibilizaria o conselho federal da Amé-rica do Norte. Apesar de ainda ter suscitado bas-tante interesse e, inclusive, ter sido considerada,neste Congresso, como equivalente à revolução so-cial, corolário da expropriação capitalista, as deci-sões do Congresso de Haia, em 1872, haviam de fatoaberto o caminho para o estabelecimento das teo-rias social-democratas, o que relegou ao olvido astáticas associadas à greve geral.

O ressurgimento da greve geral dar-se-ia, então,nos Estados Unidos, em função das necessidades deredução da jornada de trabalho e algumas outrasmelhorias parciais. Os socialistas, por se tratar deum movimento econômico, afastaram-se das agita-ções. Os anarquistas, em particular um grupo recém-formado em Chicago, inversamente, engajaram-sena luta. Foi nesse contexto, no 1Q de Maio de 1886,que os anarquistas se destacaram na luta pelas oitohoras, e ficaram ainda mais claramente identifica-dos com a greve geral.

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Em 1888 a greve geral retomava à discussãono Congresso Operário de Londres e, no mesmo ano,em Bordeaux, era defendida e adotada como formade luta. Foi com certeza o anarquista joseph jean-Marie Tortelier - que por esse tempo pregava portoda a França a idéia de greve geral - um dos maio-res responsáveis pela atualização e disseminaçãodeste método nos meios operários. Tortelier, em com-panhia de Louíse Michel e Charles Malato, diante deconcorrida assistência em uma das várias grevesacontecidas no ano em questão, defendeu entusias-ticamente a "greve universal" para a criação da "so-ciedade nova". Foram ainda os anarquistas Dele-salle e próprio Pouget que conseguiram, no Con$ressode Toulouse, em 1897, que fossem adotadas as táti-cas de boicote e sabotagem pela Confederação Geraldo Trabalho (C.G.T.).

Todos estes anarquistas de alguma forma bus-cavam resgatar a perspectiva de Bakunin. No casofrancês, o da C.G.T. - paradigma para o síndíca-lismo revolucíonárío em diversos países -, as tá-ticas do boicote, sabotagem e da greve geral, combi-nadas ainda a uma profunda desconfiança em rela-ção à política parlamentar, indicavam claramente apresença libertária na formulação dos postuladossindicais.

No Brasil, o Congresso Operário de 1906, con-fessadamente inspirado no modelo francês, adotavapostura muito semelhante àquela verificada na CGT.Sem a adesão clara ao anarquismo, como em muitas

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partes do mundo, os sindicalistas reunidos no Riode Janeiro comemoraram a criação da ConfederaçãoOperária Brasileira e saudaram "o operariado fran-cês". Para o português Neno Vasco, importante mili-tante anarquista à época morando no Brasil:

o Congresso não foi, decerto, uma vitória doanarquismo. Não o devia ser. A Internacional,desfeita por causa das lutas de partido no seu seio,deve ser memorável lição para todos. Se o Con-gresso tivesse tomado caráter libertário, teria feitoobra de partido, não de classe. O nosso fim não éconstituir duplicatas dos nossos grupos políticos.Mas se o Congresso não foi a vitória do anarquis-mo, foi, porém, indiretamente útil à difusão dasnossas idéias.

Neno Vasco resumia assim a proposta originalde Bakunindesde sua adesão à causa da A.IT.. Osindicalismo era um meio, não um fim. Os anarquis-tas, dessa forma, deveriam fazer a propaganda dacausa onde quer que se encontrassem os operários,espaços nos quais à sensibilidade deveria ser maior,no local onde a luta de classes auxiliasse na compre-ensão da real condição de explorado comum a todos.

Destarte, o conceito de sindicalismo revolucio-nário erigiu-se em conformidade com as práticasdos militantes libertários. Foi de fato na ação, e apartir das táticas consagradas pela experiência, queos contornos de uma doutrina sindical mais radicalforam sendo cinzelados e assumiram a forma, a

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expressão histórica, que tanto animou setores sig-nificativos da classe operária. A despeito de reinter-pretações da história deste período, ou da herrne-nêutica empertigada de determinadas capelinhasacadêmicas, foi mesmo a afluência anarquista que,nos campos teórico e prático, mais claramente cola-borou para queo sindicalismo revolucionário mere-cesse dos trabalhadores enorme atenção. Como seviu, e os textos aqui publicados poderão demonstrarcom exuberância de elementos, a força que logroucolocar anônimos operários na ribalta dos aconteci-mentos e, de forma organizada, na dianteira de di-versas manifestações por mais de três décadas nãose constituiu em poucos anos. Antes, foi fruto deintenso trabalho, refletido, vivenciado e urdido emintermináveis noites de vigília prenhes de ensina-mentos e estômagos vazios; experiências fundamen-tais nas quais Bakunin, figura presencial em umnúmero excepcional de motins e rebeliões, fez pormerecer o destaque que possui hoje na história dosmovimentos sociais e lutas dos trabalhadores.

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FUNDADOR DO SINDICALISMO

REVOLUCIONÁRIO

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Nota preliminar

o verdadeiro fundador do sindicalismo revolu-cionário foi Bakunin. Eis o que ignoram em dema-sia, ou que silenciam não sei por qual motivo, pois,nas construções teóricas e táticas quanto ao objeti-vo e às tarefas históricas do síndicalísmo, Bakunincontribuiu com um conjunto de pensamentos de umariqueza e de um dinamismo que não só não foramsuperados, como jamais foram igualados por qual-quer outro pensador. E podemos afirmar que o esta-do cadavérico no qual hoje se encontra o que foram,durante um curto período, um movimento e uma es-perança revolucionários, provém, em primeiro lugar,da ausência de uma doutrina assaz vasta para abar-car os grandes problemas colocados pela luta social,e assaz profunda para resistir aos assaltos das dou-

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trinas adversas bem como aos desvios reformistas epolíticos.

O estudo fragmentário a seguir apresenta a pro-va. Talvez, no momento em que alguns camaradasesforçam-se para construir uma força sindicalistalibertária, seria útil estudar Bakunin e inspirar-senos princípios e, inclusive, nos métodos de ação porele expostos. Isso porque, como em tantas outrascoisas, o que ele disse e escreveu conserva e conser-vará um caráter de perenidade.

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Anarquistas e sindicalismo

Em sua primeira e longa introdução à obra Re-flexões sobre a violência, datada de julho de 1907,Georges Sorel escrevia a propósito da adesão dosanarquistas à atividade sindical, após os danos doperíodo dito "heróico": "Os historiadores verão umdia, nessa entrada dos anarquistas nos sindicatos,um dos maiores acontecimentos que se produziramem nossa época; e, então, o nome de meu pobre ami-go Fernand Pelloutíer será conhecido como merecesê-lo." No mesmo livro, ainda lemos: 'Acusam os par-tidários da greve geral de ter tendências anarquis-tas; observam, com efeito, que os anarquistas entra-ram em grande número nos sindicatos desde há al-guns anos, e que eles trabalharam muito para desen-volver tendências favoráveis à greve geral."

Todavia, completamente ocupado em fazer, em-bora ele se defenda disso, uma apologia sistemáticada violência - não autoritariamente organizada, éverdade -, Sorel não vê nesses anarquistas senãoos introdutores da violência na luta operária. E, con-fundindo voluntariamente, a fim de justificar sua pre-tensão à originalidade de uma doutrina sindicalista,os estetas que se fizeram chamar anarquistas poresnobismo, com os sociólogos, ele enterrava estesúltimos sob as tolices dos primeiros.

Era-lhe necessário, portanto, prestar homena-gem a Fernand Pelloutíer: ora, este último, anarquistadesde 1894, secretário desde 1895 da Federação das

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Bolsas do Trabalho, das quais foi o incansável após-tolo, havia trazido ao movimento sindical outra coi-sa que o emprego a força. Outros também, dentre osquais Yvetot, Pouget, Delessale, Dumoulin, até mes-mo jouhaux, e centenas de militantes obscuros quepassaram pelo anarquismo, depois insuflaram aomovimento sindical frahcês um grande número deidéias fundamentais que se iria, em seguida, reunirem um corpo de doutrina denominado sindicalismo.Se, na seqüência, uma parte deles cessou de ser oque havia sido, a culpa não cabe às idéias, mas àlassidão de uns, à fraqueza ou ao arrivismo dos ou-tros.

De onde vinham essas idéias das quais o essen-cial pode ser resumido em alguns pontos: luta ope-rária independente de todo partido político, ação di-reta, reivindicações econômicas como elemento deatração e motor da luta proletária, eliminação do ca-pitalismo e do Estado - de todo Estado -, criaçãode uma sociedade sem classes pelas organizaçõesoperárias, internacionalismo e antímilitarísmo?

james Guillaume escrevia, em 1905, que a Con-federação Geral do Trabalho da França era a conti-nuação da Primeira Internacional. Todavia, na Pri-meira Internacional, só uma tendência, que se tor-nou majoritária, defendeu o conjunto dos princípiosque sempre constituirão o corpo de doutrina do sin-dicalismo revolucionário: aquela do socialismo-federalista-antiautoritário cujo criador, inspírador eanimador principal foi Bakunin.

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E o sindicalismo revolucionário de 1905 nadamais era que a ressurreição desse movimento do qualele tomava emprestado diretamente tudo o que po-dia lhe dar um valor real.

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Pré-síndícallsmo

Em 7 de fevereiro de 1865, Bakunin escrevia, deFlorença, uma carta a Karl Marx. O tom desta eracordial, até mesmo alegre. O autor desculpava-se pornão ter acusado mais cedo o recebimento de umexemplar da Mensagem inaugural da Associação In-ternacional dos Trabalhadores, e comunicava as inú-meras dificuldades que ele encontrava na Itália paracomeçar a obra de proselitismo e de agrupamentodas forças das quais fora encarregado. A situaçãonão era favorável. Mazzini e Garibaldi açambarcavamtoda a juventude progressista burguesa, em sua qua-se totalidade, e Bakunin, estrangeiro, privado de li-berdade de propaganda e ação para agir sobre apro-ximadamente seiscentos sindicatos que agrupavam,na região piemontesa, mais de um milhão de aderen-tes, declarava nada poder fazer, momentaneamente,ao menos.

E ele dizia a verdade. Todavia, além dessas ra-zões e o fato de que Florença não era uma cidadeindustrial, outras causas o impediam de fundar, en-tão, as primeiras seções internacionalistas. Ele pró-prio estava ocupado em organizar e desenvolver aFraternidade Internacional, sociedade secreta à qualÉlisée Reclus aderiu durante uma viagem à Sicília, ea orientar alguns elementos maçons em um sentidorevolucionário. Depois, ele não se sentia inclinado atrabalhar, mesmo à distância, com homens que, ha-via muito tempo, cumulavam-no de calúnias infames.

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Enfim, ele parecia não ter compreendido ainda as pos-sibilidades do movimento especificamente operáriona Europa.

O caráter inofensivo, mais conservador do quereformista das associações proletárias na Itália, tam-bém explica sua atitude. Os tempos ainda não eramfavoráveis. Se estivesse em Londres quando os tra-balhadores ingleses e franceses decidiram fundar aInternacional, ele teria, com os refugiados socialistas ecomunistas que lá se encontravam, agido no mesmosentido que Marx.

Temos disso uma prova evidente no Catecismorevolucionário, no qual, em parte alguma, são abor-dadas questões de associações pré-revolucíonáriasde trabalhadores, utilizadas como elementos de cons-trução do socialismo. Bakunin atribui muita impor-tância às cooperativas operárias - o que implica umaposição de classe - e, quando ele prevê as institui-ções da nova sociedade, enumera as comunas e suasfederações provinciais, regionais, nacionais e inter-nacionais, bem como as associações de produtores,mas é visível que essas associações serão para eleconstituídas após a revolução. Nenhuma referênciaàs "uniões de ofício", como se as chamavam, então,as organizações operárias.

Igualmente, no programa da Fraternidade Inter-nacional, que vem após o Catecismo e é uma síntesemais claramente antiautoritária, trata-se de reorga-nizar a sociedade de baixo para cima, mas nada deuniões operárias nascidas da luta de classe.

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Tateios

Foi em 1867 que, delegado da Fraternidade In-ternacional, ele foi a Genebra participar do Congressoda Liga da Paz e da Liberdade, para lá defender oprograma socialista antiautoritário. Estabelece, en-tão, contato com as seções da Internacional, e a elaadere ein julho de 1868, esforçando-se para levar con-sigo a seção genebresa da Liga. Ele fracassa, masconsegue que seja adotada pelo comitê central umaDeclaração de princípios, cujo segundo ponto reivin-dica "a autonomia dos indivíduos, das comunas edas províncias em seus interesses respectivos", e oterceiro declara

.que o sistema econômico atual deve ser radical-mente alterado se quisermos chegar a uma repar-tição eqüitativa das riquezas, do trabalho, do lazer,da instrução, condição essencial da liberação dasclasses operárias e da abolição do proletariado.

Ainda não se trata de organização separada des-se proletariado. No entanto, Bakunin não se limita aaderir à Internacional, naquele momento composta uni-camente de associações operárias. Obtém que o mes-mo comitê central da Liga, no seio do qual ele se es-forçará durante um ano para fazer triunfar seus pon-tos de vista, envie uma representação ao Congressoque a Internacional realiza em Bruxelas. O Congressorejeita a delegação. Isso não impede Bakunin de es-crever a Karl Vogt:

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É um grande, é o maior acontecimento de nos-sos dias; e, se somos sinceros democratas, deve-mos não apenas desejar que a Liga internacionaldos operários acabe por abarcar todas as associa-ções operárias da Europa e da América, mas de-vemos nela cooperar, por todos os nossos esfor-ços, porque só ela constitui, hoje, a verdadeirapotência revolucionária que deve mudar a face domundo.

De uma só vez, a posição definitiva é adotada, ocaminho traçado. Ele trará toda a sua força de pensa-mento e ação à organização específica dos trabalha-dores.

Todavia, quais são os princípios, qual é a dou-trina dessa associação definitivamente constituídano Congresso de Genebra de 3 de setembro de 1866?Encontramos no Preâmbulo dos estatutos as duasalíneas seguintes:

Que a sujeição do trabalhador ao capital é afonte de toda servidão: política, moral e material;que, por esta razão, a emancipação econômica dostrabalhadores é o grande objetivo ao qual deveestar subordinado todo o movimento político,

mas, de fato, esses princípios, em que o problema doEstado é deixado na obscuridade, e o problema polí-tico apresentado de modo vago, são formulados poruma minoria de militantes reunidos num Congresso,influenciados pelo Conselho Geral de Londres que

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Marx e Engels inspiram e dirigem. E isso é insu-ficiente.

Em todas essas seções primitivas - escreve[ames Guillaume em relação à Suíça - a con-cepção da Internacional ainda estava mal defini-da. A palavra de ordem fora lançada em todas asdireções: "Operários de todos os países, associai-vos!", e eles associaram-se, reunindo todos os ope-rários indistintamente em uma única e mesmaseção. Assim, os elementos mais heterogêneos,em sua maioria muito pouco sérios, acotovela-vam-se nas reuniões da Internacional, e a influên-cia acompanhava aqueles que sabiam bordar asmais belas frases relativas a este tema de um vagoe complacente: "Deus, pátria, humanidade, frater-nídade.'

Na Suíça, como órgão de imprensa, a Internacio-nal só contava com um hebdomadário, intitulado Lavoix de l'avenir, editado pelo doutor Coullery, um de-mocrata, primeiro fundador e animador das seçõesde Genebra. Este jornal não tinha "outro programasenão uma espécie de neocristianismo humanitário".Ele encontrou inúmeros leitores não apenas na re-gião românica, mas na França.

As idéias não penetraram tão rápido quanto seo queria nos cérebros, e o Congresso da Internacio-nal quase não teve eco. Ainda não havia espírito so-

1.lltntemationale, documents et souvenirs.

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cialista proletário; [ames Guillaume é testemunhadisso:

As discussões foram quase inteiramente diri-gidas pelos mutualistas parisienses, Tolain, André,Murat, Fribourg, e, fora da adoção dos estatutos,o Congresso não tomou qualquer decisão de realimportância. Por sinal, já o dissemos, naquelemomento, nesse período embrionário em que aInternacional buscava-se a si mesma, nenhumadas seções de nossa região tinha ainda consciên-cia do alcance real do ato que elas haviam reali-zado ao criar a Associação Internacional dos Tra-balhadores; não se concebia outra solução aosproblemas econômicos senão a cooperação e asreformas legislativas, e o programa de La VorX del'avenir exprimia assaz fielmente as tendênciasgerais dos operários suíços.

Essa imprecisão, que permitia a radicais burgue-ses manifestarem sua simpatia pela Internacional,ainda persistia, quando, um ano mais tarde, ocor-reu o Congresso de Lausanne, no qual foi votadapor unanimidade uma resolução afirmando que "aemancipação social dos trabalhadores é inseparávelde sua emancipação política; o estabelecimento dasliberdades políticas é uma primeira medida de abso-luta necessidade". Entre os signatários da proposi-ção encontravam-se o próprio james Guillaume eCharles Perron, sendo que ambos iriam se tornar osprincipais propagandistas suíços do socialismo anar-quista.

".

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A situação estava também confusa no plano in-ternacional. Ela estava, sobretudo, dominada pelospartidários das reformas políticas, da tática legís-lativa e parlamentar. Vimos que os mutualistas fran-ceses haviam dominado o Congresso de Genebra. Ora,embora proudhonianos, esses homens haviam deci-dido, desde oManifesto dos sessenta, ir à conquistado Poder e preconizavam, antes dos socialistas mar-xistas, uma política operária claramente reformista.Com os blanquistas, eles exerciam uma influência

. preponderante sobre o movimento operário francês.Por outro lado, Marx e os marxistas projetavam aconquista do Poder político sem ter precisado aindamuito bem os meios no plano internacional; mas aresolução adotada pelo Congresso de Lausanne, em1867, e a tática parlamentar recomendada por Lieb-knecht e Bebel, na Alemanha, provavam bastantebem sua intenção de dirigir o conjunto do movimentooperário sobre a mesma via. A resolução definitivado Congresso de Haia logo o confirmará.

A subordinação de todo o movimento político àemancipação econômica dos trabalhadores não im-pede de modo algum sua existência, e implica, mal-grado a interpretação negativa que Bakunin e seusamigos farão mais tarde desse parágrafo, que os tra-balhadores terão de - ou devem - desenvolver umaatividade política.

Tal era a situação da Internacional quando Ba-kunin a ela aderiu em julho de 1868. Mas ele aindaera membro da Liga da Paz e da Liberdade, e de seu

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comitê central, no qual se esforçava para fazer triun-far o princípio do socialismo revolucionário. Derro-tado pela maioria liberal no congresso que essa orga-nização realizou em Berna, em setembro de 1868,Bakunin propôs a seus amigos que ingressassem embloco na Internacional.

Uma trintena de delegados acompanham-no efundam de imediato a Aliança Internacional da De-mocracia Socialista. Embora mais breve, o programada nova organização é mais amplo, mais humano,mais completo que o preâmbulo dos estatutos daAssociação Internacional. Este último limitava-se aapontar o problema das Classes, a falar da emancipa-ção dos trabalhadores pelos próprios trabalhadores,a recomendar a estes para se unirem nacional e inter-nacionalmente. O programa da Aliança reivindica:

lQ) a abolição dos cultos; 2Q) a igualdade po-lítica, econômica e social para os indivíduos dosdois sexos; 3Q) o direito para todas as crianças àinstrução e à educação as mais amplas possíveisem todos os campos da cultura e do trabalho; ~)a recusa de "toda ação política que não tenha porobjetivo imediato e direto o triunfo d~ causa dostrabalhadores contra o capital"; 5Q) declara que"os Estados políticos e autoritários atualmenteexistentes deverão desaparecer na união univer-sal das livres associações, tanto agrícolas quantoindustriais"; 6Q)que "a questão social, não po-dendo encontrar sua solução definitiva e real se-não na base da solidariedade internacional dos

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trabalhadores de todos os países, aAliança rejeitatoda política fundada no, por assim dizer, patrio-tismo e na rivalidade das nações"; 7Q) quer "aassociação universal de todas as associações lo-cais pela liberdade."

Essa diferença de conteúdo pode explicar-se devárias maneiras, todas se completando: a) o Preâm-bulo dos estatutos da primeira Internacional fora es-crito para os trabalhadores manuais, e não deveriaabordar muitos problemas para ser compreendido,enquanto o Programa da Aliança fora escrito paraindivíduos selecionados, tendo uma cultura social,uma ampla visão da vida e da sociedade; b) o espíritomarxista só via os problemas, antes de tudo e sobre-tudo, sob o ângulo econômico, todos os outros pare-cendo-lhe, segundo a doutrina, subordinados (porexemplo, a emancipação da mulher não devia ser oresultado de um direito moral, mas da evolução dasformas de produção, única maneira "científica" deapresentar o problema); o espírito bakuninista, hu-manista antes de tudo, abarcava o ponto de vistaeconômico, mas igualmente ético e humano; c) sen-tindo o perigo da imprecisão, a Aliança preferia serexplícita quanto à sua posição negativa e completá-Iaressaltando seus meios de reconstrução social (uniãouniversal das livres associações tanto agrícolas quantoindustriais etc.)

A diferença de objetivos, meios e conteúdo hu-mano das duas organizações explica aquela dos pro-

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gramas. Todavia, a diferença doutrinária e psicoló-gica também o explica. E, provavelmente, a maturi-dade de pensamento socialista, no sentido integralda palavra, é muito maior entre os aliancistas do queentre os marxistas.

É com esse conteúdo doutrinário e ideológico,com essa amplitude de pontos de vista que os ami-gos de Bakunin acompanham-no na Internacional.No início, a maioria deles quer aderir individualmente,fazendo da Aliança uma outra organização revolucio-nária, agindo abertamente, propagando e organizan-do a revolução social por uma atividade autônoma.Bakunin opõe-se a isso para evitar uma rivalidadecom a Asociação Internacional dos Trabalhadores, ea Aliança adere à Internacional impondo a cada umde seus membros a aceitação do programa redigidopelo Conselho Geral de Londres.

O artigo 7 do Regulamento da seção genebresa,redigido por Bakunin, como o Programa da Aliança~diz textualmente:

A forte organização da Associação Internacio-nal dos Trabalhadores, una e indivisível atravésde todas as fronteiras dos Estados e sem qual-quer diferença de nacionalidade, bem como semconsideração por qualquer patriotismo, pelos in-teresses e pela política dos Estados, é a garantiamais certa e o único meio para fazer triunfar soli-dariamente em todos os países a causa do traba-lho e dos trabalhadores.

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Convictos dessa verdade, todos os membrosda seção da Aliança engajam-se solenemente acontribuir com todos os seus esforços ao cresci-mento da potência e da solidariedade dessa orga-nização. Em conseqüência disso, eles se engajama apoiar em todos os corpos de ofício dos quaisfazem parte e nos quais exercem uma influênciaqualquer, as resoluções de Congresso e o poderdo Conselho Geral de início, tanto quanto o doConselho Federal da Suíça românica e do comitêde Genebra, enquanto poder estabelecido, deter-minado e legitimado pelos estatutos.

o que se denominará, mais tarde, doutrina sindi-calista, já é esboçada, tanto no Programa da Aliançaquanto em seu Regulamento, e devemos ter em menteque são Bakunin e seus amigos que, na segunda alí-nea de seu Programa, estabelecem como princípio que

conformemente à decisão tomada pelo últimoCongresso dos operários em Bruxelas, a terra, osinstrumentos de trabalho, assim como qualqueroutro capital, tornando-se a propriedade coletivada sociedade por inteiro, não podem ser utiliza-dos senão pelos trabalhadores, quer dizer, pelasassociações agrícolas e industriais.

o próprio Congresso que a Internacional reali-zou em Bruxelas contentou-se em declarar que

é só pelas associações cooperativas e pelo cré-dito mutual que o trabalhador pode chegar à pos-se das máquinas.

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Enquanto a Aliança atribui às associações operá-rias a organização socialista da produção, a expro-priação, violenta ou não violenta, do capital econô-mico e financeiro, essas mesmas associações aindanão ousam encarregar-se dessa dupla tarefa. E, en-tre os operários suíços, nada indica uma tomada deposição operária independente da atividade políticae determinada por uma consciência socialista. Os tra-balhadores não encontraram seu próprio caminho.james Guillaume ainda é partidário da política mu-nicipal e, em 13 de dezembro de 1868, fala no Locle,em assembléia eleitoral, em favor do referendo e dalegislação direta. O "Pai Meuron", bela e nobre figuraque não tardará a evoluir para a esquerda do socia-lismo, acompanha-o e funda com ele um jornal, LeProgrês, que tem por objetivo defender essa atividadepolítica muito avançada para a época. O novo jornalera o órgão dos democratas do Locle,

dos democratas e não dos socialistas, visto queuma parte dos radicais havia feito causa comumconosco, e que o programa que havíamos apre-sentado no terreno municipal era simplesmenteaquele de uma extensão dos direitos do povo,

escreve james Guillaume.êEssas duas atitudes são tomadas simultanea-

mente, e é a intervenção de Bakunin que, no seio da

2. Elntemationale, documents et souvenirs.

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Internacional, vai fomentar a luta de classes, a au-dácia operária, e preparar os trabalhadores, mentale organicamente, para realizar, por eles próprios, em-bora com o concurso dos elementos revolucionárioscultos e sinceros emanados da burguesia, sua eman-cipação social. É desse momento e dessa atividadeque nasce igualmente o movimento socialista antí-autoritário que brilhará sobre a Europa, e Kropotkinpoderá escrever na obra Em torno de uma vida queBakunin havia

ajudado os camaradas do Jura a pôr ordem emsuas idéias e a formular suas aspirações, inspí-rar-lhes seu entusiasmo revolucionário ardente,irresistível.

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Aporte de princípios

Em 25 de outubro, sempre no mesmo ano, é ce-lebrada em Neufchâtel uma conferência que decidefundar a Federação românica, seção regional da In-ternacional, da qual Bakunin redige os estatutos, e,em 19 de dezembro, no dia seguinte ao surgimentode Le Progrés, no qual james Guillaume defende oprograma político que vimos, aparece o número espé-cimen de EÉgalité, órgão dessa federação.

Ele publica as respostas aos pedidos de colabo-ração que Bakunin, james Guillaume, [ules Gay,Benoit Malon, Eugene Varlin, Élisée Reclus, Hermannjung, Georges Eccarius, [ean-Phllippe Becker, CarloGambuzzi, Alberto Tucci e César De Paepe enviaram.Karl Marx recusou-se "por razões de saúde".

De todos esses colaboradores de qualidade, ametade, ao menos, - Bakunín, Benoit Malon, ÉliséeReclus, Becker, Gambuzzi, Tucci - é constituída pormembros da Aliança. [ames Guillaume não tardariaa ser um dos melhores defensores das idéias bakuni-nianas, e o diretor do jornal, Charles Perron, quehavia evoluído mais rápido que Guillaume, aderiu àAliança de tal maneira que será, às vezes, difícil dis-tinguir se tal artigo editorial não assinado é dele oude seu camarada russo.

É naturalmente o diretor que imprime no jornalsua orientação, pois os colaboradores distantes en-viam pouquíssimos artigos, e não há in loquo mar-xistas notórios, Bakunin está lá, também. O primeirO

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de seus escritos, Carta à comissão dojornal, resumede maneira definitiva não apenas seu pensamento,mas os objetivos essenciais da Internacional, quetrinta ou quarenta anos mais tarde teóricos aparente-mente originais apresentarão, particularmente naFrança, sob o nome de sindicalismo:

Considero essa Associação como a maior e amais salutar instituição de nosso século, chama-da a constituir em breve a maior força da Europae a regenerar a ordem social [...]

É preciso que todos os trabalhadores oprimi-dos e explorados no mundo, dando-se as mãosatravés das fronteiras dos Estados políticos e, atémesmo, destruindo essas fronteiras, unam-se paraa obra comum em um único pensamento de justi-ça e pela solidariedade dos interesses. Todos porum e um por todos. É preciso que o mundo divi-da-se uma última vez em dois campos, em doispartidos diferentes: de um lado, o trabalho emcondições iguais para todos, a liberdade de cadaum na igualdade de todos, a humanidade triun- .fante - a Revolução; do outro, o privilégio, omonopólio, a dominação, a opressão e a eternaexploração.

Essa posição - luta de classes - supera aindao conteúdo do preâmbulo dos estatutos da Interna-cional pelo fato de que atribui abertamente a esta atarefa de criar o novo mundo. Ela também não selimita a pedir "a união fraternal dos operários dediversos países" (Preâmbulo), o que logo permitirá a

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Marx e a seus amigos e continuadores de sustentarque o internacionalismo não implica o desapareci-mento das nações politicamente organizadas, do es-pírito nacional e das fronteiras: ela quer a destrui-ção dessas fronteiras e a unidade dos trabalhadorescomo vasto conjunto humano. Enfim, superando oespírito seco e estreito da luta de classses, Bakuninatribui-lhe amplos objetivos sem os quais ela nãopode elevar-se à altura da humanidade. A Internacio-nal vai, diz ele, substituir

a antiga injustiça pelo reinado de uma liberdadeque, não excluindo quem quer que seja de seusdireitos, tornar-se-á real e benfazeja para todo omundo, porque ela será fundada sobre a igualda-de e a solidariedade real de todos: no trabalho ena repartição dos frutos do trabalho; na educa-ção, na instrução, em tudo o que se chama de-senvolvimento corporal, intelectual e moral dohomem, tanto quanto em todas essas nobres ehumanas fruições da vida que não foram até aquireservadas senão, exclusivamente, às classes pri-vilegiadas.

Pode-se dizer que, em parte, apenas em parte,Bakunin desenvolvia as idéias de Proudhon, masProudhon, bem amiúde contraditório e desorientadopela esterilidade de seus esforços para realizar a re-volução, construindo, no seio da sociedade capita-lista, uma sociedade socialista, ou para obter a gra-tuidade do crédito pela via libertá ria ou pela via le-

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gal, havia renunciado a continuar a luta sobre a basedesses princípios; e seus discípulos, muito pouco nu-merosos, visto que nem sequer podiam publicar naFrança um jornal defendendo suas idéias, haviamevoluído para a tática parlamentar. De resto, nos pri-meiros congressos da Internacional, eles tinham de-fendido unilateralmente a concepção primeira de seumestre, isto é, a posse, ou propriedade individual dosmeios de produção. Conquanto se tratasse só de posse,termo assaz impreciso, isso não se encaixava comas organizações forçosamente coletivas dos traba-lhadores. Como estas teriam podido aplicar um pro-grama em plena contradição com o desenvolvimentoda economia e sua própria estrutura?

Por sua vez, Bakunin defende o princípio socia-lista antiautoritário da organização da sociedade porela mesma, sem intervenção política ou governamen-tal. Isso faz parte de todo o seu sistema filosófico, desua visão, de sua interpretação da vida universal,de seu princípio das leis inerentes oposto àquele dasleis autoritárias. Mas quando é preciso refletir estri-tamente, especializar-se em relação ao problema es-pecífico da obra e da tática, dos métodos de recruta-mento e de ação das organizações operárias queconstituem a Internacional, ele o faz com novas re-flexões que reencontraremos não apenas entre osmilitantes, mas entre os teóricos, pequenos ou gran-des, do síndícalísmo. Griffuelhes ou Sorel, Lagardelleou Delesalle, Leone, Labriola ou Sergio Pannunzio,Anselmo Lorenzo ou José Prat, na França, na Itália,

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na Espanha. Os italianos ínspírar-se-ão em Marx,em sua interpretação economista do mecanismo detoda a vida humana. Os espanhóis, em seu períodosindicalizante - pois eles são anarquistas -, farãobakuninismo integral sem sabê-lo, acrescentando aosindicalismo francês, no qual parecem inspirar-se, oespírito mais amplo de suas próprias idéias. Os fran-ceses tenderão, com seus teóricos, a criar uma esco-la doutrinária ("o sindicalismo basta-se a si mesmo")retirando também de uns e dos outros o que há paraeles e para os trabalhadores de mais acessível. Toda-via, observemos que haverá a escola sindicalista liber-tária de Pelloutier, Yvetot, Pouget, e a escola doutri-nária com teóricos neo-marxístas.

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o fundador do sindicalismo

Excetuando o neo-marxismo, que, de fato, nãoexerceu qualquer influência sobre o movimento ope-rário - Sorel não teve meia dúzia de leitores entreos militantes da C.G.T.,enquanto Kropotkin teve mi-lhares -, todo esse sindicalismo deriva de Bakunine foi extraído das séries de artigos de EÉgafité e deLe Progrês que, alguns meses após sua aparição, tor-nava-se um dos principais propagadores da doutrinabakuniniana; também extraído de La Protestationde l'Aliance que, esta, por si só, diz tanto quantodisse Sorel em toda a sua obra, nas Três corferênciasftitas aos operários do Valede saint-tmier e na reso-lução de pensamento ou de estilo bakuniniana, doCongresso de Saint-Imier.

Esses escritos, cujo conjunto é copioso e nos quaisencontramos, segundo o hábito de Bakunin, disser-tações relativas a assuntos conexos, foram reprodu-zidos em Mémoirede Ia Fédération jurassienne que,antes de 1914, encontrávamos reunido, em um es-pesso volume, em numerosas bibliotecas sindicaisda C.G.T.francesa. Foi esse Mémoire que o autor des-tas linhas leu em 1913, que em 24 de janeiro de 1908,Hubert Lagardelle citava em sua conferência sobre Ba-kunin, com os três primeiros volumes de Elnterna-cional, documents et souvenirs, de [ames Guillaume,dos quais ele havia consultado o terceiro em estadode manuscrito, e nos quais se encontram tantos ma-teriais relativos a Bakunin, tantos fragmentos de

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seus escritos, especialmente quanto à questão ope-rária e sindical.

Fernand Pelloutier, que não tinha a pretensãode criar uma doutrina sindicalista, invoca, em suaHistoiredes Bourses du Travail,o "papel tão eloqüen-temente definido por Bakunin, falando da sociedadefederalista de amanhã", declara que "os sindicatosoperários realizam o princípio federativo tal como oformularam Proudhon e Bakunin", cita este em suaLettre aux anarchistes.

Em 1909, Amédée Dunois escreve em uma bro-chura sobre Bakunin essas linhas tanto mais extraor-dinárias porque a totalidade da obra de Bakunin aindanão fora publicada, e porque ele parece ignorar, inclu-sive, oMémoire de Ia Fédérationjurassienne (ao me-nos ele não o cita) - mas não as brochuras Les En-dormeurs e Politique de I'lnternationale , publicadasvárias vezes, nem a obra de Guillaume, nem aquela,já citada, de Max Nettlau, Ljfe of Bakunin. AmédéeDunois, dizíamos, escrevia:

Após trinta anos de incertezas e esforços, algu-mas vezes perdidos, parece que a classe operáriadecide-se a dar às idéias inspiradas por Bakuninnos últimos anos de sua vida, uma espetaculardemonstração.

Oque é o sindicalismo revolucionário com seumétodo de ação direta e seu desprezo pelo parla-mentarismo burguês senão um retorno ao espí-rito e aos princípios da Internacional, e particular-mente dessa Federação jurassiana que Bakunin

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havia tão profundamente impregnado de si mes-mo, e que manteve tão elevada e tão firme, nosanos que se seguiram à vitória alemã, a bandeirado socialismo operário?

Bakunin é um dos precursores do movimentoatual. Seu nome não poderia ser esquecido pelanova geração militante."

Quanto a nós, dizemos que ele foi mais que umprecursor: ele foi seu criador, nos campos teórico eprático, e que, sem ele, muito provavelmente, jamaisteria havido sindicalismo no sentido revolucionário .. Pelo menos, os pensamentos que ele emitiu são osque presidiram à constituição e à orientação dessemovimento. E sem pensamento, sem doutrina, a ati-vidade conduz aos cimos do mesmo modo que con-duz aos abismos. Quando ele teve a pretensão dedesprezar as fontes primeiras e os princípios teóri-cos - que ele não havia fundado - sob pretexto debastar-se a si mesmo, o sindicalismo perdeu sua almae morreu disso. Ele não pôde encontrar um Bakuninou um Proudhon para recriar, mesmo sob novas for-mas, o que, em um certo momento, constituiu essaalma.

3. Portraits d'hier; Miche! Bakounine .

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Tática de recrutamento

Em sua exposição da tática da Internacional,Bakunin parte das questões mais simples. A estraté-gia inteira de recrutamento e de educação social dostrabalhadores está contida em sua brochura La ron-tique de l'Intemationale da qual se inspiraram visi-velmente os autores da Carta de Amiens.

Pensamos que os fundadores da Internacionalagiram com uma enorme sabedoria ao eliminar ini-cialmente do programa dessa associação todas asquestões políticas ou religiosas. Sem dúvida nãolhes faltaram nem opiniões políticas, nem opiniõesantí-religiosas bem marcadas, mas eles abstive-ram-se de emiti-Ias nesse programa. Isso porqueseu objetivo principal era antes de tudo unir asmassas operárias do mundo civilizado em umaação comum. Eles tiveram necessariamente de pro-curar uma base comum, uma série de princípiossimples, sobre os quais todos os operários, quais-quer que sejam de início suas aberrações políti-cas e religiosas, por pouco que sejam operáriossérios, quer dizer, homens duramente exploradose sofredores, estão e devem estar de acordo.'

Novamente Bakunin vai mais longe do que aquiloque ele denomina Programa da Internacional. Estábem estipulado, nos estatutos desta última, que a con-duta de todos os aderentes "será embasada na Ver-

4. La Politique de t'rntemationate.

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dade, tiz fustiça, na Moral sem distinção de cor nemde nacionalidade", mas não há alusão às "questõespolíticas", o que, acreditamos, deixa ainda mais a portaaberta a uma política futura. Bakunin amplia a basedo recrutamento constitutivo das associações operá-rias.

Com esse conhecimento profundo dos homense sua capacidade de substituir-se a eles, que lhe per-mitiam de se fazer compreender sem esforço pelo ope-rário suíço ou pelo camponês iletrado da Itália, elemostra o perigo e o erro de exigir ainda mais daque-les de quem se solicita a adesão:

Se eles tivessem arvorado a bandeira de umsistema político ou anti-religioso, longe de uniros operários da Europa, eles os teriam divididoainda mais; porque, com a ajuda da ignorância,a propaganda interessada e no mais elevado graucorruptora dos padres, dos governos e de todosos partidos políticos, sem excetuar os mais ver-melhos, disseminou uma multidão de idéias fal-sas nas massas operárias, e porque essas mas-sas cegadas apaixonam-se infelizmente ainda de-masiado amiúde por mentiras que não têm outroobjetivo senão lhes fazer servir, voluntária e es-tupidamente, em detrimento de seus próprios in-teresses, aqueles das classes privilegiadas."

Essa neutralidade no recrutamento preconizadopor Bakunin é, pois, idêntico àquela que preconizará

5. La Politique de l'Intemationale .

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a Carta de Amiens, pedra angular (e um pouco limi-tada) do sindicalismo francês. Bakunin diz em 1869:

A Internacional, ao aceitar em seu seio umnovo membro, não lhe pergunta se ele é religiosoou ateu, se ele pertence a tal ou qual partido po-lítico ou se não pertence a nenhum.

A Carta de Amiens, da qual a metade dos reda-tores tinha sido ou era anarquista, dirá em 1906:

A c.G.T. agrupa, fora de toda escola política,todos os trabalhadores conscientes da luta a serconduzida para o desaparecimento do salariadoe do patronato.

Ela ainda declara que

todos os trabalhadores, quaisquer que sejam suasopiniões ou suas tendências políticas ou filosófi-cas

têm o dever

de pertencer ao agrupamento essencial que é osindicato.

Nela se encontram inclusive contradições, comopor exemplo uma grave que é afirmar em um textotão curto que aceita os aderentes sem distinção deopiniões, de tendências políticas ou filosóficas, para"o desaparecimento do salariado e do patronato", isto

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implicando concepções, convicções que não podemter os trabalhadores que seguem o partido radicalou o partido clerical, sobretudo em 1906.

Conquanto os objetivos de Bakunin sejam igual-mente revolucionários, há mais coerência e penetra-ção psicológica em seu modo de apresentar os proble-mas. Ele não se ilude quanto à realidade ou a algunsde seus aspectos. É necessário fazer a revolução comas massas, não por meio unicamente das seções cen-trais da Internacional que se tomariam todas acade-mias. Todavia, para tocar as. massas, não é à propa-ganda dos princípios - mesmo concretos - materia-listas e socialistas que se deve inicialmente recorrer:

Só os indivíduos, e somente um muito peque-no número de indivíduos, deixam-se determinarpela "idéia" abstrata e pura. Os milhões, as mas-sas, não apenas no proletariado, mas igualmenteem todas as classes esclareci das e privilegiadas,nunca se deixam levar senão pela potência e pelalógica dos "fatos", não compreendendo e não con-siderando, na maior parte do tempo, senão seusinteresses imediatos, ou suas paixões do momento,sempre mais ou menos cegas. Assim, para inte-ressar e para envolver o proletariado na obra daInternacional, seria preciso, é preciso aproximar-se dele não com idéias gerais e abstratas, mas coma compreensão real e viva de seus males reais."

6. Ptotestation de l'Alliance .

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A educação pelos fatos

Ora, mesmo esses males reais, dos quais o pen-sador e o observador compreendem as causas ge-rais e discernem o conjunto, só aparecem ao operáriona esfera limitada de sua própria existência, de seutrabalho. Quase sempre ele nada vê além. Cada umsó compreende a causa de seu mal, mas não conhece,não pode conceber nem todos os males, nem a causageral de todos esses males:

Para tocar o coração e para conquistar a con-fiança, o assentimento, a adesão, o concurso doproletariado, não instruído - e a imensa maio-ria do proletariado ainda está infelizmente nessacondição -, deve-se começar por lhe falar nãodos males gerais do proletariado internacional porinteiro, nem das causas gerais que lhes dão ori-gem, mas de seus males particulares, cotidianos,totalmente privados. É preciso falar-lhe de seupróprio ofício e das condições de seu trabalho,precisamente na localidade em que reside; da du-reza da demasiado grande duração de seu traba-lho cotidiano, da insuficiência de seu salário, damaldade de seu patrão, da carestia dos víveres eda impossibilidade que há para ele de alimentare educar convenientemente sua família.'

Não se pode ser mais terra a terra, nem mais lin-guagem sindicalista. É sobre essa base do aumento

7. Protestation de l'Alliance.

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dos salários, da diminuição da jornada de trabalho,da carestia dos víveres que se fez, que ainda se faz apropaganda clássica. A Carta de Amiens diz em rela-ção a isso:

Na obra reivindicativa cotidiana, o sindica-lismo busca a coordenação dos esforços operá-rios, o aumento do bem-estar dos trabalhadorespara a realização de melhorias imediatas, taiscomo a diminuição das horas de trabalho, o au-mento dos salários etc.

É o mesmo tipo de propaganda que os doutriná-rios do sindicalismo recomendam, raciocinando dou-tamente em relação à sua eficácia prática, e despre-zando, sob pretexto de teorias metafísicas, o que nãoteve a etiqueta de sua escola. Vê-se que eles nada in-ventaram. Sempre refletindo melhor do que eles, Ba-kunin continua:

Um operário não precisa de nenhuma grandepreparação intelectual para se tornar membro daseção corporativa que representa seu ofício. Elejá é membro antes de sabê-lo, naturalmente."

Para Bakunin, ele é membro "em potência", comosempre, para ele, todos os explorados são socialistasem potência. No terreno da prática, se ele sabe ou sese consegue fazer-lhe compreender que o patrão é

8. Protestation de l'Alliance.

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seu inimigo, o assalariado sentír-se-á de início soli-dário com seus camaradas de oficina aos quais

ele deve ser fiel em todas as lutas que surgem naoficina contra o patrão.

E o processo desenvolve-se naturalmente. Apósa união com seus camaradas, o operário deve compre-ender sem dificuldades a necessidade de uma uniãolocal dos operários de um mesmo ofício. Então,

a menos que ele seja excessivamente tolo, a expe-riência cotidiana deve logo lhe ensinar, ele se tor-na um membro devotado de sua seção corpora-tiva.

Em seguida, a prática da luta em que se reivin-dica

seja um aumento do salário, seja uma diminui-ção das horas de trabalho [conduz a que, paraimpedir que os trabalhadores de outras localida-des, de outras províncias, venham, chamados pe-los patrões, sabotar as greves, criem-se federaçõesnacionais e provinciais de uniões de ofícios. Ecomo os patrões podem chamar os fura-grevesdo estrangeiro, todos esses fatos, repetindo-se]demasiado freqüente para que eles possam esca-par da observação dos trabalhadores mais sim-ples, [fazem com que] se constitua a organizaçãonão local, nem mesmo apenas nacional, mas real-mente internacional do mesmo corpo de ofício.

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Bakunin vai agora se servir dos dados da ciên-cia econômica para mostrar que osfatos levam à asso-ciação e à solidariedade internacional dos trabalha-dores de todos os ofícios. No estado geral das técni-cas à época, se os operários de certas indústrias ga-nham mais que outras, os capitalistas dessas mes-mas indústrias também ganharão menos. Eles des-locarão, então, seus capitais para as indústrias nasquais os operários são menos bem remunerados, afim de obter maiores lucros, e os operários, até essemomento mais bem remunerados, serão forçados aganhar menos e trabalhar mais sob pena de desapa-recerem.

Daí resulta que as condições de trabalho nãopodem piorar nem melhorar em qualquer indús-tria sem que os trabalhadores de todas as indús-trias sejam concernidos, e que todos os corpos deofícios, em todos os países do mundo, sejam indis-soluvelmente solidários.

o conjunto desses fatos provoca com o interna-cionalismo ativo e organizado, o nascimento e o de-senvolvimento da "simpatia mútua, profunda e apai-xonada" dos trabalhadores que compreendem queseus inimigos não são apenas os patrões que os ex-ploram diretamente, mas todos os patrões, qualquerque seja sua indústria, o que reforça sua solidarie-dade e os faz nascer para a idéia e para o sentimentodo mundo do trabalho oposto ao do capital. A partirdo momento em que um operário chegou a essa cons-

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ciência das coisas, ele se torna solidário de todos osoperários, "sem diferença de indústrias nem de paí-ses".

Eis, pois, a base da Associação Internacionaldos Trabalhadores bem encontrada. Ela nos foidada não por uma teoria emanada da cabeça deum ou de vários pensadores profundos, mas pelodesenvolvimento real dos fatos econômicos, pe-las provações tão duras que esses fatos fazem asmassas operárias sofrerem, e pelas reflexões, pe-los pensamentos que eles fazem naturalmentesurgir em seu seio."

Bakunin escrevia essas linhas polemizando comMarx, e, de uma certa forma, ele empregava o marxis-mo mais puro contra a sua pretensão de governar aInternacional impondo de cima uma tática e uma dou-trina contrárias aos postulados do socialismo cientí-fico, da luta de classes ete.

Entretanto, embora fabricando teorias para de-monstrar a inutilidade das teorias, Sorel empregavao mesmo tipo de argumentos quando zombava dos"doutores em sociologia" em relação aos quais o pro-letariado, segundo ele, deveria adotar a mesma ati-tude. É também o mesmo tipo de argumentos queempregarão, com menos profundidade e visão dascoisas, todos os sindicalistas.

9. Protestation de l'Alliance.

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Valor das greves

A solidariedade dos trabalhadores fundada deinício na criação de suas associações e de suas "cai-xas de resistência" sobre as quais Bakunin insisteem diferentes escritos, manifesta-se e desenvolve-sesobretudo por esse outro fato denominadogre.ve:

Agreve é o começo da guerra social do prole-tariado contra a burguesia, ainda nos limites dalegalidade. As greves são uma via preciosa sobesse duplo aspecto: de início, eletrizam as mas-sas, fortalecem sua energia mental, e despertamem seu seio o sentimento do antagonismo pro-fundo que existe entre seus interesses e os daburguesia, mostrando-lhes cada vez mais o abis-mo que doravante os separa irrevogavelmentedesta classe; em seguida, contribuem imensa-mente para provocar e constituir entre os traba-lhadores de todos os ofícios, todas as localidadese todos os países, a consciência e o próprio fatoda solidariedade: 'dupla ação, uma negativa, a.outra positiva, que tende a constituir diretamenteo novo mundo do proletariado, opondo-o de modoquase absoluto ao mundo burguês. to

Pela primeira vez, as greves encontram seu teó-rico que, como iremos ver, ainda tem algo a nos di-

10. Fragmento formando uma continuação de O Império cnuto-germânico.

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zer, e não será superado por aqueles que nele inspi-raram-se. Proudhon havia oposto à greve operáriaa organização do crédito pelo Banco do Povo, do tra-balho, do consumo, mas havia fracassado. A cons-ciência proletária não estava madura para essas rea-lizações que exigiam idéias claras, um senso agudodas responsabilidades, uma vontade bem diferentedaquela que é necessária para lutar e morrer sobre asbarricadas. Bakunin encontra-se diante de um prole-tariado demasiado ignorante, demasiado embrute-cido pela miséria e pela submissão na maioria dospaíses do mundo, para empreender uma construçãodireta do socialismo. É às necessidades, aos instin-tos de luta elementares que é preciso inicialmente sedirigir. Faz-se a história como é possível, faz-se avan-çar os povos segundo os procedimentos impostos pe-las circunstâncias. A greve era a arma, o instrumentode combate por excelência, e a multiplicação das gre-ves constituía um sintoma de despertar, de revolta,de luta pela justiça:

À medida que avançamos, as greves multipli-cam-se. O que quer dizer? Que a luta entre o tra-balho e o capital acentua-se cada vez mais, quea anarquia econômica torna-se a cada dia maisprofunda, e que caminhamos a grandes passosrumo ao termo fatal que se encontra no final des-sa anarquia: a Revolução social. É verdade, aemancipação do proletariado poderia efetuar-sesem tremores se a burguesia quisesse fazer suanoite do 4 de agosto, renunciar a seus prlvílé-

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gios, aos direitos de vantagens do capital sobre otrabalho, mas o egoísmo e a cegueira burguesessão de tal maneira inveterados que seria precisoser otimista, entretanto, para esperar ver a solu-ção do problema social surgir de um entendimentocomum entre os privilegiados e os deserdados; é,pois, bem mais dos próprios excessos da anarquiaatual que sairá a nova ordem social."

Bakunin que, vemo-Io de novo, teria preferidoevitar a luta violenta que ele preconizava mais pornecessidade do que por prazer, dá à greve um valoridêntico àquele que mais tarde "descobrirão" aque-les que o leram. Sem dúvida alguns deles o teriamdescoberto por si próprios, e admitimos que ninguémé absolutamente original: Bakunin, por primeiro, in-sistiu em relação ao espírito coletivo da descoberta.Entretanto, é útil assinalar esses fatos. Útil igual-mente ressaltar que, por primeiro, ele soube ver todaa importância da greve geral.

11. Artigo "Organização e greve geral".

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A greve geral

A idéia da greve geral fora lançada pelo con-gresso da Internacional realizado em Bruxelas emsetembro de 1868, mas se tratava apenas de lutarcontra a guerra. Em EÉgalité de 3 de abril de 1869,Bakunin analisa todas as suas conseqüências possí-veis. E, bem antes que Aristide Briand, ainda socía-lista revolucionário de esquerda, defendesse, em umdiscurso eloqüente, essa modalidade de luta quePelloutíer, inspirado por Bakunin, havia apresentadosob o nome de "greve universal" no congresso regio-nal operário realizado em Tours, em 1892, bem an-tes que Sorel a elevasse à altura de um mito, fonte deenergia e grandeza, Bakunin vê nela todas as poten-cíalídades.

Quando as greves ampliam-se, comunicam-se pouco a pouco, é que elas estão bem perto dese tornar uma greve geral; e uma greve geral,com as idéias de liberação que reinam hoje noproletariado, só pode resultar em um grande ca-taclismo que provocaria uma mudança radicalda sociedade. Ainda não estamos nesse ponto,sem dúvida, mas tudo nos leva a iSSO.12

Esse desejo de transformação social pela grevegeral, sem desencadear violências comparáveis àque-

12. A Dupla Greve de Genebra .

.•

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Ias da revolução armada, é expressa ainda em umoutro artigo em que Bakunin antecipa o sonho de nu-merosos sindicalistas do começo do século XX:

o dia em que a grande maioria dos trabalha-dores da América e da Europa tiver ingressado eestiver bem organizada em seu seio (trata-se daInternacional), não haverá mais necessidade derevolução: sem violência, far-se-á justiça. E sehouver, então, cabeças quebradas, é porque osburgueses desejaram."

Enquanto se esperava, prelúdio indispensávelà greve geral, as greves parciais constituíam um trei-no pela prática da solidariedade e da organização ope-rária, e provocavam a formação da necessária unani-midade de espírito. Todavia, sua freqüência e suasconseqüências podem apresentar problemas dosquais o tático responsável não saberia esquivar-se,e aos quais ele deve inclusive responder:

Mas as greves não se sucedem tão rapida-mente fazendo temer que o cataclismo chegueantes da organização suficiente do proletariado?Não o cremos, pois, antes de tudo, as greves jáindicam uma certa força coletiva, um certo enten-dimento entre os operários. Em seguida, cadagreve torna-se o ponto de partida de novos agru-pamentos. As necessidades da luta levam os tra-balhadores a apoiarem-se, de um país a outro, e

13. "Organização e greve geral" .

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de uma profissão a outra; assim, quanto maisativa torna-se a luta, mais essa federação de pro-letários deve ampliar-se e reforçar-se.

É verdade que não mais encontramos em Baku-nin longas considerações relativas à greve geral. Elenão podia nem queria, conhecendo demasiadamentebem a complexidade dos problemas, e o quanto in-tervêm os impoderáveis, pontificar sobre a questão.seus continuadores anarquistas, discutindo com ossindicalistas, retorquiram que só a greve geral nãobastaria para quebrar o Estado; que os privilegia-dos poderiam resistir por mais tempo que os prole-tários a uma paralisação dos transportes, da chega-da e da distribuição de víveres nas cidades, e que,por conseqüência, a luta violenta seria inevitável. Emsua época, eles tinham razão, e Bakunín provavel-mente o previra. O problema consistia para ele emdiminuir o máximo possível o emprego da luta ar-mada, reduzindo ao máximo a resistência material eo moral do adversário.

Entretanto, para o conjunto dessas tarefas, énecessária antes de tudo, e o máximo possível tam-bém, "a organização das forças operárias", 14 "a uni-ficação do proletariado no mundo inteiro através dasfronteiras, e sobre todas as ruínas de todas as es-treitezas patrióticas e nacionais" .15

14. "Organização e greve geral".15. La Politique de l'Intemationale.

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Bakunin insiste sem descanso na necessidadedessa organização tão vasta quanto seja possível,na necessidade das uniões de ofícios, de suas fede-rações nacionais e internacionais. E sempre atribuià Associação Internacional dos Trabalhadores o pa-pel preponderante; esforça-se para dar-lhe consciên-cia de si mesma, confiança em si, despertar sua au-dácia, estimular sua organização, sua preparaçãoprática. Ele mostra como a organização natural e aluta, igualmente natural dos trabalhadores, não ti-veram apenas por resultado o desenvolvimento desua associação e de sua solidariedade: a prática daluta social educa-os, fazendo-os esquecer a buscaou a consolação de um apoio supraterrestre, pois, apartir do momento em que um operário,

associado a seus camaradas, começa a lutar se-riamente pela diminuição de suas horas de tra-balho e pelo aumento de seu salário, a partir domomento que ele começa a interessar-se vivamen-te por essa luta totalmente material, pode-se es-tar certo de que ele logo abandonará todas assuas preocupações celestes, e que, habituando-se a contar sempre mais com a força coletiva dostrabalhadores, ele renunciará voluntariamenteao socorro do céu. O socialismo assume em seuespírito o lugar da religião."

16. La Politique de l'lntemationale.

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A experiência mostrou, com efeito, que é sobre-tudo nos centros industriais onde os sindicatos de-senvolveram-se mais, que as massas perderam maisrápido a fé religiosa. Mas elas a perderam sobretudodesde este primeiro período da luta de classes emque se fazia apelo à coragem individual e à solidarie-dade coletiva. À medida que o espírito de autoridadecresceu no socialismo e ganhou o movimento operá-rio, podemos constatar um retorno à religião, ou, aomenos, à submissão religiosa, pois o espírito de obe-diência, o abandono da consciência ativa, da vonta-de pessoal, predispõem tanto à aceitação da autori-dade dos chefes de partido ou de Estado quanto àque-la dos chefes da Igreja ou dos representantes de Deus.

Essa luta direta entre o proletariado e o patro-nato e seus defensores deve ampliar bem mais aindaa educação social do trabalhador, fazendo-o

conhecer cada vez mais, de uma maneira práticae por uma experiência coletiva que é necessaria-mente sempre mais instrutiva e mais ampla quea experiência isolada, seus verdadeiros inimigos,que são as classes privilegiadas, a saber: o cle-ro, a burguesia, a nobreza e o Estado; este últi-mo, estando aí apenas para salvaguardar os pri-vilégios dessas classes,e tomando sempre e ne-cessariamente partido contra o proletariado.

O operário assim engajado na luta acabaráforçosamente por compreender o antagonismoirreconciliável que existe entre esses serviçais dareação e seus interesses humanos mais caros, e

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tendo chegado a este ponto, não deixará de reco-nhecer-se e posícíonar-se claramente como umsocialista revolucionário. 17

Esse processo educacional, que oferece um certoparalelismo com a evolução que vai da organizaçãoda oficina à Federação internacional pelo desenvol-vimento natural das coisas foi, ele também, retoma-do pelos sindicalistas. Infelizmente, e malgrado osesforços de Pelloutier, isso nunca foi bem longe. Sobpretexto da primazia da ação desprezou-se a cultura,a indispensável formação intelectual especializada.Vemos agora os resultados.

17. La Politique de l'Internationale .

•.

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A consciência operária

Novas razões logo levarão Bakunin a defenderesse programa esquemático feito de lógica aparentee de aparente facilidade. La Politique de l'Internatio-nale foi escrita em 1869, sem que na Federação doJura, que foi o berço europeu do socialismo federalistae libertário, ou alhures, se pudesse então prever quelogo seria preciso defender-se contra as maquina-ções daqueles que quisessem impor sua ditadura.

Todavia, em 1871, Utin, acólito de Karl Marx,foi enviado a Genebra pelo Conselho Geral de Lon-dres para ali combater a influência da Aliança da De-mocracia Socialista, e, particularmente, para arrui-nar a de Bakunin. 18 Aameaça política e o monolitismocentralizado r desenhava-se. Bakunin, que sabia oque acontecia em relação ao autoritarismo dos mar-xistas alemães, cuja influência ampliava-se cada diamais; que observava seu desvio parlamentarista;que, no congresso de Basiléia tinha-se oposto à ten-tativa de Liebknecht de envolver a Internacional na

18. Eis o que Bernstein, no momento em que era o maior teórico eo representante mais em voga da social-democracia alemã, queainda não se tinha desviado da linha rnarxísta-engelsíana, escre-via respeitante a Utin:

"Um pequeno grupo de russos apenas se encontrava em tornode Marx, em 1870 e nos anos seguintes. Entre eles estava Utin, oque não contribuiu para sua boa reputação. Não se via, geralmente,em Utin senão um instrumento tortuoso e fofoqueiro, e inúmeraspessoas não estavam longe de julgar o mestre segundo o aluno."

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conquista dos poderes públicos pela tática eleitoral,compreendia o perigo dessa campanha conduzida naSuíça, na Itália, na Espanha e na França por homensespecialmente enviados para combater aqueles quedeveriam ser seus irmãos internacionais.

Erguiam-se, opunham-se, organizavam-se seçõescontra seções, infiltravam agentes em outras - jánaquele momento! -; intrigavam, atacavam homensem suas intenções verdadeiras ou supostas, em suasatividades, em sua honra. AAliança, composta de mili-tantes internacionais, "apaixonadamente socialistasrevolucionários", que lutavam no seio do proletariadoe o organizavam em vários países, mas que exigiama prática do federalismo pela liberdade de tática dasseções e reconheciam aos socialistas alemães o direi-to de ir ao Parlamento se tal fosse sua vontade - foinaturalmente atacada sem piedade. Utin manobroue fez com que expulsassem, de surpresa e em suaausência, Bakunin, Guillaume, [ukovsky e Sutherlandda seção internacional de Genebra.

Foi contra o conjunto dessas maquinações queBakunin escreveuLa Protestation de l'Alliance, da qualsó restou uma parte. Mais do que a defesa da pró-pria Aliança, é a defesa da pureza da Internacional,da manutenção na reta linha da organização prole-tária conduzida pelos trabalhadores no terreno exclu-sivo da luta de classes, por intermédio das uniões deofícios para que "a emancipação dos trabalhadores"- a única coisa que preocupa Bakunin -, seja "aobra dos próprios trabalhadores".

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I!

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Nessa luta contra os desvios centralizadores epolíticos, ele repete com mais profundidade e força oesquema traçado em La Politique de I 'Internationale .Entretanto, assim como em outros escritos, insistena segunda fase da organização prática dos trabalha-dores: o despertar neles - e a necessidade - dosentimento e do senso da responsabilidade:

Ao operário que, para ter participação nasvantagens dessa solidariedade, entra em uma se-ção, só lhe pedem uma coisa: quer, com os bene-fícios da associação, aceitar em contrapartida to-das as conseqüências penosas, às vezes, e todosos deveres?

Compreendeu que a consciência operária não seforma porsi mesma, não se desencadeia fatalmente,e que também é preciso suscitá-Ia. Fernand Pelloutierescrevia em 1900 que sobre dez operários sindicaliza-dos, havia um militante e nove egoístas. Bakunintinha, talvez, no início, idealizado as massas explora-das às quais ele se apresentara, mas logo percebeuem que medida se lhes deveria dizer que a prática dasolidariedade não consistia apenas em tomar, mastambém em dar, caso contrário, seria apenas umapalavra. O operário que adere a uma seção de ofíciodeve, pois, rapidamente

compreender, enfim, que, porquanto o objetivoúnico da Internacional é a conquista de todos osdireitos humanos para os trabalhadores, por in-

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termédio da organização de sua solidariedademilitante através de todos os ofícios e de todasas fronteiras políticas e nacionais de todos os paí-ses: a lei suprema e, por assim dizer, única quecada um se impõe, ao ingressar nessa salutar eformidável Associação, é submeter-se e subme-ter, doravante, todos os seus atos voluntariamente,apaixonadamente, em pleno conhecimento decausa e em seu interesse tanto quanto no interes-se de seus irmãos de todos os países, a todas ascondições, conseqüências e exigências dessa so-Ildariedade."

Assim, não apenas sentimento de responsabili-dade pessoal, mas, de par com essa responsabilida-de, disciplina voluntária e efetiva, estreita coesão, espí-rito de sacrifício, conseqüência assim como condiçãopara futuras vitórias proletárias. Sem elas, não háfuturo possível, nem para a Internacional, nem parao povo. O desenvolvimento da força moral é e deve

. ser o fruto da solidariedade na luta travada no terre-no econômico; 'mas ele também deve ser consciente evoluntariamente perseguido. O automatismo inicialdeve fazer nascer essa vontade refletida.

19. Protestation de l'Alliance.

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Cultura humanista das massas

Se ele tivesse acreditado que a educação do prole-tariado devia ser a conseqüência indiscutível da lutade classes, não teria se esforçado, com tanto ardor,para elaborar e disseminar idéias, concepções, princí-pios. Ele não teria dito aos operários da Vale de Saint-Imier que os trabalhadores deveriam

estabelecer antes em seu grupos, e, em seguida,entre todos os grupos uma verdadeira solidarie-dade fraternal, não só em palavras, mas em ação,não apenas nos dias de festa, de discurso ou delibação, mas em sua vida cotidiana,

nem ao final da mesma conferência:

preparemo-nos, pois, purifiquemo-nos, tornemo-nos mais reais, menos discursivos, menos ruido-sos, menos fraseadores, menos beberrôes, menosfesteiros. Cerremos fileiras e preparemo-nos dig-namente para essa luta que deve salvar todos ospovos e enfim emancipar a humanidade.

Até mesmo a luta contra o patronato requer qua-lidades morais e uma vontade real. A educação deve,portanto, ser sistematicamente buscada no seio dasuniões de ofícios. A associação deve servir aos traba-lhadores para defender e melhorar suas condiçõesde existência material, ao mesmo tempo que para fa-cilitar sua instrução:

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Mas como chegar, no abismo de ignorância,de miséria e de escravidão no qual os proletáriosdas cidades e dos campos estão mergulhados,nesse paraíso, nessa realização da justiça e dahumanidade sobre a terra? Para isso, os trabalha-dores só têm um meio: a associação. Pela asso-ciação eles instruem-se, informam-se mutuamente,e põem fim, por seus próprios esforços, a essa fa- .tal ignorância que é uma das principais causasde sua escravidão."

Não se trata de associar-se só para melhorar suascondições materiais de existência, mas também parainstruir-se, para irformar-se. A questão do pão nãodeve fazer esquecer a elevação do espírito.

Bakunin escrevera essas palavras quando duasimportantes greves pareciam que iam provocar um ter-rível abalo social na cidade de Genebra. E, como dissosó podia resultar um fracasso total, foi obrigado, ele,que nos é apresentado como uma fera à espreita detoda ação sanguinária, a acalmar um pouco, falan-do de associação e de educação, o ardor dos grevis-tas que ameaçava desembocar em um sacrifício inútil.

Para que possa surgir um mundo "social, inte-lectual e moral novo [é necessário que esse mundoseja ao menos em parte constituído antes da revolu-ção]. "São necessárias aos trabalhadores a solidarie-dade e a ciência - saber é poder". Eles não poderãose eles não sabem. A vontade ignorante não pode

20. A Dupla Greve de Genebra.

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conduzir à vitória. O programa da Internacional im-plica a aquisição prévia e tão rápida quanto seja pos-sível de uma cultura,

uma nova ciência, uma nova filosofia social quedeve substituir todas as antigas religiões, e umapolítica bem nova, a política internacional, e que,como tal, nós nos apressamos para dizê-Io, nãopode ter outro objetivo senão a destruição de to-dos os Estados.

[...] Para que os membros da Internacionalpossam desempenhar de maneira consciente seuduplo dever de propagandistas e de chefes na-turais das massas na Revolução, é preciso quecada um deles esteja penetrado tanto quanto pos-sível dessa ciência, dessa filosofia e dessa políti-ca. Não lhes basta saber e dizer que querem aemancipação econômica dos trabalhadores, afruição integral de seu produto para cada um, aabolição das classes e da sujeição política, a rea-lidade da plenitude dos direitos humanos, a equi-valência perfeita dos deveres e dos direitos ~ arealização da humana fraternidade, em resumo.Tudo isso é sem dúvida muito belo e muito justo,mas se os operários da Internacional detêm-senestas grandes verdades sem aprofundar as con-dições, as conseqüências e o espírito delas, e seeles se contentam em repeti-Ias sempre nessa for-ma geral, correm o risco de logo fazer delas pala-vras ocas e estéreis, lugares-comuns íncornpre-endidos."

21. Protestation de I'Alltance.

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Tudo é condicionado por tudo. Se a aspiraçãoao bem-estar e a mais liberdade (Bakunin resumevinte vezes nesta curta fórmula que se tornará a di-visa da C.G.T.francesa) é justa em si, é necessário,para realizá-Ia, algo a mais que a luta de classes ele-mentar e que a organização sistemática, metódica,por mais perfeita que seja, do proletariado no planoda economia. Não se pode separar o homem do pro-dutor e do consumidor, e as coletividades que tencio-nassem fazê-Io soçobrariam. Não se pode permane-cer à margem dos fatos complexos que freqüente-mente determinam os acontecimentos sociais; igno-rar os fatores políticos e psicológicos que intervêmnas relações humanas e na evolução de sociedades;desconhecer as técnicas filhas da ciência; desprezara cultura que desenvolve a inteligência e permiteabraçar as vastas atividades e o conjunto da vidasocial cuja organização exige, para ser devidamentecoordenada, e ao menos na medida em que isso de-penda da previdência e da atividade dos trabalhado-res, um pouco mais que a instrução inicial. Respon-dendo às simplificações marxistas, Bakunin apro-funda a análise desses problemas:

Abstraindo todo o desenvolvimento que ocorreno mundo do pensamento, tanto quanto nosacontecimentos que acompanham e que seguema luta política, tanto interior quanto exterior dosEstados, a Internacional não se ocuparia mais doque da questão econômica? Ela faria estatísticacomparada, estudaria as leis da produção e da

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distribuição das riquezas, ocupar-se-ia exclusi-vamente da questão dos salários, formaria fun-dos de resistência, organizaria greves locais, na-cionais e internacionais, internacionalmente cor-pos de ofícios, e formaria sociedades cooperati-vas de crédito mútuo, de consumo e de produção,nos momentos e nas localidades onde semelhan-tes criações seriam possíveis?

Mastal abstração, apressemo-nos em dizê-lo,é absolutamente impossível. Essa preocupaçãoexclusiva com os interesses somente econômicos,seria para o proletariado a morte. Sem dúvida, adefesa e a organização desses interesses - ques-tão de vida ou de morte para ele - devem cons-tituir a base de toda a sua organização atual.Mas lhe é impossível deter-se aí sem renunciar àhumanidade, e sem privar-se até mesmo da forçaintelectual e moral necessária à conquista de seusdireitos econômicos."

Constatemos inicialmente que, por mais insufi-ciente que esse programa tenha se mostrado a Baku-nin, seus adversários reformistas e marxistas jamaisse elevaram até ele. E que, inclusive, na seqüência, omovimento sindicalista revolucionário nunca o al-cançou. Em todo caso, ninguém disse mais clara ecorajosamente aos trabalhadores a verdade relativaàs condições de sua emancipação, nem se esforçoupara dar a cada um o sentido do esforço e da cora-

22. Fragmento formando uma continuação de O Império cnuto-germânico.

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gem moral necessária para alcançá-Ia. Aquele quenos apresentam como o apologista das más paixõesfoi o menos demagogo dos revolucionários. E, com-pletando essas recomendações, essas diretrizes, justi-ficando-as, mostrando todas as repercussões práti-cas para um futuro socialista, no futuro imediato daprópria Internacional e no âmago de todos os movi-mentos operários, de todas as organizações proletá-rias, Bakunin acrescentava essa advertência que, in-felizmente, foi bem pouco ouvida:

AAssociação Internacional só poderá se tor-nar um instrumento de emancipação para a hu-manidade quando, de início, ela própria foremancipada, e ela só o será quando, cessando deestar dividida em dois grupos, a maioria dos ins-trumentos cegos, e a minoria dos dou tos condu-tores, ela tiver feito penetrar na consciência refle-tida de cada um de seus membros a ciência, afilosofia e a política do socialismo."

Esta afirmação (que também não era absoluta),diante do surgimento do perigo centralizador e auto-ritário marxista, retifica em parte a primeira quepa-recia fazer surgir automaticamente da luta econômi-ca todos os valores intelectuais e morais. A síntese- pois se deve sempre acabar por fazê-Ia nas idéiasdiferentes, aparentemente contraditórias em muitos

23. Fragmento formando uma continuação de O Império cnuto-germânico.

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casos, que Bakunin expressa em relação a tantos pro-blemas - a síntese é que os trabalhadores deverão,em e por suas organizações constituídas, partindode suas preocupações materiais e de suas aspiraçõesà igualdade econômica, adquirir a capacidade inte-lectual e a formação humana que lhes são indispen-sáveis.

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Criação prática

Homem de ação antes de tudo, Bakunin não secontentou em dar diretrizes, elaborar teorias. Ele exi-biu uma atividade pessoal e direta pela criação e pelaextensão do movimento operários revolucionário. E,pelo canal da Aliança, essa atividade desenvolveu-sena Suíça, na França, na Itália, na Espanha. Pela fre-qüentação dos indivíduos, sua participação nas as-sembléias de trabalhadores, sua luta contra os des-vios que sugeriam democratas honestos, mas ten-dendo a conduzir o proletariado à via do reformismo;por suas conferências, suas numerosas cartas, amiú-de tão longas quanto brochuras, a seus amigos dis-tantes, ele criou, construiu, ajudou e incitou a cons-truir.

Em 1869, Fanelli, deputado italiano independentede esquerda, foi, enviado pela Aliança, criar na Es-panha os primeiros núcleos do socialismo militantee federalísta. No ano seguinte, realiza-se em Barcelonao primeiro congresso dos trabalhadores espanhóisinternacionalistas. A seção espanhola da Internacio-nal é antes de tudo obra da seção barcelonesa daAliança, cujo artigo primeiro dos estatutos declara:

AAliança da democracia socialista será cons-tituída por membros da Associação Internacionaldos Trabalhadores e terá por objetivo a propagan-da e o desenvolvimento dos princípios de seu pro-grama, o estudo e a prática de todos os meios

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próprios para realizar a emancipação direta eimediata da classe operária.

Cinco anos mais tarde. a Federação espanholahavia construído federações nacionais de ofícios que.completadas por "federações locais" íntersindicaís,formavam uma rede completa de organismos de lutae o embrião da nova sociedade.

Foi. talvez. na Itália. que a obra criadora de Ba-kunin foi então a mais característica. Deixou ali ami-gos convictos. em sua maioria jovens intelectuaisemanados da burguesia. saídos das fileiras do gari-baldismo e da Legião sagrada de Mazzini. Era o re-sultado de quatro anos de trabalho subterrâneo(1863-1867) durante os quais ele deu provas de pa-ciência. habilidade. tenacidade. E foi por esses ami-gos que. após sua polêmica ruidosa com Mazzini emrelação à Comuna. ele fez surgir um movimento inde-pendente dos partidos políticos e da Igreja. livre deamarras conservadoras tradicionais. socialista elibertário.

Em junho de 1872. conta-se na Itália uma cen-tena de "Camare di Lavoro" locais agrupando traba-lhadores de todas as profissões. Em março do anoseguinte haverá cento e cinqüenta dessas câmaras.representadas no congresso de Bolonha. e nas cida-des mais importantes por sua população e sua indús-tria. em Milão. veneza, Gênova. Ferrara. síena, Roma.Livorno, Ancona, Palerrno, Bolonha. Mâ ntua,Ravena, Turim. verona, Nápoles etc .. a Internacio-

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nal deitou raízes na Itália. Surgem jornais. O mazzí-nismo, enraizado por quarenta anos de apostoladorepublicano-católico e estatista democrata é estre-mecido, suplantado; as forças de seu velho chefe de-clinam, e o próprio Garibaldi, aderindo à Internacio-nal e defendendo-a perante os tribunais, completa avitória.

Mázzíni tenta em vão criar um movimento ope-rário. Os membros da Aliança ganham a batalha efundam, com os "fascío operaío" (a palavra 'fascío" seráretomada mais tarde por Mussolini), a seção da Inter-nacional.

Um amigo de Engels denominado Régis, escre-ve-lhe em 13 de maio de 1872:

As notícias da Itália são pouco numerosas etristes. Sabeis em que deplorável situação encon-tra-se a região da Emilia Romagna, e que influên-cia tem agora o Fascio operaio de Bolonha, com-pletamente ganho à causa dos jurassíanos.> In-críveis são a atividade e a energia exibidas pelosdissidentes, e sua obra não deixa de dar frutos.

E, em 4 de janeiro, Engels escrevia aos poucos par-tidários que ele ainda tinha em Lodi:

Se perdermos Lodi e La Plebe, não teremosnem sequer um única referência na Itália. Dizei-vos bem isso!

24. Tratava-se dos membros da Federação do Jura.

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Esse sucesso é antes de tudo o resultado do es-forço encarniçado e da orientação precisa dada du-rante anos por Bakunin.

Essa propaganda desenvolvia-se principal-mente sob a influência direta de Bakunin, que, daSuíça, esforçava-se para manter relações muitoativas,

escreve N. Rossellí." Ela tende principalmente à orga-nização dos trabalhadores pela defesa de seus inte-resses corporativos e para, por meio da luta trava-da, educã-los socialmente e preparar os quadros danova sociedade.

25. N. Rosselli, Massini iBakunine.

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o Congresso de saínt-tmíer

Tal foi a tática bakuniniana da luta social desdea sua adesão à Primeira Internacional. Confirmou-ade uma maneira que ele se esforçou para tornar de-finitiva, no Congresso de Saint-Imier, realizado emsetembro de 1872.

Nesse congresso, reuniram-se os delegados detrês das quatro únicas federações nacionais existen-tes na Internacional: federação jurassíana, federa-ção italiana e federação espanhola, e os delegados devárias seções francesas e americanas. A resoluçãomais célebre que ali se votou, e da qual os partidáriosde Bakunin foram os que mais recordaram, tinha portema: Natureza da ação política do proletariado. Oparágrafo dessa resolução mais bem gravado em suaslembranças afirma "que a destruição de todo poderpolítico é o primeiro dever do proletariado".

Ela era, contudo, precedida de considerandosmais construtivos, demasiadamente negligenciados enos quais se proclamava:

que as aspirações do proletariado não podem teroutro objeto senão o estabelecimento de uma or-ganização e uma federação econômicas absolu-tamente livres, fundadas no trabalho e na igual-dade de todos e absolutamente independentes detodo governo político, e que essa organização eessa federação só podem ser o resultado da açãoespontânea do próprio proletariado, dos corposde ofícios e das comunas autônomas.

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Pode-se afirmar que Bakunin não foi o autordessa resolução, ou, pelo menos, dos considerandosque já marcam a atenuação de seu pensamento poraqueles que reivindicavam suas idéias. No entanto,em contrapartida, também se pode afirmar que ele éo único autor, ou quase, da quarta resolução, resu-mindo a orientação construtiva das organizaçõesoperárias em um espírito que já se pôde constatar pelasnumerosas citações que precedem.

Após ter denunciado o perigo de todo Estado, eda organização das massas populares "de cima parabaixo", a resolução intitulada Organização da resis-tência operária - Estatísticas, declara:

Segundo nossa avaliação, o operário jamaispoderá emancipar-se da opressão secular se elenão substitui esse corpo absorvente, desmorali-zador, pela livre federação de todos os grupos deprodutores, fundada na solidariedade e na igual-dade.

Com efeito, já em vários lugares. tentou-seorganizar o trabalho para melhorar a condição doproletariado, mas a mínima melhoria foi absor-vida pela classe privilegiada, que tenta continua-mente, sem freio e sem limite, explorar a classeoperária.

Esse parágrafo inspira-se provavelmente na fa-mosa "lei de bronze dos salários", proclamada porFerdinand Lassalle para provar que no regime capita-lista a melhoria das condições de existência da classe

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operária é impossível. Todavia, Lassalle disso concluía,como concluíram, depois, os políticos marxistas, que aluta dos trabalhadores deveria ser, antes de tudo, con-duzida no terreno político e parlamentar, a luta decaráter econômico tornando-se, assim, secundária.

Enquanto Bakunin disso deduzia que a lutapelas reivindicações imediatas só tinha valor real namedida em que ela servia para preparar a transforma-ção total da sociedade, pelos trabalhadores e pelasorganizações. Por isso a resolução continuava:

Entretanto, a vantagem dessa organização étal que, mesmo no estado atual das coisas, nãose poderia renunciar a ela. Ela faz fraternizarcada vez mais o proletariado na comunidade dosinteresses, ela o exercita para a vida coletiva, elao prepara para a luta suprema. Bem mais, a orga-nização livre e espontânea sendo aquela que devesubstituir-se à organização privilegiada e auto-ritária do Estado político será, uma vez estabele-cída. a garantia permanente da manutenção doorganismo econômico contra o organismo político.

Por conseqüência, deixando à prática da re-volução social os detalhes da organização posi-tiva, entendemos organizar e solidarizar a resis-tência em uma ampla escala. A greve é, para nós,um meio precioso de luta, mas não nos fazemosnenhuma ilusão quanto aos seus resultados eco-nômicos. Nós a aceitamos como um produto doantagonismo entre trabalho e capital, tendo ne-cessariamente por conseqüência tornar os operá-rios cada vez mais conscientes do abismo que

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existe entre a burguesia e o proletariado, fortale-cer o organismo dos trabalhadores e preparar,pelo fato de simples lutas econômicas, o proleta-riado para a grande luta revolucionária e defini-tiva que, destruindo todo privilégio e toda distin-ção de classe, dará ao operário o direito de fruirdo produto integral de seu trabalho, e, por isso,os meios de desenvolver na coletividade toda asua força intelectual, material e moral.

Tudo isso, que é, segundo o que já dissemos, domais puro Bakunin, nada acrescenta ao que ele tan-tas vezes expôs. Mas, de novo, constatamos o quantoinsistiu para que a luta de classes não fosse reduzidaa uma simples questão de melhorias materiais noâmbito do capitalismo, conquanto ninguém tenhasofrido mais com o espetáculo da miséria dos deser-dados, miséria que ele próprio viveu nos últimos anosde sua vida.

Ele não se limita apenas a designar ao movi-mento operário fins cuja realização possa estar dis-tante. Também sabe que é preciso aliar a boa organi-zação da luta imediata à preparação do futuro. O queele faz, a propósito do segundo ponto da resolução:

A Comissão propõe ao Congresso nomearuma comissão que deverá apresentar no próximocongresso um projeto de organização universalda resistência, e dos quadros completos da esta-tística do trabalho dos quais essa luta retiraráseu conhecimento. Ela recomenda a organizaçãoespanhola como a melhor até este dia.

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Última recomendação

Um ano depois, Bakunin, esgotado, retirava-seda Internacional na qual ele não queria permanecercomo simples figura decorativa. Na carta de demis-são que dirigia a seus camaradas, continuava a mar-car a orientação do futuro:

o tempo já não é mais para as idéias, maspara os fatos e os atos. O que importa antes detudo, hoje, é a organização das forças do proleta-riado. Mas essa organização deve ser a obra dopróprio proletariado. Se eu fosse jovem, transpor-tar-me-ia ao meio operário, e, partilhando a vidalaboriosa de meus irmãos, eu participaria igual-mente com eles desse grande trabalho dessa or-ganização necessária.

Os dois últimos parágrafos desta carta recomen-davam em um tom em que transpira súplica:

lQ)Conserva i-vos firmes nesse princípio dagrande e ampla liberdade popular sem a qual aigualdade e a solidariedade só seriam mentiras;

2Q) Organizai cada vez mais a solidariedade

internacional, prática, militante, dos trabalhado-res de todos os ofícios e de todos os países, elernbrai-vos de que, infinitamente fracos comoindivíduos, localidades ou países isolados, en-contra reis uma força imensa, irresistível, nessauniversal solidariedade.

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Tal foi o testamento de Bakunin. Ele asseme-lha-se um pouco às declarações póstumas de Kro-potkin louvando o movimento sindical dos trabalha-dores do Ocidente: "Se eu pudesse retomar ao Oci-dente, e se minha saúde mo permitisse, eu me entre-garia com todas as minhas forças a esse trabalho."Bakunin consagrou-se a ele a tempo, embora se la-mentasse por não ter feito mais - e perguntamo-nos o que ele poderia ter feito a mais - em cincoanos!

Excetuando a Espanha, quase todos os seus con-tinuadores ignoraram suas recomendações. O resul-tado é visível. O anarquismo militante pôs-se à mar-gem da vida prática, dos problemas positivos da vidasocial. Reduzido unicamente às negações, acaboupor perder seu conteúdo socialista e sua influênciaé, quase em toda a parte, quase inexistente.

Quanto ao sindicalismo, ele foi grande no perío-do em que, conscientemente ou não, foi bakuniniano.Quando, abstendo-se orgulhosamente de todo con- .tato com os governos, em luta aberta contra o capi-talismo e o Estado, ele cumpria a sua missão socialde renovação individual e coletiva. Ele, em seguida,e em parte por sua fraqueza doutrinal, "bastando-se a si mesmo", renunciou a seguir o caminho queconduzia ao autêntico socialismo e à verdadeira li-berdade. Se ele deve renascer, é preciso que se inspirenos teóricos da época heróica, mas ele fará muitobem de remontar à fonte original. Lá encontrará asconcepções sociais que lhe faltavam, no plano teóri-

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co, moral e técnico; e os elementos necessários deuma ressurreição e de uma obra das quais o futuroda humanidade depende muito.

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Os burgueses provocam-nos. Esforçam-se paranos levar ao desespero por todos os meios, pensan-do, não sem muita razão, que seria muito bom paraseus interesses forçar-nos a travar batalha com eleshoje.

Caluniam-nos e insultam-nos em seus jornais;desnaturam, travestem e inventam fatos, contandocom as simpatias de seu público, que os perdoarátudo, desde que os burgueses, os patrões sejam ino-centados e os trabalhadores caluniados. Seguros des-sa impunidade e dessa simpatia, o joumal de oenevesobretudo, o devoto mentiroso, supera-se em menti-ras.

Eles não se contentam em provocar-nos e insul-tar-nos por meio de seus escritos; impacientes parafazerem-nos perder a paciência, recorrem às vias defato. Seus tristes filhos, essa juventude dourada cujoócio corrompido e vergonhoso detesta o trabalho eos trabalhadores; esses acadêmicos, doutos em teo-

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logia e ignorantes da ciência, esses liberais da ricaburguesia, vão às ruas, como no ano passado, eamontoam-se nos cafés, armados de revólveres maldissimulados em seus bolsos. Dir-se-ia que eles te-mem um ataque por parte dos operários e que secrêem forçados a afastá-los.

Eles crêemseriamente nisso? Não, absolutamentenão, mas simulam crer para ter o pretexto de armar-se e um motivo plausível para atacar. Sim, para ata-car-nos, pois, na terça-feira passada, ousaram es-pancar alguns de nossos companheiros que, provo-cados por todos os insultos, responderam por ver-dades bastante desagradáveis, sem dúvida, para ou-vidos tão delicados quanto os deles, mas que nemsequer encostaram as mãos neles. Permitiram-sedetê-los e maltrará-los durante algumas horas, atéque uma comissão enviada pela Associação Interna-cional à Prefeitura foi buscá-los.

O que pensam esses burgueses? Querem real-mente forçar-nos a ir para as ruas de armas em pu-nho? Sim, eles o querem. E por que o desejam? A ra-zão é bem simples: desejam matar a Internacional.

Basta ler os jornais burgueses, isto é, quase to-dos os jornais de todos os países, para persuadir-sede que, se há, hoje, uma coisa que, mais do que qual-quer outra, é um objeto de temor e horror para aburguesia na Europa, é a Associação Internacionaldos Trabalhadores. E, como devemos ser justos, an-tes de tudo, justos inclusive em relação aos nossosadversários mais encarniçados, devemos reconhecer

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que a burguesia tem mil vezes razão para abominare temer essa formidável associação.

Toda a prosperidade burguesa, sabemo-Io, en-quanto prosperidade exclusiva, está fundada sobrea miséria e sobre o trabalho forçado do povo, força-do não pela lei, mas pela fome. Essa escravidão dotrabalho denomina-se, é verdade, nos jornais libe-rais tais como o joumat de cenêve, a liberdade dotrabalho. Mas essa estranha liberdade é comparávelàquela de um homem desarmado e nu, que se o entre-garia à mercê de um outro armado dos pés à cabeça.É a liberdade de se fazer esmagar, abater. - Tal é aliberdade burguesa. Compreende-se que os burgue-ses a adorem e que os trabalhadores não a supor-tem absolutamente; pois essa liberdade é para os bur-gueses a riqueza, e para os trabalhadores a miséria.

Os trabalhadores estão cansados de ser escra-vos. Não menos que os burgueses, mais que os bur-gueses, eles amam a liberdade, porque compreendemmuito bem, sabem por uma dolorosa experiência quesem liberdade não pode haver para o homem digni-dade nem prosperidade. Mas não compreendem a li-berdade senão na igualdade; porque a liberdade nadesigualdade é o privilégio, quer dizer, a fruição dealguns fundada no sofrimento de todos. - Eles que-rem a igualdade política e econômica simultanea-mente, porque a igualdade política sem a igualdadeeconômica é uma ficção, uma enganação, uma men-tira, e eles não querem mais mentiras. - Os traba-lhadores tendem, então, necessariamente, a uma

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transformação radical da sociedade que deve ter porresultado a abolição das classes do ponto de vistaeconômico tanto quanto político, e a uma organiza-ção na qual todos os homens nascerão, desenvol-ver-se-ão, instruir-se-ão, trabalharão e fruirão dosbens da vida em condições iguais para todos. - Talé o desejo da justiça, tal é, também, o objetivo finalda Associação Internacional dos Trabalhadores.

Mas como ir do abismo de ignorância, de misé-ria e de escravidão na qual os proletários dos cam-pos e das cidades estão hoje mergulhados, a esseparaíso, a essa realização da justiça e da humanidadesobre a terra? - Para isso, os trabalhadores só têmum meio: a associação. Pela associação, eles ins-truem-se, informam-se mutuamente, e põem fim, porseus próprios esforços, a essa fatal ignorância que éuma das principais causas de sua escravidão. Pelaassociação, eles aprendem a ajudar-se, conhecer-se,apoiar-se um no outro, e acabarão por criar uma for-ça mais formidável do que aquela de todos os capi-tais burgueses e de todos os poderes políticos reuni-dos.

AAssociação tornou-se, pois, a palavra de ordemdos trabalhadores de todas as indústrias e de todosos países nesses vinte últimos anos sobretudo, e todaa Europa encontrou-se munida, como que por encan-tamento, de uma multidão de sociedades operáriasde todos os tipos. É incontestavelmente o fato maisimportante e ao mesmo tempo mais consolador denossa época, - o sinal infalível da emancipação

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próxima e completa do trabalho e dos trabalhadoresna Europa.

Mas a experiência desses mesmos vinte anosprovou que as associações isoladas eram aproxima-damente tão impotentes quanto os trabalhadoresisolados, e que mesmo a federação de todas as asso-ciações operárias de um único país não bastaria paracriar uma força capaz de lutar contra a coalizão inter-nacional de todos os capitais exploradores do traba-lho na Europa; a ciência econômica demonstrou, poroutro lado, que a questão da emancipação do traba-lho não é absolutamente uma questão nacional; quenenhum país, por mais rico, por mais poderoso e pormais importante que ele seja, não pode, sem arruinar-se e sem condenar todos os seus habitantes à miséria,empreender qualquer transformação radical das rela-ções do capital e do trabalho, se essa transformaçãonão se faz igualmente, e ao mesmo tempo, ao menosem uma grande parte dos países mais industriososda Europa, e que, por conseqüência, a questão dalibertação dos trabalhadores do jugo do capital e deseus representantes, os burgueses, é uma questãoeminentemente internacional. Disso resulta que. asolução só é possível no terreno da ínternacionalí-dade.

Operários inteligentes, alemães, ingleses, bel-gas, franceses e suíços, fundadores de nossa belainstituição, compreenderam-no. Eles também com-preenderam que, para realizar essa magnífica obrada emancipação internacional do trabalho, os traba-

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lhadores da Europa, explorados pelos burgueses eesmagados pelos Estados, só deviam contar com elespróprios. Assim foi criada a grande Associação Inter-nacional dos Trabalhadores.

Sim, grande e formidável, verdadeiramente! Elatem apenas quatro anos e meio de existência e jáabrange várias centenas de milhares de aderentesdisseminados e estreitamente aliados, em quasetodos os países da Europa e também da América. Umpensamento e uma empresa que produzem em tãopouco tempo tais frutos, só pode ser um pensamentosalutar, uma empresa legítima.

Trata-se de um pensamento secreto, de uma cons-piração? De forma alguma. Se a Internacional cons-pira, ela o faz às claras e o diz a quem quiser ouvi-Ia.E o que ela diz, o que pede? A justiça, nada além damais estrita justiça e o direito da humanidade, e aobrigação do trabalho para todos. Se, à sociedadeburguesa atual esse pensamento parece subversivoe abjeto,· tanto pior para essa sociedade.

Trata-se de uma empresa revolucionária? Sim enão. Ela é revolucionária no sentido que quer subs-tituir uma sociedade fundada na iniqüidade, na ex-ploração da imensa maioria dos homens por umaminoria opressiva, no privilégio, no ócio, e em umaautoridade protetora de todas essas belas coisas, poruma sociedade fundada nessa justiça igual paratodos e na liberdade de todos. Ela quer, em resumo,uma organização econômica, política e social, na qualtodo ser humano, sem prejuízo para suas particula-

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ridades naturais e individuais, encontra uma igualpossibilidade de desenvolver-se, instruir-se, pensar,trabalhar, agir e desfrutar a vida como homem. Sim,ela quer isso, e, uma vez mais, se o que ela quer éincompatível com a atual organização da sociedade,tanto pior para essa sociedade.

A Associação Internacional é revolucionária nosentido das barricadas e de uma derrubada violentada ordem política atualmente existente na Europa?Não: ela ocupa-se muito pouco dessa política, e, in-clusive, não se ocupa absolutamente disso. Assim,os revolucionários burgueses querem-lhe muito malpela indiferença que ela testemunha em relação àssuas aspirações e a todos os seus projetos. Se a Inter-nacional não tivesse compreendido desde há muitoque toda política burguesa, por mais vermelha e re-volucionária que pareça, tende não à emancipaçãodos trabalhadores, mas à consolidação de sua escra-vidão, o papel lamentável desempenhado neste mo-mento pelos republicanos e, inclusive, pelos socialis-tas burgueses na Espanha, bastaria para abrir-lheos olhos.

A Associação Internacional dos Trabalhadores,fazendo, pois, completa abstração de todas as intrigaspolíticas atualmente, só conhece, neste momento,uma única política: aquela de sua propaganda, de suaextensão e de sua organização. - No dia em que agrande maioria dos trabalhadores da América e daEuropa tiver ingressado e estiver bem organizada emseu seio, não haverá mais necessidade de revolução;

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sem violência a justiça será feita. E, então, se houvercabeças quebradas, é porque os burgueses assim oquiseram.

Mais alguns anos de desenvolvimento pacífico,e a Associação Internacional tornar-se-á uma forçacontra a qual será ridículo querer lutar. Eis o que osburgueses compreendem demasiado bem, e eis porque eles hoje nos provocam para a luta. Hoje, elesesperam ainda poder nos afastar, mas sabem queamanhã será demasiado tarde. Eles querem forçar-nos a travar batalha com eles agora.

Cairemos nessa armadilha grosseira, operários?Não. Faríamos muito prazer aos burgueses e arruina-ríamos a nossa causa por muito tempo. Temos co-nosco a justiça, o direito, mas nossa força ainda nãoé suficiente para lutar. Comprimamos, pois, nossaindignação em nossos corações, permaneçamos fir-mes, inquebrantáveis, mas calmos, quaisquer quesejam as provocações dos jovens arrogantes e imper-tinentes da burguesia. Suportemos ainda; não esta-mos habituados a sofrer? Soframos, mas não esque-çamos nada.

E, enquanto aguardamos, prossigamos, redo-bremos, ampliemos cada vez mais o trabalho denossa propaganda. É preciso que os trabalhadoresde todos os países, os camponeses bem como osoperários das fábricas e das cidades, saibam o quequer a Associação Internacional, e compreendamque, fora de seu triunfo não há para eles qualqueroutro meio de emancipação sério; que a Associação

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Internacional é a pátria de todos os trabalhadoresoprimidos, o único refúgio contra a exploração dosburgueses, a única força capaz de derrubar o poderinsolente dos burgueses.

Organizemo-nos, ampliemos a nossa Associa-ção, mas, ao mesmo tempo, não esqueçamos de con-solidá-Ia a fim de que nossa solidariedade, que é todaa nossa força, torne-se a cada dia mais real. Sejamoscada vez mais solidários no estudo, no trabalho, naação pública, na vida. Associemo-nos em empresascomuns para fazer nossa existência um pouco maissuportável e menos difícil; formemos em toda parte,e tanto quanto nos seja possível, essas sociedadesde consumo, de crédito mutual e de produção, que,conquanto incapazes de emancipar-nos de uma ma-neira suficiente e séria nas condições econômicasatuais, habituam os operários à prática dos negóciose preparam germes preciosos para a organização dofuturo.

Esse futuro está próximo. Que a unidade de es-cravidão e míséria que hoje abraça os trabalhadoresdo mundo inteiro, transforme-se para todos nós emunidade de pensamento e vontade, de objetivo e ação,- e a hora da libertação e da justiça para todos, ahora da reivindicação e da plena satisfação soará.