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A imprensa à luz do capitalismo moderno: um programa de pesquisa de Max Weber sobre os jornais e o jornalismo 1 Gilles Bastin Resumo A primeira metade da década de 1910 foi um período decisivo para o pensamento de Max Weber. Embora, inicialmente, ele tenha tratado do surgimento do capitalismo moderno em relação à ética religiosa, e a partir de então começou a vincular o estudo do capitalismo contemporâneo a outros temas – direito, música e imprensa. Com relação a este último tema, ele procurou estabelecer uma ampla proposta no âmbito da criação da Sociedade Alemã de Sociologia. Este artigo narra a história da formulação deste programa de pesquisa e a sua descontinuidade, pois antes de desvendar esta relação, parece que Weber quis verificar a relação entre a “economia da informação” e a própria economia. Palavras-chave: Weber, jornalismo, sociologia, capitalismo, imprensa. O sociólogo alemão Max Weber manteve uma estreita relação com os jornalistas e a imprensa ao longo de sua vida. Do ponto de vista biográfico, ele trabalhou como editorialista em diferentes jornais reformistas alemães, em particular o Frankfurter Zeitung, e sentiu-se atraído pela profissão de jornalista no final de sua vida, avaliando essa uma escolha muito mais atraente do que lecionar 2 . Do ponto de vista político, as suas análises das deficiências democráticas da sociedade 1 Tradução de Maria Luiza Gonçalves Vieira e Aldo Antonio Schmitz, da versão publicada em Max Weber Studies 2013 2 “‘Ganhar dinheiro’? Sim, mas como? Esta é a pergunta que me faço. Ao invés de ser professor, eu tiver que trabalhar para um jornal ou outra publicação local, nisso eu não teria nenhuma objeção. Afinal de contas, eu posso fazer esse trabalho administrativo melhor que esses falatórios acadêmicos (kolleg-schwätzerei), que nunca me dão satisfação espiritual” (citado por Marianne Weber, 1975, p. 692-693).

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A imprensa à luz do capitalismo moderno: um programa de pesquisa de Max Weber

sobre os jornais e o jornalismo1

Gilles Bastin

ResumoA primeira metade da década de 1910 foi um período decisivo para opensamento de Max Weber. Embora, inicialmente, ele tenha tratado dosurgimento do capitalismo moderno em relação à ética religiosa, e a partir deentão começou a vincular o estudo do capitalismo contemporâneo a outrostemas – direito, música e imprensa. Com relação a este último tema, eleprocurou estabelecer uma ampla proposta no âmbito da criação da SociedadeAlemã de Sociologia. Este artigo narra a história da formulação desteprograma de pesquisa e a sua descontinuidade, pois antes de desvendar estarelação, parece que Weber quis verificar a relação entre a “economia dainformação” e a própria economia.

Palavras-chave: Weber, jornalismo, sociologia, capitalismo, imprensa.

O sociólogo alemão Max Weber manteve uma estreita relaçãocom os jornalistas e a imprensa ao longo de sua vida. Do ponto de vistabiográfico, ele trabalhou como editorialista em diferentes jornaisreformistas alemães, em particular o Frankfurter Zeitung, e sentiu-seatraído pela profissão de jornalista no final de sua vida, avaliando essauma escolha muito mais atraente do que lecionar2. Do ponto de vistapolítico, as suas análises das deficiências democráticas da sociedade

1 Tradução de Maria Luiza Gonçalves Vieira e Aldo Antonio Schmitz, da versão publicada emMax Weber Studies 20132 “‘Ganhar dinheiro’? Sim, mas como? Esta é a pergunta que me faço. Ao invés de serprofessor, eu tiver que trabalhar para um jornal ou outra publicação local, nisso eu não terianenhuma objeção. Afinal de contas, eu posso fazer esse trabalho administrativo melhor queesses falatórios acadêmicos (kolleg-schwätzerei), que nunca me dão satisfação espiritual” (citadopor Marianne Weber, 1975, p. 692-693).

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alemã levaram Weber a ver a imprensa como um elemento importantena constituição de uma sociedade civil forte e valorizar o trabalho dosjornalistas (Hardt, 1979, p. 163). Este tipo de análise também aparececlaramente nos parágrafos dedicados ao jornalismo em A política comovocação. Aqui Weber contribui para a reabilitação da profissão,salientando a dificuldade desta profissão, que requer um relato rápidodos assuntos referentes ao “mercado”, trazendo para si, comfrequência, grande responsabilidade nesse sentido, mais do que oscientistas e pesquisadores.. Assim, ele assumiu uma posição de debatena Alemanha, desencadeado pelo surgimento do jornalismosensacionalista durante a Primeira Guerra Mundial. Nos círculosintelectuais da época, o jornalismo, para usar uma das expressõespróprias de Weber, era uma profissão “pária”, e desprovida de todos osprincípios morais.

Ao ler este texto, provavelmente é a melhor forma de entender ojornalismo, pois se familiariza com o desejo “objetivo” sobre ascondições desta profissão, cujo alcance ultrapassa as questões políticasdiárias. Ele discute de forma extensa as chances dos jornalistas deconquistar cargos políticos. Isso leva Weber a esboçar uma análisehistórica das profissões relacionadas à imprensa. Ele enfatiza oaumento no tamanho das empresas de mídia e a crescente carga detrabalho dos jornalistas pela “necessidade de ganhar seu sustentoescrevendo matérias diárias ou semanais, é uma espécie de grilhão”(Weber 1994a, p. 332).

A partir de considerações de ordem política, consequentemente,Weber descreve a imprensa com ênfase na economia, relacionada aomundo das empresas capitalistas, em vez de um ofício jornalístico. Eleusa, por exemplo, termos como “grandes corporações de jornaiscapitalistas” (die groen kapitalistischen zeitungskonzerne), observando que“a influência política do trabalho do jornalista é cada vez menor,enquanto o prestígio de magnatas da imprensa capitalista – a exemplodo lorde Northcliffe3 – cresce cada vez mais” (Weber, 1994a, p. 333).

Este desvio de considerações políticas para econômicas éesboçado na palestra de 1919. Weber parece querer se justificarreferindo-se a um tópico genuíno em “seus próprios direitos” dasociologia, que exige um tratamento mais aprofundado, “mesmo para

3 Alfred Harmonsworth (1865-1922), visconde de Northcliffe, magnata da imprensa britânica,proprietário dos jornais Daily Mail e Daily Mirror.

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esboçar a sociologia do jornalismo politico moderno seria quaseimpossível no contexto desta palestra, por isso este problema, é naverdade, um capítulo à parte” (Weber 1994a, p. 331).4 Como podemosentender esta exortação contra uma ambição excessiva, quando aomesmo tempo ele está anunciando um conjunto de pesquisa sobre estetema? De fato, os trabalhos de Weber não apresentam uma elaboraçãoformal de uma verdadeira “sociologia do jornalismo moderno”. Porém,isto não significa que em 1919 Weber esteja antecipando os avanços desua pesquisa, avanços estes que, a sua morte poucos meses depois,impossibilitou que ele concluísse. É muito mais provável que eleestivesse se referindo ao programa de pesquisa, permitindo quelançasse os fundamentos deste ramo da sociologia dez anos antes.

Programa de pesquisa sobre a imprensa de 1910: história da interrupção

O programa de pesquisa sobre a imprensa aparece de forma maisexplicita em outubro de 1910, na sua palestra de abertura na primeiraconferência da Sociedade Alemã de Sociologia. Apresentado como umprojeto cujo objetivo era unir a comunidade acadêmica incipiente pelaprimeira vez sob os auspícios da sociologia, uma vez que os ouvintesestavam predispostos para isso: “senhoras e senhores, o primeiroassunto que considero plausível à sociedade para um tratamentopuramente científico é a sociologia da imprensa” (Weber, 2007, p. 82).5

Antes de entrarmos mais a fundo nesse projeto é necessário entendersua origem e progressos por meio de seu eventual fracasso poucos anosdepois.

Sociedade Alemã de Sociologia e a criação do projeto de pesquisa

Em 1909 e 1910, Max Weber esteve envolvido principalmente emdois projetos de pesquisa (a julgar pelo destaque em suacorrespondência – ver em Weber, 1994b). Uma foi a criação do estudosobre a imprensa (que Weber chamou de programa de pesquisa) e ooutro, a Sociedade Alemã de Sociologia (Deutsche Gesellschaft fürSoziologie, doravante DGS). Ambos os projetos são, como veremos,quase inseparáveis. A DGS foi fundada oficialmente em 3 de janeiro de1909 e rapidamente Weber tornou-se um divulgador entusiasta,recomendando aos estudiosos alemães, que se reconhecesse a sociologia

4 Mais especificamente, Weber se refere à sociologia do jornalismo político moderno5 A expressão em alemão é Soziologie des Zeitungswesens

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como uma nova disciplina acadêmica.6 O seu envolvimento era tanto,que ele parece ter assumido a liderança moral desta nova instituição.7

Esta foi uma experiência nova, no período em que Weber aindaera membro da Verein für Sozialpolitik (Associação de Política Social),que lhe permitiu pesquisar os trabalhadores da indústria e agricultoresao leste do rio Elba.8 Seu compromisso com a implantação da DGSenvolveu dois objetivos principais: primeiro, a criação de um fórumpuramente científico (embora a Verein não separasse as questões moraise acadêmicas [Kaesler, 1988, p. 18]) e segundo, o desenvolvimento dapesquisa empírica e as discussões coletivas de metodologiasapropriadas.9 A DGS, consequentemente, deu a Weber a esperança paradesenvolver a sociologia como disciplina científica e universitária naAlemanha. Isso está muito claro nos primeiros rascunhos dos estatutosque ele elaborou para esta associação.

Uma associação, conhecida como Sociedade Alemã deSociologia, com sede em Berlim, foi fundada com o objetivo depromover o conhecimento da sociologia por meio darealização de pesquisa puramente acadêmica, publicação eapoio ao trabalho científico e na organização de eventosperiódicos da sociologia alemã. Ela orienta e indicaabordagens na área da sociologia e se recusa a serrepresentante de qualquer prática (seja ética, religiosa,política, estética etc.) (Carta ao filósofo Wilhelm Windelband,29 de maio 1910. Weber 1998b, p. 547).

O programa de pesquisa situa-se neste contexto. Embora,inicialmente, fosse um dos projetos pessoais de Weber10 (o nós usado naapresentação do projeto na primeira conferência da DGS não passa deuma retórica), ele estava perfeitamente ciente das dificuldades que teriapara conduzir o projeto sozinho. Ele precisava de aliados e da adesãode muitos colegas de diferentes áreas para pesquisar um tema tãovasto. Uma vez fundada, a DGS serviu de base perfeita para o projeto

6 Veja a carta para o economista e cientista social Franz Eulenburg (1867-1943) datada de 12 dejulho 1909 (Weber, 1994b, p. 174).7 Foi Weber quem redigiu os estatutos da DGS, em maio de 1910.8 A Verein für Sozialpolitik foi fundada em 1872 por cientistas interessados em estimular a economianacional alemã e melhorar as condições de vida dos trabalhadores (Kaesler, 1988, p. 187-188).9 Entre as propostas de equipes locais com a DGS foi, por exemplo, um grupo de trabalhosobre o uso de estatística na sociologia.10 Weber pode ter começado a trabalhar na pesquisa sobre a imprensa já em 1908 (Kutsch,1988).

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de pesquisa. Os esforços de Weber para persuadir seus colegas dauniversidade a se unirem à DGS foram, desta forma, essenciais para apesquisa sobre a imprensa deslanchar. Assim, em carta ao economista ecientista social Lujo Brentano (1844-1931), datada de 13 abril de 1909,ele escreve:

Desejamos, por exemplo, ir direto para a sociologia daimprensa. Sim, isso precisa ser organizado. Colegas comconhecimentos específicos precisam estar do nosso lado.Devemos nos perguntar: o que podemos aprender e, naverdade, até o que não sabemos a respeito de uma pesquisasistemática? Para isso temos que conseguir dinheiro (degrupos de pessoas ricas de Berlim, Frankfurt Mannheim etc.para reunir fundos) e encontrar uma editora que estejadisposta a dar alguma visibilidade ao trabalho, - e sem uma‘sociedade’, nada disso é possível (Weber, 1994b, p. 94).

E em outra carta para Franz Eulenburg, em 12 de outubro de1910, ele escreveu:

Existem enormes dificuldades nesta pesquisa sobre aimprensa e você poderia, claro, ao final me dizer ‘você não viuisso antes? Eu te avisei!’ Eu sei muito bem que este projetodeve ser encarado de frente e para isso haveria um preço deimpotência por parte da sociologia, se tivesse que explicar que‘este campo nebuloso torna meus métodos ridículos’, mas istoé, de fato, refutado pela literatura existente sobre a imprensa,e alguns são excelentes. Obviamente, eu não posso fazer issosozinho, e se as pessoas com conhecimentos apropriados nãoparticiparem, eu devo silenciosamente adiar o projeto (Weber,1994b, p. 644).

Weber não tinha a intensão de tocar o projeto sozinho,provavelmente porque estava ciente de seus problemas de saúderecorrentes, mas tomou a frente para convencer especialistas alemães aparticiparem. Cerca de 20 nomes aparecem nas correspondências comofuturos colaboradores.11 Entre eles estavam Hjalmar Schacht (quedesenvolveu um método de análise estatística de jornais antes deingressar na carreira de banqueiro), Eduard Bernstein que foi escolhido

11 Em junho 1910 Hermann Beck cita 50 nomes de pessoas (na Alemanha e no exterior) quedeclararam sua vontade de colaborar.

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por Weber por seu conhecimento sobre a imprensa social-democrata,Robert Michels e Hermann Beck.

Por outro lado Weber queria envolver pessoas da imprensa napesquisa. Para isso, ele entrou em contato com vários membros doSindicato de Editores de Jornais da Alemanha para tentar convencê-losa participar. Muitos responderam de forma positiva (em particular,Max Jänecke, presidente do sindicato; Jacobi, editor-chefe doHannoversichen Kuriers e Curzio Curti do Frankfurter Zeitung). Webertambém conseguiu a cooperação da então recém-formada AssociaçãoProfissional dos Jornalistas (Reichsverband der Deutschen Presse), fundadaem novembro de 1910 da fusão de outros dois sindicatos, umrepresentando os editores e o outro, jornalistas e escritores. Foi o editor-chefe do Neue Badische Landeszeitung, Alfred Scheel, quem apoiou aideia de participar do projeto liderado por Weber na associação. Ele,inclusive, criou um questionário sobre a pesquisa para ser distribuídoentre os membros da associação (Kutsch, 1988).

A questão do financiamento aparece em sua correspondênciacomo uma das principais preocupações de Weber. Em suas estimativaseram necessários 25.000 marcos, uma quantia considerável para aépoca, que poderia ser levantada apenas por meio de um forte apoioinstitucional.12 Weber era muito ágil em angariar fundos para ofinanciamento do programa e em poucos meses conseguiu quatroquintos do valor necessário, com a Academia de Ciências deHeidelberg, que fez uma contribuição significativa. O quão importanteWeber considerou o sucesso do projeto, pode ser medido pelacontribuição feita por Paul Siebeck, editor do Grundriss Sozialökonomik,que estava prestes a desistir do aporte daquele volume que estavasendo preparado na época, em benefício do programa de pesquisa.13

Nos primeiros meses o trabalho de Weber foi organizar o projeto depesquisa, com a promessa de conseguir resultados rápidos, o primeiroestágio seria a sua criação, em 6 de março de 1911, em Heidelberg nasede DGS, com pouco tempo para concluir o estudo. Com o incentivode seu secretário, Hermann Beck, a sociedade também pretendia criarum arquivo da imprensa alemã, para colecionar as reportagens com o

12 Fazendo uma estimativa por alto, dado o problema natural do exercício, isto corresponde acerca de 103.000 euros (na época em que o artigo original foi escrito, em 2001), se o cálculo forbaseado no índice de preços dos alimentos na Alemanha ou 289.000 euros se a base for ospreços dos imóveis.13 Carta para Paul Siebeck, 11 ago. 1909 (Weber, 1994b, p. 224).

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objetivo de facilitar a conclusão do projeto.

A interrupção: os processos judiciais de 1911-1913 e o desânimo com o andamento da DGS

De janeiro de 1911 até o começo de 1913, Weber esteve envolvidoem três casos de difamação. Embora não tivessem, a priori, ligação como programa de pesquisa sobre a imprensa, os processos começaram aser relacionados ao projeto e, significativamente, isto afetou o seuandamento.

O primeiro processo envolvia o círculo feminista (Frauenbildung-Frauensstudiums) (o qual Marianne Weber estava ativamente envolvida)de promoção da emancipação feminina. Um professor universitário(Privatdozent) antissemita, Arnold Ruge, publicou um artigoextremamente difamatório sobre este círculo.14 Embora o nome deMarianne não tenha sido mencionado, Weber, querendo defender ahonra de sua mulher, não conseguiu com que Ruge se retratasse, epublicamente questionou a sua atuação irregular na universidade, oque depois faria com que ele o processasse por difamação, uma formade agir que seria desvantajosa apenas para Ruge. Após processar Weberem janeiro de 1911, Ruge ficou num impasse, e se retratou por suaspalavras em fim de março, um final que agradou a Weber.

Este processo teve consequências graves do início de 1911 emdiante. Em 8 de janeiro, o Dresdner Neuesten Nachrichten publicou umaversão anônima de que na disputa Weber-Ruge, dava a entender queWeber se recusou a defender a honra de sua esposa, fugindo da ética doseu grupo. Weber novamente querendo se retira dessa afronta, escreveupara o editor-chefe do jornal Revolverjournalist, com isso esperava forçá-lo a revelar a identidade do autor da declaração apócrifa. Deu-se entãoum novo processo que Weber, indo além de seus interesses pessoais,levantou outras questões políticas referentes à imprensa e, emparticular, ao princípio do anonimato e proteção das fontes.

O segundo processo (que Weber perdeu) deu-lhe a oportunidadede chamar a atenção do público para o debate sobre questões comoliberdade de expressão e o trabalho da imprensa. Estas preocupaçõesaparecem claramente em uma entrevista ao Heidelberger Zeitung após o

14 Em particular, ele se referia a “solteironas, mulheres estéreis, viúvas e judias”, quesupostamente participaram das reuniões do círculo, contrariando os princípios dos “deveresmaternos”.

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processo judicial. Weber cria a ideia de que a proteção das fontes,embora necessária em esferas como a política, não se justifica quando ahonra pessoal está em jogo. Em conferência no Sindicato da ImprensaImperial, ele alerta que:

É preciso reconhecer a impossibilidade de uma imprensapolítica genuína, nos assuntos políticos, sem o sigilo de fonte.Para um jornal como o ‘Times’, por exemplo, seriaabsolutamente impossível revelar todas as fontes deinformação, algumas delas contra a própria monarquia. Masisso não se aplicaria à informação que depois se provaria serfalsa. As coisas são, entretanto, muito diferentes quando setrata de privacidade. Nos casos em que as notícias afetam oupodem afetar a reputação pessoal de alguém, a imprensaobviamente tem o dever de revelar quem disse – mesmo queeste possa ser considerado um discurso acadêmico. Eurespeito a imprensa, mas também não tenho medo dela – parafalar especificamente desses casos: eu vou apenas reportaressas informações se você [Weber refere-se às fontes] disserque está disposto, se a informação for contestada ou falsa, aser identificado (Heidelberger Zeitung, 18 out. 1912, citado emWeber, 1998b, p. 974-975).

O terceiro processo decorre do anterior. O autor da difamação erade fato um professor da Universidade de Heidelberg, Adolph Koch,que desde 1895 fazia palestras sobre jornalismo. Weber, na busca deuma compensação, também entrou com um processo de difamaçãocontra ele, questionando, inclusive a sua capacidade de continuar afalar sobre o tema, além de pedir sanções disciplinares pelauniversidade. Koch, após o julgamento, retirou a ação e foi destituídode suas credenciais acadêmica (a Venia legendi – permissão paralecionar). Neste último caso, houve uma ligação mais direta com apesquisa proposta.15 Max Weber tinha realmente planejado incluir Kochno projeto, mas depois mudou de ideia. Por isso ele poderia terressentimento suficiente para processar Weber (MWG, v. 2, 7. parte, 1.Halbband, p. 8).

15 Em a carta ao economista Heinrich Herkner (cofundador da DGS), datada de 27 maio de1910 Weber, como se tivesse uma premonição, expressa suas dúvidas sobre Koch: ‘… oquanto ele está empenhado, eu gostaria de saber mais sobre Koch. Ele poderia ser fundamentalpara a pesquisa sobre a imprensa, com dados e seus contatos, talvez teríamos uma ‘máimprensa’ se ele não for incluído. Por isso, tanto quanto possível, precisamos agir comcuidado!’(Weber, 1994b, p. 542).

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O fim dos processos coincide, mais ou menos, com o abandonode Weber da proposta de pesquisar a imprensa. As vicissitudes dessesprocessos podem ter contribuído para o fracasso. Weber talvez tambémdiscordasse da imprensa em geral, particularmente durante a segundaação judicial (o editor-chefe do Dresdner Neuesten Nachrichten eramembro da comissão do Sindicato da Imprensa Alemã). Isto pode seratestado pelo tom no final da matéria do Heidelberger Zeitung. Pareceainda, que Weber sentiu o forte corte do apoio financeiro, bem comoteve a sua legitimidade acadêmica prejudicada, dessa forma ele nãopoderia mais ir adiante.16 Ainda, a constante atenção exigida nestesprocessos (evidenciado em suas correspondências), Weber não tevetempo nem liberdade para insistir no projeto de pesquisa sobre aimprensa. Além disso, a preocupação com a sua pesquisa pessoal arespeito da ética econômica e sobre as principais religiões, tambémpodem ter sido a razão decisiva para que desistisse da sociologia daimprensa.17

Mas a explicação não é inteiramente satisfatória. Weber aindamanteve relações muito boas com jornais importantes com o DresdenerNeuesten Zeitung e os processos tinham claramente demonstrado suaboa fé. Por outro lado, o insucesso da DGS, sem dúvida, teve um pesoforte. Ficou claro que no fim de 1911 Weber fracassou em sua tentativade reunir um número considerável de pesquisadores na DGS e noprojeto de pesquisa sobre a imprensa. As sucessivas saídas de KarlBücher e Franz Eulenburg, que Weber havia pedido para gerenciar oprojeto, parece ter contribuído para o seu desânimo.

As conferências de sociologia de 1910 e 1911 também forammarcadas por discussões difíceis, referentes à necessidade deneutralidade axiológica defendida por Weber, que esperava que umavez criada uma sociedade puramente acadêmica, a DGS teria evitado asdiscussões sobre juízos de valor que estavam acontecendo naqueletempo na Verein (associação), que desde 1909, era um fórum para

16 Esta é a interpretação pessoal de Weber sobre o fracasso do projeto, incluído no relatórioque ele fez para os membros da DGS durante a sua participação na segunda Conferência deSociologia, em outubro de 1912. A comissão do Reichsverband der Deutschen Presse (AssociaçãoNacional da Imprensa Alemã) pode ter discutido a inconveniência de participar do projeto emdecorrência dos processos judiciais (Kutsch, 1988).17 A sociologia da imprensa teve um segundo fôlego na Alemanha, na década de 1920,principalmente por iniciativa do irmão de Max Weber, Alfred. Os processos podem serconsiderados a fonte do atraso no desenvolvimento deste ramo da sociologia na segundadécada do século XX (Obst, 1986).

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discussões acaloradas sobre a neutralidade e a natureza científica dasciências sociais e em particular do estudo de política econômica.

A discussão sobre o conceito de produtividade durante aconferência de 1909 promovida pela associação em Viena, na qualWeber assumiu o papel de defensor da neutralidade, foi o momentodecisivo naquele debate. Isto levou Weber a estabelecer princípiosmetodológicos contidos em seus textos sobre “sociologiacompreensiva” (1913) e “valor da liberdade” (1917).18 Mas o debate nãopoupou a DGS e Weber teve que enfrentar muitas críticas sobre estasquestões (Kaesler, 1988, p. 187). Essas conferências também revelaram adificuldade de reunir em um projeto colaborativo figuras eminentes naDGS (Georg Simmel, Werner Sombart, Ferdinand Tönnies).19 Weber,que estava preparado apenas para ser o tesoureiro da associação,renunciou a este papel em 1911 e desligou-se completamente daassociação em 1914.20

O projeto de pesquisa sobre a imprensa, consequentemente, nãofoi além da proposta inicial. Não chegou à maturação empírica,tampouco deu origem ao desenvolvimento deste ramo da sociologiana segunda década do século XX (Obst, 1986), nem mesmo evoluiu noprocesso de sua formulação, para usar as concepções que poderiamprovar a existência de uma sociologia weberiana da imprensa, damesma forma que o direito, a cidade e a música. Os documentospreparatórios do projeto são tudo o que resta, além de poucasreferências marginais nos escritos de Weber que sugere ser um braçoda sua sociologia. Assim, só é possível se limitar a uma hipóteseprudente, a verdadeira natureza desse material oferece aoportunidade de entender os argumentos de Weber sobre umconjunto de questões abstratas (e métodos teóricos) restritas à lista dequestionamentos (problemáticas) que poderiam ser testadas no campo(um programa de pesquisa). Além do programa, vale a pena verificar

18 Ver em Pollak (1986b) para uma interpretação psicológica da noção de neutralidade(conforme as suas análises na pesquisa com agricultores).19 “Você deve ter notado que era impossível ter uma pessoa liderando o projeto. Tönnies teriarenunciado, como ele me avisou, Sombart e Simmel não teriam aparecido se não tivessem nacomissão. Nós temos que aceitar isso” (Carta para Franz Eulenburg, 12 out. 1910; Weber,1994b, p. 644-45).20 Ver Hennis (1996) para mais detalhes sobre o contexto institucional em que Weberdesenvolveu sua proposta de pesquisa.

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11 A imprensa à luz do capitalismo moderno

outros materiais.21

A economia social da imprensa em um sistema capitalista

O ponto de partida de Weber para a pesquisa é claramente a ideiade uma reflexão sobre a cultura moderna. Nas primeiras linhas doprograma, Weber parece sugerir que a imprensa era de interesse, comoum desvio frutífero, para compreender e entender o que ele chama de“grandes problemas culturais do nosso tempo”, ou seja, o surgimentode uma cultura moderna e um novo tipo de personalidade ou“homem” moderno.

Uma pesquisa sobre a imprensa deve, em última análise,apontar problemas do nosso tempo. I. Como a sugestãopsicológica, por que a sociedade moderna tem a tendênciacontínua para integrar e aculturar o indivíduo: a imprensacomo um dos meios de formação da individualidade subjetivada humanidade moderna. II. As condições criadas pelaopinião pública, principalmente por meio da imprensa. Osurgimento, manutenção, dissimulação e reorganização deelementos artísticos, científicos, éticos, religiosos, políticos,sociais e econômicos da cultura: a imprensa como umcomponente da individualidade objetiva da cultura moderna(Weber, 1998a, p. 111).

Na palestra de 1910, este problema é formulado como umapergunta: “Eu gostaria apenas de pedir que considerasse como seria avida moderna se não houvesse imprensa, e nenhum tipo de publicitação[publizität] criado pela imprensa” (Weber, 2008, p. 83).

“O negócio do jornal” e o “espírito” dos jornais

Na parte seguinte do plano, Weber não se limita ao exame dopapel cultural da imprensa nos tempos modernos. O tema aparece apartir das linhas de abertura como um horizonte para a pesquisa, comoobjetivo concreto: “os principais objetivos da pesquisa no início não pode,obviamente, ser um objetivo imediato” (Weber, 1998a, p. 111). A

21 Existem duas fontes para um estudo aprofundado sobre a proposta da pesquisa sobre aimprensa. O mais acessível é o artigo introdutório de Weber produzido nos primórdios daDGS, datado em 19 de outubro de 1910. O outro texto, provavelmente elaborado por Weberno início de 1910 e distribuído aos convidados a participar o projeto, um roteiro detalhadocheio de métodos e técnicos para o trabalho de campo, bem como hipóteses de pesquisa.

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perspectiva escolhida para lidar com o tema é, de fato, altamentematerialista: Weber define como princípio da pesquisa considerar emprimeiro lugar todas as estruturas econômicas das empresas decomunicação e a estrutura econômicas da imprensa em geral. Ele pode,por exemplo, deliberadamente recusar a considerar a produção pelaspreocupações da imprensa (referente a Stoff, ou material) comoqualquer outro produto econômico:

Nós temos que, de maneira alternativa, começar do fato quetoda a atividade cultural por parte da imprensa, hoje estáligada às condições da existência das empresas privadas, eassim devem permanecer; eu acredito que é o negócio dojornal que deve ser o centro de pesquisa, por isso é necessáriodar condições de existência e suas consequências, para asperspectivas comerciais de toda a gama de jornais modernos,cuja atividade competitiva pode ser observada hoje em dia(Weber, 1998a, p. 111-112).22

A primazia dada por Weber para um ponto de vista materialistasobre a imprensa pode ser também claramente observada na estruturada pesquisa, como apontando no Vorbericht. O texto é organizado emduas sessões principais: a primeira dedicada ao “negócio do jornal” (dasZeitungsgeschäft) e a segunda em sua “perspectiva” ou “espírito” (dieZeitungsgesinnung).23 Os dois níveis de análise parecem pôr um contra ooutro, mas são tratados separadamente por Weber, na perspectiva dapesquisa. Uma parte da investigação que ele antecipa, consiste, de fato,na análise do negócio, no gerenciamento das preocupações comerciaisda imprensa (que prevê a consulta da contabilidade de vários jornais eos registros comerciais), a estrutura de mercado do jornal (competiçãoentre jornais e a criação dos encargos, de distribuição, tais como as

22 A discussão reaparece de forma parecida no Geschäftsbericht: “Se nós olharmos a imprensasociologicamente, nós vamos achar que o que é fundamental para todas as nossasinvestigações é o fato que a imprensa hoje é necessariamente capitalista, uma empresa decapital privado” (Weber, 2008, p. 84).23 A tradução desses dois termos de certa forma é problemática. Zeitungsgeschäft é muito gerale se refere ao jornal ou à imprensa como uma empresa ou negócios. Dependendo do contexto,poderia ser reduzido como “preocupações (comerciais) da imprensa” ou “negócios do jornal”.Por Zeitungsgesinnung optamos por “espírito do jornal”. Weber também usa no fim daprimeira parte do Vorbericht o termo Geist der Zeitung. Em qualquer caso, é interessantecomparar a tradução do Gesinnung proposto por J. P. Grossein no contexto de sociologia dareligião. Lá os termos não se referem tanto aos individuais quanto aos “pontos de vista”(desencantamento do mundo), como as suas disposições ou atitude, a sua moralidade nasações diárias.

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assinaturas ou vendas avulsas e as notícias mais comuns do mercado(“o custo dos serviços de notícias locais em comparação com osinternacionais”); ou a influência das agências de notícia sobre “aapuração do conteúdo”:

Reuters e Associated Press seriam especialmente importantes,a última, única agência ainda de propriedade de um jornal(americano), que consequentemente é um instrumento demonopólio por parte desse jornal. Seria necessário investigaros princípios comerciais de acordo com o que cada jornalassina nessas agências, ou as (estimativas) condições queregem as assinaturas, as categorias de notícias usadas comesse propósito (‘importante’ ou ‘sensacionalista’) e asmudanças nestas categorias (Weber, 1998a, p. 113).

Nesta primeira parte, Weber também dá grande ênfase para osproblemas da organização do trabalho na indústria dos jornais, adistribuição das cargas de trabalho e do poder entre membros daequipe – o que ele chama de “distribuição do material”, plano decarreira e a organização do jornalismo como profissão: “fundo social, aeducação anterior, pelo recrutamento, condições de nomeação e depagamento, a ‘carreira’ de jornalistas (se possível através de umquestionário)” (Weber, 1998a, p. 116).

Na parte sobre “o espírito do jornal”, a proposta de Weber erainiciar com o desenvolvimento da identidade coletiva do jornal (o queele chama de “anonimato do jornal”), em segundo lugar, com ainfluência usada no conteúdo “tradicional” e a lealdade política.Finalmente, na sessão intitulada “a produção da opinião pública pelaimprensa”, ele planejou estudar os efeitos da leitura do jornal nalinguagem, estilo de vida, debates acadêmicos e “moralidade pública”.

Que tipo de leitura importante a imprensa incentiva, e quemudanças provoca no pensamento e na linguagem? (exemploclássico para começar: análise das “revistas” americanas).Trata-se da extensão e da natureza da relação entre a leiturade um jornal e outros impressos.

Quais são os outros meios que a imprensa aborda? (exemploclássico: a Rússia antes e depois do decreto que concede a umarelativa liberdade de imprensa, com o controle dos periódicose transformações de toda natureza pela imposição demateriais de leitura), bem como a urbanização do campo e das

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pequenas cidades, pela influência da imprensa (Weber, 1998a,p. 118).

A organização da pesquisa planejada parece apontar para umdeterminismo econômico acentuado claramente em alguns doscomentários de Weber, por exemplo, quando ele pergunta como ocapital de um jornal pode influenciar seu conteúdo ou como grupos depressão gerenciam seus jornais. O Vorbericht é, porém, um texto maiscomplexo, do que este plano determinista levaria qualquer um aacreditar. Em qualquer evento, isto não pode ser reduzido para umasérie de categorias abstratas e descritivas que poderiam ser definidasem um texto descritivo de um livro sobre a imprensa, que poderia serusado em qualquer lugar e qualquer tempo (1. Estrutura econômica:propriedade, organização do trabalho…, 2. Conteúdo cultural eideológica dos jornais…). Para interpretar o plano de pesquisa destamaneira significaria que uma conta insuficiente é levada de sua obvia eclara orientação em direção a um contexto socioeconômico específico,intenção repetidamente declarada por Weber, de procurar entender odesenvolvimento mais do que a situação da imprensa e finalmente e apersonalidade altamente problematizada (por trás da aparência muitodescritiva do plano e a abundância de seus detalhes) dos caminhossugeridos da pesquisa. As questões levantadas são, de fato, maisorientadas em direção a algumas questões centrais: a naturezaproblemática da racionalização, dentro de um contexto modernocapitalista, organização e comportamentos. Este questionamentoimplícito em numerosas formulações surge como a terceira parte, queprocura resolver a problemática entre estruturas econômicas e as suasconsequências ideológicas.

Capitalismo e imprensa: uma relação mutua

A maioria das questões levantadas na parte “econômica” doprojeto são orientadas em direção à ideia de que a produção dainformação não depende (ou não depende mais) de uma atividadeartesanal do jornalista, mas sim sobre uma escala de atividadeindustrial que envolve grandes empresas e forma de subcontratação(agências de notícias, fornecedores de anúncios classificados e materiaiscomplementares…) dentro de mercados altamente estruturados (porexemplo, declarações oficiais à imprensa e comunicados publicados pororganizações) que tem uma dimensão organizacional e institucional

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forte. Esta questão subjacente vem claramente na seção do plano depesquisa que fala sobre o “americanismo”:

‘Americanismo’ na imprensa, quanto à configuração, arranjo,composição, a importância relativa das editorias separadas eda organização das manchetes. A influência sobre o estilo dojornal e a forma como o jornal é lido. A análise exata dascaracterísticas comerciais dos jornais americanos emcomparação aos nossos, a entrada desse estilos aqui, a razãopara isso (ou por que não)? (Weber, 1998a, p. 114).24

Até onde os jornalistas estão diretamente preocupados, Weberestá interessado em suas “trajetórias profissionais” e “chances na vida”dentro da profissão e parecem querer questionar a imagem da profissão(e também como a profissão é organizada no sentido de atributoscomuns mencionados no parágrafo sobre o plano de pesquisa:sindicatos, tribunais para regulamentação da conduta profissional…).Ele também examina a absorção da profissão com relação a outrasatividades (especifica assim a sua pesquisa sobre as “trajetóriasprofissionais” e dando a isso uma dimensão comparativa), bem como ainfluência individual do jornalista dentro de uma organização como ojornal:

A personalidade precisa e o desenvolvimento da posiçãosocioeconômica do jornalista, muda de um para outro tipo deocupação, natureza das possibilidades na vida do jornalista(que prevalece hoje comparado ao passado, nacionalmentecomparado ao exterior) ambos dentro e fora de sua ocupação.Jornais e jornalismo, as demandas qualitativas feitasprincipalmente aos jornalistas modernos, adaptação e seleçãopor meio de condições e práticas dos negócios dos jornais(Weber, 1998a, p. 116).

De ambas as perspectivas, o modelo do jornalismo de ofício ouprofissão é implicitamente oposto aquele que vê os jornalistas comoempregados assalariados sujeitos às restrições econômicas dentro daindústria de jornal. Em todos estes pontos, pode-se dizer que Weberpretende testar a ideia de que a imprensa moderna é uma forma deeconomia capitalista racionalizada.

24 Era comum condenar a americanização da imprensa no início do século XX. Delporte (1999)foi capaz de mostrar que na França isto constituiu para uma forma de resistência romântica aoprocesso de industrialização da imprensa.

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Na segunda parte do projeto de pesquisa, as perguntas esugestões formuladas por Weber não podem ser reduzidas à clássicaproblematização da formação da opinião pública e do papel daimprensa. Weber não está interessado em como a imprensa afeta asideias dos indivíduos, mas sua vida cotidiana por meio daracionalização e universalização das ferramentas, por quais estilos devida individuais são interpretados. Estas questões surgem claramentena seção sobre “opinião pública”, na qual Weber discute maisconcretamente os elementos culturais do que o significado atual dacontemporaneidade que o termo parece sugerir, quando isto étransportado, por exemplo, para a produção de pesquisas de opinião.Ele examina a influência exercida pela imprensa na língua vernácula,sobre os modos de vida, especialmente as rurais, sobre a “moralpública” e os debates científicos. A imprensa assim ajuda a definirestruturas de pensamentos e ações estáveis e unificadas.25 Como Weberobserva por si mesmo no fim do Vorbericht, que a imprensa usa o“globalizado”, a “uniformização” e a “reificação” para influenciar acultura moderna e “as sensibilidades” contemporâneas.

Tais questões podem ser facilmente reproduzidas e apenas emrelação a essas e similares seriam as questões culturaisprincipais sobre o significado da imprensa – com a suaonipresença, padronização, matéria da realidade e ao mesmotempo, constantemente emocional pela influência coloridasobre o estado dos sentimentos e formas habituais depensamento do homem moderno sobre política, literatura eatividades artísticas, bem como sobre a constituição edesarticulação dos julgamentos das massas e suas crenças –estão abertas à discussão (Weber, 1998a, p. 119).

Quando se lê o Vorbericht, percebe-se que o pensamento deWeber consiste não em se opor ou classificar os dois níveis separadosde análise por meio do plano proposto na pesquisa, mas no uso deexemplos específicos, para comparar as lógicas “econômica” e“cultural”. Existem muitos exemplos como este no plano de pesquisa, e

25 Para Weber isto não é independente da estrutura do jornal de mercado: “Competição entretipos de jornal e as consequências. Até onde isto é regido por preocupações puramentecomerciais e até onde guia-se pela politica ou outros fatores? Que tipo de vencedores surgem?Tendências endógenas para monopólios regionais de notícias políticas dos principais jornais.Para que aumentar os jornais nas grandes cidades e particularmente aqueles que vem dascapitais nacionais que dominam o interior?”

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eles surgem como pontos cruciais de análise. Pode-se citar, emparticular, porque Weber se refere a ele em todos os textos alusivos àimprensa, a questão do anonimato, já que em sua época muitos artigoseram publicados anonimamente. Pela ótica do Geschäft assim como pelaGesinnung, o anonimato está ligado ao processo ocidental deracionalização (por um lado, o jornal como uma preocupaçãoempresarial estava se tornando mais distante do ofício jornalístico doque a assinatura de um artigo e, por outro, a produção de reportagensque não indiquem formas de individualidade de parte do processo de“uniformização” do julgamento, uma questão de grande interesse paraWeber).26

Também a questão da “linguagem” da imprensa poderia sercitada como um dos pontos cruciais. De fato, ambos surgem naprimeira parte, quando Weber se refere a “classificação usual dainformação” ligado a provisão de novos itens por meio das agências denotícias e no segundo onde ele discute “a estilização de como aimprensa é vista pela diagramação de suas páginas”, referindo-se às“mudanças formais na forma como as coisas são expressas e pensadassobre e como a imprensa educa seu leitor neste sentido”. A carta de 14de novembro de 1910 endereçada a Karl Vossler confirma que Weberestava procurando uma pessoa apta a conduzir a pesquisa sobre “ainfluência (direta ou indireta) do desenvolvimento da imprensarelacionada à linguagem, não necessariamente do ‘jornalismo alemão’ou qualquer coisa do tipo, mas do efeito contínuo da estilizaçãoemocional, estilo telegráfico etc.” (Weber, 1994b, p. 730). Weber conclui:“podemos precisar disso!”.

Este tipo de raciocínio é mais eficaz quando os exemplosestudados são tirados diretamente do mundo dos negócios e apreocupação de que determinado tipo de “ser humano moderno” navisão de Weber, o empresário. É no caso dos empreendedores que acomparação de Geschäft e Gesinnung aparece na forma mais direta deque “o enriquecimento e esquematização do pensamento” (Weber,1998a, p. 119) na leitura do jornal pode ser transportada maisefetivamente no Lebensführung ou condição da vida, em seus efeitoseconômicos. Em suas palestras sobre a história da economia em 1919,Weber claramente esgota o papel interpretado pelo desenvolvimento da

26 Claramente o tratamento dado a este problema do anonimato na pesquisa é muito diferentedaqueles relacionados aos seus processos judiciais. Aqui, não é sobre recompensas políticas,mas o indicador de mudança econômica.

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imprensa na expansão do comércio. Nisto Weber descreve na chegadado século XVIII de “uma organização da informação” em um mundoonde comportamentos econômicos foram até então baseados apenas nainformação a partir de “troca de cartas”:

Para o desenvolvimento de um comércio por atacado eespecificamente por um comércio especulativo, o pré-requisitoindispensável foi a presença de um serviço de notícias e umaorganização comercial adequada. O serviço público denotícias como é hoje foi desenvolvida mais tarde. No séculoXVIII, não apenas o parlamento inglês manteve seusprocedimentos secretos, mas as mudanças, que se tornaramum clube dos comerciantes, seguiu a mesma política no quediz respeito às suas informações. Eles temiam que apublicação de preços gerais levaria a uma sensação de doençae destruiria os negócios. O jornal como uma instituição veio aserviço do comércio de forma surpreendentemente tardia. Ojornal, como uma empresa, não era um produto docapitalismo. Ele surgiu em primeiro lugar com notíciaspolíticas e principalmente todo tipo de curiosidade do mundoem geral. A publicidade, entretanto, entrou no jornal aindamais tarde. Não esteve sempre ausente, mas originalmenterelacionado aos anúncios sobre família, enquanto apropaganda dirigida no sentido de encontrar um mercado,que inicialmente se tornou um fenômeno no fim do séculoXVIII – no jornal, que por um século foi o primeiro do mundo,The Times. Os boletins oficiais de preço não se tornaram geraisaté o século XIX, originalmente as trocas ocorreram em clubesfechados, uma vez que eles permaneceram nos EstadosUnidos, praticamente até o presente. Assim, no século XVIII, onegócio dependia da troca de cartas. A negociação racionalentre as regiões era impossível sem a transmissão segura dascartas (Weber, 1927, p. 220).

Uma lógica similar está subjacente ao problema da propagandacomercial no Vorbericht (uma das mais extensas sessões do plano depesquisa). Anúncios publicitários justificam a análise da imprensa comoum meio de regular o comportamento econômico e agora constitui umsetor da economia em seu próprio domínio (por meio desubcontratação e pela forma como são financiados…). Weber estáinteressado tanto na imprensa como no desenvolvimento dapublicidade em jornais, como um setor econômico (jornaisespecializados, empresas e “mercado” publicitário) e na luta pelo poder

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entre os jornais e anunciantes:

A importância da dependência dos jornais da receitapublicitária na determinação dos preços do jornal e seu caráterem geral. (O aparente risco genuíno para a integridade dojornal por um lado, e por outro lado: a facilidade de melhorara qualidade dos serviços de notícia e outros aspectos práticosdo jornal). A relação entre a propaganda e o papel do textoadjacente (notícia paga, publicidade encoberta e formassemelhantes). O desafio por parte dos anunciantes (grandesanunciantes ou, ocasionalmente, associações comerciais) parainfluenciar a linha editorial do jornal e obter influência sobre aforma artística ou para inibir as críticas, ou para excluir osanúncios dos concorrentes (Weber, 1998a, p. 115).

Weber também sugere que estudos sobre a eficácia deste tipo depublicidade devem ser realizados: “limites psicológicos para o efeito depequenos anúncios e outras formas de promoção, por um lado, dapublicidade comercial e, por outro, em último caso, de acordo com avariedade de propósitos” (Weber, 1998a, p. 115). Sabemos o quãoimportante é a provocação deste tipo de questionamento e como apublicidade é importante para a mídia.

A “pesquisa”: interpretação dos fatos em detalhes

A pesquisa proposta de Weber sobre a imprensa reflete de formainteressante os princípios metodológicos que ele aplicou em suapesquisa empírica. É impressionante quantas vezes ele repete seuchamado para ambos no Vorbericht e Geschäftsbericht por umtratamento do sujeito absolutamente neutro e científico, livre dequalquer valor de julgamento sobre o que os jornalistas escrevem oucomo eles trabalham. Assim como pudemos ver na DGS uminstrumento para a criação de uma pesquisa, estes dois textos, assimcomo os escritos para a DGS (cartas e estatutos) assumem valor comomodelos e manifestos de como a pesquisa sociológica deveria parecer.27

27 Hinnerk Bruhns (1996) apresenta um de seus artigos com uma citação de Weber, que ilustraa ausência de uma metodologia sistemática e epistemológica que poderia ser dissociada deinvestigação do projeto de pesquisa em curso: “Apenas para descobrir e resolver problemassignificativos, a ciência pode se estabelecer e ter seus métodos desenvolvidos. Por outro lado,reflexões puramente epistemológicas e metodológicas nunca tiveram um papel definitivo emtais desenvolvimentos” (Weber, 1949, p. 116).

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A. Oberschall (1965) (e Lazarsfeld e Oberschall, 1965) em seu trabalhosobre a história da pesquisa empírica no campo das ciências sociais naAlemanha esgota esse ponto e descreve a pesquisa proposta sobre aimprensa como o primeiro esforço de todos naquele país para justificarum projeto de larga escala usando um método empírico.

Da mesma forma, ele enfatiza a modernidade da concepção doprojeto e a proximidade de seus métodos (pesquisa coletiva, projetosconcebidos com treinamento de estudantes) com aqueles descobertosnos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. Embora osestudos baseados em questionários tenham sido amplamente utilizadosna Alemanha no final do século XIX, os métodos de Weber romperamcom os objetivos de reforma que surgiram naquela época, típico dessetipo de pesquisa (em particular projetos patrocinado pela Verein). Eletambém integrou, de uma forma bastante inovadora, consideraçõescomo a pesquisa poderia ser melhor organizada para dar ao projetouma maior chance de sucesso.28 Weber pode ter assumido a derrota dotrabalho na preparação deste plano de pesquisa, mas é um súditometodologista de campo, que construiu a sua experiência inicial com aVerein e afirma o caráter específico de um método para o mundo social,que é tão produtivo quanto científico. Aqui não há nenhuma pergunta,como foi o caso da sua primeira pesquisa sobre os trabalhadoresagrícolas para a Verein, de pedir aos agricultores somente dados sobreas formas de seu de trabalho.29

Weber planejava usar questionários com os jornalistas epropôs caminhos metodológicos variados: análise de conteúdo, 30

28 Em parte porque o sujeito da pesquisa é um campo aberto que não pode ser capturadosimplesmente pelo tipo de categoria moral que serviu para direcionar as perguntas naspesquisas conduzidas para a Verein: “Pois é claramente visível que a dificuldade de formular ofenômeno sob investigação mostra a necessidade de um trabalho intelectual: diferentes modosde formular o problema pode ser discutidos, considerando ao que se refere o questionário,apenas, possibilidades técnicas podem levantar questões. A natureza das perguntas é clara,mas não seu escopo” (carta para Franz Eulenburg, 12 out. 1910; Weber, 1994b, p. 644).29 Weber já havia realizado tal reflexão metodológica durante a primeira pesquisa. Comoresultado, ele havia criado um questionário adicional para os pastores como informantes, afim de neutralizar qualquer eventual influência.30 Aqui podemos notar que embora Weber tenha tido a intenção de ler os jornais com “umatesoura na mão” (de forma crítica), seu objetivo não foi tanto continuar com uma análise deconteúdo tradicional (pegando temas e conteúdo ideológico) para avaliar o espaço dado avários diretores dentro do cenário da economia do jornal ou para entender o “estilo” dadescrição do mundo de cada jornal e o modo com o qual ele tipifica e categoriza as notícias.

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observador participante em jornais americanos, consulta aosarquivos de jornais, aos balanços e à contabilidade. 31 Ele tambémdefiniu as condições que poderia fazer da pesquisa não apenasaceitável para seu “publico alvo”, mas também aqueles aptas aproduzir dados. Uma dessas condições seria a participação ativa detodos os atores dos jornais de negócios, desde os estágios.32 Este projetofoi assinalado por uma preocupação significativa por parte de Weberpara sair de qualquer tipo de artigo ou dissertação abstrata (referida notexto como “redação de um folhetim divertido” (Weber, 1998a, p. 119),como a própria forma do plano indica.

A intenção de Weber era juntar os estudos de campo (como nós-chave do argumento: o anonimato, a linguagem e como a propagandade anúncios é organizada) parecem assumir um valor empírico muitomaior para Weber do que meras ilustrações de uma ideia. São estes nósque aumentam a ideia e dão apoio a ela. Um bom exemplo pode serencontrado em uma passagem do Geschäftsbericht em que Weberdescreve o uso do vidro opaco nas janelas no mercado trocada paraprevenir informação, por pessoas não envolvidas de forma correta(Weber, 2008, p. 83). Esta não é meramente uma questão de incluir umahistória na ideia geral já expressa em termos abstratos — as diferençasentre Inglaterra e Estados Unidos no que diz respeito ao poder relativoda imprensa e as instituições como o parlamento ou os mercados —mas para contribuir com um elemento de peso de prova para oargumento teórico que faltaria em qualquer valor histórico se isto fosseum estado simples. São estas “diferenças locais”, como o próprio Weberchama, que fazem o argumento mais convincente do que meras grandesideias, e o Vorbericht pode ser construído como um instrumento para

31 Oportunismo metodológico de Weber e suas posições nas pesquisas na Verein são bemdescritas por Kaesler. Weber, que havia colocado um anúncio nos classificados de um jornalno início de 1892 se oferecendo para fazer “pesquisas privadas” estava determinado adesenvolver a metodologia para a pesquisa sobre os trabalhadores da indústria em 1907.32 Essa certamente se provou uma tarefa difícil. A. Kutsch cita certos elementos de discussãoque abalaram as associações profissionais de editores de jornais e mostrou como certos mal-entendidos persistiram no que diz respeito à pesquisa empírica da imprensa. Para Kutsch(1998), a pesquisa sobre a imprensa foi muito prejudicada pela relutância dos editores emcolaborar. O apoio adquirido por Weber do Reichsverb der Deutschen Presse foi, por exemplo,unicamente devido ao interesse demonstrado por Alfred Scheel neste tipo de pesquisa. Scheel,após inúmeros debates dentro da associação, conseguiu lançar seu próprio questionário (ostemas que foram definidos por Weber no parágrafo intitulado “jornais e jornalismo” noVorbericht). Os questionários foram enviados em março de 1914 para 1.800 repórteres-editores(Redakteure), mas o início da guerra, impediu que ele usasse esses dados.

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produzir tais diferenças.No caso da influência da imprensa na linguagem, Weber resume

da seguinte forma: “isto não tem valor se não for ilustrado porinúmeros exemplos concretos” (Vorbericht). Neste caso de obsessão porprovas (ou melhor com pistas) que explica quão longe foram asintenções de Weber em formalizar o início dos experimentos e testarque foram inteiramente desenvolvidas a priori e como ele levou adiantediferentes meios de pesquisa e sugestões de dados necessários parajuntar e fortalecer seus argumentos.33

Assim, pode-se observar que o termo “rigor” assume umsignificado muito particular no projeto de pesquisa. Isto implica tantoem evitar a abstração, uma vez que o conhecimento deriva de fatos, e aomesmo tempo a seleção de dados cujo significado pode ser atribuídoapenas à perspectiva da problemática escolhida. Weber não foidesencorajado pela natureza imprecisa de alguns dados factuais. Seuobjetivo não é chegar a uma descrição definitiva e precisa ou umatabulação exata, mas fazer comparações, por exemplo, com outrospaíses ou outras épocas. Em vez de monitorar os dados em si, aexigência de rigor, que Weber toma como ponto de partida, aplica-se aocontrole da relevância dos dados em relação à sua problemática global,que requer uma análise comparativa. Esta concepção de rigor pode, porexemplo, ser ilustrado no Vorbericht, em relação às diferenças de custosde produção para vários jornais:

Aqui, de qualquer forma, não é a precisão dos númerosindividuais que importa, mas sim a comparação daimportância relativa dos itens individuais em relação àsprimeiras magnitudes remanescentes dentro e fora do país,entre os diferentes tipos de jornal: o mais importante édestacar a ênfase sobre as mudanças que ocorrem, astendências de desenvolvimento (Weber, 1998a, p. 113).

33 “De fato, os escritos de Weber revelam o aumento do uso de todas as possíveiscomplexidades sintáticas e elabora frases permitidas pela língua alemã. Ele constantementeparece querer alongar essas possibilidades até o limite, e mesmo além, como se tivesse aintenção de não perder nada que pudesse trazer provas adicionais ou uma migalha deevidencia indireta, sempre que uma digressão, um exemplo ou contraexemplo parece reforçaruma suposição, aprofundar o significado ou melhorar, o funcionamento global da suaargumentação histórica” (Passeron, 1996, p. 46-47). A aprovação do plano de pesquisa sobre apublicidade comercial poderia ser citado como um exemplo desse tipo de raciocínio, mostradoaqui em sua fase inicial.

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Conclusão

O programa de pesquisa sobre a imprensa de Weber parece ser,de muitos pontos de vista, uma oportunidade desperdiçada. No que dizrespeito tanto ao conhecimento da indústria jornalística e dodesenvolvimento de abordagens inovadoras e empíricas para apesquisa, só há um sentimento de arrependimento, de que o projetonunca tenha sido concluído.34 Um exame detalhado desse projeto nospermite, contudo, mostrar as conexões, o que parece existir entre estapesquisa e outros trabalhos de Weber sobre a sociologia histórica docapitalismo. A data da pesquisa sobre a imprensa (1910) corresponde àescolhida por vários pesquisadores como o ponto de inflexão de umasociologia das religiões (do protestantismo, especificamente) para umasociologia do desenvolvimento da civilização ocidental em que a éticareligiosa se torna apenas um elemento do surgimento do racionalismomoderno. Para Marianne Weber, esta “mudança de perspectiva” ocorreentre 1909 e 1913:

Weber considerou este reconhecimento, o carácter especial doracionalismo ocidental e do papel que foi dado à civilizaçãoocidental a uma de suas descobertas mais importantes. Comoresultado, sua pesquisa inicial sobre a relação entre religião eeconomia expandiu-se de forma mais abrangente sobre ocaráter especial de toda a civilização ocidental (Marianne Weber,1975, p. 333).

Novamente, segundo Marianne Weber, os estudos de Webersobre a música ocidental e sua racionalização (escrito em 1912–13) foium dos catalisadores para esta mudança. Em nossa visão, a pesquisaproposta sobre a imprensa também faz parte da expansão de suaproblemática. Por Weber considerar a imprensa, ambos poderia serobjetos de estudo e meios de desenvolvimento da racionalizaçãocapitalista (por meio dos efeitos sobre a conduta de vida individual35).Para ele, a imprensa pode, assim, ter sido um dos fenômenos históricos

34 Muitos caminhos de pesquisa estabelecidos por Weber só foram explorados recentementepela sociologia da mídia e da comunicação. Exemplos notáveis incluem o desenvolvimento dasociologia da influência construído em torno das noções de “agenda setting”, enquadramentoou “framing”.35 Desde as suas pesquisas anteriores de trabalhadores agrícolas e industriais, Weber vinhainsistido em incluir perguntas sobre leitura e particularmente a leitura da imprensa (Hardt,1979; Kutsch, 1988).

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em que ele poderia basear a sua demonstração.O fracasso da pesquisa sobre a imprensa revela até certo grau

quão distante Max Weber esteve fora da ordem com (é tentador dizerantes do) o resto da sociologia alemã do início do século XX. Suaincapacidade em reunir representantes desta nova disciplina paraaceitar os limites de um projeto em larga escala coletiva, assim comouma epistemologia exigente e rigorosa pode ser lida na carta em que eleexpressa seu desespero, citada por sua mulher e escrita depois daconferência na DGS, em 1911. Nela, ele lamenta a futilidade de suabusca por uma abordagem científica comparando-se a um DomQuixote do valor da liberdade.36 Os processos de 1911–1913 foramprovavelmente, nesta perspectiva, meramente secundários.

Mesmo quando as pesquisas empíricas de Weber foramfinalizadas com sucesso, como o caso dos estudos principais para aVerein, eles não foram amplamente criticados, o que é um sinal dado daquantidade de informações teóricas e epistemológicas sobre o autor.Está fora do escopo deste artigo explicar as razões para este silêncio,mas só se pode pensar que ainda seria muito conseguir mesmoatualmente, inspiração para trilhar os caminhos apontados por Weber,para analisar a imprensa e seus relacionamentos com a sociedade emque ela se desenvolve. Por meio deste projeto Weber nos mostra de fatoum caminho que torna isto possível para desenvolver uma análise daimprensa e mais amplamente das “novas organizações” da arena daopinião pública para a qual esta é frequentemente confinada, paratrazer para o âmbito da economia social do capitalismo moderno. Esteé, sem dúvida, o custo a ser pago se um dia alguém encontrar respostaspara as questões colocadas pela pesquisa de imprensa proposta.

36 “Francamente, eu tive uma participação ativa na fundação e organização, apenas porqueesperei encontrar lá um lugar de trabalho e discussão acadêmica de valor neutro… Estou fartoe cansado de aparecer novamente como um Dom Quixote de um princípio supostamenteinviável e de provocar ‘cenas embaraçosas’” (citado por Marianne Weber, 1975, p. 424-25).

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Artigo publicado originalmente em francês na revista Réseaux:BASTIN, Gilles. La presse au miroir du capitalisme moderne: umprojet d'enquête de Max Weber sur les journaux et le jornalisme.Réseaux, v. 5, n. 109, p. 172-208, set./out. 2001. Disponível em:<goo.gl/he077x>. Acesso em: 14 out. 2014.

Traduzido para o inglês por Tim Pooley para a revista Max Weber Studies: BASTIN, Gilles. The press in the light of modern capitalism: aplanned survey by Max Weber on newspapers and journalism. MaxWeber Studies, v. 13, n. 2, p. 151-175, jul. 2013. Disponível em:<goo.gl/GtchSN>. Acesso em: 10 out. 2014.

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