6
tas engajados no Programa e quais são as suas atividades? M.F. – Os bolsistas atuam nos dois ambientes: na universidade e na es- cola. Eles precisam ter um preparo, conhecer uma determinada litera- tura para saber avaliar o que pode ser levado à escola, o que pode ser construído com alunos e professo- res. Outro aspecto é que esses bol- sistas são selecionados em função do objeto do Projeto. Normalmente, os alunos que manifestam interesse são os que já cursaram a discipli- na, se identificam com a linha de pesquisa, já estão produzindo nessa área. Eles executam todas as ativi- dades do Programa, tanto as ações de planejamento, quanto as ações formativas do Progra- ma - na implantação de cursos, oficinas e laboratórios. Isso é interessante, pois a experiência vai habi- litá-los ainda mais na sua área de formação. Esse aluno deixa de ser um expectador e acaba se diferen- ciando. Ele será o futuro candidato da Iniciação Científica, depois deve entrar na pós-graduação, en- fim, terá uma carrei- ra acadêmica como perspectiva. Por isso, o Fortalecer acaba sendo uma política afirmativa, porque, em geral, essa carrei- ra científica está voltada para os alunos que têm as melhores con- dições de preparo. O Fortalecer se dedica a ter como bolsista o aluno do sistema de cotas. Isso altera uma trajetória e oportuniza esse acesso a alunos que não teriam essa carreira como uma opção. Beira do Rio – Qual será a heran- ça para as escolas participantes? M.F. – Acho que o próprio nome do Programa diz: será fortalecer os processos educativos já desenvol- vidos. Queremos que esse processo participativo se instaure e a escola, de fato, aproprie-se da necessidade da sua requalificação. Podemos dar exemplo de projetos que se relacionam com a revitalização da escola, com a releitura coletiva do projeto político-pedagógico. Se conseguirmos, pela via de um programa da Universidade, que as escolas refaçam os seus processos de participação, a sua organização, as suas formas de pensar a gestão, então, conseguimos, de fato, um avanço significativo no panorama educacional. Beira do Rio – Quais são as pers- pectiva para 2010? M.F. – Estamos tor- cendo pela continui- dade das ações plane- jadas pelos projetos, com o aprofundamen- to das discussões e das práticas pedagógicas de caráter emancipa- tório. Esperamos que, ao final do Projeto, as escolas envolvidas tenham internaliza- do, em sua dinâmica cotidiana, novas pos- sibilidades teórico- metodológicas e novas formas de desenvolver suas práticas educati- vas. Existem, também, as expectativas de renovação do convênio entre a UFPA e a Seduc para a manutenção do Programa nos próximos anos. É claro que a Seduc tem interesse por tratar-se de um Programa com inequívoca relevância acadêmica e social. O que não sabemos é se a capacidade orçamentária do Estado pode res- ponder por esse investimento de R$ 3 milhões. Beira do Rio – Quais são os resulta- dos do Programa até o momento? Marlene Freitas – O Programa tem uma duração anual e se encontra na metade de sua realização, portanto os resultados são ainda parciais, mas são positivos e bastante pro- missores. Podemos citar algumas realizações importantes, como o envolvimento dos segmentos escolares na discussão de pautas temáticas de interesse da escola, a revisão compartilhada de projetos pedagógicos escolares, os cursos e as oficinas fornecendo novos insumos para a aprendizagem dos alunos a partir de metodologias inovadoras. É importante ressaltar que esse é um modelo inovador. É uma novidade a Universidade sair do âmbito institucional para estar dentro da escola básica, não apenas levando uma informação, como costumeiramente se faz, mas também produzindo conhecimento com esses professores. Beira do Rio – Na prática, como tem acontecido essa integração entre o ensino bá- sico e o superior? M.F. – A Seduc tem a prerrogativa de in- dicar as escolas de ensino básico que de- vem ser vinculadas aos projetos. Existe um edital a que os pro- fessores respondem e formulam propostas de trabalho para essa articulação, que pode ser a criação de uma metodologia inova- dora ou um trabalho de produção de uma outra natureza. De- pois de selecionados os projetos, começa a ação que articula a escola e a Universidade. O coor- denador do Projeto contará com bolsistas, que são selecionados de acordo com o objeto, e com um supervisor na escola. Beira do Rio – Qual a área de conhecimento que tem o maior número de projetos? M.F. – O Programa possui uma feição interdisciplinar, integrando projetos de diferentes áreas de saber. Do ponto de vista quantita- tivo, a área com maior número de projetos é a de Ciências Exatas e Naturais. Ainda não há uma aná- lise formal sobre esses números, mas eles podem ser justificados diante da carência na formação desse sujeito e também dos índices educacionais, como o Índice de De- senvolvimento da Educação Básica (IDEB). A Matemática ainda é um dos maiores problemas de apren- dizagem. A Química e a Física, no Estado do Pará, têm uma ne- cessidade no campo da formação. O número de projetos demonstra uma sensibilidade dos professo- res da Universidade para essa questão. Também é preciso dizer que o Instituto de Ciência Exatas e Naturais (ICEN) tem um ótimo nível de qualificação, com a maior concentração de mestres e douto- res. São pessoas que estão sempre à frente. Por exemplo, foi a Faculdade de Mate- mática que assumiu, pela primeira vez, um curso de Educação a Distância. Beira do Rio – Qual o perfil dos bolsis- Cursos de graduação recebem alunos indígenas Aprovados em processo seletivo co- ordenado pelo Programa de Políticas Afirmativas para Povos Indígenas e Populações Tradicionais, eles são 63 entre os cinco mil novos alunos que acabam de chegar à UFPA. Pág. 3 Educação Laboratório avança com pesquisas Pág. 8 Motoristas são responsáveis por acidentes Pág. 11 Estudo traça perfil de mototaxistas Pág. 5 Biocombustíveis Segurança Trabalho ISSN 1982-5994 Entrevista Rosyane Rodrigues Mais de 40 projetos aprovados envolvendo 70 professores da Univer- sidade Federal do Pará (UFPA), 101 professores da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), 416 alunos bolsistas, 33 escolas da capital e do interior do Estado e uma população de 53 mil alunos. Esse é o universo do Progra- ma Fortalecer, resultado de uma ação conjunta entre a UFPA e a Seduc para estreitar os laços entre a universidade e a educação básica. Em entrevista ao Jornal Beira do Rio, a pró-reitora de Ensino de Gra- duação da UFPA, Marlene Freitas, falou dos resultados obtidos, dos frutos colhidos pelos bolsistas e da herança que as escolas participantes irão receber ao final dessa primeira etapa. A expectativa, agora, é a renovação do convênio, que envolve recursos na ordem de R$ 3 milhões. Proeg apresenta o resultado do Programa de Bolsas para Fortalecimento da Educação Pública e Inclusão Social 12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2010 Bolsistas passam a ter a carreira acadêmica como opção O Programa envolve investimento anual de R$ 3 milhões. Sistema deficiente e obsoleto A presentada como tese de doutoramento pela professora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Simaia do Socorro das Mercês, a pesquisa "Transporte coletivo em Belém: mudanças e continui- dade" analisa o sistema de transporte por ônibus na Região Metropo- litana, no período de 1983 a 2004. Com a precariedade do controle do serviço pelo poder público, as principais dificuldades de quem depende do sistema são: o pagamento de tarifas adicionais para o deslocamento interbairros, a "queima" de paradas pelos motoristas, o intervalo longo entre as viagens, as atitudes desrespeitosas, especialmente com idosos, estudantes e portadores de necessidades especiais. Pág. 6 e 7 Dos 300 inscritos, apenas 194 compareceram à prova de Redação JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXIV • N. 82 • AbRIL, 2010 Theodomiro Júnior discute Educação Ambiental e Gestão Pública em Castanhal. Pág. 2 Opinião Entrevista Carlos Maneschy analisa as políticas de ação afirmativa na UFPA. Pág. 2 Marlene Freitas, pró-reitora de Ensino de Graduação, fala sobre os resultados do Programa Fortalecer. Pág. 12 Na Região Metropolitana de Belém, são feitas quatro milhões de viagens diariamente. Cerca de 40% delas são realizadas de ônibus WAGNER MEIER ALEXANDRE MORAES Marlene Freitas: "Programa também funciona como política afirmativa" Fortalecer promove integração entre ensino básico e superior FOTOS KAROL KHALED KAROL KHALED Coluna do Reitor

Beira 82

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Beira do Rio edição 82

Citation preview

Page 1: Beira 82

tas engajados no Programa e quais são as suas atividades? M.F. – Os bolsistas atuam nos dois ambientes: na universidade e na es-cola. Eles precisam ter um preparo, conhecer uma determinada litera-tura para saber avaliar o que pode ser levado à escola, o que pode ser construído com alunos e professo-res. Outro aspecto é que esses bol-sistas são selecionados em função do objeto do Projeto. Normalmente, os alunos que manifestam interesse são os que já cursaram a discipli-na, se identificam com a linha de pesquisa, já estão produzindo nessa área. Eles executam todas as ativi-dades do Programa, tanto as ações de planejamento, quanto as ações formativas do Progra-ma - na implantação de cursos, oficinas e laboratórios. Isso é interessante, pois a experiência vai habi-litá-los ainda mais na sua área de formação. Esse aluno deixa de ser um expectador e acaba se diferen-ciando. Ele será o futuro candidato da Iniciação Científica, depois deve entrar na pós-graduação, en-fim, terá uma carrei-ra acadêmica como perspectiva. Por isso, o Fortalecer acaba sendo uma política afirmativa, porque, em geral, essa carrei-ra científica está voltada para os alunos que têm as melhores con-dições de preparo. O Fortalecer se dedica a ter como bolsista o aluno do sistema de cotas. Isso altera uma trajetória e oportuniza esse acesso a alunos que não teriam essa carreira como uma opção.

Beira do Rio – Qual será a heran-ça para as escolas participantes?

M.F. – Acho que o próprio nome do Programa diz: será fortalecer os processos educativos já desenvol-vidos. Queremos que esse processo participativo se instaure e a escola, de fato, aproprie-se da necessidade da sua requalificação. Podemos dar exemplo de projetos que se relacionam com a revitalização da escola, com a releitura coletiva do projeto político-pedagógico. Se conseguirmos, pela via de um programa da Universidade, que as escolas refaçam os seus processos de participação, a sua organização, as suas formas de pensar a gestão, então, conseguimos, de fato, um avanço significativo no panorama educacional.

B e i r a d o R i o – Quais são as pers-pectiva para 2010? M.F. – Estamos tor-cendo pela continui-dade das ações plane-jadas pelos projetos, com o aprofundamen-to das discussões e das práticas pedagógicas de caráter emancipa-tório. Esperamos que, ao final do Projeto, as escolas envolvidas tenham internaliza-do, em sua dinâmica cotidiana, novas pos-sibilidades teórico-metodológicas e novas formas de desenvolver suas práticas educati-vas. Existem, também,

as expectativas de renovação do convênio entre a UFPA e a Seduc para a manutenção do Programa nos próximos anos. É claro que a Seduc tem interesse por tratar-se de um Programa com inequívoca relevância acadêmica e social. O que não sabemos é se a capacidade orçamentária do Estado pode res-ponder por esse investimento de R$ 3 milhões.

Beira do Rio – Quais são os resulta-dos do Programa até o momento? Marlene Freitas – O Programa tem uma duração anual e se encontra na metade de sua realização, portanto os resultados são ainda parciais, mas são positivos e bastante pro-missores. Podemos citar algumas realizações importantes, como o envolvimento dos segmentos escolares na discussão de pautas temáticas de interesse da escola, a revisão compartilhada de projetos pedagógicos escolares, os cursos e as oficinas fornecendo novos insumos para a aprendizagem dos alunos a partir de metodologias inovadoras. É importante ressaltar que esse é um modelo inovador. É uma novidade a Universidade sair do âmbito institucional para estar dentro da escola básica, não apenas levando uma informação, como costumeiramente se faz, mas também produzindo conhecimento com esses professores.

Beira do Rio – Na prática, como tem acontecido essa integração entre o ensino bá-sico e o superior? M.F. – A Seduc tem a prerrogativa de in-dicar as escolas de ensino básico que de-vem ser vinculadas aos projetos. Existe um edital a que os pro-fessores respondem e formulam propostas de trabalho para essa articulação, que pode ser a criação de uma metodologia inova-dora ou um trabalho de produção de uma outra natureza. De-pois de selecionados os projetos, começa a ação que articula a

escola e a Universidade. O coor-denador do Projeto contará com bolsistas, que são selecionados de acordo com o objeto, e com um supervisor na escola.

Beira do Rio – Qual a área de conhecimento que tem o maior número de projetos? M.F. – O Programa possui uma feição interdisciplinar, integrando projetos de diferentes áreas de saber. Do ponto de vista quantita-tivo, a área com maior número de projetos é a de Ciências Exatas e Naturais. Ainda não há uma aná-lise formal sobre esses números, mas eles podem ser justificados diante da carência na formação desse sujeito e também dos índices educacionais, como o Índice de De-senvolvimento da Educação Básica (IDEB). A Matemática ainda é um dos maiores problemas de apren-dizagem. A Química e a Física, no Estado do Pará, têm uma ne-cessidade no campo da formação. O número de projetos demonstra uma sensibilidade dos professo-

res da Universidade para essa questão. Também é preciso dizer que o Instituto de Ciência Exatas e Naturais (ICEN) tem um ótimo nível de qualificação, com a maior concentração de mestres e douto-res. São pessoas que estão sempre à frente. Por exemplo, foi a Faculdade de Mate-mática que assumiu, pela primeira vez, um curso de Educação a Distância.

Beira do Rio – Qual o perfil dos bolsis-

Cursos de graduação recebem alunos indígenas

Aprovados em processo seletivo co-ordenado pelo Programa de Políticas Afirmativas para Povos Indígenas e

Populações Tradicionais, eles são 63 entre os cinco mil novos alunos que acabam de chegar à UFPA. Pág. 3

Educação

Laboratório avança com pesquisas

Pág. 8

Motoristas são responsáveis por acidentes

Pág. 11

Estudo traça perfil de mototaxistas

Pág. 5

Biocombustíveis

Segurança

Trabalho

issn

198

2-59

94

Entrevista

Rosyane Rodrigues

Mais de 40 projetos aprovados envolvendo 70 professores da Univer-sidade Federal do Pará (UFPA), 101 professores da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), 416 alunos bolsistas, 33 escolas da capital e do interior do Estado e uma população de 53 mil alunos. Esse é o universo do Progra-ma Fortalecer, resultado de uma ação conjunta entre a UFPA e a Seduc para estreitar os laços entre a universidade e a educação básica.

Em entrevista ao Jornal Beira do Rio, a pró-reitora de Ensino de Gra-duação da UFPA, Marlene Freitas, falou dos resultados obtidos, dos frutos colhidos pelos bolsistas e da herança que as escolas participantes irão receber ao final dessa primeira etapa. A expectativa, agora, é a renovação do convênio, que envolve recursos na ordem de R$ 3 milhões.

Proeg apresenta o resultado do Programa de Bolsas para Fortalecimento da Educação Pública e Inclusão Social

12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2010

Bolsistas passam a ter

a carreira acadêmica

como opção

O Programa envolve

investimento anual de R$ 3

milhões.

Sistema deficiente e obsoletoApresentada como tese de doutoramento pela professora do Núcleo

de Altos Estudos Amazônicos, Simaia do Socorro das Mercês, a pesquisa "Transporte coletivo em Belém: mudanças e continui-

dade" analisa o sistema de transporte por ônibus na Região Metropo-litana, no período de 1983 a 2004. Com a precariedade do controle do

serviço pelo poder público, as principais dificuldades de quem depende do sistema são: o pagamento de tarifas adicionais para o deslocamento interbairros, a "queima" de paradas pelos motoristas, o intervalo longo entre as viagens, as atitudes desrespeitosas, especialmente com idosos, estudantes e portadores de necessidades especiais. Pág. 6 e 7

Dos 300 inscritos, apenas 194 compareceram à prova de Redação

JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXIV • N. 82 • AbRIL, 2010

.

Theodomiro Júnior discute Educação Ambiental e Gestão Pública em Castanhal. Pág. 2

Opinião

Entrevista

Carlos Maneschy analisa as políticas de ação afirmativa na UFPA. Pág. 2

Marlene Freitas, pró-reitora de Ensino de Graduação, fala sobre os resultados do Programa Fortalecer. Pág. 12

Na Região Metropolitana de Belém, são feitas quatro milhões de viagens diariamente. Cerca de 40% delas são realizadas de ônibus

Wag

ner

Mei

er

ale

xan

dre

Mo

raes

Marlene Freitas: "Programa também funciona como política afirmativa"

Fortalecer promove integração entre ensino básico e superior

Foto

s Ka

rol

Kha

led

Karo

l Kh

ale

d

Coluna do Reitor

Page 2: Beira 82

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2010 – 11

Imprudência é principal causa de acidentesEspecialistas analisam colisões, multas e mortes ocorridas na BR 316

Segurança

Ainda neste primeiro semestre, o Supremo Tribunal Federal deverá iniciar o debate sobre

a constitucionalidade do sistema de cotas utilizado por várias universidades públicas em seus processos de acesso a cursos de graduação.

A UFPA é uma das mais de 70 IES a adotar esse sistema nos certames seletivos. Após três anos de implan-tação, algumas tendências podem ser observadas desde que o programa foi iniciado na Instituição. Além disso, ex-periências mais consolidadas de outras universidades não apenas confirmam essas tendências como também expli-citam outros desdobramentos que têm ganhado ampla divulgação.

É certo que o Brasil é um país com enormes desigualdades refletidas em diferentes perfis de acesso a deman-das nas áreas de educação, saúde, segu-rança, moradia, emprego e justiça. É, portanto, uma nação marcada pela falta de oportunidades que atinge, de forma prevalente, a camada populacional de maior fragilidade socioeconômica.

Esta realidade, de origem cen-trada em uma formação societária caracterizada pela resistência histórica a processos de distribuição universal de bens e serviços sociais, tem sido um dos óbices a impedir a inserção do Brasil no elenco de nações com elevados índices de desenvolvimento humano.

Na existência de um cenário com essa moldura, políticas afirmati-vas podem servir como facilitadores à

criação de um ambiente de redução de desigualdades, desde que respondam a pressupostos básicos de razoabilidade e legitimidade social. Nessas condições, longe de representarem privilégios a grupos, são instrumentos poderosos na redução da distância a separar ricos e pobres nas oportunidades de ascensão a que são apresentados no curso de suas vidas.

Várias são as óticas que definem posições contrárias e a favor dessas políticas. Sob uma delas, muitos estu-diosos do regime de cotas defendem sua aplicação dentro de critérios com viés apenas social. Esse modelo, que tem os pobres como alvos da atenção, ao não excluir de seu arco de recepção parcela significativa de negros e pardos, teria a vantagem de não deixar de fora, como no caso das cotas raciais, brancos também pobres.

Se essa é uma formulação consis-tente, não se deve esquecer que, no Bra-sil, indicadores socioeconômicos per-mitem sustentar que a pobreza tem cor predominantemente negra, bem como que a população de negros e pardos é subrepresentada nos extratos sociais de maior destaque, obra, sem dúvida, de um contexto histórico de formação que pôs à margem das oportunidades esse contingente populacional, elegível, portanto, a um processo temporal de reparação de injustiças.

Assim, cotas sociais e raciais parecem ter espaços complementares como elementos de redução de assime-

trias. A combinação desses diferentes formatos, como verificada nos proces-sos seletivos da UFPA, pode ser com-preendida como avanços na comparação com experiências que utilizam apenas uma das duas formas.

Levados pela observação de casos de sucesso pessoal alcançado a despeito das dificuldades de acesso encontradas, alguns grupos se opõem aos modelos de seleção com reserva de vagas. Se o caráter de excepciona-lidade desses casos, por si, torna-os inadequados para uma argumentação, acrescente-se, ainda, o fato de que o conceito de mérito só pode ter valor quando aplicado entre cidadãos com níveis comparáveis de oportunidades. À falta dessa premissa, a meritocracia torna-se uma inaceitável crueldade intelectual.

O surgimento das novas técnicas para o estudo do DNA trouxe, ainda, uma nova vertente à discussão. Segundo alguns, a comprovação de que o concei-to de raça não é aplicável a humanos abriria espaço para questionamentos sobre a aplicabilidade de cotas raciais. Nossa realidade social impõe a impro-cedência desse raciocínio, na medida em que o fulcro da discriminação não está identificado em DNA, mas sim, e infe-lizmente em larga medida, na cor da pele e em traços pessoais característicos.

Há convergência entre os deba-tedores dos modelos de ação afirmativa de que a matriz da solução do problema da discriminação deve ser forjada na

melhoria da qualidade do ensino bási-co. Todavia, considerando-se as nossas estruturas institucionais, é de se indagar quanto tempo seria necessário para que essa indispensável transformação se processasse. Por que, então, não aceitar, em horizonte temporal definido, que iniciativas de correção com resultados mais céleres possam ser aproveitadas?

Uma preocupação de novo tipo sinaliza com a hipótese de que as polí-ticas diferenciadas para negros podem estimular uma violência racial sem precedentes, ou mesmo a institucionali-zação do racismo no País. Os resultados observados em mais de 10 anos da utili-zação do regime de cotas não sustentam essa preocupação.

Não nos esqueçamos, aqui, que as críticas apresentadas no início da implantação dos programas de ação afir-mativa fundamentavam-se na certeza de que os beneficiados teriam sua formação profissional comprometida pelo baixo preparo adquirido no ensino básico. O desempenho dos mais de 50 mil brasilei-ros já formados nesse sistema derrubou esses argumentos, a ponto de não mais serem admitidos por seus críticos.

Essas breves reflexões dão al-guma noção dos diversos contextos em que são feitas as análises sobre o tema das ações afirmativas, hoje, no País. De muito positivo, a constatação de que esta se tornou uma oportunidade ímpar para se discutir o tema da discriminação social de forma mais aberta e ampla possível.

Coluna do REITOR

OPINIÃO

A UFPA e as políticas de ação afirmativaCarlos Maneschy

Theodomiro Gama Júnior

[email protected]

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

2 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2010

Rua Augusto Corrêa n.1 - Belém/[email protected] - www.ufpa.br

Tel. (91) 3201-7577

Reitor: Carlos Edilson Maneschy; Vice-Reitor: Horácio Schneider; Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos; Pró-Reitor de Planejamento: Erick Nelo Pedreira; Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Marlene Rodrigues Medeiros Freitas; Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho; Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: João Cauby de Almeida Júnior; Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar; Prefeito do Campus: Alemar Dias Rodrigues Júnior. Assessoria de Comunicação Institucional JORNAL BEIRA DO RIO Coordenação: Ana Caro-lina Pimenta Edição: Rosyane Rodrigues; Reportagem: Abílio Dantas/Glauce Monteiro (1.869-DRT/PA)/ Igor de Souza/Jéssica Souza (1.807-DRT/PA)/Killzy Lucena/ Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE)/Raphael Freire/Yuri Rebêlo; Fotografia: Alexandre Moraes/Karol Khaled/Mácio Ferreira/Wagner Meier; Secretaria: Silvana Vilhena/Carlos Junior/ Felipe Acosta; Beira On-Line: Leandro Machado/Leandro Gomes; Revisão: Júlia Lopes/Karen Correia; Arte e Diagramação: Rafaela André/Omar Fonseca; Impressão: Gráfica UFPA.

[email protected]

cio

Fer

reir

a

A cidade de Castanhal, localiza-da no nordeste do Estado do Pará, é privilegiada e especial,

dito em toda sua plenitude. Distante 65 km da capital deste Estado, a ci-dade de Belém, essas duas cidades já estiveram, um dia, interligadas pela estrada de ferro conhecida como Be-lém-Bragança. Quem vem de Belém para Castanhal, hoje, infelizmente, não mais de trem, contemplando as belíssimas paisagens geográficas e magníficos igarapés e rios, na direção de Oeste para Leste, observa algumas formas de relevo que estão desenha-das na superfície do terreno.

De Belém até Benevides, alternam-se planos longos e vales suaves. De Benevides até America-no, observam-se pequenos morros e colinas, que se intercalam com vales mais acentuados. Já de Americano até Castanhal, mais precisamente até o Rio Apeú, repetem-se, no-vamente, os planos longos e vales

suaves, porém com uma altitude de mais de 50m acima do nível do mar. Enquanto em Belém, essa altitude não ultrapassa 20m, chegando até dois metros acima desse mesmo nível de referência, como acontece no Campus do Guamá, da Universi-dade Federal do Pará. Do Rio Apeú em diante, são mais frequentes os morros e as colinas, com cotas topo-gráficas de até 70 m de altitude.

Essas formas de relevo e ou-tros indicativos geológicos informam que esses morros e colinas, alterna-dos com vales íngremes, foram - há mais de dois bilhões de anos - regiões do fundo do mar, semelhante ao que ocorre hoje no meio dos oceanos do planeta Terra. Em outras palavras, não somente as regiões de Bene-vides e Americano, mas também de Castanhal já foram ambientes oceânicos, logo, não é por nada que as melhores fontes naturais de águas subterrâneas estejam localizadas em

tais municípios. Com relação à degradação

do meio ambiente, o município de Castanhal não difere em nada do que está acontecendo em todo o Brasil e no mundo. Nas residências e indústrias já estabelecidas nesse município e nas recentes invasões urbanas e rurais, o que se observa é o desmatamento desenfreado, o aumento na produção de lixo não reciclado e a contaminação dos len-çóis freáticos pelo despejo de suas águas servidas.

Todos esses graves problemas ambientais são de conhecimento tanto da população, quanto do poder público, porém quase nada se faz para minimizá-los. Passados quase dez anos do século XXI, o muni-cípio de Castanhal ainda não tem a sua Secretaria do Meio Ambiente, tão necessária para regulamentar e minimizar esses graves passivos ambientais.

Portanto, considerando-se que o município de Castanhal faz parte desse ambiente geológico do fundo do mar, precisamos voltar todas as ações de gestão pública para a pre-servação da natureza dessa região do nordeste paraense. Nesse sentido, essas ações deverão estar compro-metidas com a preservação do meio ambiente, tais como: reflorestamento das matas ciliares, despoluição das águas servidas, coleta seletiva e re-ciclagem do lixo, educação ambien-tal nas escolas, entre outras. Dessa maneira, tais iniciativas irão agregar valores de qualidade de vida para a população de Castanhal e serão bons exemplos de como devemos tratar a região amazônica e sua gente.

Theodomiro Gama Júnior é dou-tor em Geologia e Geoquímica pela UFPA, professor da Faculdade de Pe-dagogia no Campus de Castanhal.

Educação Ambiental e Gestão Pública em Castanhal

cio

Fer

reir

a

Jéssica souza

O trânsito nas rodovias federais brasileiras mata, por acidentes de veículo ou atropelamentos,

um número superior a 40 mil pessoas por ano. O trecho correspondente aos 20 primeiros quilômetros da BR-316, no Pará, por exemplo, já foi conside-rado como o intervalo onde ocorrem mais acidentes nas BRs de todo o país. Esses são alguns dos dados levantados pelas pesquisas de integrantes da Po-lícia Rodoviária Federal, que conclu-íram, recentemente, na Universidade Federal do Pará, a especialização em Segurança Pública e Gestão da In-formação, coordenada pelo professor Wilson José Barp, docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA.

As pesquisas resultaram em monografias que abordaram estatís-ticas de acidentes, multas aplicadas e mortes ocorridas, do quilômetro zero ao 20 da BR-316, no ano de 2008. De acordo com as informações levantadas e analisadas pelo especialista Irlando Lopes, os tipos de acidentes que mais ocorrem neste trecho da rodovia, que corresponde à saída da cidade de Belém, são colisões laterais e co-lisões traseiras, cujo principal fator contribuinte é a falta de atenção dos condutores. Notou-se, ainda, que a grande maioria dos acidentes ocorre próximo aos semáforos e retornos, o que também demonstra a imprudência por parte de condutores e pedestres re-

velando a precariedade da sinalização existente no local.

É o que também concluiu Hen-rique Lopes, cuja monografia tratou das estatísticas de multas aplicadas entre os quilômetros zero e 20 da BR-316. "Basicamente, há falta de planeja-mento e investimentos para a melhoria

da rodovia. O trecho em questão possui um grande fluxo de pedestres, ciclis-tas e veículos. A população não tem consciência da importância do uso da passarela; existem semáforos - com pe-quenos intervalos -dividindo a rodovia, o que impede o fluxo contínuo dos ve-ículos; há necessidade da remoção dos

trabalhadores da atividade informal, os quais lotam as calçadas nas áreas mais próximas ao Entroncamento; além da melhoria do transporte público e das mudanças no transporte alternativo, que não segue regras. Somam-se a isso a imprudência e a falta de atenção dos condutores e pedestres”.

n Mais de três mil acidentes em rodovias paraensesConforme dados do Departa-

mento de Polícia Rodoviária Federal (DPRF), no Brasil, ocorreram 138.175 acidentes, em 2008, tendo como saldo um total de 6.836 mortos, somente nas rodovias federais. Segundo dados referentes ao mesmo período, levanta-dos pelo especialista Erlon Andrade, no Pará, foram 3.159 acidentes, que lesionaram 1.524 pessoas e tiveram como saldo um total de 166 mortos, sendo o maior percentual, neste total de vítimas, de condutores do gênero masculino. Dentro desse universo

de dados, o trabalho deteve-se em quantificar o número de mortos ou de vítimas de acidentes de trânsito na BR-316, totalizando 69 acidentes com 76 mortos, em toda a extensão da rodovia.

A partir daí, buscou-se verifi-car os tipos de acidentes com maior percentual de vítimas fatais e suas particularidades. "Traçando o perfil das vítimas de acidentes na BR-316, destacamos as seguintes informações: 78,95% dos mortos são do gênero masculino, a faixa etária informada

com maior incidência de óbitos está entre 20 e 29 anos, o que representa 27,63% dos casos, e a vítima fatal, em 59,21% dos casos, era o condutor do veículo. Os tipos de acidentes que mais mataram foram colisão com bicicletas, com 19 mortos; e atrope-lamento de pedestres, com 16 vítimas fatais", revela o pesquisador.

O trabalho traz, ainda, uma se-quência de tabelas e gráficos cruzando as mortes com outras informações, tais como: mês, dia da semana, tipos de acidentes (colisões, atropelamentos,

capotamentos, entre outros), horário e perímetro (km da BR onde aconteceu o acidente). De acordo com Erlon, essas informações dão subsídios ao planejamento da PRF, que desenca-deia operações incisivas, visando ao combate das causas dos acidentes. "Mas a conduta diária neste trânsito enlouquecedor é de responsabilidade, sobretudo, nossa, condutores. E é essa conduta que vai ajudar a salvar vidas”, afirma o pesquisador em um tom de alerta sobre as consequências que po-dem advir da direção irresponsável.

Entroncamento: os 20 primeiros quilômetros da BR-316 já foram considerados o trecho mais perigoso do País

Wag

ner

Mei

erNúmeros de 2008

n Brasil: 138.175 acidentes 6.836 mortosn Pará: 3.159 acidentes 166 mortosn Br-316: 69 acidentes 76 mortos

Perfil das vítimas fatais da BR-316

n 78% homensn 27% com 20 a 29 anos, n 59% eram os condutores do veículo

Cruzando dados

Page 3: Beira 82

10 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2010 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2010 – 3

UFPA recebe primeiros alunos indígenasSeleção diferenciada garante ingresso de populações tradicionais

Educação

Rios podem ser saída para caos no trânsitoD-Fluvial estuda potencialidade de transporte hidroviário em Belém

Pesquisa

As populações quilombo-las ainda não são beneficiadas pelas polít icas afirmativas da UFPA, onde a cota é social. “Na verdade, uma fração de 40% das vagas reservadas pela cota social é destinada a autodeclarados ne-gros e pardos, geralmente, negros não-quilombolas. Para os quilom-bolas, o acesso deveria ser feito, a exemplo dos indígenas, por um processo diferenciado de seleção já que os dois grupos comparti-lham o mesmo tipo de limitações de acesso. E mesmo que mude a condição econômica, as marcas da vulnerabilidade não são atenu-adas, elas são indeléveis”, afirma Jane Beltrão.

A antropóloga explica que a seleção diferenciada é uma necessidade e que as políticas afirmativas devem ser implemen-tadas para igualar grupos dife-rentes. “Seguindo o que defende o teórico Boaventura de Sousa Santos, temos a prerrogativa de reivindicar o direito à igualdade sempre que a diferença inferioriza e reivindicar a diferença sempre que a igualdade descaracteriza. No caso das reservas de vagas, em que a reivindicação é o acesso ao ensino superior, reivindica-se a diferença, porque tratá-los como iguais, dificulta o acesso”.

“Entramos numa nova era e esperamos que a UFPA se ‘in-dianize’, ‘enegreça’ e possibilite a convivência com a diversidade para tornar-se mais plural e cada vez menos assimétrica. Sinto-me satisfeita de participar deste processo histórico de ingresso di-ferenciado de indígenas, pelo que ele significa para a Universidade, para cada uma destas pessoas que se regozijam ao entrar na UFPA e pela contribuição para a pro-moção da cidadania que, no dia a dia, às vezes, fica só no papel", conclui a professora.

Glauce Monteiro

Dos 5.257 estudantes que se tornaram calouros da Universi-dade Federal do Pará no início

do ano, 63 compõem o primeiro grupo de universitários indígenas, que ingres-saram na Instituição por um processo seletivo específico e diferenciado. O Programa de Políticas Afirmativas para Povos Indígenas e Populações Tradi-cionais (PAPIT), ligado ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade, acompanha a seleção e a permanência desses universitários na UFPA.

O grupo de pesquisadores pa-trocinado pela Fundação Ford tem objetivos ainda mais amplos: promover a articulação e a gestão de territórios pelas populações tradicionais. “Dentro do PAPIT, desenvolvemos ações como

idas aos territórios quilombolas, indí-genas e aos povoamentos tradicionais localizados nas bacias hidrográficas do Xingu, Tapajós e Tocantins para incentivar a articulação entre eles e deles com o poder público. A partir da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), em Santarém, e dos campi de Altamira e Marabá, é possível levantar dados históricos e etnográficos sobre esses povos a fim de impulsionar a implantação de políticas públicas que os contemplem", resume a antropóloga Jane Felipe Beltrão, coordenadora do Programa e presidente da Comissão de Avaliação do Processo de Seleção Diferenciada da UFPA.

Em todo o Pará, existem cerca de 60 povos indígenas, 340 comunidades quilombolas e mais de dois mil assen-tamentos. Os estudiosos estimam que quase sete mil pessoas foram, direta e

indiretamente, contatadas pelo PAPIT na tentativa de incentivar a discussão sobre as dificuldades de acesso ao ensino superior público e, mais especi-ficamente, à UFPA.

Os focos do Programa eram a implantação de vagas reservadas para povos indígenas e a criação do curso de graduação em Etnodesenvolvimento, voltado para indígenas, quilombolas e assentados, para formar lideranças tra-dicionais na região. O primeiro grupo de indígenas selecionados por um Processo Seletivo Diferenciado já ingressou na Universidade e as aulas de Etnodesen-volvimento, sediadas no Campus de Altamira, devem iniciar em julho deste ano. Além dessas ações, a pesquisadora destaca como um dos fatores primordiais do Programa a formação de uma rede de pesquisadores que trabalha com popula-ções tradicionais no Estado do Pará.

Seleção: 194 candidatos realizaram a prova de Redação, 112 participaram da entrevista e 63 foram classificados

ale

xan

dre

Mo

raes

n Em Santarém, UFOPA também terá reserva de vagasCriada para coordenar o pro-

cesso de seleção dos candidatos indí-genas que disputaram as vagas reser-vadas especificamente para eles em cada curso de graduação da UFPA, a Comissão de Avaliação do Processo de Seleção Diferenciada irá acom-panhar o ingresso e a permanência desses alunos na Universidade. Os 63 calouros indígenas estudam nos campi de Belém, Altamira, Marabá, Castanhal, Tucuruí e na UFOPA, cujos ingressantes de 2010 ainda foram selecionados pela UFPA e pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA).

“A UFOPA, inclusive, já in-corporou no seu Conselho Superior uma representação de povos indí-

genas e quilombolas e solicitou à Comissão uma proposta para criação de reserva de vagas para esses dois grupos. Também é provável que o curso de Etnodesenvolvimento seja implementado lá", revela Jane Beltrão.

Na UFPA, cerca de 300 pesso-as solicitaram inscrição no concurso, 194 realizaram a prova de Redação, 112 participaram da entrevista e 63 foram classificadas. "Não temos reprovados, temos pessoas que não se enquadravam no perfil pedido, ser indígena e vulnerabilizado no acesso ao ensino superior”, justifica.

A antropóloga afirma que os pesquisadores constataram a neces-sidade de auxiliar e discutir com os

povos tradicionais a finalização do Ensino Médio e o ingresso ao en-sino superior. De acordo com Jane Beltrão, ainda são poucas as aldeias que possuem escola. Em todo o sul e o sudeste do Pará, por exemplo, apenas duas acompanham os alunos da 1ª série do ensino fundamental ao fim do ensino médio, o que obri-ga os estudantes a se deslocarem para os povoados e núcleos urbanos para a conclusão de seus estudos. A situação se repete nas comunidades quilombolas.

"A educação não pode estar separada da 'cosmovisão' indígena da realidade e não pode ameaçar a língua, nos casos em que eles ainda falam o idioma materno. Porém, por

uma série de limitações, eles acabam frequentando uma escola não-indíge-na e, ao frequentá-la, vários impasses e dificuldades se somam, constituin-do barreiras quase intransponíveis. A criação dessas vagas é uma tentativa de corrigir e adaptar regras que não estão adequadas para uma parcela dos nossos candidatos", defende a professora.

Para Jane Beltrão, "após o ingresso, a questão seguinte é como a Universidade vai favorecer a per-manência desses alunos. Estamos verificando, em parceria com a Pró-Reitoria de Extensão (PROEX), a possibilidade de inclusão desses alunos no Programa Bolsa Perma-nência".

n Cotas ainda não atendem a todos

O D-Fluvial já foi apresen-tado em vários congressos inter-nacionais, como no Uruguai, na Áustria, no Peru e em Portugal. Segundo a professora Patrícia Bit-tencourt, da Faculdade de Engenha-ria Civil da UFPA, os especialistas em transporte ficam surpresos que, numa região como a nossa, o po-tencial hidroviário natural não seja explorado para os deslocamentos urbanos.

São poucos corredores de trânsito que ligam o centro à re-gião periférica da cidade. Para tentar solucionar esse problema, o Projeto prevê linhas de cabota-gem, com portos ao longo da costa do município, os quais ligariam o Distrito de Icoaraci, o Ver-o-Peso e a UFPA.

Para a professora, mestre em Engenharia de Transportes e douto-randa em Engenharia de Recursos Naturais na Amazônia, a pesquisa também apontou a promoção dos meios de transporte não motori-zados, uma tendência mundial e uma política do Plano Nacional de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades. “Esse projeto é a nossa contribuição para a sociedade. Cum-primos o nosso papel, em vez de ficarmos criticando o poder público. Conseguimos fazer uma pesquisa completa, uma vez que chegamos aos projetos básicos do terminal hidroviário e da embarcação, levan-tamos a demanda e estabelecemos as rotas. A UFPA, como Instituição, dá uma grande contribuição para Belém com esse trabalho”, enfatiza Patrícia Bittencourt.

De acordo com os pesquisadores, serão necessários, no mínimo, quatro terminais para atender às necessidades da população

Killzy Lucena

Quase todo paraense deve conhecer os célebres versos: "esse rio é minha rua, minha

e tua mururé", de Paulo André e Ruy Barata, que fazem alusão aos rios da região amazônica. A menção não é à toa, já que, ao redor de Belém, os rios são as vias de tráfego mais comuns, mas, infelizmente, ainda mal explora-das diante do seu potencial. Pensando nesse melhor aproveitamento, nas demandas, nos tipos de embarcações e na situação portuária da cidade, foi elaborado o Projeto de Demanda Potencial e Formação de Rede Rodo-fluvial na Região Metropolitana de

Belém (D-Fluvial). Desenvolvido ao longo de três

anos, de 2007 a 2009, o Projeto foi realizado pela Universidade da Ama-zônia (Unama) e pela Universidade Federal do Pará (UFPA). A coorde-nação geral foi da professora Maisa Sales Gama Tobias, pela Unama, e a cocoordenação de Patrícia Bittencourt Neves, professora da Faculdade de Engenharia Civil da UFPA. Ainda integraram a equipe os professores Benedito Coutinho Neto (Unama) e Hito Braga de Moraes (UFPA).

De acordo com o Projeto, a exploração da potencialidade hidro-viária da região promoveria uma maior integração das ilhas vizinhas

com o continente, além da diminuição dos congestionamentos nas rodovias da Região Metropolitana de Belém (RMB), diminuindo, também, es-tresse, poluição sonora, atmosférica e eventuais acidentes que ocorrem no sistema de transporte público rodoviário.

O estudo envolveu as 47 ilhas da RMB. Foram feitas pesquisas em domicílios, nos atracadouros, nos portos e nos locais de embarque e desembarque do sistema de transporte coletivo de belém para verificar as linhas que potencialmente poderiam integrar um sistema hidroviário. Ao final do levantamento, foi gerado um banco de dados considerável.

n Dificuldade é reduzir tempo de viagem e tarifaDe acordo com as projeções

apontadas pelos estudos do Via Metrópole, as pessoas que gastam quase uma hora para se deslocar de um bairro periférico para o centro de Belém precisarão do dobro de tempo em 2012, considerando o aumento po-pulacional e suas consequências sobre a frota de veículos em circulação.

O professor Hito Braga, vice-coordenador da Faculdade de Enge-nharia Naval da UFPA, diz que vários projetos voltados para o transporte hidroviário tentaram identificar a viabilidade das ligações litorâneas, principalmente, entre Icoaraci e Be-lém. Mas, foi com a iniciativa de um grupo de professores e com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), que essas ques-tões puderam ser aprofundadas.

A pesquisa teve dois focos distintos: a ligação Icoaraci-Belém, com a criação de uma rota alternativa

ao trânsito Augusto Montenegro-Almirante Barroso e a ligação entre Belém e as ilhas do município. Icoa-raci, Cotijuba, ilhas do entorno e do setor sul (região próxima à Universi-dade) foram locais de observação dos pesquisadores.

“O perfil do passageiro que vai para Cotijuba é de um morador local, que vai vender ou comprar produtos em Icoaraci, ou do turista, que frequenta as praias da Ilha. Já os passageiros que vêm da Ilha do Combu têm perfis diferentes, alguns vêm em busca de atendimento mé-dico, outros estudam em Belém e muitos vêm vender seus produtos. Essas atividades exigem embarcações e terminais diferentes”, explica Hito Braga. De acordo com o pesquisador, são necessários, pelo menos, quatro terminais hidroviários para atender essa população.

A grande questão do trans-porte fluvial, no entanto, é reduzir o

tempo de viagem e estabelecer uma tarifa compatível com a dos ônibus. Algumas iniciativas nos governos passados fracassaram por causa dis-so. De acordo com o professor, nas gestões de Hélio Gueiros e Edmilson Rodrigues, a linha Ver-o-Peso/UFPA foi implantada, mas não durou muito tempo. A embarcação era muito lenta em comparação ao ônibus.

A intenção não é mudar os hábi-tos das pessoas, fazendo com que elas deixem de usar o ônibus, mas apre-sentar rotas complementares com o transporte rodofluvial. Várias cidades pelo mundo já usam o rio como alter-nativa aos congestionamentos urbanos e Belém, que tem essa vocação, deve se questionar por que não usa. Para Hito Braga, a princípio, pode parecer uma viagem mais longa, pois é preciso contornar a península da cidade, po-rém, é mais confortável e segura, não há congestionamento, além de poluir muito menos o meio ambiente.

n Pronto para ser implementado

Wag

ner

Mei

er

Page 4: Beira 82

4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2010

Projeto atende motoristas com dificuldadesExtensão

Reuniões de grupo e dinâmicas ajudam a superar medos e traumas

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2010 – 9

Entre a economia e o meio ambienteFaixa etária, gênero e renda familiar interferem na escolha do combustível

Álcool ou gasolina

O Pro je to "Or ien tações às pessoas com dificuldade de dirigir veículos" ainda é novo, nasceu no ano passado, mas o professor João Bosco é um pro-fundo conhecedor do tema. Seu envolvimento com o t râns i to surgiu a partir do contato com o professor Renier Rozestraten, referência nacional no assunto e autor de livros como "Psicope-dagogia do Trânsito". Durante os cinco anos de sua passagem pela UFPA, Rozestraten incen-tivou muitos pesquisadores a se especializarem na psicologia do trânsito e desenvolveu ativida-des importantes como a criação de um Centro de Formação de Condutores, que também contou com a presença de João Bosco Rocha.

Após muitos telefonemas e mensagens com pedidos de orientação, em 2009, o professor João Bosco decidiu desenvolver o Projeto de Extensão. A procura foi grande e realizada por pesso-as de diferentes faixas etárias e condições socioeconômicas.

Serviço: Para participar, basta enviar um e-mail para o pesqui-sador ([email protected]), infor-mando o nome, se tem habilita-ção ou não e contando as razões de sua procura por orientações.

Abílio Dantas

Não é preciso ser um grande estudioso ou um excelente observador para perceber

o caos que é o trânsito na maioria das capitais brasileiras. Belém, sem dúvida, faz parte desse grupo. Infrações graves são cometidas todos os dias nas avenidas da cidade, pondo em risco a vida de motoristas e pedestres. O quadro exposto, por si só, já seria um bom motivo para desencorajar a apro-ximação ou para afastar algumas pessoas da direção de automóveis. No entanto, há quem tenha outras dificuldades, mais subjetivas, mo-tivadas por acidentes ou fruto de aspectos culturais. Para esses, foi criado, na Universidade Federal do Pará (UFPA), o Projeto de Exten-são "Orientações às pessoas com dificuldade de dirigir veículos".

Coordenado pelo profes-sor João Bosco de Assis Rocha, da Faculdade de Psicologia, o Projeto possui uma metodologia prática e simples. Durante seis semanas, os orientadores realizam reuniões com grupos de, no má-ximo, dez pessoas que admitem ter problemas para dirigir. Nessas reuniões, por meio de conversas e dinâmicas, todos são encorajados a contar suas histórias. "Logo no primeiro encontro, as pessoas já se sentem melhores, pois desco-brem que não são as únicas com esse tipo de limitação", afirma o pesquisador.

A dinâmica do Projeto se dá a partir de uma técnica chamada pelos psicólogos de Aproximação Sucessiva. Como o nome explici-ta, ela sugere o enfrentamento por fases, passo a passo, de um dado problema. No Projeto de Extensão, por exemplo, isso pode ser ilustra-do pelo dia em que, após terem fa-lado sobre suas razões para fazerem parte do grupo, os participantes são convidados a entrar e "namorar" um carro, perceber o que ele tem por dentro, enfim, observá-lo. De-pois, é pedido que eles escrevam sobre essa experiência. Segundo João Bosco Rocha, são produzidos todos os tipos de textos, de simples redações a poemas.

Sensibilidade – Certa vez, uma participante contou que chorara muito durante o “namoro”, pois, nesse momento, havia sentido toda a sua impotência. Este tipo de reação compõe a Desensibilização Sistemática. "As pessoas que par-ticipam das reuniões, geralmente, são bastante sensíveis. São atingi-das e desestabilizam-se facilmen-te. Por isso procuramos diminuir, aos poucos, a sensibilidade, para que possam enfrentar suas dificul-dades”, explica o professor.

Para ilustrar esse quadro de sensibilidade exacerbada, anali-semos uma história verídica. A personagem principal é uma moça de 27 anos, com curso superior. Ela possui um carro, mas não tem a autoconfiança necessária para dirigi-lo pelas ruas de Belém, por isso é altamente dependente do

noivo. Após participar do Projeto de Extensão, no entanto, a narrati-va muda e ela consegue, inclusive, tornar-se motorista do parceiro. Pena que a mudança não dura mui-to tempo. "Depois de um período, recebi um e-mail contando que sua mãe havia sofrido um acidente ao seu lado, em um ônibus, e ela se sentia culpada por não estar com o carro. Então, todas as dificuldades anteriores voltaram", conta João Bosco.

Segundo o professor, é pre-ciso força de vontade para que as barreiras sejam superadas. Não existem fórmulas mágicas. Mas o trabalho em grupo é, sim, um gran-de aliado. Nele, os participantes estimulam uns aos outros a supe-rarem o medo. "É impressionante como isso fortalece as pessoas", diz o pesquisador.

n Machismo dificulta desempenho das mulheres Há um grande número de mu-

lheres nos grupos do Projeto. Elas são 92% dos participantes, para ser exato. O professor explica que esse dado deve ser analisado com calma. A pressão que as atitudes machistas exercem sobre as mulheres pode ser apontada como uma das causas da dificuldade do público feminino com a direção. Em muitos casos contados pelo professor João Bosco, o marido é o grande vilão. Muitas vezes, ele impede que a mulher se sinta à von-tade ao volante por querer a posse exclusiva do veículo.

O machismo reflete a pouca presença de homens nos grupos. Eles têm mais dificuldades na hora de pro-curar ajuda, além disso, muitos acre-ditam que são autossuficientes. A edu-cação das crianças é outro fator a ser considerado, afinal, qual é o homem que, na infância, não teve carrinhos como brinquedo? Com as mulheres isso não ocorre, o que contribui para afastá-las desse universo.

João bosco Rocha afirma que, no Brasil, a educação de trânsito é deficiente, o que também atrapalha o desenvolvimento dos indivíduos

nessas atividades. Muitos se sentem despreparados ao término das aulas nas autoescolas.

Traumas por acidentes também são causas recorrentes, como no caso de uma moça que perdeu o bebê ao se envolver num acidente de trânsito. Histórias trágicas como essa podem estar associadas a doenças sérias, como Síndrome do Pânico e fobias. Quando o participante apresenta esse quadro, é orientado a procurar um psicoterapeuta. Porém, segundo o estudioso, poucas vezes surgiram pessoas com esse perfil.

n Diversos perfis e faixas etárias

As mulheres, reconhecidas por buscarem ajuda mais facilmente, são maioria entre os participantes

Karo

l Kh

ale

d

Um estudo realizado pelo Grupo de Energia, Biomassa e Meio Ambiente (EBMA), da Faculdade de Engenharia Mecânica da UFPA, reve-la que a poluição do meio ambiente por emissão de gases de veículos automotores na atmosfera aumenta conforme maiores e mais frequentes forem os congestionamentos enfren-tados pelos condutores. A pesquisa é do estudante integrante do EBMA, Doglas Schneider, orientado pelo pro-fessor Gonçalo Rendeiro, que levou em consideração dados estimados para calcular, por exemplo, a quan-tidade de combustível desperdiçado no engarrafamento, em hora de pico na Avenida Almirante Barroso, uma das principais vias de escoamento em Belém.

Considerando as oito faixas da Avenida e supondo que a via tem aproximadamente seis quilômetros de extensão, o estudante chegou a um cálculo que analisou a velocidade média permitida por lei (60 km/h) e o gasto de um litro de combustível a cada 10 quilômetros percorridos. A conclusão é que, para que um carro percorra seis quilômetros de extensão a 60 km/h, é necessário o gasto de 0,6 litros de combustível, isso sem intervalos de tempo em semáforos ou sem outras interrupções. Mas com os congestionamentos, o quadro muda de figura.

Para aproximar qual seria a média de veículos que transita no tempo de uma hora nessa via, com base em suposições sobre a metragem de um carro comum e a distância que se estabelece entre um carro e outro, estimou-se que a Almirante Barroso fica congestionada com 10 mil veícu-los nas oito faixas. Isso significa que, em uma hora de trânsito na Avenida, o gasto é de quase 23 mil litros de com-bustível. Segundo Doglas Schneider, em termos de tamanho, existem cerca de cinco vias com a mesma extensão em Belém, o que quer dizer que, sem engarrafamentos em todas essas ruas, se chegaria a uma economia de 100 mil litros de combustível em toda a cidade.

O mais preocupante é que, a cada litro queimado de gasolina pura, são lançados na atmosfera 2,2 quilos de CO2. Ou seja, os 100 mil litros do combustível desperdiçados poluem a cidade, de hora em hora, com apro-ximadamente 220 toneladas do gás. Considerando que a gasolina vendida nos postos não é pura, deve ser con-siderada uma margem de erro que di-fere conforme a composição química do líquido. “Somente com soluções alternativas, como a construção de terminais de integração e rodízio mu-nicipal de veículos, vai chegar a um nível satisfatório de preservação do ar nos grandes centros urbanos", observa Doglas Schneider. É uma questão de investimento do poder público e consciência dos motoristas.

Jéssica souza

A cada dia que passa, o número de veículos em Belém aumen-ta absurdamente. Em 2010,

estima-se que cerca de 40 mil auto-móveis estejam em trânsito na capital paraense. Estudos revelam também que 60% da poluição atmosférica nas regiões das grandes cidades é decorrente dos veículos automotores. Esse panorama gera um quadro de preocupação, uma vez que as emis-sões de dióxido de carbono (CO2) e de hidrocarbonetos (CH4), dois dos mais importantes componentes dos gases de escape dos automóveis, contribuem significativamente para o aquecimento global.

Como alternativa para reduzir a emissão de poluentes na atmosfera, muitos fabricantes já oferecem a op-ção de compra de carros bicombustí-veis, que permitem a utilização tanto de álcool, como de gasolina. Entre esses dois combustíveis, está em jogo o fator econômico e o fator ambiental. A gasolina é comprovadamente mais econômica, pois apesar de ser ven-dida a um preço de tabela mais alto que o do álcool, queima em tempo menor, ou seja, rende mais tempo. No entanto, o produto da queima do álcool, que evapora mais rapidamen-te, é, em maior parte, água, enquanto que a gasolina gera, principalmente, CO2 e CH4.

Um projeto do Grupo de Estu-dos e Pesquisas Estatísticas e Com-

n Classe média prefere carros bicombustíveisO levantamento também apon-

tou que o condutor, mesmo sendo dono de carro bicombustível, prefere a gasolina por motivos que vão além da economia: por praticidade, desem-penho do motor do carro, entre outros. Também foi feito um cruzamento entre o percentual de renda familiar por mo-tivo de compra de automóvel. Nessa tabela, observa-se que uma quantidade expressiva de pessoas que optaram por carro bicombustível tem renda familiar razoável, que vai de três a seis salários mínimos, classe média para classe média alta.

Outra tabela obtida com os dados contidos nos questionários de-monstra o percentual de renda familiar pela preferência de abastecimento. A faixa expressiva de renda em que as pessoas abastecem mais, segundo a

pesquisa, é a que vai de três a seis sa-lários mínimos. É nessa faixa, também, que se percebe um maior equilíbrio entre os tipos de combustíveis utiliza-dos, seja a gasolina, seja o álcool, seja a mistura de ambos. Uma tendência muito interessante, explica Raoni, é que, com o decorrer do crescimento da faixa de salário e renda familiar, os condutores optam mais pela mistura, o que pode indicar certa preocupação com o meio ambiente, conforme maior o poder aquisitivo.

Segundo o pesquisador, outro re-sultado bastante significativo demonstra o percentual de faixa etária por motivo de abastecimento na RMB. Entre as fai-xas de 18 a 27 anos, há uma consciência ambiental maior, uma vez que optam por abastecer, com mais frequência, com um combustível que favorece o

meio ambiente: o álcool. A faixa que vai de 38 até 47 anos é a mais conservadora, pois estes utilizam mais frequentemente a gasolina, por motivos que variam da falta de instrução ambiental necessária até o simples fator econômico.

A pesquisa aponta, ainda, um dado importante que resultou do cruza-mento entre as faixas etárias e o motivo da compra de automóveis. Na faixa de 33 a 37 anos, 23,1% dos condutores op-taram por um veículo bicombustível de-vido a um fator ambiental. "O indicativo demonstra que, a partir do lançamento do carro bicombustível no mercado brasileiro, em meados de 2003, as ge-rações vêm tomando mais consciência sobre o que o meio ambiente precisa e, consequentemente, contribuem mais para a diminuição de CO2 na atmosfe-ra”, observa Raoni Castro.

n Proposta de parceria para orientação ambiental O projeto prevê, ainda, outros

cruzamentos de dados entre faixa etária, opinião e gênero, sempre tendo como foco principal a preservação do meio ambiente. "Seria interessante, por exemplo, se conseguíssemos observar que a consciência ambiental aumenta conforme maior for o grau de escolaridade dos condutores", ressalta Raoni. De acordo com o estudante, a ideia é mostrar que as pessoas que vi-

vem na Região Norte, mais especifica-mente na RMB, precisam desenvolver um senso de preocupação ambiental maior, visto que a Amazônia é o lugar onde a maior parte do CO2 emitido na atmosfera é absorvida.

A orientadora do trabalho, Wal-quíria Bernardo, destaca que, com a amostra quantitativa, é possível sensi-bilizar pessoas, instituições de maior porte e especialistas para realizarem

um trabalho de orientação ambiental para consumidores de veículos, não só com relação à compra de carros bicombustíveis, mas também com maneiras diferentes de se chegar a soluções de melhoramento tecno-lógico nos próprios veículos para o maior conforto do condutor e maior preservação do meio ambiente, tendo sempre em vista praticidade, econo-mia e qualidade.

n Tempo de engarrafamento

putacionais (Gepec), da Universidade Federal do Pará, tem como objetivo levantar informações sobre os condu-tores de automóveis bicombustíveis na Região Metropolitana de Belém (RMB) e a preferência destes pelo álcool ou gasolina. A ideia é medir o grau de consciência ambiental dos motoristas que, diariamente, utili-zam automóveis para se locomover na cidade. A pesquisa surgiu de um trabalho de classe do aluno de Enge-nharia Mecânica, Raoni Castro, pos-teriormente vinculada ao Gepec, sob a orientação da professora Walquíria Bernardo.

"Utilizamos o método de es-tratificação considerando os carros emplacados em Santa Bárbara, Ana-nindeua, Belém, Benevides e Mari-tuba e entrevistamos os condutores de carros bicombustíveis em pontos estratégicos da cidade”, explica Ra-oni. Analisando os 401 questionários aplicados, tem-se, por exemplo, que a maioria dos entrevistados que prefere um combustível menos poluente é mulher (60%), ou seja, elas têm maior consciência ambiental; enquanto a esmagadora maioria que opta pela gasolina, em função da economia, é do gênero masculino.

Engarrafamento provoca desperdício de combustível e poluição

Wag

ner

Mei

er

Page 5: Beira 82

Química

8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2010 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2010 – 5

Biocombustível é prioridade no Lapac A difícil jornada sobre duas rodas Na Vila dos Cabanos, mototaxistas trabalham até 12 horas por dia

Trabalho

Pesquisadores comemoram momento de grande produção científica

EM DIAAntropologiaO Programa de Pós-Graduação em Antropologia abriu inscrições para sua primeira seleção. Serão 11 vagas para o curso de doutorado e 16 para o de mestrado nas seguintes áreas de concentração: Antropologia Social, Arqueologia e Bioantropologia. Acompanhe o calendário no site do Instituto de Filosofia e Ciências Hu-manas http://www3.ufpa.br/ifch/.

Prêmio IAté o dia 30, podem ser feitas as inscrições para o Prêmio Benedito Nunes, destinado à melhor tese de doutorado nas áreas de Artes, Le-tras, Comunicação e Ciências Hu-manas da UFPA. Podem participar docentes, técnico-administrativos e ex-alunos dos programas de pós-gra-duação dos Institutos mencionados que tenham defendido seus trabalhos de 2007 a 2009. O Prêmio é bianual e coordenado pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação. Maiores informações na Propesp.

Prêmio IIForam prorrogadas, até o dia 26, as pré-inscrições para o Prêmio Ethos-Valor. O concurso é para a professores e estudantes univer-sitários que tenham desenvolvido trabalhos acadêmicos acerca de responsabilidade social empresarial e desenvolvimento sustentável. Mais informações no site http://www.premioethosvalor.org.br/

BolsasEstão abertas, até o dia 30, as inscri-ções para o Programa Institucional de bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). Este ano, a UFPA quer superar a marca de 500 bolsas dis-tribuídas entre alunos de graduação. Entre os objetivos do Programa, está o fortalecimento dos grupos de pesquisa e a qualificação do ensino de graduação da Universidade. As bolsas terão vigência de agosto/2010 a julho/2011.

AconteceO Boletim Eletrônico da UFPA aca-ba de completar dois anos. Lançado em abril de 2008 com o objetivo de reunir as principais informações de interesse institucional, o Acontece é referência na divulgação de bolsas, oportunidades de estágio, concursos, palestras e informes em geral. Para comemorar a data, a Assessoria de Comunicação da UFPA está lançando o boletim em formato de newsletter. Acesse www.ufpa.br/acontece.

Além do Sindicato dos Mo-totaxistas de Barcarena (Simoba), Vila dos Cabanos possuía duas ou-tras associações de mototaxistas até 2009. Uma delas é a “Expresso Duas Rodas”, criada em 2008 por Raniere Fernandes, a qual selecionava apenas pessoas que tivesse habilitação e conhecimento dos equipamentos de segurança. Muitos foram rejeitados não só na associação, mas também no Simoba. Isso fez com que, no mesmo ano, os "rejeitados" se unissem e criassem a “Briolândia”. A nova as-sociação não possuía limite de asso-ciados e muito menos a preocupação com habilitação e equipamentos de

segurança obrigatórios.No intuito de juntar forças

para legalização da profissão no município, em maio de 2009, a “Ex-presso Duas Rodas” aglutinou-se ao Simoba, porém a “Briolândia” não seguiu o mesmo caminho alegando que a legalização poderia ser prejudi-cial para a categoria. Com isso, a As-sociação “Briolândia” não reconhece o sindicato como uma força capaz de lutar por melhorias para a categoria, como: tabela de preços dentro do município, qualidade de vida dos profissionais, linhas de créditos ban-cários, entre outros avanços.

A pesquisa revela que 95,42%

dos entrevistados acreditam que a regulamentação trará melhorias para os mototaxistas, mas o pesquisador Galafre da Costa Filho afirma que a desunião da categoria pode preju-dicar o andamento do processo. Na esperança de que a legalização seja rápida, como já ocorreu em Tailân-dia e Castanhal, onde a profissão de mototaxista já está regulamentada, o pesquisador reforça o recado de Raniere Fernandes, atual presidente do sindicato, “é preciso unir todos os grupos e entidades para podermos conquistar, cada vez mais, espaço no quadro econômico, social e político do País”.

igor de souza

Recorrente em bairros e regiões menos favorecidas, o serviço de mototáxi tem tido sucesso

no âmbito dos transportes alternati-vos para a população. “Além de ser mais barato que um táxi comum, tem sempre um mototáxi na esquina onde moro, e aí não preciso esperar ônibus se meu destino não for muito longe”, comenta Camilo Brabo, usuário costumeiro do serviço. Mas, olhando pelo lado daqueles que exer-cem a profissão, podemos encontrar alguns percalços no cotidiano dos mototaxistas, como demonstrou o pesquisador Galafre Guttemberg da Costa Filho em sua monografia apre-sentada ao Curso de Especialização em Bioestatística, da Universidade Federal do Pará.

Intitulada “Avaliação estatísti-ca das características de mototaxistas da Vila dos Cabanos” e orientada pela professora Adrilayne dos Reis Araújo, a monografia é pioneira na análise estatística dessa classe de trabalhadores em ascensão no País, principalmente, no que diz respeito à saúde desses profissionais. Loca-lizado no município de Barcarena, o Distrito Vila dos Cabanos possui cerca de 350 mototaxistas, 141 estão cadastrados no Sindicato dos Mo-totaxistas de Barcarena (Simoba), universo de onde foi retirada a amos-

tra utilizada pelo pesquisador - 103 homens e 6 mulheres.

A profissão de mototaxista ainda não é reconhecida em várias cidades brasileiras, mesmo com a Lei 12.009 sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em julho de 2009, que regulamenta o trabalho dos mototaxistas profissionais. De acordo com a Lei, o motociclista que exerce a profissão precisa ter, no mínimo, 21 anos, habilitação na categoria A (de motos) há, pelo menos, dois anos, curso especializado, nos termosda regulamentação do Conselho Na-cional de Trânsito, além de haver obrigatoriedade do uso de coletes

com dispositivos retrorrefletivos e equipamentos de segurança, como o “mata-cachorro”, fixado no chassi do veículo, destinado a proteger a moto e a perna do motociclista em caso de tombamento.

Na Vila dos Cabanos, assim como em belém, a profissão ainda não é amparada pelo poder público municipal, fato este que traz diversos problemas para a classe de trabalha-dores em questão, os quais trabalham sob condições geralmente adversas e enfrentam concorrência com outros mototaxistas inabilitados para o ser-viço e fazem parte de um sindicato ou associação.

n 58% dos entrevistados sofrem com estresseDe acordo com a pesquisa,

dos 109 mototaxistas entrevista-dos, 66,97% disseram apresentar algum tipo de problema de saúde desde que começaram a exercer a profissão. Entre os que apresenta-ram problemas, 58,56% dizem estar estressados e 28,83% apresentam problemas na coluna, sendo que somente 12,33% trataram seus problemas.

O pesquisador Galafre da Costa Filho acredita que o estresse não é causado pelo trânsito, sintoma comum em cidades grandes. “Creio que o estresse diagnosticado na pesquisa é por conta do tempo de

trabalho dos mototaxistas, já que a maioria trabalha mais de dez horas, diariamente”, afirma o pesquisador. De fato, os dados comprovam a afirmação, já que 80,73% dos moto-taxistas atuam na profissão todos os dias da semana e 35,78% trabalham de 11 a 12 horas por dia.

Para a maioria (29,36%), a renda mensal pelo tempo dedicado ao serviço não passa de R$ 1.000,00, sendo que 85,32% dos entrevistados não realizam outro tipo de serviço remunerado. Segundo a pesquisa, essa situação gera uma certa insa-tisfação, 64,22% dos entrevistados afirmaram que sairiam da profissão

de mototaxista em troca de um em-prego fixo, mesmo ganhando menos e trabalhando oito horas por dia.

A falta de apoio do poder público municipal e a ausência de fiscalização abre espaço, também, para irregularidades por parte dos mototaxistas. Mais da metade dos entrevistados não usa capacete (50,23%) e apenas 34,70% usam o “mata-cachorro” em suas motocicle-tas, o qual é requisito obrigatório de acordo com a Lei 12.009. 27,52% não possuem habilitação e quase 30% não têm os dois anos de carteira previstos por Lei para o exercício da profissão.

n Categoria dividida entre sindicato e associação

Wag

ner

Mei

er

Lei federal não garante regulamentação da profissão

Desde 2005, o Lapac é um la-boratório que participa do Programa de Monitoramento de Qualidade de Combustíveis da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e é o responsável pelo monitoramento dos combustíveis no Pará e no Amapá. Agora, o Laboratório está tentando credenciamento para emitir laudos sobre biodiesel.

Além do credenciamento na ANP, Geraldo Narciso conta que, atual-mente, o objetivo é acreditar as análises do Laboratório no Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO), um processo longo e caro. A acreditação dará o re-conhecimento formal de que o Lapac é competente para realizar suas atividades. "Nós já somos respeitados no Brasil, mas para que uma análise seja aceita em processos jurídicos e no mercado inter-nacional, o ideal é que a amostra tenha o respaldo do órgão nacional responsável, que, no Brasil, é o INMETRO”, esclare-ce o professor.

Geraldo Narciso explica, ainda, que o ideal é ir criando um "portfólio" de análises acreditadas, envolvendo todas as áreas, "no início, você tem algumas análises de gasolina, de álcool, de diesel, de biodiesel e vai aumentando a quantidade de amostras, até que todas as suas análises passam a ser acreditadas,

tornando o seu laboratório um lugar de confiança”.

O pesquisador explica que o pro-cesso não é tão simples, principalmente, no ambiente acadêmico, onde é necessá-rio receber e orientar alunos, lidar com atividades administrativas e parceiros de pesquisa. "Para você acreditar uma análi-se, o ambiente tem que ser todo mudado. O laboratório precisa ter uma equipe de qualidade - coordenador, diretor técnico e supervisor. Ainda tem que haver uma cúpula que organiza tudo isso, com um organograma muito bem definido. Então, é algo extremamente profissional. Nem sempre é fácil você colocar em vigor dentro de uma instituição acadêmica."

Em 2010, o contrato do Lapac para participação no Programa de Moni-toramento da Qualidade de Combustíveis da ANP se encerra. Para ser renovado, há um processo de auditoria meticuloso que vai da checagem dos equipamentos, para conferir se estão corretamente ajustados e dentro do padrão de qualidade, até a res-trição do espaço físico. A esperança é que o Laboratório consiga não apenas essa renovação, mas também a chancela do INMETRO, para que ele possa cumprir plenamente sua função dentro da Uni-versidade, formando alunos, produzindo pesquisas e dando a sua contribuição para a sociedade.

Yuri Rebêlo

Atualmente, com o aqueci-mento global e o declínio das reservas de petróleo,

fontes alternativas de energia estão sendo cada vez mais estudadas. O Brasil, tradicional produtor de cana-de-açúcar e país que abriga inúmeras árvores oleaginosas, tem investido em pesquisas de com-bustíveis à base de biomassa. Na Universidade Federal do Pará, o Laboratório de Pesquisas e Análise de Combustíveis (Lapac) vem con-tribuindo com esses estudos.

Criado em 2003, com recursos da Financiadora de Estudos e Proje-tos (Finep), o Lapac conta, hoje, com uma ótima estrutura para análises químicas de combustíveis. É o que afirma o professor Geraldo Narciso, coordenador do Laboratório, em par-ceria com o professor José Roberto Zamian. Segundo Geraldo Narciso, o Laboratório surgiu há 15 anos, com o grupo de pesquisa “Catálise e Óleo-química” e, hoje, atua em diversas linhas de pesquisas, todas direciona-das aos biocombustíveis.

“Realizamos estudos com ole-aginosas daqui da região, que tenham aplicação com biodiesel. Também desenvolvemos catalisadores usando materiais regionais ou de reações que possam aproveitar o rejeito do biodie-sel”, explica Geraldo Narciso. O pes-quisador também destaca a pesquisa realizada em parceria com o Instituto de Geociências para o estudo de materiais como o metacaulim, para a obtenção de biocombustíveis.

Regional – De acordo com o coor-denador do Laboratório, esse tipo de pesquisa é extremamente benéfico para a UFPA. "O importante não é somente aplicar, mas também termos controle sobre o processo, tentando identificar se, com material regional, é possível desenvolver produtos de qualidade, sem nenhuma diferença do que já existe no mercado,” afirma Geraldo Narciso.

Hoje, o grupo vive uma de suas fases mais produtivas cientificamente, e o professor Geraldo Narciso explica que isso é fruto de muito trabalho, “o grupo amadureceu bastante. Nós levamos bastante tempo para ter uma produção científica que poderíamos considerar razoável. Há dois anos, temos produzido bastante e nosso objetivo é que essa produção aumente ainda mais”.

Segundo Geraldo Narciso, o Laboratório já é referência na prestação de serviços. O objetivo é que, em breve, o Lapac se torne uma referência cientí-fica, um nicho de alta produtividade na área de Química. Além disso, os traba-lhos são quase sempre desenvolvidos numa perspectiva analítica, poucas ve-zes levando em consideração a sua real aplicabilidade. Essa é uma perspectiva que Geraldo Narciso espera mudar.

n Chancela do INMETRO dará respaldo internacional ao Laboratório

Grupo é credenciado para analisar combustíveis vendidos no Pará e no Amapá

Mudança de perspectiva: a partir de agora, pesquisas devem privilegiar aplicabilidade de seus resultados

Foto

s W

agn

er M

eier

Page 6: Beira 82

6 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2010 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2010 – 7

Há mais de 20 anos sem mudanças ou melhoriasEstudo examina sistema de transporte coletivo na Região Metropolitana de Belém

Cidade

Raphael Freire

Qual o principal meio de trans-porte que você utiliza para se locomover? Provavelmente,

a resposta de muitos será o ônibus. Na Região Metropolitana de Belém, milhares de pessoas utilizam esse tipo de transporte coletivo, diariamente, para chegar a sua casa, ao trabalho ou à escola. Mas, nas últimas décadas, quais foram as mudanças ocorridas no sistema de transporte mais utilizado em Belém? Esse é o principal questiona-mento abordado na tese de doutorado intitulada "Transporte coletivo em

Belém: mudança e continuidade", de autoria da professora Simaia do So-corro das Mercês do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos.

Apresentado em 2005, na Uni-versidade de São Paulo (USP), o estudo compreende a análise do sistema de transporte coletivo no período de 1983 a 2004. Entretanto, para compreender-mos o funcionamento desse sistema, é necessário voltar ao fim dos anos 60, quando foram constituídos os elemen-tos que configuram a problemática do transporte coletivo na Região Metro-politana de Belém (RMB).

Nessa época, houve a cons-

tituição de 18 empresas privadas de prestação de serviço, a definição das áreas de monopólio e de como essas empresas iriam se relacionar com o Estado. O transporte público assume grande importância na agenda pública. No entanto, é necessário salientar o baixo nível de desenvolvimento eco-nômico dos autorizados - muitos dos quais compartilhavam a propriedade de poucos veículos com outros parceiros, as diversas áreas desatendidas, as inú-meras linhas com itinerários superpos-tos, o atendimento ineficaz da periferia e a resistência a mudanças por parte dos prestadores do serviço. A partir

desses elementos, foi sendo delineada a configuração e a atuação do transporte coletivo por ônibus na RMB.

Num segundo momento, a partir de 1983 (ano inicial da análise feita na tese), tudo o que foi citado anteriormente já estava efetivamente constituído e a aliança entre os princi-pais envolvidos, empresas prestadoras do serviço e poder público, está fortale-cida, uma vez que, em 1966, o Estado não exercia na plenitude sua função de regulamentador e controlador das condições operacionais do serviço, determinadas principalmente pelos operadores.

Tentativas de melhorias foram feitas em 1991, quando a Companhia de Transportes do Município (CTBel) assumiu a coordenação do serviço

n Ônibus é principal meio de locomoção da populaçãoDe acordo com o estudo, esti-

ma-se que na Região Metropolitana de Belém sejam feitas, diariamente, em torno de quatro milhões de via-gens, sendo que, em 40% delas, o ônibus é utilizado como meio prin-cipal, constituindo-se como essencial para o deslocamento da população na região. Apesar de tal importância, sempre foram identificados diversos problemas e nada do que se propu-nha tecnicamente para amenizar ou solucionar os problemas era imple-mentado. "Sempre esbarrávamos em uma dificuldade: o poder instituído do segmento empresarial. Eu sempre ouvia dizer que houve a tentativa de se criar uma nova linha para atender à necessidade da população, mas o empresário que tinha o monopólio

da área onde a nova linha iria operar entrava na justiça", afirma Simaia das Mercês, que, à época, trabalha-va com planejamento de transporte e planejamento metropolitano para órgãos públicos da cidade.

Mas por que não se conseguia implementar as possíveis soluções, se o poder público tinha os meios legais para isso? Foi a partir desse questionamento que a pesquisa teve início. De acordo com a tese, a ges-tão do serviço de transporte coletivo por ônibus na RMB é de competên-cia das administrações municipais e a operação é feita pela iniciativa privada, a maior parte mantendo exclusividade em extensas áreas da cidade. Durante o período que compreende os anos de 1983 a 1990,

o sistema de transporte por ônibus na RMB foi gerenciado, inexistindo quaisquer normas ou regulamento que disciplinassem a forma de pres-tação de serviço. Os únicos instru-mentos existentes eram os contratos firmados em 1983, entre o poder público e as empresas operadoras, seguidos das ordens de serviço emitidas pela Empresa Brasileira de Transporte Urbano (EMTU/Bel). Além disso, o controle da operação era feito precariamente.

A autora da tese enumera alguns problemas decorrentes da precariedade do controle da ope-ração do serviço na RMB: os des-locamentos interbairros obrigam o pagamento de tarifas adicionais, a superposição dos itinerários das

linhas na área do centro da cida-de configura oferta excessiva em relação à demanda, o atendimento às áreas mais distantes do centro exige elevada frota e/ou é feito com grandes intervalos entre as viagens e a excessiva taxa de ocupação dos veículos.

"A vida das pessoas fica mais restrita, pois elas passam mais tem-po se deslocando para fazer suas atividades fundamentais, como trabalhar e estudar. Quando a gente pensa na periferia da cidade, que já tem diversos problemas, a qualidade de vida diminui ainda mais", afirma a pesquisadora. Somam-se a isso a deficiente manutenção dos veículos, a ausência de conforto e segurança e a baixa confiabilidade do serviço.

n Estado não controla qualidade do serviço oferecidoSimaia das Mercês explica

ainda que os problemas observados na prestação do serviço são decor-rentes da relação que se estabelecera entre o Estado e o setor empresarial. "Enquanto os interesses das empresas de transporte coletivo são prioriza-dos pelo Estado, o atendimento às necessidades da população, especial-mente dos que residem na periferia, é realizado de maneira precária", denuncia.

Uma empresa que opera o transporte público terá lucro com o serviço, por isso, devem-se controlar as tarifas e a receita da empresa. Mas, de acordo com a pesquisadora, o poder público não tem esse controle. “Eles não sabem, por exemplo, quan-to custa operar o transporte público na RMB ou qual a margem de lucro das empresas. O poder público fica sempre à margem, quando deveria cuidar do bem e do interesse coletivo:

ter um transporte de qualidade, num sistema operando racionalmente”, revela a autora.

No período analisado, en-contram-se algumas tentativas de melhorias e mudanças no sistema. A maioria aconteceu em 1991, quan-do foi delegada à Companhia de Transportes do Município de Belém (CTBel), mediante contrato admi-nistrativo de concessão por 20 anos, o planejamento, a coordenação, a direção, a avaliação, o controle e a operação do serviço de transporte de passageiros no município, desde que previamente aprovado pela Prefeitura Municipal de Belém.

Além de meia-passagem estu-dantil, gratuidades para idosos e pro-fissionais em serviço, como carteiros e policiais, no mesmo ano, foram institucionalizados o regulamento de transportes e o código disciplinar, onde constam as principais disposi-

ções sobre a delegação e transferência dos serviços de transporte e a sua fiscalização na RMb. Vale a pena ressaltar que muitas das conquistas

que levaram a algumas mudanças no serviço foram provenientes da organização e reivindicações dos movimentos sociais.

n De 1995 a 2004, reajuste esteve acima da inflaçãoAté meados dos anos 90, uma

única empresa conseguiu ingressar no sistema. Entretanto, essa “nova” empresa era constituída por pro-prietários que já atuavam na Região Metropolitana de Belém. A partir de 2007, aconteceu uma redistri-buição das linhas de ônibus entre empresários já operantes no sistema. Porém, de acordo com a pesquisa, a ampliação das áreas de operação das empresas foi efetivada sem que nenhum processo de concorrência ou mesmo de avaliação das condições em que o serviço seria prestado.

Com relação ao preço da pas-sagem, muitos aumentos acontece-ram e a melhoria do serviço não os

acampanhou. Em 1994, a tarifa era de R$ 0,26; cinco anos depois, pas-sou para R$ 0,70. Em 2004, a tarifa cobrada já era de R$ 1, 15. Desde 1995, os valores da tarifa estiveram acima do nível de inflação. As re-clamações mais frequentes encami-nhadas ao serviço de atendimento da CTBel são relativas à “queima” de paradas, ao intervalo longo entre as viagens, às atitudes desrespeitosas com os usuários, em especial com os idosos, estudantes e deficientes. A pesquisa conclui que as mudanças ocorridas na aparência do sistema de transporte coletivo por ônibus na RMB respondem à necessidade de legitimação dos blocos detento-

res do poder político, os quais se apresentaram, em cada momento, com novas feições e com propos-tas de solução para os problemas verificados. Há mais de trinta anos, mantêm-se praticamente inalterados o sistema operacional e o grupo que opera o transporte coletivo na RMB.

A atuação do Estado, nas condições de provisão do serviço, permanece subordinada aos inte-resses do poder econômico no setor, evidenciando a aliança existente entre esses atores sociais. "Ocor-reram algumas mudanças, mas elas não transformaram a aliança nem o sistema operacional. A forma

como o poder público se coloca e exerce seu poder de fato também não mudou. Para alterar essa situ-ação, é preciso mudar, também, a relação entre o Estado e as empresas operadoras, principal causa dos pro-blemas no sistema”, adverte Simaia das Mercês.

Serviço: A CTBel possui alguns contatos para receber críticas, su-gestões e elogios. Ouvidoria: [email protected] Bem: telefone: 0800.91.1314, e-mail: [email protected] e [email protected]

O caso da "quebra de monopólio" em Icoaraci

o transpor te co let ivo por ôn ibus no d i s t r i to de icoaraci era operado, com exclusividade, por uma única empresa. as linhas existentes propiciavam acessibilidade à ilha do outeiro, ao centro de Belém e a alguns subcentos, passando pelos pr inc ipais corredores de transporte da reg ião Met ropo l i tana de Belém. em 1992, a ctBel abriu licitação para a operação de linha do distrito de icoaraci, estabelecendo regras para a concorrência entre as empresas. Uma das participantes – que já operava com exclusividade na área – pediu a impugnação da licitação, tomando por base o contrato de concessão firmado em 1983.

a administração municipal

tentou, então, implementar a lgumas medidas v i sando melhorar as condições de transporte em icoaraci, nos finais de semana. Essas medidas consistiam, basicamente, na circulação de ônibus de outras linhas no itinerário. entendendo como invasão de seu mercado, o proprietário da empresa operante no distrito reduziu a tarifa cobrada em seu ônibus para um valor abaixo do praticado pelo sistema. como resultado, após alguns dias em que a empresa operou dessa forma, o poder público recuou e a tarifa da empresa voltou ao valor inicial.

a l ém d i s s o , a ctBe l cancelou a concorrência e nenhum outro processo licitatório foi iniciado durante o período da

realização da pesquisa, mesmo depois da outorga do novo direito concessionário nacional (leis Federais nº 8.666/93, 8 . 9 8 7 / 9 5 e 9 . 0 7 4 / 9 5 ) , que i n s t i t u i u uma rad i ca l transformação na filosofia de concessão e licitação de serviços públicos no País.

"o monopólio tacitamente é aceito pelo poder público e poderia até existir, mas não da forma como existe hoje, quando as empresas têm o controle de tudo que acontece. esse controle não é legalmente instituído, porque as empresas operam, inclusive, de forma irregular, pois não possuem nenhuma concessão", alerta simaia das Mercês.

em 1997, por ocasião da "quebra do monopólio" na

operação do transporte coletivo em icoaraci, a definição das empresas que iriam operar as novas linhas ocorreu a partir de negociação entre a ctBel e os empresários. as novas linhas foram concedidas às empresas que já detinham a operação exclusiva nas áreas por elas acessadas. Por exemplo, foi concedida à principal empresa que atuava em icoaraci a operação, em consórcio, na rodovia do tapanã, onde ela não atuava anteriormente. de acordo com o estudo, a empresa foi beneficiada pela ‘quebra do monopólio’, “uma vez que passou a operar todas as linhas em consórcio com outras empresas, ampliando sua área de operação", explica a autora do estudo.

"Queima" de paradas está entre as reclamações mais frequentes

Foto

s W

agn

er M

eier