If you can't read please download the document
Upload
lydan
View
223
Download
3
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA
CARLOS EDUARDO TORRES FREIRE
Biotecnologia no Brasil: uma atividade econmica
baseada em empresa, academia e Estado
So Paulo
2014
2
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA
Biotecnologia no Brasil: uma atividade econmica baseada
em empresa, academia e Estado
Carlos Eduardo Torres Freire
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sociologia do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para a obteno do ttulo de Doutor em Sociologia.
Orientador: Prof. Dr. Glauco A. T. Arbix
So Paulo
2014
3
NDICE Agradecimentos .......................................................................................................... 5 Resumo ........................................................................................................................ 6 Lista de Siglas ............................................................................................................. 8 INTRODUO ........................................................................................................ 13
CAPTULO 1 Estrutura de anlise da biotecnologia no Brasil .................................................... 23 1.1) Por que a sociologia econmica ajuda a entender a dinmica da biotecnologia . 23
1.1.1) A retomada da sociologia na anlise da vida econmica ..................... 23 1.1.2) Biotecnologia e a interdependncia dos atores..................................... 25
1.2) Economia evolucionria: polticas pblicas, tecnologia e inovao ................... 31 1.2.1) Economia e polticas pblicas; crescimento e tecnologia .................... 31 1.2.2) Sistemas de inovao: como abordar um fenmeno complexo ........... 34
1.3) Hlice tripla: interseco entre universidade, empresa e governo ...................... 38 1.4) Estrutura de anlise para a biotecnologia no Brasil ............................................ 42 CAPTULO 2 Biotecnologia como atividade econmica: construo do objeto emprico ......... 44 2.1) Definies de biotecnologia e exemplos de atividades biotecnolgicas ............. 44 2.2) Empresa de biotecnologia ou empresa com atividade biotecnolgica? .............. 49 2.3) Como estimar o universo de empresas com atividade biotecnolgica no Brasil 56 2.4) Tcnicas para coleta de informao e descrio das fontes ................................ 59
CAPTULO 3 O mercado da biotecnologia no Brasil .................................................................... 64 3.1) Empresas com atividades biotecnolgicas no Brasil: concentrao no Estado de So Paulo e reas de atuao muito diferentes ........................................................... 64 3.2) Dinmica do mercado: combinao de empresas jovens, pequenas e criadas por pesquisadores com grandes empresas consolidadas ................................................... 74 3.3) Empresas e academia: relacionamento necessrio .............................................. 82 3.4) Investimentos em P&D e inovao: empresas dependem de recursos pblicos . 87
4
CAPTULO 4 Cincia e biotecnologia em So Paulo: o potencial de produo cientfica ......... 94 4.1) Produo cientfica relacionada biotecnologia na ps-graduao de SP ......... 95
4.1.1) Recursos humanos para pesquisa: crescimento no Brasil .................... 96 4.1.2) Produo cientfica: aumento em publicaes ..................................... 99 4.1.3) Metodologia para mensurar potencial de pesquisa em biotecnologia 102 4.1.4) Cincias agrrias: Agronomia; Medicina Veterinria; Zootecnia ...... 105 4.1.5) Cincias biolgicas: Biologia; Bioqumica, Biofsica, Farmacologia e Farmcia; Gentica; Imunologia, Microbiologia e Parasitologia ................. 108 4.1.6) Cincias da sade: Medicina e Alimentos ......................................... 110 4.1.7) Biotecnologia como rea de conhecimento e engenharia biomdica . 112 4.1.8) Pesquisa em ps-graduao e empresas: semelhanas locacionais? .. 115
4.2) Interao universidade-empresa: biotecnologia e grupos de pesquisa .............. 118 4.2.1) Estratgia de anlise a partir do diretrio de grupos do CNPq .......... 122 4.2.2) Interao universidade-empresa e grupos de pesquisa do CNPq ....... 125
CAPTULO 5 Estado e biotecnologia no Brasil: polticas pblicas e regulao ....................... 132 5.1) Um ambiente mais favorvel a C&T e inovao no Brasil nos anos recentes? 133 5.2) Polticas, programas e aes para biotecnologia no Brasil ............................... 140
5.2.1) Polticas pblicas, sade humana e biotecnologia ............................. 143 5.3) Programas e aes de P&D e inovao para biotecnologia em So Paulo ....... 150
5.3.1) A Finep e o apoio inovao nas empresas ....................................... 151 5.3.2) PIPE e PITE como estratgia da FAPESP e a biotecnologia ............. 155 5.3.3) Projetos especiais da FAPESP: Genoma, Bioen e Biota .................... 160
5.4) Regulao e propriedade intelectual: o impacto na biotecnologia no Brasil .... 164 5.4.1) Propriedade intelectual e patentes em biotecnologia ......................... 166 5.4.2) Biossegurana, agricultura e regulamentaes complementares........ 170 5.4.3) Biodiversidade e o Conselho de Gesto do Patrimnio Gentico ...... 173 5.4.4) Sade e a Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa) .......... 176
CONSIDERAES FINAIS Questes para desenvolvimento de uma atividade econmica dependente da articulao entre Estado, academia e empresa .................................................... 179 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................. 189
5
Agradecimentos
Gostaria de agradecer primeiramente s agncias financiadoras que me concederam condies materiais para essa pesquisa: o CNPq, pela bolsa de pesquisa, e a Capes, pelos recursos para o estgio de doutorado nos EUA.
Desde j, muito obrigado aos membros da banca pela disposio em participar da defesa da tese. A Mario Salerno e Fernando Perez, que tambm participaram do exame de qualificao e contriburam com sugestes muito importantes para a pesquisa naquele momento. A Nadya Guimares, tambm pela leitura cuidadosa do relatrio para prorrogao de prazo de entrega da tese e por todo o aprendizado que me proporcionou nos cursos no departamento de sociologia durante minha trajetria acadmica na USP. E a Denise Golgher, que me deu uma aula introdutria sobre biotecnologia quatro anos atrs e que continuou me ensinando sobre o tema nos ricos dilogos travados ao longo de nossas parcerias em artigos.
Agradeo aos amigos do Cebrap e que passaram por l: Victor e os muito dados que rodamos juntos; Carolina, companheira de turma do doutorado pelas boas ideias de sempre; Maurcio, pela leitura da introduo e pela sabedoria de ter passado por esse processo; Mrcia, pela gentileza da leitura de verso preliminar da tese e seus timos comentrios; Any e Rafael, pela parceria nos estudos sobre biotecnologia no incio dessa trajetria; e Graziela, exemplo do que ser pesquisadora e turbilho de ideias interessantes.
Obrigado tambm a Andr, pelos mapas, e a Otaclio pela reviso final do texto.
No poderia deixar de mencionar Eduardo, parceiro em projetos de biotecnologia, pelo prazer da troca de ideias, sempre novas, criativas e desafiadoras.
Da experincia acadmica em Nova York: Scott Martin, que me recebeu na Columbia University com muita simpatia e me ajudou com ideias certeiras nas conversas que tivemos; a Marcos Troyjo, pelo dilogo sobre os BRICs; e a Luciana, Guga, Camila, Fernando e Marcio, amigos que l encontrei e reencontrei.
Muito obrigado ao Glauco por aceitar a orientao e por me dar a honra do dilogo com algum que consegue de forma brilhante unir erudio e capacidade intelectual prtica poltica na vida pblica. Estou certo de que uma inspirao no apenas para mim como para uma gerao de pesquisadores que trabalham para um pas melhor.
Pelo apoio de sempre, obrigado a Cristiane e a toda minha famlia: as irms Ana e Regina e meu irmo Vinicius. Dedico esse trabalho ao meu pai, Bencio, que nos deixou no meio desse percurso, e minha me Zlia, cuja serenidade e fora continuam sendo inspiradoras para todos os desafios da vida.
6
Resumo
Essa pesquisa demonstra que a biotecnologia uma atividade econmica
essencialmente baseada na interdependncia de atores das esferas mercado, cincia e
Estado. A empresa privada depende do conhecimento da academia e de financiamento
para inovao e regulao do Estado para produzir bens e servios. Universidades e
institutos fazem pesquisa utilizando recursos pblicos e privados. E governos,
agncias e comits formulam polticas de CT&I e respondem pela estrutura de
regulao, atividade que precisam estar afinadas com empresas e academia para que
sejam efetivas. Compreender a biotecnologia passa pelo entendimento desse
complexo de interdependncias, por isso as trs esferas so utilizadas como recurso
analtico nessa tese. O segundo aspecto importante da pesquisa que seria
inapropriado falar em um setor de biotecnologia. So atividades biotecnolgicas
com aplicaes em diferentes reas da economia (setor privado em sade, bioenergia
e agricultura), que provm de diferentes reas de conhecimento (agronomia, cincias
biolgicas e da sade) e que precisam de polticas pblicas especficas (para
medicamentos, biocombustveis e alimentos), e no genricas (como polticas para
biotecnologia). Condio para discutir esses dois aspectos construir a biotecnologia
como um objeto emprico de pesquisa, organizando informaes sobre ele com
mtodos e tcnicas consistentes e fornecendo uma base estatstica inteligvel no
debate pblico, algo que no acontece atualmente no Brasil. Para tanto essa pesquisa:
a) define o conjunto de empresas com atividades biotecnolgicas no Brasil e apresenta
suas caractersticas; b) seleciona reas de conhecimento relacionadas biotecnologia
e dimensiona seu potencial de produo cientfica; c) organiza informaes sobre
polticas pblicas e regulao voltadas a biotecnologia no pas para entender as
estratgias que impactam essa atividade econmica.
Palavras-chave: biotecnologia; inovao; cincia e tecnologia; polticas pblicas;
Brasil
7
Abstract
This thesis shows how biotechnology is essentially a business based on market,
science and State. In order to produce goods and services, private firms depend on
knowledge from academia and funding for innovation and regulation rules from the
government. Universities and research institutes rely on public and private funding for
research. And governments, agencies and public committees are responsible for
policy-making in STI and for the regulation framework that directly impact
companies and academia. Understanding biotechnology requires therefore an
understanding of this relational complex of interdependencies the reason why the
three spheres are used as an analytical framework in this thesis. The second topic to
be highlighted is that it would be inappropriate to use the notion of a "biotechnology
industry". We argue that biotechnology is based upon activities with applications in
different economic industries (health, agriculture and bioenergy), is supported by
several scientific areas of knowledge (agronomy, biological and health sciences) and
needs specific STI and industrial policies (for medicines, food and biofuels, e.g.)
rather than general ones (such as a "biotech policy"). In order to deal with these two
topics, we must design biotechnology as an empirical and well-defined research
object to build up a consistent statistical basis about biotech something that
currently is missing in the Brazilian public debate. This task includes: a) defining the
set of firms with biotech activities in Brazil and presenting its features; b) selecting
areas of knowledge related to biotechnology and measuring its scientific research
potential; c) organizing information about public policies and regulation issues on
biotechnology in Brazil in order to understand how they impact on the biotech
business.
Key words: biotechnology; innovation; science and technology; public policy; Brazil
8
Lista de Siglas
ABBI Associao Brasileira Biotecnologia Industrial ABDI Agncia Brasileira de Desenvolvimento Industrial
Abifina Associao Brasileira das Indstrias de Qumica Fina, Biotecnologia e especialidades
ABIHPEC Associao Brasileira da Indstria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosmticos
Abrabi Associao Brasileira de Empresas de Biotecnologia
AgroBio Associao de Empresas de Biotecnologia na Agricultura e Agroindstria
Ambiotec Associao Mineira de Empresas de Biotecnologia e Cincias da Vida
Anvisa Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria BIO Biotechnology Industry Organization BIO-RIO Polo de Biotecnologia do Rio de Janeiro Biominas Biominas Brasil Bionorte Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amaznia Legal Biotechno Laboratrio Nacional de Engenharia Biolgica BiotecSur Plataforma de Biotecnologias do Mercosul BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social BPF Boas Prticas de Fabricao BPL Boas Prticas de Laboratrio BrBiotec Associao Brasileira de Biotecnologia C&T Cincia e Tecnologia
Capes Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CCT Comisso de Cincia, Tecnologia, Inovao, Comunicao e Informtica do Senado
CCJ Comisso de Constituio, Justia e Cidadania do Senado, CDB Conveno sobre Diversidade Biolgica da ONU
CDT/UnB Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnolgico da Universidade de Braslia
Cebrap Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento CEIS Complexo Econmico Industrial da Sade
Cenpes Centro de Pesquisas Leopoldo Amrico Miguez de Mello (Petrobrs)
Centev Incubadora de Empresas de Base Tecnolgica (Universidade Federal de Viosa)
CEP-CONEP Comit de tica em Pesquisa / Comisso Nacional de tica em Pesquisa
Cepid Centro de Pesquisa, Inovao e Difuso
9
Cetene Centro de Tecnologias Estratgicas do Nordeste CGEE Centro de Gesto e Estudos Estratgicos CGEN Conselho de Gesto do Patrimnio Gentico Cietec Centro de Inovao, Empreendedorismo e Tecnologia CIS Complexo Industrial da Sade CNAE Classificao Nacional de Atividades Econmicas CNB Comit Nacional de Biotecnologia CNBS Conselho Nacional de Bioessegurana CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurdica
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
CNRS CNRS Centro Nacional da Pesquisa Cientfica (Frana) CIDE Contribuio de Interveno no Domnio Econmico
Combio Comit da Cadeia Produtiva de Biotecnologia da Federao das Indstrias do Estado de So Paulo (FIESP
Conep Conep Comisso Nacional de tica em Pesquisa CPqD Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (Telebrs) CRB-BR Rede Brasileira de Centros de Recursos Biolgicos CRO Contract Research Office CTA Centro Tcnico Aeroespacial (Embraer) CTBE Laboratrio Nacional de Cincia e Tecnologia do Bioetanol CTC Centro de Tecnologia Canavieira CTNBio Comisso Tcnica Nacional de Biossegurana CT&I Cincia, Tecnologia e Inovao
CURB Contrato de Utilizao do Patrimnio Gentico e de Repartio de Benefcios
Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria EMBRAPII Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovao Industrial EnconitBiotec Encontro Nacional de Inovao Tecnolgica em Biotecnologia ENCTI Estratgia Nacional de Cincia, Tecnologia e Inovao EPO Europen Patent Office ESALQ Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz EUA Estados Unidos da Amrica EY Ernest & Young FAO Food and Agriculture Organization of the United Nations FAPs Fundaes de Apoio Pesquisa FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo FDA Food and Drugs Administration Finep Financiadora de Estudos e Projetos Fiocruz Fundao Oswaldo Cruz FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico GECIS Grupo Executivo do Complexo Industrial da Sade
10
IAC Instituto Agronmico de Campinas
Ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis
ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade
INBEQMeDI Instituto Nacional de Cincia e Tecnologia de Biotecnologia Estrutural e Qumica Medicinal em Doenas Infecciosas
INCAMP Incubadora de Empresas de Base Tecnolgica da Universidade Estadual de Campinas
IPHAN IPHAN Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional ITA Instituto Tecnolgico de Aeronutica GECIS Grupo Executivo do Complexo Industrial da Sade Genoprot Rede Integrada de Estudos Genmicos e Protemicos IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IES Instituies de ensino superior INCT Instituto Nacional de Cincia e Tecnologia INPI Instituto Nacional da Propriedade Industrial IPEN Instituto de Pesquisas Energticas e Nucleares IPT Instituto de Pesquisas Tecnolgicas IR Imposto sobre a renda ISIC International Standard Industrial Classification Labinfo Laboratrio de Bioinformtica LaCTAD Laboratrio Central de Tecnologias de Alto Desempenho LNBio Laboratrio Nacional de Biocincias LNCC Laboratrio Nacional de Computao Cientfica LNLS Laboratrio Nacional de Luz Sncroton LNNano Laboratrio Nacional de Nanotecnologia LPC Lei de Proteo de Cultivares LPI Lei de Propriedade Industrial MAPA Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento MCTI Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao
MDIC Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior
MIT Massachusetts Institute of Technology
MMA Ministrio do Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da Amaznia Legal
MS Ministrio da Sade NFBs Novas firmas biotecnolgicas
OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico
OGM Organismo Geneticamente Modificado P&D Pesquisa e Desenvolvimento PAC Programa de Acelerao do Crescimento
11
PACTI Plano de Ao em Cincia, Tecnologia e Inovao
PADCT Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cincia e Tecnologia
PADETEC Parque de Desenvolvimento Tecnolgico da Universidade Federal do Cear
PAISS Plano Conjunto BNDES-Finep de Apoio Inovao Tecnolgica Industrial dos Setores Sucroenergtico e Sucroqumico
PAPP Programa de Apoio Pesquisa em Micro e Pequenas Empresas
PBM Plano Brasil Maior PBRG-G Programa de Biotecnologia e Recursos Genticos e Genoma PCT Patent Cooperation Treaty PD&I Pesquisa, Desenvolvimento e Inovao PDB Poltica de Desenvolvimento da Biotecnologia PDP Poltica de Desenvolvimento Produtivo PIDE Programa Integrado de Doenas Endmicas Pige Programa Integrado em Gentica PIPE Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas PITCE Poltica Industrial, Tecnolgica e de Comrcio Exterior
PITE Programa de Apoio Pesquisa em Parceria para Inovao Tecnolgica
Prime Primeira Empresa Inovadora
Profarma Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacutica
PwC PricewaterhouseCoopers RDC RDC Resoluo da Diretoria Colegiada (Anvisa) Renama Rede Nacional de Mtodos Alternativos Renorbio Rede Nordeste de Biotecnologia RHAE Recursos Humanos em reas Estratgicas SBIR Small Business Innovative Research SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia SIR SCImago Institutions Ranking SNPC Servio Nacional de Proteo de Cultivares SUS Sistema nico de Sade TECNOPUC Parque tecnolgico da PUC Rio Grande do Sul TRIPS Trade Related Aspects of Intellectual Property UFMG Universidade Federal de Minas Gerais UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UFSCar Universidade Federal de So Carlos UNICA Unio da Indstria de Cana-de-Acar Unicamp Universidade Estadual de Campinas
12
Unifesp Universidade Federal de So Paulo Unitecne Incubadora de Tecnologia e Negcios da Uniube USP Universidade de So Paulo USPTO US Patent and Trademark Office
13
Introduo
A biotecnologia muito importante para lidar com o desafio de desenvolver
trs grandes reas no sculo XXI em todo o mundo: alimentos, sade e energia. A
partir de tcnicas biotecnolgicas, possvel desenvolver terapias na rea de sade,
minimizar problemas na produo de alimentos e criar alternativas utilizao de
combustveis fsseis.
De fato, a biotecnologia pode ser considerada o resultado de uma revoluo
cientfica que passa por vrias disciplinas. Em outras palavras, uma constelao de
revolues cientficas (PISANO, 2006: 11), que se fundamenta em diferentes reas
de conhecimento, como biologia molecular, bioqumica, cincia da computao,
biofsica, engenharias e diferentes especialidades da medicina. Esto envolvidas
disciplinas distintas, as quais iluminam diferentes peas do quebra-cabea da
biotecnologia.
A biotecnologia moderna, portanto, no pode ser vista como uma unidade,
algo homogneo. , na verdade, transversal e heterognea, pois utiliza tecnologias e
conhecimentos de diferentes reas de conhecimento, cada qual com seu campo de
aplicao. Podemos citar, por exemplo, avanos na engenharia gentica com
reverberaes tanto na produo de alimentos e no manejo da agricultura como nos
caminhos para lidar com doenas. Ou processos fsico-qumicos e a produo de
biofrmacos, enzimas e vacinas que levam a terapias e melhorias nunca imaginadas na
sade. E, na rea de energia, os biocombustveis, como o etanol de segunda gerao,
que ganham espao com o problema do aquecimento global e a necessidade de
desenvolver fontes de energia renovveis que diminuam a dependncia do petrleo e
reduzam a emisso de gases de efeito estufa.
Se, por um lado, a biotecnologia chamada de setor portador de futuro ou
de uma cadeia com potencial de crescimento, expresses frequentemente presentes
em documentos de polticas (MCTI, 2010) e no debate pblico, por outro, a
biotecnologia como atividade econmica carregada de indefinies.
Nesse sentido, dois aspectos se destacam. O primeiro deles que uma
atividade econmica desse tipo, de alta intensidade tecnolgica, no se desenvolve
sem a articulao entre setor privado, governos/agentes pblicos e academia. O
segundo que necessrio repensar a prpria viso de biotecnologia como um setor
14
ou melhor, discutir o que se entende por biotecnologia. Esta tese de doutorado se
prope a tratar desses dois aspectos.
Em relao ao primeiro, como mostraremos ao longo deste trabalho, h uma
articulao de atores das esferas mercado, cincia e Estado na biotecnologia. Tais
esferas so utilizadas aqui como recurso analtico para evidenciar as fortes
interdependncias entre empresas, academia e agentes pblicos para o
desenvolvimento da biotecnologia. Trata-se de uma atividade econmica (mas no
um setor) baseada nesses trs conjuntos de atores dessas esferas1. Na esfera do
mercado so realizados os negcios e o ator principal a empresa privada. Na esfera
da cincia onde se faz primordialmente pesquisa bsica, e os atores principais so
universidades, institutos e laboratrios genericamente, a academia. E na esfera do
Estado so formuladas as polticas pblicas e as estruturas de regulao, com
participao direta de diferentes agentes pblicos governos, agncias, conselhos e
comits.
importante mencionar que nossa pesquisa se posiciona em um debate mais
amplo sobre desenvolvimento baseado em atividades econmicas intensivas em
cincia, tecnologia e inovao. Tomamos como pressuposto que processos de
desenvolvimento que lograram avanos em cadeias produtivas de mais alta
intensidade tecnolgica contemplam a induo do Estado combinada a participaes
mais ou menos ativas do setor privado e da academia, de acordo com a peculiaridade
de cada caso. Em diversos momentos da histria, seja h mais tempo nos pases
desenvolvidos, como EUA e Alemanha, ou mais recentemente naqueles em
desenvolvimento, como Coreia do Sul, China e ndia, h arranjos institucionais e de
polticas pblicas (tanto industriais como de cincia, tecnologia e inovao)
construdos com a articulao de governos, setor privado e academia, especialmente
quando se trata de atividades de maior intensidade em tecnologia e conhecimento
(AMSDEN, 2009; WADE, 1990; EVANS, 2004; JOHNSON, 1995; NELSON, 2006;
MAZZUCATO, 2011). Trata-se aqui de um posicionamento oposto ao entendimento
de que a atuao do Estado em processos de desenvolvimento econmico se limita
correo de falhas de mercado, mais comum na economia ortodoxa
(MAZZUCATO, 2011; CIMOLI et al., 2009).
1 Como ser explicado no captulo 1, essa construo analtica tem inspirao nas ideias de hlice
15
De modo a delinear o problema de pesquisa tal como abordado nesta tese de
doutorado, vale j adiantar o que seriam essas trs esferas no caso da biotecnologia.
Na esfera do mercado, os bens e servios so produzidos primordialmente pela
empresa privada em articulao direta com os outros atores nas esferas da cincia
(universidades, institutos de pesquisa, laboratrios) e do Estado (governos, bancos e
agncias de fomento e de regulao). Alm das empresas, h as incubadoras, que so
palcos centrais para o nascimento de firmas, como veremos ao longo da tese. Para as
pequenas e mdias empresas, o Estado funciona ainda como investidor tomador de
risco. J as grandes tambm utilizam os recursos pblicos, mas minimizam os riscos
com a intensidade de capital, o comando em redes de aprendizado e a defesa da
propriedade intelectual, demandando da esfera estatal uma estrutura regulatria
consistente, especialmente aquelas sobre patentes e autorizaes de comercializao
de produtos e de pesquisa. Ou seja, um produto com base em atividade biotecnolgica
chega comercializao aps investimento de risco (pblico ou privado), pesquisa
(principalmente na academia, mas tambm nas empresas) e autorizao de rgos
reguladores (como no caso de organismos geneticamente modificados ou
medicamentos).
A esfera da cincia tambm fundamental para a biotecnologia. Para Pisano
(2006), autor de um dos trabalhos mais importantes sobre o tema nos ltimos dez
anos, trata-se de um negcio baseado em cincia. Nesta tese, argumentamos que,
mais do que em cincia, esse negcio se baseia na interdependncia dos atores das
trs esferas mencionadas. De fato, a biotecnologia como atividade econmica depende
diretamente de conhecimento novo produzido em universidades, institutos de pesquisa
e laboratrios no Brasil, essencialmente pblicos , ou, pelo menos, de linhas
pesquisa que nascem na esfera da cincia e depois migram para o mercado em
pesquisas nas empresas. Como consequncia disso, ao descermos um degrau no nvel
de anlise de nosso objeto de pesquisa, h necessidade de trabalho em rede para
produo e transferncia desse conhecimento especfico e, ao mesmo tempo, difuso.
preciso considerar na anlise que poucos atores (sejam pesquisadores individualmente
ou em grupos de laboratrios e institutos de pesquisa) sabem muito de pequenas
partes de um mesmo processo, o que torna necessrio formar arranjos relacionais
complexos. Isso quer dizer que as densas pesquisas dos atores na esfera da cincia
para, por exemplo, encontrar uma nova enzima especfica para quebrar a celulose
na produo de etanol de segunda gerao so apenas uma pequena parte de um
16
processo longo, que envolve a liderana dos empresrios do setor sucroalcooleiro, a
formao de recursos humanos, os investimentos pblicos para pesquisa e aes de
governos para estimular o setor.
No que se refere esfera do Estado, a biotecnologia como atividade
econmica altamente sensvel s suas diretrizes, decises e recursos. No caso dos
recursos pblicos ela depende: diretamente, de financiamentos para investimento de
alto risco (no Brasil ainda mais que em outros pases), como crdito, financiamentos
no reembolsveis (subvenes) e isenes fiscais principalmente na esfera do
mercado; e, indiretamente, de recursos humanos e de pesquisa pblicos em
universidades, instituies e laboratrios de pesquisa na esfera da cincia. Alm
disso, a estrutura regulatria (como o acesso biodiversidade ou a liberao de
medicamentos e cultivares) e o sistema de propriedade intelectual so aspectos
cruciais para as empresas que dependem diretamente de agncias e conselhos dotados
de responsabilidade para regulao e autorizao de atividades relacionadas
biotecnologia como a Anvisa, em medicamentos, o CGEN, em biodiversidade e
patrimnio gentico, e a CTNBio, em organismos geneticamente modificados.
A hiptese central desta pesquisa, portanto, que a biotecnologia como
atividade econmica essencialmente baseada na articulao dos atores
principais dessas trs esferas: mercado, cincia e Estado. Isso porque se trata de
uma atividade em que a empresa depende: da pesquisa acadmica (no Brasil,
especialmente pblica); e das polticas pblicas de CT&I, principalmente dos recursos
financeiros do Estado (no Brasil ainda mais, j que o mercado de capital de risco
incipiente e instituies como Finep, BNDES e agncias estaduais de fomento, como
Fapesp e Fapemig, acabam desempenhando tal papel).
Essa articulao dos atores das esferas mercado, cincia e Estado nos fornece
indcios de como difcil falar em setor de biotecnologia. H atividades
biotecnolgicas em reas como sade humana e animal, agricultura, energia e meio
ambiente. Sem aprofundar a discusso sobre classificao setorial, tomemos apenas
alguns setores da economia para ilustrar. O setor automobilstico, por exemplo, que
tem um claro produto final o veculo. possvel imaginar algo assim na
biotecnologia? Se pensarmos em bens intermedirios, seria possvel comparar o setor
de mquinas e equipamentos com biotecnologia, no sentido de insumos intermedirios
para a produo de um bem em outros setores? Ou, ento, fazer a comparao no
mbito dos servios, e no da indstria: o setor de tecnologia da informao tambm
17
tem atuao transversal, como um servio para diversos setores, mas o fundamento
bsico da cincia da computao fornece alguma unidade ao que ofertado no
mercado. As diferentes tcnicas biotecnolgicas, como bioprocessamento, cultura de
clulas, DNA recombinante, dariam consistncia a uma unidade desse tipo?
A biotecnologia, na verdade, pode ser vista como uma coleo de tecnologias
que podem ser aplicadas em diferentes reas da vida social e econmica sade
humana e animal, agricultura, energia e variados processos industriais. Mas, quando
se parte para a anlise da biotecnologia como negcio, a diversidade se torna um
problema. No h um setor de biotecnologia na classificao de atividade econmica,
por exemplo. Ou mesmo subsetores que possam ser selecionados das bases estatsticas
para compor uma anlise da biotecnologia. As empresas com atividades
biotecnolgicas esto espalhadas em diversos setores de atividade econmica. Um
exerccio de busca do CNPJ de empresas com aplicaes biotecnolgicas no Brasil e
da sua classificao de atividade econmica registrada oficialmente (a chamada
CNAE) mostra uma variedade setorial significativa, que passa por agricultura,
indstria, comrcio e servios, tais como: criao de animais; fabricao de produtos
farmacuticos, de produtos alimentcios, de mquinas e equipamentos, de
medicamentos para uso veterinrio; comrcio de medicamentos; pesquisa e
desenvolvimento. Constata-se que no h consenso nos sistemas nacionais de
estatstica dos pases sobre o que compe o setor de biotecnologia com base nas
classificaes de atividade econmica (ISIC, internacionalmente, ou CNAE, no
Brasil). Por isso mesmo, o debate pblico sobre a biotecnologia como um setor de
atividade econmica confuso. So utilizadas diversas definies e realizadas
comparaes, por vezes descabidas, justamente em razo de definies diferentes.
A biotecnologia no se caracteriza, portanto, pela produo de um bem, um
produto intermedirio ou um servio, mas sim por um conjunto de tcnicas de
manipulao de organismos vivos que podem resultar em produtos de diferentes
setores (medicamento biolgico ou semente geneticamente modificada), que podem
servir de processo intermedirio para a produo de outros bens (enzimas para etanol
de segunda gerao) ou mesmo um servio (microrganismos para biorremediao).
Isso nos leva hiptese secundria desta tese: a biotecnologia uma
atividade econmica, mas no um setor. Mais apropriado seria falar em
atividades biotecnolgicas com aplicaes em diferentes reas da economia (setor
privado em sade, bioenergia e agricultura etc.), que provm de diferentes reas de
18
conhecimento (biologia molecular, medicina, agronomia etc.) e que devem contar
com diretrizes de polticas pblicas especficas (sade, energia, agricultura), e no
genricas (como polticas para biotecnologia). Ou seja, seria inapropriado falar em
um setor de biotecnologia, pois juntar diferentes setores, reas de conhecimento e
estratgias de poltica acaba mais por confundir do que ajudar no entendimento do
fenmeno socioeconmico. Algumas das consequncias disso seriam as diversas
dificuldades para o desenvolvimento da biotecnologia como atividade econmica:
ineficincia nas polticas de incentivo inovao (aes genricas para um possvel
setor de biotecnologia atingem o alvo ou acabam fornecendo recursos para
empresas que no desenvolvem atividades biotecnolgicas?); recursos limitados para
linhas de pesquisas de fronteira em biotecnologia em reas de conhecimento como
gentica, microbiologia, agronomia (em que medida temas que esto, de fato, na
fronteira tecnolgica so apoiados?); desarticulao associativa do setor privado (o
que une as empresas com atividades biotecnolgicas? Por exemplo, o setor
farmacutico tem algo a trabalhar em conjunto com as empresas do setor
sucroalcooleiro?).
Sendo assim, a presente tese tem dois objetivos principais. O primeiro
demonstrar a importncia das trs esferas que compem a biotecnologia no Brasil
e apresentar a articulao de seus atores principais. Condio para atingir esse
primeiro objetivo, o segundo construir a biotecnologia como um objeto emprico
de pesquisa, organizando informaes sobre ele com tcnicas metodolgicas
consistentes. Isso significa: a) definir o conjunto de empresas com atividades
biotecnolgicas e apresentar suas caractersticas; b) selecionar o que seriam reas de
conhecimento cientfico relacionadas biotecnologia, que fundamentam sua produo
cientfica, e dimensionar seu potencial no Brasil; c) organizar informaes sobre
polticas pblicas e regulao voltadas a biotecnologia no pas para entender as
estratgias e decises que tm impacto nessa atividade econmica.
Para dar conta desses dois objetivos, necessrio enfrentar o desafio
metodolgico de construir a biotecnologia como um objeto de pesquisa claro e que
seja inteligvel no debate pblico entre empresrios, pesquisadores, formuladores de
polticas da rea, de modo a contribuir para que o prprio debate se assente em termos
comuns. Isso no acontece atualmente no Brasil, uma vez que parece no estar claro o
que realmente biotecnologia como atividade econmica. necessrio ter como guia
as seguintes perguntas: O que seria uma empresa de biotecnologia, ou melhor, uma
19
empresa com atividade biotecnolgica? Quem produz conhecimento em
biotecnologia? Como mensurar empresas e atividades acadmicas na rea de
biotecnologia? Quais polticas pblicas existem para biotecnologia no Brasil? Ou seja,
para analisar a biotecnologia e discutir como desenvolver essa atividade econmica no
Brasil necessrio, antes de tudo, deixar claro o seguinte: sobre o que estamos
falando?
De modo a concretizar os dois objetivos anunciados e trabalhar as duas
hipteses levantadas, a abordagem analtica do objeto de pesquisa deste trabalho tem
dois nveis. Um deles uma anlise de nvel macro, que considera as trs esferas aqui
entendidas como essenciais para a biotecnologia como atividade econmica: mercado,
cincia e Estado o que permite observar como o sistema funciona, nos termos neo-
schumpeterianos, ou como as hlices operam, nos termos da abordagem da triple
helix. O outro seria um nvel meso de anlise, ou intermedirio, que busca desvendar a
estrutura relacional dos diferentes atores envolvidos na articulao das trs esferas, ou
seja, as grandes e pequenas empresas, os investidores de risco, os governos, as
agncias reguladoras e conselhos gestores, as universidades, os institutos de pesquisa
e laboratrios em resumo, a estrutura de relaes em rede, nos termos da sociologia
econmica.
Para tornar a empreitada desta tese factvel, optamos por fazer um recorte
espacial do objeto: o foco do trabalho ser a biotecnologia no Estado de So Paulo.
Trata-se da unidade da federao mais forte em biotecnologia, tanto em termos da
produo privada como da cientfica. Alm disso, os arranjos institucionais
decorrentes da presena da Fapesp ajudam a iluminar peculiaridades importantes para
o entendimento da biotecnologia e tornam o caso paulista interessante para a anlise.
Evidentemente, as informaes sobre o Brasil sero apresentadas quando necessrio,
de modo a contextualizar a atividade no pas e localizar o Estado de So Paulo no
contexto nacional.
Ao longo da pesquisa, so utilizadas diferentes tcnicas para coleta e anlise
de dados. Em relao queles de carter mais quantitativo, sero analisadas
primeiramente as informaes de um banco de dados de empresas com atividades
biotecnolgicas 2 . Alm dos dados sobre empresas, utilizamos as bases sobre
2 Para esta pesquisa de doutorado, um novo banco de dados foi preparado ao longo de 2012 e 2013, utilizando algumas informaes do Brazil Biotech Map 2011 (CEBRAP, 2011) e outras coletadas em fontes secundrias websites das empresas, incubadoras, agncias de fomento, rgos de governo,
20
programas de ps-graduao (Capes) e sobre grupos de pesquisa (CNPq) para anlise
a respeito da esfera da cincia. Levantamos tambm informaes secundrias sobre
polticas pblicas relacionadas biotecnologia em documentos oficiais de governos,
alm de programas especficos de incentivo a CT&I da Finep, do BNDES e da
Fapesp. Nesse ltimo caso, utilizamos tambm um banco de dados sobre projetos que
receberam concesses da Fapesp nos programas PIPE e PITE. Por fim, tambm foram
realizadas entrevistas em profundidade com atores ligados a CT&I e biotecnologia,
como empresrios, funcionrios e dirigentes de rgos pblicos e pesquisadores de
universidades.
Alm desta introduo, a tese est estruturada como segue.
O Captulo 1 composto por uma apresentao de tpicos tericos que
servem de base para a construo da estrutura analtica do objeto de pesquisa da
tese. Consiste em uma breve discusso de trs diferentes perspectivas tericas que
fornecem suporte abordagem da biotecnologia no Brasil aqui utilizada.
Primeiramente, a ideia de estrutura de relaes sociais em rede da sociologia
econmica. Em segundo lugar, a noo de sistema de inovao, que se fundamenta na
economia evolucionria. E, por fim, o modelo de hlice tripla. O objetivo desenhar
uma estrutura de anlise da biotecnologia que contemple as esferas mercado, cincia e
Estado (em um nvel de anlise macro) e a articulao de seus respectivos atores,
como empresas, universidades, institutos de pesquisa, governos, agncias de fomento,
conselhos (em um nvel de anlise meso).
O Captulo 2 busca responder pergunta: o que biotecnologia como
atividade econmica? Para tanto, desenvolvemos uma metodologia para construo
do objeto emprico e definio do campo de anlise. O captulo composto pelas
seguintes sees: definies de biotecnologia e exemplos de atividades
biotecnolgicas; definio de empresa de biotecnologia; procedimentos para
estimativa do universo de empresas no Brasil; e tcnicas para coleta de informao e
fontes.
importante dizer desde j que a chamada definio em lista de atividades
biotecnolgicas da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico
(OCDE, 2006) foi utilizada nesta pesquisa como base para a coleta de dados sobre as
publicaes especializadas, entre outras e em contato direto com algumas empresas, em eventos e entrevistas presenciais. A explicao sobre a preparao desse banco de empresas de biotecnologia ser feita em detalhe no captulo 2.
21
empresas no Brasil. A partir dela construmos um banco de dados com 314 empresas.
So firmas com pelo menos uma atividade biotecnolgica dessa lista da OCDE, e sua
seleo resultado de uma vasta pesquisa em diversas fontes (outros estudos sobre
biotecnologia, incubadoras e associaes de empresas, publicaes especializadas e da
imprensa, rgos de governo, os prprios sites das empresas, alm de entrevistas).
Explicaremos em detalhes a construo desse banco de dados no Captulo 2 da tese.
O Captulo 3 trata da esfera do mercado e de seu ator principal a
empresa. Apresentamos um panorama do ambiente privado da biotecnologia no
Brasil e em So Paulo o recorte espacial para anlise nesta pesquisa. Na anlise
dessa esfera, sero consideradas 314 empresas com atividades biotecnolgicas no
Brasil, sendo 152 no Estado de So Paulo, divididas nas seguintes reas de atuao:
agricultura, bioenergia, meio ambiente, sade animal e sade humana.
A anlise comea com um panorama do conjunto das empresas com atividades
biotecnolgicas no Brasil, suas reas de atuao e a concentrao em So Paulo. Em
seguida, trata da estrutura das empresas, como ano de fundao, porte e formao dos
scios e o relacionamento com universidades e institutos de pesquisa. As sees finais
discutem a dependncia do recurso pblico para investimentos em P&D e inovao
por parte das empresas com atividades biotecnolgicas.
O Captulo 4 discute a esfera da cincia e procura mensurar o potencial de
produo cientfica em biotecnologia na academia brasileira. O desafio selecionar
reas de conhecimento relacionadas biotecnologia, organizar as informaes e
apresentar um diagnstico da produo cientfica correlata biotecnologia.
Assim como no caso das empresas, nas classificaes por rea de
conhecimento que organizam a cincia mundial (e brasileira), tambm no h uma
rea chamada biotecnologia que agrupe tudo o que produzido nesse campo, de modo
que possamos facilmente analisar suas condies e resultados3. Por isso, realizamos
um esforo metodolgico de buscar nas bases de dados existentes uma forma de
explorar aquela produo cientifica que pode estar relacionada biotecnologia, seja
pelas reas de conhecimento (gentica, microbiologia, medicina veterinria etc.), seja
pelos temas de pesquisa (sequenciamento de DNA, biorremediao, protemica,
cultura de tecidos etc.).
3 At existe uma rea de conhecimento especfico chamada biotecnologia na classificao brasileira, mas ela foi formalmente criada recentemente e est muito longe de espelhar a produo nacional de fato, como veremos na anlise ao longo do captulo 4.
22
Duas opes foram escolhidas para a anlise do potencial de produo
cientfica na academia no Captulo 4. Primeiramente, uma anlise utilizando os
programas de ps-graduao de diversas reas de pesquisa, bem como seus docentes e
pesquisadores matriculados. Esses dados so coletados e organizados pela Capes. Em
segundo lugar, uma anlise a partir dos grupos de pesquisa em biotecnologia e em
reas relacionadas. Essas informaes so provenientes do diretrio de grupos do
CNPq.
O Captulo 5 se volta para a esfera do Estado ao tratar de polticas pblicas
e questes de regulao na biotecnologia brasileira. A primeira parte discute
brevemente o contexto geral mais favorvel combinao de cincia e tecnologia
com inovao no Brasil nos ltimos anos. Na segunda, apresentamos um
levantamento sobre o tema da biotecnologia nas polticas federais e estaduais desde o
final dos anos 1990, com seo especial para a biotecnologia em sade humana. Na
terceira, descrevemos programas e aes com impacto na biotecnologia em So
Paulo: instrumentos de apoio inovao da Finep; programas PIPE e PITE, da
Fapesp; e projetos especiais da Fapesp, como o Genoma.
O conjunto de diretrizes, programas e aes de diferentes governos em
diferentes pocas mostra que o Estado no deixou de lado a biotecnologia, como
dizem alguns atores do campo, mas sim que sua ao pode ser definida como ativismo
programtico. H inmeras polticas pblicas para a rea, mas talvez elas estejam
formuladas em bases inconsistentes ou em direes equivocadas, o que dificulta a
realizao dos objetivos propostos, e consequentemente a demanda por mais aes
pblicas. Por fim, tratamos de alguns aspectos sobre propriedade intelectual e
regulao, com a preocupao principal de apontar como eles podem ser obstculos
ao desenvolvimento da biotecnologia como atividade econmica.
O Captulo 6, por fim, retoma a tese central da pesquisa a respeito da
articulao dos atores das esferas mercado, cincia e Estado na biotecnologia,
discutindo os principais achados dos captulos anteriores e apontando questes
essenciais para o desenvolvimento desta atividade econmica no Brasil.
23
Captulo 1: Estrutura de anlise da biotecnologia no Brasil
Este primeiro captulo apresenta uma breve discusso de trs arcabouos
tericos que do suporte estrutura de anlise do objeto de pesquisa construda para
esta tese: a sociologia econmica, especialmente a ideia de estrutura de relaes em
rede; a economia evolucionria, principalmente a noo de sistema de inovao; e o
modelo de hlice tripla, que tambm tem bases na economia evolucionria, mas traz
elementos da economia institucional e da sociologia do conhecimento e tecnologia.
Aps a apresentao dos trs, a seo 1.4 resume a estrutura de anlise da articulao
dos diferentes atores das esferas mercado, cincia e Estado na biotecnologia no Brasil.
1.1) Por que a sociologia econmica ajuda a entender a dinmica da
biotecnologia
1.1.1) A retomada da sociologia na anlise da vida econmica
Esta seo articula algumas ideias da literatura que trata de redes sociais,
difuso de conhecimento e dinmica econmica no mbito da chamada Nova
Sociologia Econmica, especialmente daqueles estudos que focam as atividades mais
intensivas em tecnologia e conhecimento, como biotecnologia. Antes de entrar nessa
discusso, cabe lembrar a recente retomada da sociologia na anlise da vida
econmica.
O seu argumento que muitos problemas de pesquisa econmicos, que,
tradicionalmente, pertencem ao campo da economia, podem e devem ser analisados
pela sociologia. Essa ideia de um retorno da perspectiva social na economia foi
levantada por autores da Nova Sociologia Econmica norte-americana nos anos 1980,
argumentando que, durante parte do sculo XX, a sociologia deixou temas
importantes a cargo dos economistas.
Inspirados especialmente nos escritos de Marx, Weber, Polanyi e Schumpeter,
esses autores definem a sociologia econmica, como diz Swedberg (2004), de modo
conciso, como a aplicao de ideias, conceitos e mtodos sociolgicos aos fenmenos
econmicos mercados, empresas e sindicatos. E ele continua com uma referncia a
Weber: a sociologia econmica estuda tanto o setor econmico na sociedade
24
(fenmenos econmicos) como a maneira pela qual esses fenmenos influenciam o
resto da sociedade (fenmenos economicamente condicionados) e o modo pelo qual
o restante da sociedade os influencia (fenmenos economicamente relevantes)
(SWEDBERG, 2004: 7).
A Nova Sociologia Econmica norte-americana se assenta em trs princpios
que no so novos por si ss, mas podem ser vistos como novidade pela forma como
so reorganizados para fazer a oposio chamada economia neoclssica.
O primeiro deles que toda ao econmica uma forma de ao social. Na
teoria econmica convencional, o conceito de ao econmica est limpo das razes
no econmicas, situa-se em um mundo unidimensional, e as influncias sociais
seriam vistas como elementos que atrapalham a ao econmica. Para a sociologia,
evidentemente, a ao econmica no pode ser separada de elementos de status,
sociabilidade e poder (SWEDBERG e GRANOVETTER, 1992). H razes no
econmicas que influenciam diretamente a ao econmica, j que no existe o homo
economicus, mas sim um ator econmico enraizado (embedded) em uma estrutural
social (SWEDBERG, 2004). A vida econmica est, ento, enraizada em instituies
no econmicas (famlia, religio, amizade etc.).
Isso nos leva ao segundo principio geral, que o fato de que a ao econmica
socialmente situada, ou seja, no pode ser explicada por motivos simplesmente
individuais. Est enraizada em redes de relaes sociais e no levada a cabo por
indivduos atomizados. O enraizamento um conceito crucial para a Nova Sociologia
Econmica e, junto com o conceito de redes sociais, ditou o caminho de anlise dessa
escola nos ltimos trinta anos. Nas palavras de Swedberg e Granovetter (1992): uma
ao por um membro de uma rede est enraizada porque ela expressa em interao
com outros atores (SWEDBERG e GRANOVETTER, 1992: 9). Comportamentos e
instituies esto, portanto, constrangidos por relaes sociais.
Consequentemente, a ideia de redes sociais ajuda a entender o terceiro
principio: instituies econmicas so construes sociais. Fazendo a crtica
chamada Nova Economia Institucional, cujo principal alvo Oliver Williamson, os
autores da Nova Sociologia Econmica, principalmente Granovetter, se apoiam na
ideia de que as aes econmicas esto estruturadas mediante redes sociais, que
podem ser definidas por um conjunto de ns ou atores (indivduos ou organizaes)
conectados por relaes sociais ou laos de um tipo especfico. por essas redes que
se difunde conhecimento e se alimentam processos de mudana tecnolgica e
25
inovao. As redes sociais, enraizadas, tm, portanto, papel central na mobilizao
dos recursos para a construo das instituies econmicas.
Alm disso, tal construo depende das decises que foram tomadas no
passado. Aqui entra a noo de dependncia da trajetria (path-dependence), a qual
permite introduzir na anlise o conjunto de constrangimentos dados pelo
desenvolvimento histrico prvio da sociedade. Isso quer dizer que as decises do
presente so tomadas com base no que foi desenvolvido no passado e, por sua vez,
condicionam os caminhos futuros.
A partir dessas premissas da Nova Sociologia Econmica, possvel perceber
como esclarecedora a frase de Granovetter e Swedberg: In order to grasp the way
economy works, it is necessary to investigate its social structure (SWEDBERG e
GRANOVETTER, 1992: 22). Para entender, portanto, como a biotecnologia como
atividade econmica funciona, preciso ir alm da empresa e observar a articulao
dos atores nas esferas do mercado, da cincia e do Estado.
1.1.2) Biotecnologia e a interdependncia dos atores
Os princpios da sociologia econmica expostos acima nos ajudam a refletir
sobre a interdependncia dos atores em processos de produo em uma atividade
intensiva em cincia e tecnologia. Na biotecnologia, novos arranjos produtivos e
organizacionais vo sendo criados para lidar com a questo da base cientfica
combinada esfera do mercado. Isso seria diferente de estruturas de produo mais
consagradas, como aquela de uma cadeia automobilstica, por exemplo, em que o
produto, os fornecedores e os clientes j esto bem definidos.
No caso da biotecnologia, o desenvolvimento de uma nova droga e a produo
de um medicamento, por exemplo, podem envolver pesquisadores de diferentes
instituies (universidades e centros de pesquisa), fornecedores de diversas empresas,
clientes com interesses distintos, agncias pblicas de fomento a pesquisa e inovao
e empresas de capital de risco. Todos eles esto envolvidos naquele processo de
produo porque detm conhecimentos especficos e recursos diversos que se
complementam e que esto em circulao nos processos produtivos.
A tentativa de observar os mecanismos relacionais de funcionamento da vida
econmica nos estudos sobre performance de firmas (e/ou setores produtivos) um
ponto de partida interessante para inspirar a abordagem do objeto de pesquisa desta
26
tese. O pressuposto desses trabalhos que arranjos organizacionais como as redes
permitem a troca de informao e de conhecimento e o acesso a recursos, informao
e oportunidades. Enfim, so criadas interdependncias entre atores (indivduos ou
organizaes), as quais podem gerar tanto benefcios (compartilhamento de recursos e
riscos) como consequncias negativas (o insulamento em redes densas e a distncia de
informao nova, por exemplo).
Nesse sentido, aparece de forma significativa na literatura o crescimento da
importncia das redes no meio produtivo: seja na busca dos atores para estarem
conectados, que tem como pano de fundo a ideia de capital social; seja,
analiticamente, pelos pesquisadores, como forma de analisar o fenmeno. Powell e
Grodal (2005), por exemplo, lembram que ter amplos e diversos crculos sociais
traz vantagens em termos de informao, status e recursos, mas que isso, por si s,
no seria a novidade. Aquilo que seria novo no mundo produtivo seria o fato de que a
difuso de conhecimento se torna crucial para a produo de certos bens e servios e,
com ela, aumenta a importncia das conexes. As firmas buscam cada vez mais
colaborao externa para pesquisa e desenvolvimento (P&D), por exemplo. Com a
especializao profunda do conhecimento, as redes servem como mecanismos para
absorver conhecimento de outros atores (pesquisadores, fornecedores, prestadores de
servio ou clientes), para desenvolver capacidades, acessar ativos especializados e
dividir riscos e trabalho (POWELL e GRODAL, 2005; LUNDVALL et al., 2004;
CASTILLA et al., 2000).
Na produo biotecnolgica, h uma interdependncia tanto entre as
disciplinas que ser abordada no Captulo 2 como entre atores pblicos e privados,
o que, supe-se, deve exigir arranjos institucionais peculiares. Isso ocorre no s pela
circulao de conhecimento por meio dos indivduos, mas tambm nos casos de
empresas em parceria com universidades ou de firmas em incubadoras de institutos de
ensino e pesquisa, ou, ainda, de agncias de fomento que criam instituies para
financiamento. So especialistas de diversas reas que precisam trabalhar em
colaborao para acessar aquilo de que dispem isoladamente recursos intelectuais,
financeiros ou fsicos.
Outra caracterstica relevante da biotecnologia, como j mencionado,
levantada por Pisano ao cham-la de negcio baseado em cincia (science-based
business). A cincia sempre foi base, ferramenta ou insumo para o negcio privado,
ou seja, no o uso de cincia na produo a peculiaridade da biotecnologia
27
ressalte-se que o autor considera apenas a rea de sade humana. No caso da
biotecnologia, a cincia um negcio em si mesmo, pois a empresa cria cincia e
extrai valor diretamente dessa criao, o qual depende da qualidade direta do produto
cientfico. E as empresas tm papel ativo no desenvolvimento cientfico. Mesmo antes
de concludas, as descobertas cientficas motivam a criao de firmas que, por sua
vez, desenvolvem outras aplicaes, como o caso da rea de genoma. Alm disso,
essas empresas tm de resolver as questes cientficas em seu prprio P&D ou em
colaborao com universidades e centros de pesquisa (PISANO, 2006). Ou seja,
novamente, h desafios bsicos para a prpria produo que exigem, de sada, novos
tipos de arranjo institucional e organizacional.
Alm da complexa e heterognea natureza do conhecimento cientfico, o autor
menciona outra caracterstica especfica do negcio da biotecnologia: a profunda e
persistente incerteza da cincia envolvida na biotecnologia exige modos novos de
manejar e recompensar o risco. Os investimentos em P&D muitas vezes trazem
resultados abaixo do esperado, pois a pesquisa realizada contm, em geral, respostas
que trazem mais perguntas natural para a cincia, mas problemtico para o negcio.
Interessante nesse caso a meno do autor diferena entre incerteza primria e
secundria. Nessa ltima, sabido aquilo que no se sabe, ou seja, possvel pensar
nas probabilidades de algo que pode acontecer ou de como esse algo seja qual a
chance de uma geada na Flrida no prximo inverno, exemplifica. Entretanto, no
caso da biotecnologia, muitas vezes a incerteza primria, isto , no sabido nem
aquilo que no se sabe. Trocando em midos, ele diz: tudo aquilo que voc nem
imagina que no sabe (PISANO, 2006: 8).
A literatura sobre o tema reala a importncia das interaes sociais e dos
atores em diferentes instituies para os processos de desenvolvimento baseados em
conhecimento e, mais especificamente, as evidncias sobre as relaes entre redes e
desempenho de organizaes. Nesta tese, sero analisados os nveis macro
(articulao das esferas) e meso (interao de atores como empresas e institutos de
pesquisa).
Alguns insights para nossa anlise provm do modo como a abordagem de
redes sociais trata da biotecnologia, uma atividade econmica em que mltiplas
lgicas de descoberta e diferentes tipos de parceria organizacional motivam firmas a
criar laos em redes para desenvolver novos produtos e inovar. No caso de uma
atividade baseada em conhecimento e em expanso, o locus da inovao pode estar na
28
rede de aprendizado que se forma entre os atores, uma vez que habilidades, recursos e
fontes de conhecimento para a produo de novas drogas, por exemplo, esto
amplamente dispersos em diferentes organizaes (POWELL, KOPUT e SMITH-
DOERR, 1996; FELIZARDO, 2012).
Em estudos sobre colaborao interorganizacional, enraizamento institucional
e comercializao no campo das cincias da vida, Powell, White, Koput e Owen-
Smith (2005) e Porter, Powell e Whittington (2005) mostram como mltiplas redes,
que variam no tempo, moldaram a estrutura de oportunidades do campo da
biotecnologia em Boston, nos EUA. Os autores defendem que os padres de interao
em rede emergem e transformam o campo com ramificaes e efeitos diferentes para
os diversos atores envolvidos. A partir do desenvolvimento da rea em Boston,
discutem o envolvimento (ou o surgimento) na produo de atores como
universidades, institutos de pesquisa, empresas de capital de risco, firmas de
biotecnologia e gigantes corporaes farmacuticas multinacionais e seu enredamento
durante trs dcadas (de 1970 a 2000).
Uma forma mais simples de contar a histria a partir dos atores. De um lado,
at os anos 1980, firmas de biotecnologia eram pequenas, sem capacidade nem
recursos para desenvolver novas drogas. Buscam, ento, parcerias com multinacionais
farmacuticas, grandes hospitais e universidades. De outro lado, grandes empresas,
sem acesso a conhecimento de ponta das universidades, procuram firmas start-ups,
mais prximas de centros de pesquisa, para chegar pesquisa de ponta (biologia
molecular, por exemplo).
A partir de uma anlise da estrutura social da biotecnologia em perspectiva
histrica, os autores mostram como as redes que se formaram foram moldadas
especialmente por um fator: a atividade baseada em conhecimento foi se conformando
com base em atores com habilidades e competncias bastante distintas. So eles:
universidades e organizaes de pesquisa pblicas, especializadas em cincia bsica
nos estgios iniciais de desenvolvimento de uma droga; financiadores das empresas de
capital de risco; pequenas empresas de biotecnologia, tanto produzindo como criando
laos com outras grandes companhias. Os atores precisaram aprender a lidar com um
amplo espectro de relaes. Uma mesma atividade colaborativa P&D em conjunto,
por exemplo pode ter diferentes implicaes para as firmas dependendo da forma
organizacional dos parceiros. Isso porque distintas formas de organizao trazem
diferentes lgicas institucionais para a mesma atividade. Para uma empresa de
29
biotecnologia, fazer P&D em parceria com uma multinacional farmacutica bem
diferente de realizar a mesma atividade com uma universidade. As firmas
desenvolvem, assim, capacidades de conduzir trabalhos com diferentes parceiros.
Alm disso, com o desenvolvimento da biotecnologia como atividade
econmica, outras organizaes emergem para auxiliar na prpria colaborao entre
os diferentes atores, como escritrios em universidades para transferncia de
tecnologia e consultorias em direito para lidar com propriedade intelectual. Ou seja,
uma anlise sociolgica baseada na abordagem relacional parece ser apropriada para
dar conta de compreender o desenvolvimento desse tipo de atividade.
Owen-Smith e Powell exploram, em um artigo, uma perspectiva analtica que
vai alm da posio do ator na rede para entender a influncia das redes nos fluxos de
conhecimento e no desenvolvimento de atividades econmicas mais intensivas em
tecnologia. Os autores sublinham a importncia dos atributos dos ns da rede no
carter do fluxo de conhecimento, ou seja, as caractersticas das organizaes que
compem a rede. O artigo analisa a biotecnologia na rea metropolitana de Boston
com informaes sobre arranjos inter-organizacionais envolvendo empresas. O
argumento central que as formas organizacionais dos atores dominantes em uma
rede moldam o carter do fluxo de conhecimento e de recursos numa determinada
comunidade.
Os autores demonstram que, onde a universidade domina, tende a prevalecer a
lgica da descoberta mais favorvel abertura e difuso de informao. Sendo
assim, somente a participao naquela rede j suficiente para levar a aumentos nas
taxas de inovao (OWEN-SMITH e POWELL, 2004). Situao distinta encontrada
quando as grandes empresas so os atores principais na rede, pois uma lgica fechada
e voltada propriedade privada preponderante. Nesse caso, posies centrais na
rede passam a ser mais relevantes em termos de benefcios provindos de fluxos de
conhecimento e recursos. A discusso aqui passa pela noo de que padres distintos
de relao entre os atores influenciam diretamente os processos de descoberta e os
tipos de atividade inovativa.
A partir desses achados sobre Boston, os autores avanam, ento, na
comparao com outra regio, a San Francisco Bay Area, para mostrar como
diferentes ncoras institucionais podem levar a procedimentos e resultados diferentes
em termos de inovao. Trata-se de dois clusters bem-sucedidos e com redes de atores
importantes na produo de conhecimento e de mercadorias. Entretanto, o tipo de
30
sucesso e o modo como as redes importam variam de acordo com a forma
organizacional e com as lgicas institucionais dos atores principais de cada cluster
(OWEN-SMITH e POWELL, 2006).
Na comparao, a San Francisco Bay Area maior em termos geogrficos e
em nmero de organizaes: h ali muitas empresas de biotecnologia, algumas delas
companhias farmacuticas de grande porte, importantes universidades, alm de firmas
de capital de risco. Sua rede baseada no setor privado, sendo mais fechada em
termos de circulao de conhecimento e com orientao empreendedora (OWEN-
SMITH e POWELL, 2006). Caractersticas distintas da rea de Boston, menor em
termos geogrficos e organizacionais: instituies pblicas de pesquisa e de produo
de cincia bsica (entre as melhores universidades do mundo) e hospitais formam
neste caso a base, alm de um menor nmero de empresas de biotecnologia e de
capital de risco, as quais surgiram mais tarde, depois do setor j desenvolvido. A rede
de Boston baseada no setor pblico de pesquisa e levou a uma trajetria mais aberta
em termos de fluxo de conhecimento se comparada da Bay Area (OWEN-SMITH e
POWELL, 2006).
Alm da descrio das caractersticas dos dois casos, outra forma utilizada
pelos autores para comparar os resultados dos clusters em termos de inovao a
observao dos dados sobre patentes (de 1988 a 1999). Foram 3.800 patentes das
empresas da Bay Area, enquanto as de Boston geraram cerca de 1.400. A diferena se
deveu ao pequeno nmero de empresas altamente produtivas da Bay Area (OWEN-
SMITH e POWELL, 2006). Entretanto, mais interessante do que a diferena na
quantidade de patentes a distino em termos de qualidade. Os autores destacam
que, ao observar dados de citaes de patentes, verifica-se que aquelas das empresas
de Boston, apesar de serem em menor nmero, geram mais impacto. Diferentemente,
a estratgia de patentes da Bay Area seria mais voltada para avanos incrementais, o
que previsvel no caso de firmas financiadas por redes de investidores que
demandam progressos mais rpidos (OWEN-SMITH e POWELL, 2006).
Tais exemplos nos mostram como uma anlise que joga luz sobre a estrutura
de relacionamento dos atores capaz de revelar a complexidade de uma atividade
como a biotecnologia e, ao mesmo tempo, encontrar padres que nos permitem
entender melhor o fenmeno.
31
1.2) Economia evolucionria: polticas pblicas, tecnologia e inovao
1.2.1) Economia e polticas pblicas; crescimento e tecnologia
Assim como a Nova Sociologia Econmica, a chamada Economia
Evolucionria tambm faz a crtica economia neoclssica convencional. Nesse caso
o foco se volta para os pressupostos de equilbrio de mercado e maximizao da ao
individual (com a crtica ao postulado da escolha racional dos agentes e assuno da
racionalidade limitada) e para a incapacidade da ortodoxia econmica de integrar a
mudana tecnolgica como fundamento do crescimento econmico.
Os economistas evolucionrios se contrapem teoria do crescimento da
ortodoxia e ao entendimento de que, nos processos de crescimento econmico, visto
como fenmeno ordenado e firme, h relaes de causa e efeito claramente
separveis. A teoria evolucionria da mudana econmica baseada na tecnologia (ou
economia neo-schumpeteriana) considera na anlise as circunstncias histricas, e
entende que os mecanismos causais so complexos e mudam ao longo do tempo e que
os processos de crescimento econmico so turbulentos. Ou seja, em regimes de
avanos tecnolgicos contnuos, a economia est em constante desequilbrio
(VERSPAGEN, 2005; NELSON, 2005). Para os evolucionrios, as firmas esto
obviamente comprometidas com a busca pelo lucro, mas no se supe que suas aes
sejam maximizadoras de lucros em um conjunto de escolhas bem definidas e dadas
(NELSON e WINTER, 1982: 18).
A prpria ideia de sistema de inovao (em particular o nacional) que ser
discutida a seguir nesta seo nasce de uma crtica de Freeman a abordagens da
economia ortodoxa que, nos anos 1980 e 1990, tratavam da competitividade com base
em custo relativo de mo de obra (salrios) e abertura comercial (cmbio) e
defendiam menor participao dos governos nos processos de desenvolvimento
econmico. Freeman destaca a centralidade da tecnologia e da inovao no
crescimento da economia e a legitimidade e a necessidade do papel ativo dos
governos para o catch-up industrial dos pases.
Nas palavras de Lundvall, o conceito foi uma reao crtica s ideias
simplistas de competitividade vigentes nos anos 1980: I would argue that the most
important positive impact has been that the concept has supported a general shift in
what economists and policy makers see as constituting international
32
competitiveness. It has helped to move the attention toward national policy strategies
that constitute positive sum games both internationally and domestically
(LUNDVALL, 2005: 8).
Antes de entrarmos no ponto chave para os evolucionrios, que a
centralidade da tecnologia para o crescimento econmico, cabe um comentrio sobre
a importncia das polticas pblicas e da coordenao do Estado na argumentao
dessa abordagem.
Soete, Verspagen e Weel destacam a importncia do Estado na coordenao de
polticas industriais de longo prazo tanto no caso da corrida industrial e de
crescimento econmico no sculo XIX, quando a Alemanha tentava alcanar (e
superar) a Inglaterra4, como em outros mais recentes: In fact, the role of the Prussian
state in technology catch up in the mid nineteenth century resembled very much that
played by the Japanese state a couple of decennia later, the Korean state a century
later, or China today. At each time the coordinating role of the state was crucial, as
were the emphasis on many features of the national system of innovation which are at
the heart of contemporary studies (e.g., education and training institutions, science,
universities and technical institutes, user-producer interactive learning and knowledge
accumulation) (SOETE, VERSPAGEN e WEEL, 2009: 6).
Ao rejeitar a viso de que h um estado timo da competio no mercado, a
economia evolucionria no s critica a abordagem neoclssica de equilbrio e a
perspectiva de falha de mercado, como introduz importantes elementos para o debate
sobre desenvolvimento econmico e tecnologia: interveno governamental no se
limita a correes de falhas de mercado; instituies no mercantis tm papel direto
no desenvolvimento tecnolgico; e inovao um processo multidimensional (o que
inclui as polticas pblicas) (SOETE, VERSPAGEN e WEEL, 2009: 28).
A economia evolucionria explicita, assim, que os mercados no so puros,
como o mainstream da economia postula (LUNDVALL, 2005: 24), mas sim formados
por elementos organizacionais e institucionais diversos e influenciados diretamente
por polticas pblicas (principalmente de CT&I), aproximando-se dos pressupostos da
4 Os autores retomam o exemplo para ilustrar como o economista alemo Friedrich List teria sido um precursor da ideia de sistema nacional de inovao ao discutir o desenvolvimento industrial da Alemanha em comparao Inglaterra, e lembram que suas ideias passavam por polticas do que posteriormente passou a ser chamado de aprendizado tecnolgico.
33
sociologia econmica. Fornece, assim, importante fundamento para a abordagem da
biotecnologia realizada nesta tese.
Alm da relevncia das polticas pblicas, especialmente industriais e/ou de
cincia, tecnologia e inovao, nos processos de desenvolvimento econmico, a ideia
central para os evolucionrios que o avano tecnolgico o motor do crescimento
econmico. Na obra fundadora da economia evolucionria, Nelson e Winter
explicitam que dentre as principais tarefas intelectuais do campo da histria
econmica est a compreenso da complexidade da mudana cumulativa da
tecnologia (NELSON e WINTER, 1982: 17). Essa tarefa abriu espao para o
entendimento de que a mudana tecnolgica, que pode se consolidar na inovao,
um processo dinmico e sistmico. Isso quer dizer que se trata de um processo
cumulativo, institucional e interativo esse ltimo abordado na seo 1.2.2 a seguir.
Cumulativo, primeiramente, porque o conhecimento no tem um fim em si
mesmo e as possibilidades de evoluo e incrementos so inmeras, considerando,
porm, dois limites.
Um deles a dependncia da trajetria, j que as decises em sistemas
tecnolgicos no passado determinam os caminhos para as decises do futuro (a ideia
de path-dependence que os socilogos da economia tambm abraam). Nas palavras
de Nelson e Winter (1982): As regularidades observadas na realidade presente no
so interpretadas como solues de um problema esttico, mas como resultados
produzidos por processos dinmicos compreensveis a partir de condies conhecidas
ou conjecturadas de forma plausvel no passado e tambm como caractersticas do
estgio a partir do qual um futuro bastante diferente ir emergir por meios daqueles
mesmos processos dinmicos (NELSON e WINTER, 1982: 26).
O outro limite a chamada seleo econmica (derivada da seleo natural
da biologia), definida pela competio entre as firmas no mercado, que direciona
quais processos tecnolgicos sobrevivem e so incrementados, enquanto outros ficam
para trs (NELSON, 2005). As firmas tm capacidades e regras de deciso, as quais
se modificam ao longo do tempo, como resultado de esforos deliberados para a
superao de problemas e de eventos aleatrios (NELSON e WINTER, 1982: 19).
Os incrementos nos processos tecnolgicos (ou a inovao incremental) so
para a economia evolucionria o que a mutao biolgica para a biologia. Assim
como um determinado produto no concebido a priori em sua totalidade, pois os
usos so definidos socialmente ao longo do tempo, os sistemas tecnolgicos tambm
34
se conformam a partir de processos de tentativa e erro. No possvel saber
completamente as consequncias de uma inveno ou inovao. impossvel prever
os efeitos cumulativos das mudanas incrementais. No h como controlar a natureza
cumulativa e sistmica do conhecimento. O que possvel compreender so os
padres de mudana tecnolgica, por isso a teoria evolucionria utiliza muito a
historia econmica e a historia da cincia e da tecnologia (VERSPAGEN, 2005).
Alm de cumulativo, em segundo lugar, o processo de mudana tecnolgica
tambm institucional. Os atores so incapazes de agir num complexo modo
maximizador em funo das complexidades da realidade. No caso da economia
evolucionria, a questo so as possibilidades que envolvem a mudana tecnolgica,
ou seja, a incerteza. Para lidar com a incerteza, so criadas regras de comportamento,
que se materializam nas rotinas e permitem alguma racionalidade para lidar com as
diversas possibilidades (VERSPAGEN, 2005). Deriva da parte do carter
institucional do processo de mudana tecnolgica. Na raiz das teses da economia
evolucionria, Nelson e Winter explicam que o termo geral para todos os padres
comportamentais regulares e previsveis das firmas a ideia de rotina (NELSON e
WINTER, 1982). As rotinas so caractersticas hereditrias, dadas historicamente,
mas selecionveis, que podem se alterar ao longo do tempo, so construdas
socialmente e institucionalizadas.
1.2.2) Sistemas de inovao: como abordar um fenmeno complexo
Soma-se cumulatividade e institucionalidade uma terceira caracterstica da
abordagem evolucionria: a interatividade, que se refere participao de atores
sociais nos processos de mudana tecnolgica. Isso aparece em duas ideias fortes:
abordagem sistmica da inovao, apresentada por Freeman (1987), desenvolvida por
Lundvall (1992) e Nelson (1993) e organizada mais recentemente por Edquist (2005);
e economia do aprendizado, derivada da abordagem sistmica e introduzida por
Lundvall (1996).
As noes de aprendizado interativo e inovao so o centro da argumentao
de Lundvall j nos seus trabalhos sobre sistemas nacionais de inovao. Mas
posteriormente que ele introduz a ideia de economia do aprendizado. A chamada
learning economy seria um novo momento do modo de produo capitalista e tem
como caracterstica essencial a noo de que a capacidade de aprender define o
35
desenvolvimento de indivduos, firmas, regies e economias nacionais. E o
aprendizado, tanto individual como organizacional, no significa somente acesso a
uma crescente quantidade de informao, um processo de construo de
competncias. Lundvall tem como premissa que o aprendizado um processo
interativo combinado ao conhecimento, que um ativo compartilhado em redes
sociais e organizaes (LUNDVALL, 1994 e 1996)5.
J o caso da abordagem sistmica da inovao merece maior detalhamento,
uma vez que a ideia serve de inspirao para a abordagem da biotecnologia nesta tese.
Primeiramente, entende-se que inovao produto de um processo sistmico.
Como j consagrado na literatura, ela pode ser de produto que se refere a bens
materiais ou servios intangveis novos ou melhorados ou de processo que seriam
formas de produzir bens e servios. H tambm uma viso mais abrangente que
envolve tanto aquelas ditas tecnolgicas como as organizacionais, (EDQUIST, 2005;
FAGERBERG, 2005). Tais inovaes podem advir tanto da produo de
conhecimento novo, como da combinao de conhecimentos existentes em novos
modos.
No que tange ideia de sistema, Freeman cunha a expresso sistema nacional
de inovao, que define como uma rede de instituies nos setores pblicos e
privados cujas atividades e interaes produzem e difundem novas tecnologias
(FREEMAN, 1987:1). Nesta viso ampla, desenvolvida depois por outros autores,
considera-se que fatores econmicos, sociais, polticos e institucionais influenciam o
desenvolvimento, a difuso e o uso de inovaes (EDQUIST, 2005)6.
O conjunto de indivduos, organizaes e instituies em interao contribui
para o desenvolvimento da capacidade de aprendizado e inovao de um determinado
pas ou regio ou de um setor (o sistema nacional, regional ou setorial). As
organizaes so as estruturas formais conscientemente criadas e com propsitos
explcitos. E as instituies so entendidas como um conjunto de hbitos, normas e
rotinas compartilhadas, prticas, regras ou leis estabelecidas, que regulam as relaes
5 Para mais detalhes sobre essa discusso, ver LUNDVALL et al. (2004), que diferenciam dois modos de aprendizado e inovao inspirados na distino entre conhecimento tcito (implcito, incorporado nos indivduos e organizaes) e codificado (explcito, aquele que pode ser formalizado e reproduzido de forma corrente em manuais, livros etc.): o modo STI (Science, Technology, Innovation) e modo DUI (Learning by Doing, Using, Interacting). 6 Outras referncias no tema so FREEMAN (1987); FREEMAN e LUNDVALL (1988); DOSI et al. (1988); LUNDVALL (1992), NELSON (1993) e EDQUIST (1996); AMABLE et al. (1997).
36
e interaes entre indivduos, grupos e organizaes. So as chamadas regras do
jogo (EDQUIST, 2005; FAGERBERG, 2005).
A inovao acontece nas empresas, mas depende diretamente das relaes
dessas com organizaes de ensino e pesquisa, governos e suas polticas pblicas e
regulaes, agentes de financiamento e tambm outras empresas. O fato a ser
considerado que as firmas no inovam isoladamente e, alm disso, esto cada vez
mais sujeitas a influncias externas, como fornecedores, clientes, empresas de
servios e universidades, especialmente porque esses processos se tornam
crescentemente mais dependentes de comunicao e colaborao de distintos atores.
A inovao , portanto, multicausal: h diferentes componentes e relaes entre eles
que a influenciam (EDQUIST, 2005; FAGERBERG, 2004).
Perde espao, portanto, a viso do desenvolvimento tecnolgico como
resultado de um processo linear, com incio na pesquisa bsica na academia, passando
pela aplicada at chegar aos produtos novos que a empresa coloca no mercado. Nesse
caso, a empresa vista como um ator externo ao sistema de C&T. Ganha fora outra
viso, em que a inovao deixa de ser vista como dependente de uma trajetria
hierarquizada para ser entendida como um processo no linear ou sistmico. O
movimento paralelo no campo da poltica justamente a mudana de uma poltica de
cincia e tecnologia para outra um pouco diferente, que inclui a inovao.
Os trabalhos dos neo-schumpeterianos explicitam como instituies,
organizaes e indivduos esto mutuamente imbricados em processos de produo e
circulao de conhecimento e enfatizam o carter no linear e heterogneo do
processo de produo de conhecimento e inovao, o que permite avanar no debate
de como h diferentes componentes dos sistemas de inovao enraizados em
contextos sociais e arranjos institucionais.
A ideia de sistema nacional de inovao como ferramenta analtica permite
articular empresa, instituies de pesquisa e governo (incluindo agncias de
financiamento a CT&I) e, ao mesmo tempo, possibilita desagregar o sistema nacional
em setores, considerando que as caractersticas do progresso cientfico e tecnolgico
variam entre os setores da economia (ALBUQUERQUE e CASSIOLATO, 2002:
135). Por isso, tambm, parece ser interessante incluir na anlise da biotecnologia
pressupostos da noo de Sistema Nacional de Inovao.
No caso do setor de sade, por exemplo, que tem sobreposies com a
biotecnologia conforme veremos nos captulos subsequentes desta tese ,
37
Albuquerque e Cassiolato destacam caractersticas de um sistema nacional de
inovao: 1) "Universidades e instituies de pesquisa so foco de convergncia de
fluxos de informao cientfica e tecnolgica"; 2) "Hospitais e centros mdicos
universitrios apresentam demandas para os componentes do subsistema e interagem
ao longo do seu desenvolvimento" [empresas, governo, financiadores, reguladores]; 3)
"Instituies de regulao tm papel de filtro das inovaes geradas por universidades
e indstrias"; 4) Sade pblica interage com universidades e instituies de pesquisa
e recebe inovaes do complexo mdico-industrial (ALBUQUERQUE e
CASSIOLATO, 2002: 136).
Esse tipo de abordagem ajuda a compreender fenmenos como o destacado
por Gelijns & Rosenberg: a inovao na rea mdica crescentemente dependente de
pesquisas interdisciplinares, principalmente quando relacionadas biotecnologia,
como medicamentos biolgicos, em que um sistema de ps-graduao sofisticado e a
interao universidade-empresa so essenciais (GELIJNS e ROSENBERG, 1995).
De fato, em biotecnologia, h forte interao entre institutos de pesquisa ou
universidades, pequenas empresas de biotecnologia e grandes empresas,
especialmente as chamadas big farmas, que, a partir dos anos 1980 nos pases
desenvolvidos, passam a recorrer mais a universidades e pequenas empresas para o
desenvolvimento de novas drogas e outros produtos.
Com base em casos internacionais, Albuquerque e Cassiolato apresentam uma
forma interessante de observar tal fenmeno: "Em linhas gerais, as universidades
desempenham o papel de produo de novos conhecimentos cientficos (desde
descrio da estrutura de dupla hlice do DNA, com Watson & Crick em 1953; at a
tcnica de desdobramento do gene gene-splicing com Cohen & Boyer, em 1973).
As novas firmas biotecnolgicas (NFBs) apresentam vnculos fortes com o mundo
acadmico, sendo muitas vezes spin-offs da pesquisa universitria. Apresentam uma
atmosfera universitria, mas diferenciam-se das universidades por perseguirem
objetivos claramente definidos e de uso potencialmente comercial. Tm habilidade
para sintetizar novas protenas. So fracas para as fases de desenvolvimento, testes e
comercializao. Por isso, muitas vezes as NFBs terminam vendendo seus produtos
potenciais para grandes empresas. As grandes empresas estabelecidas do setor
farmacutico possuem alta capacidade de engenharia (know-how para levar um novo
produto de laboratrio a uma escala industrial), recursos financeiros para realizar os
longos e custosos testes clnicos e uma estrutura de comercializao bem sofisticada.
38
A estratgia das grandes empresas em reao s NFBs tem abarcado acordos de
pesquisa, compra de participaes minoritrias ou aquisio" (ALBUQUERQUE e
CASSIOLATO, 2002: 140-141).
Como vimos ao longo desta seo, a inovao , portanto, resultado de um
processo sistmico e interativo, que envolve diversos atores, guiados por instituies
mercantis e no mercantis. O intuito aqui no construir uma anlise que siga
estritamente os passos de uma estrutura analtica de sistemas de inovao, mesmo
porque no h de fato uma teoria dos sistemas de inovao. H, sim, ideias comuns a
diferentes autores dessa escola que podem auxiliar a anlise do sistema de inovao
da biotecnologia em seu nvel macro, tais como: importncia das instituies e das
interaes; o papel dos governos na coordenao do sistema; o P&D nas empresas; a
formao de recursos humanos na educao superior e da pesquisa nas universidades;
e, por fim, a necessidade de considerar a perspectiva histrica na anlise.
Tentar compreender o fenmeno da biotecnologia como atividade econmica
em sua complexidade torna complexa tambm a prpria anlise. Nesse sentido, a
preferncia aqui por uma abordagem mais enxuta de sistema de inovao. A
utilizao do recurso analtico das esferas (mercado, cincia e Estado) permite
analisar a articulao de seus respectivos atores centrais: empresas, instituies de
produo cientfica e governos, com suas polticas pblicas e instituies de
regulao. Isso ajuda a definir o foco da anlise e permite a aproximao tanto com os
pressupostos da sociologia econmica apresentados acima, como com a noo de
hlice tripla que ser discutida a seguir.
1.3) Hlice tripla: interseco entre universidade, empresa e governo
No modelo de hlice tripla, a caracterstica principal a destacar para a estrutura
de anlise desta tese a ideia de uma nova infraestrutura de conhecimento com a
sobrep