Brenda Joyce - A Noiva Roubada

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Sean O’Neill tinha significado tudo para Eleanor de Warenne, mas desde que ele tinha deixado o solar de sua família e tinha desaparecido, ninguém havia voltado a ter notícias dele. Inclusive Eleanor tinha abandonado toda esperança de voltar a vê-lo e se comprometeu com outro. Então, a somente uns dias de suas bodas, Sean apareceu de novo… mas o moço que tinha sido seu protetor durante a infância se converteu em um estranho embrutecido pelo tempo que tinha passado na prisão. E era um fugitivo.Cansado e angustiado, Sean sofreu uma grande impressão ao descobrir que a pequena Elle se converteu na bela e desejável Eleanor. Embora se negasse a pô-la em perigo, sua decisão de afastar-se dela se viu posta a prova pela determinação de uma mulher que não ia permitir que a abandonasse de novo.

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  • 1

    GG rruuppoo ddee RR oommaanncceess HHiissttrriiccooss

    GGRRHH

    Crditos Traduo/Pesquisa: GRH

    Revisora Final: Miss Bella

    Formatao: Miss Bella

  • 2

    AA NNooiivvaa RR oouubbaaddaa Brenda Joyce

    Dinastia Warenne 6

    Dinastia Warenne 6

  • 3

    Argumento:

    Sean tinha significado tudo para Eleanor de

    Warenne, mas desde que ele tinha deixado o solar

    de sua famlia e tinha desaparecido, ningum havia

    voltado a ter notcias dele. Inclusive Eleanor tinha

    abandonado toda esperana de voltar a v-lo e se

    comprometeu com outro. Ento, a somente uns dias

    de suas bodas, Sean

    que tinha sido seu protetor durante a infncia se

    converteu em um estranho embrutecido pelo tempo

    que tinha passado na priso. E era um fugitivo.

    Cansado e angustiado, Sean sofreu uma grande

    impresso ao descobrir que a pequena Elle se

    converteu na bela e desejvel Eleanor. Embora se

    negasse a p-la em perigo, sua deciso de afastar-se

    dela se viu posta a prova pela determinao de uma

    mulher que no ia permitir que a abandonasse de

    novo.

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    CCoommeennttrriioo ddaa RReevviissoorraa iinniicciiaall::KKeellllyy

    Com toda a sinceridade que sei que posso ter com vocs leitores

    digo que esse livro foi um dos melhores que j corrigi, a historia de

    amor entre Elle e Sean linda, construda pouco a pouco e

    colocada a prova vrias vezes. Em que pese que algumas vezes d

    vontade de matar o mocinho pelo o que faz a mocinha sofrer, e

    em outras d a vontade de peg-lo no colo de consol-lo devido a

    tanto sofrimento que ele passou. Mas vocs s iro se deliciar com

    essa leitura se lerem.

    Bjs

    CCoommeennttrriioo ddaa RReevviissoorraa FFiinnaall::MMiissssBBeellllaa

    At agora no encontro palavras para descrever o que eu senti ao

    revisar esse livro...Eu particulamente odieiiiiiiii a mocinha e o

    mocinho.Ela uma chata de galocha que passa o livro todo se

    arrastando por ele...E ele passa o livro todo falando que no quer

    nada com ela...Fiquei com pena mesmo foi do noivo traido...

    Mas deixo na mo de cada uma de vocs decidir qual sentimento

    vai se sobressair ao lerem essa continuao da Dinastia

    Warenne...

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    PPrrllooggoo

    Askeaton, Irlanda, junho de 1814

    A chamada do desconhecido. Estava ali, a seu redor, em seu

    interior; a chamada da aventura era uma inquietao insistente.

    Nunca a tinha sentido com mais fora, e era impossvel seguir

    ignorando-a durante mais tempo.

    Sean se deteve no ptio do solar que tinha sido de sua

    famlia durante quatro sculos. O tinha reconstrudo os muros que

    tinha a frente com suas prprias mos. Tinha ajudado aos artesos

    do povo a substituir as janelas, e os antigos chos de pedra do

    interior.

    Com um exrcito de faxineiras, tinha resgatado as espadas

    queimadas do salo principal, todas elas heranas da famlia.

    Entretanto, as tapearias que adornavam a estadia se queimaram

    por completo.

    Tambm tinha arado os campos carbonizados e enegrecidos

    junto aos arrendatrios das terras dos , dia aps dia e

    semana aps semana, at que a terra foi frtil de novo. Tinha

    fiscalizado a seleo, compra e transporte do gado caprino e

    bovino que tinha substitudo aos rebanhos destrudos pelas tropas

    britnicas naquele negro vero de 1798.

    Naquele momento, erguido sobre seus arreios, com os alforjes

    cheios, observava como as ovelhas pastavam com suas crias nas

    colinas que havia detrs da casa, sob os primeiros raios de sol.

    Ele tinha reconstrudo aquele imvel com o suor de sua frente,

    e s vezes, com lgrimas tambm. Tinha reconstrudo Askeaton

    para seu irmo maior, durante os anos que Devlin tinha passado

    no mar, como capito da marinha real, lutando na guerra contra

    os franceses.

    Devlin tinha voltado para casa uns dias antes com sua mulher

    americana e sua filha. Licenciou-se da marinha e Sean sabia que ia

    ficar em Askeaton. E assim era como deviam ser as coisas.

    Sentiu inquietao. No estava seguro do que era o que queria,

    mas sabia que sua tarefa ali tinha terminado. Havia algo ali fora,

  • 6

    esperando-o, algo grande que o chamava como as sereias

    chamavam os marinheiros. S tinha vinte e quatro anos e sorria ao

    sol, exultante e preparado para qualquer aventura que o destino

    queria lhe propor.

    Sean! Espera!

    Sentiu uma breve incredulidade ao ouvir a voz da Eleanor de

    Warenne. Entretanto, deveria ter sabido que ela estaria acordada

    a aquelas horas, e que o surpreenderia enquanto ele se dispunha a

    partir.

    Desde o dia em que a me de Sean se casou com o pai da

    Eleanor, esta se tinha convertido na sombra de Sean. Aquilo tinha

    ocorrido quando ela era uma pequena de dois anos e ele era um

    sombrio menino de oito.

    Quando eram meninos, Eleanor o tinha seguido como um

    cachorrinho, algumas vezes divertindo-o e outras vezes

    incomodando-o. E quando ele tinha comeado a restaurao das

    terras de sua famlia, ela tinha estado a seu lado, de joelhos,

    tirando pedras rotas do cho com ele. Quando Eleanor tinha

    completo dezesseis anos, tinham-na enviado a Inglaterra; aps, j

    no parecia a pequena Elle. Sean se voltou para ela com

    desconforto.

    E ela o alcanou apressadamente. Sempre tinha tido um passo

    de pernadas largas, nunca o passo gracioso de uma dama. Aquilo

    no tinha trocado, mas sim todo o resto. Sean ficou muito tenso,

    porque ela estava descala e s levava uma camisola de algodo

    branco.

    E naquele instante, no soube quem era a mulher que o estava

    chamando. A camisola lhe acariciava o corpo como uma luva de

    seda, indicando curvas que ele no podia reconhecer.

    Aonde vai? Por que no me despertou? Irei montar com

    voc! Podemos jogar uma carreira at a igreja e voltar disse

    Eleanor.

    De repente, entretanto, ficou calada, imvel, olhando com os

    olhos muito abertos aos alforjes do cavalo de Sean. O sorriso lhe

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    tinha apagado dos lbios. Ele notou sua surpresa, seguida pela

    compreenso.

    Sempre pensaria em Elle como uma menina pouco elegante,

    alta e desajeitada tivesse a idade que tivesse, com a cara muito

    magra e angulosa, e com o cabelo recolhido em umas tranas que

    lhe chegavam cintura. O que lhe tinha ocorrido naqueles dois

    anos? Sean no estava seguro de quando se desenvolveram em

    seu corpo aquelas curvas to pouco recatadas e femininas, ou de

    quando lhe tinha arredondado as faces, convertendo-se em um

    oval perfeito.

    Ele afastou a vista do pescoo de sua camisola, que lhe tinha

    parecido indecente. Depois afastou a vista de seus quadris, que

    no podiam pertencer a Elle. Ardiam-lhe as bochechas.

    No pode ir por a em camisola. Algum vai v-la!

    exclamou.

    A noite anterior, Sean tinha estado sentado frente a ela na

    mesa, e tambm havia se sentido incmodo; cada vez que olhava

    para Elle, ela sorria e tentava manter o olhar. Depois, Sean tinha

    feito todo o possvel por evitar o contato visual.

    Viu-me mil vezes de camisola disse ela lentamente

    Aonde vai?

    Ele a olhou. Seus olhos no tinham mudado, e Sean se sentia

    agradecido por aquilo. Tinham a cor do mbar e a forma de uma

    amndoa, e neles, ele sempre tinha podido decifrar o estado de

    nimo de Elle, seus pensamentos, suas emoes. Naquele

    momento, ela estava preocupada. A reao de Sean foi imediata:

    sorriu para reconfort-la. De algum modo, seu dever tinha sido

    sempre aliviar os medos de Elle.

    Tenho que ir explicou-lhe Mas voltarei.

    O que quer dizer? perguntou-lhe ela com incredulidade.

    Elle, h algo a fora, e preciso encontr-lo.

    O que? perguntou ela, com um olhar de horror No! A

    fora no h nada! Eu estou aqui!

    Sean ficou calado, sem apartar a vista de Elle. Ele sabia, como

    todo mundo de suas duas famlias, que ela sempre tinha tido um

  • 8

    amor tolo e selvagem por ele. Ningum sabia exatamente quando,

    mas de menina, Elle tinha decidido que o queria e que um dia se

    casaria com ele.

    A Sean o divertiam aquelas afirmaes. Sempre tinha sido

    consciente de que ela superaria aquelas tolices com a idade. No

    tinham sangue comum, mas ele a considerava uma irm. Eleanor

    era a filha de um conde, e um dia se casaria com um homem de

    ttulo ou muito rico, ou ambas as coisas.

    Elle lhe disse ele com tranqilidade Askeaton pertence a

    Devlin. Agora j est em casa. E eu tenho a sensao de que h

    algo mais para mim a fora. Preciso ir. Quero ir.

    Ela tinha empalidecido.

    No! No pode ir !No h nada a fora, do que est falando?

    Sua vida est aqui! Ns estamos aqui, sua famlia, e eu. E Askeaton

    seu tambm, tanto como de Devlin!

    Ele decidiu no rebater aquilo, porque Devlin tinha comprado

    Askeaton do conde oito anos antes. Titubeou, tentando encontrar

    as palavras adequadas para que ela o compreendesse.

    Tenho que ir. Alm disso, voc j no me necessita. Cresceste

    disse, e seu sorriso se apagou Logo lhe enviaro de volta a

    Inglaterra, e j no pensar mais em mim. Ter muitos

    pretendentes acrescentou, e sem saber porqu, aquela idia lhe

    pareceu estranha e desagradvel Volta para a cama.

    Uma expresso de pura determinao se refletiu no semblante

    de Elle, e ele se sentiu tenso. Quando ela tinha um objetivo, no

    havia forma de lhe impedir que o conseguisse.

    Vou com voc anunciou.

    obvio que no!

    No pense partir sem mim! Vou pedir que me selem um

    cavalo! gritou ela, dando a volta para entrar correndo casa.

    Sean tomou pelo brao e fez que se girasse. Assim que sentiu

    seu corpo suave contra o seu, falhou-lhe o crebro.

    Imediatamente, separou-a de si.

    Sei que sempre te saste com a tua em tudo, me incluindo a

    mim. Mas esta vez no.

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    Esteve se comportando como um idiota desde ontem! Ficou

    me evitando! E no se atreva a neg-lo. Nem sequer me olhava

    exclamou Elle E agora diz que me deixa?

    Parto. No estou te deixando. Simplesmente, vou.

    No o entendo disse ela com os olhos cheios de lgrimas

    Leve-me com voc!

    Vai voltar para a Inglaterra.

    Odeio-o!

    Claro que o odiava. Elle era uma flor silvestre, no uma rosa de

    estufa. Criou-se com cinco irmos e tinha nascido para percorrer

    as colinas da Irlanda a cavalo, no para danar nos eventos sociais

    londrinos. Naquele momento, ali, frente a ele, com as bochechas

    midas de lgrimas, parecia novamente uma menina de oito anos,

    afligida pelo desgosto e muito vulnervel.

    E imediatamente, ele tomou entre seus braos, como tinha

    feita centenas de vezes antes.

    No passa nada disse-lhe brandamente.

    Entretanto, no momento em que sentiu seus seios contra o seu

    peito, soltou-a. Notou que lhe ardiam as bochechas.

    Vai voltar? perguntou-lhe ela, aferrando-se a seus braos.

    Claro que sim disse ele com secura, tentando se afastar.

    Quando?

    No estou seguro. Em um ou dois anos.

    Um ou dois anos? repetiu ela, chorando Como pode

    fazer algo assim? Como pode me deixar durante tanto tempo? Eu

    j sinto falta de voc! meu melhor amigo! Eu sou sua melhor

    amiga! No vai sentir falta de mim?

    Ele se rendeu e tomou a mo.

    Claro que vou sentir falta de voc lhe disse brandamente.

    Era a verdade.

    Prometa-me que vai voltar por mim lhe rogou ela.

    Prometo-lhe respondeu Sean isso.

    Enquanto se olhavam fixamente, unidos pelas mos, ela

    chorava. Com delicadeza, ele se soltou. Era hora de partir. Voltou-

    se para o cavalo e elevou a perna para o estribo.

  • 10

    Espera!

    Ele se deu a volta pela metade, e antes de que pudesse reagir,

    ela passou-lhe os braos pelo pescoo e o beijou.

    Sean se deu conta do que estava ocorrendo. Elle, a pequena

    Elle, alta e magricela, o suficientemente temerria para saltar da

    velha torre de pedra que havia detrs da casa e de rir enquanto o

    fazia, estava-o beijando nos lbios. Mas aquilo era impossvel,

    porque quem estava entre seus braos era uma mulher, a

    proprietria de um corpo suave e quente, com uns lbios abertos

    e ardentes.

    Horrorizado, Sean se retirou de um salto.

    O que isso?

    Um beijo, tolo!

    Ele se limpou a boca com o dorso da mo, sem sair de seu

    assombro.

    No gostou? perguntou-lhe Elle com incredulidade.

    No, no gostei gritou Sean.

    Havia-se posto furioso, com ela e consigo mesmo. Subiu ao

    cavalo rapidamente e a olhou. Ela estava soluando em silncio,

    cobrindo a boca com a mo.

    Ele no podia suportar que chorasse.

    No chore. Por favor.

    Ela assentiu e lutou contra o pranto at que cessou.

    Prometa-me outra vez que voltar.

    Ele tomou ar.

    Prometo-lhe que voltarei.

    Ela o olhou com os olhos cheios de lgrimas.

    Ento, Sean sorriu, embora tambm tinha vontade de chorar.

    Depois agitou as rdeas de seu cavalo e comeou a galopar. No

    queria sair to rapidamente, mas no podia presenciar mais o

    sofrimento de Eleanor. Quando se sentiu seguro de que podia

    faz-lo, olhou para trs.

    Ela no se moveu. Seguia junto s portas de ferro do imvel,

    olhando como ele se afastava. Eleanor elevou a mo, e inclusive

    da distncia, ele percebeu seu medo e sua tristeza.

  • 11

    Ele tambm elevou a mo para saud-la. Possivelmente aquilo

    fora o melhor, pensou, tremendo por dentro. Voltou-se para o

    caminho e seguiu avanando para o este.

    Quando chegou primeira colina, deteve-se uma ltima vez.

    Pulsava-lhe o corao com fora, rapidamente, inquietantemente.

    Olhou de novo a sua casa. O edifcio se via to pequeno como uma

    casa de brinquedos. Havia uma pequena figura branca junto s

    portas de ferro. Elle seguia sem mover-se.

    E se perguntou se o que estava procurando no o tinha j em

    seu poder.

  • 12

    CCaappttuulloo 11

    7 de outubro, 1818, Adare, Irlanda

    Em trs dias ia casar-se. Como tinha ocorrido aquilo?

    Em trs dias ia casar-se com um cavalheiro ao que todo mundo

    considerava perfeito para ela. Em trs curtos dias, ia converter-se

    na esposa de Peter Sinclair. Eleanor de Warenne estava assustada.

    Ia to inclinada sobre o lombo de seu cavalo que s via sua

    pelagem e sua crina. Esporeou-o para que galopasse mais

    rapidamente, mais perigosamente. Eleanor queria correr mais que

    seu nervosismo e seu medo.

    E brevemente, conseguiu-o. A sensao de velocidade se fez

    absorvente; no podia haver outro sentimento nem outros

    pensamentos. O cho a era um borro sob os cascos do cavalo.

    Finalmente, o presente se desvaneceu. A euforia se apropriou

    dela.

    O amanhecer iluminava o plido cu. Finalmente, Eleanor se

    esgotou, e tambm o semental que montava. Ergueu-se e o animal

    diminuiu o passo. Imediatamente, ela recordou de seu iminente

    matrimnio.

    Eleanor fez que o cavalo diminusse a velocidade at o trote.

    Tinha chegado ao ponto mais alto da colina, e olhou para baixo,

    para sua casa. Adare era a cabea das terras de seu pai, que

    abrangiam trs condados, cem povos, milhares de granjas e uma

    mina de carvo muito produtiva, alm de vrias pedreiras.

    Mais abaixo, a colina se convertia em um espesso bosque, e

    mais frente, em uma pradaria exuberante que, atravessada por

    um rio, terminava nos jardins que rodeavam a enorme manso de

    pedra que era seu lar. Aquela manso, que tinha sido reformada

    cem anos antes, era um retngulo de trs pisos, com uma dzia de

    colunas que sujeitavam o telhado e o frontn triangular. Havia

    duas asas mais detrs da fachada, uma reservada para a famlia, e

    a outra para seus convidados.

    Sua casa estava, naquele momento, abarrotada de pessoas da

    famlia e convidados. Assistiriam trezentas pessoas ao enlace, e os

  • 13

    cinqenta membros da famlia do Peter estavam alojados nesta

    asa. O resto ficavam nas estalagens dos povos e no Grande Hotel

    de Limmerick.

    Eleanor olhou para o imvel, sem flego, suarenta; a trana lhe

    tinha desfeito, e vestia um par de calas que tinha roubado

    sculos atrs de algum de seus irmos. Depois de sua

    apresentao na sociedade, dois anos antes, tinham-lhe pedido

    que montasse com um traje de amazona adequado para uma

    dama.

    Entretanto, criou-se com trs irmos e com dois meio-irmos, e

    pensava que aquilo era absurdo. Aps, tinha comeado a montar

    ao amanhecer para poder montar escarranchada e fazer saltos,

    coisas impossveis de levar a cabo com saia. A sociedade

    consideraria seu comportamento reprovvel, e tambm seu

    prometido, se descobrisse que ela gostava de montar e vestir-se

    como um homem.

    obvio, no tinha inteno de permitir que ningum a

    descobrisse. Queria casar-se com Peter Sinclair, verdade?

    Eleanor no pde suport-lo, ento. Tinha pensado que sua

    pena e sua preocupao tinham acontecido fazia muito tempo,

    mas naquele momento tinha o corao destroado. Sabia que

    devia casar-se com Peter, mas com suas bodas to perto, tinha

    que admitir uma verdade terrvel e aterradora. J no estava

    segura. E mais importante ainda, tinha que saber se Sean estava

    vivo ou morto.

    Eleanor guiou ao cavalo colina abaixo. Tinha o pulso acelerado

    por causa de uns sentimentos que no queria experimentar. Ele a

    tinha deixado quatro anos antes. E no ano anterior, ela tinha

    conseguido aceitar a realidade de seu desaparecimento. Depois de

    esperar sua volta durante trs interminveis anos, depois de

    negar-se a acreditar a concluso a que tinha chegado sua famlia,

    despertou-se uma manh com uma horrvel certeza. Sean tinha

    partido para sempre. No ia voltar. Todos tinham razo: ele no

    havia tornado a dar sinais de vida. Quase com toda segurana,

    devia estar morto.

  • 14

    Durante vrios dias tinha permanecido encerrada em seu

    quarto, chorando a morte de seu melhor amigo, do menino com o

    que tinha passado a maior parte de sua vida, do homem ao que

    amava. E quarta manh, tinha sado de seu quarto e tinha ido ver

    seu pai.

    Estou pronta para me casar, pai. Eu gostaria que encontrasse

    um candidato apropriado.

    O conde, que estava sozinho na sala do caf da manh, olhou-a

    boquiaberto.

    Algum com um bom ttulo e rico, algum a quem goste da

    caa tanto como a mim, e pessoalmente atrativo tinha

    prosseguido Eleanor. J no ficavam emoes. Acrescentou com

    expresso sombria: De fato, dever ser um cavaleiro

    excepcional, ou no conseguiremos nos levar bem.

    disse o conde, ficando em p , tomou a deciso

    correta.

    Ela tinha evitado a questo.

    Sim, sei.

    Depois, partiu antes de que seu pai pudesse lhe perguntar qual

    era o motivo de to sbita mudana de opinio. Eleanor no

    queria falar de seus sentimentos com ningum.

    Um ms depois tinha tido lugar a apresentao. Peter Sinclair

    era o herdeiro de um condado e de umas terras situadas no

    Chatton, e sua famlia era rica. Tinha sua mesma idade, e era

    bonito e encantador. Era um cavaleiro perito, e criava cavalos puro

    sangue.

    Eleanor tinha sentido desconfiana por sua origem inglesa, j

    que durante suas duas temporadas sociais em Londres tinha

    sofrido a perseguio de alguns mulherengos, mas, ao conhec-lo,

    tinha sentido simpatia por ele quase imediatamente. Ele tinha se

    comportado de um modo sincero desde o comeo. Aquela mesma

    noite, ela tinha decidido que o matrimnio com ele seria possvel.

    A celebrao das bodas se fixou para pouco depois, dada a idade

    da Eleanor.

  • 15

    De repente, ela se sentiu como se estivesse sobre um cavalo

    selvagem, um ao que no podia controlar. Tinha montado durante

    toda sua vida, e sabia que o nico recurso que tinha era saltar.

    Entretanto, ela nunca tinha fugido de nada, nunca em seus

    vinte e dois anos de vida. Em vez disso, tinha exercitado sua

    vontade e sua habilidade sobre o cavalo e tinha conseguido

    control-lo.

    Havia tentando convencer-se de que todas as noivas estavam

    nervosas antes das bodas; depois de tudo, sua vida estava a ponto

    de mudar para sempre. No s se casaria com Peter Sinclair, mas

    tambm iria viver em Chatton, na Inglaterra, dirigiria sua casa e,

    logo, levaria seu filho no ventre. Deus, poderia faz-lo?

    Oxal soubesse, ao menos, o que tinha ocorrido a Sean.

    Entretanto, provavelmente nunca saberia. Seu pai e Devlin

    tinham passado anos buscando-o, inclusive atravs da polcia, os

    Bow Street Runners. Entretanto, ningum o tinha encontrado.

    Sean tinha desvanecido.

    Uma vez mais, amaldioou-se por hav-lo deixado partir.

    Eleanor tinha tentado det-lo; deveria hav-lo tentado com mais

    mpeto.

    Bruscamente, Eleanor deteve suas arreios e fechou os olhos

    com fora. Peter seria um marido perfeito, e ela estava muito

    afeioada com ele. Sean no estava. Alm disso, Sean nunca a

    tinha olhado do mesmo modo em que a olhava Peter. Seu

    prometido era bom, divertido, encantador, loiro e bonito. Estava

    louco pelos cavalos, como ela. Era uma estupenda partida, tal e

    como haveriam dito as debutantes dos bailes aos que ela se viu

    obrigada a assistir.

    Eleanor esporeou ao cavalo para que seguisse avanando. No

    sabia por que se estava mentindo daquela maneira. Peter era um

    bom homem, mas, como ia casar se com ele quando existia a mais

    mnima possibilidade de que Sean estivesse vivo? Por outra parte,

    j no podia romper os contratos de matrimnio!

    De repente, sentiu um profundo pnico. Em Londres, ela tinha

    sido todo um fracasso. Odiava os bailes, onde a desprezavam por

  • 16

    ser irlandesa e alta, e porque preferia os cavalos s festas. Os

    ingleses tinham sido terrivelmente condescendentes. E estava

    segura de que tambm seria um fracasso em Chatton. Embora

    Peter nunca tivesse questionado sua origem, quando a conhecesse

    tambm seria condescendente com ela.

    Porque ela no era uma dama o suficientemente educada para

    ser uma esposa inglesa. As damas no montavam a cavalo

    escarranchado, com calas e a ss ao amanhecer. E embora

    algumas eram o suficientemente valentes para ir caa da raposa,

    as damas no disparavam carabinas nem praticavam a esgrima.

    Peter no a conhecia absolutamente.

    As damas no mentiam.

    Era como se Sean estivesse a seu lado, lhe cravando um olhar

    cheia de acusaes. Oxal ele no a tivesse deixado. Como era

    possvel que aquilo seguisse lhe fazendo dano, a ponto de casar-

    se, e quando tinha investido um ano inteiro de sua vida em sua

    relao com Peter?

    Fechou os olhos outra vez e viu de novo a um homem alto,

    moreno, de olhos assombrosamente chapeados.

    As damas no mentem, Elle.

    Eleanor no pde suportar aquela pontada de tristeza. No

    necessitava aqueles pensamentos naquele preciso instante. No

    queria os ter.

    V! exclamou, quase chorando Deixe-me em paz, por

    favor!

    Entretanto, o dano permanecia. Ela tinha se atrevido a deix-lo

    entrar de novo em sua mente, e a to somente uns dias de suas

    bodas, parecia que no ia partir.

    Eleanor conhecia Sean desde que eram meninos. A me de

    Sean ficou viva durante um terrvel massacre provocado pelos

    ingleses, e seu pai, que tambm era vivo por aquela poca,

    casou-se com a Mary e tinha acolhido a Sean e a seu irmo.

    Embora nunca os tinha adotado legalmente, tinha criado aos

    meninos junto a seus trs filhos e a Eleanor, tratando-os

    como se tambm fossem deles.

  • 17

    Inclusive quando era um

    beb que mau andava, pensava que Sean era um prncipe, embora

    em realidade sua famlia era da pequena nobreza irlandesa, e

    catlicos empobrecidos.

    Ela tinha engatinhado atrs dele, chamando-o, tentando segui-

    lo a todas as partes. Ao princpio, ele tinha sido amvel e a tinha

    levado sobre os ombros, ou a tinha puxado da mo para devolver-

    lhe a sua bab. Entretanto, sua amabilidade se converteu em

    irritao quando Eleanor tinha crescido e, de menina, tinha

    comeado a esconder-se na classe em que ele tomava suas lies,

    e lhe tinha aconselhado como fazer melhor as coisas. Sean

    chamava o professor e dizia a Eleanor que partisse e se ocupasse

    de seus assuntos. Por desgraa, inclusive aos seis anos, Eleanor se

    dava melhor em matemtica que a ele.

    Se a Sean lhe ocorria escapar das lies durante um dia, ela o

    seguia at o lago, decidida tambm a pescar. Sean tentava

    assust-la com os vermes, mas Eleanor o ajudava a p-los nos

    anzis. Ela tambm era melhor nisso.

    Est bem, m erva, pode ficar resmungava ele finalmente.

    Uma antiga dor estava se apropriando dela, mas entretanto se

    deu conta de que tambm estava sorrindo. Tinha desmontado e

    caminhava com as rdeas do cavalo na mo. J estava perto dos

    estbulos, e enquanto avanavam, o animal pastava com

    satisfao.

    A Eleanor lhe encheram os olhos de lgrimas. Sean no estava

    ali. Ela desejava com todo seu corao que voltasse, ela sentia

    falta dele, mas do que servia? A lgica dizia que se tivesse querido

    voltar, j o teria feito. E o sentido comum lhe dizia, alm disso,

    algo muito mais doloroso: Sean nunca tinha demonstrado que

    sentisse por ela outra coisa que afeto fraternal.

    Ao chegar junto a uma das entradas do imvel, Eleanor se deu

    conta de que lhe aproximava um homem. Imediatamente

    reconheceu seu irmo maior, Tyrell. Ele estava to ocupado com

    todos os assuntos das terras, o condado e a famlia que j no

  • 18

    passavam muito tempo juntos, mas no havia nenhum homem

    mais slido ou melhor que ele.

    Um dia, Tyrell se converteria no patriarca da famlia, e teria que

    lhe expor todos os problemas e as crises, tanto pessoais como de

    outra classe, para que resolvesse. Ela o admirava muito. Era seu

    irmo favorito.

    Tyrell se deteve ante ela, e Eleanor se alegrou muito de hav-lo

    encontrado. Era um homem alto, musculoso e moreno. Sorriu e

    disse a sua irm:

    Me alegro de ver que est bem. Vi-te da janela, e quando

    desceu do cavalo, temi que tivesse ocorrido algo de mau.

    Eleanor esboou um sorriso forado. Sentia-se triste e frgil.

    Estou bem. Decidi deixar pastar um pouco ao Apollo, isso

    tudo.

    Tyrell a olhou fixamente.

    Sei que sempre gostou de madrugar, mas acreditava que

    tnhamos feito o trato de que no montaria deste modo enquanto

    tivssemos tantos convidados.

    Eleanor tentou seguir sorrindo, mas evitou seu olhar.

    Tinha que montar esta manh.

    O que te ocorre? perguntou-lhe Tyrell sem rodeios, e

    carinhosamente, tirou-a da mo maioria das noivas gostariam

    de poder dormir mais para estar mais belas, carinho lhe disse.

    Dormir mais no me vai cortar a estatura respondeu ela

    com sarcasmo As belezas de verdade no so to altas como os

    homens, e mais altas que seus maridos.

    Ele sorriu brevemente.

    Decidiste que quer um marido mais alto? um pouco tarde

    para trocar de opinio.

    Demnios, o primeiro pensamento de Eleanor foi que a Sean

    apenas lhe chegava pelo queixo, inclusive com as botas postas.

    Consternada, Eleanor mordeu o lbio.

    Tenho muito carinho por Peter murmurou No me

    importa que nossos olhos estejam mesma altura quando eu

    estou descala.

  • 19

    Me alegro, porque ele est muito apaixonado por voc lhe

    disse Tyrell seriamente.

    Acredita de verdade? Vou contribuir uma grande fortuna ao

    matrimnio.

    muito evidente que est apaixonado, Eleanor. Por que est

    inquieta?

    Estou confusa respondeu ela com um suspiro.

    Ela assinalou-lhe um banco de pedra com uma expresso

    amvel. Entregou-lhe as rdeas do cavalo e ambos se sentaram.

    Seriamente aprecio Peter disse muito inteligente e

    considerado, e desfrutei durante o tempo que passamos juntos.

    Sabe que detesto os bailes, mas estes ltimos meses, com ele a

    meu lado, no me importou danar.

    Ele foi bom com voc, Eleanor lhe disse Tyrell Toda a

    famlia est de acordo nisso. Vai convert-la em uma dama

    elegante e convencional.

    Eu tentei seriamente ser uma dama disse ela.

    As damas no mentem, Elle.

    De novo, Eleanor sentiu pnico. Levantou-se com brutalidade.

    Tyrell! Sean est me obcecando. No posso faz-lo! De

    verdade, no posso! Deveramos cancelar as bodas. No me

    importa me converter em uma solteirona.

    Ele abriu os olhos de par em par.

    Eleanor, o que o que motivou isto agora? perguntou-lhe

    com cautela.

    No sei! Se ao menos soubssemos onde est Sean

    Tyrell permaneceu em silncio.

    Ela encheu aquele silncio.

    Sei que voc pensa que est morto. Sei o que disse a polcia.

    Eu ainda sinto falta dele sussurrou Eleanor.

    E para seu assombro, deu-se conta de que seguia sentindo

    tanto como se lhe atravessassem o corao com uma faca.

    Tyrell lhe passou o brao pelos ombros.

  • 20

    Quiseste-o durante toda a vida, e leva quatro anos longe

    daqui. Estou seguro de que uma parte de voc ter saudades para

    sempre dele. Peter uma grande partida para voc, Eleanor, em

    todos os sentidos, e eu estou muito contente porque sei que alm

    disso est verdadeiramente apaixonado por voc.

    Ela apenas o ouviu.

    Mas como vou fazer tudo isto se me sentir assim? Estou to

    inquieta! quase como se Sean estivesse aqui e me impedisse de

    seguir adiante. Vou ser a esposa de Peter Sinclair. Vou ter seus

    filhos. Vou viver em Chatton.

    E se Sean estivesse aqui as coisas seriam distintas?

    Sim! respondeu ela, e se ruborizou Compreendo o que

    quer dizer. Ele nunca me quis como me quer Peter. Sei, Ty, ento

    por que tenho que estar pensando nele em todas as horas?

    Todas as noivas ficam muito nervosas antes de suas bodas,

    ou ao menos, isso me falaram lhe disse Tyrell com um sorriso

    reconfortante Possivelmente esteja procurando desculpas para

    postergar o evento, ou possivelmente para fugir.

    Ela o observou atentamente.

    Possivelmente tenha razo. O que deveria fazer?

    Eleanor. J esperaste durante quatro anos por Sean. O que

    deveria fazer? Esperar outros quatro?

    Aquilo era o que seu corao desejava. Finalmente, Eleanor

    disse:

    Ele no est morto, Ty. Sei. Sinto muito. Est muito vivo.

    Tem-me feito muito dano, mas um dia voltar e nos contar o que

    ocorreu e por que.

    Espero que tenha razo disse Tyrell com seriedade Uma

    pessoa muito sbia disse uma vez que ns no escolhemos o

    amor. O amor nos escolhe. O amor verdadeiro nunca morre,

    Eleanor.

    E o que fao? perguntou-lhe em tom suplicante sua irm.

    Sinceramente, no me surpreende que se sinta atormentada

    por suas lembranas justamente antes de suas bodas. Tendo em

  • 21

    conta o passado, seria estranho que no pensasse nele. Mas isso

    no significa que tenha que cancelar suas bodas com o Sinclair.

    O que quer dizer?

    Eleanor, desejo que tenha uma vida prpria. Seu lar, sua

    famlia, um futuro com a alegria dos filhos. Sean nunca

    correspondeu a seus sentimentos, e no sabemos onde est ou se

    voltar algum dia. Sinclair te est oferecendo um futuro de

    verdade. Acredito que seria um engano que o abandonasse no

    altar. No encontrar uma oportunidade assim de novo. Sinclair

    estupendo para voc.

    Eleanor se deu conta de que no lhe importava o que lhe estava

    dizendo. Encurvou-se sobre o banco, consumida de desesperana

    e dvida.

    Tyrell seguiu falando com delicadeza.

    Sinclair um homem honrvel, e se apaixonou por voc.

    Seriamente est pensando em romper o compromisso por causa

    da remota possibilidade de que Sean volte e se d conta de que te

    quer?

    Ela se sentia to afligida que no podia pensar com claridade.

    Tyrell tinha razo. Estava sendo absurda. E tinha dado sua palavra

    a Peter Sinclair.

    Claro que, se voc no quisesse nada com Sinclair, eu no

    quereria que se casasse com ele prosseguiu seu irmo Mas,

    por isso vi, acredito que lhe tem muito carinho. Tenho me sentido

    muito feliz ao te ver rir de novo, Eleanor. E nunca pensei que te

    veria sorrir durante um baile.

    Eleanor respirou profundamente e tomou uma deciso.

    Tem razo. Sou muito afortunada. Peter tem ttulo, rico,

    bonito e bom, e alm de me querer. Devo ser a parva maior do

    mundo por pensar em romper este compromisso por causa de um

    homem que no me quer, que nem sequer est aqui. Um homem

    que todo mundo d por morto.

    Nunca foste parva replicou Tyrell , mas me alegra que siga

    adiante com as bodas. No sou capaz de explicar-lhe o prazer que

    experimentar ao ter uma famlia prpria.

  • 22

    Voc escandalizou a toda a sociedade ao escolher Lizzie em

    vez de se casar segundo seu dever, Ty. Casou-se por amor, por

    amor verdadeiro; assim que eu no estou to segura de que v

    desfrutar de tudo o que voc tem.

    Nunca saber se no o tenta disse ele Eu nunca a

    animaria a este matrimnio se no tivesse grandes esperana para

    ele. Quero que se sinta amada e que seja feliz, Eleanor. Todos o

    queremos.

    Ela o abraou.

    meu irmo favorito! Havia-lhe dito isso?

    Ele riu.

    Acredito que sim lhe disse ele com um sorriso de afeto E,

    Eleanor? No se volte muito masculina, por favor.

    Ela sorriu.

    Como um truque, no tem que temer que meu carter se

    transforme muito. No prova disso meu traje? disse, e

    assinalou as calas que levava postos.

    Tyrell no baixou o olhar.

    Sobre este tema, tenho uma objeo. Eleanor, por favor, me

    prometa que voltar a pr o traje de montar. Ao menos, at

    depois das bodas e da lua de mel. E te aconselho que depois pea

    ao Peter humildemente que te permita montar escarranchado.

    No me cabe dvida de que poder convenc-lo de algo que

    deseje de verdade.

    Ela suspirou.

    Tentarei ser humilde, Ty. E tem razo. No preciso montar

    um escndalo. Entrarei em casa sem que ningum me veja. Esto

    levantados os cavalheiros?

    Um grupo deles tem inteno de ir de pesca, assim agora

    esto na sala do caf da manh. Sugiro-te que atravesse o salo de

    baile. As senhoras esto dormindo, salvo minha esposa disse

    ele, com um sorriso.

    Obrigado, Ty. Obrigado por seus conselhos. Acalmaste-me

    muito. Agora me sinto muito melhor.

    Tyrell lhe beijou a bochecha.

  • 23

    D a casualidade de que acredito que est fazendo o correto.

    Acredito que, com o tempo, seu amor pelo Peter aumentar.

    Quando tiver seus filhos no o lamentar. Voc merece a vida que

    ele te pode oferecer. Sinclair pode te dar muitas coisas.

    Sim. Tem razo. De fato, sempre tem razo disse Eleanor, e

    sorriu a seu irmo. Nunca estava de mais adular ao herdeiro do

    condado.

    Ele riu.

    Minha esposa no estaria de acordo. No tem por que ser

    lisonjeadora, querida.

    Mas se for o mais sbio de todos meus irmos! Importaria-se

    de levar ao Apollo ao estbulo, por favor? perguntou-lhe.

    obvio.

    Eleanor o abraou e caminhou para a casa para entrar em salo

    de baile pela terrao.

    Tyrell ficou ali, olhando-a. Seu sorriso se desvaneceu. Ele tinha

    sido muito afortunado na vida por ter podido casar-se por amor. E

    sabia que Eleanor estava to apaixonada por Sean como sempre.

    Nunca tinha sido mais evidente. Durante todos aqueles meses

    passados, ela tinha estado atuando.

    Tyrell no podia deixar de pensar em todo aquilo. Sua mulher o

    tinha convertido em um romntico. Desejava com todas suas

    foras que as circunstncias fossem distintas, e que sua irm

    pudesse casar-se com quem de verdade era seu amor. Entretanto,

    aquilo no era possvel, e Sinclair lhe estava oferecendo um

    futuro.

    Embora Sean voltasse naquele mesmo momento, no podia

    oferecer nada a Eleanor.

    Tyrell ficou muito tenso. Tinha-lhe oculto a verdade a sua irm,

    e desejava que fosse o correto.

    Porque a noite anterior, depois do jantar, o comandante do

    regimento estacionado ao sul de Limerick, o capito Brawley, tinha

    pedido uma audincia com o conde. Tyrell tambm tinha assistido,

    posto que era seu direito. E o jovem capito lhes havia dito que

    haviam descoberto o paradeiro de Sean .

  • 24

    Tyrell e seu pai tinham sabido que Sean tinha estado

    encarcerado durante os dois ltimos anos em uma priso militar

    em Dubln; aquilo lhes tinha produzido uma forte impresso.

    Segundo o capito, Sean tinha sido acusado de traio. No havia

    explicao para aquele confinamento to largo nem do motivo

    pelo que as autoridades no tinham informado famlia. Ento,

    Brawley lhes tinha contado a notcia mais impressionante de

    todas: Sean tinha escapado trs dias antes.

    Sean se tinha convertido em um fugitivo procurado

    pelas autoridades, que tinham posto preo a sua cabea.

    E Tyrell esperava que aparecesse em Adare em qualquer

    momento.

  • 25

    CCaappttuulloo 22

    Todo mundo pensava que o inferno era um fogo abrasador.

    Todo mundo se equivocava.

    O inferno era a escurido. O silncio, o isolamento. Ele sabia.

    Acabava de passar dois anos ali. Trs dias antes, tinha escapado.

    A luz fazia mau nos seus olhos, e os sons normais o assustavam;

    os ingleses o perseguiam, e no tinha inteno de deixar-se

    pendurar. Por todas aquelas razes, tinha estado ocultando-se no

    bosque durante o dia e avanando caminho ao sul de noite.

    Haviam-lhe dito que em Cork havia homens que o ajudariam a

    fugir do pas. Homens radicais, homens que tambm eram

    traidores, como ele, e que no tinham nada que perder salvo a

    vida.

    Estava a ponto de amanhecer. Ele estava coberto de suor,

    depois de ter viajado da priso de Dubln aos subrbios de Cork

    em to somente trs dias, a p.

    Quando se tinha dado conta de que possivelmente nunca sasse

    do buraco negro de sua cela, tinha comeado a exercitar seu corpo

    para manter-se forte, ao tempo que planejava uma fuga. Exercitar

    o corpo tinha sido fcil. Tinha encontrado um oco na parede, e o

    tinha usado para pendurar-se dele e subir a pulso.

    No piso tinha feito flexes, e tinha mantido em forma as pernas

    fazendo exerccios de esgrima. Entretanto, seu corpo no estava

    acostumado a andar nem a correr. Os msculos que no tinha

    usado durante dois anos lhe gritavam de dor. E os ps era o que

    mais lhe doa de tudo.

    Exercitar a mente tinha sido muito mais difcil. Concentrou-se

    em problemas matemticos, em geografia, em filosofia e nos

    poemas. Rapidamente se tinha dado conta de que devia manter a

    mente ocupada, porque do contrrio no podia evitar pensar. E o

    pensamento o fazia recordar, e recordar s lhe provocava

    desespero e medo.

  • 26

    Na mo levava uma tocha. A tocha era seu tesouro mais

    prezado. Depois de ter estado imerso na escurido durante dois

    anos, uma fonte de luz era algo muito importante para ele.

    Sean olhou para cu. Tinha comeado a esclarecer-se; j

    no necessitava a luz para seguir. O outro nico sobrevivente de

    Kilvore lhe havia dito que chegasse a uma determinada granja o

    mais rapido que pudesse, e ele sabia que devia continuar, superar

    seu medo. Com cuidado, apagou a tocha.

    Blarney Road, a estrada em que estava, conduzia ao centro do

    povoado. Um pouco mais adiante estava a granja Connelly.

    Tinham-lhe assegurado que ali encontraria ajuda.

    Enquanto caminhava pelo bosque, sem atrever-se a usar a

    estrada, a no ser avanando em paralelo a ela, pulsava-lhe o

    corao com fora. Durante as trs largas noites que tinha passado

    viajando, tinha evitado todas as estradas e inclusive os caminhos,

    mantendo-se nas colinas e o bosque.

    Tinha ouvido tropas uma vez, a cento e cinqenta quilmetros

    ao norte do lugar no que se encontrava naquele momento. A

    horas de Dubln, tinha ouvido um rodeio de cavalos e se apareceu

    em caminho das altas rochas do topo de uma colina. Abaixo, viu os

    uniformes azuis de um regimento de cavalaria. A ltima vez que

    tinha visto a cavalaria, tinham morrido duas dzias de homens, e

    tambm mulheres inocentes e meninos. Aterrorizado, Sean havia

    tornado a se esconder no bosque.

    O cu comeou a ficar de cor rosa plido. Aquele dia tampouco

    ia chover. Comeou a ficar tenso, mas estava muito perto de seu

    objetivo para deter-se. Sofreria luz do dia, por muito que lhe

    custasse. Os sons do bosque que despertava j estavam

    comeando a sobressalt-lo; os pssaros que comeavam a cantar

    nos ramos das rvores lhe fizeram chorar, como cada manh

    desde que tinha conseguido escapar. Era um som precioso, to

    inestimvel como a tocha que levava na mo.

    A estrada se curvou, e apareceu uma casa de campo com o

    telhado de palha. Detrs da casa havia um campo de milho e um

    abrigo.

  • 27

    Sean se deteve detrs de uma rvore, com a respirao

    entrecortada, e no do exerccio, mas sim do medo. Resultava-lhe

    muito difcil ver alm da casa, do semeado e do abrigo, devido a

    que na priso os olhos lhe tinham debilitado muito. Finalmente,

    percebeu um movimento entre a casa e o campo de milho; era um

    homem, ou ao menos isso lhe pareceu. Desejou com todas suas

    foras que fosse Connelly.

    Sean olhou para ambos os lados da estrada, mas no divisou a

    ningum. No confiava em sua vista, assim emprestou ateno

    para perceber algum som. Quo nico ouviu foi o canto dos

    pssaros, e depois de um momento, pensou que tambm poderia

    detectar o rangido das folhas, o sussurro da brisa.

    Pensou que estava sozinho.

    E comeou a suar de novo.

    Naquele momento, o corao lhe pulsava desbocadamente.

    Saiu do bosque estrada, quase esperando que uma coluna de

    soldados se lanasse sobre ele sem piedade. Entretanto, no

    apareceu nenhum soldado, e ele tentou respirar com mais calma.

    No o conseguiu. Estava muito assustado.

    Piscou contra o cu brilhante e seguiu cruzando a estrada.

    O homem o viu e se deteve.

    Sean amaldioou sua viso e seguiu para diante. Tentou falar

    com grande esforo. Justo antes de que o confinassem no

    isolamento mais absoluto, tinha havido um assassinato na priso,

    seguido de um terrvel caos. O tinham golpeado grosseiramente, e

    no distrbio, tinham-lhe talhado o pescoo. Depois, ningum tinha

    enviado a um mdico para que o atendesse, e durante uns dias

    Sean se debateu entre a vida e a morte.

    Pouco a pouco, entretanto, curou-se, embora no por

    completo. J no podia falar com facilidade; de fato, formar as

    palavras lhe custava um esforo desonesto, e lhe resultava

    exaustivo. obvio, no tinha tido que falar com ningum durante

    dois anos, e uma vez que se deu conta de que logo que podia faz-

    lo, no o tinha tentado.

  • 28

    Naquele momento, tentou pronunciar a palavra que tinha em

    mente.

    Connelly? disse lentamente, e ouviu sua prpria voz, rouca

    e desagradvel.

    O homem se aproximou dele.

    Voc lhe disse seu interlocutor, e o puxou pelo

    brao.

    Sean ficou impressionado ao sentir seu roce, e alarmado ao dar-

    se conta de que o esperavam. Fez um gesto de dor e se afastou do

    outro homem.

    Como sabe?

    Temos nosso prprio correio secreto respondeu Connelly.

    Era um homem grande, forte, com um largo nariz vermelho e os

    olhos azuis, muito brilhantesMe mandaram uma mensagem.

    Ser melhor que entre.

    Sean seguiu o homem casa, e quando a porta esteve fechada,

    sentiu um grande alvio.

    Minha senhora j est com as galinhas lhe disse Connelly

    Agora John Collins lhe explicou. Enquanto falava, olhava a

    Sean com preocupao crescente Parece um esqueleto, moo.

    Darei-te de comer e uma lmina para que se barbeie. Malditos

    sejam esses desgraados ingleses!

    Sean se limitou a assentir, e se apalpou a espessa barba. No

    tinha podido barbear-se durante dois anos.

    Connelly titubeou, mas depois lhe disse:

    Sinto o que ocorreu em Kilvore. Sinto-o muito. Sinto por sua

    esposa e seu filho.

    Sean se ergueu. Na mente se formou uma imagem imprecisa de

    uma cara doce com os olhos bondosos, cheios de esperana. Peg

    se tinha desvanecido em uma lembrana pouco definida e

    dolorosa, sem cor, embora ele sabia que ela tinha o cabelo ruivo.

    A Sean lhe encolheu a alma.

    No princpio tinha sofrido, durante muitos meses. Naquele

    momento, entretanto, j s ficava o sentimento de culpa. Estavam

    mortos por sua culpa.

  • 29

    No fica outro remdio que partir do pas. Sabe?

    Sean assentiu, aliviado por que tivessem interrompido seus

    pensamentos. Tinha aprendido como evitar toda lembrana de seu

    breve matrimnio, salvo nas horas da madrugada.

    Sim.

    Bom. V diretamente pelo Blarney Road at o Blarney Street.

    Pode cruzar o rio pela primeira ponte. Segue o rio, te levar at o

    cais, Anderson Quay. O sapateiro O'Dell te dar alojamento.

    Sean assentiu de novo. Tinha perguntas, sobre tudo, quando

    poderia encontrar uma passagem e quanto teria que pagar, mas

    de momento, sentia-se exausto e faminto. S tinha comido uma

    fatia de po em trs dias. E falar lhe resultava uma difcil tarefa.

    Tentou formar as palavras e inquiriu:

    Quando? Quand

    Sente-se, moo disse Connelly com expresso grave No

    sei. Todas as manhs, ao meio dia, v ao Oliver Street. Procura um

    cavalheiro que leve uma flor branca na lapela. Ele poder te dizer

    o que precisa saber. Eu s sou um granjeiro, Sean.

    Meio-dia repetiu Sejam

    No sei se o cavalheiro estar ali hoje ou amanh, ou ao dia

    seguinte. Mas um homem bom. toda uma ajuda para os

    patriotas. Chama-se McBane. No o perca.

    McBane, pensou Sean, e assentiu.

    Connelly se voltou e foi para a despensa. Depois voltou com um

    prato de batatas cozidas e uma grande fatia de po com queijo. A

    Sean lhe fez a boca gua.

    A mesa estava coberta com uma toalha branca; a cristaleira era

    do Waterford, a porcelana importada e os talheres de prata. A

    estadia estava iluminada por enormes candelabros, e os serventes

    uniformizados serviam bandejas de veado, cordeiro e salmo. As

    mulheres levavam seda e jias, e os homens o traje de ornamento.

    O perfume fl

    Sean se sobressaltou. No tinha direito a recordar aquilo.

    negava-se a identificar aquelas lembranas nem ao homem a

    quem pertenciam.

  • 30

    Em vez disso, comeou a comer rapidamente o po e o queijo.

    O nico passado que queria recordar era o mais recente, sua vida

    na granja dos Boyle. De outro modo, nunca poderia pagar pelo

    que lhes tinha feito.

    O rudo era ensurdecedor.

    Sean se deteve o passar a entrada do bar, afligido pela

    cacofonia de sons. Teve o impulso quase irresistvel de tampar aos

    ouvidos com as mos. As conversaes escandalosas, as

    gargalhadas, o arrastar das cadeiras, o tinido das latas eram uma

    inundao de sons que ameaava imobilizando. Sean ficou rgido

    de tenso. E as luzes brilhantes eram cegadoras.

    Tinha sado da granja uma hora depois de chegar ali, e tinha

    seguido as instrues de Connelly. O sapateiro, a quem tinha

    encontrado com facilidade, tinha-o agasalhado em uma pequena

    habitao que tinha sobre sua oficina.

    O que sim lhe tinha resultado difcil tinha sido percorrer a

    cidade, que despertava a aquelas horas, com todo seu tumultuar.

    Sean tinha ficado afligido com a presena de tanta gente, to a p

    como a cavalo, ou em carretas e carruagens, e com tanta

    conversao e movimento. E tambm havia muita sujeira, muita

    fuligem, fumaa e lixo. Sentia-se estranho, um intruso, como um

    granjeiro do norte que nunca tivesse estado em uma cidade.

    No tinha conseguido acostumar os sentidos a semelhante

    descarga de estmulos durante as poucas horas que tinha passado

    ali. E naquele momento, ao entrar no pub, teve que tampar os

    olhos com as mos. Sentiu uma quebra de onda de pnico, e seu

    primeiro instinto foi fugir.

    Entretanto, conservou a capacidade de raciocinar. Sua mente

    pde discernir que aquele estabelecimento pblico abarrotado era

    prefervel ao escuro buraco que tinha sido sua cela. E se disse que,

    ao final, acostumaria-se ao rudo, luz e multido.

    Respirou profundamente e comeou a avanar por entre a

    gente, com cuidado de evitar o contato fsico com outros. Tinha

    divisado uma mesa solitria ao fundo, na penumbra; quando

    chegou a ela, sentiu-se mais seguro, aliviado. Sentou-se contra a

  • 31

    parede, de modo que tinha as costas protegida e podia abranger

    toda a estadia com o olhar.

    Observou aos trinta ou quarenta homens que estavam

    presentes ali, todos bebendo, rindo, falando ou jogando cartas ou

    jogo de dados. Uma vez mais, sentiu-se como um intruso. Aqueles

    homens eram irlandeses, como ele. Uma vez, ele tinha estado

    disposto a dar a vida defendendo-os contra a tirania e a injustia, e

    quase o tinha feito. Naquele momento no sentia nenhum vnculo

    com eles. No sentia nada absolutamente, salvo confuso e

    surpresa.

    Foi ento quando viu aproximar-se de um homem que levava

    uma jaqueta de l azul, uma flor silvestre na lapela e uma pequena

    carteira na mo. Como temia uma armadilha, Sean deixou sua

    adaga, que tinha roubado ao guarda da priso ao escapar, sobre

    sua coxa, sob a mesa.

    O cavalheiro o viu e se deteve ante a mesa.

    Collins?

    Sean assentiu ao ouvir seu sobrenome falso. Depois lhe

    assinalou a cadeira.

    O homem se sentou.

    Deram-me sua descrio disse Por desgraa, tem

    exatamente o aspecto que teria um delinqente fugitivo.

    Sean fez caso omisso daquele comentrio. O homem era alto e

    era ruivo. Levava um traje de boa l e uns sapatos reluzentes.

    Claramente, era de classe alta. Provavelmente, era o homem que

    Connelly lhe tinha indicado, algum chamado Rory McBane.

    Sean demorou um momento em falar. Resultava-lhe um pouco

    mais fcil que ao princpio.

    Est sozinho?

    No me seguiram respondeu McBane, observando-o com

    cautela Tive muito cuidado. E voc?

    Sean assentiu. Seu interlocutor seguiu olhando-o fixamente,

    como se estivesse tentando discernir a quem estava ajudando

    naquela ocasio. Possivelmente McBane soubesse que o

  • 32

    buscavam por assassinato. Possivelmente soubesse que era um

    assassino e tivesse medo.

    Tudo o que precisar est nessa carteira lhe disse McBane

    depois de um silncio tenso H um pouco de dinheiro e uma

    muda de roupa. Tambm uma passagem para Hampton, Virginia,

    em um navio de mercadorias americano, o Ou. S. Firo. Sair depois

    de amanh com a primeira mar.

    Logo seria livre. Em questo de dias, estaria cruzando o oceano,

    afastando-se dos ingleses e da Irlanda, a terra onde tinha crescido

    e tinha passado a maior parte de sua vida. Sabia que devia dar

    graas ao McBane, mas em vez disso, o corao lhe acelerou,

    como se estivesse tentando lhe dizer algo. Sabia que deveria

    sentir-se exultante ou aliviado, mas no notava nenhuma daquelas

    coisas.

    O cristal tilintou. As suaves conversaes se aconteceram a seu

    redor. E uns olhos de cor mbar, brilhantes e risonhos,

    sustentaram-lhe o olhar.

    Sean sentiu uma forte tenso. No entendia por que, de

    repente, a mente lhe estava jogando aquela m passada. Estava

    muito enjoado. Possivelmente estivesse voltando-se louco, por

    fim. No podia deixar-se levar ali onde suas lembranas queriam

    translad-lo. No podia retornar para aquela vida! O pnico se

    apropriou dele.

    Necessita de uma boa lmina de barbear lhe disse McBane,

    e a interrupo foi bem-vinda Vi um pster da polcia com seu

    retrato. Parece-se muito. Tem que tirar essa barba.

    Sean ficou olhando. Ele tinha usado a lmina do Connelly, mas

    no era de boa qualidade. E McBane tinha razo. Necessitava um

    bom barbeador, uma escova do cabelo e sabo.

    E sua cabea seguia vagando.

    Uns olhos chapeados, brilhantes, agradveis, devolviam-lhe o

    olhar do espelho. Ali se refletia um homem bonito, moreno, que

    se estava barbeando pela manh. Naquele reflexo, havia umas

    cortinas de veludo abertas. Fora, o cu estava azul, esplndido, e

  • 33

    as colinas eram maravilhosamente verdes. Espionavam-se as

    runas de uma torre da janela. E se via o mar.

    Sean! Vai seguir perdendo o tempo, ou vamos montar a cavalo?

    Est bem? perguntou-lhe McBane.

    Sean no entendeu a pergunta. O que lhe estava acontecendo?

    No podia pensar naquele passado. Ele tinha se casado com Peg

    Boyle, decidido a conseguir am-la algum dia, e a ser um bom pai

    para seu filho e para o filho que levava no ventre. Peg era a nica

    mulher da que tinha que lembrar-se. Naquele momento,

    deliberadamente, recordou-a entre seus braos, golpeada,

    maltratada, sangrando at morrer.

    Olhe, Collins, tenho entendido que aconteceu um inferno.

    Estamos no mesmo bando. Sou irlands, como voc. Alm disso,

    tambm ouvi dizer que voc nobre de nascimento, e isso algo

    mais que temos em comum. No tem bom aspecto. Posso lhe

    ajudar de algum jeito? perguntou-lhe McBane, que embora

    tinha uma expresso de perplexidade, tambm estava

    preocupado.

    Sean no era capaz de encontrar alvio no presente naquele

    momento.

    P perguntou-lhe. Queria saber

    por que um cavalheiro arriscaria sua vida por ele.

    J te falei. Ambos somos irlandeses, e eu sou um patriota.

    Voc lutou pela liberdade de uma maneira, e eu luto de outra,

    normalmente, com minha pluma, mas algumas vezes, tambm,

    ajudo a homens como voc.

    Sean tentou sorrir.

    Obrigado disse com a voz rouca.

    H algo mais que necessite?

    Sean negou com a cabea. Quo nico precisava era navegar

    para uma terra diferente, para uma vida distinta. Uma vez que o

    conseguisse, possivelmente deixasse de recordar aqueles

    momentos de uma vida que tinha deixado atrs, e que o

    torturavam.

    McBane se inclinou para ele.

  • 34

    Ento, deite-se e descanse at que parta o Firo. Eu vou para

    Cork esta noite, mas pode me localizar em Adare. Est a s meio-

    dia de caminho daqui, e nossos amigos comuns podem me levar

    uma mensagem.

    Sean sabia que seu corpo tinha permanecido imvel, mas o

    corao lhe tinha dado um salto no peito, com uma fora dolorosa

    e exaustiva. Teve a sensao de que McBane acabava de

    apunhal-lo. Seria aquilo uma armadilha, depois de tudo? Ou era

    sua memria a que de novo o estava torturando com crueldade?

    Acabava McBane de referir-se a Adare?

    McBane ficou em p.

    Que Deus o acompanhe disse a Sean.

    Ele, aturdido, no respondeu.

    McBane fez um som de lstima, e depois deu a volta e abriu

    passo entre a multido. Sean permaneceu sentado, paralisado.

    Deveria deixar que McBane partisse; do contrrio, ia perder o que

    ficava de fora de vontade. Mas, e se McBane era parte de uma

    armadilha?

    Sean no ia voltar para a priso e no ia deixar que o

    pendurassem.

    Sean seguiu McBane com o olhar. Esperou que chegasse at a

    sada, e depois tomou a carteira e saiu atrs dele. Seguiu-o

    sigilosamente e o agarrou por detrs para aprision-lo contra um

    muro. McBane ficou paralisado.

    para Adare grunhiu Sean, furioso Isto uma

    Collins! ofegou McBane Est louco? Que demnios est

    fazendo?

    O que se prope? Que insistiu Sean.

    O que me proponho? Estou tentando ajud-lo a sair do pas,

    idiota. No devem nos ver juntos! Minhas opinies contra os

    ingleses so bem conhecidas. Maldito seja! Te procuram por toda

    parte na cidade!

    Sean o empurrou com mais fora contra o muro.

    No pode ir para Adare! um truque! gritou-lhe.

  • 35

    Um truque? Est louco! Ouvi dizer que o tiveram em

    isolamento durante dois anos. Perdeu a cabea! Vou para Adare

    porque sou amigo da famlia da noiva.

    E Sean perdeu o controle.

    Adare era seu lar.

    Os prados verdes e os jardins de Adare eram to espetaculares

    que os grupos de veraneantes ingleses pediam permisso para

    visit-los. Freqentemente, tambm pediam permisso para

    visitar a manso, e normalmente lhes concedia se o conde ou a

    condessa estavam na residncia.

    Sean estava tremendo. No, Sean tinha crescido ali. Ele

    se tinha convertido em John Collins.

    Est muito plido lhe disse McBane Solte-me, por favor.

    Mas Sean no o ouviu.

    Aquela manh tinham tido aula de cincia e humanidades com

    o tutor, o senhor Godfrey. Depois tinham passado a tarde

    praticando a esgrima com um professor italiano, ensaiando passos

    com o professor de baile e aprendendo tcnicas avanadas de

    equitao. Havia cinco moos, jovens, bonitos, fortes, preparados,

    privilegiados e mais que um pouco arrogantes. E tambm estava

    Elle.

    Sim. Umas bodas muito importante, de fato.

    Sean fechou os olhos. No queria recordar um tempo em que

    tinha tido uma gratificante sensao de pertencer a uma grande

    famlia, de segurana, de paz; mas j era muito tarde.

    Tinha um irmo, uma cunhada e uma sobrinha; tinha uma me

    e um padrasto; e tinha meio-irmos, e tambm tinha Elle. Sean

    no podia respirar; estava tentando com todas suas foras manter

    fechada a comporta que continha suas lembranas; se deixava

    escapar algum, seguiriam-lhe milhares, e nunca conseguiria evitar

    aos ingleses, nunca poderia fugir do pas, no sobreviveria.

    Afastou-se de McBane. O suor lhe escorregava pelas costas.

    McBane estava muito molesto. Ergueu-se e arrumou a roupa.

    Depois, sua irritao se transformou em preocupao ao ver Sean.

  • 36

    Encontra-se bem?

    McBane tinha mencionado a uma noiva. Sean o olhou.

    Quem se casa?

    McBane o olhou com grande surpresa. Depois respondeu com

    cautela:

    Eleanor de Warenne. Conhece a famlia?

    Sean ficou to aniquilado que no podia mover-se; a impresso

    que se levou derrubou todas as barreiras que ele tinha ereto para

    evitar viajar de volta ao passado. E Elle estava na porta de seu

    quarto, em Askeaton, com o cabelo recolhido em uma larga

    trana, vestida para montar, com uma das camisas de Sean e um

    par de calas de Cliff. Aquilo era impossvel.

    Por que demora tanto? perguntou-lhe Temos o dia livre!

    Acabou-se de arranhar queimaduras da madeira. Falou que

    podamos passear em Doam's Rock. O cozinheiro preparou a

    comida em um pacote, e os ces esto l fora, impacientes.

    Sean tentou recordar a idade que tinha Elle ento. Era muito

    antes de sua primeira temporada. Possivelmente tivesse treze ou

    quatorze anos, porque era alta e magra. No pde evitar record-

    lo de tudo.

    Ele estava sorrindo.

    As damas no entram sem chamar nas habitaes dos

    cavalheiros, Elle.

    Tinha o torso nu. Voltou-se do espelho e tomou uma camisa

    branca.

    Mas voc no um cavalheiro, verdade?

    Ele se abotoou a camisa tranqilamente.

    No, voc no uma dama.

    Graas a Deus!

    Ele tentou no rir.

    No use o nome de Deus em vo! exclamou.

    Por que no? Voc o faz muito pior. Ouo-te jurar quando

    est zangado. Os meninos podem dizer palavres, e as garotas

    devem mover os quadris quando andam, e levar horrveis

    espartilhos!

  • 37

    Ele olhou seu corpo magro.

    Voc nunca ter que levar espartilho.

    E uma sorte! afirmou Elle.

    Finalmente, sua cara se escureceu. Passou por diante dele e se

    sentou na cama desfeita.

    Sei que sou muito pouco adequada pa

    suspirou ela Estou a regime para engordar. Comi duas

    sobremesas todos os dias. No aconteceu nada. Estou

    sentenciada.

    Ento, Sean no pde evitar rir.

    Ela ficou furiosa e lhe lanou um travesseiro.

    Elle, h coisas piores que estar magra. Provavelmente, algum

    dia deixar de est-lo. - disse.

    Entretanto, no podia imagin-la de outro modo que no fosse

    muito ossuda e muito alta.

    Ela se levantou da cama.

    Fala isso para me consolar. Tambm me disse que deixaria de

    crescer faz dois anos.

    Estou tentando que se sinta melhor. Vamos. Se ganhar at

    Doam's Rock, pode ficar aqui um dia mais.

    Seus olhos brilharam.

    De verdade?

    De verdade confirmou ele com um sorriso O ltimo que

    cheguar parte a casa hoje disse, e se dirigiu para a porta.

    Com um grito, ela o adiantou e saiu voando para as escadas.

    Ele estava rindo, e quando esteve montado a cavalo, ela levava

    vrias colinas de vantagem.

    Sean se separou de McBane, tremendo. No podia pensar

    naquilo. Precisava tomar aquele navio e zarpar para a Amrica.

    Quantos anos tinha Elle?, perguntou-se sem poder evit-lo. A

    ltima vez que a tinha visto tinha dezoito. Sean tentou

    desesperadamente fechar o passo daqueles pensamentos em sua

    mente, mas era muito tarde. Uma imagem inesquecvel se formou

    em sua cabea: Elle, com sua camisola de renda branca, junto s

    portas de Askeaton, uma figura pequena e triste que ele via do

  • 38

    topo da colina. Elle no se movia. E ele no precisava estar junto a

    ela para saber que estava chorando.

    Me prometa que voltar por mim.

    Sean se sentia muito doente naquele momento. Logo que podia

    respirar.

    -se? sussurrou. Acaso ela se

    apaixonou?

    Por que me pergunta isso? inquiriu McBane A conhece?

    Sean olhou para McBane, e por fim, viu-o. Tinha que sab-lo.

    Com quem se casa?

    McBane ficou assombrado.

    O noivo o filho de um conde, Peter Sinclair.

    Ao dar-se conta de que Elle ia casar se com um ingls, Sean

    exclamou:

    Com um maldito britnico!

    McBane disse com cautela:

    Tem ttulo e fortuna, e se diz que um homem bonito. Ouvi

    comentar que muito bom matrimnio. De fato, minha esposa

    me falou que Sinclair est muito apaixonado e que ela tambm

    muito feliz. Olhe, Collins, dou-me conta de que est consternado.

    Mas o estar mais ainda se uma patrulha nos surpreender aqui.

    Tem que voltar para seu esconderijo at que tenha que tomar o

    navio para a Amrica.

    Tinha razo. Sean lutou por recuperar o sentido comum. Em um

    dia partiria a Amrica. Era questo de vida ou morte. O que fizesse

    Eleanor, com quem se casasse, no era assunto dele. No passado,

    ele a teria protegido com sua vida, mas ento era um homem

    diferente, com outra vida. Sean tinha morrido pouco

    depois daquela terrvel noite em Kilvore. Converteu-se em um

    assassino procurado pelas autoridades inglesas.

    Embora queria faz-lo, no podia voltar, porque Sean

    no existia.

    J s era John Collins.

    Olhou para McBane.

    Tem razo.

  • 39

    Que Deus o acompanhe, Collins. Que Deus o acompanhe.

  • 40

    CCaappttuulloo 33

    Antes de que ns cavalheiros nos retiremos a tomar o licor,

    eu gostaria de fazer um brinde disse o conde de Adare.

    Todo mundo ficou em silncio. Sentados mesa do jantar havia

    cinqenta convidados e toda a famlia de Warenne, exceto Cliff,

    que ainda tinha que chegar, alm de Devlin e Virginia . A

    mesa estava vestida com as melhores toalhas de linho e servida

    com os cristais e a porcelana mais delicada. Havia centros de flores

    da estufa da condessa. O conde presidia o jantar, e a condessa

    estava sentada frente a ele.

    Eleanor viu que seu pai sorria. Tinha um olhar de calidez e

    bondade nos olhos profundamente azuis. Estava olhando a toda

    sua famlia e a seus convidados, e finalmente se fixou nela. Ela no

    podia olh-lo nos olhos; sabia que seu pai estava muito contente

    por que se casasse com o Peter, e no queria que supusera que

    tinha passado todo o dia feita um molho de nervos. Sua

    conversao com o Ty no tinha tido um efeito muito duradouro.

    Peter estava sentado a seu lado. Ele tinha sido muito atento

    durante toda a noite, e estava muito bonito com seu traje de

    etiqueta. No princpio, para Eleanor tinha sido difcil rir e fingir que

    no passava nada de mau.

    Entretanto, e embora no gostasse muito, tinha tomado duas

    taas de vinho tinto, e com o lcool se acalmou.

    Imediatamente, tinha desfrutado ao escutar tudo o que dizia

    Peter, e tinha estado rindo durante quase todo o tempo. Eleanor

    nunca se deu conta de quo gracioso era seu prometido. E se

    perguntou por que nunca se deu conta de que tambm era muito

    bonito.

    Se no tivesse sido escandaloso, possivelmente tivesse tomado

    uma terceira taa de vinho, pena a que o jantar j tinha

    terminado. Ento, teria podido flutuar durante o resto da noite.

    Peter lhe murmurou ao ouvido, para que ningum mais

    pudesse ouvi-lo:

    Encontra-se bem?

  • 41

    Ela sorriu.

    Foi uma noite maravilhosa.

    Ele arqueou as sobrancelhas com surpresa.

    Todas as noites so maravilhosas se as compartilhar contigo

    respondeu.

    Eleanor notou que se derretia com uma agradvel sensao.

    por que tinha tido dvidas sobre aquele matrimnio?

    um romntico, Peter lhe disse, rindo, e lhe deu com o

    cotovelo no brao.

    Sempre fui um romntico no que a voc concerne.

    Ela o olhou abanando as pestanas. Como podia ser to

    afortunada? Por que tinha estado desgostada? No o recordava

    com claridade.

    A condessa estava sentada frente ao conde, ao outro extremo

    da mesa. Lorde Henredon, o pai de Peter, estava a sua direita.

    Mary disse brandamente:

    Querido? Todos estamos esperando.

    O conde pigarreou. Afastou a vista de sua filha e se fixou nas

    caras espectadores de seus convidados.

    No sei como lhes explicar quo feliz estou porque minha

    querida e bela filha tenha decidido, por fim, casar-se. E estou

    ainda mais feliz de que v se casar com o jovem Sinclair.

    Evidentemente, a mudana de opinio requeria ao homem

    adequado. No recordo hav-la visto nunca mais ditosa. Pelos

    noivos. Que seu futuro esteja cheio de amor, paz, alegria e risada

    disse o conde, e elevou sua taa. Depois, continuou: Tambm

    queria lhes agradecer a lorde e lady Henredon por sua ajuda na

    organizao destas monumentais bodas, e quero dar as graas a

    todos nossos convidados por estar aqui. Sobre tudo, ao senhor e a

    senhora McBane, a lorde e lady Houghton, a lorde e lady Barton,

    nesta reunio familiar, que espero que seja primeira de muitas

    ocasies felizes. E finalmente, quero lhe dar as graas ao jovem

    Sinclair. Peter, obrigado por fazer feliz a minha filha.

    Depois de seu brinde de agradecimento, o conde se sentou,

    olhando carinhosamente para Eleanor.

  • 42

    Tambm eu gostaria de fazer um brinde interveio Tyrell,

    sorrindo enquanto ficava em p Pelo homem que se atreve a

    casar-se com minha irm. A faa feliz, ou ter que se ver com seus

    cinco irmos disse para Peter.

    Sinclair sorriu.

    Viverei para fazer feliz a Eleanor disse galantemente.

    Depois acrescentou com desconcerto Eleanor tem

    quatro irmos, no?

    Eleanor notou que lhe apagava o sorriso dos lbios. Tinha trs

    irmos e dois meio-irmos. Todo mundo sabia. No sabia tambm

    Peter? Mas Sean se foi, estava desaparecido.

    Falei algo inapropriado? perguntou Sinclair com grande

    confuso Cliff no chegou ainda, mas com ele, seriam quatro

    irmos.

    Eleanor cravou os olhos na toalha. De repente, mesmo com os

    efeitos do vinho, sentia-se triste. Onde estava Sean? Por que no

    estava ali? No queria voltar para casa?

    O vinho lhe tinha nublado a inteligncia. Sean no estava ali,

    assim, como ia casar-se? No podia haver bodas sem Sean, porque

    ele era o homem com quem se supunha que ia casar-se. De

    repente, Eleanor teve uma pontada de pnico.

    Sinto muito, Eleanor murmurou Tyrell.

    Ela o olhou. Os efeitos do vinho se dissiparam como se tivesse

    se inundado em uma banheira de gua fria. Ia casar-se com o

    Peter, no com Sean. Queria Peter, ou quase, e tinha que tomar

    uma terceira taa de vinho antes de que a noite se danificasse.

    Devlin interveio. Tinha sido capito da marinha

    britnica, e ainda conservava a pele bronzeada e o cabelo loiro

    pelo sol.

    Estou seguro de que ter ouvido os rumores, Peter. Tenho

    um irmo pequeno, mas desapareceu faz quatro anos. Ningum

    viu a Sean, nem soube nada dele, aps.

    Sinclair ficou consternado.

    No, no o tinha ouvido. Deus Santo, sinto-o muitssimo,

    capito disse para Devlin. A Eleanor no ficava vinho na taa.

  • 43

    Olhou fixamente o cristal, desejando no ter conhecido nunca a

    Sean, porque lhe estava destroando o que se supunha que devia

    ser o dia mais feliz de sua vida. E ela era feliz, verdade? Gostava de

    como Peter a olhava, e como sorria. Tinha sido muito feliz um

    momento antes! ia sentir falta de Sean para sempre, mas tambm

    ia casar-se com um homem maravilhoso, perfeito, embora fora

    ingls.

    Peter? disse-lhe, sonrrindo Eu gostaria muito de tomar

    outra taa de vinho pediu. Entretanto, ele no teve

    oportunidade de lhe responder.

    Pelo Sinclair disse Rex de Warenne. Tinha perdido a perna

    direita na guerra; naquele momento, ficou em p com ajuda de

    sua muleta O marido perfeito para nossa irm. Eleanor, no h

    nenhuma noiva mais afortunada que voc.

    Eleanor olhou para Rex, perguntando-se se estava burlando

    dela. Tinha mudado tanto desde que havia re

    Sou a mulher mais afortunada da Irlanda disse com

    veemncia.

    Todo mundo a olhou.

    Eleanor se perguntou, horrorizada, se tinha falado as palavras.

    Rex arqueou as sobrancelhas com ceticismo.

    Seriamente?

    Eleanor o olhou novamente, e pensou que ele sabia

    exatamente como se sentia. Claro que ele tinha muita afeio ao

    vinho, e ao brandy, sobre tudo desde que tinha perdido a perna.

    Possivelmente lhe desse outra taa de vinho, discretamente, no

    caso de ter cometido a terrvel gafe de embriagar-se em

    companhia to educada.

    As damas no se embebedam, Elle.

    Eleanor se sobressaltou no assento. Deu-se a volta para

    procurar a Sean, mas no havia ningum atrs dela.

    Eleanor? O que ocorre? perguntou-lhe Peter rapidamente,

    preocupado.

    Est aqui? disse ela, agarrando-se ao respaldo de sua

    cadeira.

  • 44

    O conde ficou em p com deciso.

    Acredito que deveramos ir tomar os licores. Eleanor?

    Eleanor se deu conta de que tinha estado a ponto de sentar-se

    de costas na cadeira. Sean no estava ali. Ela se sentiu to

    decepcionada que lhe custou manter a compostura sob tantas

    olhadas.

    Peter permaneceu sentado junto a ela. Enquanto os homens

    saam, Rex se aproximou deles coxeando. Era um homem muito

    moreno e musculoso, a viva imagem de Tyrell, salvo que tinha os

    olhos marrons e no azuis.

    Sinto muito, Eleanor. No deveria descarregar meu mau

    humor em voc nesta ocasio to feliz.

    Ela tinha deixado de entender a seu irmo anos antes, quando

    Rex havia tornado da guerra, cheio de amargura e ferido, e

    naquela ocasio, tampouco tinha nem idia do que queria dizer.

    Sorriu e disse, agitando a mo com exagero:

    OH, Rex. meu irmo favorito, e no pode fazer nada de

    mau. Sabe, no?

    Rex olhou para Peter.

    Perdoa um momento, Peter lhe disse.

    Depois tomou pelo brao a seu irmo e a afastou da mesa.

    Est bbada! exclamou em um cochicho.

    Sim, verdade? respondeu ela com um grande sorriso

    Agora comeo a entender por que voc gosta tanto beber. Poderia

    me conseguir outra taa de vinho tinto, por favor?

    Claro que no respondeu ele, que estava entre divertido e

    horrorizado , Est pensando em sabotar suas prprias bodas?

    Eleanor decidiu analisar a palavra sabotagem.

    Mmm. Sabotagem significa runa, no? Mas, em um sentido

    poltico? uma sabotagem um ato poltico? Por que estamos

    falando de sabotagem?

    Deveria ir para seu quarto disse Rex com firmeza, mas lhe

    tremiam os lbios como se estivesse tentando no sorrir.

    No at que no me tenham beijado afirmou ela, e se

    afastou de seu irmo. Dirigiu-se para Peter com um sorriso.

  • 45

    As damas se retiraram a um salo contigo. Seu prometido a

    estava esperando a ss junto mesa.

    Vai tudo bem? perguntou-lhe.

    Eleanor ficou surpreendida pela pergunta.

    Claro que sim respondeu, e o tirou do brao Estou com

    voc acrescentou.

    Ele se ruborizou.

    Eleanor, voc nunca bebe. Possivelmente devesse avisar a

    alguma de suas cunhadas e te dar boa noite por hoje.

    Essa uma idia pssima! exclamou ela, e se aproximou

    mais de Peter No estivemos a ss nem um momento durante

    todo o dia lhe disse brandamente No quer que vamos ver as

    estrelas?

    Ele se ruborizou ainda mais.

    Ia sugerir justamente isso. Voc se adiantou.

    Me d muito bem adiantar aos meninos, e aos homens

    respondeu ela com franqueza. Monto e disparo melhor que

    ningum.

    Ele a olhou com os olhos totalmente abertos.

    OH murmurou ela. As damas no montam e no

    disparam, pensou. As damas no mentem As damas no

    mentem disse em voz alta.

    Desculpa?

    Possivelmente conversar no foi a melhor ideia de todas.

    Eleanor sorriu e empurrou ele, brandamente, para as portas da

    terrao. Peter relaxou e lhe permitiu que o guiasse para fora.

    Sean subiu os degraus do terrao. Estava deserto e sem

    iluminar, e inclusive antes de cruz-la, viu o interior da casa, onde

    havia uma reunio. Aproximou-se de uma das grandes janelas e

    olhou o salo.

    Presidindo a mesa estava o homem que o tinha acolhido em

    sua casa depois do assassinato de seu verdadeiro pai, que o tinha

    criado, que lhe tinha ensinado a nobreza e a honra, que o tinha

    querido como a um filho prprio. Sean se aferrou parede da

    casa. Os joelhos lhe fraquejavam.

  • 46

    E depois viu seu irmo.

    Devlin estava em p. Era um homem alto e forte. Sua mulher

    estava sentada a seu lado. Sean tinha reconstrudo Askeaton para

    Devlin, e voltaria a faz-lo sem pens-lo, se fosse necessrio.

    Tambm daria a vida por seu irmo maior.

    Tragou saliva. A bela esposa de Devlin, Virginia, parecia muito

    feliz, e ele se alegrou com todo seu corao pelos dois. Ela tinha

    salvado a alma de seu irmo anos antes, e por aquilo, Sean sempre

    a quereria.

    Seus meio-irmos tambm estavam ficando em p. Havia um

    ambiente festivo, quente e luminoso na estadia.

    E a Sean lhe resultou impossvel no recordar todos os

    momentos que tinha passado naquele salo com seu pai, com seus

    irmos, com sua me e com Elle. Como a mar do mar irlands, as

    sensaes e os momentos o empaparam, lhe exigindo ateno,

    inspeo, rememorao: uma manh de Natal, uma tarde escura e

    fria, noites agradveis frente ao fogo, veladas de famlia,

    camaradagem fraternal e brandy. Sean teve que sacudir com fora

    a cabea para livrar do passado.

    Por que estava fazendo aquilo? Recordar a vida que tinha

    deixado atrs no ia ajud-lo a evitar aos ingleses e fugir do pas.

    Em uns minutos, roubaria um cavalo dos estbulos e ficaria em

    caminho para Cork. Chegaria ali antes do amanhecer. Depois,

    zarparia para a Amrica.

    Mas ainda no podia partir.

    Recordou-se que estava fazendo aquilo porque Elle ia casar se.

    Sean apertou a cara contra o cristal, observando como Tyrell

    apertava o ombro de Devlin. Os dois homens estavam rindo de

    algo enquanto saam do salo com outros, e a Sean lhe resultou

    impossvel negar o desejo que sentia de entrar naquela casa e

    formar de novo parte de sua famlia. Desejava-o tanto que teve

    que fazer um esforo muito grande por no deixar-se levar. As

    autoridades inglesas tinham posto preo a sua cabea por traio,

    e ele no tinha inteno de afundar ao conde e a seus irmos

    consigo.

  • 47

    As mulheres estavam levantando tambm, preparando-se para

    sair do salo. Sean reconheceu a Virginia; Tyrell rodeou com o

    brao a uma dama. O resto do grupo no lhe resultava familiar,

    salvo sua me. A condessa seguia to elegante como sempre, mas

    ele se deu conta de que tinha envelhecido. E no se enganou: seu

    desaparecimento devia lhe haver causado muita dor.

    Ento, Sean se fixou na dama que caminhava junto ao Rex. E

    ficou paralisado.

    Tinha mudado, mas ele a reconheceria em qualquer parte. E

    sentiu tanto alvio que esteve a ponto de deprimir-se contra a

    janela. Elle.

    J no ficava nada daquela menina magra e intrpida.

    Entretanto, se se atrevia a recordar a ltima noite que tinha

    passado em casa, teve que reconhecer que quatro anos antes

    tinha deixado na porta do imvel a uma mulher que estava

    florescendo e que j no tinha nada de menina. Sean tinha

    esquecido o quo alta que era. Os ngulos e os planos de seu

    corpo se converteram em curvas voluptuosas. A menina

    desajeitada era uma mulher muito bela, tanto que poderia deixar

    sem sentido a um homem.

    Ao observ-la enquanto enrolava a seu irmo, Sean teve a

    sensao de que o mundo inteiro se voltava do reverso.

    Teve pnico. O que estava fazendo?

    Ao ser consciente de que estava observando a Elle com fome e

    necessidade, cambaleou-se.

    Aquilo era impossvel, pensou com incredulidade, com espanto.

    No podia desejar a uma mulher a que tinha considerado sua irm

    durante toda sua vida. Seu corpo estava respondendo como o

    faria ante qualquer mulher bela, devido aos dois anos de celibato

    que tinha passado na priso.

    Elle estava caminhando junto ao Rex e sorrindo a um cavalheiro

    loiro, ao que tomou pelo brao. Sean se deu conta de que aquele

    devia ser Sinclair. Era um homem bonito e privilegiado, com os

    gestos de um nobre. Sean o desprezou a primeira vista.

  • 48

    Deu-se conta de que estava tremendo de desespero. Estava

    furioso com ela, com Sinclair, consigo mesmo. obvio que Elle

    tinha crescido. Ele tinha todo o direito de sentir-se surpreso ao ver

    a beleza em que se converteu, mas no tinha direito a sentir

    nenhuma outra coisa. E aonde ia ela com o Sinclair, de todos os

    modos?

    Deu-se conta de que o salo tinha ficado vazio, e ouviu abrir a

    porta da terrao. Imediatamente, ouviu tambm a risada de Elle.

    Embora aquele som lhe resultava familiar, tambm tinha algo

    estranho e novo. Sua risada tinha trocado. Converteu-se em uma

    risada sedutora.

    O apertou as costas contra a parede. O casal apareceu ante sua

    vista, caminhando para a balaustrada. Estavam to absortos um

    no outro que no se precaveram de sua presena. Ela tambm se

    movia de um modo distinto. Seus passos eram largos, mas o

    movimento de seus quadris tinha sensualidade, algo que ele odiou

    imediatamente. Movia-se como uma mulher que sabia que a

    apreciavam e a admiravam, que a observavam.

    Te falei quo bonita est esta noite? perguntou-lhe Sinclair,

    tomando ambas as mos.

    Sean se afogou em silncio.

    Parece-me que no respondeu Eleanor, sorrindo Mas se o

    tiver feito, sempre pode me dizer isso outra vez.

    Estava paquerando! Quando tinha aprendido Elle a paquerar?

    to preciosa sussurrou Sinclair.

    Sean detestou sua voz enrouquecida. No deveriam estar a ss

    na terrao, de noite. E onde estavam os outros? Ela tinha quatro

    irmos para fazer o papel de acompanhantes. Por que no havia

    nenhum que o estivesse fazendo?

    E voc, senhor, muito galante e encantador respondeu

    brandamente Elle Sou muito afortunada por me casar com um

    homem assim.

    Com respeito a voc, um homem nunca ser o

    suficientemente galante nem encantador respondeu Sinclair.

  • 49

    Acaso no sabia que sua prometida era um demnio? No sabia

    que galopava, que dava murros e que soltava improprios? No

    sabia que caava e pescava? Ou acaso Elle se converteu em uma

    debutante e uma coquete?

    Me alegro de que seja to encantador sussurrou Elle Te

    encontro verdadeiramente encantador, embora tenha os olhos

    azuis.

    Sean no entendeu a que se referia, e pareceu que Sinclair

    tampouco.

    Houve ento um silncio tenso.

    Sean teve vontades de dar um murro parede, porque soube

    que Sinclair ia beij-la.

    Posso te beijar, Eleanor? perguntou-lhe.

    Pensava que nunca foste perguntar-me isso. - disse ela com

    uma suave gargalhada.

    Com incredulidade, Sean viu como Sinclair a tomava entre seus

    braos e inclinava a cabea para ela. A lua escolheu aquele preciso

    momento para aparecer por entre as nuvens e iluminou aos

    amantes. Sinclair tinha fundido sua boca com a dela, e lhe estava

    devolvendo os beijos obstinada a seus ombros.

    Sean se apoiou contra o muro, furioso e paralisado, ofegando, e

    afastou o olhar. No podia assimilar que aquela mulher sensual

    que estava nos braos daquele homem fosse Elle. No podia

    aceitar que fosse Elle que estava emitindo aqueles sons suaves de

    prazer. Ela se tinha convertido em uma mulher muito desejvel,

    mas Sean sabia que no tinha direito a sentir por ela a luxria que

    estava sentindo.

    Eleanor, quero-te.

    A declarao entrecortada de Sinclair chamou de novo a

    ateno de Sean para o casal. Sinclair lhe tinha tomado a face

    entre as mos, e estava tremendo visivelmente enquanto lhe

    sorria como se estivesse apaixonada por ele.

    Estou tentando ser um cavalheiro com todas minhas foras

    sussurrou Sinclair, mas me est pondo isso muito difcil.

  • 50

    Estamos sozinhos murmurou Elle Ningum saber se est

    sendo um cavalheiro ou no esta noite.

    Sean ia intervir, mas se conteve bem a tempo. Acaso estava

    sugerindo Eleanor que Sinclair se tomasse mais liberdades? Ela

    tinha sido uma menina selvagem e obstinada, e Sean sabia que era

    uma mulher muito apaixonada. Teria se deitado j com seu

    prometido? Elle nunca se negava nada que quisesse, e ele a

    conhecia o suficientemente bem para saber que sua virgindade

    no lhe importaria nada.

    E se estavam beijando de novo.

    Ento, Sean deu um murro na parede. Demnios, onde estavam

    seus irmos? Ia ter que presenciar aquilo durante toda a noite?

    Porque no acreditava que pudesse suport-lo.

    Elle se sobressaltou em braos de Sinclair.

    O que foi isso? perguntou, olhando a seu redor.

    Sean esqueceu seu dilema e tentou voltar-se invisvel contra a

    parede.

    A que se refere? perguntou-lhe Sinclair com a voz rouc