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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 7 • nº 1153 Novembro/2013 Independência “Sempre trabalhei na roça, plantando milho e feijão, a seca tem sido muito dolorosa. Enquanto eu puder me bulir vou para a roça, o corpo precisa estar em movimento, principalmente quando a gente brinca o reisado”.(José Rosa da Silva - Mestre Augusto). O assentamento Cachoeira do Fogo, localizado a 12 km da sede do município de Independência-CE, Território da Cidadania Inhamuns Crateús, com uma população estimada de 400 pessoas, é uma referência da cultura popular nos assentamentos da reforma agrária. O reisado do mestre Zé Augusto tem conseguido revitalizar a manifestação do reisado na sua própria localidade e nos municípios vizinhos. No entanto, se faz necessário possibilitar ao grupo e à comunidade condições para a preservação do seu patrimônio imaterial, rico e diversificado. A devoção por Santos Reis é uma tradição que guarda resquícios da cultura negra e indígena. É um saber que se traduz em teatro, música, canto, dança e orações. Em Cachoeira do Fogo, o reisado é o pagamento de uma promessa aos Santos Reis. O ritual dura nove dias, onde os brincantes tiram reis de porta em porta, juntando prendas doadas dos moradores (dinheiro, animais, bebidas), atividade que vara a noite toda. Na última noite (06 de janeiro) é realizada uma festa onde as prendas colhidas durante a promessa são partilhadas através de um jantar ofertado pelo pagador da promessa em sua residência. O reisado é um misto de religiosidade e rebeldia. Ao mesmo tempo em que conserva valores, introduz elementos novos que fazem esta brincadeira ter a sabedoria dos velhos e o vigor da juventude. Esta dança dramática consegue sintetizar num só acontecimento os anseios da religiosidade e o desejo ardente do prazer estético que suas apresentações proporcionam. Cachoeira do Fogo: reisado Sertão e tradição Santos Reis

Cachoeira do Fogo: Reisado, sertão e tradição

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Page 1: Cachoeira do Fogo: Reisado, sertão e tradição

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 7 • nº 1153

Novembro/2013

Independência

“Sempre trabalhei na roça, plantando milho e feijão, a seca tem sido muito dolorosa. Enquanto eu puder me bulir vou para a roça, o corpo precisa estar em movimento, principalmente quando a gente brinca o reisado”.(José Rosa da Silva - Mestre Zé Augusto).

O assentamento Cachoeira do Fogo, localizado a 12 km da sede do município de Independência-CE, Território da Cidadania Inhamuns Crateús, com uma população estimada de 400 pessoas, é uma referência da cultura popular nos assentamentos da reforma agrária.

O reisado do mestre Zé Augusto tem conseguido revitalizar a manifestação do reisado na sua própria localidade e nos municípios vizinhos.

No entanto, se faz necessário possibilitar ao grupo e à comunidade condições para a preservação do seu patrimônio imaterial, rico e diversificado.

A devoção por Santos Reis é uma tradição que guarda resquícios da cultura negra e indígena. É um saber que se traduz em teatro, música, canto, dança e orações. Em Cachoeira do Fogo, o reisado é o pagamento de uma promessa aos Santos Reis. O ritual dura nove dias, onde os brincantes tiram reis de porta em porta, juntando prendas doadas dos moradores (dinheiro, animais, bebidas), atividade que vara a noite toda. Na última noite (06 de janeiro) é realizada uma festa onde as prendas colhidas durante a promessa são partilhadas através de um jantar ofertado pelo pagador da promessa em sua residência. O reisado é um misto de religiosidade e rebeldia. Ao mesmo tempo em que conserva valores, introduz elementos novos que fazem esta brincadeira ter a sabedoria dos velhos e o vigor da juventude. Esta dança dramática consegue sintetizar num só acontecimento os anseios da religiosidade e o desejo ardente do prazer estético que suas apresentações proporcionam.

Cachoeira do Fogo: reisado Sertão e tradição

Santos Reis

Page 2: Cachoeira do Fogo: Reisado, sertão e tradição

Articulação Semiárido Brasileiro – Ceará

Realização

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

O reisado é uma tradição de pai para filho. Em Cachoeira do Fogo o grupo existe há 60 anos reunindo duas gerações das famílias Rosas e Barroso. Este Grupo se diferencia pela utilização da rabeca e pela fabricação de suas máscaras feitas de plástico e papel crepom, como também pelo seu sapateado, identificado pelos pesquisadores e dançarinos que já os assistiram, como um dos mais belos do país. O reisado é um divertimento é uma brincadeira de todo mundo, jovens, velhos e crianças. Afirma o mestre: “Quando dizem, 'no Zé Augusto vão brincar', à boquinha da noite o terreiro está cheio de gente, aí é bonita a brincadeira”.

O Grupo vem buscando manter a tradição do Reisado e a partir de 2004 integrou as ações do Projeto Arte e Cultura na Reforma Agrária - INCRA/CE. Em 2005 o Reisado foi também contemplado com o edital do Programa BNB de Cultura com o projeto Cachoeira das Artes.

Filho de Crateús, a história de José Rosas da Silva (Mestre Zé Augusto) é muito comovente. Segundo ele, “o que é bom na vida é ter saúde, pai e mãe, não tive o prazer de ter papai e mamãe, fui criado por um tio que foi o pai que eu nunca tive, chamava-se Zacarias Rosas da Silva, morreu com 101 anos”. Hoje o mestre com 77 anos, tem seis filhos, todos moram no assentamento. Casou aos 21 anos, ficou viúvo aos 41, está casado pela segunda vez. Afirma ainda: “sofri muito para criar os filhos, vivi em épocas muito difíceis, tive de trabalhar dia e noite para ganhar o pão de cada dia, hoje todos os meus filhos já têm suas famílias, são pessoas respeitadas, todo mundo gosta deles, todos trabalham na agricultura”.

Mestre Zé Augusto mora há quinze anos no assentamento, está muito satisfeito com a vida. Antes de assentado não possuía nada, hoje tem umas vaquinhas que ele faz questão de frisar que é para a família “comer leite”. Possui carro para fazer as suas viagens, principalmente para a cidade. Hoje sua preocupação como mestre tem sido repassar a tradição para as crianças e jovens, e todos que queiram aprender a arte de brincar o reisado. Destaca: “Ninguém pode deixar o reisado se acabar, já tenho um filho que como mestre já lhe ensinei tudo o que sabia, tem outros jovens que estão participando das brincadeiras. Eles já podem se apresentar em qualquer lugar que não vão fazer cerimônia”.

Mestre Zé Augusto e sua esposa.

A juventude mantendo a tradição.

O reisado....

O mestre

A juventude...

Em 2008, o assentamento foi beneficiado com o Ponto de Cultura Cachoeira do Fogo Sertão e Tradição, oportunizando aos jovens do assentamento o envolvimento com a cultura popular tradicional brincada na comunidade.

Com o desenvolvimento do ponto de cultura, os organizadores pretendem a dinamização do assentamento como um espaço de fruição, produção e difusão cultural. Pretendem também potencializar as atividades da economia da cultura, gerando novas possibilidades de ampliação de renda na comunidade, especialmente para os jovens.

No que se refere ainda à juventude, o trabalho envolve também ações de comunicação popular e cidadania, e de formação artístico-cultural. As ações do ponto de cultura são ampliadas para mais duas comunidades rurais: os assentamentos São Joaquim e Floresta, também localizados no município de Independência. O reisado do Mestre Zé Augusto vem buscando interfaces com a educação, com o processo de formação político-cultural e uma maior aproximação com as escolas do município. Representa então essa tradição, resistência e resgate da cultura local.

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