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Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), ano 41, edição 374
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CAMPUS
ELES QUEREM MUDAR DE VIDA
ZONA RURAL DO DF SEM MÉDICOSAtendimento mais próximo fica a 70 km
Quatro histórias de jovens que tentam deixar o vício em centro de reabilitação
Foto: Victor Pennington
METAL: NOS SUBSOLOS DE BRASÍLIAForça de vontade move som independente
MÚSICA
Foto
: Rob
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Foto
: Bár
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DROGAS
Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB
de 15 a 21 de novembro de 2011, ano 41, edição 374
SAÚDE
CAMPUS
A penúltima edição do Campus deste ano tem a obrigação de discutir um fato triste: no dia 06 de novembro, o cinegrafista Gelson Domingos,
da TV Bandeirantes, foi assassinado na favela de An-tares, no Rio de Janeiro. Ele tinha 46 anos de idade e 20 de jornalismo, ofício cada vez mais entregue à espetacularização a todo custo.
O acontecimento instiga a reflexão sobre os limi-tes profissionais da produção da notícia. A sede pelas primeiras imagens – e não pela notícia em si - levou repórter e cinegrafista com coletes à prova de balas pouco resistentes a um campo de batalha que mata mais do que o conflito armado no Afeganistão. Nada justifica tamanho pragmatismo ao tratar a vida e a se-gurança desses profissionais.
Se a função social do jornalismo é desvendar vários aspectos de um mesmo fato, a essência da profissão está se perdendo para o circo da notícia. A denún-cia a qualquer preço, a primeira imagem, a entrevista exclusiva e o furo de reportagem transformam o jor-nalismo bem feito em ejaculação precoce. E não falo
aqui das expedições a endereços perigosos para a produção de reportagens de importância social, mas das incursões puramente espetaculosas.
E o problema não é só o conceito de jornalismo, mas as condições em que trabalham seus profissio-nais. O cinegrafista, que ganhou no ano passado o prêmio Vladmir Herzog de Anistia e Direitos Hu-manos revelou que seus próprios direitos não eram respeitados pela empresa onde trabalhava. Segun-do a Federação Nacional dos Jornalistas, ele era contratado como operador de câmera, com salário mais baixo, mas exercia funções de repórter cine-matográfico.
O ex-diretor da Biblioteca do Congresso dos Es-tados Unidos, Daniel Boorstin, no livro A Imagem, faz boa crítica a imprensa que menos se preocupa em reportar a realidade do que em alimentar as ex-pectativas de seus leitores. No jornalismo, cada vez mais, sai de foco a notícia bem apurada e o espetá-culo ganha o primeiro plano. E a morte de Gelson Domingos é só a ponta dessa história toda.
CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília
Editor-chefe Emerson Fraga Secretária de Redação Amanda Maia
Diretor de Arte Ricardo Viula Editores Amanda Maia (p. 8),
Emerson Fraga (p. 1 e 2), Livea Chefer (p. 3 e 7) e Paulo Victor Chagas (p. 4, 5 e 6)
Diagramadoras Ana Júlia Melo e Brenda Monteiro Fotógrafos Bárbara Cabral e Mateus Lara
Repórteres Amanda Martimon, Guilherme Alves, Marcella Fernandes, Roberta Pinheiro e Victor Pennington
Monitores Alexandre Bastos e Júlia Libório Jornalista José Luiz Silva Professores Sérgio de Sá e Solano Nascimento ISSN 2237-1850Brasília/DF - Campus Darcy Ribeiro Faculdade de Comunicação - ICC Ala NorteCEP 70.910-900 Telefones 61 3107.6498/6501E-mail [email protected]áfica Palavra Comunicação
O PREÇO DA ESPETACULARIZAÇÃO
Emerson Fraga, editor-chefe
Apresentado em setembro deste ano, o texto da Lei Geral da Copa revelou uma série de divergências entre os de-sejos da Fifa e a legislação brasileira. Uma das principais se refere à meia-entrada para estudantes nos jogos do torneio, o que reacendeu as discussões em torno do bene-fício. Criada para ampliar o acesso dos jovens à cultura no Distrito Federal, a meia-entrada para estudantes em even-tos culturais é assegurada pela Lei 2.768/01. O Campus foi à fila do Teatro Nacional para saber o que os brasilienses pensam sobre a meia-entrada em espetáculos de cultura.
NA FILA
do teatro
OPINIÃO
A ideia é boa, mas tem que igua-lar os valores aos preços de SP e RJ. Um show de 50 reais nesses estados chega aqui por 200. Acaba que a meia-entrada vira inteira.
O esforço em trazer novos elementos para a dia-gramação talvez seja o maior destaque da edi-ção 373 do Campus. Além de chamadas pou-
co criativas, os textos estão insossos, incluindo o da coluna Na Fila. A exceção cabe apenas a Futebol da capital vai mal das pernas e ao perfil, o melhor e mais interessante deste semestre.
Apesar de bem feita, Construção verde é aposta de longo prazo tem narrativa pouco atrativa e traz um Por Trás da Reportagem chato. E faz falta saber quem são os futuros moradores e a variação do preço do apartamento em relação a um imóvel comum. Ah, é es-tranho que a existência de um projeto que prevê cons-trução ecológica inferior a 10% do valor mínimo das obras do Minha Casa Minha Vida não seja destacada.
Música fora de ritmo nas escolas também deixa a desejar. O texto tem várias repetições e torna a leitu-ra cansativa. Diante da recente polêmica em torno da
contratação de docentes pelo GDF, fica a dúvida se professores de música estariam entre os que aguar-dam vaga. A melhor parte é em Infância cheia de sons, que traz as informações que mostram a vali-dade do projeto e tem uma escrita mais cativante.
Em Por dentro da profissão: divas da noite, uma contradição: o sutiã afirma que as drag queens ago-ra são gerenciadas por empresas e não precisam mais trabalhar por contra própria. Entre os per-sonagens, Alice Bombom é autônoma e consegue contratos sem intermédios de produtoras. Há ainda afirmações pouco embasadas, mas o tema é bom e o box que o acompanha é excelente. Por fim, o Q? Curiosidades não é nada explicativo.
FEIJÃO COM ARROZ NÃO BASTA
Raquel Castelo
OMBUDSKIVINNA
EXPEDIENTE
Mateus Lara
Solom Junior, advogado
O brasileiro sempre leva as coisas para o lado errado. Você vê gente com 50 anos mostrando carteira
de estudante e pagando meia.
2 CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB Brasília, de 15 a 21 de novembro de 2011
É um incentivo que garante mais acesso. Os estudantes não têm dinheiro para pagar os preços das entradas inteiras.
Benevaldo Machado, vigilante
Aqui em Brasília se aproveitam da meia-entrada. Eles dobram o valor e dão meia para todo mundo em
troca de doações de alimentos.
Luciana França, servidora pública
Feminino de ombudsman, termo sueco que significa “provedor de justiça”, a ombudskivinna discute a
produção dos jornalistas a partir da perspectiva do leitor.
Elmano Duarte, analista de sistemas
ACESSE O CAMPUS ONLINE WWW.FAC.UNB.BR/CAMPUSONLINE
Na edição número 332 do Campus, os repórteres Felipe Néri e Gisele Novais se aventuraram pela DF-205, que corta a área norte da zona rural de Brasília, para conhe-cer as histórias de uma região tão próxima e tão distante do ritmo metropolitano na re-portagem Outras terras, outros sonhos.
foi indicado para substituí-lo. Para os moradores que sofrem com diabetes, hi-pertensão, problemas de coluna e outras doenças, fica difícil dar continuidade a tratamentos e conseguir remédios.
Não é só médico que falta. “Este mês não veio medicamento”, conta Maria Le-nice Natividade. Hipertensos e diabéticos estão sem remédios. “E geralmente quan-do vêm, vêm em quantidade insuficien-te”, complementa a agente comunitária. Como o posto está em reforma, o auxiliar de enfermagem e o enfermeiro atendem num prédio improvisado. Em outras co-munidades próximas, as consultas acon-tecem em escolas e igrejas.
Na região onde o PSF não funciona adequadamente por falta de profissionais e infraestrutura, o que diminui os proble-mas é o trabalho dos agentes de saúde. Líderes que levam em cada visita a espe-rança que falta na comunidade. “Eu não acredito mais na vinda dos médicos. Há dez anos moro aqui e a vida é esta”, con-ta Felipa Xavier. Os agentes não possuem formação médica, mas hoje são tudo o que os brasilienses mais isolados têm.
A solução não tem data para chegar. “Quando a gente pensa na expansão do Saúde da Família, as unidades rurais têm que ser priorizadas”, afirma Sérgio Edu-ardo, coordenador de Saúde Rural do DF. “Se isto vai acontecer amanhã ou no co-meço do ano que vem, não tem como sa-ber.” Neste ano, nenhuma equipe do PSF foi criada no Distrito Federal.
SAÚDE
No caminho para Unaí (MG), na DF-285, está localizado o Núcleo Rural Jardim. Construções modes-
tas abrigam uma escola, mercearias, uma igreja, um centro comunitário e o posto da Empresa de Assistência Técnica e Exten-são Rural (Emater). As ruas são de terra batida. As pessoas, de fala simples, estão acostumadas com o sol forte e o trabalho braçal nas plantações que circundam a área. Uma visão diferente da massa de concreto dos grandes centros urbanos.
Famílias estão separadas por mais de 10 km, e as casas de tijolo aparente aco-lhem histórias de angústia. É lá que vivem os brasilienses mais distantes de um mé-dico, que para chegar ao hospital mais próximo precisam percorrer 71 km, parte deles em estradas de terra vermelha pe-las quais o transporte público não passa.
A área rural Jardim, a maior do DF, é formada pelas comunidades Jardim II, Bu-riti Vermelho, Sussuarana, Itapeti, Granja Progresso, São Bernardo e Cabicerinha. Lá vivem quase duas mil pessoas que es-tão há seis meses sem médico. Em outras ocasiões, chegaram a ficar até três anos sem assistência médica.
ISOLADOS“Aqui é ruim, porque falta médico,
né? Às vezes vem um, a gente começa
Os brasilienses mais distantes dos médicosNo Jardim, a maior área rural do Distrito Federal, quase duas mil pessoas estão sem assistência médica há seis meses. Moradores precisam se deslocar 71 km para conseguir atendimento no hospital mais próximo, no Paranoá
a gostar dele, aí ele vai embora e a gen-te fica sem nada”, conta Júlia Martins, 49. Nascida e criada em comunidade ru-ral, ela saiu de Formosa (GO) e mora há oito anos em Sussuarana. Por causa do trabalho braçal da roça, Júlia sofre com problemas na coluna. A agricultora conta que “outro dia mesmo” ficou de cama sem andar e não pôde ir ao médico, já que não tinha condições de se deslocar de ônibus nem de carro. A filha saiu do Recanto das Emas para levá-la ao hospital de Planalti-na, um dos mais próximos.
Os hospitais de referência da região são os regionais do Paranoá e de Planal-tina. De ônibus, o trajeto demora em mé-dia duas horas. Para os brasilienses mais distantes do serviço médico básico, viajar virou rotina.
A comunidade rural está habituada a acordar com o sol nascendo. Entretanto, há algum tempo, o amanhecer começa no ponto de ônibus. A única linha que sai da região para o Paranoá ou Planaltina passa às 6h da manhã e só volta às 4h da tarde. “Lá no Paranoá, a gente vai para resol-ver uma coisa e fica o dia todinho”, conta Conceição Martins de Araújo, de 49 anos. Ela estava com dor de ouvido, já não escu-tava mais e foi até o pronto-socorro. “Eles não olharam para mim, disseram que ti-nha gente pior que eu”, relata. “Eu só não estava escutando.”
Como só chegam ao hospital entre 8h30 e 9h da manhã, os moradores do Jardim não conseguem marcar as consul-tas, já que a fila é grande. O serviço na emergência demora e, quando eles estão prestes a serem atendidos, precisam pe-gar o caminho de volta.
O carro é a última opção. Cleonei Pereira, 31, mãe de seis filhos e moradora de Sus-suarana, diz que “quando é coisa grave”, os moradores precisam arrumar carro para levá-los ao hospital. “Semana passada mesmo eu paguei R$ 50 para levar a minha filha, porque ela estava reclamando de dor nos rins.” O gasto não é só com transporte. Cleonei vai recorrer ao serviço parti-cular para cuidar do filho que está com o rosto deformado. A mãe conta que levou a crian-ça três vezes ao Paranoá e não conseguiu atendimento.
Roberta Pinheiro
Depois das tentativas fracassadas, os mé-dicos atenderam a criança, mas, sem exa-me, disseram que ela estava com infecção e que só fisioterapia resolveria. “Marquei a fisioterapia para ele, mas nunca chama-ram. Agora eu vou ver se consigo fazer particular”, explica.
“Eu tenho problema de coração. Me mandaram para o Paranoá e lá eu não consigo tratamento. Não sou atendida há nove meses”, reclama Felipa Xavier, 46. Ela sofre de mal de Chagas e hipertensão. O médico disse que o acompanhamen-to era fundamental. “Mas como você vai ter acompanhamento se não consegue?”, questiona Felipa.
ANJOS DA GUARDA O posto de saúde do Núcleo Rural
Jardim faz parte do Programa Saúde da Família (PSF) e segue a metodologia de atenção primária, com foco na prevenção. Nesse modelo, uma equipe composta por um médico, um enfermeiro, dois auxilia-res de enfermagem e agentes comunitá-rios atende as famílias tanto na unidade de saúde quanto em casa. Entretanto, no Jardim a situação difere. A unidade fun-ciona em local improvisado e sua equipe só tem um enfermeiro, um auxiliar técni-co e seis agentes comunitários. O último médico foi transferido para ocupar um cargo no Ministério da Saúde, e ninguém
CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB Brasília, de 15 a 21 de novembro de 2011 3
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Para a família de Marcelo, marido de Felipa, falta esperança. O trabalhador conta que conversou com um médico uma vez e este reclamou que eram muitas comunidades para um só profissional atender
MEMÓRIA
Foto: Mateus Lara
Os riscos na zona rural são aparentes: casas sem filtro e crianças correndo descalças na terra
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jeto
e p
ara
de m
orar
no
cen
tro
tera
pêut
ico.
O a
dole
scen
te
tem
que
esp
erar
qua
tro
mes
es, p
erío
-do
de
uma
inte
rnaç
ão c
ompl
eta,
par
a po
der
se c
andi
data
r a
uma
vaga
na
casa
nov
amen
te.
O o
bjet
ivo
do p
ro-
jeto
é m
uito
cla
ro: o
tra
tam
ento
con
-tr
a as
dro
gas.
Mas
o q
ue o
s ga
roto
s ap
rend
em é
, na
verd
ade,
a li
dar
com
um
nov
o m
undo
de
conv
ivên
cia,
aco
r-do
s e
paci
ênci
a.
“Man
o, n
os p
rim
eiro
s di
as e
u
sonh
ava
com
a p
edra
,
toda
noi
te”,
diz
Opu
s
O A
PAIX
ON
AD
OD
os t
rês
prin
cípi
os d
a ca
sa –
sem
br
igas
, se
m d
roga
s e
sem
rel
acio
na-
men
tos
–, o
últi
mo
é o
que
mai
s fa
z so
frer
o jo
vem
ex-
usuá
rio
de c
rack
de
ombr
os la
rgos
e c
onve
rsa
sim
pátic
a.Pa
ssio
*, 1
6 an
os, h
á tr
ês s
eman
as
na c
asa,
viv
e si
tuaç
ão s
hake
spea
ria-
na.
É a
paix
onad
o po
r G
lóri
a*,
mas
se
u am
or é
pro
ibid
o.
Ambo
s de
ixar
am n
amor
ado
e na
-m
orad
a do
lado
de
fora
da
casa
. Com
o
pass
ar
das
sem
anas
, at
ivid
ades
–
refe
içõe
s, j
ogos
, m
úsic
as,
film
es,
labo
rter
apia
s, c
onve
rsas
de
grup
o e
pulo
s na
pis
cina
– f
oram
se
torn
ando
te
dios
as e
enf
adon
has
para
os
dois
jo
vens
de
cora
ções
pro
stra
dos.
Des
se
jeito
vei
o a
apro
xim
ação
.G
lóri
a, 1
4 an
os, m
agra
, bon
ita, d
e ca
belo
s be
m e
scur
os,
natu
reza
agi
-ta
da e
cur
iosa
, po
ssui
a m
esm
a si
m-
patia
que
o s
egun
do a
man
te. P
ara
os
desa
visa
dos,
Pas
sio
não
é o
prim
eiro
en
cant
o da
gar
ota,
que
já
deu
trel
a pa
ra o
men
ino
Astr
um*,
que
tam
bém
vi
ve d
entr
o da
cas
a.A
ques
tão
é: h
ouve
mai
s do
que
pa
quer
a? P
ois
qual
quer
ato
que
ultr
a-pa
sse
um a
braç
o am
igáv
el s
igni
fica,
pa
ra o
s am
ante
s, o
des
ligam
ento
da
casa
. Ele
s nã
o fa
lam
. De
form
as e
scu-
sas
e se
cret
as, a
titud
es i
lícita
s es
tão
sob
os s
orri
sos.
sair,
eu
saio
ago
ra, t
á bo
m?”
, diz
ia a
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igo
Iugu
m*,
que
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istia
a u
m fi
l-m
e. A
mbo
s sã
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-usu
ário
s de
cra
ck.
Ludu
s po
de
até
sair
do
es
paço
Tr
ansf
orm
e, m
as a
firm
a co
m c
erte
za
que
nunc
a vo
ltará
par
a on
de c
resc
eu.
A pr
ópri
a m
ãe é
vic
iada
na
pedr
a e
o ga
roto
de
17 a
nos
já d
ecid
iu q
ue n
ão
volta
rá à
s dr
ogas
. R
apaz
mag
relo
de
cabe
los
clar
os,
já v
iu o
que
mui
tos
hom
ens
de m
ais
idad
e nã
o pr
esen
-ci
aram
. Foi
abu
sado
sex
ualm
ente
por
um
tio
den
tro
de c
asa
quan
do c
rian
-ça
, e n
em s
abe
ao c
erto
qua
ndo
com
e-ço
u co
m o
s na
rcót
icos
.C
onta
a s
ua v
ida
de a
goni
as e
dúv
i-da
s. A
ada
ptaç
ão n
a ca
sa p
arec
e se
r a
part
e m
ais
difíc
il pa
ra e
le. J
á nã
o é
a ab
stin
ênci
a. É
o n
ovo
mun
do q
ue
surg
e di
ante
de
sua
vida
que
o a
ssus
-ta
. Ao
che
gar,
poss
uía
um p
avio
ex-
trem
amen
te c
urto
e s
e en
volv
eu e
m
duas
bri
gas.
Qua
se fo
i des
ligad
o, m
as
a di
reto
ra d
a ca
sa i
nter
veio
e L
udus
fo
i um
dos
pou
cos
que
obte
ve u
ma
segu
nda
chan
ce d
iant
e da
agr
essã
o fís
ica.
Por
iss
o su
a si
tuaç
ão n
a ca
sa
ficou
crí
tica.
“A p
sicó
loga
dis
se q
ue e
stou
aqu
i at
é se
gund
a or
dem
, só
que
eu
não
ente
ndi”
, di
sse
Ludu
s à
tera
peut
a oc
upac
iona
l Jul
iana
Mas
sari
olli.
“Is
so
sign
ifica
que
se
você
se
met
er e
m
qual
quer
bes
teir
inha
de
novo
voc
ê se
rá d
eslig
ado”
, res
pond
eu Ju
liana
.A
vida
na
rua
é se
m t
oler
ânci
a.
Qua
lque
r of
ensa
ou
sina
l é o
sufi
cien
-
CAM
PUS
Jorn
al-la
bora
tóri
o da
Fac
ulda
de d
e Co
mun
icaç
ão d
a Un
B
Br
asíli
a, d
e 15
a 2
1 de
nov
embr
o de
201
1 4
/5
Os
mon
itore
s,
chac
ais
das
vida
s am
oros
as,
nunc
a es
tão
dist
raíd
os.
Vist
oria
m c
om o
lhar
es
desc
onfia
dos
e co
nse-
lhos
sob
re p
aciê
ncia
. Q
ue fi
que
clar
o ao
s jo
vens
ap
aixo
na-
dos:
a c
asa
é ap
e-na
s pa
ra o
trat
a-m
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do
ví
cio,
nã
o pa
ra o
am
or.
Ele
s nã
o sã
o os
ún
icos
à
proc
ura
da a
lcov
a. N
a se
gund
a se
man
a em
que
est
ava
na c
asa,
ou-
tro
casa
l se
esco
ndeu
par
a na
mor
ar
e fo
i fla
grad
o em
ple
no a
to.
Sofr
eu
desl
igam
ento
imed
iato
: “M
oço,
est
a-va
gos
toso
dem
ais”
, fr
ase
que
diss
e o
rapa
z do
flag
rant
e ao
s ou
tros
que
co
ntam
, em
m
eio
às
garg
alha
das,
a
hist
ória
. O
s m
onito
res
são
just
os,
só p
unem
se
vire
m c
om o
s pr
ópri
os
olho
s. A
s de
núnc
ias
são
aver
igua
das
com
inv
estig
ação
(ge
ralm
ente
que
m
com
ete
uma
infr
ação
a r
epet
e).
É p
or i
sso
que
o tr
iâng
ulo
Pass
io,
Gló
ria
e As
trum
vem
sen
do m
onito
-ra
do n
as ú
ltim
as t
rês
sem
anas
. É u
m
espi
a-es
pia
na c
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um
a re
de d
e fo
-fo
cas,
intr
igas
e já
nem
se
sabe
mai
s o
que
é ve
rdad
e e
o qu
e é
ficçã
o.
Gló
ria,
bem
esp
erta
, su
gere
um
m
otiv
o pa
ra a
reg
ra d
os r
elac
iona
-m
ento
s.
“Fic
a co
mpl
ica-
do,
afet
a a
conv
ivên
cia
na
casa
. Va
i qu
e eu
nam
oro
algu
ém e
ele
com
eça
a se
ntir
ciú
mes
de
todo
m
undo
. Vai
dar
bri
gas.
” E
stá
cert
a, G
lóri
a, n
a si
tuaç
ão
delic
ada
do
trat
amen
to,
as
emo-
ções
po
dem
tr
azer
m
aior
es p
robl
emas
.M
as
vont
ade
para
fa
zer
o qu
e é
proi
bido
os
inte
rnos
têm
. É q
ua-
se i
nocê
ncia
ped
ir a
os
Rom
eus
e Ju
lieta
s da
s ru
as q
ue e
sper
em q
ua-
tro
mes
es d
o tr
atam
en-
to p
ara
só e
ntão
con
su-
mar
em o
sac
ro a
mor
.
crac
k é
bem
par
ecid
o qu
ando
se
trat
a de
cri
mes
com
etid
os.
Opu
s fo
i en
cont
rado
pró
xim
o ao
C
onic
, mas
pod
eria
ter
sid
o em
qua
l-qu
er o
utra
boc
a do
DF.
Um
a as
sis-
tent
e so
cial
que
cam
inha
va n
a ru
a of
erec
eu-lh
e es
paço
em
um
abr
igo
do
gove
rno.
Ele
ace
itou
e as
sim
sua
vid
a co
meç
ou a
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ar.
No
tem
po q
ue p
asso
u no
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igo,
ob
serv
ou o
utro
s in
tern
os in
do p
ara
a ca
sa d
e re
abili
taçã
o do
esp
aço
Tran
s-fo
rme.
Con
vers
ou c
om a
dir
etor
a do
ab
rigo
, que
con
segu
iu u
ma
vaga
.N
os p
rim
eiro
s di
as d
e so
frim
en-
to, a
aus
ênci
a do
nar
cótic
o er
a fo
rte.
O
pus
era
mai
s. V
ence
u a
abst
inên
-ci
a, p
erm
anec
eu.
Ele
é u
m v
ence
dor
dent
ro d
a ca
sa. U
m e
xem
plo.
Hom
em
negr
o de
18
anos
, mui
to b
rinc
alhã
o e
dive
rtid
o. C
hego
u à
mai
orid
ade
den-
tro
do c
entr
o te
rapê
utic
o e
vive
lá h
á no
ve m
eses
. Um
a ge
staç
ão. O
tem
po
este
ndid
o é
um f
avor
par
a o
garo
to
que
agua
rdar
á na
ON
G a
té a
dat
a de
se
apr
esen
tar
ao e
xérc
ito.
Os
outr
os
inte
rnos
fo
ram
qu
em
dera
m o
ape
lido
ao j
ovem
. Q
uand
o el
e ch
ega,
à n
oite
, di
zem
: “L
á ve
m o
O
pus,
o tr
abal
hado
r”.
Um
dos
mon
itore
s é
case
iro
em u
m
luga
r pr
óxim
o ao
cen
tro.
Pre
cisa
va d
e um
aju
dant
e e
conv
idou
Opu
s. A
gora
o
inte
rno
acor
da b
em c
edo
e pa
rte
de
bici
clet
a pa
ra r
etor
nar
quas
e à
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. Ad
quir
indo
cal
os,
dinh
eiro
, or
gulh
o.
Ele
che
ga u
m p
ouco
dep
ois
do ja
ntar
. Se
u pr
ato
com
mui
ta c
omid
a é
gua
r-da
do à
sua
esp
era.
Já
aban
dono
u a
mag
reza
doe
ntia
. Com
eça
aos
pouc
os
a fic
ar c
orpu
lent
o gr
aças
aos
dia
s de
la
buta
e à
boa
alim
enta
ção.
“E a
gora
?” p
ergu
nta
o re
pórt
er.
“Ago
ra,
é co
loca
r a
cabe
ça n
o lu
gar
e se
guir
a v
ida.
” An
tes
de d
orm
ir e
le
assi
ste
aos
film
es n
a sa
la d
e te
levi
são
com
os
outr
os i
nter
nos.
Agu
arda
ndo
paci
ente
men
te c
hega
r a
data
par
a pa
rtir
vito
rios
o da
cas
a.
te
para
m
atar
. D
entr
o da
cas
a, o
s m
enin
os
e m
enin
as
têm
qu
e ap
rend
er q
ue o
mun
-do
não
é a
ssim
. O
es-
paço
Tra
nsfo
rme
é pa
ra
mos
trar
um
a no
va v
ida,
co
mpl
eta,
mas
com
o fa
-la
r qu
e é
poss
ível
um
a re
-al
idad
e di
fere
nte
a qu
em s
ó vi
u vi
olên
cia
e do
r?N
a m
anhã
de
sá
bado
, se
m
mot
ivo
apar
ente
, Lu
dus
e Iu
gum
es
tava
m d
e ba
nho
tom
ado
e m
alas
pr
onta
s. Iu
gum
mai
s pa
reci
a se
guir
o
amig
o pa
ra n
ão fi
car
sozi
nho
na c
asa.
Os
mon
itore
s fiz
eram
o q
ue p
o-di
am.
Acon
selh
aram
, di
alog
aram
, lig
aram
par
a os
psi
cólo
gos,
que
con
-ve
rsar
am c
om o
s ga
roto
s. A
té a
co-
zinh
eira
gas
tou
seus
tri
nta
min
utos
co
m o
s do
is a
dole
scen
tes
em v
ão. A
in-
da h
avia
ras
tro
de d
úvid
a no
s de
sis-
tent
es, m
as a
dec
isão
era
fina
l. “S
erá
que
eu e
stou
faz
endo
a c
oisa
cer
ta?”
di
sse
Ludu
s co
m u
m le
ve s
orri
so.
Ele
não
que
ria
espe
rar
que
algu
ma
cois
a ac
onte
cess
e pa
ra s
er d
eslig
ado
da c
asa,
o q
ue, n
a ca
beça
do
adol
es-
cent
e, n
ão p
oder
ia e
vita
r. M
elho
r sa
ir
pela
pró
pria
hon
ra e
von
tade
. Des
de
cria
nça
sem
pre
foi
resp
onsá
vel
pelo
pr
ópri
o de
stin
o. E
ass
im,
dono
de
si
mes
mo,
de
form
a br
usca
e s
em a
viso
, de
pois
dos
doi
s m
eses
e 1
2 di
as q
ue
pass
ou n
a ca
sa, p
artiu
sem
com
plet
ar
o tr
atam
ento
.
O T
RA
BA
LHA
DO
R“M
ano,
nos
pri
mei
ros
dias
eu
so-
nhav
a co
m
a pe
dra,
to
da
noite
.”
Opu
s* a
cord
ava
suad
o, o
fega
nte
pela
fa
lta d
o cr
ack.
Com
o de
seja
va s
air
da-
quel
a ca
sa e
usa
r a
drog
a no
vam
ente
.N
as r
uas,
viu
trê
s am
igos
mor
re-
rem
por
cau
sa d
o tr
áfico
. Pr
eviu
o
próp
rio
dest
ino
no s
aco
do I
ML.
Fez
be
stei
ras
que
pref
ere
não
cont
ar.
O
pass
ado
de m
enor
es e
x-vi
ciad
os e
m
OS
DE
SIST
EN
TES
De
repe
nte,
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um
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inca
deir
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se
xta
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ite
sobr
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rtir,
al
guns
in
tern
os
con-
cluí
ram
qu
e o
êxod
o er
a um
a bo
a id
eia.
São
ga
roto
s cu
jas
paix
ões
e de
cisõ
es s
ão d
o aq
ui e
ag
ora.
De
horm
ônio
s,
abst
inên
cia
e m
edo.
Ludu
s*
fala
va
alto
na
sex
ta. “
Se e
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PO
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EP
OR
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EM
O c
onta
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om a
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G T
rans
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to p
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eio
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rupo
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pesq
ui-
sa V
iole
s, co
orde
nado
pel
a pr
ofes
sora
do
cur
so d
e S
ervi
ço S
ocia
l da
UnB
M
aria
Lúc
ia L
eal.
Dep
ois
de e
ntre
-vi
sta
no e
spaç
o de
ate
ndim
ento
ao
públ
ico,
hou
ve v
isit
ação
à c
asa
cujo
en
dere
ço n
ão é
div
ulga
do,
para
se-
gura
nça
dos
inte
rnos
. A a
pura
ção
na
casa
dur
ou q
uatr
o di
as. P
rim
eiro
um
a se
xta-
feir
a, d
uran
te t
rês
hora
s, pa
ra
apre
sent
ação
ao
s in
tern
os.
Dep
ois,
três
dia
s in
teir
os, d
as 7
h às
22h
, par
a um
a co
nviv
ênci
a m
ais
apro
fund
ada.
A
ON
G a
ceit
a do
açõe
s de
alim
en-
tos,
roup
as, l
ivro
s e,
por
mei
o de
con
ta
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ária
, dep
ósit
os e
m d
inhe
iro.
Te
lefo
ne: (
61)
3468
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ail:
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ção:
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tos, como o Metal 0800, organizado em frente à oficina mecânica do metaleiro Vagner Lima, o Preto. Para ele, a essência do underground é se opor ao padrão co-mercial, o “mainstream”.
“São dois mundos diferentes, a mídia não tem por que divulgar uma música de metal, isso não vende como ela quer e não é muito palatável”, explica Lourenço Sant’Anna. Os produtores independentes não se importam tanto com o retorno. “A primeira coisa pra mim é divulgar as
Segundo aficionados, o underground é uma cultura que se sustenta sozinho. Tem meios de comunicação, shows, modo de vestir e de pensar. Sustenta-se com o trabalho de organizadores, músicos e fre-quentadores dos shows, já que o metal brasiliense não tem apoio de grandes gra-vadoras, produtoras ou revistas comer-ciais de música.
A divulgação dos shows e músicas é feita pela internet e por revistas indepen-dentes. Muitos desses shows são gratui-
MÚSICA
O som tocado e mantido por poucosApós 30 anos no cenário musical brasiliense, o metal continua underground por escolha própria. Poucas bandas chegam a fazer sucesso, e produtores afirmam que a preocupação com o dinheiro fica em segundo plano
6 CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB Brasília, de 15 a 21 de novembro de 2011
Guilherme Alves
Bárbara Cabral
Tomar sorvete rápido demais congela cérebro Cefaleia de alimentos gelados dura meio minuto e atinge um terço da população
CURIOSIDADES
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Todo verão é a mesma coisa: praia, sol e muito picolé. De repente, uma tremenda dor de cabeça, que logo passa. A cefaleia de sor-vete, conhecida popularmente como “conge-lamento do cérebro”, é uma dor de cabeça instantânea causada por alimentos gelados, que pode ser explicada cientificamente.
De acordo com estudo publicado na revis-ta britânica British Medical Journal, 30% da população sente dores de cabeça ao co-mer alimentos gelados rápido demais. A ex-plicação está relacionada à sensibilidade do nervo craniano trigêmeo. Segundo Joaquim
Pereira, neurologista do Departamento de Ciências Fisiológicas da UnB, o fenômeno acontece porque o trigêmeo é um nervo hi-persensível que faz a ligação entre as regiões da testa (região oftalmológica), maxilar e mandíbula. “Ao comermos algo muito gelado, estimulamos excessivamente esse nervo, e a sensação se reflete em dor de cabeça.”
No entanto, não há com o que se preocu-par. A cefaleia de sorvete dura no máximo 30 segundos e não causa efeito posterior. Para fugir da dorzinha incômoda nos dias de calor, basta tomar o milk shake com mais calma.
bandas”, afirma Rolldão. Ele já lançou vá-rias bandas com o selo Kill Again, criado e mantido por muito tempo com dinheiro de outros trabalhos. Só agora o selo é sus-tentado pela própria música.
Poucas das bandas deram lucro, e uma delas é o Violator, que lançou dois álbuns pelo selo e já tocou na Europa e no Japão. Mas Rolldão não se importa que nem toda banda seja assim. “O problema da maioria dos selos é que os caras são empresários, querem dinheiro, a banda tem que dar
retorno”, critica ele. “Grana para mim é segundo plano.’’
Na organização dos shows, muitas vezes, por falta de dinhei-ro, os organizadores hospedam os grupos na própria casa. Mes-mo quando há recurso para hotel, eles preferem estar próximos das bandas. “Só deixo os caras em hotel quando não tem espaço em casa”, conta Rolldão. “Se eu pu-desse, deixava eles o dia inteiro tomando cerveja, comendo chur-rasco, ouvindo um som.” Depois, “termina o show e a gente se tor-na amigo”, completa.
Para Sant’Anna, “o under-ground é uma rede de amizades’’. Rolldão escuta e distribui material de várias bandas de Brasília, in-clusive de algumas lançadas inde-pendentemente por colegas.“Tem amigos meus que lançam bandas horrorosas e, mesmo assim, eu pego pra não perder o amigo’’, conta o agitador cultural.
Cinco bandas, CDs e DVDs de brinde e ingressos a R$ 5. O festival Kill Again Metal Fest celebrou em ou-
tubro os dez anos do selo que lança gru-pos de metal underground de Brasília, de outras partes do país e até de fora. E não deu lucro: “Fiz um evento só pra incen-tivar a cena, um cara que pensasse em dinheiro tinha colocado o ingresso a R$ 25”, conta Antônio Moreira, o Rolldão, dono do selo Kill Again e vigia noturno em uma escola no setor P Sul da Ceilândia.
O metal brasiliense começou nos anos 1980 seguindo tendên-cia dos gêneros mais extremos de metal – pouco comerciais, rápidos, pesados, com letras vio-lentas e performance agressiva – sempre independente. “Não precisa ser gênio pra saber que ingressos a R$ 5 não vão bancar tudo isso, mas o underground não vive pelo dinheiro, e sim pelo prazer”, explica Lourenço Sant’Anna, estudante e baterista da banda Blackskull.
E o prazer é conquistado sen-tindo a música. “A gente fez um show pra umas oito pessoas, e foi um dos melhores”, conta Sant’Anna. “Às vezes tocar pra mil pessoas não dá a mesma energia e fervor de tocar pra oito”, afirma. E acrescenta: “O metal é um estilo de vida, você tem que abdicar de muitas coi-sas sem ter muitos frutos, mas isso não é um problema.”
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CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB Brasília, de 15 a 21 de novembro de 2011 7
Marcella Fernandes
CÂNCER
O DF é a unidade da federação não banhada pelo mar com mais casos de melanoma em homens. A alta incidência de radiação solar e as características de miscigenação da população são os fatores responsáveis pelo número
sidade da vermelhidão de queimaduras sola-res aumenta em 4%.
Aliada à ação dos raios UV está a grande miscigenação, que in-clui indivíduos cauca-sianos vindos do Sul e de outros países. “Bra-sília recebe gente de várias partes do país. O padrão de imigra-ção é outro, diferente do restante das uni-dades da federação”, afirma Flávia. Pessoas de pele branca têm dez vezes mais chance de desenvolver me-lanoma. Em estudo realizado pelo Hospi-tal Universitário de Brasília (HUB), de 32 pacientes com câncer de pele, 87,5% eram caucasianos.
MENOS FREQUENTE,MAIS LETAL
O melanoma repre-senta apenas de 3 a 5% dos casos de cân-cer de pele. Apesar de menos comum, é o responsável pelo maior número de mortes devido à alta capacidade de metastizar (quando o câncer se espalha pelo corpo através da corrente sanguínea). “Ele atin-ge os vasos linfáticos ou sanguíneos e afe-ta diversos órgãos, gerando transtornos que levam o paciente ao óbito”, explica Flávia, que é médica do HUB. Quando ocorre a metástase, 60% a 80% dos pa-cientes morrem depois de cinco anos.
A médica afirma que “a chance de cura do melanoma é o diagnóstico precoce”, quando o tumor está apenas na epiderme, camada mais superficial da pele. Quando atinge a derme, há risco de metástase. Os tumores mais espessos e, portanto, de difícil cura, são mais comuns em homens e em idosos, devido ao diagnóstico tardio nesses grupos.
Segundo o estudo realizado pelo HUB, o melanoma nodular é o mais comum em Brasília e corresponde a 45% dos casos. Esse é o tipo mais agressivo por atingir a camada mais profunda da pele. Ocorre principalmente em indivíduos de 40 a 50 anos. O segundo mais frequente, comum na faixa de 50 a 70 anos, é o melanoma lentigo maligno (35% dos casos) e está di-
Os perigos da luz do Planalto Central
Das unidades federativas não lito-râneas, o Distrito Federal é a que tem o maior índice de homens com
melanoma, tipo mais agressivo de câncer de pele. O dado é do Instituto Nacional de Câncer (Inca). O DF é a sexta unida-de com maior propensão à doença, atrás apenas dos estados do Sul e das unidades litorâneas do Sudeste. Segundo estimati-va elaborada para 2011, surgirão 60 no-vos casos de melanoma em homens no Planalto Central.
São 2,67 ocorrências de melanoma a cada cem mil homens. O número não é alto se comparado à estimativa de outros cânceres de pele: 35,62 para homens e 41,38 para mulheres. No entanto, o mela-noma é o tipo mais agressivo, sendo res-ponsável por 75% dos óbitos.
De acordo com a dermatologista e coordenadora de um grupo de pesquisa independente sobre melanoma, Flávia Vieira Brandão, a alta insolação é um dos fatores responsáveis pelo grande número de tumores: “Aqui há exposição solar in-tensa e o índice de radiação ultravioleta é alto, maior que o de Fortaleza”. Segun-do o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), os meses de julho e agosto são os que registram maior insolação no DF, chegando a mais de 8h por dia de radia-ção solar direta.
Entre os fatores causadores da doença, o principal é a radiação ultravioleta (UV), que provoca dano direto no DNA e ocasio-na a formação de células cancerígenas. A altitude do DF - 1.170m acima do nível do mar - potencializa o efeito da radiação. De acordo com o Inca, a cada 300m a inten-
retamente relacionado à exposição solar.Flávia afirma que é difícil fazer uma
estimativa real das ocorrências de mela-noma. O maior problema está na coleta de dados sobre o câncer de pele. Não é obrigatório o registro médico de casos atendidos nem a realização de exames pa-tológicos. Por esse motivo, a maioria dos estudos realizados é pontual, o que difi-culta o mapeamento da doença.
O ROSTO DA ESTATÍSTICANo caso das mulheres, o Distrito Fe-
deral cai de primeira para terceira uni-dade não banhada pelo mar com a maior incidência de melanoma. São 1,93 casos para cada cem mil habitantes. A lavadeira Maria Pereira, de 66 anos, foi diagnosti-cada em agosto de 2010 e teve o tumor retirado por meio de cirurgia no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN).
Maria conta que surgiu uma mancha preta em seu pé que, depois de alguns meses, começou a apresentar bordas ir-regulares. Foi quando ela procurou tra-tamento. A médica do Hospital Regional de Luziânia, cidade onde mora, a enca-minhou para o HRAN. Após a cirurgia, a paciente deveria ter tido acompanhamen-
to, mas isso não aconteceu. “Perguntei se estava tudo bem dois meses depois e nunca mais consegui falar com os médi-cos. Sempre me barravam. Diziam que a médica daqui [Luziânia] precisava me encaminhar e ela é difícil de encontrar”, revela. Sem o acompanhamento, o tumor de Maria voltou. Em março deste ano, fez nova cirurgia no HUB e agora realiza exa-mes e vai a consultas regularmente. Os chamados tumores múltiplos são comuns. “Cerca de 10% dos pacientes apresentam novos tumores. Isso ocorre geralmente dois anos após a detecção do primeiro”, explica a dermatologista Flávia.
CUIDADOSPara se prevenir, é preciso evitar
expor-se ao sol entre 10h e 16h e usar chapéus, óculos escuros e filtro solar. É importante ficar atento a pintas que cres-cem, de múltiplas cores, bordas irregu-lares ou que doem ou coçam. Consultas anuais ao dermatologista também fazem parte da prevenção, já que o melanoma pode não apresentar sintomas. Além dis-so, quando há um caso de melanoma na família, aumenta em duas vezes a chance de desenvolver a doença.
Ilustração: Ana Cecília Schettino/Colaboração
*Ocorrências a cada cem mil habitantes Fonte: Inca
Melanoma em homens
Danos da radiação solar Altitude elevada do Planalto Central pode explicar grande número de casos de melanoma em homens no DF
Estimativa 2011 UF Incidência* Região
Distrito Federal 2,67 Centro-OesteRoraima 2,21 NorteMinas Gerais 2,15 SudesteMato Grosso do Sul 1,98 Centro-OesteGoiás 1,85 Centro-OesteMato Grosso 1,36 Centro-OesteRondônia 1,00 NorteAcre 0,99 NordesteAmazonas 0,95 NortePará 0,79 NorteTocantins 0,48 Norte
MÚSICA
Amanda Martimon
Sentado em uma velha cadeira tendo a luz do poste de iluminação pública como sua luminária pessoal, Paraná atrai os olhares
dos que passam pela parada de ônibus da 303 Norte. Os mais curiosos reduzem a velocidade, diminuem os passos, quase param para obser-var. Os mais atrevidos abaixam os vidros, dão meia volta e tiram fotos.
Ler não é coisa para morador de rua, pare-cem pensar os que assistem à cena como uma atração peculiar. “Os livros são meu único ví-cio”, Paraná declara, orgulhoso de si. Não fosse esse detalhe, o homem de pele morena e olhos atentos passaria despercebido. Os frentistas do posto de gasolina ao lado de sua ‘casa’ são testemunhas e categóricos na opinião a respei-to do vizinho: não faz mal a ninguém e é um cara muito inteligente.
A paixão pela leitura sempre foi uma fuga. Surgiu quando era criança, daquelas levadas, que brigam todo dia no recreio. Para evitar as confusões e as broncas, se refugiava na bi-blioteca da escola. De lá para cá, perdeu as contas de quantos livros leu. Lamenta por não ter onde guardá-los, mas aproveita para trocá--los em sebos. “Já li muito Jorge Amado, mas minha preferência é [literatura] estrangeira”, afirma Paraná, que adora livros antigos e de ficção científica. O Parque dos Dinossauros, de Michael Crichton, é o número um da sua lis-ta de favoritos, que inclui os dois volumes de Shogun, ficção histórica de James Clavell, e o livro de aventuras sobre a 2 Guerra Mundial Os Canhões de Navarone, de Alistair MacLean.
ANDARILHO“Minha cabeça não para, ou eu coloco algu-
ma coisa dentro dela ou enlouqueço.” Paraná lê para fugir da loucura e do mundo. “Viajo sem sair daqui”, gaba-se o paranaense que cruzou o país. Há 20 anos, saiu de casa quan-do a mãe morreu. Acreditava que nada mais o prendia à terra natal, havia perdido o pai e não se dava bem com os irmãos. Com sua segunda paixão, saiu pelas estradas sem rumo.
A bicicleta é a companheira inseparável. Ainda moleque, pedalava 150 km de Cascavel até Foz do Iguaçu para ganhar um trocado aju-dando sacoleiros na divisa com o Paraguai. Aos 18 anos, saiu do estado que lhe serve de apeli-do em direção ao sul e cruzou a fronteira com o Uruguai. A vontade de conhecer Buenos Aires ficou nos planos para o futuro. “Na época, a Argentina era mais rica e em país estrangeiro é melhor não abusar”, diz.
Paraná está há nove anos na capital federal, e a rota que o trouxe deu muitas voltas. Passou pelo Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Ron-dônia e se aventurou em pedaladas na rodo-via Transamazônica, seguindo para Amazonas, Pará, Tocantins, Maranhão, Piauí, Ceará e Para-íba. Desceu o litoral nordestino até a Bahia e quando chegou a terras mineiras foi convidado para conhecer Brasília. Veio e ficou.
Das viagens trouxe histórias que se confun-dem com as dos livros de ficção. Na Amazônia, conheceu uma onça tão mansa que até posou para foto. Viu por três vezes naves espaciais, não discos voadores, faz questão de esclare-cer. Para ele, o que presenciou na Chapada dos Guimarães não deixa dúvidas, existe vida extraterrestre, mas Paraná tranquiliza os ame-drontados. “Não precisa ter medo. Eles não vão fazer mal pra gente, são mais evoluídos.” Em Cuiabá, criou raízes e é para onde retorna todo ano. Lá tem um filho, de 12 anos, que visita sempre no Natal.
Em Brasília, garante seu sustento com a bi-
cicleta. Perambula pelas ruas e percorre cerca de 60 km por dia, catando latinhas e outros objetos recicláveis vendidos por R$ 2 o quilo em um ferro velho da 713 Norte. Colorida, com rádio, farol e retrovisores, a bicicleta chama atenção e deixa o dono popular: “Sou um dos mais conhecidos dos desconhecidos. Todo mundo conhece, mas ninguém sabe quem é”.
IDENTIDADEOuvinte fiel das rádios CBN, BandNews e
Nova Brasil, Paraná se mantém bem informa-do. Soube da doença do ex-presidente Lula e não se sensibilizou. “Ele é falso.” Apesar de não gostar de política, diz que é necessário sa-ber o que acontece para não ser um alienado. E se indigna com as recentes suspeitas de cor-rupção no Ministério dos Esportes.
A aliança na mão esquerda é disfarce para espantar quem se engrace com ele na rua, principalmente os homossexuais. Paraná não tem companheira nem amigos. “Eu escolhi viver sozinho”, esclarece o homem que não acredita em religião, só em Deus, e é fascina-do por animais. “Tenho até o mesmo nome do santo dos animais.” Só assim revela seu nome, Francisco Kaefer.
Todos são anônimos na vida de Francisco. São as duas senhoras que conversam com ele enquanto passeiam com os cachorros, o coro-nel implicante que insiste em perguntar quan-do ele vai embora, os frentistas, o dono do ferro velho e os conhecidos de pedaladas pelo Brasil que se identificam como ele. Tem o Ce-arazinho, o Paraíba, o Mineirinho e o Paulista, amigos durante a viagem, depois cada um se-gue o seu caminho.
Entre gargalhadas e pesar, Paraná fala das pessoas que atravessam a rua para não passar por ele. Um dia estava capinando o gramado, e da janela um morador do prédio à frente gri-tou: “Olha aí, o sem terra já quer invadir”. Ele ri, diz que não se importa, gosta de ficar sozi-nho, mas deixa escapar: “Eu sou um solitário, mas não quero ficar na solidão”.
Fotos: Bárbara CabralDa esquerda para a direita:
1- Paraná lê gibis, revistas e livros;2- Sua bicicleta é conhecida nas ruas;
3- “Desde que me lembro, gosto de ficar sozinho”;
4- Aos sábados escuta samba e MPB; 5- Aeroporto 1977 é a próxima leitura;
6- Há três anos mora na 303 norte.
S o z i n h o p o r o p ç ã o Perfil: Paran á
“Sou um dos mais conhecidos dos des-conhecidos. Todo mundo conhece, mas ninguém
sabe quem é”
8 CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB Brasília, de 15 a 21 de novembro de 2011
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