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VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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CAPITAL SOCIAL, INOVAÇÃO E INCLUSÃO: O PROJECTO RAÍZES
NA FREGUESIA DE MONTE ABRAÃO.
Maria João Barroso Hortas Centro de Estudos Geográficos, Universidade de Lisboa
Escola Superior de Educação de Lisboa Campus de Benfica do IPL – 1549-003 Lisboa
Esta comunicação pretende analisar a intensidade e as formas do capital social mobilizado pelos
agentes sociais (promotor e parceiros) que participam no projecto Raízes (Programa Escolhas,
3ª geração), na freguesia de Monte Abraão, procurando explicá-las como um dos recursos
fundamentais do processo de inclusão das crianças e jovens imigrantes. Pretendemos
demonstrar em que medida a dimensão relacional do capital social, redes e relações de
confiança (Putnam, 1993), facilita as formas de coordenação e cooperação e se assume como
um recurso capaz de conferir um carácter inovador na concepção e implementação do projecto.
A inovação surge aqui na perspectiva definida por Alter (2000), como um movimento
permanente que mobiliza o conjunto dos actores, dependendo fundamentalmente da forma como
estes e os agentes se mobilizam e dão uso ao capital social.
Para atingir os objectivos deste estudo recorremos, numa primeira fase, à análise do texto do
projecto de candidatura identificando o seu público-alvo, agentes intervenientes, objectivos,
medidas e acções nas respostas às necessidades identificadas. Num segundo momento,
centramos a nossa investigação na realização de entrevistas e questionários a agentes envolvidos
no projecto, de modo a compreender a forma como se organizam, a densidade e tipo de
contactos que mantêm, as redes de relações internas e externas que constroem, conferindo ao
projecto a dimensão “inovação”.
Palavras-chave: capital social, inovação social, integração, inclusão.
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Introdução
Na última década a temática da inclusão social tem vindo a ganhar crescente relevância, nos
mais variados discursos e âmbitos do domínio social.
Resultado de um processo multidimensional, que envolve um conjunto de acções integradas
que visam o combate à pobreza e exclusão social, a inclusão é hoje uma questão transversal a
muitas áreas de intervenção política envolvendo sectores diversos da sociedade.
O Conselho Europeu de Lisboa (2000) tornou-se um marco de referência para a política
europeia de inclusão social. Desde então, temos assistido a uma evolução e transformação
muito rápidas neste domínio, apelando a novas formas de governação que envolvem
comunidades e actores locais nas redes de parceria e goverança.
Nesta lógica de intervenção, novos problemas se colocam ao nível da representatividade, da
responsabilidade, dos recursos, da transparência, da legitimidade, da partilha e disseminação
da informação mas também, ao nível das novas dinâmicas que emergem das redes de parceria
estabelecidas.
A implementação de instrumentos de planeamento e coordenação estratégica e operacional
das políticas que permitem prevenir e combater as situações de pobreza e exclusão, com que
os estados membros se confrontam, tem desencadeado o aparecimento de um conjunto de
programas nacionais e projectos de intervenção local, nos mais variados âmbitos sociais.
No domínio da inclusão dos imigrantes, o programa Escolhas surge como uma medida política
que pretende dar resposta à exclusão social de crianças e jovens, através da implementação de
projectos locais. Funcionando numa lógica de consórcio, os agentes envolvidos nestes
projectos estabelecem entre si redes de parcerias para as quais mobilizam o capital social que
lhes facilita as acções que conjuntamente desenvolvem no local.
O núcleo central desta pesquisa reside: (1) na exploração da intensidade e formas do capital
social mobilizado na implementação de projectos de inclusão de imigrantes; (2) na análise da
dimensão relacional do capital social enquanto recurso capaz de conferir um carácter inovador
na concepção e desenvolvimento de projectos desta natureza. A sua operacionalização
implica, num primeiro momento, a discussão dos conceitos de capital social e inovação de
modo a facilitar, por um lado, a análise empírica e, por outro, a leitura e interpretação dos
resultados obtidos.
Neste artigo apresentaremos uma reflexão sobre a aplicação dos conceitos capital social e
inovação num estudo de caso concreto – o Projecto Raízes, na freguesia de Monte Abraão –
que, pelas suas características e dinâmicas nos permite uma aproximação à realidade dos
projectos de inclusão dos imigrantes desenvolvidos no âmbito do Programa Escolhas.
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1. Capital social e Inovação na Inclusão de imigrantes.
A utilização do conceito “capital social” tem vindo a ser alvo de importantes reflexões nas
ciências sociais nos anos mais recentes. Têm sido numerosos os trabalhos desenvolvidos em
torno do conceito, assim como tem sido crescente o número de jornalistas e políticos a
utilizarem o termo na sua linguagem. Inicialmente associado à teoria económica, o conceito de
capital remetia-nos para a acumulação de riqueza que poderia ser investida para gerar lucro.
Nos anos 60, a ideia de capital foi alargada às pessoas e às suas capacidades. Inicialmente
desenvolvido por Schultz (1961) e Becker (1964), o conceito de capital humano associava-se
ao de produtividade e esta dependia do investimento que era feito, por exemplo, na educação
ou na saúde.
Os trabalhos de Bordieu, Coleman e Putman têm surgido na bibliografia como referências
teóricas fundamentais na evolução do conceito de capital social, introduzidas a partir dos anos
70 (Field, J. 2003), (Baron, S.; Field, J.; Schuller, T. 2000). Apesar de evidenciarem algumas
diferenças conceptuais, na sua essência os conceitos apresentados por estes autores valorizam
a importância das interacções e dos contactos entre os indivíduos e instituições como
fundamentais na produção de capital social (Field, J. 2003).
Para Bordieu, que estudou as relações entre grupos sociais da elite francesa dos anos 60, “Le
capital social est l’ensemble des resources actuelles ou potencielles qui sont liées à la
possession d’un réseau durable de relations plus au moins institutionalisées d’interconaissance
et d’interreconaissance (…) Ces liaisons sont irreductibles aux relations objectives de
proximité dans l’espace physique (géographique) ou même dans l’espace économique et
social…”(Bourdieu, 2006:31). O valor do capital social construído por um agente depende da
extensão da rede de ligações que este pode mobilizar e do volume de capital (económico,
cultural ou simbólico) que cada um dos agentes com quem este se liga possui (Bourdieu,
2006).
Se Bordieu centra a sua pesquisa em grupos sociais de elite, Coleman alarga o estudo do
conceito às relações sociais estabelecidas entre grupos socialmente desfavorecidos dos EUA
nos anos 80. Este autor defende que o capital social não é apenas um recurso e beneficio das
classes mais favorecida, mas está presente também entre os mais desfavorecidos e
marginalizados. No seu conceito “social capital, representes a resource because involves the
expectation of reciprocity, and goes beyond any given individual to involve wider networks
whose relationships are governed by a high degree of trust and shared values.” (Field, J. 2003:
20). No essencial procura identificar a contribuição do capital social no desenvolvimento do
capital humano pelo estabelecimento de pontes entre o individual e o colectivo – o capital
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social é “um capital assente no individual” mas constrói-se através das “estruturas e recursos
sociais”, No seu livro Foundations of Social Theory (1988), reforça esta ideia ao confrontar de
uma forma simples os conceitos de capital humano e social “le capital humain se situe dans
les points, le capital social se situe dans les lignes que relien cês points” (Cusset, 2007: 50).
Nos seus estudos sobre o desenvolvimento das crianças, Coleman define o capital social como
“the norms, the social networks, and the relationships between adults and children that are of
value for the children’s growing up. Social capital exists within the family, but also outside
the family, in the community (Coleman 1990: 334)” (Field, J. 2003: 24).
O trabalho de Putnam (1993, 2000) sobre as desigualdades regionais em Itália, utiliza o
conceito de capital social para explicar a importância da sociedade civil na eficácia das
instituições políticas. O capital social contribui para a acção colectiva, fortalecendo as relações
de reciprocidade e facilitando os fluxos de informação e as relações de confiança (Putnam,
1993: 167). Apresenta um conceito de capital social em que valoriza as características da
organização social como redes sociais, normas e relações de confiança, que facilitam as
formas de coordenação e cooperação para benefício mútuo. (Putnam, 1993:26). A ideia
fundamental centra-se na importância do valor criado a partir das redes sociais e dos contactos
entre os indivíduos, e nos efeitos multiplicadores deste para o desenvolvimento económico,
social, político e cultural das sociedades. O desenvolvimento implica, segundo Putnam, níveis
elevados de “bridging capital” que facilitem os sentimentos de pertença e identidade através
da inclusão em redes de proximidade, e de “bonding capital” que reforce a mobilidade (real ou
virtual) através da inclusão em redes de longa distância: “bonding social capital tends to
reinforce exclusive identities and maintain homogeneity; bridging social capital tends to bring
together people across diverse social divisions.”(Field, J. 2003: 32). Sophie Pontieux, num
artigo recente (2006), resume a quatro as palavras-chave do capital social: redes, normas,
reciprocidade e confiança.
O conceito de inovação social surge neste contexto associado ao capital social da sociedade
civil, aos processos desencadeados pelos agentes sociais na mobilização e uso que fazem do
mesmo. Na perspectiva definida por Norbert Alter (2000), como um movimento permanente
que mobiliza o conjunto dos actores “l’innovation est le résultat d’une constelation d’accions
ordinaires.” (Alter, 2002: 20).
Para que haja inovação no domínio social é fundamental que haja mudança nas práticas dos
utilizadores; que os conflitos com a ordem estabelecida sejam levados a cabo pelos actores
envolvidos e não por um grupo restrito de decisores; que a adesão à mudança não seja imposta
mas sim assumida e aceite pelos indivíduos nas suas práticas (Alter, 2002). Nesta perspectiva,
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a inovação é entendida como um processo e não como um “efeito” directo e imediato da
imposição de um conjunto de normas/acções sobre o tecido económico ou social de um
determinado meio. Um processo que apela à cooperação, à construção de redes de relação e
confiança entre actores mas que também tem inerente o conflito perante aqueles que não
respondem ou que mobilizam de forma errada a informação nas suas práticas. As relações
entre os actores e agentes tornam-se mais densas, apelando a uma maior interdependência.
O estudo realizado Françoise Cros (2002), na área da educação e formação, apresenta o
conceito de inovação como uma resposta inteligente (eficaz e criativa) da acção a uma
realidade cada vez mais em mudança. Assim, os formadores devem ser capazes de uma
“flexibibilité identitaire”, mobilizando as capacidades relacionais, de trabalho em equipa, de
autonomia, de responsabilidade, de decisão, de criatividade, de abertura a parcerias múltiplas.
Assim, a inovação surge como a “destruição criativa” associada à mobilização de capacidades
transversais que geram mudança, mas que não retiram ao meio a sua coerência/identidade.
Falar de inovação social implica falar de meios criativos, de plasticidade e capacidade de
deformação não alterando, contudo, a coerência interna.
A inovação pode surgir em domínios diversificados da sociedade – social, político ou
económico. Pode assim estar presente nas políticas que se dirigem à inclusão de pessoas ou
grupos num determinado território, na inclusão de jovens imigrantes em meio escolar e/ou nos
territórios de acolhimento. Pode ter o seu centro na mudança de atitude dos actores sociais
envolvidos, como afirmava Jean-Luis Klein na conferência do Projecto Links realizada em
Maio de 2007.
O Programa Escolhas, que será objecto da nossa análise, pretende responder através de um
conjunto de medidas e acções à exclusão social de crianças e jovens imigrantes e respectivas
famílias, podendo ser considerado uma inovação social no domínio da inclusão. Tendo em
conta os objectivos do programa, partimos para a análise com a expectativa que a inovação
surja, essencialmente, no âmbito do processo. Pois, tal como referem André e Abreu no estudo
que desenvolveram para o sistema de microcrédito em Portugal “dois dos três atributos que
podemos associar à inovação social são processos: a inclusão social e a capacitação dos
agentes mais ‘fracos’” (André e Abreu, 2006: 126). Neste sentido, a mobilização dos
imigrantes que se encontram em situação de exclusão social, os processos desenvolvidos para
encontrar respostas que permitam a sua inclusão, assim como a construção de relações sociais
que lhes facilitem ultrapassar a situação de marginalidade desencadeiam novas necessidades e
problemas de natureza colectiva que podem motivar a inovações sociais (Comeau, 2004).
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Na presente análise vamos servir-nos do conceito de capital social tal como é definido por
Putnam e dos princípios que sustentam o conceito de inovação social na perspectiva
apresentada por Norbert Alter.
2. O Programa Escolhas
2.1 Medida de política no domínio da inclusão social.
“A Cimeira de Lisboa (Março de 2000) constituiu um marco fundamental no qual os Chefes
de Estado e de Governo dos Estados-Membros assumiram o objectivo estratégico de tornar a
Europa comunitária no espaço baseado na economia do conhecimento mais competitiva do
mundo, promovendo mais e melhores empregos e mais coesão social. Neste contexto, foi
assumido o compromisso de produzir um impacto decisivo na erradicação da pobreza e da
exclusão social.” (PNAI 2006-2008: 3).
O Plano Nacional de Acção para a Inclusão 2006-2008 (PNAI), documento de referência da
diversidade de intervenções requeridas no processo nacional de inclusão social para políticos,
técnicos e cidadãos em geral, “apresenta uma estratégia nacional de inclusão social, assente
numa análise do contexto socioeconómico e os seus reflexos sobre a pobreza e a exclusão
social, …” (PNAI 2006-2008: 6).
A dimensão que os fluxos migratórios têm assumido em Portugal (460 292 estrangeiros no
final de 2005, segundo o SEF), associada a difíceis condições de inserção e integração e à sua
concentração territorial, tem exigido uma reorientação das políticas sociais no sentido de uma
intervenção no combate e prevenção do crescimento das desigualdades e discriminações às
quais o PNAI dá particular atenção.
Diversas causas têm sido apontadas para justificar a vulnerabilidade dos imigrantes à exclusão
social, entre estas são frequentemente referidas as baixas qualificações ou, quando as
possuem, o pouco uso que delas fazem no mercado de trabalho. É entre os oriundos da
América do Sul e de África que se registam os mais baixos níveis de escolaridade (Ensino
Básico), comparativamente aos imigrantes originários da Europa, que em termos percentuais
possuem maiores níveis de qualificação – Ensino Secundário/ Médio e o Ensino Superior.
Também o abandono escolar dos alunos estrangeiros apresenta valores superiores ao dos
nacionais: em 2000/2001 a proporção de alunos nacionais que desistia no decurso do ensino
básico e secundário era de 3,1% e no caso dos alunos estrangeiros de 10%, diferença que
aumenta tendencialmente com a transição do ensino básico para o ensino secundário, onde,
para a mesma data, 42,6% dos alunos estrangeiros estão em situação de saída precoce contra
13,2% dos alunos nacionais (PNAI 2006-2008: 33).
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Ao nível do emprego e da actividade profissional exercida, as qualificações dos imigrantes
“empurram-nos” frequentemente para a fatia do mercado de trabalho desqualificado,
dificilmente concorrendo no acesso aos empregos mais qualificados. “À falta de qualidade
geral do trabalho associa-se uma dificuldade acrescida no acesso a serviços e direitos diversos,
para além das inibições culturais e dos processos de segregação de que são frequentemente
vítimas. (…) Regularmente estão expostos a uma inserção profissional precária, à imposição
da cultura dominante, sem o respeito pela diferença, a processos de segregação e isolamento
face a redes de apoio familiar e social, bem como são muitas vezes apontados como os
principais autores de delitos na comunidade.” (PNAI 2006-2008: 34).
O PNAI 2006-2008, enquanto instrumento estratégico de planeamento transversal e integrador
dos vários actores e sectores, propõe-se actuar sobre as causas dos problemas e não apenas
sobre as suas manifestações, intervindo ao nível das estruturas formais e envolvendo o
conjunto dos actores dos diversos sectores da administração central e local, e da sociedade
civil. A estratégia nacional de inclusão social e a necessidade de concretização dos objectivos
comuns europeus conduziu o Governo Português à definição de três domínios nas prioridades
políticas para o período 2006-2008:
“1. Combater a pobreza das crianças e dos idosos, através de medidas que assegurem os seus
direitos básicos de cidadania;
2. Corrigir as desvantagens na educação e formação/qualificação;
3. Ultrapassar as discriminações, reforçando nomeadamente a integração das pessoas com
deficiência e dos imigrantes.” (PNAI 2006-2008: 7).
“As medidas de política dirigidas aos imigrantes e minorias étnicas, com carácter preventivo
e/ou reparador procuram garantir direitos e facilitar o acolhimento e integração desta
população centrando-se nos domínios da(os): informação, formação e sensibilização para o
combate à discriminação; educação, qualificação e emprego; equipamentos e serviços e
legislativo. “ (PNAI 2006-2008: 56).
O programa Escolhas, ao “promover a inclusão social de crianças e jovens provenientes de
contextos socioeconómicos mais vulneráveis, particularmente dos descendentes de imigrantes
e minorias étnicas, tendo em vista a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social”
(PNAI 2006-2008: 53), surge como uma medida de política enquadrada nas prioridades 2 e 3
do PNAI. Prioridades que se traduzem:
i) pela necessidade de uma acção concreta de correcção de situações de grande
vulnerabilidade estrutural em termos das qualificações formais dos diferentes grupos alvo,
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nomeadamente através do seu reforço, mas também da promoção do reconhecimento e
validação de um conjunto de qualificações informais adquiridas pelos cidadãos – caso 2;
ii) pela garantia da efectivação dos direitos das pessoas sujeitas a discriminação, condição
fundamental para a concretização de uma sociedade democrática, baseada na dignidade das
pessoas, com particular atenção para a população com deficiência, os imigrantes, as minorias
étnicas e as vítimas de tráfico de seres humanos, entre outros grupos onde pesa também a
discriminação – caso 3 (Quadro 1).
Quadro 1 – Plano Nacional de Acção para a Inclusão: o Programa Escolhas.
Objectivos de
Intervenção
Medida de
Política
Entidade
ResponsávelDescrição da medida População alvoMeta(s) de medida Indicador(s)
Ajustar o ensino e
as escolas através
de programas
específicos, às
necessidades das
famílias (prioridade
2)
Facilitar
instrumentos
de inserção sócio
laboral (prioridade
3)
Programa
Escolhas
PCM
Programa que visa
promover a inclusão
social de crianças e
jovens provenientes de
contextos sócio-
económicos mais
vulneráveis,
particularmente dos
descendentes de
imigrantes e minorias
étnicas, tendo em vista
a igualdade de
oportunidades e o
reforço da coesão
social.
População
infantil e
jovem mais
carenciada
Financiar, até
2008, 110
projectos de apoio
à educação,
formação (TIC,
…), ocupação de
tempos
livres da
população infantil
e jovem de bairros
carenciados
− N.º de projectos
financiados, por
medida
− N.º de territórios
abrangidos, por
medida
− N.º pessoas
abrangidas, por
sexo, grupo etário
e
nacionalidade,
segundo a
medida
Fonte: PNAI, 2006-2008.
2.2 Imigração, igualdade de oportunidades e coesão social.
Criado pela Resolução do Conselho de Ministros nº4/2001, de 9 de Janeiro, o Programa
Escolhas começou por se dirigir, numa primeira fase de implementação (até Dezembro de
2003), à Prevenção da Criminalidade e Inserção de Jovens residentes em bairros mais
problemáticos dos Distritos de Lisboa, Porto e Setúbal. Terminado este período, partindo das
aprendizagens realizadas e tentando responder a novos desafios, nasce o Escolhas de 2ª
Geração (E2ªG), na sequência da Resolução do Conselho de Ministros nº 60/2004.
Na 2ª geração o Programa Escolhas financiou e acompanhou 87 projectos, desenvolvidos nas
Zonas Norte (33), Centro (29), Sul e Ilhas (25). O público-alvo do E2ªG foram crianças e
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jovens entre os 6 e os 18 anos oriundos de contextos socioeconómicos desfavorecidos e
problemáticos. O Programa abrangeu ainda jovens com idades compreendidas entre os 19 e os
24 anos, famílias e outros elementos da comunidade, como professores, auxiliares educativos,
etc. Em termos de intervenção, e a partir da experiência adquirida na primeira fase, foram
introduzidas alterações em três eixos essenciais:
1 – transformação de um programa de prevenção da criminalidade num programa de
promoção da inclusão social de crianças e jovens provindos de contextos socio-económicos
desfavorecidos e problemáticos;
2 – descentralização do programa através de projectos localmente planeados;
3 – valorização dos descendentes de imigrantes e minorias étnicas como uma das prioridades
do Escolhas. (http://www.programaescolhas.pt)
A Resolução do Conselho de Ministros nº 80 de 2006 procedeu à renovação da terceira fase
do programa, reforçando-o através de um aumento do investimento e do número de projectos
a apoiar. Com a renovação do Programa Escolhas, para o período de 2007 a 2009, o Governo
reconheceu a sua importância fundamental no domínio da inclusão social. Este programa vem,
assim, concretizar dois dos eixos prioritários das políticas sociais do Governo: a igualdade de
oportunidades e a coesão social.
Neste contexto, esta última renovação do programa visa reforçar o apoio a projectos de
inclusão social de crianças e jovens provenientes de contextos socioeconómicos mais
vulneráveis. Tem-se, assim, em consideração o maior risco de exclusão social e cultural dos
destinatários, particularmente dos descendentes de imigrantes e minorias étnicas.
Para a operacionalização destes princípios, estabelecem-se como áreas prioritárias de
intervenção as relativas à promoção do sucesso escolar, ao apoio à educação formal e não
formal, à orientação e encaminhamento para formação profissional, ao combate à
infoexclusão, ao acesso ao emprego e envolvimento dos familiares no acompanhamento do
processo de desenvolvimento das crianças e jovens.
A resposta a estes desafios só é possível através de uma abordagem integrada das diferentes
vertentes do desenvolvimento das crianças e dos jovens, o que implica o envolvimento e a
cooperação de diferentes Ministérios. Coordenado pelo Alto Comissariado para a Imigração e
Minorias Étnicas e financiado pelos ministérios do Trabalho e Segurança Social, da Educação
e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o programa funciona na dependência do ministro
da Presidência e tem como promotores escolas; centros de formação; associações de jovens,
de imigrantes, desportivas e culturais e os centros educativos de reinserção social.
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Serão abrangidos nesta terceira fase 120 novos projectos que irão envolver cerca de 40 mil
crianças e jovens durante três anos: 38 na zona Norte do país, 45 na zona Centro e 37 na zona
Sul e ilhas.
Cada projecto é constituído por uma instituição promotora e diversos parceiros que em
conjunto formam um consórcio. O programa encontra-se estruturado em 4 medidas:
Medida 1 – Promoção da Inclusão Escolar e Formação Profissional.
Medida 2 – Ocupação dos Tempos livres e Participação Comunitária.
Medida 3 – Plena Integração na Sociedade, dirigida especificamente a filhos e familiares de
imigrantes e minorias étnicas.
Medida 4 – Inclusão Digital das crianças e jovens envolvidos nos projectos e formação e
enquadramento de técnicos para a criação de Centros de Inclusão Digital – CID@NET.
Um destes muitos projectos desenvolve-se no concelho de Sintra: o Projecto Raízes, tal como
os restantes, tenta contribuir para os objectivos gerais do PNAI e do Programa Escolhas, como
veremos mais adiante (Quadro 2).
Quadro 2 – Objectivos do PNAI, Programa Escolhas e Projecto Raízes.
Objectivos de
Intervenção do PNAI
Objectivos de
Intervenção do Escolhas
Objectivos de
Intervenção do Raízes
Ajustar o ensino e as escolas através de
programas específicos, às necessidades
das
famílias (prioridade 2)
Facilitar instrumentos de inserção sócio
laboral (prioridade 3)
Promover a inclusão social de crianças e
jovens provenientes de contextos sócio
económicos mais vulneráveis,
particularmente dos descendentes de
imigrantes e minorias étnicas, tendo em
vista a igualdade de oportunidades e o
reforço da coesão social.
Contribuir para a inserção social e
cultural da população alvo da freguesia
de Monte Abraão.
Contribuir para o aumento do sucesso
escolar das crianças e jovens
desenvolvendo competências escolares e
conhecimentos básicos de informática.
Actuar ao nível da prevenção de
comportamentos desviantes das crianças
e jovens.
Fonte: PNAI, 2006-2008.
3. O Projecto Raízes na freguesia de Monte Abraão.
3.1 A natureza do projecto
O concelho de Sintra recebe desde o início (2001) o Programa Escolhas. Agora na 3ª Geração
são cinco os projectos em vigor neste território:
• Novos Desafios – Mira Sintra (território prioritário);
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• Projecto Raízes – Monte Abraão, Bairro 1º de Maio (território prioritário);
• Espaço: Desafios e Oportunidades – Mercês;
• Meg@ctivo – Pendão-Pego Longo, Queluz e Belas (território prioritário);
• Escolhas Saudáveis – Serra das Minas.
A Câmara Municipal de Sintra está, desde o início deste Programa, envolvida nos projectos
dinamizados no concelho, contudo só na 3ª geração se assume como parceira. Na entrevista
realizada a uma das técnicas da equipa do gabinete do DSAS da referida Câmara (8 de Junho
de 2007), o envolvimento directo no Programa Escolhas tem tido, para além dos benefícios
para as populações e territórios alvo, uma mais valia muito importante para a Instituição, por
“forçar às parcerias; potencializar sinergias; dispor de recursos humanos específicos e
promover momentos de reflexão, sistematização, avaliação e construção de relatórios
conjuntos”. Conseguir “sentar a uma mesma mesa, a reflectir sobre os mesmos problemas, um
conjunto de técnicos, locais e nacionais de diferentes áreas de formação científica, tem sido
uma inovação de grande sucesso nos projectos do Programa Escolhas.” (técnica do DSAS,
Junho 2007).
O Projecto Raízes visa a inclusão social de crianças, jovens (6 a 18 anos) e respectivas
famílias provenientes de contextos socioeconómicos desfavorecidos, residentes na freguesia
de Monte Abraão, concelho de Sintra. Os factores desencadeadores do projecto associam-se às
situações geradoras de exclusão social entre uma população muito heterogénea, com
acentuadas carências de índole social e económica a que se associam as disfuncionalidades
familiares e as dificuldades de integração sociocultural.
3.2. O território e a população.
Monte Abraão é a quarta freguesia do concelho de Sintra com maior número de estrangeiros
entre a sua população (cerca de 10%). Destes, 82% são oriundos de Angola, Guiné e Cabo
Verde e 12% são originários do Brasil (segundo o recenseamento da população de 2001). Para
além daqueles que estão contabilizados pelas estatísticas nacionais, temos ainda um conjunto
significativo de população imigrante que se encontra em situação irregular. Alguns destes
indivíduos residem no Bairro 1º de Maio, território espacialmente segregado e classificado de
intervenção prioritária.
A freguesia, contigua à cidade de Queluz, foi criada em 1997 e no último recenseamento
contava entre a sua população com 40 000 habitantes e uma densidade populacional das mais
elevadas do país, 21 661,9 hab/Km². A sua população cresceu, entre os dois censos, a um
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ritmo superior a 16%, facto para o qual tem contribuído de forma significativa a população
estrangeira. (http://www.cm-sintra.pt/PlanoDesenvolvimento_files/frame.htm).
3.3. O contexto de partida, os objectivos do projecto as áreas prioritárias de intervenção.
Desde a 1ª geração que a freguesia recebe o Programa Escolhas. Agora na terceira, o projecto
apresenta renovadas características preventivas numa lógica de continuidade com as acções e
actividades adoptadas nos projectos anteriores reforçando, junto da população, as valências já
trabalhadas no sentido de minimizar comportamentos sociais e de risco. São três os objectivos
gerais do Projecto Raízes que por sua vez se desdobram, cada um, em três objectivos
específicos (Quadro 2).
Quadro 2 – Objectivos Gerais e Específicos do Projecto Raízes.
Obj. Geral 1 – Contribuir para a inserção social e cultural da população alvo da freguesia de Monte Abraão.
• Informar, orientar e acompanhar para a formação profissional e/ou inserção no mercado de trabalho os jovens
que se encontram em abandono escolar.
• Apoiar a regularização de 95% das crianças, jovens e famílias do grupo alvo que estejam em situação irregular.
• Envolver 40% das crianças, jovens e suas famílias na divulgação e promoção das várias culturas junto da
população através de acções de sensibilização e actividades culturais.
Obj. Geral 2 – Contribuir para o aumento do sucesso escolar das crianças e jovens desenvolvendo competências
escolares e conhecimentos básicos de informática
• Reduzir o insucesso escolar das crianças e jovens do grupo alvo que se encontram em idade escolar. Objectivo
final de 75%.
• Reduzir o insucesso escolar das crianças e jovens do grupo alvo. Objectivo final de 60%.
• Promover a aquisição de conhecimentos básicos de informática e de uso da internet aos jovens que frequentam
o CiberEspaço Jovem. Objectivo final de 95%.
Obj. Geral 3 – Actuar ao nível da prevenção de comportamentos desviantes das crianças e jovens.
• Identificar e trabalhar as questões relacionadas com os factores de risco e factores de protecção, das crianças e
jovens destinatárias do projecto.
• Contribuir para a interiorização de regras, normas e valores fulcrais à convivência sócio-grupal das crianças e
jovens do projecto.
• Promover o apoio psicológico e socioeconómico às crianças, jovens e respectivas famílias.
Fonte: Projecto Raízes, texto de candidatura ao Programa Escolhas.
A promoção da inclusão social, a satisfação das necessidades humanas, a capacitação de
agentes ou actores sujeitos a processos de exclusão/marginalização social são as grandes
linhas orientadoras da intervenção do Projecto que se apoiam em:
• medidas diferenciadas que minimizem os factores de risco e potenciem os factores
protectores;
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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• estratégias ocupacionais que fomentem e fortaleçam a integração na comunidade, o
desenvolvimento de competências pessoais e sociais e, ainda, a inclusão digital;
• mecanismos que permitam convergir na continuidade de acções profícuas, de molde a
contribuir para a melhoria do quotidiano das crianças e jovens integrados… (sucesso
escolar; aumento de sentimentos de inserção, de pertença e reconhecimento).
O texto de candidatura do projecto, apesar de apresentar alguma falta de rigor na definição dos
problemas e das causas prováveis dos mesmos por os misturar, permite-nos identificar as
principais fragilidades diagnosticadas na freguesia, as causas prováveis das mesmas, as
necessidades da população alvo e os recursos disponíveis para cada situação problema. Os
grupos afectados são as crianças, jovens e respectivas famílias de imigrantes e minorias
étnicas de baixos recursos socioeconómicos com maior vulnerabilidade face às situações
promotoras de exclusão social tal como está previsto nos objectivos do programa Escolhas e
nas linhas de intervenção prioritária do PNAI. Como principais problemas identificados são
referidos: a toxicodependência, a situação irregular de imigrantes e respectivos descendentes,
as tensões étnicas, os comportamentos desviantes, a pobreza e exclusão social, o insucesso e
abandono escolar, a desocupação e desemprego, a desestruturação familiar, a violência, maus
tratos e negligência parental.
3.4. Os destinatários e o território de intervenção.
O Projecto Raízes envolve 30 crianças com idades compreendidas entre os 6 e 12 anos, 100
jovens com idades entre os 11 e 18 anos e respectivas famílias (Quadro 3). As acções
desenvolvidas decorrem fundamentalmente no espaço (Com)vivências instalado na escola
EB1 e JI de Monte Abraão e no Ciberespaço Jovem localizado no Bairro 1º de Maio. Os
objectivos específicos das actividades dinamizadas nestes espaços são, para os mais pequenos,
o desenvolvimento de estilos de vida saudável, a prevenção de comportamentos desviantes e o
apoio sócio familiar que, para os mais velhos, se alargam também ao acesso a novas
tecnologias, ao desenvolvimento de práticas desportivas, ao apoio na integração escolar e
sócio profissional e à regularização dos imigrantes.
A integração do Espaço Jovem no bairro surge, por um lado, como uma estratégia de fixação
dos jovens aí residentes e, por outro, de maior abertura do bairro aos jovens que não residam
nele, estratégia que também foi complementada com a instalação do Espaço do Cidadão e
abertura do bairro à comunidade.
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Quadro 3 – Destinatários do Projecto Raízes.
Famílias 85
Crianças e Jovens 130
(6-10 anos) (11-13 anos) (14-18 anos)
30 40 60
descendentes de imigrantes e minorias étnicas (95)
abandono escolar precoce/ sem escolaridade mínima (20)
que estão ou estiveram sujeitos a medidas de protecção (25)
residentes em territórios de maior exclusão (110)
Fonte: Projecto Raízes, texto de candidatura ao Programa Escolhas.
3.5. A avaliação: instrumentos e indicadores
A avaliação do projecto processa-se a diferentes escalas de intervenção e envolvendo todos os
intervenientes: público alvo, técnicos, equipa da entidade promotora, parceiros e consórcio. As
modalidades utilizadas, assim como os instrumentos são diversificados em função dos
diferentes momentos de avaliação e das acções a avaliar. Os técnicos avaliam todo o trabalho
desenvolvido diariamente com as crianças e jovens, a partir dos indicadores definidos no
projecto, procurando que esta avaliação tenha também um cariz formativo. Fazem-no por
observação directa utilizando grelhas de registo e através da realização de relatórios
individuais a partir dos quais constroem a sua apreciação mensal. A equipa da entidade
promotora reúne semanalmente fazendo um tratamento e análise da informação
disponibilizada pelos técnicos. Os parceiros reúnem de dois em dois meses e fazem uma
avaliação global, incidindo em alguns casos pontuais e deixando as suas apreciações
registadas em acta; o consórcio reúne mensalmente, utilizando a informação disponibilizada
pelos técnicos e parceiros nas suas análises que também ficam registadas em acta.
Os indicadores de avaliação utilizados são definidos em função dos objectivos específicos do
projecto e em consonância com o estabelecido pelo Programa Escolhas e pelo PNAI. Só assim
é possível articular as várias escalas de intervenção das medidas propostas e avaliar em que
medida os objectivos definidos a uma escala nacional estão a ser concretizados a nível local
através das estratégias de intervenção definidas no projecto. Contudo, tratando-se de um
projecto de intervenção local, na avaliação não são definidos indicadores que nos permitam
compreender o impacte deste na população não envolvida directamente, mas que reside no
bairro e convive directamente com os beneficiários do projecto. Também, a análise dos
resultados de algumas avaliações anteriormente efectuadas, dificilmente deixa transparecer as
dificuldades encontradas durante o processo assim como os resultados menos positivos que,
certamente existem.
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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4. Agentes sociais, capital social e inovação
Para o projecto Raízes é mobilizado um conjunto de agentes sociais (instituições) públicos e
particulares, locais e regionais. A entidade promotora é a Junta de Freguesia de Monte
Abraão; a entidade gestora é a Casa da Guiné (instituição de solidariedade social) radicada na
freguesia; e os parceiros são as Escolas (EB1 e JI Monte Abraão, a EB2/3 Ruy Belo), o
Município de Sintra, a JOMA (Juventude Operária de Monte Abraão, instituição desportiva) e
o PSIJUS (associação para a Intervenção Juspsicológica, instituição de cariz universitário).
Para além das instituições que formam o consórcio, o projecto conta ainda com a participação
de um conjunto de organismos locais e regionais que, actuando em áreas específicas de
intervenção, contribuem para o desenvolvimento/implementação das actividades previstas.
Cada instituição tem domínios específicos de intervenção mas também estabelece parcerias
com outras no sentido de articular respostas integradas.
A aposta em mobilizar recursos diversos para colocar em prática as actividades propostas e
assim conseguir alcançar os objectivos gerais inicialmente definidos promove a interacção dos
diversos agentes em função da sua natureza e das áreas específicas de acção
(insucesso/abandono escolar, desestruturação familiar, exclusão social, acesso a equipamentos
desportivos…). Uma aposta que vai no sentido de tornar as intervenções sociais mais
eficientes. A capacidade de mobilização e articulação, ao nível local e regional, de diferentes
recursos para o desenvolvimento das actividades previstas no projecto é fundamental para
garantir o sucesso de todas as acções e assegurar a consecução dos seus objectivos gerais e
específicos. Neste sentido, as redes de parcerias estabelecidas entre as instituições locais e
regionais envolvidas são determinantes no sucesso do projecto. A forma como se organizam,
interagem e mobilizam o seu capital humano e social condiciona os processos de
desenvolvimento económico, social e cultural da população alvo e desencadeia dinâmicas
distintas no território. Na análise dos projectos de inclusão social dos imigrantes na sociedade
de acolhimento, o capital social é um instrumento fundamental de todo o processo e, em
muitos casos o motor de arranque e uma peça essencial do sucesso (Horta, Malheiros 2006).
O capital social mobilizado pelos agentes intervenientes, centra-se nos conhecimentos e
saberes específicos que utilizam para aumentar a eficiência da organização e facilitar as
acções que conjuntamente desenvolvem. É na estratégia de coordenação, na mobilização de
esforços conjuntos para encontrar as respostas adequadas, e nos processos desencadeados por
estes agentes sociais na mobilização que fazem do capital social que surge a inovação: um
processo que apela à cooperação, à construção de redes e relações de confiança (Alter, 2002).
O contexto e as relações que se estabelecem com os actores (crianças, jovens e famílias)
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condicionam o grau de sucesso dos objectivos e, consequentemente o “retorno” esperado pela
engrenagem montada.
A análise da rede de relações entre os diferentes agentes envolvidos no projecto (Fig.5),
construída com base no número de participações de cada um nos diversos domínios de
intervenção, permite-nos estudar as interacções que entre estes se estabelecem, a partir da
representação dos vínculos específicos que existem entre cada par de agentes (Molina, 2001).
A maior espessura do traço utilizado na representação da ligação na rede alerta-nos para a
existência de maior número de contactos entre esses elementos. A importância de cada agente
na rede é determinada pela sua centralidade: um agente é mais central e mais activo no sistema
quando é envolvido num maior nº de relações (Lazega, 2007). A centralidade de cada agente
no conjunto da rede foi determinada a partir do cálculo de um índice resultante da relação
entre o número de ligações e o número médio participações de cada um. O desenho final da
rede foi concebido com base na articulação entre as duas variáveis, a centralidade e o número
de participações de cada agente nos domínios de intervenção.
Fig.5 Rede de relações dos agentes envolvidos no Projecto Raízes
7
6
5
4
3
2
1
CPCJ Sintra Or.K
Inst. Reins. SocialJ
Clubes DesportivosI
EscolasH
CLAI QueluzG
UNIVAF
Com(Vivências)E
Ciber E JD
Rede SocialC
GACB
J. Freg. Monte AbraãoA
Nº ParticipaçõesA B
C
D E
F
G
H
K
J
I
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A Junta de Freguesia de Monte Abraão e o Gabinete de Apoio ao Cidadão (GAC) constituem
um núcleo “duro” da rede, com valores de centralidade muito próximos e relativamente
distantes do núcleo seguinte. A Junta de Freguesia, como entidade promotora do projecto, e o
GAC, instituição vocacionada para o apoio ao cidadão, apresentam ligações muito fortes no
conjunto da rede, pelo papel activo que têm na dinamização de actividades nos diferentes
domínios de intervenção: estabelecem ligações com todos os agentes, embora as mais intensas
ocorram com um segundo núcleo de centralidade (Rede Social, Ciberespaço jovem,
Com(vivências), UNIVA e CLAI de Queluz). Este núcleo integra agentes locais de
intervenção social, os espaços e respectivos intervenientes nas acções destinadas às crianças e
jovens, uma instituição para a integração dos jovens na vida activa e um centro de apoio à
regularização dos imigrantes. As Escolas envolvidas ocupam, na rede, uma posição intermédia
entre este segundo núcleo e um terceiro, de menor centralidade e com o qual se estabelecem
ligações muito mais ténues entre os restantes agentes. O lugar ocupado pelas Escolas e o seu
relativo afastamento dos dois núcleos anteriores explica-se, pelo facto de em algumas
situações servirem de palco para acções desenvolvidas (refira-se a título de exemplo o espaço
que o Com(vivências) ocupa no JI e EB1) e pelo papel de intermediárias entre os agentes e os
actores. Mantêm laços mais fortes com a Rede Social e com a UNIVA, assim como com a JF
e o GAC, mas estabelecem laços mais ténues com o Com(vivências) e com o Ciberespaço
Jovem. Contudo, como refere M. Granovetter, citado por Cusset (2007), os laços mais fracos
que surgem nas redes não são sinónimo de menor importância dos respectivos agentes, antes
pelo contrário, “les liens faibles forment des “ponts locaux” qui permettent de relier entre eux
des groupes d’individuos autrement disjoints.” (Cusset, 2007:44). Por outro lado, a análise das
diferentes dimensões de intervenção dos agentes revela-nos o não envolvimento directo das
Escolas em domínios como a toxicodependência e os comportamentos desviantes e justifica a
menor intensidade das ligações que estas estabelecem com os agentes mais directamente
envolvidos na resolução/atenuação destes problemas. Neste domínio, a escola pode
desempenhar um papel fundamental no diagnóstico e intervenção precoce, mobilizando para
tal os seus técnicos e agentes locais especializados em colaboração com as famílias.
Certamente este é um aspecto a ter em conta numa eventual construção de uma quarta geração
do projecto Raízes.
A CPCJ de Sintra Oriental (CPCJ SO), o Instituto de Reinserção Social (IRS) e os Clubes
Desportivos são os agentes que surgem claramente com as relações mais ténues no contexto
global da rede, provavelmente pela especificidade das suas intervenções, em situações de
índole social muito particulares, relativas a crianças e jovens em risco e, como tal, menos
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frequentes no contexto do grupo. A sua menor centralidade na rede confirma-nos o papel
menos interventivo que assumem na globalidade do projecto.
A análise da rede de relações que envolve os diferentes agentes permite-nos reter a noção da
teia que é importante montar para ir de encontro às necessidades evidenciadas no âmbito da
inclusão social e aos objectivos dos planos e projectos construídos neste domínio. Os
documentos analisados evidenciam-nos as preocupações no sentido de envolver uma
diversidade de agentes locais, regionais e nacionais no projecto e, assim, construir redes de
parcerias que dão uso ao capital social e conferem a todo o processo uma dimensão inovadora.
As interacções estabelecidas pelos diferentes intervenientes asseguram-nos a importância de
cada um no contexto da rede, pelo número de vezes que se envolve na resolução dos
problemas diagnosticados. Contudo, não nos permitem tirar conclusões sobre a qualidade das
suas intervenções. Esta é uma investigação que só posteriormente poderemos desenvolver
através dos documentos de avaliação do projecto, das actas das reuniões de avaliação, da
análise dos processos de articulação de interesses entre os diferentes intervenientes, da
realização de entrevistas aos técnicos directamente envolvidos e, se possível, de questionários
aos actores a quem o projecto se destina.
As mudanças nas práticas dos actores, o seu envolvimento no sentido de contrariar a situação
de exclusão em que vivem e a adesão a uma mudança que, pelos contornos que assume no
projecto, não parece ser imposta mas sim assumida por todos, é fundamental serem avaliadas
para que possamos compreender os resultados obtidos no domínio da inclusão social e
concluir se a dimensão inovação extravasa do processo para os resultados obtidos com o
mesmo.
Num pequeno exercício de análise das actividades dinamizadas pelos agentes sociais, no
âmbito da Medida 1 do Programa Escolhas e que tentamos esquematizar nas figuras 6 A e B,
podemos diagnosticar as possibilidades que este tipo de intervenção transporta a diferentes
níveis de espacialização: as relações que se constroem a nível local/regional e as que se
estabelecem com o exterior e que é possível configurar num espaço-rede nacional e
transnacional. Para os actores envolvidos, os benefícios ao nível da inclusão são visíveis: 1)
pelos laços que estabelecem ao nível local (bonding capital) entre todos os envolvidos
(crianças, jovens, técnicos, famílias) e as comunidades locais; 2) pelas pontes que constroem
(bridging capital) com as instituições nacionais, com as comunidades de origem, com
comunidades de imigrantes a residir noutros países e mesmo com instituições internacionais
com as quais contactam através do ciberespaço. Para o território onde estas acções decorrem
certamente que a mudança de postura destas crianças, jovens e respectivas famílias na
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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sociedade de acolhimento, assim como o seu reconhecimento enquanto cidadãos dessa
comunidade, terá efeitos multiplicadores benéficos para todos, à escala local mas também
nacional.
Fig. 6A – Espaço (Com)Vivências: actividades desenvolvidas.
Actividades
Apoio escolar
Acesso ao computador
Lúdico-pedagógicas
“Infofuturo”
Treino de competências
pessoais e sociais
Visitas de estudo
Comemorações
Informática
Expressão corporal
Actividades desportivas
Natação
Ténis
Dança
Cinema
Integração escolar
Apoio psicossocial
Ateliês
Avaliação semanal
(Com)Vivências
Laços entre…
Crianças
Técnicos
Famílias
Comunidades locais de
diferentes origens
(imigrantes e
autóctones)
Pontes com…
Comunidades da
AML (imigrantes e
autóctones)
Instituições
nacionais
As comunidades de
origem
CAPITAL RELACIONAL
Fig. 6B – Ciberespaço Jovem: actividades desenvolvidas.
Actividades
Apoio escolar
Informática
Lúdico-pedagógicas
“Infofuturo”
“Espaço Jovem”
Visitas de estudo
Comemorações
Desporto
Natação
Ténis
Dança
Footciber
Integração escolar
Apoio psicossocial
Ateliês
Expressão Plástica
Língua Portuguesa
Apoio socioprofissional
Construção do site
Ciberespaço Jovem
Laços entre…
Crianças
Técnicos
Famílias
Comunidades locais de
diferentes origens
(imigrantes e
autóctones)
Grupos inter-
geracionais
Pontes com…
Comunidades da AML (imigrantes e
autóctones)
Instituições nacionais
Instituições
internacionais
Comunidades de
imigrantes noutros
países
As comunidades de
origem
CAPITAL RELACIONAL
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20
Notas Finais
A análise efectuada ao projecto Raízes permite-nos evidenciar três linhas fundamentais que
norteiam a sua concepção: i) a mobilização de pessoas socialmente marginalizadas, recursos
endógenos e exógenos; ii) a dinamização de medidas e estratégias promotoras de mudanças
sociais que contrariem a evolução de alguns factores desencadeadores de exclusão social; iii) a
intervenção sobre um território marginalizado.
As situações identificadas como geradoras de exclusão social associam-se a questões étnicas e
culturais que tornam os actores mais vulneráveis no acesso às instituições que frequentam. A
predisposição para a mudança e as ajudas disponibilizadas por algumas instituições de índole
social têm funcionado como um estímulo/oportunidade à minimização/resolução das situações
de exclusão social. Aproveitando estes estímulos, o Projecto Raízes tem conseguido envolver
os actores e os agentes no sentido da inclusão social.
Trata-se de um projecto territorializado, para o qual são mobilizados o capital humano e o
capital relacional. O capital relacional ocupa um papel central na organização interna do
projecto, nomeadamente no contacto/relações entre agentes de diferentes características e na
adaptação das suas intervenções aos contextos sociais e locais. É na rede de parcerias criada
pelos agentes envolvidos e no capital humano e social por estes mobilizado que se procuram
as respostas às necessidades dos destinatários.
A densidade da rede de relações entre os agentes reflecte a importância das parcerias
estabelecidas e a existência de um capital social elevado no seio do grupo que facilita: o
acesso/contacto entre os intervenientes; a promoção de laços de confiança entre os diferentes
agentes; a coesão interna e uma melhor eficácia na comunicação.
A inovação social surge mais centrada no “processo” que no “produto”, uma vez que é ao
nível dos agentes e da mobilização do capital social que se criam as principais redes e que se
situam as estratégias de cooperação e intervenção sobre um grupo em risco de exclusão social.
Os agentes sociais actuam neste caso como mediadores, tomando contacto com os problemas,
coordenando acções e mobilizando os recursos mais adequados a cada situação ou público. O
envolvimento dos destinatários é uma constante em todo o processo, desde o diagnóstico das
necessidades à avaliação das acções. Sem eles o projecto não poderia funcionar.
A natureza do estudo desenvolvido, centrada fundamentalmente no recurso a entrevistas a
técnicos locais mais directamente envolvidos no projecto e na análise do documento de
candidatura, permite-nos avançar com algumas linhas de reflexão sobre a intensidade e o uso
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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do capital social entre os agentes sociais envolvidos. Contudo, não nos permite concluir sobre
os efeitos directos na inclusão dos actores na sociedade de acolhimento, deixando-nos em
aberto um conjunto de questões que só o recurso a um trabalho de investigação, assumindo
uma posição de insider, próximo do público alvo e da comunidade local, permitiria avaliar.
Entre as várias questões que o estudo nos foi suscitando, valorizamos aquelas que se
direccionam para os efeitos directos da implementação do projecto: i) nas mudanças de atitude
dos actores sociais envolvidos; ii) na formação de novos laços sociais e na alteração das
relações sociais anteriores; iii) no nível de aquisição de novos conhecimentos, competências e
autoconfiança; iv) no grau de envolvimento da comunidade local e nos impactos nesta de um
projecto desta natureza.
Resumidamente, ficam por avaliar os efeitos reais do projecto Raízes na inclusão social das
crianças e jovens imigrantes e respectivas famílias. Mas fica claro que o projecto reúne um
conjunto de requisitos que lhe conferem um dinamismo particular sobre a intervenção no
domínio da inclusão pelo(a): i) envolvimento e coordenação dos saberes dos diferentes
agentes mobilizados (o capital humano e o capital relacional); ii) capacidade inovadora que
manifestam ao nível relacional e de cooperação local (o bonding capital); iii) predisposição
dos beneficiários para a mudança.
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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