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A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A SUPEREXPLORAÇÃO DA FORÇA
DE TRABALHO
NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Clarissa Tenório Maranhão Raposo1
Resumo [comunicação oral]
RESUMO
A nova processualidade histórica brasileira na entrada do século XXI revela aspectos econômicos e políticos inerentes às determinações gerais da crise do capitalismo contemporâneo. Este artigo analisa as expressões objetivas da precarização do trabalho e as tendências atuais de superexploração da força de trabalho, no contexto do capitalismo brasileiro contemporâneo, as quais se manifestam através das mudanças na organização, no processo e nas relações de trabalho em diversos ramos e/ou setores produtivos. Pretende demonstrar que a precarização do trabalho e a superexploração da força de trabalho constituem categorias centrais à apreensão das recentes mudanças no mundo do trabalho. .
Palavras-chave: capitalismo contemporâneo, precarização do trabalho e superexploração da força de trabalho,
Abstract The new Brazilian historical process at the beginning of the 21st century reveals economic and political aspects inherent to the general determinations of the crisis of contemporary capitalism. This article analyzes the objective expressions of the precariousness of work and the forms of superexploitation of the labor force in the context of contemporary Brazilian capitalism, which are manifested through changes in organization, process and labor relations in various branches and / or Productive sectors. It aims to demonstrate that the precariousness of work and the overexploitation of the labor force are central categories to the apprehension of recent changes in the world of work. Keywords: Contemporary capitalism, labor casualization and exploitation of the workforce .
1Professora Adjunto da FSSO/UFAL. Doutora em Serviço Social. Universidade Federal de Alagoas (UFAL). [email protected]
I. INTRODUÇÃO
Considerando o processo de restauração do capitalismo, e suas
determinações macro econômicas, evidencia-se que, em nível mundial, novas
exigências configuram estratégias encontradas pelo próprio capital para sair da
crise. Ou seja, em decorrência da liberalização, desregulamentação e
privatização tem-se uma dinâmica de acumulação flexível e uma economia
baseada na exploração da força de trabalho barata e precária, como elementos
constitutivos da reprodução ampliada do capital na atualidade.
Não por acaso, tem-se o aumento do desemprego, da informalidade e a
precarização do trabalho, que repercutem na redução dos salários e no
agravamento do quadro das desigualdades sociais, principalmente nos países
periféricos.
Com efeito, no atual estágio do capitalismo brasileiro, configuram-se alguns
traços singulares e particulares do processo de reestruturação produtiva do
capital, que, conforme Antunes (2006), estão associados às formas
multifacetadas e heterogêneas da organização do trabalho, num contexto
marcado pela mundialização, transnacionalização e financerização dos capitais.
O novo estatuto do trabalho no Brasil sob a reestruturação produtiva do
capital, conforme Antunes (2006), vem se efetivando mediante a implementação
de formas diferenciadas de organização e gestão do trabalho, que se
caracterizam pela mescla entre elementos do fordismo periférico e elementos
oriundos das novas formas de acumulação flexível e/ou influxos do toyotismo, as
quais se manifestam através da flexibilização, subcontratação, terceirização e
desregulamentação dos direitos sociais, em praticamente todos os ramos e
setores do espaço produtivo. Além disso, deve-se acrescentar que a
combinação entre padrões produtivos tecnologicamente mais avançados e uma
melhor qualificação da força de trabalho, resultam no aumento da
superexploração 2 da força de trabalho, traço constitutivo e marcante do
capitalismo brasileiro.
Partindo dessas considerações, este artigo propõe-se a refletir sobre as
tendências atuais de superexploração da força de trabalho e de precarização do
trabalho no contexto do capitalismo brasileiro da entrada do século XXI, que se
manifestam através das mudanças nas formas de organização, gestão e nas
relações de trabalho.
Dito de outra maneira, o nosso objeto de análise são as atuais formas de
trabalho precário no Brasil, cujas mediações particulares se articulam à
superexploração da força de trabalho, categoria teórica central da economia
política da dependência .
II. DESENVOLVIMENTO
Na entrada do século XXI, novas determinações, expressas pelas tendências
do capitalismo mundial, pelo neodesenvolvimentismo e pela ideologia do social-
liberalismo, inauguram uma nova processualidade histórica brasileira e
provocam profundas mudanças no âmbito da economia e da política.
É fato relevante que sob o predomínio do capital financeiro tem-se uma
conjuntura brasileira marcada pela desestruturação do mercado de trabalho e
pelo crescimento do desemprego aberto. Todavia, observa-se que nas duas
últimas décadas a diminuição relativa das taxas de desemprego aponta uma
série de elementos contingentes que merecem ser investigados. Um indicador
de análise, conforme Alves (2014) refere-se às taxas de formalidade, as quais
refletem um crescimento no período de 2003-2007.
Em relação à renda, ao investimento e ao emprego, pode-se dizer que, na
atualidade, situações de emprego consideradas atípicas passaram a ser típicas
e, dessa maneira, a precariedade expressa um processo de institucionalização
da instabilidade no emprego e no trabalho.
Nesse sentido, a queda do desemprego, juntamente com o crescimento da
taxa de ocupação, reflete uma processualidade contraditória (grifo nosso). De
acordo com o referido autor, o aumento do número de pessoas que ingressaram
no mercado de trabalho expressa, na realidade, “o movimento para a
2 No plano da teoria da dependência, “a superexploração não é apenas um conjunto de mecanismos
que levam à elevação da taxa de mais-valia, mas, para além disso, constitui-se em uma categoria central – aliás, a mais importante – da teoria marxista da dependência” (CARCANHOLO, 2013: p.81).
formalização dos trabalhadores domésticos, dos empregadores e dos
trabalhadores por conta própria que passaram, deste modo, a contribuir para a
Previdência Social” (Idem, p. 65).
Com efeito, no decorrer da década de 2000, na era do
neodesenvolvimentismo, configura-se uma nova macroeconomia do trabalho
(ALVES, 2014b, p. 55), a qual se expressa na caracterização de um novo e
precário mundo do trabalho no Brasil.
Diante desse quadro, pode-se inferir que na entrada do século XXI, as formas
multifacetadas e heterogêneas da organização do trabalho no Brasil, como
demonstram as recentes pesquisas no mundo do trabalho – Mota (2013);
Antunes (2006) (2013) (2014); Luce (2013) e Alves (2014b), expõem um quadro
de precarização estrutural do trabalho.
Partindo de uma reflexão crítica sobre as determinações inerentes ao
capitalismo brasileiro contemporâneo e suas inflexões no âmbito do trabalho,
Mota (2013) problematiza a relação entre precarização do trabalho e
superexploração da força de trabalho (grifo nosso).
Neste ensaio, Mota (2013) utiliza a expressão precarização do trabalho ou
trabalho precário para designar os estatutos jurídicos, as condições e as
relações de trabalho que imperam no mundo do trabalho na atualidade. E, ao
citar Vasapollo (2006), afirma que em geral este conceito designa a emergência
do que aquele autor denomina trabalho atípico (grifo nosso). Este, por sua vez,
se manifesta no trabalho temporário, contratos a termo, trabalho em tempo
parcial, em domicílio, por peça − sejam eles considerados formais ou informais,
e até clandestinos –, e adquire uma dimensão estrutural e permanente para os
trabalhadores que são subordinados a modalidades de trabalho instável, flexível
e desprotegido.
De acordo com os estudos de Mota (2013), na atual fase de subsunção
formal e real do trabalho ao capital, a potenciação da exploração do trabalho,
através da sua precarização, pode ser compreendida como um processo de
desvalorização da força de trabalho, que ocorre mediante as seguintes
condições: a violação do valor do trabalho socialmente necessário – baixos
salários, salário por produção ou salário por peça; métodos de assalariamento
disfarçado como bônus salarial – que convertem o trabalhador à condição de
mera mercadoria (força de trabalho); a redução da qualidade e do tempo real de
vida do trabalhador, pelo desgaste psicofísico do trabalho, através do
prolongamento da jornada de trabalho, como os acordos de banco de horas,
que, apesar de facilitarem o acesso a bens necessários à sobrevivência do
trabalhador, reduzem o tempo de descanso necessário para repor o desgaste
físico e mental de longas e intensas jornadas de trabalho; o sitiamento de
qualquer projeto de vida do trabalhador e sua família, que se manifesta
atualmente nas formas sutis de controle do tempo de trabalho, da padronização
de procedimentos, da ideologia do trabalhador-colaborador que mistifica a ideia
do “valor do trabalho” como uma necessidade humana; e, por fim, a fratura da
organização e da solidariedade coletivas das classes trabalhadoras,
determinada pelo esgarçamento da vivência coletiva do trabalho e pela
concorrência entre os trabalhadores, a qual se expressa através das formas de
envolvimento e cooptação dos trabalhadores etc.
No tocante à relação entre exploração da força de trabalho e precarização do
trabalho, Mota (2013) defende que a violação do valor do trabalho expressa a
usurpação do único meio de que dispõe o trabalhador para reproduzir a própria
vida – a venda da sua força de trabalho em troca do salário para atender às suas
necessidades de sobrevivência –, como expressão do processo de
superexploração da força de trabalho, fundamentada em Rui Mauro Marini.
A autora ressalta que “o capitalismo desenvolve duas formas de exploração: o
aumento da força produtiva do trabalho e a exploração do trabalhador” (MOTA,
2013, p. 6). No primeiro caso, a exploração apoia-se no aumento da capacidade
produtiva do trabalho; mais mercadorias são produzidas no mesmo tempo de
trabalho, devido à racionalização da produção e ao uso de tecnologias. No
segundo caso, estão implicados o aumento da jornada, a maior intensidade do
trabalho e a redução de consumo mínimo para a reprodução do trabalhador, por
meio da usurpação do fundo de consumo do trabalhador, o que o obriga a se
submeter a uma remuneração abaixo do seu valor normal. Segundo Mota
(2013), esses três processos, associados, consubstanciam a categoria da
superexploração da força de trabalho, formulada por Ruy Mauro Marini.
Enriquece a discussão sobre a superexploração da força de trabalho, Amaral
& Carcanholo (2012), ao analisarem as características próprias da acumulação
capitalista nos países dependentes. A partir do estudo da categoria da
superexploração da força de trabalho e dos processos de transferência de valor
(dos países periféricos para os países centrais), os autores concluem que esta
consiste no fundamento da reprodução ampliada do capital na particularidade
dos países periféricos. Ou seja, na visão desse autor, a condição essencial à
acumulação de capital na periferia, reside no aumento da produção excedente,
que se dá através dos mecanismos de superexploração da força de trabalho.
Um outro aspecto analisado pelos referidos autores refere-se à relação
existente entre a superexploração do trabalho e a lei geral da acumulação
capitalista, ao problematizarem a funcionalidade do exército industrial de
reserva para a acumulação capitalista e a sua disfuncionalidade, em relação aos
impactos que este provoca na classe trabalhadora em geral. Portanto, a
considerar a dinâmica de acumulação capitalista e a sua disfuncionalidade,
constata-se a formação de um exército industrial de reserva que traz consigo a
possibilidade crescente de exploração capitalista dos assalariados , seja em
termos de extensão da jornada de trabalho, seja pela intensificação do trabalho
numa mesma jornada, seja, ainda, em termos de arrocho salarial.
Sob esta perspectiva de análise, depreende-se que, nos países de
capitalismo dependente e periférico, a exemplo do Brasil, a tendência de
elevação da taxa de lucro, fundamenta-se na relação imediata entre os
mecanismos de superexploração da força de trabalho e a formação de um
exército industrial de reserva.
No tocante às transformações no mundo do trabalho sob a reestruturação
produtiva, os estudos produzidos por Antunes (2006) (2013) (2014), demonstram
que os modos de ser do trabalho, das terceirizações, das informalidades e das
precarizações, configuram aspectos centrais que sintetizam a posição na cadeia
produtiva; as mutações tecnológicas; a organização do trabalho e as formas de
gestão da força de trabalho; o perfil da força de trabalho e as mudanças de suas
qualificações; as mudanças na estrutura do emprego e as formas de
flexibilização do trabalho; os mecanismos de apropriação da força de trabalho;
as relações das empresas com os sindicatos; as respostas dos trabalhadores
e/ou organismos sindicais. A nosso ver, essas mudanças compreendem um
conjunto de mediações particulares que articulam precarização à
superexploração da força de trabalho no Brasil, do século XXI.
Com relação às mudanças introduzidas na indústria têxtil, com base na
pesquisa de Jinkings & Amorim (2006), realizada na filial da multinacional Lévi
Strauss do Brasil, localizada em Cotia (SP),observou-se que a organização do
sistema de trabalho em domicílio e de cooperativas de trabalho, bastante
utilizados neste ramo produtivo, representam formas acentuadas de
terceirização e subcontratação. Tal como foi mostrado nesta pesquisa, as
formas atuais de “cooperativismo” representam mecanismos de flexibilização
do contrato direto de trabalho, os quais se expressam “ [...] por uma forma de
assalariamento disfarçado que procura ocultar um novo tipo de exploração e de
dominação política, ao eliminar direitos e benefícios trabalhistas, como também
ao contribuir com o enfraquecimento da ação sindical”. (Idem, p. 379)
No caso das costureiras que trabalham em domicilio, apesar de se sentirem
proprietárias da sua própria empresa, elas são submetidas a uma jornada
extenuante e à flexibilização do contrato direto da força de trabalho.
Ainda com base nesta pesquisa, foi possível constatar que a ampliação da
terceirização favoreceu um aumento da produtividade e a extensão do trabalho
excedente sobre o trabalho necessário, por conta dos mecanismos de
prolongamento da jornada de trabalho e da intensificação do ritmo do trabalho.
Além disso, a subcontratação denota que houve uma redução da força de
trabalho direta, a qual repercutiu diretamente para o aumento do grau de
exploração e uma redução dos salários das trabalhadoras empregadas.
Uma outra pesquisa realizada no setor de telecomunicações e telemarketing,
em uma empresa de telecomunicações, a Sercomtel S.A. Telecomunicações,
pertencente ao Grupo Londrina (PR), ressalta que a terceirização associada à
automatização do trabalho, configuram as principais mudanças na organização
do trabalho, as quais se manifestam pelas jornadas parciais e atividades
marcadas pela acentuada intensificação dos ritmos e pelo aumento da
exploração da força de trabalho.
Ainda com relação aos trabalhadores de telemarketing ou operadores de call
center, em outra pesquisa desenvolvida por Braga (2012), percebe-se uma
associação bastante clara entre a intensidade dos ritmos de trabalho e o
processo de adoecimento do teleoperador. Dentre os fenômenos mais comuns,
destacam-se: “estresse decorrente das metas, negligência com a ergonomia,
temperatura do ambiente de trabalho, exíguos intervalos durante a jornada de
trabalho, folgas insuficientes e intensificação dos ritmos de trabalho
proporcionados pela constante renovação tecnológica” (Idem, p. 191).
Enriquece a discussão sobre a precarização a abordagem desenvolvida por
Braga (2012), que trata sobre o precariado como “proletariado precarizado”, ou
seja, o segmento da classe trabalhadora preponderantemente inserido no setor
de serviços; este, segundo o autor, abrange “[...] excluídos deste segmento,
tanto o lumpemproletariado quanto a população pauperizada, [...] relacionando-
se ao que Marx chamou de ‘superpopulação relativa’” (Idem, p. 18).
Na visão de Braga (Idem), existe uma diferenciação entre pauperismo (o
lumpemproletariado) e precariado, uma vez que os trabalhadores precarizados
devem ser identificados como aquele segmento da classe trabalhadora que se
encontra “em permanente trânsito entre a possibilidade de exclusão
socioeconômica e o aprofundamento da exploração econômica” (Idem, p. 19).
Ainda com relação ao precariado, este, segundo Braga (2012), compreende a
fração mais mal paga e explorada do proletariado urbano e dos trabalhadores
agrícolas, sendo excluída, portanto, a população pauperizada, por considerá-la
própria à reprodução do capitalismo periférico.
Para além das expressões objetivas da precarização do trabalho, a nosso
ver, a noção de precariado, defendida por Braga (2012), representa uma chave
analítica para apreender as diversas formas de trabalho precário, no contexto
do capitalismo brasileiro dependente e periférico da entrada do século XXI.
De um modo geral, o quadro de degradação do trabalho, nos leva a refletir
sobre as tendências atuais de superexploração da força de trabalho, que se
evidenciam na particularidade do capitalismo brasileiro dependente e periférico..
Dentre as tendências de incremento da superexploração da forma de
trabalho, analisadas por Luce (2013), evidencia-se que, nas duas últimas
décadas, apesar da melhora relativa no poder de compra e dos reajustes no
valor do salário mínimo em relação à inflação – tão propagados nos anos Lula e
Dilma, e na comparação aos anos 90 – o valor atual do salário mínimo não
cobre as despesas necessárias à reprodução da força de trabalho. Dessa forma,
esta é uma evidência da violação do valor da força de trabalho, a qual expressa
uma primeira modalidade da superexploração.
Outra modalidade da superexploração, analisada por Luce (2013), refere-se
ao prolongamento da jornada de trabalho, o qual se expressa através de várias
formas, principalmente mediante o uso sistemático de horas extras , que
embora represente uma remuneração adicional pelas horas trabalhadas além da
jornada de trabalho, provoca um desgaste da corporeidade viva do trabalhador.
Assim como o prolongamento da jornada de trabalho, o aumento da
intensidade do trabalho também representa um desgaste da corporeidade viva
do trabalhador.
Conforme destaca Luce (2013), na atualidade, alguns exemplares de
trabalhos mais intensos, demonstram a presença dessa modalidade de
superexploração da força de trabalho, tais como: o metalúrgico na linha de
montagem, que poderá executar um trabalho com intensidade mais elevada,
conforme aumente a velocidade da esteira que regula o ritmo da produção; o
caso do controlador de tráfego aéreo, que trabalha sob a intensidade
proporcional ao tempo em que deve manter-se no controle do painel, sem piscar
os olhos e muitas vezes, sem direito a intervalos ou pausas; o caso do carteiro,
que expressa a alta intensidade de seu trabalho ao carregar em sua bolsa
funcional um sobrepeso, que, pelos anos de serviço pode até comprometer a
sua saúde com problemas de joelho e prováveis cirurgias para implantação de
próteses.
Nesse sentido, o autor ressalta que, dependendo de cada trabalho útil, o
aumento da intensidade ou o dispêndio de atos de trabalho sob intensidade
elevada (grifo nosso), costuma se dar de várias maneiras e também de forma
combinada com o aumento dos níveis de produtividade. Entre os casos
exemplares que demonstram a ocorrência da superexploração mediante a
combinação entre o aumento da intensidade e da produtividade do trabalho, o
autor evidencia: o caso do trabalhadores da indústria automobilística; os
cortadores manuais de cana-de-açucar, ligados ao setor sucroralcooleiro, que
trabalham em condições alarmantes; e o caso dos trabalhadores de
telemarkating, que trabalham em um ritmo ou intensidade elevadas com
jornadas menores ou part-time.
Uma última modalidade de superexploração da força de trabalho, analisada
por Luce (2013), refere-se ao hiato entre o aumento do elemento histórico-
moral3 do valor da força de trabalho e o pagamento da remuneração recebida.
Ao observar o acesso do segmento da população da “classe C” aos bens de
luxo, como televisores e máquinas de lavar, o autor enfatiza que esse consumo
se dá somente à custa da redução do fundo de consumo do trabalhador e de
seu fundo de vida. Por sua vez, este fato comprova que no contexto atual do
capitalismo dependente e periférico, o capital não tende a gerar concessões às
classes trabalhadoras, como no capitalismo dominante. Porquanto, essa suposta
ascensão de uma “nova classe média”, configura uma forma renovada da
superexploração da força de trabalho.
3 Segundo Osório, “o elemento histórico-moral é conceituado por Marx, ao comprovar o desenvolvimento material da sociedade e a generalização dos novos bens que, em épocas determinadas vão se transformando em bens necessários à reprodução do valor da força de trabalho”. (OSÓRIO, apud LUCE,2013)
III. CONCLUSÃO
A nova prossessualidade histórica brasileira, na entrada do século XXI, expõe
o novo e precário mundo do trabalho no Brasil 4 , assim como denomina
Alves(2014), constituído principalmente a partir de duas camadas importantes: o
precariado e os novos assalariados flexíveis, que não conseguem fugir da
frustração profissional, em virtude do esvaziamento do sentido da ação laboral,
por conta das novas condições de organização do trabalho.
Sabe-se que o Brasil não escapou às determinações da reestruturação
produtiva do capital, cuja globalização, em tese, pretendeu igualar países
desiguais. Evidentemente, o Brasil tem sido submetido aos mesmos princípios,
regras e protocolos comuns a todo o mundo capitalista. Em termos conceituais,
“os métodos japoneses são, no Brasil, utilizados como ferramentas de
racionalização do já existente, sem nada mudar das lógicas fundamentais
tayloristas e fordistas que constituem o fundamento da indústria tradicional”
(CORIAT, 1994: p. 12).
Nesse sentido, a reestruturação produtiva através da introdução de novas
tecnologias e novos métodos de gestão do trabalho tem implicações
devastadoras sobre o mercado de trabalho. Decorrente disso, como produtos da
desregulação do mercado, tem-se o desemprego e um processo generalizado
de precarização das condições de trabalho, o qual se expressa através de
“formas de contratação instáveis, prolongamento da jornada de trabalho,
redução de rendimentos e demais benefícios, flexibilização de direitos
trabalhistas e ampliação da informalidade” (FILGUEIRAS et ali,2010: p.41).
Diante deste quadro de desregulamentação do trabalho, evidencia-se a
própria tendência estrutural do trabalho capitalista, analisada por Braverman
(1974) em sua obra clássica Trabalho e Capital Monopolista, o qual demonstrou
historicamente a degradação das ocupações profissionais mais especializadas,
cujas ações tornam-se esvaziadas de sentido, pela intensificação da ação
laboral (gestão toyotista acoplada às novas tecnologias informacionais), sem, no
entanto, abrir mão da orientação antecedente.
A considerar o aumento da informalidade e os projetos de regulamentação
das atividades de terceirização, que defendem a ampliação das terceirizações,
através da divisão de atividades-meio e atividades-fim, estas mudanças,
apontam para uma “nova era de transformação estrutural do mercado de
4 Alves, G. derrelição de Ícaro, disponível em: http://blogdaboitempo.com.br/2014/06/02/a-derrelicao-de-icaro/, publicado em 02/06/2014. Acesso em 05/07/2014.
trabalho brasileiro”, onde a terceirização aparece como “a grande expressão da
tragédia do trabalho no Brasil” (BRAGA, 2015, p. 1)5.
Por trás do discurso da empresa moderna, encobre-se o objetivo principal
dos projetos de Lei 4.330 (colocado em discussão pelo Senado Federal), e da
Lei da Terceirização ( projeto 4302 ) —, votada no último mês, pela Câmara de
Deputados— é de ampliar as possibilidades de terceirização para qualquer tipo
de serviço. Dito de outra maneira, reedita-se o discurso da modernização ou da
busca de regulamentação da terceirização, sob uma suposta defesa de maior
autonomia para o trabalhador. Mas o que se vê claramente é o aprofundamento
da deterioração das condições de trabalho e o consequente manejo degradante
da força de trabalho, que se refletem no aumento dos acidentes de trabalho, no
acesso restrito ao seguro-desemprego e na redução de gastos com direitos
sociais, à custa do aumento da exploração e da degradação do trabalho
assalariado. Corroborando Braga (2015), revela-se com clareza que a
“militarização do conflito social” e a “transição para um modelo apoiado na
pilhagem dos direitos sociais e trabalhistas” estão em curso avançado no Brasil.
Acrescenta-se ainda que, o incremento das formas de superexploração da
força de trabalho expressam-se por uma combinação de informalidade e
terceirização, e atestam, portanto, a condição dos trabalhadores precarizados no
contexto atual do capitalismo brasileiro dependente e periférico, no sentido da
expropriação dos direitos ao contrato direto de trabalho e da proteção legal ao
trabalho. Este fato denota que a superexploração da força de trabalho segue
uma tendência de desvalorização da força de trabalho, que se dá mediante “a
redução da qualidade e do tempo real de vida do trabalhador pelo desgaste
psicofísico do trabalho; e do sitiamento de qualquer projeto de vida do
trabalhador e sua família (ético-político, pessoal, social), a empobrecer suas
objetivações e ideários, dada a centralidade da luta pela sobrevivência, a
insegurança, as incertezas e os riscos do trabalho” (MOTA, 2013, p. 4).
Em suma, no contexto atual do capitalismo brasileiro contemporâneo, o
incremento da superexploração da força de trabalho se dá tanto na esfera
produtiva por conta do aumento da taxa de mais-valia absoluta e mais-valia
relativa, como na esfera jurídico-política através da expropriação do contrato de
trabalho e desregulamentação dos direitos e benefícios na área trabalhista,
5 Sobre isso, ver BRAGA (2015), A Era da Pilhagem, publicado em 25.05.2015. In: http://blogdaboitempo.com.br. Acesso em 10.06.2015.
como fundo de garantia, aviso prévio, contribuição previdenciária, décimo
terceiro salário, férias etc., além da ausência de proteção social ao trabalho.
Diante do exposto, podemos concluir que a precarização e a superexploração
da força de trabalho constituem as mediações essenciais para apreender as
metamorfoses e as atuais transformações no mundo do trabalho.
REFERÊNCIAS
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