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Capítulo 12 – Teorias da ligação afetiva (Attachment) Da mesma forma que no capítulo sobre teorias do desenvolvimento da linguagem, eu incluí esta discussão a respeito das teorias da ligação afetiva, não porque estas sejam mais profundas ou melhor desenvolvidas do que aquelas de outras áreas, mas porque são baseadas, em alguns casos, em pesquisas muito interessantes e recentes e tam bém porque as perspectivas alternativas são bastante contrastantes. É claro que há teorias sobre o desenvolvimento da agressão e, também, teorias que lidam com o desenvolvimento da motivação para a realização, mas, nestas áreas, as alternativas não estão claramente definidas como nas diversas teorias de ligação afetiva. Entre as diversas teorias da ligação afetiva encontramos vários de nossos velhos amigos, como a teoria da aprendizagem social, a teoria freudiana e a teoria cognitivo desenvolvimental. Mas, nesta área, também existe uma outra abordagem teórica um tanto diferente e muito interessante, denominada teoria etológica. TEORIA ETOLÓGICA A abordagem etológica ao estudo da dependência e ligação afetiva é baseada am plamente nos estudos com animais, em ambiente natural. Tais estudos levaram à con cepção de que muitos comportamentos em animais, pássaros e peixes são instintivos e que até mesmo os padrões de relacionamento podem ser instintivos. Por exemplo, o ritual de acasalamento em muitas espécies consiste de intrincadas seqüências instinti vas, sendo que cada ação de um dos membros do par elicia a próxima ação do outro membro. John Bowlby sugeriu que o mesmo tipo de padrão instintivo mútuo poderia estar envolvido na primeira ligação afetiva entre o bebê humano e sua mãe. Os traba 1 Eu agradeço a Eleanor Maccoby e John Masters pela lúcida discussão que tiveram comigo, a respeito das al ternativas teóricas sobre as ligações afetivas o que me serviu de base para parte deste capítulo. 213

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Capítulo 12 – Teorias da ligação afetiva (Attachment)

Da mesma forma que no capítulo sobre teorias do desenvolvimento da linguagem, eu incluí esta discussão a respeito das teorias da ligação afetiva, não porque estas sejam mais profundas ou melhor desenvolvidas do que aquelas de outras áreas, mas porque são baseadas, em alguns casos, em pesquisas muito interessantes e recentes e tam bém porque as perspectivas alternativas são bastante contrastantes. É claro que há teorias sobre o desenvolvimento da agressão e, também, teorias que lidam com o desenvolvimento da motivação para a realização, mas, nestas áreas, as alternativas não estão claramente definidas como nas diversas teorias de ligação afetiva.

Entre as diversas teorias da ligação afetiva encontramos vários de nossos velhos amigos, como a teoria da aprendizagem social, a teoria freudiana e a teoria cognitivo desenvolvimental. Mas, nesta área, também existe uma outra abordagem teórica um tanto diferente e muito interessante, denominada teoria etológica.

TEORIA ETOLÓGICA

A abordagem etológica ao estudo da dependência e ligação afetiva é baseada am plamente nos estudos com animais, em ambiente natural. Tais estudos levaram à con cepção de que muitos comportamentos em animais, pássaros e peixes são instintivos e que até mesmo os padrões de relacionamento podem ser instintivos. Por exemplo, o ritual de acasalamento em muitas espécies consiste de intrincadas seqüências instinti vas, sendo que cada ação de um dos membros do par elicia a próxima ação do outro membro. John Bowlby sugeriu que o mesmo tipo de padrão instintivo mútuo poderia estar envolvido na primeira ligação afetiva entre o bebê humano e sua mãe. Os traba 1 Eu agradeço a Eleanor Maccoby e John Masters pela lúcida discussão que tiveram comigo, a respeito das al ternativas teóricas sobre as ligações afetivas o que me serviu de base para parte deste capítulo.

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lhos de Mary Ainsworth e H.R. Schaffer estão parcialmente baseados em tais suposi ções.

A noção fundamental é que o bebê vem ao mundo equipado com um conjunto de sinais e respostas aos outros, que compõem o que Bowlby chama de “comportamento de ligação afetiva (attachment behavior). O bebê indica a necessidade de ajuda ou contato através do choro, agitação, sorriso, etc e mantém o contato com a pessoa que cuida dele abraçando-a, agarrando-se a ela ou, no estágio de engatinhar ou andar, se guindo sua mãe. Bowlby considera que no início da infância as ações da criança são eliciadas por vários sinais fixos, como a separação ou o perigo. Posteriormente, seus comportamentos de ligação afetiva tornam-se mais adaptativos, de modo que ela po de dirigi-los mais precisamente à mãe ou a outra pessoa que a substitua. Na medida em que se desenvolve, o bebê passa a usar intencionalmente seu repertório de com portamento de ligação afetiva. Também a agressão pode ter uma origem similar e pode ser instintivamente deflagrada por uma determinada gama de eventos, inclusive a frustração.

Bowlby, como Ainsworth, sugere que a manutenção ou não do padrão instintivo depende das respostas das pessoas que cercam o bebê. E necessário um par para esta valsa singular e, se um não responde ou se a resposta não se liga corretamente ao sinal do bebê, então o padrão instintivo pode não persistir. Entretanto, a teoria etológica apresenta algumas dificuldades em lidar com os fatos da progressão desenvolvimental do comportamento de

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ligação afetiva. Em particular, não está claro por que a criança começa a mostrar uma ampliação da ligação afetiva, de forma a incluir um número ca da vez maior de pessoas por volta do final de seu primeiro ano de vida, especialmente depois do desenvolvimento de uma dança tão complexa e eficiente com sua mãe (ou outra fonte principal de interação social).

TEORIA DA APRENDIZAGEM SOCIAL

Os teóricos da aprendizagem social, como os teóricos etologistas, sugerem que as diferenças individuais na ligação afetiva resultam de tratamentos diferenciais, mas, ao contrário de Bowlby, eles não assumem padrões inatos de sinalização e resposta. Em vez disso, eles assumem que a ligação afetiva da criança com sua mãe está baseada nos cuidados afetuosos desta em relação à criança. Muitas vezes, a mãe satisfaz as necessidades da criança e, aos poucos, pelo fato dela mesma estar freqüentemente em associação com coisas boas — fraldas secas, banho, alimento a mãe também se torna uma ‘‘coisa boa” e assim, logo ela se torna reforçadora para a criança. Uma vez que a criança tenha começado a mostrar os vários tipos de comportamentos associa dos à ligação afetiva e à dependência, tais como agarrar-se, procurar contato e pedir ajuda ou atenção, a mãe pode reforçá-los diretamente, ajudando a manter tais compor ta mentos.

A força da dependência da criança é, precisamente, função da freqüência de refor çamento da mesma, embora, como eu já assinalei anteriormente, esta relação não seja tão simples. Um esquema de reforçamento parcial, no qual a criança exibe diversos pe didos de ajuda ou atenção antes que a mãe responda, resultará num comportamento dependente mais forte do que o faria uma resposta imediata. O bebê que, por diversas vezes, solicita atenção chorando, mas que só recebe uma resposta após muito choro, pode ser mais apegado à mãe, mais dependente do que a criança que recebe uma res posta imediata (veja Quadro 11-1).

A teoria da aprendizagem social também responde por diferenças específicas nos padrões de ligação afetiva ou relações de dependência. De acordo com esta aborda gem, as crianças aprendem não só a quem se ligar ou de quem depender, mas também como evocar respostas afetuosas de outra pessoa. Alguns pais respondem ao choro, alguns aos pedidos de ajuda, alguns à necessidade de contato, etc. Assim, a criança aprenderá a distinguir quais são os comportamentos reforçados. Um exemplo clássico é o filho de uma amiga minha, com 4 anos, que aprendeu uma linda rotina. Ele começa dizendo Mamãe” diversas vezes. Se não acontece algo, ele eleva seus pedidos para “Mamãe, eu quero você”. Se ainda assim não há reação, ele exclama “Mamãe, eu preciso de você! “. Com esta exclamação, a mãe resolve atender e se dirige a ele. Agindo assim, ela não apenas estabeleceu exatamente um tipo de esquema de reforça mento parcial que tenderá a manter sua resposta dependente por um longo período de tempo, mas ela também reforçou um determinado padrão de pedidos de ajuda pela criança.

Uma série de nomes importantes está associada às teorias de aprendizagem social da ligação afetiva ou dependência. Robert Sears foi um dos proeminentes iriiciadores de tal explicação da personalidade, particularmente da dependência. Outros são: Sid ney Bijou, Donald Baer, Albert Bandura, Richard Walters e Jacob Gewirtz. Entre estes homens não há exatamente um acordo completo no que se refere ao processo subja cente, mas todos têm enfatizado a importância dos padrôes de reforçamento na deter minação tanto do relacionamento interpessoal da criança quanto de outros compor tamentos. Além disso,

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Bandura e Walters têm colocado grande ênfase na importância da aprendizagem observacional. Eles destacam o fato de que a criança aprende muitas de suas habilidades e padrões de comportamento, vendo outras pessoas desempenhá los. A teoria da aprendizagem observacional tem sido aplicada mais freqüentemente ao problema do desenvolvimento da agressão do que para o desenvolvimento das liga ções afetivas (ver Quadro 11-3), mas é provável que os mesmos princípios sejam apli cáveis.

Entretanto, a teoria da aprendizagem social apresenta algumas dificuldades, quan do tenta responder pelos padrões de mudança desenvolvimental nas ligações afetivas que ocorrem na mesma seqüência, em quase todas as crianças. Os teóricos da apren dizagem social têm sugerido que as mães, como um grupo, começam a mudar seus padrões de reforçamento aproximadamente ao mesmo tempo. Por exemplo, as mães podem começar a reforçar as crianças por brincarem com outras crianças por volta da idade de 2 ou 3 anos, levando, assim, ao começo da mudança da ligação afetiva do adulto em relação às crianças. Pode-se pensar desta forma, mas outros téoricos explo ram o fenômeno desenvolvimental de modo mais convincente.

A despeito destas dificuldades, a teoria da aprendizagem social tem sido a aborda gem individual mais influente no estudo do desenvolvimento da personalidade. Obvia mente, os padrões de resposta da criança aos outros são influenciados pelas respostas destes a el as crianças aprendem a se comportar segundo os padrões que satisfazem os adultos e elas respondem aos padrões de recompensa e punição que são estabele cidos pelos adultos. Elas aprendem padrôes de interação através da observação. En tretanto, esta teoria não é completamente inconsistente com as outras teorias. Por exemplo, a teoria etológica pode responder bem pela origem dos padrões de respos ta, enquanto que os teóricos da aprendizagem social podem estar certos no que se re fere à manutenção posterior destes padrões e à aprendizagem de novos padrões.

TEORIA COGNITIVO

Os teóricos cognitivo-desenvolvimentais, tais como Piaget, Bruner ou Werner, têm tido pouco a dizer a respeito do desenvolvimento das relações interpeSSOais nas crianças. Recentemente, no entanto, diversos investigadores, dos quais Lawrence Kohlberg talvez seja o mais proeminente, têm começado a tentar uma aplicação mais geral da teoria cognitivo_desenvOlvimental ao desenvolvimento dos comportamentos interpessoais, incluindo as ligações afetivas. O princípio essencial desta abordagem é que “qualquer comportamento da criança é uma função do desenvolvimento cognitivo que ela alcançou. Um derivado ilustrativo deste princípio aplicado às ligações afetivas é que uma criança não pode desenvolver uma ligação afetiva específica até que tenha discriminado e reconhecido uma pessoa individual” (Maccoby e Masters, 1970, p. 91).

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A ênfase aqui é sobre a primazia do desenvolvimento cognitivo da criança. As mu danças nas habilidades cognitivas da criança acarretarão ou possibilitarão mudanças nas relações da criança com os outros; a criança não pode mostrar uma ligação afetiva até que ela possa discriminar sua mãe dos outros e até que ela tenha algum tipo de constância do objeto. De fato, os primeiros sinais de uma ligação afetiva singular apa recem no momento em que a criança adquiriu as capacidades cognitivas aparente mente necessárias. Mais tarde, quando a criança começa a desenvolver uma noção do conceito de tempo, ela será capaz de

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reconhecer, por exemplo, que os preparativos que a mãe faz antes de sair — por o casaco, pegar as chaves do carro — serão segui- dos de sua saída e ela poderá mostrar alguns protestos, não quando sua mãe sai, mas sim quando ela começa a vestir o casaco. De fato, tal comportamento ocorre na época em que se espera que isto aconteça, com base no conhecimento a respeito do desen volvimento do conceito de tempo pela criança.

Kohlberg não enunciou uma resposta completa para o desenvolvimento da ligação afetiva e do vínculo entre tal desenvolvimento e as habilidades cognitivas emergentes da criança. Mas, a noção fundamental é intrigante e pode ajudar a responder pelos pa drões de desenvolvimento consistentes que parecem estar subjacentes ao crescimento das ligações afetivas. Novamente, note que esta abordagem teórica não é inconsisten te com a teoria da aprendizagem social ou com a teoria etológica. Cada uma delas po de responder por um diferente aspecto do processo total.

TEORIA PSICANALÍTICA

Sigmund Freud, de forma semelhante aos etologistas, enfatizou a qualidade instin tiva das ligações afetivas. De acordo com Freud, o bebê vem ao mundo dotado de diversos conjuntos de instintos, incluindo um que se refere à autopreservação (respi rar, comer e coisas semelhantes) e outro que se refere à gratificação sexual (a palavra sexual é usada de uma forma ampla, neste contexto). Freud via a ligação afetiva aos outros como uma das manifestações do instinto sexual da criança. O instinto sexual como um todo é diretamente dirigido a vários objetos, numa seqüência fixa, durante o c,clo vital do indivíduo. E, a cada estágio, a energia sexual (que Freud denominou libi do) é investida numa determinada parte do corpo, numa zona erógena específica. Os estágios, segundo Freud, serão tratados brevemente, a seguir.

O Estágio Oral: Do nascimento até 1 ano

O primeiro contato do bebê com o mundo é através de sua boca e ele tem uma grande sensibilidade nesta. Freud enfatizou que a região oral — a boca, língua e lábios

— torna-se o centro de prazer para o bebê. Sua primeira ligação afetiva é com quem lhe forneça prazer oral, geralmente, sua mãe. Freud não assume que o bebê tenha um conceito de mãe neste estágio inicial, ou mesmo que ele tenha reconhecido que sua mãe seja uma entidade separada da dele. Mas, há alguma ligação afetiva primitiva a ela-que-traz-coisas_agradáveis_à_b

O Estágio Anal: 2 a 3 anos

Na medida em que a maturação prossegue, o tronco inferior torna-se cada vez mais sensitivo na região anal e a criança começa a sentir prazer com os movimentos intestinais, tanto em si mesmos quanto pela eliminação de um desconforto. Mais ou menos ao mesmo tempo em que a sensibilidade anal do bebê aumenta, seus pais co meçam a colocar uma grande ênfase sobre o treinamento à toilete e a mostrar prazer quando ele consegue se desempenhar no lugar e horário apropriado. Estas duas forças em conjunto ajudam a mudar o centro principal da energia sexual da zona erógena oral para a anal.

O Estágio Fálico: 3 a 5 anos

Por volta da idade de 4 anos, há uma nova mudança da região anal para a zona erógena genital. Novamente, há uma base maturacional para a mudança; apenas neste momento é

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que a área genital está completamente desenvolvida e só então a criança começa a ter sensações de prazer na estimulação da área genital. É durante este perío do que ambos os sexos começam, muito naturalmente, a se masturbar.

De acordo com Freud, o evento mais importante que ocorre durante o estágio fáli co é o assim chamado conflito de Édipo. Ele descreve a seqüência de eventos, mais completamente (e mais convincentemente!) para os meninos. Deixe-me traçar o pa drão para você.

A teoria sugere que, de alguma forma, o menino torna-se ‘intuitivamente, desper to para sua mãe, como um objeto sexual” (Rappaport, 1972, p. 74). Precisamente co mo isto ocorre não foi explicado por completo, mas o ponto importante é que por vol ta dos 4 anos, o menino começa a ter um tipo de ligação afetiva sexual em relação a sua mãe e a considerar seu pai como um rival sexual. Seu pai dorme com sua mãe, abraça-a, beija-a e, geralmente, tem acesso a seu corpo de uma forma que o menino não tem. O pai também é visto pelo menino como uma figura poderosa e perigosa, que tem o poder de castrá-lo. O menino é colocado entre o desejo por sua mãe e a ansie dade em relação ao poder de seu pai. Este conflito é resolvido, segundo o pensamento de Freud, pela repressão, por parte do menino, de seus sentimentos por sua mãe e sua identificação com seu pai. O processo de identificação é um processo de interioriza ção, de “incorporação de tudo o que o pai é: seus comportamentos, maneirismos, idéias, atitudes e moral. Fazendo isto, o menino se torna tão parecido com seu pai que este não irá agredi-lo. O processo de identificação resulta na adoção, pelo menino, não apenas do papel sexual masculino apropriado, mas também do sistema moral paterno.

A forma exata como ocorre o processo na menina não está clara nem no trabalho de Freud, nem no de seus seguidores. Supostamente, a menina vê a mãe como uma ri val da atenção sexual pate mas seu medo da mãe é menor (talvez porque ela assu ma que já foi castrada), e a identificação pode ser menos completa. A situação para a menina é diferente ainda de outra forma. Sua ligação afetiva original também é com sua mãe; mas, enquanto o menino muda sua ligação afetiva (identificação) para seu pai, embora continue a amar sua mãe, a menina precisa transferir seu amor para seu pai, continuando afetivamente ligada a sua mãe. De qualquer forma, a interpretação psicanalítica do estágio fálico, para as meninas, não é muito satisfatória. Entretanto, o estágio fálico é considerado da maior importância, tanto para o menino como para a menina, em decorrência do desenvolvimento da identificação — um processo que Freud acreditava ser a chave do desenvolvimento da moralidade, do papel sexual e da ligação afetiva. A criança trocaria a ligação afetiva oral imatura com a mãe, por uma li gação matura com o pai de mesmo sexo,

O Estágio da Latência: 5 aos 12 anos

Freud considerava que, após o estágio fálico, havia uma espécie de período de descanso da próxima mudança importante no desenvolvimento sexual da criança. Pre sumivelmente, a criança alcançou uma resolução preliminar da crise edípica, de modo que há um tipo de calmaria depois da tempestade. Ainda, durante este período, a criança começa a escolaridade e esta nova atividade absorve completamente suas energias. Note que este período corresponde ao período das operações concretas de Piaget, um período durante o qual ocorre um enorme crescimento das capacidades cognitivas, o que sugere a possibilidade de um intercâmbio entre o desenvolvimento interpessoal e emocional por um

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lado e o desenvolvimento cognitivo pelo outro. Quan do um está num período de transição rápida, o outro pode estar um tanto adormecido.

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O Estágio Genital: 12 aos 18 anos e depois

As mudanças posteriores nos órgâos genitais, que ocorrem durante a puberdade, redespertam a energia sexual da criança e, durante este período ocorre uma forma mais matura de ligação afetiva sexual. Desde o início deste período, os objetos sexuais da criança são pessoas do sexo oposto — talvez professores ou ídolos mais velhos no início e, posteriormente, os colegas. De alguma forma, Freud chama a atenção para o fato de que nem todos durante este período dirigem-se para um amor heterossexual maturo. Alguns não completaram de forma bem sucedida o período edípico e têm identificações confusas que afetam sua habilidade de reestimular a energia sexual na adolescência. Alguns não tiveram um período oral satisfatório e, assim, não têm um suporte para as bases do relacionamento amoroso (ou a “confiança” básica, para usar o termo de Erikson). Isto também interferirá na completa resolução dos conflitos da puberdade. Assim, embora em si mesma a seqüência seja fixa, a experiência de cada indivíduo nos vários pontos da seqüência levará a diferenças fundamentais em seu ajustamento geral.

Atualmente, muitos dos psicólogos do desenvolvimento não dão uma grande ênfa se aos estágios psicossexuais, como Freud os descreveu, embora a maioria concorde com a importância da seqüência maturacional subjacente aos estágios psicossexuais. Além disso, muitos dos conceitos desenvolvidos por Freud têm uma utilização e pare cem ter validade. Alguma coisa semelhante à identificação parece ocorrer por volta dos 4 ou 5 anos, embora não esteja muito claro que o conflito edipiano, como Freud o descreveu, seja subjacente ao processo de identificação. Há um tipo de latência um longo período de consistência — no relacionamento interpessoal, nos primeiros anos do 1? grau e há mudanças nos padrões de ligação afetiva durante a adolescência. Desta forma, Freud estava correto em muitos aspectos de sua descrição das diretrizes ge rais do desenvolvimento das ligações afetivas, embora a dinâmica do processo possa ser diferente da que ele sugeriu.

Acima de tudo, as diversas teorias lidam com diferentes aspectos do desenvolvi mento das ligações afetivas e nenhuma delas responde satisfatoriamente a todos os aspectos. A teoria etológica ajuda a responder pelo fato de que, desde o nascimento, a criança possui vários “comportamentos de ligação afetiva” em seu repertório e que estes comportamentos da criança podem ,eliciar cuidados da mãe, Os teóricos da aprendizagem social podem responder adequadamente pela força universal da ligação afetiva inicial com a mãe — a qual é associada a muitos reforçamentos positivos — e, também, pelas variações entre as crianças na posterior força de sua ligação afetiva com a mãe ou outras pessoas. A teoria cognitivo-desenvolvimental, embora não esteja realmente completa no que se refere a esta área, oferece algumas sugestões que po dem ajudar a responder pelas mudanças seqüenciais nos padrões de ligação afetiva, relacionando-as com o crescimento cognitivo da criança. A teoria psicanalítica tem chamado nossa atenção tanto para a importância das mudanças maturacionais na sen sibilidade corporal da criança, que afetará seu modo de interação com o mundo, quan to para o processo de identificação, que é extremamente importante.

É claro que estas abordagens teóricas não são incompatíveis umas com as outras. De fato, há alguns aspectos importantes nos quais elas podem ser combinadas. Por exemplo, os

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teóricos psicanalistas acreditam que o período edipiano e a conseqüente identificação com o pai do mesmo sexo ocorre em algum momento entre os 4 e 7 anos. Durante este período, nós podemos observar uma mudança na ligação afetiva ou dependência da criança ‘em direção ao adulto do mesmo sexo. Mas, talvez as crianças mais maturas cognitivamente possam progredir com maior rapidez através desta se qüência, do que as crianças com um desenvolvimento cognitivo mais lento. Kohlberg e Zigler descobriram isto em meninos, num estudo no qual seus pedidos de atenção ou de aprovação de um professor de sexo masculino ou feminino foram usados como me dida de ligação afetiva. Os meninos mais brilhantes já estavam mais centrados no professor de sexo masculino aos 4 anos, enquanto que os meninos menos brilhantes, já estavam mais ligados ao professor de sexo feminino e mudavam gradativamente, para uma ligação mais acentuada com o professor de sexo masculino, durante o período de 4 a 7 anos.

O ponto é que nós não temos que escolher uma teoria como a “certa” e rejeitar todas as outras. Cada uma delas tem algo único e importante a oferecer e, sem dúvida, cada uma está certa em relação a alguns aspectos do processo.

QUADRO 12-1

OS EFEITOS DA AUSÊNCIA PATERNA SOBRE A CRIANÇA

Tem havido muitas pesquisas sobre o efeito da ausência paterna no desenvol vimento da criança, parcialmente, em decorrência da grande ênfase colocada por Freud na importância da criança ser bem sucedida frente à crise edípica e na necessidade de ambos os pais estarem presentes, para que esta seja resolvida com sucesso. Se Freud está correto, então a ausência paterna durante o período crucial de Edipo terá um maior impacto sobre o menino. Presumivelmente, o me nino desenvolve a mesma ligação amorosa para com sua mãe, mas não tem o pai para temer e assim, não se identifica com o homem ou com o papel masculino, Na medida em que a mãe, em alguma extensão, pode evocar e evoca alguma an siedade ou medo no menino, ele identificar-se-á com ela ou simplesmente man terá sua identificação inicial com a mãe, baseada na dependência. Se estas supo sições são corretas, então o menino sem pai mostrar-se-á menos masculino em uma série de aspectos e o efeito será particularmente forte se o pai estiver au sente durante o período edípico, por volta dos 2 aos 5 anos de idade.

A evidência empírica suporta este conjunto de hip Meninos criados em famílias nas quais o pai está ausente mostram diversos padrões não- masculi nos: eles são tipicamente menos agressivos do que os meninos criados com o pai e eles são mais inclinados a mostrar padrões intelectuais “femininos” de maior habilidade em tarefas verbais do que numéricas. E, o efeito sobre o menino é maior se a separação ocorrer antes dos 5 anos. De fato, a separação do pai após os 5 anos de idade parece ter pouco ou nenhum efeito sobre o menino, co mo Freud provavelmente esperaria. Uma vez que a identificação com o pai tenha ocorrido, o menino orienta seu comportamento por sua imagem iriternalizada do pai e esta imagem está disponível se o pai estiver fisicamente presente ou não.

Sem dúvida, não é necessário invocar a noção freudiana de conflito edipiano para se fazer o mesmo tipo de predição. O processo de identificação — de se modelar cuidadosamente em função de alguma pessoa pode ocorrer por ou tras razões. A criança pode se identificar com a figura dominante na família. Por exemplo, se não há o pai, inevitavelmente a mãe se tornará a figura dominante. Ou, então, a criança pode se identificar com a pessoa que

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controla a manutenção de sua vida. Nas famílias onde há ambos, pai e mãe, pode haver diferentes com binações de controle parental, mas quando apenas a mãe está presente, inevita velmente ela controla a maioria dos aspectos importantes da vida de seu filho. A despeito das razões para a identificação, parece bastante claro que um menino criado numa família sem pai, sem qualquer outro adulto masculino saliente ou um irmão mais velho, é mais passível de se identificar com sua mãe e, em conse qüência, pode ser um tanto “feminilizado”.

Entre as meninas, como poderíamos esperar, há menos efeitos da ausência paterna, pois nesta situação elas têm um modelo feminino adulto disponível. En tretanto, há algum efeito que se nota particularmente durante a adolescência, quando as meninas criadas em famílias sem pai podem ter alguma dificuldade em estabele.cer relações heterossexuais maturas. Elas podem evitar os contatos com homens ou mostrar um tipo de promiscuidade. Na falta do pai, as meninas podem ser privadas da oportunidade de desenvolver as habilidades sociais ne cessárias para um relacionamento maturo com o sexo oposto.

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Resumo

1. O estudo das teorias de ligação afetiva é útil porque, como no caso do desenvol vimento da linguagem, as diversas teorias apresentam contrastes acentuados.

2. A teoria etológica enfatiza os padrões instintivos, inatos, de interação do bebê. Este provoca cuidados chorando ou se movimentando e, então, prolonga-os sen do afetuoso, etc. Com o desenvolvimento, estes padrões instintivos mudam e se tornam mais voluntários.

3. A teoria da aprendizagem social enfatiza o fato dos padrões de ligação afetiva e dependência serem respostas aprendidas. A ligação à mãe ocorre porque ela é, muito freqüentemente, o instrumento primário da criança. A força e a forma das ligações afetivas da criança são uma função dos padrões de reforçamento para aquela determinada criança.

4. A teoria cognitivo-desenvolvimental enfatiza a relação entre o desenvolvimento das ligações afetivas e o desenvolvimento cognitivo. As mudanças nos padrões de ligação afetiva da criança estão relacionadas a mudanças em suas habilidades cognitivas. Por exemplo, o bebê não pode mostrar uma forte ligação afetiva indi vidual até que tenha desenvolvido alguma constância do objeto.

5. A teoria psicanalítica enfatiza a seqüência desenvolvimental de estágios de base maturacional, onde as mudanças nos padrões de ligação afetiva estão relaciona das a mudanças de um estágio para outro. O estágio fálico, que começa aos 4 anos, é de particular importância porque é neste que ocorre a crise edipiana, que envolve o processo de identificação.

6. Estas diversas teorias não devem ser vistas como mutuamente exclusivas; cada uma delas oferece uma explicação de uma parte do fenômeno denominado liga ção afetiva.

Leituras e Referências Sugeridas

Bowlby, J. Attachment and loss. Vol. 1. Attachment. New York: Basic Books, 1969. A mais completa exposição dos conhecimentos disponíveis sobre a teoria “etológica” do desenvolvimento das ligações afetivas,

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Erikson, E. H. Childhood and society. New York: Norton, 1963 (Há tradução para o por tuguês: Infância e Sociedade, Zahar, ed.)

O principal livro de Erikson e aquele onde há suas principais afirmações teóricas: leia, em particular, o capítulo 7, “As Oito idades do homem”,

Freud, S. A general introduction to psychoanalysis. New York: Washington Square Press, 1960 (Os livros de Freud estão traduzidos por diversas editoras).

Uma introdução útil ao estilo de pensamento de Freud; é apenas uma de suas inúmeras publicações,

Hetherington, M. & Deur, J. The effects of father absence on child development, In W. W. Hartup (Ed.), The young child: Reviews ofresearch. Vol 2, Washington D. C.: Natio nal Association for the Education of Voung Children, 1972.

Uma excelente revisão de todas as questões levantadas no Quadro 12-1; escrita para uma audiência semiprofissional e não para professores universitários,

Kohlberg, L. A cognitive-developmental analysis of children’s sex-role concepts and at titudes. In E Maccoby (Ed.), The developmental of sex differences. Stanford: Stanford University Press, 1966.

O artigo não lida diretamente com o desenvolvimento das ligações afetivas mas sim, apre senta de forma completa, a abordagem cognitivo-desenvolvimental. Kohlberg, L. & Zigler, E. The impact of cognitive maturity on the development of sex-role attitudes in the years 4- 8. Genetic Psychology Monographs, 1967, 75, 89-1 65.

Um artigo longo mas com uma seção introdutória que descreve muito bem a abordagem teórica de Kohlberg.

Maccoby, E. E. & Masters, J. C. Attachment and dependency. Em P. H. Mussen (Ed.) Carmichael’s manual of child psychology (3’ ed.) Vol. 2. New York: Wiley, 1970.

Um artigo particularmente bom sobre as teorias de ligação afetiva e sobre as mudanças desenvolvimentais relacionando-as com as alternativas teóricas, Escrito, no entanto, numa linguagem sofisticada.

Rappoport, L. Personality development: The chronology of experience. Glenview, II Scott, Foresman, 1972.

Uma excelente introdução ao desenvolvimento da personalidade, incluindo uma descrição muito boa e simples, tanto dos estágios freudianos quanto eriksonianos.