Upload
others
View
16
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Patrícia Passos da Silva
CARACTERÍSTICAS GERAIS E FONOAUDIOLÓGICAS DA ESCLEROSE
MÚLTIPLA
Goiânia
2009
Patrícia Passos da Silva
CARACTERÍSTICAS GERAIS E FONOAUDIOLÓGICAS DA ESCLEROSE
MÚLTIPLA
Artigo elaborado como pré requisito parcial para aprovação na Pós Graduação Lato Sensu em Fonoaudiologia Hospitalar pela PUC/CEAFI. Orientadora: Maria Aparecida
Sumã Pedrosa Carneiro.
Co-orientadora: Líllian Chrisitina
Oliveira e Silva.
Goiânia
2009
CARACTERÍSTICAS GERAIS E FONOAUDIOLÓGICAS DA ESCLEROSE MÚLTIPLA
Patrícia Passos da Silva*
RESUMO
Os objetivos deste trabalho foram descrever as características da EM,
bem como salientar os sinais e sintomas comumente encontrados, dando
ênfase às características fonoaudiológicas. Metodologia: Para a elaboração
deste artigo foi realizada extensa pesquisa bibliográfica em diferentes bases de
dados, como Medline, Scielo Brasil e Lilacs, além de livros. Considerações
finais: Os sintomas fonoaudiológicos, por mais simples ou mais incapacitantes
que sejam, merecem atenção especial por parte do fonoaudiólogo, seja para
realizar apenas esclarecimento aos familiares e cuidadores, orientações quanto
à mudança de determinados hábitos do portador, para monitorar a progressão
da doença com a progressão dos sintomas através de pesquisas em centros
de referências e terapias e até mesmo reabilitar as funções que foram perdidas
através de técnicas e/ou novas vias de alimentação e comunicação, visando
sempre a qualidade de vida do portador de EM.
Palavras- chave: Esclerose Múltipla, fonoaudiologia, disfagia, disartria.
.
1 INTRODUÇÃO
As patologias subsequentes a lesões no Sistema Nervoso Central (SNC)
podem determinar comprometimentos bastante incapacitantes. As doenças
neurológicas progressivas acarretam alterações que limitam o desempenho do
indivíduo de forma crescente, em maior ou menor grau, de acordo com a velocidade
da evolução, nas mais diversas funções (CASTRO, 1999).
Segundo Sadiq (2005), Esclerose Múltipla é uma doença crônica que se inicia
habitualmente em adultos jovens. Caracteriza-se por múltiplas áreas de inflamação,
desmielinização e formação de cicatrizes gliais (esclerose) na substância branca do
SNC. Segundo o autor, a evolução clínica da EM varia de uma doença benigna e
praticamente livre de sintomas a um transtorno rapidamente progressivo e
incapacitante.
De início, segundo o autor acima, a EM é uma doença com remissões e
recidivas e a recuperação das recidivas é praticamente completa. Posteriormente,
incapacidades neurológicas permanentes evidenciam-se gradualmente.
A escolha do tema justifica-se pelo motivo de a EM ser a principal doença
incapacitante em pessoas jovens, conforme afirma Castro (1999), e Hall (1992), em
que relata que a Esclerose Múltipla (EM) é o tipo mais comum de doença
desmielinizante e a principal causa de dano neurológico em adultos jovens.
Os objetivos deste trabalho são: descrever as características da EM, bem como
salientar os sinais e sintomas comumente encontrados, dando ênfase às alterações
fonoaudiológicas.
2 METODOLOGIA
Para a elaboração deste artigo foi realizada extensa pesquisa bibliográfica em
diferentes bases de dados, como Medline, Scielo Brasil e Lilacs, além de livros. Esta
pesquisa utilizou os seguintes descritores: esclerose múltipla disfagia orofaríngea
neurogênica e disartria.
3 REVISÃO DE LITERATURA
Conforme descreve Noseworthy (2000), a esclerose múltipla (EM) é uma
doença crônica, inflamatória, auto-imune e desmielinizante do sistema nervoso
central (SNC). Acomete pacientes jovens, principalmente na faixa etária dos 20
aos 40 anos, que corresponde à fase de maior produtividade dos indivíduos.
Provoca incapacidades funcionais progressivas, causando grande impacto na
vida dos portadores e de seus familiares. A principal forma de evolução da
doença é a surto-remissão (EMSR), para a qual se preconiza atualmente
tratamento medicamentoso com imunomoduladores. Há também outras
apresentações clínicas, como primariamente progressiva, secundariamente
progressiva e progressiva com surtos (LUBLIN, 1996).
A EM foi descrita por Bocaccio e Steinman (1996) como uma doença
desmielinizante durante a qual uma reação auto-imune é dirigida contra os
oligodendrócitos, células nervosas do SNC. Os autores acrescentam evidências que
os oligodendrócitos respondem ao ataque através da modulação de seu metabolismo
associado à expressão genética. Isto determina que a EM seja uma patologia na qual
o sistema imunológico do organismo reage contra a mielina, que é o isolamento das
fibras nervosas, causando sua deterioração. Este processo pode acontecer em duas
formas: progressivas ou recidivantes. Nas progressivas, o indivíduo vai perdendo
funções gradativamente; nas recidivantes, a evolução ocorre em surtos ou crises com
posterior remissão dos sintomas.
A mielina é uma membrana formada principalmente de proteínas e lipídeos,
como descrito por Rolak (1995), e recobre os axônios das células nervosas a fim de
que melhor conduzam os potenciais de ação elétricos. No trabalho de Stuifberg e
Rogers (1997), com descrição sobre a fisiopatologia, os autores confirmaram que sem
a mielina o nervo torna-se inútil, incapaz de transmitir os impulsos nervosos.
Silberberg (1984) acrescenta que algumas placas de mielina apresentam um
tipo de destruição apenas parcial. Ainda assim, verifica-se que, com este
acometimento, todas as funções de inervação parcial ou totalmente comprometidas
ficam afetadas em maior ou menor grau.
Em estudo realizado por Vogel e Carter (1995), pode-se ter uma visão global
da patologia. Os autores descreveram a EM como uma doença que apresenta a perda
da mielina com preservação dos axônios. O diagnóstico da mesma é auxiliado pela
característica flutuante das alterações, com manifestações episódicas e remissões. A
medula seria o local de predomínio para o comprometimento. Os autores acrescentam
que, ao exame por Ressonância Magnética (RM), detecta-se a desmielinização
progressiva em substância branca adjacente aos ventrículos, nervos ópticos, tronco
cerebral, cerebelo e medula. O fluido cérebro-espinhal pode apresentar produção
anormal, aumentada, de imunoglobulina ou quebra da produção de mielina.
A EM foi caracterizada por Darley, Aronson e Brown (1978) como
apresentando ilhas cinza irregulares na substância branca do cérebro, podendo
ocorrer em maior parte nas regiões periventriculares e, frequentemente, na substância
branca da medula e cerebelo. Quiasma óptico, nervos ópticos e tratos ópticos também
podem apresentar estas placas, embora com nervos periféricos normais. Os
pigmentos na bainha de mielina caracterizam a desmielinização, são placas levemente
circunscritas. Podem aparecer estas placas distribuídas através da substância branca
dos hemisférios cerebrais, tronco cerebral, cerebelo e medula dificultando a
transmissão de impulsos nervosos e provocando os diversos sintomas, enquanto a
substância cinzenta permanece relativamente sem comprometimento. Por estes
achados, os autores afirmaram que as funções relacionadas à motricidade geral
estarão sempre mais afetadas, na grande maioria dos casos.
A EM é mais comum em mulheres que em homens, com incidência de 1,4 a
3,1 vezes mais mulheres que homens afetados. A idade de início tem distribuição
unimodal, com um pico entre 20 e os 30 anos. Raramente aparece antes dos 10 anos
ou depois dos 60 anos, conforme descrito por Sadiq (2005).
A EM tende a manifestar nas pessoas quando elas se encontram justamente
no auge de suas vidas, muitas vezes interrompendo ou mesmo pondo fim em suas
carreiras. A maioria dos casos é diagnosticada quando a pessoa está com a idade de
20 a 40 anos, e já tem filhos pequenos ou está pensando em formar uma família; a
maior probabilidade do início da doença se encontra entre as idades de 31 e 33 anos
(MOULIN, 1988).
Pode se afirmar que a doença ocorre em todas as raças; mas é mais comum
na raça branca e relativamente rara em asiáticos ou pessoas de origem africana.
Grosso modo, a incidência e prevalência tendem a aumentar à medida que nos
afastamos do equador, mas essa relação é muito complexa e parece ser influenciada
por fatores tanto geográficos quanto genéticos, segundo os autores Clifford (1994),
Indaco (1994) e Vermore (1986).
O diagnóstico da EM é descrito por Rolak (1995) como um dos mais difíceis
dentro da neurologia, mas acrescenta que existem critérios clínicos que podem auxiliar
na detecção da doença.
Atualmente, os critérios mais utilizados para diagnóstico da EM são os critérios de
McDonald. Tais critérios utilizam uma combinação de evidências clínicas, laboratoriais
e de Ressonância Magnética (RM) para diagnosticar a EM.
Para Sadyk (2005), os sinais e sintomas são variados e parecem incluir todos
os sintomas que podem decorrer de lesão em qualquer parte do neuroeixo, da medula
espinhal ao córtex cerebral. Segundo ele, as manifestações clínicas dependem das
áreas do SNC envolvidas.
Rolak (1995) descreve os sintomas mais comuns da doença como segue:
1. Fraqueza piramidal (45% dos casos)
2. Neurite óptica (40% dos casos)
3. Perda sensorial (35% dos casos)
4. Disfunção do tronco cerebral (30% dos casos)
5. Ataxia e tremor cerebelares (25% dos casos)
6. Distúrbios esfincterianos (20% dos casos)
Os sintomas que aparecem na fase inicial da patologia como fraqueza
muscular, parestesias (alterações da sensibilidade), deficiências visuais e perda da
coordenação, foram descritos por Silberberg (1984). O autor salientou que, com o
curso da doença, podem aparecer alterações urinárias, vertigens, deficiências
auditivas, dores faciais, dores nas extremidades ou no tronco e disartria. Também no
grupo de pacientes estudados por Midgard, Riise e Nyland (1996), 10,5% apresentou
severas anormalidades das funções de tronco cerebral, incluindo fraqueza motora
extra-ocular, disartria ou disfagia.
Foi determinado por Vogel e Carter (1995), na progressão da doença, a
presença de alterações da sensibilidade (parestesias), diminuição da visão, diplopia ou
neurite óptica, sintomas vestibulares ou cerebelares (vertigem, desequilíbrio),
espasticidade (aumento da resistência de uma articulação e seus músculos ao
movimento passivo), diminuição do controle em movimentos finos, disartria e disfagia,
disfunções urinárias e sexuais. Associados a estes sintomas, foram verificadas
desordens de humor e dores em agulhadas na região pélvica, no ombro ou face.
Outros sintomas também foram descritos no estudo de Buyse, Demedts,
Meekers, Van De Gaer, Rochette e Kerkhofs (1997) salientando-se o grande
comprometimento respiratório presente nesta patologia, mais especificamente
causado pela deficiência muscular. Os autores determinam a inter-relação entre a
função pulmonar, a função muscular respiratória e a função neurológica.
Um caso de EM no qual o paciente desenvolveu perda auditiva unilateral súbita
coincidente com exacerbação das alterações do SNC foi apresentado por Yamasoba,
Sakai e Sakurai (1997). Determinou-se o envolvimento do nervo coclear periférico
acometido por lesão desmielinizante inflamatória aguda, confirmado por exames
específicos que, sob o tratamento com fármacos, evoluiu bem. Também foi descrito
por Dogulu e Kansu (1997) um caso no qual de um paciente de EM apresentou perda
auditiva neurossensorial permanente.
Garcia-Asencio, Lopez-del-Val, Barrena, Guelbenzu e Mazas (1997) afirmaram
que crises de epilepsia são raras em pacientes com EM, embora sejam mais comuns
nestes pacientes do que na população em geral. As lesões que originam estas crises
são subseqüentes às placas de desmielinização que afetam áreas corticais e
subcorticais. Crises epilépticas também foram descritas por Bertol, Gros, Ara, Uson,
Perez e Oliveros (1997) como quadro associado a outros sintomas em dois pacientes
portadores desta patologia. Os autores não definiram a relação causal entre a
presença das crises e a EM, mas determinaram que, em ambos os pacientes
descritos, as lesões desmielinizantes localizavam-se no lobo temporal.
A descrição de um caso por Okuda, Tanaka, Tachibana, Iwamoto, Takeda,
Kawabata e Sugita (1996) de um paciente de 56 anos, portador da doença,
demonstrou alterações importantes em funções corticais superiores caracterizadas
como agnosia visual, agrafia e apraxia em membro superior esquerdo. Estas
alterações foram determinadas pelos autores como sendo subsequentes a sinais de
desconexão em corpo caloso, muito raro em EM, e lesões em substância branca, mais
especificamente em lobos bilaterais frontais e occipitais.
Alterações de funções superiores também foram encontradas por Litvan,
Grafman, Vendrell, Martinez, Junque, Vendell e Barraquer-Bordas (1988), em trabalho
anterior, quando descreveram seus pacientes apresentando déficits em memória
verbal. Foi descrito por Primavera, Gianelli e Bandini (1996) um caso de afasia
epiléptica como sendo um quadro raro e focal. Os autores explicaram a manifestação
deste episódio pelo fato de que as “placas” foram encontradas na junção entre o
córtex e a substância branca cerebral ou mesmo na substância cinzenta. O quadro
afásico evoluiu bem com a remissão das descargas epilépticas.
Com relação ao aparecimento de distúrbios psiquiátricos, foi realizada uma
descrição por Rodgers e Bland (1996) que salientaram, principalmente, a presença da
depressão associada à doença. Os autores reforçam a necessidade de maiores
pesquisas para conhecer as causas reais da associação deste distúrbio. Desta forma,
não concluíram se os problemas psiquiátricos estão diretamente relacionados à
patologia ou surgem em decorrência do choque sofrido pelas limitações do curso da
doença. Achados semelhantes foram confirmados por Stip e Roy (1997), sendo
também acrescentado por estes autores que as relações entre as características
sintomatológicas e a severidade da doença ainda estão sujeitas a controvérsias.
O trabalho realizado por Sandyk (1996) determina que a depressão é a
manifestação emocional mais comum na EM, acarretando uma alta incidência de
suicídio e Hubber (1993) já havia afirmado anteriormente que isto não seria uma
simples reação à incapacidade física. Os episódios de suicídio foram estudados na
Dinamarca, como referido por La Rocca (1998), sendo encontrados em uma
freqüência duas vezes maior do que na população em geral. Segundo este estudo, o
suicídio estaria definitivamente relacionado aos quadros de depressão ou associado
aos raros episódios bipolares, surtos de riso e choro, euforia e desinibição.
Devido às queixas de distúrbios sexuais, os especialistas passaram a estudar
este aspecto mais detidamente, embora isso, os trabalhos que apresentam descrições
quanto à natureza ou freqüência destes problemas ainda são poucos. Os achados
também não apresentam número suficiente de pacientes para conclusões mais
específicas, como descrito por Foley (1998). Neste trabalho ainda é referido que o
tratamento da disfunção sexual enfoca quase que exclusivamente a disfunção erétil,
ou seja, o problema masculino. Os poucos trabalhos que envolvem as dificuldades
femininas, descrevem os mesmos resultados dos trabalhos com indivíduos
masculinos, ou seja, já caracterizam que os problemas sexuais também são em
decorrência da fisiopatologia e não apenas pelo impacto emocional determinado pela
doença progressiva.
Freal, Kraft e Coryeell (1984), em estudo sobre a fadiga, confirmaram que há
desconhecimento em relação à causa primária deste distúrbio, o que limita a
prevenção ou tratamento mais efetivo. Ressaltam que a causa secundária da fadiga,
devido à falta de condicionamento por fraqueza muscular e inatividade, pode ser
manejada através de exercícios e atividades físicas. Este distúrbio é um dos mais
comuns e menos compreendidos sintomas da EM, como citado por Hubsky e Sears
(1992) em estudo subseqüente, principalmente no que se refere a determinação das
causas específicas do mesmo. Foi reforçado por Stuifberg e Rogers (1997) que a
fadiga está sempre presente e exacerba outros sintomas, sendo extremamente
debilitante.
Outros sintomas, como a presença de desequilíbrio postural, foram descritos
por Williams, Roland e Yellin (1997) através do estudo de vários pacientes com EM
que apresentaram este episódio em algum momento no curso da doença.
Segue abaixo, um quadro com os sinais e sintomas comuns na EM:
Sistema Funcional Freqüência %
Motor
• Fraqueza muscular 65-100
• Espasticidade 73-100
• Reflexos (hiperreflexia, babinsk, abdomnais ausentes) 62-98
Sensitivo
• Alteração do sentido vibratório/posicional 48-82
• Alteração de dor, temperaura ou tato 16-72
• Dor (moderada a grave) 11-37
• Sinal de Lhermitte 1-42
Cerebelar
• Ataxia (membros/marcha/tronco 37-78
• Tremor 36-81
• Nistagmo (do tronco cerebral ou cerebelar) 54-73
• Disartria (do tronco cerebral ou cerebelar)
Nervos cranianos/tronco cerebral
• Visão afetada 27-55
• Distúrbios oculares (excluindo nistagmo) 18-39
• Nervos cranianos V, VII,VIII 5-52
• Sinais bulbares 9-49
• Vertigens 7-27
Autonômico
• Disfunção vesical 49-93
• Disfunção intestinal 39-64
• Disfunção sexual 33-59
• Outras (sudorese e anormalidades vasculares) 38-43
Psiquiátrico
• Depressão 8-55
• Euforia 4-18
• Anormalidades Conitivas 11-59
Diversos
• Fadiga
59-85
Sintomas fonoaudiológicos
Nas pesquisas realizadas na década de 60 com relação aos distúrbios da
comunicação apresentados pelos pacientes portadores de EM, podemos salientar o
trabalho de Farmakides e Boone (1960). Estes autores apresentaram um estudo com
82 pacientes portadores de doença; encontraram cinco características que geralmente
apareciam na fala destes pacientes: qualidade nasal da voz, fonação fraca (hipofonia),
ciclos respiratórios pobres, mudanças na altura, lentidão e deterioração intelectual
associados à labilidade emocional. Esta associação de comprometimentos seria
provavelmente determinada por lesões em várias regiões do SNC o que foi confirmado
em estudos posteriores.
Segundo Darley, Aronson e Brown (1978), 19% dos pacientes de EM
apresentam alterações da fala. Os autores descrevem como “escandida“ a
característica principal desta fala. Neste estudo, quando foram analisados 168
pacientes, detectou-se que os desvios da expressão oral mais frequentes seriam em
função do deficiente controle na intensidade e aspereza da voz. Esta descrição
salienta que a metade dos pacientes apresentou articulação alterada. A gravidade do
quadro disártrico não estaria relacionada com a idade do paciente ou duração da
doença, mas possivelmente com a severidade do envolvimento neurológico. Os
demais comprometimentos da expressão oral nestes pacientes pesquisados
agravavam-se quando sistemas motores adicionais também eram envolvidos.
É importante a consideração destes autores, neste trabalho, sobre a
performance global da fala em termos de impacto sobre o ouvinte. Foram detectados
59% dos pacientes como sendo considerados normais, enquanto 28% apresentaram
severidade mínima de desvio na performance da fala e 13% com severidade máxima
em relação aos desvios. Através desta pesquisa, os autores também salientaram o
não aparecimento de distúrbios da fala nos primeiros estágios da doença. A maioria
dos pesquisadores relacionaria a manifestação disártrica com transtornos cerebelares
ou como sendo subsequente, em parte, à provável espasticidade presente. Nos casos
em que foi detectado um comprometimento severo da fala, os autores relacionaram
estas alterações ao grau de envolvimento neurológico dos diversos sistemas motores.
Com isso, haveria uma diminuição das diadococinesias bucais (capacidade de realizar
movimentos sequenciais e alternados com órgãos do sistema sensório-motor-oral) e
aumentaria a freqüência respiratória com piora da capacidade vital.
No trabalho realizado por Dores, Chiappeta, Oliveira, Gabbai e Schimidt
(1995), foram relacionados como principais comprometimentos que envolvem a fala e
SSMO (sistema sensório-motor-oral): a incoordenação pneumofonoarticulatória e a
falta de ar relacionada, cansaço à sucção e mastigação devido à fadiga muscular,
disfagia, alteração do tônus facial, principalmente aumento do mesmo, ataxia
interferindo na sucção, mastigação e coordenação pneumofonoarticulatória e
dificuldade para a intelegibilidade da fala. Em relação a este último sintoma, os autores
referem que não é muito percebido pelos pacientes, mas passa a ser identificado
através da conscientização do problema.
Autores como Vogel e Carter (1995) salientam que podem aparecer alterações
da fala dependendo da região e extensão desmielinizada; estas alterações
apresentariam características específicas que determinariam o diagnóstico de disartria
flácida, disartria espástica ou disartria atáxica. Na EM, a articulação aparece
moderada ou severamente afetada. A fala é lenta e laboriosa podendo manifestar
severa interrupção da prosódia, hipernasalidade importante, fonação tenso-
estrangulada e controle deficiente da intensidade da voz. Podemos acrescentar Metter
(1991) que havia descrito, em estudo anterior ao citado, os pacientes portadores de
EM como apresentando comprometimento em mais de um sistema, mais
especificamente, sistemas piramidal e cerebelar. Poderiam ocorrer componentes das
disartrias espástica e atáxica, o que caracterizaria o quadro disártrico como misto
(Disartria Mista). O autor confirma que os problemas de fala de diversos graus
ocorrem em 50% dos casos.
A disartria espástica é caracterizada pela qualidade áspera, forçada e
estrangulada da fonação e a alteração da articulação manifesta-se através da
lentidão com diminuição da prosódia (fala monótona, sem as variações normais
de entonação). Quando a lesão é unilateral, a disartria é menos severa. A disartria
atáxica caracteriza-se por mudanças de coordenação da fala seqüencial, com
alterações mais importantes quanto à prosódia e articulação. A voz é áspera e a
ressonância é normal.
Devido à expressão oral comprometida e às alterações dos componentes da voz,
autores como Angelis, Mourão, Andrade e Ferraz (1996) referem-se à alteração da
fala nas doenças neurológicas como disartrofonias.
Macedo Filho (1998) refere que a laringe apresenta um sistema que envolve
cartilagens unidas a ligamentos e músculos e, por esta característica, movimenta-se
com a função de proteção das vias aéreas inferiores. Isto ocorre através de seu
envolvimento na deglutição, também participando da fonação e respiração. A função
protetora das vias aéreas durante a deglutição inclui adução das pregas vocais,
aproximação ariepiglótica, movimento laríngeo antero-superior e abaixamento
epiglotal, como descrito por Shaker, Milbrath, Ren, Campbell, Toohill e Hogan (1995).
Quando nesta seqüência motora, que deve acontecer durante a deglutição, ocorre
alguma alteração que desencadeie dismotilidade, as vias aéreas são desprotegidas,
as pregas vocais não fecham completamente, podendo desencadear-se um processo
aspirativo. Também devido a uma intercorrência nos centros neurais responsáveis
pelos comandos desta área, a laringe perderia esta função antiga em evolução e de
caráter vital para o organismo.
As formas mais graves de disfagia, como descrito por Dantas (1998),
aparecem como conseqüência de disfunções orofaríngeas. Isto ocorre devido à
característica funcional da orofaringe e sua participação, como citado anteriormente,
nos movimentos que fazem parte da deglutição, fala e respiração.
O autor também salienta que a disfagia orofaríngea, quando subseqüente a
comprometimento nos mecanismos centrais de controle da motilidade, é caracterizada
por alterações propulsivas na região da orofaringe.
Os distúrbios da deglutição, segundo Koch (1996), aparecem associados
às doenças neurológicas por várias desordens no ato de engolir. O autor salienta que
a evolução do quadro é flutuante e com piora progressiva associada à patologia de
base. Da mesma forma, é citado por Harris e Murry (1984) que estas desordens da
deglutição são subseqüentes ao comprometimento do nervo encefálico específico ou
por lesão no tronco cerebral. Este distúrbio da deglutição ou disfagia pode estar
relacionado freqüentemente a distúrbios da alimentação e subseqüente à presença de
Refluxo Gastro-Esofágico (RGE) patológico que, segundo Baptista (1996), é o retorno
espontâneo do conteúdo gástrico por disfunção do esfíncter esofágico inferior. Este
quadro normalmente vem associado a episódios de tosse e pneumonias de repetição.
Na descrição de Marchezan (1995), a autora reforça que certos pacientes
neurológicos podem apresentar aspirações silenciosas com penetração laríngea.
Resíduos alimentares penetrariam pelo canal aéreo chegando aos pulmões e o que, a
princípio, não determinaria nenhuma alteração, posteriormente poderia acarretar uma
possível pneumonia. Percebe-se, com isso, a importância da análise criteriosa destas
funções e dos cuidados quando da presença de alterações mesmo que leves. Em
Rocha (1998), há a descrição do quadro disfágico desta patologia com aumento da
latência do reflexo da deglutição por redução na movimentação das estruturas orais,
mastigação alterada por fadiga, preferência por consistências mais suaves/líquidas e
redução da função laríngea com sinal de penetração na deglutição de líquidos
principalmente.
Segundo Gilroy (2005), a disartria é comum na EM, mas raramente interfere na
comunicação. Sendo indicado o fonoaudiólogo para acompanhamento. Já a disfagia,
envolve um desequilíbrio entre as fases oral e faríngea da deglutição, estando
indicada a avaliação por um fonoaudiólogo, incluindo investigações radiológicas com
bário e fluoroscopia visual.
O fonoaudiólogo pode então sugerir alterações na dieta e o uso de várias
manobras para facilitar a deglutição. Em casos avançados, quando a disfagia é um
problema importante, o paciente deve ser alimentado através de uma sonda
(gastrostomia percutânea).
O quadro abaixo resume as principais características fonoaudiológicas em
portadores de EM de acordo com a localização da lesão e / ou demonstração clínica
segundo Gilroy (2005):
Sintomas sensoriais Hipoestesia, parestesias e disestesias na região orofacial.
Sintomas cerebelares Disatria
Sintomas de Tronco Paresia facial; disartria e disfagia episódica.
Dor Neralgia do trigêmio ou dor facial atípica
Fadiga Incapacidade de realizar tarefas simples, cansaço ao
mastigar e deglutir.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo fato da EM acometer adultos jovens, na fase mais produtiva de suas vidas
e por ser uma das doenças que mais cresce no mundo, a preocupação com os
sintomas fonoaudiológicos, por mais simples, pouco incapacitantes ou muito
incapacitantes que sejam, merecem atenção especial por parte do fonoaudiólogo que
atua com pacientes neurológicos, seja para realizar apenas esclarecimento aos
familiares e cuidadores, orientações quanto à mudança de determinados hábitos do
portador (atenção primária), para monitorar a progressão da doença com a progressão
dos sintomas através de pesquisas em centros de referências e terapias (atenção
secundária) e até mesmo reabilitar as funções que foram perdidas através de técnicas
e/ou novas vias de alimentação e comunicação (atenção terciária), visando sempre a
qualidade de vida do portador de EM.
REFERÊNCIAS
ANGELIS, E.C.; MOURÃO, L.F.; ANDRADE, L.A.F.; FERRAZ, H.B. - Avaliação
Fonoaudiológica das Disartrofonias. In: MARCHEZAN, I.Q.; ZORZI, J.L.;
GOMES, I.C.D. eds. Tópicos em Fonoaudiologia 1996. Vol III. São Paulo,
Lovise, 1996. p.389-410.
BAPTISTA, E.N. O Refluxo Gastroesofágico na clínica Fonoaudiológica. In:
MARCHEZAN, I.Q.; ZORZI, J.L.; GOMES, I.C.D. eds. Tópicos em Fonoaudiologia 1996. Vol III. São Paulo, Lovise, 1996. p.563-571.
BERTOL, V.; GROS, M.B.; ARA J.R.; USON, M.; PEREZ, M.I.; OLIVEROS, A. -
Multiple sclerosis as a cause of partial complex epilepsy. Rev. Neurol.,
25(137):78-9, 1997.
BUYSE, B.; DEMEDTS, M.; MEEKERS, J.; VAN DE GAER, L.; ROCHETTE, F.;
KERKHOFS, L. Eur. Resp., (10)1:139-45, 1997.
CAMPION, K. - Multiple sclerosis: Professional issues. Nurs. Times., 93(12):57-62, 1997.
CLIFFORD, DB, TROTTER, JL. Pain in multiple sclerosis. Arch Neurol .1994;41:1270-2.
DANTAS, R.O. - Disfagia orofaríngia. In: MACEDO FILHO, E.D.; PISSANI, J.C.;
CARNEIRO, J.; GOMES, G.; KLEINER, M. eds. Disfagia. Abordagem
multidisciplinar. São Paulo, Frôntis Editorial, 1998. p.7-16.
DARLEY F.L.; ARONSON, A.E.; BROWN, J.R. - Alteraciones Motrices del
Habla. Buenos Aires, Ed. Medica Panamericana, 1978. 296 p.
DOGULU, F.C. & KANSU, T. - Upside –down reversal of vision in multiple
sclerosis. J. Neurol., 244(7):461-72, 1997.
DORES, D.A.B.; CHIAPPETTA, A.L.M.L.; OLIVEIRA, A.S.B. GABBAI, A.A.;
SCHMIDT, B. – Esclerose Lateral Amiotrófica: Estudo fonoaudiológico de 45
casos: Avaliação e terapia. In: MARCHESAN, I.Q.; BOLAFFI, C.; GOMES,
I.C.D.; ZORZI, J.L. eds. Tópicos em Fonoaudiologia 1994. Vol I. São Paulo,
Lovise, 1994. p.135-151.
________, - O trabalho fonoaudiológico em doenças neuromusculares. In:
MARCHEZAN, I.Q.; BOLAFFI, C.; GOMES, I.C.D.; ZORZI, J.L. eds. Tópicos
em Fonoaudiologia 1995. Vol II. São Paulo, Lovise, 1995. p.167-198.
FARMAKIDES, M.N. & BOONE, D.R. - Speech problems of patients with multiple sclerosis. J. Speech Hear. Dis., 25:385-90, 1960.
FOLEY, F. – Sexuality and Intimacy in Multiple Sclerosis. In: Kalb, R. ed. Multiple Sclerosis: a guide for families. New York. Demos Vermand. 1998. 207 p.
FREAL, J.; KRAFT, G.; CORYEELL, J. - Symptomatic fatigue in multiple sclerosis. Arch. Phys. Med. Rehab., 65:176-80, 1984.
GARCIA-ASENCIO, S.; LOPEZ-DEL-VAL, J.; BARRENA, R.; GUELBENZU, S.;
MAZAS, L. - Epilepsy as first sign of multiple sclerosis. Rev. Neurol.,
25(137):80-3, 1997.
HALL, JW. Neurodiagnosis: central nervous system. In: Hall J W. Handbook
of auditory evoked responses. Massachusetts: Allyn and Bacon;1992. p. 419-72.
HARRIS, B. & MURRY, T. - Dysarthria and aphagia case study of treatment
neuromuscular. Arch. Phys. Med. Rehab., 65:408-12, 1984.
HUBBER, S.J.; RAMMONHAN, K.W.; BORNSTEIN, R.A.; CHRISTY, J.A. -
Depressive symptoms are not influenced by severity of multiple sclerosis.
Neuropsychiatry, Neuropsychology and Behav. Neurol., 6:177-80, 1993.
HUBSKY, E.P. & SEARS, J.H. - Fatigue in multiple sclerosis: Guidelines for
nursing care. Rehab. Nursing., 17:176-80, 1992.
INDACO, A. LANCHETTA, C. SOCCI, L. CARRIERI, PB. Chronic and acute pain syndromes in patients with multiple sclerosis. Acta Neurol 1994;16:97-102.
KOCH, W.M. - Swallowing disorders: Diagnosis and therapy. Med. Clin. North
Am., 77(3):571-83, 1996.
LA ROCCA, N. – Emotional and cognitive issues. In: KALB, R. ed. Multiple
Sclerosis: a guide for families. New York. Demos Vermand. 1998. 207 p.
LITVAN, I.; GRAFMAN, J.; VENDRELL, P.; MARTINEZ, J.M.; JUNQUE, C.;
VENDRELL, J.M.; BARRAQUER-BORDAS, J.L. - Multiple memory deficits in
pacients with multiple sclerosis. Exploring the working memory sistem. Arch.
Neurol., 45:607-10, 1988.
MACEDO FILHO, E.D. - Fisiologia aplicada da deglutição. In: MACEDO FILHO,
E.D.; PISSANI, J.C.; CARNEIRO, J.; GOMES, G.; KLEINER, M. eds. Disfagia. Abordagem multidisciplinar. São Paulo, Frôntis Editorial, 1998. p.1-6.
LUBLIN FD, REINGOLD SC. Defining the clinical course of multiple sclerosis:
sclerosis: results of an international survey. National Multiple Sclerosis So-
ciety (USA) Advisory Committee on Clinical trials of New Agents in Multiple
Sclerosis.Neurology 1996;46:907-911.
MARCHEZAN, I.Q. Disfagia. In: MARCHEZAN, I.Q.; BOLAFFI, C.; GOMES,
I.C.D.; ZORZI, J.L. Eds. Tópicos em Fonoaudiologia 1995. Vol II. São
Paulo, Lovise, 1995. p.161-166.
METTER, E.J. Distúrbios da Fala. Rio de Janeiro, Enelivros, 1991. 209 p.
MIDGARD, R.; RIISE,T.; NYLAND, H. - Impairment, disability and handicap in
multiple sclerosis: A cross-sectional study in na incident cohort in More and
Roms dal County, Norway. J. Neurol., 243(4):337-334, 1996.
MOULIN, D. FOLEY,K. EBERS, G. Pain syndromes in multiple sclerosis.
Neurology 1988;38:1830-4.
NOSEWORTHY, JH, LUCCHINETTI C, RODRIGUEZ M, WEINSHENKER, BG.
Multiple sclerosis. N Engl J Med 2000; 343:938-951
OKUDA, B.; TANAKA, H.; TACHIBANA, H.; IWAMOTO, Y.; TAKEDA, M.;
KAWABATA, K.; SUGITA, M. - Visual form agnosia in multiple sclerosis. Acta
Neurol. Scand., 94: 38-44, 1996.
PRIMAVERA, A.; GIANELLI, M.V.; BANDINI, F. - Aphasic status epilepticus in
multiple sclerosis. Eur. Neurol., 36:374-77, 1996.
ROCHA, E.M.S.S. – Disfagia: avaliação e terapia. In: MARCHEZAN, I.Q. ed.
Fundamentos em Fonoaudiologia: aspectos clínicos da motricidade oral.
Rio de Janeiro. Guanabara Koogan. 1998. p.91-98.
ROLAK, L.A. - Doença Desmielinizante. In: Rolak L.A. ed. Segredos em
Neurologia. Porto Alegre, Artes Médicas, 1995. p.217-225.
SANDYK, R. - Premenstrual exacerbation of symptoms in multiple sclerosis is
attenuated by treatment with weak eletromagnetic fields. Int. J. Neurosci.,
83(3-4):187-98, 1995.
SHAKER, R.; MILBRATH, M.; REN, J.; CAMPBELL, B.; TOOHILL, R.; HOGAN,
W. – Deglutive aspirations in patients with tracheostomy : effects of tracheostomy on the duration of vocal cord closure. Gastroenterology., 108:
1357-1360, 1995.
SILBERBERG, D.H. Doenças Desmielinizantes. In: WYNGAARDEN, J.B., SMITH, L.H. eds. Cecil. Tratado de Medicina Interna. 16ª ed. Vol.II. São Paulo, Interamericana, 1984. p.2140-2145.
STIP, E. & ROY, M. - Psychiatric disorders in multiple sclerosis [letter]. Can. J.
Psychiatric; 43(3):324-5, 1997.
STUIFBERG, A.K. & ROGERS, S. - The experience of and strategies of self-care among persons with multiple sclerosis. Apl. Nurs. Res., 10(1):2-10, 1997.
VERMORE, R. KETELAER, P. CARTON, H. Pain in multiple sclerosis. C l.In: Neurol Neurosurg 1986;88:87-93.
VOGEL, D. & CARTER, J.E. The effects of drugs on communications
disorders. San Diego. California. Singular Publishing, Inc. 1995. 168p.
WILLIAMS, N.P.; ROLAND, P.S.; YELLIN, W. - Vestibular evaluation in patients
with early multiple sclerosis. Am. J. Otol., 18(1):93-100, 1997.
YAMASOBA, T.; SAKAI, K.; SAKURAI, M. - Role of acute cochlear neuritis in
sudden hearing loss in multiple sclerosis. .J. Neurol. Sci., 146 (2):179-81,
1997.