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Carta Pastoral Cinco pães e dois peixes Três anos depois...

Carta Pastoral - Diocese de Portalegre - Castelo Branco · 2012-02-25 · distribuiu-os pelos que estavam sentados, tal como os peixes, e eles comeram quanto ... dos Apóstolos e

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Carta pastoral: Cinco pães e dois peixes

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Carta Pastoral

Cinco pães e dois peixesTrês anos depois...

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Ficha Técnica:

Título: Carta Pastoral: Cinco pães e dois peixes

Tiragem: 1.500 Exemplares

Impressão: Impritejo - Artes Gráficas, Lda. Gavião

31 Jo 6, 5-13.

O pouco com Deus é muito

Erguendo o olhar e reparando que uma grande multidão viera ter com Ele, Jesus disse então a Fili-pe: «Onde havemos de comprar pão para esta gente comer?» Dizia isto para o pôr à prova, pois Ele bem sabia o que ia fazer.

Filipe respondeu-lhe: «Duzentos denários de pão não chegam para cada um comer um bocadinho.» Disse-lhe um dos seus discípulos, André, irmão de Simão Pedro: «Há aqui um rapazito que tem cinco pães de cevada e dois peixes. Mas que é isso para tanta gente?» Jesus disse: «Fazei sentar as pessoas.»

Ora, havia muita erva no local. Os homens sentaram-se, pois, em número de uns cinco mil. Então, Jesus tomou os pães e, tendo dado graças, distribuiu-os pelos que estavam sentados, tal como os peixes, e eles comeram quanto quiseram. Quan-do se saciaram, disse aos seus discípulos: «Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca». Recolheram-nos, então, e encheram doze cestos de pedaços dos cinco pães de cevada que sobejaram aos que tinham estado a comer 1.

Normalmente olhamos para esta passagem de São João centrados na figura de Jesus Cristo e do milagre que Ele operou. Há, porém, outras abordagens ao tex-

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to. Podemos dizer que há tantas leituras quantas as pes-soas que sobre ele repousam em busca de sentido. Para além de Jesus, dos Apóstolos e de uma multidão que nos fala bem da novidade apresentada por Jesus Cris-to, o quarto Evangelista fala-nos de “um rapazinho”. Em termos narrativos, podemos dizer que a multipli-cação dos pães parte da ousadia deste rapazinho, que não tem vergonha de por à disposição de Jesus Cristo o pouco que tinha.

Antes de avançar, deve ter pensado se devia ou não. Deve ter imaginado que seria mais prudente esconder o pouco que tinha, para fazer face a alturas de maior necessidade. Deve ter posto a possibilidade de Jesus reagir como Filipe, achando que aquele pouco nada poderia contra o grande problema que tinham entre mãos: uma multidão, para a qual seriam necessários 200 denários2 de pão, ainda que cada um comesse apenas um pedaço.

É desta imagem que partimos para refletir a vida da nossa Diocese3.

Perante tantas necessidades e tão poucos recursos, podemos temer apresentar os “cinco pães e dois pei-xes” que temos. Perante uma Diocese desertificada e empobrecida, com um presbitério pequeno e enve-lhecido, com uma população também envelhecida, dispersa e com pouca mobilidade, poderíamos fazer

2 O denário era uma moeda pequena, de prata, da república romana. Foi cunhada pela primeira vez, segundo alguns, em 268 antes de Cristo. Um denário equivale-ria ao salário de um dia de um trabalhador (cf. Mt. 20,2.9.10.13).

3 A Diocese tem 222.341 habitantes, segundo o censo de 2011. A sua grandeza está, não na população, mas na área, na dispersão: é a terceira maior do país. Em 10 anos perdeu 13.853 pessoas, uma média de 1.385 por ano. Atendendo à idade da população, nos próximos dez anos esta tendência acentuar-se-á. Tem 9 Concelhos com menos de 4 mil habitantes cada um.

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como o Apóstolo Filipe e propor que cada um resolva os seus problemas e “vá às aldeias vizinhas comprar o que comer”. Mas não. A fidelidade ao mandamento de Jesus Cristo e o zelo pastoral exigem-nos que coloque-mos nas mãos de Deus os “cinco pães e dois peixes” com a humildade de quem sabe nada poder resolver por si, e com a ousadia da Fé em Deus que tudo pode.

I. As pessoas

1. Os Padres

Temos na Diocese 96 sacerdotes, incluindo dioce-sanos, não diocesanos e religiosos. Dos diocesanos, 9 trabalham ou residem fora da Diocese; 8 estão apo-sentados; 4 religiosos e 3 sacerdotes de outras dioce-ses não têm nomeação canónica. Da totalidade, isto é, dos 96, colaboram connosco no múnus pastoral, com nomeação canónica diocesana, 72 presbíteros, dioce-sanos, não diocesanos e religiosos, divididos entre a paroquialidade e capelanias, os serviços diocesanos e os períodos de formação em universidades estran-geiras. Não são muitos, mas, de facto, pelo que temos visto, compensam a dispersão com a comunhão pres-biteral e o cansaço com a dedicação ao bem da Igreja. São amados pelas comunidades que servem e amam as suas comunidades com coração de pastor que põe o bem do rebanho à frente do seu próprio bem. Muitos gastam-se para além do que seria humanamente exi-gível, quer em intensidade e ritmo de trabalho, quer em anos de serviço à Igreja, mantendo-se ativos muito além da idade de aposentação, negando a si mesmos

I. As Pessoas

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o merecido descanso depois de uma vida de trabalho.Mas também há limitações. Muitos ocupam-se e

gastam-se ao serviço de estruturas cuja utilidade co-locamos seriamente em dúvida, com ritmos e hábitos gerados noutras realidades socioculturais que não res-pondem aos desafios dos novos tempos. Temos para nós que a percentagem de tempo dedicada à repetição de iniciativas esgotadas é altíssima em comparação com a inovação e a criatividade pastorais que são qua-se inexistentes. Reconhecemos que, por várias razões, a inovação não é fácil, mas é nela que temos de apos-tar, sem duvidar.

As dificuldades acentuam-se porque, dada a escassez de padres e de vocações presbiterais, somos forçados a pedir mais serviços aos mesmos, que generosamente aceitam, mas que, sem mudanças estruturais na sua ac-ção, continuam a fazer o mesmo de sempre, mas ago-ra fragilizados pela correria entre paróquias e serviços. Pedimos muitas vezes aos padres, sobretudo nas visitas pastorais e diante do povo de Deus, que façam esco-lhas, que invistam no que é essencial e não se dispersem no que outros podem fazer, que valorizem os ministé-rios laicais e os mecanismos de corresponsabilidade que servem para que cada um faça o que lhe é específico.

O presbítero, de facto, em virtude da consagração que recebe pelo sacramento da ordem, é enviado pelo Pai, através de Jesus Cristo, ao Qual como Cabeça e Pastor do seu povo é configurado, de modo especial, para viver e atuar, na força do Espírito Santo, ao serviço da Igreja e para a salvação do mundo 4.

A configuração a Cristo é a charneira da vida do

4 João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores dabo vobis, 12.

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presbítero: na ação, sempre; mas, antes e depois da ação, na profunda ligação a Deus, por meio da ora-ção. O tempo dedicado à oração e à proximidade com a Palavra de Deus é investimento pastoral com mais frutos do que muitas iniciativas visíveis. Se o padre é o homem por excelência da Eucaristia, a Liturgia das Ho-ras, “que livremente abraçou como obrigação grave”5, não pode cair no rol das coisas que se fazem quando houver tempo, mas é preciso que seja o próprio ritmo do dia em que todas as ações e ocupações ganham sentido e perspectiva. É preciso que o ritmo dos dias não se sobreponha ao ritmo da oração, marcada pelo quotidiano e normal, mas também por tempos fortes de oração e exclusiva dedicação a Deus. Os retiros anu-ais, sejam os propostos pelas estruturas diocesanas, se-jam os que cada um procura, não podem estar abaixo de nada na lista das prioridades. Sem uma vida intensa de oração e a desejada dinâmica sacramental, a ação tornar-se-á estéril ativismo e os frutos recolhidos mais não serão que populismo que não converte, antes des-centra e afasta. “Todo o plano pastoral, todo o projec-to missionário e todo o dinamismo evangelizador que prescindisse do primado da espiritualidade e do culto divino estaria destinado ao fracasso”6 .

A comunhão entre presbíteros, que se há-de mani-festar numa amizade profunda entre todos e de todos connosco, é para nós central na vida do presbitério. A distância não pode ser desculpa para a solidão nem para o individualismo. Para além das realidades pasto-rais que permitem a vida em comum de alguns presbí-

5 Congregação para o Clero, O Presbítero, Pastor e Guia da Comunidade Paro-quial, 14.

6 Idem, 11.

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teros que partilham casa e afazeres, é necessário que todos se sintam corresponsáveis pelo bem-estar uns dos outros. É bom e apelamos vivamente a que os pa-dres se visitem e ajudem mutuamente e que o povo de Deus possa exclamar, como outrora: “Vede como eles se amam”.

A formação permanente dos sacerdotes é estrutural para uma Diocese que se quer a responder às pergun-tas dos homens e mulheres do nosso tempo. Essa for-mação deve ser intelectual, teológica e pastoral, mas também humana e espiritual. Deve ir muito além dos momentos formais e deixar-se converter numa atitude constante de atenção aos sinais dos tempos e de res-posta aos desafios hodiernos, alimentada pela leitura e estudo pessoal.

Para esta formação deverão contribuir as reuniões mensais de clero e os outros momentos organizados e promovidos pela respetiva Vigararia Episcopal.

O relacionamento entre os padres e o seu bispo tem sido e deve ser sempre de verdade e de responsabili-dade, parábola de comunhão na Igreja que desejamos e edificamos dia a dia. Sentimo-nos felizes, animados e motivados quando os padres entendem os trabalhos que lhes são confiados como seus e a nossa presença e interesse, não como falta de confiança, mas como ajuda e estímulo.

Não esquecemos os padres que, fruto da idade avançada ou da doença, estão afastados das respon-sabilidades pastorais. Olhamos para eles com admira-ção e gratidão e contamos com a sua oração constante, como suporte à atividade de todo o presbitério.

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2. Os diáconos

A missão da Igreja não se esgota no ministério pres-biteral. Desde a Igreja nascente que os Apóstolos per-ceberam a necessidade da ajuda por parte de homens de boa fama, sobre os quais impuseram as mãos, para o serviço da caridade 7 .

O ministério dos diáconos, essencialmente diferente do dos presbíteros e do dos bispos, é com estes expres-são da apostolicidade da Igreja de Cristo8.

A nossa Diocese tem treze diáconos permanentes que desempenham o seu ministério, maioritariamente, nas paróquias de origem. Mas outros assumiram tra-balhos pastorais mesmo fora das paróquias de origem onde, em colaboração com os párocos, ajudam na evangelização, na catequese e na condução das co-munidades. Queremos muito a estes homens que, pais de família e profissionais realizados, dedicam uma par-te significativa do seu tempo à vida das comunidades cristãs.

Também para os diáconos desejamos que a forma-ção permanente seja uma constante9. Usufruindo da-quilo que pode ser comum ao presbitério, mas também com momentos de formação especificamente pensa-dos e orientados para a redescoberta constante da sua identidade ministerial10, sendo de todo o interesse que as suas esposas, sempre tão dedicadas e atentas, tam-bém participem nestas iniciativas de formação especí-fica.

7 Act 6, 1-6; cf. Congregação para o Clero, Diretório do Ministério e da Vida dos Diáconos Permanentes,37.

8 Idem, 30.9 Idem, 63.10 Idem, 63

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Sabemos que, muitas vezes, os fiéis menos adver-tidos podem ver o diácono como um padre que não pode fazer algumas coisas. A falta de padres não pode desvirtuar a identidade deste ministério na Igreja. Como vocação própria e específica, são escolhidos, forma-dos, ordenados e enviados, sobretudo para aquilo que o ritual da ordenação ressalta: “Crê no que lês, ensina o que crês e vive o que ensinas”!

Queremos que os diáconos o possam ser plenamen-te, no exercício do tríplice ministério evangelizador, caritativo e litúrgico11. Por isso, os nomeámos, não sozinhos, mas para integrar uma equipa pastoral mais alargada, em que o exercício da originalidade de cada ministério possa significar realização pessoal e ser oca-sião para gerar, no povo de Deus, uma maior consciên-cia da natureza ministerial da Igreja12.

3. Os consagrados

As virtudes evangélicas da castidade, pobreza e obe-diência são propostas a todos os batizados, mas alguns sentem um chamamento de Deus a vivê-las de forma radical. Com os mais diversos carismas e missões, são uma riqueza inestimável para a Igreja universal e dio-cesana. Acreditamos que a oração discreta, mas per-manente, dos dois Mosteiros de clausura13 que existem no território da nossa Igreja particular, é tão decisiva para a fecundidade da ação pastoral como as ações de grande dimensão e visibilidade. Por isso, muito gosta-ríamos que sobre eles se falasse mais nas comunida-

11 Idem, 22.12 Idem, 41.13 Irmãs Carmelitas do Sagrado Coração de Jesus, na vila do Crato; e Irmãs Claris-

sas, Obra de Santa Clara, em Montalvo, Constância.

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14 Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vita Consecrata, 3.

des e a eles se fizessem visitas, com crianças e jovens, para que fossem ainda mais conhecidos e apresentados como proposta e desafio.

O testemunho feliz das religiosas e religiosos de vida ativa a trabalhar na nossa Diocese é uma cateque-se constante sobre o amor de Deus pela humanidade, no carinho e dedicação com que tratam as crianças, jo-vens e idosos que lhes estão confiados. A forma como os leigos e leigas consagrados testemunham a sua fé, muitas vezes no completo anonimato e normalidade dos seus trabalhos, é parábola da semente lançada à terra que morre para dar muito fruto.

Apreciamos todas as formas de vida consagrada e, pelo que temos visto nas mais diversas ocasiões, acre-ditamos que a sua presença marca a diferença num processo de humanização da sociedade e promoção da pessoa humana, razão que explica o apreço de to-dos, incluindo dos mais afastados, por estes homens e mulheres que vivem antecipadamente os Novos Céus e a Nova Terra. Conscientes das suas preocupações e tensões provocadas pela cultura do tempo em que vi-vemos, constatamos, nos Institutos, um esforço cons-tante de fidelidade criativa ao seu carisma específico, para buscarem, no silêncio de si mesmos e na atenção aos sinais dos tempos, formas novas e novas respostas para as situações com que se deparam. Esperamos que se sintam sempre “no coração da Igreja como elemen-to decisivo para a sua missão”, pois exprimem a íntima natureza da vocação cristã14.

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4. Os leigos comprometidos

O batismo, sendo dom, é a raiz de todos os direitos e deveres na Igreja e a fonte de toda a dignidade cris-tã. Os leigos empenhados nos mais diversos serviços e dimensões da vida da Igreja não realizam uma missão por favor, muito pelo contrário, realizam a sua missão de batizados.

Seja na ação sociocaritativa, na liturgia, na cateque-se ou na administração dos bens temporais da Igreja, os leigos chamados a servir a comunidade estão de pleno direito.

Assim como foi a falta de tempo dos Apóstolos que os despertou para a necessidade e a beleza do ministé-rio dos diáconos, também foi, no século xx, a escassez de vocações presbiterais que despertou a Igreja para a riqueza dos ministérios laicais. Mas em tempo al-gum se pense que têm aí a sua razão de ser. A razão de ser dos ministérios laicais, instituídos ou não, é o batismo. A escassez de vocações sacerdotais não os fundamenta, nem a abundância lhe retiraria valor ou os substituiria.

Temos promovido, na Diocese, a formação para mi-nistérios, em continuidade com o que vinha sendo fei-to pelos nossos antecessores porque acreditamos que é esse o caminho que o Espírito Santo nos indica. Os ministros extraordinários da comunhão, ministros ex-traordinários da celebração dominical na ausência do presbítero, visitadores de doentes, catequistas, canto-res, leitores, salmistas, acólitos, zeladores das igrejas, membros dos Conselhos Económicos e Pastorais e dos Centros Sociais Paroquiais e afins são pedras chave na

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construção de comunidades vivas e fecundas, onde cada um participa e contribui, pondo os seus dons ao serviço de todos. Aos párocos pedimos um especial cuidado por estes ministérios, que são condição para uma eficaz vivência do seu próprio ministério presbite-ral. A duração mais ou menos curta a que estão manda-tados para desempenhar estes serviços há-de ser sinal de desprendimento e gratuidade, dando, no final des-tes mandatos, possibilidade a outros de terem voz ativa e exercerem os ministérios que, pela sua capacidade e formação, lhes forem confiados.

Entre os que assumem ministérios nas paróquias, so-bressaem os catequistas como aqueles a quem está con-fiada uma missão ao mesmo tempo sublime e de gran-de responsabilidade. A eles recordamos que o mundo precisa mais de testemunhas do que de mestres: viver o Evangelho com ardente caridade torna a catequese um gesto natural e necessário. Admiramo-los pelas horas que gastam a preparar sessões de catequese para mui-tas crianças e adolescentes ultra-estimulados por tantos fatores e ritmos que dificilmente chegam a fruir do seu trabalho. Admiramo-los por não desanimarem perante o desinteresse de tantas famílias que olham a catequese como mais uma atividade e se demitem de lhe dar con-texto e seguimento. Admiramo-los pelos muitos frutos que, resultantes do seu trabalho, a Igreja vai colhendo, apesar de um contexto sociocultural nada favorável à transmissão do que é essencial.

À estrutura diocesana de catequese incentivamos a que fortaleça e consolide o trabalho de formação de catequistas que tem realizado. É um investimento ne-cessário e que fará marcar a diferença: quanto melho-

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res e mais preparados forem os catequistas, mais co-munidades adultas e missionárias teremos.

Aos párocos, primeiros catequistas por natureza e missão, pedimos que partilhem as esperanças e os me-dos dos seus catequistas e os ajudem a caminhar. A catequese é missão de toda a comunidade e se é assu-mida de forma particular por estas mulheres e estes ho-mens, deve ser sempre estimada e conhecida por toda a comunidade.

A todos os leigos mais envolvidos na vida das co-munidades e dos movimentos, pedimos a atenção aos seus párocos, para que estes, mesmo no meio de tan-tas ocupações e dispersos por territórios cada vez mais vastos, nunca se sintam sozinhos numa missão que é de todos.

5. A família

O cristianismo tem com as realidades seculares uma relação peculiar. Há muitas realidades que não foram criadas pelo cristianismo mas que, à luz da revelação plena em Jesus Cristo, a Igreja assumiu com particular cuidado. A família é uma dessas realidades. Não é uma instituição criada pela Igreja nem exclusiva dos bati-zados, mas é uma instituição que a Igreja acarinha de forma particularmente intensa, desde o princípio.

Vemos na família o ambiente propício ao desen-volvimento integral do ser humano. A família, natural-mente berço de amor e testemunho, fortalecida pelo sacramento do matrimónio, constitui uma “igreja do-méstica” onde, junto com o leite materno, desde a mais tenra infância, as crianças são ajudadas a desco-

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brir a transcendência dos dons recebidos. Os pais e as mães hão-de ser, em cada gesto, cada palavra, a ima-gem mais fiel do amor de Deus. A família, também em sentido mais alargado, há de ser a primeira catequese e, aproveitando a formação, a experiência e a dispo-nibilidade dos mais velhos, será a primeira escola de oração e o ambiente vocacional por excelência, como primeira interessada na felicidade e realização pessoal dos seus, no serviço à comunidade humana.

A vocação à fecundidade da família deve ser visí-vel nos filhos que Deus lhe conceder, mas também no exemplo dado pela forma de vida. Práticas como par-ticipar na Eucaristia dominical em família devem ser encorajadas e promovidas, para que a Fé seja mais um elo de união entre os seus membros, já tão naturalmen-te unidos.

Ao longo dos tempos, a Igreja tem acompanhado a família cristã e continua a fazer esforços para que a pastoral da família se afirme e desenvolva, não só pro-curando acompanhar as famílias solidamente constitu-ídas, mas também as que não conseguiram concretizar plenamente o projecto inicial que abraçaram com en-tusiasmo e esperança, vivendo agora desfeitas e cons-trangidas.

Nesta atenção pastoral, a Igreja acentua a necessi-dade de uma preparação dos jovens para o matrimónio e para a vida familiar. Cada vez mais, os jovens enten-dem que a concretização dos grandes projetos de vida implicam alicerces firmes na verdade e nos valores que estruturam e garantem o êxito da caminhada existen-cial. Se a preparação para o matrimónio começa na infância, “na sábia pedagogia familiar”15, passa pela

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descoberta do matrimónio como vocação e missão que exige formação humana e espiritual. Os centros de preparação para o matrimónio (CPM), que a Diocese oferece, são um espaço capaz de ajudar os noivos a descobrirem melhor a grandeza do matrimónio como vocação, a perceberem os princípios e valores em que assenta e como se devem levar ao colo para que não se percam nem magoem. A preparação séria para o casa-mento e a inserção ativa na comunidade eclesial dão-nos garantia da felicidade familiar e, por isso, duma sociedade mais feliz e mais humana16. Num ambiente que está no limite de hostilizar a instituição familiar, encontrámos muitos exemplos felizes e bem sucedidos de famílias cristãs. Mães e pais de família que, para além das suas obrigações profissionais, dedicam o melhor de si ao ambiente familiar, idosos que podem passar os seus últimos dias no conforto dos seus lares graças à entrega e abnegação de filhos e filhas, famí-lias numerosas onde a abertura responsável ao dom da vida conta mais do que os haveres materiais, mostram que é possível, ainda que contra a corrente, desafiar os paradigmas sociais do hedonismo e do comodismo.

Mas, nas nossas visitas pastorais, encontrámos tam-bém muitas outras tipologias de famílias. Famílias mo-noparentais em que apenas o pai, ou, mais frequen-temente, a mãe, se desdobra em pai e mãe, são casos cada vez mais comuns. Famílias resultantes de segun-dos e terceiros casamentos, em que filhos de um e de outro coabitam, desafiam a nossa criatividade pastoral e merecem toda a nossa atenção. Como Igreja diocesa-na, continuaremos a anunciar o que propomos como

15 Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Familiaris consortio, 66.16 Cf. idem, 65 e 66.

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ideal: a família alicerçada no matrimónio uno, indis-solúvel e heterossexual. Respeitando as opções de ou-tros, a Igreja será sempre lugar de compreensão e acei-tação, mesmo para aqueles que escolhem caminhos que comprometem a comunhão plena com ela.

Outro problema com que nos deparámos é o da violência familiar. Infelizmente, resultante de tantos fatores como o álcool, a pouco formação humana ou perturbações mentais, sobretudo mulheres, idosos e crianças são vítimas de violência física, psicológica e verbal, por parte daqueles que deveriam ser os seus mais próximos defensores. Esperamos que a consciên-cia clara desta iniquidade dê às comunidades cristãs a capacidade de intervir da melhor forma, de modo a que o direito à integridade das vítimas seja salvaguar-dado e que os agressores se arrependam e salvem.

Acreditamos que a presença cristã na área social deve, antes de mais, estar ao serviço das famílias, so-bretudo dos mais débeis, as crianças e os idosos. Essa presença deve fornecer estruturas e apoios necessários para que, mesmo no meio de tantas mudanças e amea-ças, a família possa prevalecer e fortificar-se como ali-cerce de uma sociedade mais justa e solidária.

Está em curso a preparação para o VII Encontro Mundial de Famílias, que decorrerá, em Milão, de 30 de maio a 3 de junho, deste ano, sujeito ao tema: “A Família, o Trabalho e a Festa”. Foram publicadas dez catequeses de preparação para o referido Encontro. O tema das catequeses “põe em relação o casal, um homem e uma mulher, com os seus estilos de vida: o modo de viver as relações (família), de habitar o mun-do (trabalho) e de humanizar o tempo (festa)”.

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O Santo Padre colocou este Encontro sob a proteção da Sagrada Família de Nazaré, dedicada ao trabalho e assídua nos dias de festa do seu povo. Ao mesmo tem-po que rezamos para que esta iniciativa mundial traga novo fôlego e novos estímulos para as famílias cristãs de todo o mundo, olhamos para o exemplo da Família de Nazaré e esperamos que todas as famílias da nossa Diocese tenham e se realizem no seu trabalho, vivam as festas da vida para fazerem da vida uma festa e este-jam abertas à vontade de Deus, despertas para os peri-gos que as ameaçam e, unidas, permaneçam firmes na Esperança.

6. Os idosos

Em todos os lugares da Diocese, temos percebido como são importantes os mais idosos nas nossas co-munidades. Importantes porque muitas vezes são os que ficam e permitem aos que partem terem pontos de referência; porque ficam e mantêm vivas as aldeias e lugares com os seus trabalhos e saberes; porque, no seio das famílias, prestam apoio aos netos e bisnetos: as suas casas são ATL, creche e escola e, tantas vezes, capela e sala de catequese. É, quase sempre, aos mais idosos que se confia lançar as bases da formação cristã dos seus netos. A isso os incentivamos, a que ponham ao serviço de um mundo novo a sua paciência, sabe-doria e disponibilidade, para que a vida nova do Evan-gelho chegue às gerações mais novas no contexto mais natural, a família. São os mais velhos que guardam a história da família, em sentido estrito, mas também em sentido lato, ajudam os mais novos a perceber que o

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dom da vida que receberam de Deus é mais um sinal do profundo amor de Deus pela humanidade, amor que Ele tem manifestado ao longo da História da Sal-vação.

Muitas das comunidades que visitámos veem as suas necessidades mais básicas asseguradas pelos mais ido-sos; umas vezes, porque não há quem lhes suceda, ou-tras vezes, porque a sua generosidade é aceite por toda a comunidade como uma graça que serve e humaniza. Poucos são os casos em que estes não dão espaço à en-trada de outros. E se o fazem, é possível que seja pelo medo de serem esquecidos e de perderem o sentido de pertença à comunidade. Se é preciso recordar-lhes a necessidade de se deixarem ajudar por outros que garantam continuidade aos seus trabalhos, também é preciso, na verdade, que se sintam amados e deseja-dos. Muitos, embora afirmem que quem crê nunca está sozinho, vivem em solidão física e afetiva. Dispersos, e sem a mobilidade dos tempos em que atravessavam montes e vales para chegar onde fosse preciso, veem-se confinados às paredes da sua casa e à companhia esporádica ou frequente de agentes sociais. Estes re-solvem muitos problemas e, regra geral, são muito es-timados. Ao longo de cada dia, e porque são muito desejadas, a espera destas visitas dá, ao idoso, a sen-sação de eternidade: nunca mais chegam! Raramente, porém, apesar da boa vontade e atenção, conseguem responder cabalmente às necessidades de socialização e diálogo. A sociedade, em geral, e algumas famílias em particular, não estão preparadas nem adaptadas à população cada vez mais idosa. Umas vezes porque não podem, outras vezes por manifesta indiferença ou

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comodismo egoísta, vão negando mais vida e vida de qualidade à longevidade dos idosos, a classe mais afe-tada pela pobreza e exclusão social. O Parlamento Eu-ropeu e a Comissão Europeia declararam este ano de 2012 como o Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre as Gerações. Na verdade, im-porta promover princípios e valores que respondam à necessidade da pessoa humana de viver com dignida-de, na justiça e na liberdade, sentindo-se amada e útil.

As paróquias podem ser, e já o são, operadores de socialização e vida. A comunhão que une a comuni-dade exprime-se com gestos concretos de proximidade e preocupação. Visitadores de doentes, Cáritas paro-quiais, Conferências vicentinas, IPSS’s e Misericórdias são estruturas virtuosas que ajudam muitos cuja maior dificuldade é a solidão. Apesar de muito se fazer, senti-mos nas nossas idas e vindas que é possível fazer mais um pouco. Se cada comunidade estruturar e organizar a boa vontade que já existe, serão muito mais raros os casos de idosos que, para além de outros problemas, se veem sós.

É-nos assegurada tantas vezes, e sentimo-la de facto, a oração pelas intenções da Diocese e nossas. Sabemos que o investimento que muitos idosos fazem na oração é profundamente fecundo e razão de ser de muitos dos sucessos que a Igreja diocesana vai conhecendo.

Estamos confiantes de que a solicitude pastoral dos responsáveis das comunidades tudo farão para que os idosos se sintam amados e úteis e capazes de viver o sofrimento como possibilidade de encontro com o mis-tério de Deus e do homem. Estes cuidados e serviços são dever da Igreja e prova da autenticidade da sua

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maternidade17. Lemos no Ritual Romano da Unção e Pastoral dos Doentes e idosos que os “sofrimentos e as doenças dos homens sempre foram consideradas entre as maiores dificuldades que atormentam as suas consciências. Mas aqueles que professam a fé cristã, embora as sintam e experimentem, são ajudados pela luz da fé a compreender melhor o mistério da dor e a suportar com a maior fortaleza os próprios sofrimentos. Pois não só conhecem, pela palavra de Cristo, o valor e o significado da doença para a salvação própria e do mundo, como não ignoram a predileção que por eles teve Cristo, que tantas vezes visitou e curou os doen-tes”18.

Os responsáveis pela dinâmica pastoral das nossas comunidades cristãs não permitirão, por certo, que falte a caridade pastoral junto dos idosos e doentes, incluindo a evangelização sobre a natureza e impor-tância dos sacramentos próprios desta etapa da vida e sobre a necessidade da sua recepção consciente e esclarecida, nomeadamente dos sacramentos da Peni-tência, Eucaristia e Santa Unção. Que eles entendam que se são destinatários da evangelização, também são sujeitos e sujeitos ativos, através da oração e da oferta dos seus sofrimentos associados à Paixão de Cristo.

7. Os jovens

Afirmar que os jovens são o futuro é tão redundante como imperioso. Olhamos para eles com esperança e afeto e pedimos-lhes que sejam o que devem ser, isto

17 Cf. Conselho Pontifício para os Leigos – A Dignidade do Ancião e a sua missão na Igreja e no Mundo, Ed. Paulinas, 1999, pg. 36.

18 Ritual Romano da Unção e Pastoral dos Doentes, Preliminares, 1

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é, jovens com a capacidade de fazer a Igreja diocesana sonhar e avançar. Mas não é o futuro que nos ocupa, é o presente. Os jovens, sendo alvo prioritário da nossa ação pastoral, são também o mais fiel barómetro da va-lidade das nossas propostas e, por isso, sendo exigentes e críticos, obrigam-nos a repensar a nossa ação, o que é bom.

Mas gostamos de pensar os jovens como agentes da evangelização dos próprios jovens. A psicologia juve-nil mostra-nos que eles tendem a confiar nos laços por eles estabelecidos, constituindo grupos, mais ou me-nos estruturados, e que esses grupos são decisivos na formação de personalidades fortes e esclarecidas. É aí que os jovens cristãos devem desempenhar o seu papel evangelizador: sem deixar de ser jovens como os ou-tros, devem, nas suas opções e palavras, mostrar Cristo presente nas suas vidas, com a coragem e ousadia que só a eles assiste.

Cidadãos nativos da sociedade digital, podem eles ser, aí onde nós chegamos como estrangeiros, “sal da terra e luz do mundo” da info-inclusão. Nas redes so-ciais, nos blogues e nos ambientes multi-media que eles habitam por direito próprio, podem chegar a quem nós não chegamos sem os anticorpos que a presença institucional da Igreja por vezes suscita.

A pastoral setorial dedicada a esta faixa etária deve ser muito feita por eles, não podendo o Secretariado Diocesano de Pastoral Juvenil e Vocacional prescindir do seu contributo para a elaboração do seu plano de atividades, devendo a própria equipa do Secretariado ser constituída com o contributo de alguns e devendo ouvir em sede própria as suas esperanças e anseios,

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medos e tristezas. Acreditamos que a pastoral juvenil deve constituir um percurso que ajude os jovens a cres-cer na fé como homens e mulheres, ao mesmo tempo que descobrem Cristo sempre mais presente nas suas vidas.

Esse percurso deve realizar-se em, pelo menos, qua-tro níveis: local, diocesano, nacional e universal. A participação em eventos de grande escala como as jor-nadas mundiais da juventude deve ser favorecida por todas as estruturas diocesanas, arciprestais, paroquiais e de movimentos.

A constituição de grupos paroquiais de jovens, com o objetivo de favorecer a sua participação na vida sa-cramental, sociocaritativa e catequética da comunida-de, deve ser uma prioridade pastoral, como proposta de transição da adolescência, acompanhada pela ca-tequese, para a idade adulta, onde encontrarão tantas outras propostas de vida.

Sem jovens autónomos e criativos não construire-mos uma Igreja diocesana de adultos, capazes de dar testemunho da sua fé, a propósito e a despropósito.

Os movimentos juvenis devem integrar-se na pasto-ral diocesana, de modo que seja visível a comunhão e a diversidade de carismas. Nas paróquias, os jovens devem progressivamente ser integrados nos órgãos de decisão na medida da sua maturidade, de forma que sintam as estruturas como suas e as rejuvenesçam com a sua presença e os seus contributos.

I. As Pessoas

Carta pastoral: Cinco pães e dois peixes

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8. Os seminaristas

O Seminário é o coração da Diocese, não o edifício, mas os batizados de tal forma empenhados que deci-dem enveredar por um percurso de formação e discer-nimento da sua vocação presbiteral. Se é o coração da Diocese é também o coração do bispo que reza pelos seminaristas e os estimula a um caminho de verdade para consigo, para com os irmãos e para com Deus.

De todos os problemas que nos preocupam, a cor-reta formação dos seminaristas, bem como a pastoral vocacional, assumem um peso extraordinário. De fac-to, não têm sido muitos a responder ao apelo “Vem e segue-Me!” Por isso, promovemos uma cultura voca-cional, na qual, para além de ações concretas e dire-cionadas, cada ação da Igreja diocesana, seja de que natureza for, esteja presente a dimensão vocacional19. A pastoral da Igreja ou é vocacional, na medida em que ajuda cada um a discernir o plano de Deus a seu res-peito, ou não é nada. Não podemos pensar a pastoral vocacional como uma espécie de exercício de retórica em que se convence alguém de alguma coisa. A pas-toral vocacional deve ser, antes de mais, um processo que favoreça o encontro de cada um com Deus, na vida íntima de oração, e, numa segunda fase, àqueles que já conhecem Jesus Cristo e por isso se questionam sobre o plano de Deus a seu respeito, ajudá-los a co-nhecer e descobrir a multiplicidade de possibilidades, desde a vida matrimonial à vida consagrada, desde o ministério ordenado ao laicado comprometido.

A questão vocacional não é, por isso, só nossa. É

19 Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores dabo vobis, 34.

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nossa em primeiro lugar, mas é dos pais que querem que os filhos sejam felizes e realizados; é das comuni-dades que querem ser assistidas com os sacramentos e a condução de um presbítero; é do presbitério que se quer ver renovado e continuado no tempo; é dos jo-vens que, à luz do seu batismo, querem responder com verdade e fidelidade ao chamamento de Deus.

O Seminário é a resposta para aqueles que se sen-tem chamados por Cristo a uma especial consagração no ministério presbiteral. No tempo atual, e na impos-sibilidade de manter uma estrutura de formação teoló-gica válida na nossa Diocese, a formação dos semina-ristas maiores é confiada aos Seminários da Diocese de Lisboa, sede da nossa Província Eclesiástica. Ali, divididos por duas casas de formação e em conjunto com os seminaristas de outras Dioceses, frequentam a Universidade Católica de Lisboa. O acompanhamento quotidiano está totalmente confiado às Equipas Forma-doras das respetivas casas, mas confiámos também ao Reitor do Seminário Diocesano um acompanhamento que os ajude, apesar de geograficamente distantes, a manter uma relação fecunda com a nossa Diocese que um dia servirão.

Para além do Seminário maior, temos a funcionar, na nossa Diocese, um pré-seminário que se propõe acom-panhar os jovens que, a viver em ambiente familiar e a frequentar as escolas ou universidades por si escolhi-das, se questionam a respeito da vocação sacerdotal. É um percurso menos estruturado mas decisivo que, em estreita relação com os párocos e animadores vocacio-nais, vai ajudando aqueles que Deus chama a escolher a melhor forma de responder afirmativamente.

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9. Os afastados ou indiferentes

A Igreja é por natureza missionária e nunca será completa se viver fechada em si mesma. Por isso, te-mos também constantemente no nosso pensamento e oração aqueles que estão afastados da Igreja; aqueles que receberam o batismo, mas a quem não foram da-das as ferramentas necessárias para o viver, ou aqueles a quem nunca foi anunciado Jesus Cristo.

No respeito pelas suas crenças e não crenças, sabe-mos que vivemos e trabalhamos também para eles e que eles, à sua maneira e fazendo uso das sementes de verdade depositadas no seu coração, podem contribuir para a construção de um mundo melhor e mais justo.

Preocupamo-nos, por isso, em saber como eles olham para aquilo que nós fazemos e dizemos. Têm uma visão menos comprometida e, porque tal, podem ser uma voz crítica que nos purifica e estimula. Quan-do assim acontece, é de crer que estejam já para além do “pátio dos gentios”, à espera de maior e melhor acolhimento e diálogo, para que se lhes indique e abra “A Porta da Fé”.

“Aquilo de que o mundo tem hoje particular neces-sidade é o testemunho credível de quantos, iluminados na mente e no coração pela Palavra do Senhor, são capazes de abrir o coração e a mente de muitos outros ao desejo de Deus e da vida verdadeira, aquela que não tem fim”20.

Nos lugares onde institucionalmente estamos pre-sentes, como nas escolas e nos hospitais, podem contar com a Igreja como parceira na persecução de objetivos

20 Bento XVI, Carta Apostólica “Porta Fidei”, pela qual se proclama o Ano da Fé, 15.

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comuns. Das nossas instituições não podem esperar outra

coisa senão o respeito e o acolhimento que devemos a todos, sem nunca negar a nossa identidade e razões de ser. Nos mais diversos setores, sejam os ligados à infân-cia ou à terceira idade, sejam os de caráter sociocari-tativo ou cultural, estamos ao serviço de todos, dando, pelas nossas obras, testemunho da nossa fé, mas sem impor a ninguém o que quer que seja. No entanto, se nada devemos nem podemos impor, sentimos a alegria de anunciar e testemunhar a todos que “O homem é amado por Deus! Este é o mais simples e o mais como-vente anúncio de que a Igreja é devedora ao homem. A palavra e a vida de cada cristão podem e devem fa-zer ecoar este anúncio: Deus ama-te, Cristo veio por ti, para ti, Cristo é “Caminho, Verdade, Vida” (Jo 14,6)”21.

Compete-nos a nós e a cada um dos cristãos que se prezam de o ser “fazer com que o Evangelho e Jesus Cristo se possa tornar lugar de encontro, feito de fascí-nio e de espanto, com o mistério da pessoa e da obra de Jesus Cristo que, mesmo sobre a cruz, manifesta ple-namente a beleza e a força do amor de Deus”22.

10. Os migrantes

Atualmente, estima-se que 5,5 milhões de portugue-ses, ou descendentes, vivem no estrangeiro. Fruto da expansão colonial e da emigração, calcula-se que exis-tam no mundo mais de cem milhões de pessoas de ori-

21 João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christifideles Laici, 34.22 Conferência Episcopal Portuguesa, Carta Pastoral “Como Eu vos fiz, fazei vós

também” – para um rosto missionário da Igreja em Portugal, 10.

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gem portuguesa23. As estatísticas informam que, no ano findo, 2011, terão saído de Portugal 120 mil pessoas, número nunca atingido durante as décadas de maior fluxo migratório português. A população imigrante, isto é, os que veem até nós, após a grande afluência de en-tradas sobretudo no dobrar do milénio, decresce agora, devido à situação socioeconómica do País. Segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, serão 435 mil os imigrantes a residir em Portugal.

Se há aspetos menos bons, não faltam os aspetos positivos promovidos pelas migrações no âmbito eco-nómico, social, político, cultural e também religioso. Este fenómeno imparável exige diálogo e escuta, edu-cação intercultural e o fim das “mentalidades fecha-das”, preconceituosas e individualistas. A aproximação é importante, mas não basta: a multiculturalidade tem de dar azo à interculturalidade, ao intercâmbio do que se tem, mas, sobretudo, do que se é, reconhecendo a cultura do outro e considerando-a como um fator de enriquecimento, desde que não vá contra os direitos humanos fundamentais e os valores éticos universais.

A Igreja Católica tem sido pioneira e parceira de outras instituições neste acompanhar os que saem ou chegam, apoiando-os nos caminhos enrodilhados e di-fíceis da legalização, da inserção no mercado do tra-balho e da inclusão social. Recordando todos quantos se deram e dão a este trabalho tão importante quão necessário, a Obra Católica Portuguesa de Migrações celebrou, em janeiro, 50 anos de vida ativa neste servi-ço aos migrantes, dentro e fora do país.

23 P. Gabriele F. Bentogilio, Subsecretário do Conselho Pontifício da Pastoral para os Migrantes e os Itinerantes, Linhas de Orientação Pastoral da Igreja para a rea-lidade migratória atual, conferência, em Fátima, 22 de Janeiro de 2012.

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Na nossa Diocese, se existem muitos emigrantes que visitam as famílias e as terras de origem em tempo de férias ou por ocasião de festas e romarias locais, também há muitos imigrantes que colaboram nos mais variados setores de atividade e dão vida a muitas das nossas comunidades. Para além da etnia cigana pou-co expressiva entre nós, e segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em 2010, havia no terri-tório da nossa Diocese que é constituída por parte dos territórios dos distritos de Portalegre, Santarém e Cas-telo Branco, 4.209 imigrantes, sendo 2.172 homens e 2.037 mulheres, originários de cerca de 56 países dos cinco continentes. O maior número provém do Brasil, Roménia, Cabo Verde, Ucrânia, China …

Confiámos às estruturas diocesanas e paroquiais a atenção e apoio a estes irmãos que veem de lon-ge. Desejamos que a nenhum falte o acolhimento e a solicitude necessária para que se sintam estimados e convidados a fazer parte de nós e nós deles. A inter-culturalidade enriquece e faz crescer dinâmicas trans-culturais capazes de dinamizar e rejuvenescer o tecido social e serviços, em mapa demográfico mais vivo e colorido.

II. As estruturas

1. A Cúria Diocesana

Os nossos mais diretos colaboradores, com quem lidamos quotidianamente, constituem a Cúria dioce-sana. É da maior importância para a vida da Dioce-se que esta estrutura funcione de forma articulada e

II. As Estruturas

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organizada. A administração central da Diocese tem repercussões nas mais variadas instituições, sejam IPSS ou paróquias, por isso, reorganizámos estes serviços da forma que nos parecia mais eficiente, reduzindo o tem-po de funcionamento e dotando-os dos meios huma-nos e tecnológicos necessários ao seu bom funciona-mento. Esperamos da Cúria a agilidade e a capacidade de decisão em tempo útil, a comunhão connosco e a inovação respeitosa das regras do direito canónico e normas diocesanas.

Os diversos Secretariados diocesanos existentes para que cada dimensão da pastoral da Igreja seja cuidada como se fosse a única, são essenciais ao desenvolvi-mento harmónico do todo que é a Igreja diocesana. A escolha de cada Diretor de Secretariado é baseada na confiança plena, ficando com a responsabilidade de escolher uma equipa, formada e orientada por ele para que o trabalho seja mais proveitoso e fecundo. Quan-do um Secretariado realiza qualquer ação, é o próprio bispo diocesano que a realiza e com ele toda a Dioce-se. O plano pastoral diocesano deve ser construído e divulgado atempadamente para que cada Secretariado possa elaborar um plano pastoral setorial em sintonia com o da Diocese. O ambiente propício à articulação e organização deve ser o Conselho Diocesano de Pas-toral onde todos os Diretores dos Secretariados têm as-sento.

Os movimentos eclesiais, com os seus carismas e estruturas próprias, são parte integrante da vida da Dio-cese. Contribuem para a formação humana e espiritu-al dos cristãos e permitem um sentimento de pertença que não é possível às paróquias que se regem pelo cri-

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tério universal geográfico. Por isso, muito estimamos os movimentos e temos, na medida do possível, res-pondido afirmativamente aos pedidos de um assistente que nos têm chegado.

Também os movimentos e as novas comunidades eclesiais presentes na Diocese, mesmo aqueles cuja organização não corresponde aos limites territoriais, devem integrar-se na vida da Diocese, tomar parte das suas preocupações e desafios, articular os seus planos e atividades com os planos e atividades diocesanos.

A consciência de que são uma proposta entre pro-postas, ajuda-los-á a interagir com as estruturas paro-quiais e diocesanas de modo a que concorramos todos para os mesmos objetivos, animados pelo mesmo Espí-rito unificador e gerador de comunhão.

Temos, desde o início do nosso magistério, valori-zado e prezado o trabalho dos Conselhos diocesanos. Por diversas vezes, apesar de não se regerem “pelos critérios da democracia parlamentar”24 - são órgãos consultivos -, quisemos dar-lhes poder deliberativo, por acreditarmos na seriedade das reflexões feitas em sede colegial.

Como temos repetido muitas vezes, podemos sen-tir que com reuniões se faz pouco, mas sem elas não se faz nada. Nutrimos grande simpatia por todos os que dispõem do seu tempo e dos seus recursos para se fazerem presentes nas diversas reuniões realizadas. E é com eles que contamos para podermos decidir de forma mais esclarecida e consciente. Para isso, temos investido na escolha de pessoas competentes, capazes de alargar horizontes e de fundamentar as suas opi-

24 João Paulo II, Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte, 45.

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niões e discordâncias. Esperamos que estes Conselhos sejam ocasião de perceber melhor o sentir dos fiéis e que, por sua vez, sejam capazes de ajudar os fiéis a perceber as escolhas feitas.

O futuro da Diocese, nas mais variadas dimensões, depende grandemente da seriedade e da competência com que estes espaços de reflexão e decisão forem en-carados.

2. Os Arciprestados

Os cinco arciprestados, tal como existem agora, são uma realidade recente. Talvez por isso ainda os veja-mos à procura da sua identidade e missão. Apresenta-dos como estruturas intermédias entre a Diocese e a paróquia, devem conseguir realizar aquilo que as pa-róquias sozinhas não são capazes. A sua proximidade é uma mais valia que as instituições e organismos dio-cesanos não conseguem ter.

Além de outras vantagens, esta divisão arciprestal possibilita também a nossa presença nas reuniões men-sais, o que facilita a comunhão mais intensa entre nós e o presbitério.

O clero que serve no território de um arciprestado deve reunir-se mensalmente, como acontece até aqui. É bom ver que utiliza este tempo para o estudo, a par-tilha e a organização de trabalho em comum e o forta-lecimento dos laços de amizade que o une e que tam-bém se manifesta numa pastoral de conjunto atenta e respeitadora do direito, das normas diocesanas e do combinado na ação pastoral. Aos arciprestes, indica-dos pelo clero e nomeados por nós, pedimos uma aten-

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ção redobrada aos problemas que digam respeito ao clero, às comunidades e à organização do trabalho, de modo a que seja dada a assistência possível às comu-nidades desprovidas de pastor residente. Os párocos devem favorecer nas suas comunidades o sentimento de pertença a um determinado arciprestado, e estes de-vem ser a divisão de referência para a organização das propostas dos vários sectores da pastoral diocesana e de iniciativas próprias de formação contínua, sem es-quecer que a pastoral das cidades merece especial e dedicada atenção.

3. As paróquias

“A paróquia é uma certa comunidade de fiéis, cons-tituída estavelmente na Igreja particular, cuja cura pas-toral, sob a autoridade do Bispo diocesano, está confia-da ao pároco, como a seu pastor próprio” 25.

As paróquias, tal como as conhecemos e desejamos, não são estruturas mortas. Porque são comunidades de fiéis, são vivas e constantemente em construção. Na nossa Diocese, muitas se veem obrigadas a repensar-se e reorganizar-se pela impossibilidade de lhe dedicar-mos um pároco a tempo inteiro. São muitos os casos em que isso tem sido ocasião de crescimento e desco-berta de dons que estavam escondidos ou adormeci-dos. Esta realidade não deve ser ocasião para baixar os braços, mas, ao contrário, deve ser oportunidade fecunda.

Agora mais que nunca, os organismos das paróquias (conselhos, associações, movimentos, confrarias…)

25 Código de Direito Canónico, cân. 515 § 1.

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devem funcionar em pleno. Os Conselhos Económicos e Pastorais devem contribuir para que a vida espiritual das comunidades não seja afetada pela menor presen-ça do pároco. Devem estes organismos ser cuidadores atentos do património material e imaterial das paró-quias, velando pela sua conservação e valorização.

As paróquias não devem viver exclusivamente das propostas diocesanas e arciprestais. Devem fazer os seus planos pastorais paroquiais que integrem e con-cretizem as propostas arciprestais e diocesanas.

Onde a escassez de habitantes ou a proximidade geográfica o exigir ou justificar, devem realizar-se ati-vidades interparoquiais articuladas entre diversas co-munidades.

As alterações acentuadas nos últimos tempos, sobre-tudo de ordem demográfica, têm-nos levado a refletir, individualmente e em grupo, que algumas paróquias se vão tornando insustentáveis. Estamos conscientes das faculdades que o Código de Direito Canónico nos con-fere no que toca à realidade paroquial26, permitindo-nos usar os instrumentos necessários para adequar a realidade institucional, de forma que seja favorecida a vida espiritual das comunidades.

Esperamos que a reflexão continue, que o Sínodo diocesano também se debruce sobre tal realidade e que as soluções a adotar sejam efetivamente novas, adequadas e válidas ao serviço da evangelização.

26 Idem, cân. 515 § 2. Compete exclusivamente ao Bispo diocesano erigir, suprimir ou alterar paróquias, o qual não as erija ou suprima, nem as altere notavelmente, a não ser depois de ouvido o conselho presbiteral.

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4. As Instituições Particulares de Solidariedade Social da Igreja (IPSS)

O agente principal e principal responsável do tes-temunho da caridade cristã não são os grupos, movi-mentos ou pessoas especializadas, embora façam falta, realizem bons serviços e devam ser promovidos.

A alternativa à pobreza não é a riqueza, mas a co-munidade solidária. É a comunidade cristã que tem de tornar visível o Evangelho, que tem de ser “perita em humanidade”, propondo, convocando, seduzindo. Só a fé que se faz amor pode ser proposta evangelizadora, capaz de levar os homens a reconhecer e a acolher o Deus revelado em e por Jesus Cristo.

As comunidades têm de convencer pela força da palavra e do testemunho, lutando pelo equilíbrio das relações entre os ideais e as realidades do dia a dia. Não podem acarinhar a tentação de converter as suas instituições de apoio social em meras organizações não governamentais dedicadas à prestação de serviços.

João Paulo II chamava a atenção para este perigo quando pedia aos leigos que não cedessem à tentação de reduzir as comunidades cristãs a meras agências so-ciais27.

A Igreja, o seu voluntariado e as suas organizações sociais não podem, pois, orientar a sua generosidade, disponibilidade e trabalho para uma simples atividade humanitária ou mero humanismo filantrópico, esque-cendo a dimensão evangelizadora que deve ter toda a pastoral sociocaritativa. E, como sabemos, o anúncio explícito do Evangelho também é caridade. Fundamen-

27 Cf. João Paulo II, Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte, 52.

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ta a dignidade da pessoa na sua raiz mais profunda28. Se alguém tem direito a algo, é a que se lhe faça chegar o alegria do Evangelho29 através das nossas ações e relacionamento, de tal forma que tudo lhe possa susci-tar a curiosidade de saber e nos pedir a razão da nossa esperança30.

A dimensão sociocaritativa das nossas comunidades paroquiais, de um modo mais ou menos claro e visível, tem várias formas de presença e ação, graças, sobretu-do, ao voluntariado dos cristãos que não é opcional. É resposta ao Senhor que chama e seduz e é discernida em função dos talentos recebidos e das necessidades dos outros. O voluntariado é vocação a promover e a acolher. A sua atividade no serviço desinteressado e gratuito aos outros é apostolado31.

Espaço privilegiado da acção sociocaritativa da Igreja encontra-se, também, nas Irmandades das San-tas Casas da Misericórdia e nos Centros Sociais Paro-quiais. De natureza, governo e âmbitos diferentes são, regra geral, Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e, em determinados aspetos, manifestam certa função unificadora ou de centralidade. Propõem-se contribuir para a promoção integral dos membros da comunidade, cooperando com os serviços públicos competentes ou com outras Instituições, particulares ou públicas, num espírito de solidariedade humana, cristã e social. Para a realização dos seus objetivos, es-tas IPSS poderão manter múltiplas atividades e de va-riada ordem, desde as sociais às culturais, recreativas

28 Cf. Jo 13, 12-17.29 Cf. Lc 10, 21. 30 Cf. I Ped 3, 15.31 Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christifideles Laici, 41.

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e religiosas. Sem cederem à tentação de serem uma estrutura à parte, devem, quanto possível, ser dirigidas e animadas por pessoas com sensibilidade social, vida e dinâmica eclesial, para as servirem com amor, como, aliás, acontece na maioria dos casos. As próprias pes-soas a contratar, deveriam saber, quando se candida-tam, qual o espírito e os princípios que regem a insti-tuição que vão servir. E a entidade que as contrata deve ter a garantia de que as pessoas contratadas vão aceitar esses princípios, mesmo que sejam de outros credos ou culturas. Trata-se duma Instituição da comunidade cristã, embora aberta a servir sem descriminações e no respeito pelas pessoas que acolhe ou serve. É a respos-ta institucional da comunidade cristã às necessidades encontradas, seja de quem for. Nasce da iniciativa ge-nerosa e espontânea duma comunidade espiritualmen-te forte. Vive com a mesma comunidade as respostas a dar às necessidades detetadas, avaliando as situações, os recursos e as iniciativas de resposta, com objetivos, critérios e metodologias capazes, tirando o maior ren-dimento dos meios disponíveis32. Se necessário, com-promete e movimenta toda a comunidade para a par-tilha de bens, de tempo e de serviço, com iniciativas concretas e campanhas de solidariedade local ou de âmbito mais alargado. E se dá a conhecer as carências existentes e as soluções humanitárias que mereçam o contributo da partilha da comunidade, garante a liber-dade do beneficiário e do beneficiado e, ao mesmo tempo, pode memorizar a oferta do benfeitor prolon-gando a sua memória. É uma forma de oferecer e ga-

32 Cf. Carmen Calzada: Jubileu 2000, retos para la acción caritativo-social, CORINTIOS XIII, pags. 240-241.

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rantir a estabilidade e eficácia da ação de quem dá, de quem se dá sem mostrar o rosto ou sem se comprome-ter doutra forma, porque não pode ou não sabe.

Estas IPSS de natureza canónica, pelo facto de se envolverem em ações em que o Estado pode e deve, por justiça, colaborar, são administrativamente respon-sáveis perante a Igreja e perante o Estado. Mas têm, sobretudo, a obrigação de se avaliarem perante a co-munidade, pelo que fazem e não fazem, e sobre a qua-lidade dos serviços que prestam. À Igreja, mais do que o tecnicismo, interessa a técnica iluminada pelo amor, o modo como se faz para que o outro não sofra, ou sofra menos. O Amor está sempre, na Igreja, acima da lei e da técnica. Por isso, estas instituições não podem permitir que a organização mate o espírito, que a estru-tura reduza as pessoas a números, que o funcionalismo desumanize os serviços, que a falta de competência profissional, humana e cristã, de colaboradores e vo-luntários, as desclassifiquem na qualidade dos serviços que prestam e na dimensão evangelizadora que as ani-ma33.

5. Património cultural material e imaterial

A fé, quando vivida, tende naturalmente a manifes-tar-se culturalmente. Ao longo dos séculos, fruto tam-bém da generosidade dos cristãos, todas as gerações fo-ram acumulando um património móvel e imóvel, tanto cultural como artístico e religioso na nossa realidade paroquial e diocesana. De facto, a Diocese, paróquias

33 Cf. Conferência Episcopal Portuguesa, Princípios e Orientações da Ação Social e Caritativa da Igreja, 2005.

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e outras istituições inclesiais são detentoras e adminis-tradoras de igrejas, casas e outros bens como pintu-ras, imagens, livros, paramentos, alfaias litúrgicas que, para além de objetos dedicados ao culto, são obras de arte. Nos nossos dias, o maior problema é encontrar recursos financeiros e humanos para manter e preser-var todos estes bens, mas não podemos deixar de os colocar ao serviço da fé e da cultura, tornando-os mais funcionais. As paróquias e outras instituições eclesiais vão resolvendo os seus problemas com o acompanha-mento das estruturas diocesanas: são proprietárias e administradoras dos seus bens, em conformidade com o direito. A Diocese, porém, tem um património bas-tante disperso que precisa de ser repensado. Os tempos são outros e as exigências também. Os Conselhos dio-cesanos têm esta preocupação entre mãos e é assunto que não podemos deixar cair sobre pena de chegarmos demasiadamente tarde.

Ainda que não nos seja possível promover e man-ter núcleos museológicos pela difícil sustentabilidade financeira, cada paróquia ou comunidade deve inven-tariar, proteger e facilitar o conhecimento do seu patri-mónio artístico e cultural. Esta também é uma preocu-pação da Diocese.

O conhecimento e valorização da história, ilustrada pelo património edificado, integrado ou outro, devem ser uma prioridade por parte das comunidades paro-quiais.

Aceitar a ajuda da Comissão Diocesana dos Bens Culturais da Igreja é respeitar o que foi feito pelos nos-sos antepassados e possibilitar às gerações vindouras o acesso aos seus alicerces culturais. Inovar não pode

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ser sinónimo de destruir e preservar não pode ser sinó-nimo de congelar. No equilíbrio entre o respeito pela história e a utilidade no presente está o segredo para o futuro.

Fazer catequese com as tradições religiosas, de modo a que não fiquem presas a uma repetição estéril do que se fez no passado mas que sejam possibilidade real de manifestar a fé hoje, é preservar o património cultural imaterial e investimento estratégico no futuro.

De facto, uma parte significativa do nosso patri-mónio imaterial são as festas e romarias. É a “piedade popular”. Temos respondido afirmativamente a mui-tos dos convites que nos são dirigidos para presidir a muitas delas, desde as mais conhecidas e que arras-tam multidões, às mais discretas. Do que temos visto in loco resultam duas convicções. A primeira é que não podemos, como Igreja, desperdiçar estas oportunida-des para evangelizar muitos que não se aproximam de nós por outros motivos. São tempos humanamente im-portantes para reafirmar a pertença a um povo e a uma cultura que devem ser valorizados. A segunda convic-ção é que muitas têm que fazer um processo de purifi-cação e recentramento. Muitas destas festas e romarias repetem gestos fundamentados numa duvidosa anti-guidade e algumas sucumbem a pressões etnográficas, transformando o que devia ser uma celebração da Fé, num festival de louvor ao tempo que nunca foi, para regozijo de alguns e perda de todos. Torna-se, pois, “necessário evangelizar a piedade popular, pondo-a em contacto fecundo com a palavra do Evangelho”34,

34 Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Diretório sobre a piedade popular e a Liturgia – princípios e orientações, 66.

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para que se liberte do menos bom e os conteúdos da fé apareçam mais claros. Não querermos com isto en-grossar o número daqueles que fazem “críticas injus-tificadas à piedade do povo simples em nome duma suposta pureza da fé”35. Só desejamos que todos enten-dam que “a piedade popular é um verdadeiro tesouro do povo de Deus, manifesta uma sede de Deus que só os simples e os pobres podem conhecer”36, mas precisa de evangelização e não de quem dela ou deles se sirva.

Os Párocos, os Conselhos Económicos, os Conse-lhos Pastorais Paroquiais e as Comissões de Festas de-vem ter a coragem de repensar as práticas e ritos, de acordo com os dias de hoje e as exigências da Igreja. Não propomos ruturas nem mudanças contra o sentir dos fiéis, propomos uma atualização e um despertar da consciência coletiva para a necessidade de estes mo-mentos serem manifestações genuínas de Fé e devoção, e não teatros com guiões que ninguém entende e que não dão garantias de futuro. Propomos evangelização, e a evangelização exige paciência, prudência, sentido de tolerância e persistência no caminho a fazer, sem esquecer que a festa faz parte da natureza humana e é precisa.

6. Os meios de comunicação social

É contraditório que num tempo em que a comuni-cação deixou de ser um meio de transmissão de con-teúdos e passou a ser o contexto em que nos movemos e existimos, os órgãos de comunicação social atraves-sem tão grandes dificuldades. Sobretudo os regionais,

35 Idem, 1. 36 Idem, 9.

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veem-se a braços com enormes desafios de subsistên-cia. Os meios de comunicação social propriedade da Igreja não são exceção. Muitas paróquias fazem gran-des esforços financeiros para manterem em funciona-mento os títulos dos quais são proprietárias. A informa-ção esclarecida e responsável é uma missão que não pode ser descurada. Chegar aos que estão longe com uma informação fiel é um investimento pastoral que tem dado os seus através dos tempos.

Mas existem no território da nossa Diocese muitos outros meios de comunicação social com os quais não temos uma relação de propriedade mas que podem contar com a nossa colaboração para que continuem a informar e formar os que os leem ou ouvem. Seja diretamente, ou através das estruturas criadas para o efeito, manteremos uma relação de proximidade que lhes permita cumprir a sua missão de informar, no que nos diz respeito, de forma esclarecida e completa. A existência de um Secretariado Diocesano das Comuni-cações Sociais mostra bem quão importantes são para nós os novos areópagos.

Desde o encerramento do centenário “O Distrito de Portalegre”, temos sentido que faz falta à Diocese um meio de comunicação próprio. Um meio que informe e forme, que una e desafie. Sem comunicação não pode haver participação e comunhão ativa.

Apesar dos dois anos decorridos desde então, ain-da não passou tempo suficiente para a concretização de um novo projeto editorial. Queremos um título que una a Diocese, um projeto que seja viável financei-ramente com uma apresentação atual e apelativa. O investimento feito na página web institucional é impor-

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tante e é para continuar, mas não responde cabalmente às necessidades de comunicação da Diocese, uma vez que parte significativa da sua população, pela idade ou outros fatores, não lhe tem acesso.

7. Sínodo Diocesano

Esta é uma grande esperança. O Sínodo37 é um acontecimento raro nas dioceses, pelo que exige de mobilização e disponibilidade afetiva e de tempo. De-cidimos convocar o Sínodo diocesano na esperança de envolver o maior número possível de cristãos e, con-juntamente, provocar uma experiência mais forte com o Senhor para, à luz do seu Espírito e atentos aos sinais que nos chegam, sermos capazes de discernir as gran-des linhas de força da pastoral a promover, para que todos tenham vida e vida em abundância, “em verda-deira e própria pedagogia da santidade”38.

A grande pergunta que procuramos ver respondida no Sínodo é: “Que Igreja queremos ser diante dos de-safios que nos esperam?”

O Sínodo é um momento marcante na construção da Igreja particular. Em reunião solene, ou em pequeno grupo, todos terão oportunidade de dar o seu contribu-to para a definição do rosto da Igreja diante do mundo e das suas estruturas, e apontar qual o posicionamento mais fecundo para o podermos servir com humildade

37 A palavra Sínodo vem da língua grega “Sínodos” = syn + odos. Syn significa “juntos, num lugar, ao mesmo tempo”. Odos significa “via, estrada, caminho”. Estar em Sínodo é estar “juntos na estrada”, “fazer juntos o caminho”, “caminhar juntos”, sob a mesma tensão e o mesmo fim, no estudo dos mesmos problemas, na procura das melhores soluções, lendo os sinais dos tempos e discernindo à luz da Palavra de Deus.

38 João Paulo II, Carta Apostólica, Novo Millennio Ineunte, 31

II. As Estruturas

Carta pastoral: Cinco pães e dois peixes

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e dedicação.Como expressão da comunhão que somos, em Síno-

do seremos o povo de Deus a caminho. É ocasião não somente para fazer ou decidir numa ou noutra direção operativa, mas para viver, fazer viver e testemunhar a comunhão que nos une e nos faz sacramento do Amor de Deus pelo mundo. O Sínodo tem início no coração da Trindade Santíssima e leva-nos de novo à comunhão trinitária, pela realização do mistério da Igreja.

Será visível, como poucas vezes ao longo das nos-sas vidas, a Igreja diocesana, esta porção do Povo de Deus, unida no Espírito Santo por meio do Evangelho. Leigos, religiosos, diáconos, padres e bispo, todos so-mos chamados a cumprir no mundo a missão que nos foi confiada por Cristo. Nós, como princípio visível e fundamento da unidade da Igreja particular de Porta-legre-Castelo Branco, graças à obra do Espírito Santo, queremos ser sinal, juntamente com todas as vocações, carismas e ministérios da Igreja Comunhão que se ex-pressa de forma concreta e operativa na organização e realização do Sínodo.

Como se percebe da passagem do Evangelho de São João que serve de mote e dá título a esta Carta, também aqui nos sabemos incapazes de realizar tão grande obra por nossa força e iniciativa, mas tudo colocamos nas mãos do Senhor, pedindo-lhe que nos conceda o seu Espírito como concedeu aos Apóstolos39, para que sejamos dóceis à sua vontade e atentos aos seus sinais. É o Espírito Santo que permite à Igreja “escutar atenta-mente, discernir e interpretar os vários modos de falar

39 Cf. Act 15,28.40 Concilio Ecuménico Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes, 44.

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do nosso tempo, e de saber julgar à luz da Palavra de Deus”40.

A vontade de realizar um Sínodo com verdade e au-dácia há de motivar, nas paróquias, movimentos e co-munidades eclesiais, uma redescoberta da Palavra de Deus que suscite a intimidade com Ele que nos permita renovar a Igreja e moldá-la, hoje, segundo os critérios da Igreja nascente, os critérios do coração de Deus.

O simples facto de nos reunirmos será ocasião de testemunho e, na medida em que o fizermos em comu-nhão com a Igreja universal, enriquecerá o tesouro da nossa Fé quae per caritatem operatur41. Em comunhão com o sucessor de Pedro, o Sínodo será ocasião para darmos as razões da nossa esperança42, com a lingua-gem da nossa cultura e do nosso tempo que é a nossa linguagem, fazendo-a por isso mais eficaz e atraente perante os nossos contemporâneos a quem constante-mente somos enviados como missionários.

Acreditamos que o conhecimento dos documentos do Magistério, em particular os mais atuais e aqueles resultantes do mais importante acontecimento eclesial do séc. XX, o Concílio Vaticano II43, do qual se come-mora o cinquentenário da convocação, serão decisivos para a conformidade e fidelidade das conclusões do Sínodo à Fé da Igreja que professamos.

Queremos que o Sínodo seja também ocasião para recentrar a vida das comunidades sobre a Eucaristia. De que vale uma participação muito ativa nas iniciati-vas do Sínodo se desprezarmos o corpo eucarístico de

41 Gal 5,6 “Porque em Jesus Cristo nem a circuncisão nem a incircuncisão tem valor algum; mas sim a fé que atua pelo amor.”

42 Cf.1Pe 3,15.43 O Concilio Ecuménico Vaticano II realizou-se de 1962 a 1965.

II. As Estruturas

Carta pastoral: Cinco pães e dois peixes

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Cristo que é a fonte da vida e do dinamismo do corpo da Igreja? De que valeriam horas intermináveis de tra-balhos e reuniões sem a unidade que é fruto da Euca-ristia? Queremos que a Eucaristia esteja no centro de todos os trabalhos sinodais e não apenas nas celebra-ções solenes. Cada vez que uma comunidade, peque-na ou grande, se reunir para celebrar o memorial da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, terá presente as intenções do Sínodo. E cada vez que o povo de Deus se reunir para trabalhos do Sínodo, há-de ter como mo-delo das suas ações, palavras e perspetivas o modelo de Igreja que é a própria Eucaristia. Aí está todo o bem espiritual da Igreja e a fonte de toda a evangelização.

As comissões sinodais continuam a fazer a sua par-te, sendo agora tempo de todos se envolverem na re-alização de grupos que hão-de alimentar o trabalho das assembleias sinodais. Ainda nada se colheu mas estão lançadas as sementes à terra. No entanto, tudo até aqui terá sido em vão se não houver, da parte dos presbíteros, primeiros responsáveis das comunidades, a capacidade, a ousadia e o ato de Fé de se envolve-rem e fazerem envolver. Não esperamos participações ideais, mas esperamos a participação ideal de cada co-munidade e movimento, aquela que for resultado da vontade de Deus e da ação do Espírito Santo, sem en-traves levantados por comodismos ou conformismos. Nenhum cristão pode ser privado de, na medida das suas capacidades, ser parte de tão grande aconteci-mento eclesial.

Todos os que se escusarem a dar o seu contributo não estarão, por certo, a sintonizar com o mandamento do Senhor Jesus: “Ide, pois, fazei discípulos de todos

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os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado”44.

“O dom está em ti” e é esse dom que deve ser posto ao serviço de todos. O respeito pela verdade dos traba-lhos sinodais obriga-nos agora a esperar os seus resul-tados. Rezamos ao Senhor para que ilumine a todos os que estão envolvidos e os faça avaliar tudo segundo o mesmo Espírito.

O Sínodo, porém, não pode ser desculpa para des-curar outros trabalhos na Diocese, pois todos, a co-meçar pelo bispo, temos de continuar a fazer não o que queremos mas o que devemos, para concretizar a construção de uma Igreja diocesana viva e fecunda.

III. Orientações Pastorais

Depois desta breve passagem pela realidade da Dio-cese, ficam alguns desafios que decorrem da reflexão exposta.

1. Corresponsabilidade / Participação

A capacidade de nos sentirmos todos responsáveis pela vida da Igreja diocesana depende de como formos encontrando estruturas de participação. Cada cristão deve sentir a Igreja como sua, e saber-se corresponsá-vel dos sucessos e insucessos por que ela passa.

As estruturas de participação, aquelas que existem e as que a criatividade pastoral vier a criar, hão de existir aos mais diversos níveis. Não vivemos num tempo em

44 Mt 28, 19-20.

III. Orientações Pastorais

Carta pastoral: Cinco pães e dois peixes

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que seja possível desfiar um conjunto de normas de cima para baixo e esperar que todos as cumpram; é preciso envolver as pessoas, ajudá-las a descobrir ca-minho e caminhar com elas. De que nos vale saber para onde é o caminho se isso nos isola e nos deixa a falar sozinhos? A capacidade de esperar por decisões abrangentes é determinante para a revitalização do te-cido humano da Diocese, sem que isso nos demita de imprimir tensão na decisão. Esperar não pode significar estar parado, antes significa fazer tudo o que está ao nosso alcance para que se ande no sentido certo.

Exige-se também a identificação das forças de re-sistência e o seu confronto, para que não se confunda a participação e o trabalho de equipa com populismo que quer agradar a todos. Se cada um desempenhar o seu papel, o papel legítimo de quem decide será muito mais fácil, ainda que saibamos que nunca estarão to-dos do nosso lado.

2. Formação / Ministérios

Para que todos possam contribuir para esta cultu-ra participativa, é necessária uma formação constante. Promover momentos de formação é indispensável para que aqueles que são chamados a dar a sua opinião não o façam segundo um sentir momentâneo, mas alicer-çado num discernimento esclarecido à luz da fé. A for-mação espiritual e teológica deve acompanhar a entre-ga de responsabilidades e as responsabilidades devem exigir esta formação.

Não podemos confiar ministérios a quem se demite da formação, nem os podemos negar a quem a ela se

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dedica com sucesso, espírito de fé e sentido de Igreja. O Centro de Cultura Católica deve propor respostas efi-cientes e concretas às necessidades das comunidades e da Igreja diocesana. Os Arciprestados, como temos insistido, também não deixarão de promover aquelas iniciativas de formação que acharem por bem, poden-do contar com a colaboração das estruturas diocesanas ou outras.

A catequese de adultos deve ser uma realidade ao alcance de todos, para que o tesouro da Fé seja amado e conhecido por cada batizado.

3. Nova-Evangelização / Missão

A intuição do Papa João Paulo II sobre a necessida-de de uma Nova Evangelização que fosse, não apenas uma repetição do anúncio, mas uma nova forma de evangelizar o velho continente, deve motivar-nos. A capacidade de apresentar de forma nova a mensagem sempre nova do Evangelho deve orientar a nossa ação: partilhar e testemunhar com alegria a fé que vivemos. Pelos caminhos e horizontes que nos rasgará, não dei-xaremos de acompanhar o próximo Sínodo dos Bispos, que decorrerá, em Roma, no Vaticano, em Outubro próximo, precisamente sobre a Nova Evangelização.

Sem nos fecharmos nos nossos grupos já consolida-dos nem nos nossos hábitos, devemos ir ao encontro dos que estão longe e repropor-lhe Jesus Cristo com a ousadia da Fé e a coragem dos Santos.

Sabemos que não contamos hoje com o favoreci-mento do ambiente cultural que nos envolve, como noutros tempos, mas também sabemos que não somos

III. Orientações Pastorais

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hoje condicionados nem limitados como fomos nou-tras épocas. Por isso, urge que nos deixemos consumir pelo zelo do Evangelho e que o anunciemos lá onde o sal perdeu o sabor e a luz foi escondida. Repensarmo-nos a nós mesmos é mais exigente do que repetirmos aquilo que não funciona mas que é legitimado pela antiguidade. E a questão que se nos põe é se estamos dispostos a desperdiçar os dons que Deus nos concede num mimetismo estéril e desencarnado, ou se, à per-gunta do Senhor sobre o que fizemos aos talentos que nos deu, queremos responder com a alegria de quem os multiplicou.

Missionários entre os nossos e capazes de partilhar o pouco que temos com quem tem menos ainda, é essa a Igreja com que sonhamos. Missionária e generosa, capaz de ir ao encontro dos que estão distantes, geo-gráfica ou afetivamente, para lhes anunciar que Cristo, Aquele que foi crucificado, está vivo e é o Senhor!

4. Projecto / Avaliação

É necessária à vida diocesana a capacidade de se projetar, para além de se calendarizar. “Quando se na-vega sem destino, nenhum vento é favorável”, afirmava Séneca. Temos que ter ideias claras da Igreja que que-remos construir, traçar metas realísticas e mensuráveis que orientem a nossa ação e ter a coragem de avaliar os resultados alcançados. Não nos queremos transfor-mar numa empresa, mas não podemos constantemente escolher um caminho e depois, porque alguém aponta um outro, abandoná-lo, e voltar ao anterior sem mais. A repetição de algumas formas e o abandono de outras

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só encontra razão de ser num jeito de navegar ora à vista, ora à deriva, sem modelo de Igreja que oriente e entusiasme.

A coragem de nos confrontarmos com os nossos sucessos e insucessos é fundamental para corrigir ro-tas, rever estratégias. Caso contrário, corremos o risco de nos determos em becos onde não queremos estar, mas de onde não conseguimos sair. Dedicar tempo a comparar os resultados alcançados com os objetivos propostos, a todos os níveis da vida da Igreja, sejam as paróquias, os movimentos ou a própria Diocese, é oportunidade de dar graças a Deus pelo bem que por nós realizou, oportunidade de aprender com os erros, para que não se repitam, e um investimento no sucesso de futuros planos e projetos.

5. Apostolicidade / Sinodalidade

A Diocese que queremos construir, não fará apenas um Sínodo, mas terá o Sínodo, agora em curso, como ponto forte da consolidação da sua identidade sinodal. Estamos cientes do nosso papel como decisivo para que esta realidade seja cada vez mais visível e ama-da. Desafiamos as mais diversas estruturas diocesanas, paroquiais, arciprestais e de movimentos a favorecer esta sinodalidade como forma de ser Igreja. Esperamos animadamente as proposições do Sínodo diocesano que nos permitam enriquecer, atualizar ou completar as normas e regras diocesanas, não segundo um sentir momentâneo, mas de acordo com os sentir da fé mani-festado pelo sentir dos fiéis.

Queremos propor caminhos a todos, aos que já

III. Orientações Pastorais

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caminham em direção a Cristo e àqueles que vivem afastados. Queremos fazê-lo alicerçados na proposta de muitos, os muitos que esperamos contribuam para a realização deste grande evento eclesial.

Queremos, como sucessor dos Apóstolos, repropor a nossa Fé, que é a Fé da Igreja, com a fidelidade de sempre mas com a novidade e frescura que os nossos tempos exigem. Para isso contamos com os grupos de reflexão, com as assembleias, com as várias comissões sinodais, ou seja, contamos com todos.

6. Profetismo / Construção

Desafiamo-vos ainda a ser capazes de ver, no tem-po, o tempo que ainda não é. A refletir a Igreja na sua atualidade e projetualidade. A não responder hoje com instrumentos de ontem às pessoas do amanhã. O desa-fio é antecipar, ler os sinais dos tempos e perceber para onde caminha o mundo e para onde queremos que ele caminhe. Desafiamo-vos a, como profetas, anunciar e denunciar e, numa profunda relação com Deus e com a sua Palavra, propor ao mundo novos caminhos que sejam caminho de uma humanidade redimida.

Desejamos para o Sínodo que agora se realiza e para todos os agentes de ação eclesial a capacidade criativa de encontrar soluções não para os problemas de hoje mas para os que hão de vir, sem medos maiores do que a esperança e sem desânimos maiores do que a fé.

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Conclusão

Em jeito de quem quer acabar sem concluir, reto-mamos o pensamento de João Paulo II que esteve pre-sente na nossa homilia de entrada na Diocese e que foi apontado na convocação do Sínodo diocesano: se quisermos ser fiéis ao desígnio de Deus e correspon-der às expectativas mais profundas da pessoa, nestes tempos que são os nossos, o grande desafio que temos pela frente é fazer da Igreja “casa” e “escola de comu-nhão”, através de “uma espiritualidade de comunhão”. Isto significa ter “o olhar do coração voltado para o mistério da Trindade, que habita em nós e cuja luz há de ser percebida também no rosto dos irmãos que es-tão ao nosso redor”; significa “a capacidade de sentir o irmão de fé na unidade profunda do Corpo místico, isto é, como “um que faz parte de mim”, para saber parti-lhar as suas alegrias e os seus sofrimentos, para intuir os seus anseios e dar remédio às suas necessidades, para lhes oferecer uma verdadeira e profunda amizade”; significa “a capacidade de ver, antes de mais nada, o que há de positivo no outro, para o acolher e valori-zar como dom de Deus: um “dom para mim”, como é para o irmão que diretamente o recebeu”; significa saber “criar espaço para o irmão, levando os fardos uns dos outros e rejeitando as tentações egoístas que sempre nos ameaçam e geram competição, arrivismo, suspeitas, ciúmes”45.

Convidamos todos os diocesanos a viverem, mesmo à distância, o próximo Congresso Eucarístico Interna-cional que se vai realizar em Dubin, Irlanda, em Junho

45 João Paulo II, Carta Apostólica, Novo Millennio Ineunte, 43.

III. Orientações Pastorais

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próximo. Tem como tema “A Eucaristia: comunhão com Cristo e entre nós”. Na verdade, não podemos esque-cer que a comunhão com Cristo e entre nós se impõe pelo facto de, embora sendo muitos, formarmos um só corpo porque comungamos todos do mesmo pão46. Ele em todos, todos n’Ele, uns com os outros n’Ele e com Ele, num só coração e numa só alma.

Nesta hora de secura turbulenta mas de firme espe-rança, importa deixar fazer eco dentro nós das palavras de Maria, Estrela da Evangelização: “Fazei o que Ele vos disser”47.

Escutando Maria, coloquemos água nas talhas, apressemo-nos a oferecer generosamente os nossos “cinco pães e dois peixes” e o Senhor providenciará para que a festa não acabe e a alegria seja plena.

Portalegre, memória litúrgica de Santa Inês, 21 de janeiro de 2012.

† Antonino DiasBispo de Portalegre-Castelo Branco

46 Cf. ICor 10, 16-17. 47 Jo 3,5.

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O POUCO COM DEUS É MUITO 3 I. AS PESSOAS 51. Os padres 52. Os diáconos 93. Os consagrados 104. Os leigos comprometidos 125. A família 146. Os idosos 187. Os jovens 218. Os seminaristas 249. Os afastados ou indiferentes 2610. Os migrantes 27

II. AS ESTRUTURAS 291. A Cúria Diocesana 292. Os Arciprestados 323. As paróquias 334. As Instituições Particulares de Solidariedade Social da Igreja (IPSS) 355. Património cultural material e imaterial 386. Os meios de comunicação social 417. Sínodo Diocesano 43

III. ORIENTAÇÕES PASTORAIS 47 1. Corresponsabilidade / Participação 472. Formação / Ministérios 483. Nova-Evangelização / Missão 494. Projecto / Avaliação 505. Apostolicidade / Sinodalidade 516. Profetismo / Construção 527. Conclusão 53

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