3
Arquivos Brasileiros de Cardiologia - Volume 85, Nº 5, Novembro 2005 Case Report Case Report Case Report Case Report Case Report Relato de Caso 337 Fístula de Enxerto Coronariano da Artéria Torácica Interna Esquerda para Artéria Pulmonar Esquerda após Cirurgia de Revascularização Miocárdica. Causa Rara de Isquemia Miocárdica Left Internal Thoracic Artery to Left Pulmonary Artery Fistula after Coronary Artery Bypass Graft Surgery. A Rare Cause of Myocardial Ischemia Correspondência: Gustavo Luiz Gouvêa de Almeida Júnior • Rua Alfredo Ceschiatti, 100 Bl. 01/1206 - Barra da Tijuca - 22775-045 - Rio de Janeiro, RJ E-mail: [email protected] Recebido em 04/03/05 • Aceito em 06/04/05 Gustavo Luiz Gouvêa de Almeida Júnior, José Kezen Camilo Jorge, Augusto César de Araújo Neno, Fernanda Beloni dos Santos Nogueira, Bruno Hellmuth, Roberto Hugo da Costa Lins, Renato Vilella, Valdo José Carreira, Ivo Thadeu, José Pedro da Silva Casa de Saúde São José - Rio de Janeiro, RJ Descrevemos o caso de um paciente que, seis anos após cirurgia de revascularização do miocárdio, desenvolveu dispnéia aos pequenos esforços. Foi documentada isquemia miocárdica por método de medicina nuclear e a cineangiocoronariografia mostrou todos os enxertos patentes com grande fístula da artéria torácica interna esquerda para artéria pulmonar esquerda. O paciente foi tratado com fechamento cirúrgico da fístula, tendo ótima evolução pós-operatória. A presença de fístula da artéria torácica interna esquerda para artéria pulmonar esquerda constitui complicação extremamente rara após cirurgia de revascularização miocárdica. Sua presença pode levar a recorrência de angina, dispnéia, insuficiência cardíaca, endocardite, entre outros. Deve ser pesquisada quando nenhuma causa clara para o aparecimento desses sintomas ocorrer após revascularização miocárdica. Seu diagnóstico é feito através da cineangiocoronariografia e o tratamento, na maioria dos casos, é o fechamento cirúrgico ou percutâneo da fístula. RELATO DO CASO Paciente de 73 anos de idade, masculino, branco, com histórico de hipertensão arterial sistêmica e revascularização miocárdica há seis anos, com colocação dos seguintes enxertos: artéria torácica interna (mamária) esquerda para artéria descendente anterior, safena seqüencial para 1ª e 2ª artérias marginais esquerdas e safena para 1ª diagonal. O paciente procurou atendimento por estar apresentando astenia e dispnéia progressiva aos esforços, que vem piorando nos últimos meses, chegando aos pequenos esforços. A medicação regular que vinha fazendo uso era captopril 150 mg/dia, hidroclorotiazida 25 mg/dia e ácido acetilsalicílico 200 mg/dia. O exame físico cardiovascular foi normal, exceto por presença de 4ª bulha. Os pulmões estavam limpos. O eletrocar- diograma mostrava bloqueio átrio-ventricular de 1º grau e hemibloqueio anterior esquerdo. O ecocardiograma revelou apenas hipertrofia ventricular esquerda e déficit de relaxamento do ventrículo esquerdo. Foi optado, então, por investigação de isquemia miocárdica em atividade, por meio de cintilografia miocárdica de perfusão com esforço/repouso. A cintilografia (fig. 1) mostrou hipocaptação do radiofármaco (Tc-99 sestamibi) no território ântero-septal no esforço, com recuperação no repouso, compatível com isquemia nesse território. Realizado, então, estudo cineangiocoronariográfico com ventriculografia esquerda, que mostrou patência de todos os enxertos e obstrução de 70% na coronária direita. Entretanto, foi observada grande fístula saindo da porção inicial da mamária esquerda, drenando para artéria pulmonar esquerda (figs 2 e 3). Essa fístula provocava importante roubo de fluxo da artéria descendente anterior, sendo considerado o responsável pela isquemia no We report a patient who developed dyspnea on mild exertion six years after coronary artery bypass graft surgery (CABG). Myocardial ischemia was documented by radionuclide imaging, and coronary angiography showed patency of all grafts and a large fistula between the left internal thoracic artery (LITA) and the left pulmonary artery (LPA). The patient was submitted to surgical closure of the fistula and made an excellent recovery.

Case Report - SciELO · Correspondência: Gustavo Luiz Gouvêa de Almeida Júnior • Rua Alfredo Ceschiatti, 100 Bl. 01/1206 - Barra da Tijuca - 22775-045 ... Ferreira AC, Marchena

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Case Report - SciELO · Correspondência: Gustavo Luiz Gouvêa de Almeida Júnior • Rua Alfredo Ceschiatti, 100 Bl. 01/1206 - Barra da Tijuca - 22775-045 ... Ferreira AC, Marchena

337

Arquivos Brasileiros de Cardiologia - Volume 85, Nº 5, Novembro 2005

Case ReportCase ReportCase ReportCase ReportCase ReportRelato de Caso

337

Fístula de Enxerto Coronariano da ArtériaTorácica Interna Esquerda para Artéria PulmonarEsquerda após Cirurgia de RevascularizaçãoMiocárdica. Causa Rara de Isquemia MiocárdicaLeft Internal Thoracic Artery to Left Pulmonary Artery Fistula after CoronaryArtery Bypass Graft Surgery. A Rare Cause of Myocardial Ischemia

Correspondência: Gustavo Luiz Gouvêa de Almeida Júnior • Rua Alfredo Ceschiatti, 100 Bl. 01/1206 - Barra da Tijuca - 22775-045 - Rio de Janeiro, RJ

E-mail: [email protected] Recebido em 04/03/05 • Aceito em 06/04/05

Gustavo Luiz Gouvêa de Almeida Júnior, José Kezen Camilo Jorge, Augusto César de Araújo Neno,Fernanda Beloni dos Santos Nogueira, Bruno Hellmuth, Roberto Hugo da Costa Lins, Renato Vilella, Valdo

José Carreira, Ivo Thadeu, José Pedro da SilvaCasa de Saúde São José - Rio de Janeiro, RJ

Descrevemos o caso de um paciente que, seis anosapós cirurgia de revascularização do miocárdio,desenvolveu dispnéia aos pequenos esforços. Foidocumentada isquemia miocárdica por método demedicina nuclear e a cineangiocoronariografia mostroutodos os enxertos patentes com grande fístula da artériatorácica interna esquerda para artéria pulmonar esquerda.O paciente foi tratado com fechamento cirúrgico da fístula,tendo ótima evolução pós-operatória.

A presença de fístula da artéria torácica internaesquerda para artéria pulmonar esquerda constituicomplicação extremamente rara após cirurgia derevascularização miocárdica. Sua presença pode levar arecorrência de angina, dispnéia, insuficiência cardíaca,endocardite, entre outros. Deve ser pesquisada quandonenhuma causa clara para o aparecimento dessessintomas ocorrer após revascularização miocárdica. Seudiagnóstico é feito através da cineangiocoronariografia eo tratamento, na maioria dos casos, é o fechamentocirúrgico ou percutâneo da fístula.

RELATO DO CASO

Paciente de 73 anos de idade, masculino, branco, comhistórico de hipertensão arterial sistêmica erevascularização miocárdica há seis anos, com colocaçãodos seguintes enxertos: artéria torácica interna (mamária)esquerda para artéria descendente anterior, safenaseqüencial para 1ª e 2ª artérias marginais esquerdas esafena para 1ª diagonal. O paciente procurou atendimentopor estar apresentando astenia e dispnéia progressiva aosesforços, que vem piorando nos últimos meses, chegando

aos pequenos esforços. A medicação regular que vinhafazendo uso era captopril 150 mg/dia, hidroclorotiazida25 mg/dia e ácido acetilsalicílico 200 mg/dia. O examefísico cardiovascular foi normal, exceto por presença de4ª bulha. Os pulmões estavam limpos. O eletrocar-diograma mostrava bloqueio átrio-ventricular de 1º graue hemibloqueio anterior esquerdo. O ecocardiogramarevelou apenas hipertrofia ventricular esquerda e déficitde relaxamento do ventrículo esquerdo. Foi optado, então,por investigação de isquemia miocárdica em atividade,por meio de cintilografia miocárdica de perfusão comesforço/repouso. A cintilografia (fig. 1) mostrouhipocaptação do radiofármaco (Tc-99 sestamibi) noterritório ântero-septal no esforço, com recuperação norepouso, compatível com isquemia nesse território.Realizado, então, estudo cineangiocoronariográfico comventriculografia esquerda, que mostrou patência de todosos enxertos e obstrução de 70% na coronária direita.Entretanto, foi observada grande fístula saindo da porçãoinicial da mamária esquerda, drenando para artériapulmonar esquerda (figs 2 e 3). Essa fístula provocavaimportante roubo de fluxo da artéria descendente anterior,sendo considerado o responsável pela isquemia no

We report a patient who developed dyspnea on mildexertion six years after coronary artery bypass graft surgery(CABG). Myocardial ischemia was documented byradionuclide imaging, and coronary angiography showedpatency of all grafts and a large fistula between the leftinternal thoracic artery (LITA) and the left pulmonary artery(LPA). The patient was submitted to surgical closure ofthe fistula and made an excellent recovery.

revista_nov-05.pmd 31/10/2005, 15:12337

Page 2: Case Report - SciELO · Correspondência: Gustavo Luiz Gouvêa de Almeida Júnior • Rua Alfredo Ceschiatti, 100 Bl. 01/1206 - Barra da Tijuca - 22775-045 ... Ferreira AC, Marchena

338

Arquivos Brasileiros de Cardiologia - Volume 85, Nº 5, Novembro 2005

Fig. 1 – Cintilografia miocárdica (Tc-99 sestamibi) com esforço (imagens superiores) e repouso (imagens inferiores), mostrando isquemia ântero-septal

Fig. 2 - Coronariografia mostrando 1º ramo da artéria torácica interna esquerda não ligado (representado pela seta no desenho da direita), formandoa fístula que vai para artéria pulmonar

Fig. 3 - Coronariografia mostrando a fístula enchendo a artéria pulmonar esquerda através de vários ramos (seta única no desenho da direita) e aanastomose distal da mamária na artéria descendente anterior (seta dupla)

FÍSTULA DE ENXERTO CORONARIANO DA ARTÉRIA TORÁCICA INTERNA ESQUERDA PARA ARTÉRIA PULMONAR ESQUERDA APÓS CIRURGIA DEREVASCULARIZAÇÃO MIOCÁRDICA. CAUSA RARA DE ISQUEMIA MIOCÁRDICA

revista_nov-05.pmd 31/10/2005, 15:12338

Page 3: Case Report - SciELO · Correspondência: Gustavo Luiz Gouvêa de Almeida Júnior • Rua Alfredo Ceschiatti, 100 Bl. 01/1206 - Barra da Tijuca - 22775-045 ... Ferreira AC, Marchena

339

Arquivos Brasileiros de Cardiologia - Volume 85, Nº 5, Novembro 2005

FÍSTULA DE ENXERTO CORONARIANO DA ARTÉRIA TORÁCICA INTERNA ESQUERDA PARA ARTÉRIA PULMONAR ESQUERDA APÓS CIRURGIA DEREVASCULARIZAÇÃO MIOCÁRDICA. CAUSA RARA DE ISQUEMIA MIOCÁRDICA

território ântero-septal. O paciente foi, então, submetidoà ligadura cirúrgica da fístula e recebeu alta hospitalar.No seguimento de um ano, o paciente apresentava-selivre dos sintomas relacionados com sua internação.

DISCUSSÃO

A presença de fístulas envolvendo a artéria torácicainterna é rara. Tem múltiplas causas e, freqüentemente,diagnóstico difícil, devido à variabilidade na apresentaçãoclínica. Pode ter evolução de potencial gravidade e mesmofatal. Os fatores predisponentes para o aparecimento dafístula são a ligação incompleta dos ramos intercostaisda artéria torácica interna, lesão do parênquima pulmonar,infecção e eletrocoagulação, ao invés de ligadura dosramos intercostais, entre outros1,2. O aparecimento defístula da artéria torácica interna para artéria pulmonar éuma complicação rara após cirurgia de revascularizaçãomiocárdica. Na literatura médica, pouco mais de 20 casosforam relatados3. Os sintomas mais freqüentes são aquelesrelacionados ao aparecimento de isquemia miocárdica,como angina do peito4 e dispnéia, além de,ocasionalmente, poder ocorrer insuficiência cardíaca,endarterite ou ser ouvido sopro contínuo na borda esternalesquerda5. Com o progressivo desenvolvimento da fístula,ocorre roubo de fluxo coronariano para a artéria pulmonare, conseqüentemente, isquemia miocárdica. No presentecaso, documentamos a presença de isquemia miocárdica

por meio da cintilografia miocárdica e o estudo anatômicocoronariano não mostrou outra justificativa para aisquemia que não fosse a presença da fístula. A únicaobstrução coronariana presente (coronária direita) foiquantificada como moderada e não correspondia aoterritório da isquemia pelo estudo cintilográfico.

Como o paciente se apresentava sintomático, compiora progressiva da dispnéia aos esforços e o estudo demedicina nuclear confirmou a presença de isquemia, foiindicado fechamento da fístula. Apesar da possibilidadede fechamento via percutânea, através de stentsrecobertos ou de devices tipo Amplatzer e coils, apenasrecentemente essas estratégias têm sido relatadas3,6 e emcentros isolados. Em função disso e da ampla experiênciada equipe cirúrgica, foi realizado o fechamento da fístulaatravés de minitoracotomia, com excelente resultado erápida recuperação pós-operatória.

A presença de recorrência de angina ou equivalente apósrevascularização miocárdica impõe diagnóstico diferencialcom fístula da mamária, se uma causa clara para os sintomasnão for identificada, uma vez que constitui causapotencialmente grave e que requer tratamento específico. Odiagnóstico definitivo é feito através da coronariografia cominjeção seletiva na artéria torácica interna e o tratamentopadrão é a ligadura cirúrgica da fístula. Como alternativa,pode ser realizado tratamento através de técnicaspercutâneas, caso equipe de hemodinâmica estejafamiliarizada com esse tipo de procedimento.

1. Nellens P, Stevens C, Vesrtraeten J, Heyndrickk GR. Internalmammary to pulmonary artery fistula associated with healedtuberculosis. Acta cardiol 1980; 35: 55-61.

2. Wood MK. Internal mammary artery to lung parenchyma fistula. AnnThorac Surg 1992; 54: 603.

3. Fernández FJ, Montes PM, Alcíbar J, Rodrigo D, Barrenetxea JI, GotxiR. Percutaneous clousure of complex fistula between the internalmammary artery and a lobar branch of a pulmonary artery. Rev EspCardiol 2004; 57: 585-8.

4. Ferreira AC, Marchena E, Liester M, Sangosanya AO. Internal

REFERÊNCIAS

mammary to pulmonary artery fistula presenting as early recurrentangina after coronary bypass. Arq Bras Cardiol 2002; 79: 181-2.

5. Guray U, Guray Y, Ozbakir C, Yilmaz MB, Sasmaz H, Korkmaz S.Fistulous connection between internal mammary graf t andpulmonary vasculature after coronary artery bypass grafting: a rarecause of continuous murmur. Int J Cardiol 2004; 96: 489-92.

6. Abbott JD, Brennan JJ, Remetz MS. Treatment of a left internalmammary ar tery to pulmonary ar tery fistula withpolytetrafluoroethylene covered stents. Cardiovasc Intervent Radiol2004; 27: 74-6.

revista_nov-05.pmd 31/10/2005, 15:12339