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Caso Clínico
Enterocolite Necrosante
Internos: Débora Pompeu Martins
Henrique Moreira dos Santos
Orientador: Dr. Paulo R. Margotto
HRAS, Janeiro/2006.
ESCS/FEPECS – SES DFESCS/FEPECS – SES DF
Caso Clínico:
• Identificação: RN de D.R.V., DN: 16/11/05, sexo feminino, mãe com 23a, DN:01/01/82. Procedente e residente em Taguatinga-DF.
• História de parto e nascimento: Nascido de parto cesariano, indicada por DPP, IG: 28 sem. Peso ao nascer: 1130g, 37cm, 26cm-PC, Apgar de 8/8, chorou ao nascer, aspiração de VAS e gástrica, ventilado com pressão positiva, intubação, feito surfactante. Líquido amniótico sanguinolento, mãe GII PI CI A0, tipagem O+, 2 consultas de pré-natal, HIV e VDRL não reagentes.
Evolução:• 17/11- Fio2 60%, TOT e SOG, dieta zero, HV em
curso, TIG: 5,5mg/kg/min, feito heparina em cateter arterial, febre (39°C), fentanil.
• 18/11- Fototerapia.• 19/11- secreção sanguinolenta em TOT, hipoativo,
pletórico. Plasma fresco (fator VIII)• 22/11- sopro cardíaco, DR leve, tiragem supra
clavicular, aminofilina, fentanil suspenso.• 23/11- Icterícia leve, iniciada ranitidina• 24/11- Resíduo gástrico (RG) esverdeado.• 28/11- RG marrom escuro, feita vit. K• 29/11- Ecocardio - PCA, iniciado ibuprofeno.
Evolução:• 03/12- Apnéia prolongada-adrenalina+VPP+ fentanil.
Rx tórax com infiltrado pneumônico em bases, iniciado cefepime + amicacina.
• 05/12- Hemocultura com cocos gram +, iniciado vancomicina+meropenem.
• 07/12- Hemocultura: S. epidermidis oxa-resistente, suspenso meropenem.
• 09/12- aminofilina+ extubação• 11/12- reintubação, cianose, déficit de perfusão
periférica, iniciada dobutamina.• 12/12- Hipertensão pulmonar, suspensa NPT• 18/12- aminofilina• 19/12- suspenso dobutamina, fentanil e vancomicina
(14 dias), extubação.
Evolução:• 20/12- Rx compatível com DBP.• 22/12- ALCON com monitoração contínua• 02/01- Apnéia, pálido, hipoativo, abdome tenso e
doloroso, cefepime +amicacina. Rx de abdome – distensão de alças.
• 03/01- melena,dispnéia, pulsos finos, distensão abdominal, hipertimpanismo. Intubação+ ventilação mecânica, perfusão periférica precária, equimoses de parede abdominal. Rx de abdome – pneumatose difusa sem perfuração, trocado cefepime por meropenem, fentanil+ dobutamina, resíduo gástrico esverdeado.
Evolução:
• Cirurgia no dia 03/01- peritonite generalizada, necrose de íleo, ceco e apêndice e focos de necrose em íleo restante e cólon. Ressecção de todo o íleo, ceco e apêndice, anastomose jejuno- cólon ascendente, permaneceu com 40 cm de intestino delgado.
• 04/01- NPT, suspensa ventilação mecânica (Hood), extubação-apnéia-reintubação.
• 06/01- Suspensa dobutamina, dieta zero orientada pela cirurgia (15 dias).
Exames complementares:• 17/11- gaso: pH 7,23; PCo2 50,1; PO2 66,9; Sat O2
95,5%; BE –5,6; HCO3 18,9; elet: Na 126; K 4,2; Ca 4,31; Cl 99; Glicose 96, bilirrubinas 3,4.
• 23/11- gaso: pH 7,29; PCo2 24,1; PO2 63,5; Sat O2 90,3%; BE –13,4; HCO3 11,3; elet: Na 141; K 4,9; Ca 11,5; Cl 118, bilirrubinas 12,7(BD 1, BI 11,7). Fosfatase Alcalina (FA): 974.
• 02/12- gaso: pH 7,18; PCo2 46,5; PO2 55,5; Sat O2 81%; BE –11,5; HCO3 16,7; elet: Na 129; K 5,8; Ca 12,3; bilirrubinas 7,2 (BD 1,2, BI 6). Glicemia 53.
• 10/12-gaso: pH 7.37; PCo2 37,8; PO2 30,9; BE –2,4; HCO3 21,6; elet: Na135; K 2,3; Ca 10,6; glicemia 119; FA:1745.
Exames Complementares:
• 02/01- gaso: pH 7,25; PCo2 26,7; PO2 68; Sat O2 100%; BE –14,5; HCO3 13,5; elet: Na 144; FA:1765.
• 03/01- gaso: pH 7,09; PCo2 55,3; PO2 67,9; Sat O2 90,1%; BE –12,1; HCO3 13,7; elet: Na 130; K 3,9; Ca 1,85; bilirrubinas 2,5; lactato 25.
• 16/12- HC: 26000 leu (51-2-40-2-5), Ht 37,8; Hb 12,5, Plaq. 264000.
• 02/01- HC: 13100 leu (53-2-44-1-0), Ht 38,3; Hb 12,9; Plaq.166000.
• Eco. transfontanelar normal em 22/11.
Transfusões:
• 19/11- plasma;
• 21/11- Concentrado de hemácias (CH);
• 02/12- CH;
• 03/12- CH;
• 16/12- CH;
• 02/01- CH;
• 03/01- CH + sangue total
Enterocolite Necrosante
Conceito:
• Grave doença gastrintestinal que afeta principalmente RN (recém-nascidos) prematuros gerando
sofrimento intestinal acentuado. Tem etiologia multifatorial e pode cursar
com necrose e perfuração intestinal.
Fatores de Risco:• O principal fator de risco para ECN
(enterocolite necrosante) é a prematuridade.
• Outros fatores de risco:
– Apnéia, doença pulmonar, asfixia;– Baixo peso, parto gemelar;– Cateterização da artéria umbilical, uso de cateteres venosos
centrais; – Persistência do canal arterial;– Hiperviscosidade, exsanguíneotransfusão, bacteremia; – Baixo débito cardíaco, choque;– Alimentação hiperosmolar.
Fatores de Risco:
• Relacionados à alimentação:
– Alimentação precoce;– Progressão rápida da dieta;– Sondagem nasoenteral;– Fórmulas artificiais;– Dieta hipertônica;– Mamadeira.
Epidemiologia:• A incidência varia entre 3 a 4 casos/mil nascimentos
(2 a 7% de admissão na UTI neonatal do HRAS), sendo 75 a 90% dos casos ocorrendo em RN pré-termos, principalmente com idade gestacional entre 31-32 semanas e peso menor que 1500g. Início entre 3 e 10 dias de vida.
• Pode também ocorrer em RN a termo.• A mortalidade varia de 20-40% (37% necessitam de
tratamento cirúrgico) e 40-50% podem apresentar gangrena intestinal ou perfuração.
• A ECN não está relacionada ao sexo, raça ou sazonalidade;
• Também chamada de doença dos sobreviventes.
Fisiopatologia:
• A imaturidade da mucosa intestinal consiste em um fator facilitador para a ECN, pois:– Há maior permeabilidade a proteínas de alto peso
molecular;– Secreção ácida gástrica ainda reduzida na 1a
semana de vida;– Menor liberação de enzimas hidrolíticas;– Motilidade intestinal ainda incoordenada;– Há imaturidade imunológica tanto celular quanto
humoral na mucosa intestinal.
Fisiopatologia:• Relaciona-se fundamentalmente à Isquemia
Intestinal.• A associação dos fatores de risco leva à deflagração
de uma cascata inflamatória local na parede intestinal, com a liberação de vários mediadores inflamatórios.
• O desequilíbrio na liberação de mediadores inflamatórios locais e a imaturidade imunológica gastrintestinal propiciam a ECN.
• O PAF(fator de ativação plaquetária), o TNF (Fator de necrose tumoral ) e as endotoxinas bacterianas (LPS) contribuem para a gênese da ECN.
Fisiopatologia:
• O PAF é um mediador inflamatório de natureza fosfolipídica, liberado por células inflamatórias, plaquetas e células endoteliais.
• A administração do PAF via mesentérica ou sistêmica causou lesões intestinais semelhantes à ECN em cobaias.
• Da mesma forma a administração de antagonistas dos receptores PAF teve significativo papel na proteção intestinal em cobaias.
Fisiopatologia:• O efeito citotóxico do PAF se deve à formação de
radicais livres de oxigênio e à propriedade que o PAF tem de induzir a formação do TNF na mucosa intestinal.
• O PAF também induz a marginação neutrofílica que inicia o processo de lesão tecidual intestinal.
• Normalmente a meia-vida plasmática do PAF é curta, devido à alta atividade da enzima que o degrada (PAF acetil-hidrolase – PAF AH).
• Apenas após 6 semanas de vida a PAF AH atinge seu nível normal de atividade plasmática e tecidual.
Fisiopatologia:• O aleitamento materno leva à colonização intestinal
por gram +, os quais fermentam a lactose a ácido lático, que é prontamente absorvido pelo trato gastrintestinal.
• Por outro lado, a introdução de fórmulas alimentares propicia a colonização por gram -, que fermentam a lactose a hidrogênio, CO2 e ácidos orgânicos, substâncias dificilmente eliminadas do lúmen intestinal.
• A colonização por gram + limita o crescimento de gram – (coliformes, enterococos e Bacteroides sp.)
• Bactérias gram + liberam menos endotoxinas que as gram -, conseqüentemente desencadeiam menor reação inflamatória local.
Fisiopatologia:
• A arginina e glutamina são aminoácidos produzidos pelo enterócito que fornecem Nitrogênio como matéria prima para a síntese de Óxido Nítrico, importante agente vasodilatador que controla o fluxo sanguíneo na parede intestinal.
• Foram encontrados níveis menores desses aminoácidos em bebês com ECN se comparados àqueles não portadores da doença.
• Segundo estudo feito por Di Lorenzo et al. A administração de arginina em infusão contínua atenuou a lesão intestinal.
Fisiopatologia:
• O fator de crescimento epidérmico (FCE) é um peptídio que controla o crescimento e o ciclo celular na mucosa intestinal.
• Sullivan et al. relataram o caso de uma criança de 8 meses de idade, com quadro de necrose intestinal similar à ECN, em que a administração contínua do FCE, por um período de 4 dias, levou à recuperação do quadro.
• Scott et al. observaram uma elevada taxa de excreção urinária do FCE em recém-nascidos que cursaram com ECN. Provavelmente pela maior absorção de FCE pela mucosa lesada.
Quadro Clínico:
ECNECN
Defesa Abdominal
Defesa Abdominal
Resíduos Gástricos Resíduos Gástricos
Vômitos Biliosos
Vômitos Biliosos
Queda do Estado Geral
Queda do Estado Geral
Sangramento Intestinal
Sangramento Intestinal
Fleimão Peri-umbilical
Fleimão Peri-umbilical
Distensão Gástrica e Abdominal
Distensão Gástrica e Abdominal
Quadro Clínico:SINAIS PORCENTAGEM DE PACIENTESxDistensão abdominal 73Fezes sanguinolentas 28Apnéia, bradicardia 26Hiperestesia abdominal 21Retenção do conteúdo gástrico 18Fezes guáiaco-positivas 17"Aspecto séptico" 12Choque 11Vômitos biliosos 11Acidose 10Letargia 9 Celulite da parede abdominal 6Diarréia 6Tumoração na Fossa ilíaca direita 2
•Excede de 100%, já que muitos pacientes apresentam mais de um sinal. (Modificado de Kliegman, R. M. e Fanaroff, A.A.: Neonatal necrotizing enterocolitis: A nine-year experience. Epidemiology and uncommon observations. Am. J. Ids Child 135:603, 1981)
Diagnóstico:
• Hemograma: Trombocitopenia (indicador prognóstico – abaixo de 100.000/mm³ indica gangrena intestinal.)
• Neutrofilia / neutropenia• Anemia• Hemocultura (freqüentememnte Klebsiella sp.)• Pesquisa de sangue nas fezes (oculto ou não)• Gasometria (acidose metabólica persistente)• Radiografia do abdome seriada (6/6 h)
Achados Radiológicos:
• Distensão e edema de alças;• Pneumatose intestinal;• Pneumoperitônio;• Íleo paralítico;• Portograma aéreo.• Pneumatose Coli (Pneumatose
exclusiva do Cólon, não há envolvimento do intestino curto - Forma benigna de ECN)
Manejo Clínico:
• Dieta zero;• Esvaziamento gástrico contínuo;• Cobertura antibiótica de amplo espectro
(inclusive anaeróbios); • Manutenção da perfusão adequada ( expansão
plasmática ou dopamina2,5-5 μg/kg/min.);• Correção dos distúrbios hidroeletrolíticos e
ácido-básico;• Tratamento da coagulação intravascular
disseminada, quando instalada.
Indicações cirúrgicas:
• A ECN é considerada a emergência cirúrgica mais comum no período neonatal;
• Indicação absoluta Perfuração de Alças (com ou sem pneumoperitônio);
• Indicações relativas Portograma aéreo, alças paralíticas, eritema de parede abdominal e tumoração palpável;
• A decisão de submeter à cirurgia deve ser baseada na evolução clínica do RN e deve ser tomada em conjunto por cirurgião, anestesista e neonatologista.
Procedimento Cirúrgico:
• Os dois procedimentos mais realizados são:– Drenagem peritoneal simples;– Laparotomia exploradora com ressecção
do segmento acometido, seguida de anastomose primária ou enterostomias.
– Mortalidade cirúrgica de 20 a 40%.
Complicações:
– Estenose intestinal pós-cicatricial– Fístulização– Abscesso– ECN recorrente– Síndrome do intestino curto– Síndrome disabsortiva– Colestase
Classificação:Estágio Clínica Radiologia Tratamento
ECN suspeita
IA
IB: enterorragia
Distensão abd,
Recusa dieta
Vômitos
Dilatação leve de alças
Dieta zero 3 dias
Antibiótico por 3 dias
(dependendo de culturas)
ECN definida
IIA
IIB: + dor com ou sem celulite ou
massa abdominal
Plaquetopenia,
Acidose metabólica
RHA ou ausente com ou sem dor abdominal
Dilatação de alças, pneumatose
II B : + ascite
Dieta zero 7- 10 dias
Antibiótico 7- 10 dias
(Se exame for normal em 24-48 horas)
______________________
Antibióticos 14 dias
Dieta zero 10 – 14 dias
Correção de acidose
ECN avançada
IIIA
IIIB : pneumoperitônio
+ sinais de peritonite,muita dor, distensão acentuada
Hipotensão, bradicardia, acidose mista, CIVD, anúria
Pneumatose + ascite
definida
IIB: +pneumoperitônio
+ hidratação vigorosa, plasma, hemácias, drogas vasoativas, VM
Sem melhora: cirurgia
Estratégias Preventivas:
• Corticoterapia antenatal;• Aleitamento Materno;• Progressão criteriosa da dieta (20 ml /kg/dia)• Administração de Igs (em fase de estudo):
– Eibl et al. avaliaram a eficácia de um preparado oral de imunoglobulinas (73% - IgA e 26% - IgG) na prevenção de ECN e encontraram redução na incidência da ECN nos bebês tratados.
Estratégias Preventivas:
• Sabe-se que a presença de um canal arterial patente (PCA) promove um desvio do volume sangüíneo para as artérias pulmonares na fase diastólica, o que leva à diminuição da perfusão esplâncnica, aumentando, assim, o risco de aparecimento da ECN;
• Cassady et al. observaram que a ligadura cirúrgica precoce do canal arterial ou o uso de ibuprofeno diminuíam a chance de aparecimento da ECN;
• O uso de indometacina é controverso;• Uso de pré e pró-bióticos.
Obrigado!!!
Referências Bibiliográficas:• Oliveira,ND et al. Avanços em Enterocolite Necrosante.
2005.• Margotto PR. Enterocolite necrosante. In. Margotto PR.
Assistência ao Recém-Nascido de Risco. 2ª Edição.Hospital Anchieta, Brasília, pg.481-485, 2006.
• Vieira MTC et al. Fatores associados à enterocolite necrosante. 1992.
• Precioso AR et al. Necrotizing Enterocolitis, Pathogenesis and the protector effect of prenatal corticosteroids. 2002
• Metzger-Maayan A et al. Necrotizing entercolitis in full-term infants: case-control study and review of the literature. J Perinatolol; 24:494-499. 2004
Referências Bibiliográficas:LIVRO: ASSISTÊNCIA AO RECÉM-NASCIDO DE RISCO, 2a Edição, 2006. Aquisição: :xxx6133539361
Autor (s): Paulo R. Margotto
ENTEROCOLITE NECROSANTE NO RECÉM-NASCIDO A TERMO: ESTUDO DE CASO-CONTROLE E REVISÃO DA LITERATURA
Autor (s): Metzger-Maayan A, Itzchak A, Mazkereth R, Kuint J
ANORMALIDADES HEMATOLÓGICAS NA ENTEROCOLITE NECROSANTE
Autor (s): King PJ, Hutter JJJournal of Perinatology 2003 23:523-30
PNEUMATOSE COLI, UMA FORMA BENIGNA DE ENTEROCOLITE NECROSANTE
Autor (s): N. Travadi, S. K. Patole, K. Gardiner
ENTEROCOLITE NECROSANTE COM PERFURAÇÃO INTESTINAL EM RECÉM NASCIDOS PRÉ-TERMOS/EXTREMOS, RECEBENDO INDOMETACINA PRECOCE PARA TRATAMENTO DO DUCTUS ARTERIOSUS PATENTE
Autor (s): Fujii AM, Brown E, Mirochnick M, O’Brien S, Kaufman G ( Boston University School of Medicine)