33
C C e e n n t t r r o o d d e e E E c c o o n n o o m m i i a a e e P P e e t t r r ó ó l l e e o o I I B B R R E E / / F F G G V V R R e e g g u u l l a a ç ç ã ã o o E E c c o o n n ô ô m m i i c c a a d d e e A A c c o o r r d d o o s s d d e e U U n n i i t t i i z z a a ç ç ã ã o o n n a a I I n n d d ú ú s s t t r r i i a a d d e e P P e e t t r r ó ó l l e e o o Adriana Hernandez Perez 1 (1ª versão em Março de 2009) Junho de 2009 1 A autora agradece os comentários de Wagner Freire, Oswaldo Pedrosa, Sebastião Rego Barros e participantes do seminário de pesquisa do IBRE/FGV. Todos os erros e omissões são responsabilidade da autora. Email para contato: [email protected].

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CCeennttrroo ddee EEccoonnoommiiaa ee PPeettrróólleeoo IIBBRREE//FFGGVV

RReegguullaaççããoo EEccoonnôômmiiccaa ddee AAccoorrddooss ddee UUnniittiizzaaççããoo nnaa IInnddúússttrriiaa ddee PPeettrróólleeoo

AAddrriiaannaa HHeerrnnaannddeezz PPeerreezz11

((11ªª vveerrssããoo eemm MMaarrççoo ddee 22000099))

JJuunnhhoo ddee 22000099

1 A autora agradece os comentários de Wagner Freire, Oswaldo Pedrosa, Sebastião Rego Barros e participantes do seminário de pesquisa do IBRE/FGV. Todos os erros e omissões são responsabilidade da autora. Email para contato: [email protected].

Page 2: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

Regulação Econômica de Acordos de Unitização na Indústria de Petróleo

Adriana Hernandez Perez

Resumo

O objetivo deste artigo é descrever e propor uma análise dos acordos de unitização e em que

medida a regulação econômica destes pode resolver os problemas de incentivos exploratórios

das empresas. A teoria sugere que as características do ambiente econômico onde estes

contratos são assinados sejam levadas em conta, dentre elas: as incertezas quanto às

características do reservatório, as assimetrias de informação entre as partes quanto ao valor

do objeto e como estas afetam as cláusulas de remuneração e custeio das atividades em suas

diferentes etapas do ciclo produtivo do campo. Outro ponto importante tratado na análise é o

papel de acordos de unitização em situações onde parte do reservatório não foi concedida. No

Brasil, a regulação de acordos de unitização é grosso modo eficiente, mas há escopo para

aperfeiçoamentos.

Palavras-chave: regulação econômica, indústria de petróleo.

Códigos JEL: L43, Q48, D86.

Page 3: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

ÍÍNNDDIICCEE

Introdução ___________________________________________________________ 4

O problema de concorrência excessiva na indústria de petróleo ________________ 6

Características geológicas ____________________________________________________ 7

O problema de common pool _________________________________________________ 8

Acordos de unitização no mundo e Brasil ___________________________________ 9

A regulação de acordos de unitização __________________________________________ 9

As cláusulas típicas de acordos de unitização ___________________________________ 11

A regulação dos acordos de unitização no Brasil _________________________________ 13

As regras do jogo: a regulação ótima de acordos de unitização ________________ 14

Unitização em áreas não licitadas _____________________________________________ 20

Análise econômica da regulação brasileira de acordos de unitização ___________ 26

Conclusões __________________________________________________________ 28

Referências __________________________________________________________ 29

Anexo: Regulação Internacional de Acordos de Unitização ___________________ 31

Page 4: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

Introdução

Os problemas de incentivos gerados pela exploração independente de um reservatório de

petróleo comum são bastante conhecidos tanto por profissionais da indústria de petróleo

quanto por pesquisadores. Já durante os anos 20 e 30 nos Estados Unidos, foram estimados

grandes desperdícios econômicos derivados da ausência de coordenação: o Federal Oil

Conservation Board calculou um fator de recuperação de apenas 20 a 25% em ambientes de

concorrência excessiva, em contraste com um fator de 85 a 95% sob coordenação da produção

(Liebcap e Wiggins, 1984). Além da redução do fator de recuperação, a ineficiência produtiva -

derivada da reprodução de custos fixos e instalações de estocagem de hidrocarbonetos -

aumenta consideravelmente os custos do desenvolvimento do projeto.2

O objetivo deste artigo é descrever e propor uma análise econômica dos contratos de

unitização e em que medida a regulação econômica destes contratos pode resolver os

problemas de incentivos das partes. Uma análise apropriada da otimalidade destes contratos

exige que as características do ambiente econômico onde estes contratos são assinados sejam

levadas em conta, dentre elas: as incertezas quanto às características do reservatório, as

assimetrias de informação entre as partes quanto ao valor do objeto (sua distribuição entre os

blocos, dinâmica dos fluidos etc) e como estas afetam as cláusulas de remuneração e custeio

das atividades em suas diferentes etapas do ciclo produtivo do campo (exploração,

desenvolvimento e produção). Outro ponto importante tratado na análise é o papel de

acordos de unitização em situações onde parte do reservatório não foi concedida. Neste caso,

o problema da concorrência excessiva persiste, dado que a área vizinha poderia ser concedida

a outra empresa que não aquela que descobriu o reservatório. Neste caso, cabe entender

quais os potenciais ganhos e perdas de uma nova licitação versus o favorecimento desta ou

outra empresa.

Dentre os resultados obtidos, temos que a regulação observada dos acordos de unitização

costuma responder ao problema de coordenação da exploração através da imposição de sua

obrigatoriedade e a definição prévia de mediadores e árbitros frente a falhas do processo de

negociação. Outro ponto importante é quanto ao timing da assinatura do acordo, que deve

2 Descoberto em 1927, o desenvolvimento do Campo de Hendrick no West Texas é um exemplo emblemático pois levou à perfuração de um poço a cada 10 acres a um custo de 57 mil dólares por poço, quando bastaria um poço a cada 80 acres, dadas as condições de porosidade da rocha.

Page 5: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

ocorrer tão logo seja identificado o reservatório comum, evitando que a assimetria de

informação entre as partes vizinhas se torne muito grande e as redeterminações das

participações sejam bruscas, e portanto, contenciosas ex-post.

No que diz respeito à unitização de áreas não concedidas, a escolha entre favorecer a

empresa que identificou a extrapolação do reservatório além de sua área – referida doravante

como empresa incumbente – e a promoção de novo processo de escolha (licitatório ou não) de

outra empresa implica solucionar um trade-off importante entre o custo da negociação e

unitização das operações versus o custo de um viés de investimento exploratório próximo aos

limites de áreas não concedidas. O favorecimento de uma empresa estatal, em particular,

além de gerar custos da negociação do acordo - amplificados se a natureza dos contratos for

distinta -, pode gerar ineficiências se os objetivos da empresa (ou seus representantes) não

estiverem alinhados ao objetivo de maximização do valor do reservatório. É importante

ressaltar que qualquer favorecimento deve ser combinado com flexibilidade contratual – que

permita a subcontratação de outras empresas - para que as melhores práticas sejam

empregadas no desenvolvimento da produção.

No Brasil, a regulação da unitização é eficiente na resolução do problema de common pool,

mas poderia ser aperfeiçoada de modo a contemplar a partilha da infra-estrutura quando

reservatórios são próximos e pequenos o suficiente que não justifiquem seu desenvolvimento

individual. No que diz respeito a áreas não concedidas, a regulação da unitização confere um

status privilegiado à concessionária incumbente, criando barreiras a potenciais entrantes,

derivado das vantagens informacionais e do custo ex-post zero de negociação da unitização se

ganhadora do processo licitatório. A preferência a empresa estatal deve ser pesada pela

capacidade desta cumprir com os objetivos de maximização do valor do reservatório, tendo

em vista que os instrumentos regulatórios correntes de controle da atividade petrolífera são

suficientes para capturar os ganhos da atividade exploratória. Finalmente, numa situação onde

o regime de contrato de E&P é distinto entre áreas vizinhas que partilha o mesmo

reservatório, ou mesmo que as características geológicas do reservatório são muito

complexas, o favorecimento da empresa incumbente pode ser vantajoso do ponto de vista do

bem estar social por eliminar os custos de transação derivados da negociação de acordos de

unitização excessivamente complexos.

Este artigo é organizado da seguinte forma: a próxima seção descreve o problema de

concorrência excessiva na indústria a partir da análise das características geológicas de um

Page 6: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

reservatório de petróleo e gás e dos incentivos exploratórios dos agentes econômicos, seguido

de uma seção que descreve a regulação internacional e nacional dos contratos de unitização. A

penúltima seção faz uma análise econômica da regulação destes contratos e última conclui.

O problema de concorrência excessiva na indústria de

petróleo

A falha de mercado relevante na indústria de petróleo, que justifica sua regulação econômica,

é derivada do problema de concorrência excessiva por recursos comuns, também conhecida

na literatura internacional como tragedy of de commons.

A ausência de coordenação na exploração incentiva um comportamento estratégico danoso à

exploração eficiente de um reservatório. A estratégia de maximização das receitas de suas

produções individuais ao lugar da produção total (conjunta) do campo leva à concorrência

excessiva pelos recursos comuns com conseqüente queda do volume total do petróleo ou gás

recuperável do reservatório, reduzindo consideravelmente seu valor econômico.

A regulação da estrutura de mercado na indústria petrolífera surge para responder a estes

problemas de coordenação da produção e são fundamentais para garantir que as riquezas do

campo sejam exploradas da forma mais eficiente possível. Esta regulação incide na estrutura

de mercado ex-ante, via controle da entrada de empresas numa área – os chamados blocos de

exploração e produção (E&P) –, e ex-post, via acordos de unitização.

Idealmente, o desenho dos blocos deveria ser tal que minimizasse a necessidade de acordos

de unitização, por si só custosos. No entanto, governos não necessariamente possuem

informação geológica que minimize este problema e, por isso, nem todos os blocos concedidos

atingem este objetivo. Em adição, a regulação destes acordos pode ser insuficiente para

impedir as perdas ligadas aos problemas de coordenação, deixando espaço para conflitos

importantes que comprometem a exploração plena do valor econômico do reservatório. Este

ponto ganha ainda mais relevância quando os acordos de unitização são entre blocos cuja

formação geológica é complexa ou os blocos são regidos por regimes contratuais distintos,

onde a consolidação das participações de cada operadora (ou conjunto de empresas) não é

óbvia.

Page 7: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

Tendo em vista que o valor de um reservatório não depende somente de seu tamanho, mas de

um conjunto de características geológicas e econômicas, a natureza do problema de

concorrência excessiva será caracterizada e os custos da extração competitiva excessiva. 3

Características geológicas

Tipicamente, uma armadilha, ou trapas no jargão da indústria4, ocorre quando as rochas

porosas e permeáveis que delimitam o reservatório estão dispostas de tal forma que estão

‘seladas’ contra migração vertical ou horizontal do petróleo. O petróleo (e o gás misturado no

petróleo) é compresso entre uma camada superior de gás e uma inferior de água.

Os trapas não necessariamente são formações uniformes. Existem trapas estruturais,

derivados da deformação da crosta terrestre, que levam tanto à justaposição extensiva de

pequenos reservatórios ou a uma estrutura comprimida, caracterizada por sinuosidades,

conforme caracterizado na Figura abaixo. Há ainda os trapas estratigráficos, cuja formação é

derivada da erosão ou deposição de sedimentos e podem ser ou não associados a não

conformidades geológicas, como a presença de truncamentos.

Figura 1 – Esquema de Trapas Estruturais por Tipo

Fonte: Petroleum Seismology (2009).

A perfuração de um poço reduz a pressão do campo na área correspondente ao poço, levando

à migração natural (primária) do petróleo à superfície. A taxa de migração dependerá de

fatores como: viscosidade do petróleo, porosidade da rocha e, mais importante no contexto de

3 Esta parte se baseia em Liebcap e Wiggins (1984) e informações técnicas disponibilizadas em Petroleum Seismology (2009). 4 Do inglês trap, também referido como armadilha.

Page 8: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

unitização, a pressão interna do campo. Um novo poço perfurado gera diferenciais de pressão

que levam a maior migração de petróleo na área de baixa pressão. Isto aumenta a produção da

empresa no curto prazo, mas há um importante efeito sobre a capacidade de recuperação do

petróleo. À medida que petróleo e gás são produzidos, a pressão natural do reservatório é

reduzida – algumas vezes numa rapidez inesperada – o que pode levar a dois problemas: (1) a

taxa de migração reduz e (2) há perda de controle do reservatório, com um aumento da

produção do gás em detrimento do petróleo, mais valorizado no mercado.5 Sem a força

natural (primária) da pressão do trapa para extrair o petróleo, torna-se necessário direcionar

energia à sua extração, referido como recuperação secundária ou terciária, dependendo da

tecnologia adotada.

O problema de concorrência excessiva

A impossibilidade do regulador desenhar blocos que delimitem perfeitamente os reservatórios

do país gera concorrência excessiva entre as empresas na exploração do reservatório. 6 Isto

porque as empresas exploram de forma independente um reservatório comum – um common

pool -, onde vale a regra da captura, ou seja, a empresa é proprietária do petróleo extraído a

partir do ponto de medição da produção. Dada a lógica de migração do petróleo e a

multiplicidade de agentes tendo acesso a um único reservatório, há forte incentivo para

perfuração excessiva de poços e produção, o que em última instância leva à rápida queda da

pressão do reservatório, limitando a capacidade de recuperação primária do petróleo.

Referido na literatura como comportamento rent-seeking, tais estratégias também acabam

por dissipar a renda dos próprios agentes, tendo em vista a ineficiência produtiva gerada pelo

aumento dos gastos de capital com a duplicação de poços e instalações para armazenamento,

que sustentassem a alta produção.

Os acordos de unitização surgem para responder ao problema de common pool e restaurar a

eficiência da produção. No entanto, conforme veremos a seguir, há uma série de fatores que

5 Trata-se de um fenômeno químico onde o gás tende a (break-out) do petróleo. 6 Além do problema de common pool, existe outro problema derivado da ausência de coordenação de atividades exploratória: free-rider na atividade exploratória. Este deriva da estratégia de empresas vizinhas preferirem esperar que a outra incorra nos custos dos investimentos exploratórios para usufruir da externalidade positiva que o resultado da atividade exploratória vizinha gera nas perspectivas exploratórias de seu bloco. Assim, cada empresa espera que a outra incorra nos custos dos investimentos exploratórios antes. Este comportamento estratégico acaba por reduzir o volume de investimentos exploratórios em ambos os blocos, postergando a produção ou subaproveitando o campo. Hendricks e Kovenock (1989), preocupados em entender porque empresas falham na coordenação de decisões de perfuração de poços, propõem um modelo onde duas empresas decidem quando e onde perfurar. Eles encontram que, em linha com a observação empírica, se ambas empresas tem sinal muito bom, um número excessivo de poços pode ser perfurado, enquanto um sinal ruim leva poucas perfurações.

Page 9: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

dificultam o alcance de um acordo, dentre eles a assimetria de informação entre as partes, o

grau de incerteza quanto às características do reservatório, o número de empresas (e blocos)

envolvido no processo de negociação, dentre outros. 7

Acordos de unitização no mundo e Brasil

Nesta seção, serão apresentados os arcabouços regulatórios dos acordos de unitização e os

termos típicos destes tipos de contratos. Veremos que as regras que governam o desenho

destes acordos de unitização costumam ser bastante flexíveis, o que permite às partes

considerável liberdade na discussão dos termos do contrato.

A regulação de acordos de unitização

Segundo levantamento de Asmus e Weaver (2006), de uma seleção de 12 países, apenas dois

(Rússia e Yemen) não possuíam previsão alguma de acordos de unitização em lei ou contratos

entre governo e empresas concessionários. Os demais países vislumbravam tal possibilidade

seja em lei e contrato modelo (Brasil, Azerbaijão, Equador, Egito, Indonésia, Nigéria e Reino

Unido), seja em contrato modelo apenas (Angola, China e Colômbia).

Nos Estados Unidos e Canadá, a unitização é formalizada através de dois contratos: (1) um

acordo entre as empresas que planejam ‘unitizar’ e os proprietários ou governos com direitos

aos royalties e (2) outro acordo que trata em detalhe da relação entre as empresas que vão

explorar conjuntamente o reservatório. O primeiro é referido como Unit Agreement (UA) e o

segundo como Unit Operating Agreement (UOA).

Nos demais países, a unitização é formalizada através de um único contrato, cujos termos

compõem aspectos do UA e do UOA, sendo precedido frequentemente pela assinatura de

acordo preliminar (pre-unitization agreements). Uma implicação destes acordos, em relação ao

norte-americano e canadense, é que o Estado tem controle maior sobre os termos de partilha

e desenvolvimento da produção, tendo poder de suspendê-lo.

A Figura 1 esquematiza um exemplo de relação entre as três empresas quando de uma

unitização nestas diferentes jurisdições. As setas representam os contratos de E&P

7 Note que se trata de um exemplo típico de falha do Teorema de Coase, pois mesmo que os agentes tenham direito de exploração sobre os seus respectivos blocos, os custos de transação são elevados o suficiente para impedir que uma negociação gere uma alocação eficiente no sentido de Pareto.

Page 10: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

estabelecidos entre Estado/proprietários e empresas concessionárias e os envoltórios os

diferentes tipos de contratos conforme descrito acima.

Figura 1 –Tipos Acordos de Unitização

Segundo Weaver et al (2006), uma das razões para o uso de dois tipos de contratos nos

Estados Unidos e Canadá é que os contratos típicos entre proprietários e empresas nestes

países não autorizam as empresas negociarem a unitização das operações. As empresas

devem assinar um acordo à parte, o UA, com os proprietários, sendo que estes não

necessariamente terão conhecimento do teor dos termos do UOA, assinado posteriormente

entre as empresas.

Os principais aspectos regulatórios dos acordos de unitização são tratados a seguir:

Gatilhos do processo de unitização. Tipicamente, o gatilho do processo de unitização é de

natureza geológica, ou seja, quando da descoberta de um reservatório que extrapola os limites

do bloco da concessionária. No entanto, há países onde o gatilho pode ser econômico, ou

seja, a viabilidade comercial do desenvolvimento de um conjunto de reservatórios exige a

unitização das atividades de um grupo de empresas, por reduzir a duplicação dos custos fixos

dos serviços infraestrutura necessários.

Obrigatoriedade da unitização. Há países onde a unitização não é obrigatória e outros há

imposição de prazo para fim das negociações e mesmo a imposição de acordo de unitização

em caso de falha das negociações. A teoria econômica sugere que a obrigatoriedade do

Page 11: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

acordo não é suficiente para a solução do problema de common pool, conforme veremos

adiante.

Timing da unitização. Há restrições quanto ao timing da unitização: o desenvolvimento da

produção pode ser proibido sem a assinatura de um contrato de unitização. No que diz

respeito ao gatilho do início das negociações, há países onde a notificação da existência de um

reservatório que potencialmente ultrapasse o limite do bloco não é obrigatória.

Partilha justa. Alguns países (Brasil, Nigéria e Angola) prevêem que tais acordos devem

garantir a partilha justa e equitativa entre as partes dos ganhos da produção, segundo as

participações relativas no reservatório comum. Já o Reino Unido não considera necessário que

as parcelas sejam justas ou equitativas, dado que o esforço deve ser direcionado à

maximização do valor do bloco.

Unitização em áreas não licitadas. Quando o reservatório extrapola os limites do bloco para

áreas não licitadas, a regulação prevê várias possibilidades: o regulador pode assumir o papel

de operador virtual e negociar o acordo enquanto não há licitação do bloco (caso brasileiro), a

empresa estatal passa a ter direitos imediatos sobre a área não licitada (Angola), a

concessionária que descobriu o bloco tem direitos preferenciais (Egito, Indonésia e

Azerbaijão).

As cláusulas típicas de acordos de unitização

De um modo geral, a definição das cláusulas contratuais destes acordos não sofre ingerência

da agência regulatória ou governo. Há considerável flexibilidade para as partes definirem a

forma da partilha, os critérios de renegociação e a eleição de árbitros ou mediadores.

As cláusulas típicas incluem:8 (1) localização e os limites do reservatório ou formação a ser

unitizada; (2) identidade dos participantes e procedimentos para expandir ou reduzir o

número de participantes no contrato; (3) identificação do operador e procedimentos para a

sua remoção; (4) distribuição de direitos e deveres sobre o reservatório; (5) plano de

exploração e desenvolvimento da produção, tais como poços de injeção e teste; (6) regras de

governância tais como o processo decisório, requerimentos de notificação, procedimentos de

arbitragem, controle contábil e reporte das ações do operador; (7) compensações sobre

8 Baseado em Libecap e Smith (1999). Ver Asmus e Weaver (2006) para uma lista mais detalhada dos termos, elaborada segundo o contrato modelo sugerido pela Association of International Petroleum Negotiations (AIPN).

Page 12: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

investimento de capital privado na unidade; (8) fórmula de partilha da produção, capital e

custos operacionais entre as empresas participantes; e (9) critérios e frequência da

redeterminação da partilha da produção e custos.

A definição da localização e dos limites do reservatório ou formação a ser unitizada diz

respeito a quatro parâmetros fundamentais: a permeabilidade da rocha, a porosidade, a

espessura líquida para escoamento (net pay) do óleo e a sua saturação. As métricas utilizadas

para definir participações costumam ser volume in situ e volume de reservas recuperáveis.

Dependendo do critério de partilha dos ganhos e custos, pode haver maior ou menor

propensão a renegociação ex-post entre as partes. Por exemplo, se as reservas recuperáveis

são o critério de definição da partilha, o aumento do conhecimento a respeito do reservatório

tende a mudar muito mais o volume de reservas recuperáveis que o volume in situ. Por isso, a

definição de reservas como critério abre espaço para maiores conflitos ex-post.

A fórmula da partilha é um ponto fundamental no alinhamento dos incentivos pela exploração

comum do reservatório. Se o custeio das atividades não é proporcional aos ganhos, as

empresas podem ter comportamento rent-seeking, reduzindo o valor do reservatório. Libecap

e Smith (1999) defendem uma fórmula de partilha baseada nos lucros, dada a distribuição do

reservatório entre os blocos.

Ajustes, feitos a posteriori da assinatura do contrato, são referidos como redeterminações.

Estas servem a dois propósitos: restaurar os incentivos das partes na exploração do bloco e

realocar a partilha dos ganhos. Dado o grau de incerteza entre as partes no momento da

assinatura do acordo de unitização, redeterminações da partilha dos ganhos e custos do

projeto se fazem necessárias na medida em que novas informações são obtidas a respeito das

características geológicas do reservatório e das tecnologias necessárias para explorá-lo

eficientemente.

Redeterminações podem ser obrigatórias ou não. As obrigatórias confrontam o que foi

produzido versus o estipulado no plano de desenvolvimento do reservatório para fazer os

ajustes necessários na partilha. Usualmente, elas ocorrem uma vez atingidos gatilhos

determinados. Por exemplo, um acordo pode prever duas redeterminações obrigatórias após

10% e, depois, 50% das reservas produzidas ou mesmo 6 meses após o início da produção.

Note que o timing da redeterminação é também uma variável estratégica: enquanto uma

redeterminação obrigatória poucos meses após a assinatura pode refletir alta incerteza quanto

Page 13: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

às características do reservatório, ela pode também ajudar empresas com baixa capacidade de

financiamento a carregar os custos para a fase de produção. As redeterminações não

obrigatórias são aquelas requeridas por uma das partes (ou ambas), mas que prevêem

penalidades pesadas para requisições ‘frívolas’ que resultem numa realocação muito pequena

das parcelas.

Normalmente, não há regulação quanto ao número de redeterminações possíveis, sendo este

resultado do processo de negociação entre as empresas. Segundo Asmus e Weaver (2006), na

prática, apenas uma ou duas redeterminações são permitidas ao longo de um contrato, cuja

duração pode chegar a 25 anos.

A regulação dos acordos de unitização no Brasil

No Brasil, os acordos de unitização estão previstos na Lei do Petróleo No 9.487, mas sua

principal via regulatória são os contratos de concessão. Neste sentido, a evolução da regulação

destes acordos é cadenciada pelas rodadas anuais de licitação de blocos de exploração,

quando novos contratos de concessão são editados.

Estes acordos são obrigatórios, sendo a recusa em assiná-los penalizada com rescisão do

contrato de concessão. A autoridade responsável pela normatização e estabelecimento das

regras relacionadas é a agência reguladora da indústria, a ANP. O gatilho de início do processo

de unitização é geológico apenas: o concessionário é obrigado a informar oficialmente à ANP

no momento em que tomar conhecimento da extrapolação da descoberta (ou jazida) além de

sua área de concessão.9

Caso não haja concessionário na área adjacente, a ANP possui a faculdade de agir como

concessionária desta área para negociar e celebrar o acordo. Nos contratos de concessão da

décima rodada, há previsão para ANP estabelecer as bases para um acordo de unitização, sem

necessariamente celebrá-lo, para que o futuro concessionário assuma as obrigações referentes

à unificação conforme estas bases. 10

9 Na quinta e sexta rodadas foi estipulado nos contratos de concessão um prazo de 72 horas desde a constatação, na décima rodada (e sétima) foi estipulado um prazo de 10 dias. O termo descoberta também era referido como ‘descoberta comercial’, o que implica um momento diferente de notificação daquele caso o termo descoberta se referisse ao da Lei do Petróleo (Simioni, 2006). 10 Segundo Simioni (2006), esta já era a configuração dos contratos de concessão da sexta e sétima rodadas.

Page 14: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

Fica a cargo da ANP notificar o concessionário do bloco adjacente e fixar um prazo para que o

acordo seja assinado.11 Havendo controvérsias/conflitos que impeçam a assinatura do

contrato, a ANP pode ser chamada para ser mediadora das negociações, seja porque há

previsão no contrato de concessão, seja porque a ANP entenda que a legislação ou o interesse

público não está sendo atendido. A agência pode também agir como mediadora a qualquer

momento do processo de negociação, sem necessariamente ser convidada para tal pelas

concessionárias.

A continuidade das operações fica garantida se uma das áreas já estiver em fase de produção,

mas fica suspensa se durante qualquer outra fase, a menos que autorizada expressamente

pela ANP (ou em área madura). Neste caso, a concepção de um pré-acordo de unificação, em

que o concessionário se compromete a aceitar redeterminações, por ocasião da celebração do

acordo de unitização, pode ser exigido.

Os acordos de unitização no Brasil estipulam as cláusulas que devem ser expressamente

declaradas – especificamente, itens 1 a 5 da listagem da seção anterior -, mas sem imposição

sobre o conteúdo destas cláusulas.

As regras do jogo: a regulação ótima de acordos de

unitização

Conforme colocado, o problema de common pool e as dificuldades do processo de negociação

sugerem que o ideal seria a alocação de blocos que delimitassem perfeitamente seus

reservatórios. No entanto, governos ou agência regulatória não necessariamente possuem

informação geológica que elimine totalmente este problema. Por isso, sempre haverá uma

proporção, mesmo que pequena, de reservatórios identificados que ultrapassarão os limites

do bloco concedido. 12

A experiência internacional, em particular a americana, demonstrou a necessidade de se criar

instrumentos que viabilizassem tal coordenação de esforços pulverizados. No entanto,

enquanto há previsão e, muitas vezes, obrigação de celebrar acordos de unitização, estas

podem não ser suficientes para alinhar os incentivos de desenvolvimento do campo entre as

11 Até a quinta rodada, os contratos de concessão somente previam prazos para modificações do acordo, caso a agência achasse necessário. 12 Há relatos que o tamanho dos blocos concedidos internacionalmente tem se reduzido consideravelmente. Neste sentido, caminha-se para um mundo onde acordos de unitização se tornarão mais comuns.

Page 15: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

partes. Assim, se por um lado, as negociações podem implicar anos até que um acordo seja

assinado, por outro lado, sua assinatura não garante que as partes tenham interesse comum

no desenvolvimento do projeto.

Logo, quando o processo de negociação pode gerar resultados ineficientes, tais como acordos

que não maximizem o valor do reservatório - ou acordo algum seja assinado -, a escolha de

regras do jogo pode influenciar a eficiência do resultado. 13 O problema do Estado é, portanto,

desenhar um mecanismo que leve as partes a negociar um acordo que maximize o valor do

reservatório. O Estado, através de seu poder coercitivo, possui uma posição distinta de

qualquer ente na economia e por isso poderia impor o desenvolvimento da produção de um

reservatório. Levado ao limite, este argumento implica que seria desnecessário despender

recursos na remuneração e no incentivo das partes para desenvolver o projeto

conjuntamente. No entanto, a necessidade de atender às restrições de participações das

empresas impede o desenho de regras muito distintas das melhores práticas internacionais da

indústria, sob risco de menor atratividade do investimento no território correspondente à

jurisdição do Estado.

A teoria econômica prevê que a negociação de um acordo de unitização é caracterizada por

uma série de fatores que podem representar sérios obstáculos ao alcance de um acordo

estável. Dentre eles, temos: a incerteza quanto às características geológicas do reservatório (a

viscosidade do petróleo, porosidade da rocha, a pressão interna, formato do reservatório), a

assimetria de informação entre as empresas, o número de agentes econômicos envolvidos, os

termos de contratos assinados entre concessionárias e governo etc.

No que se segue, serão analisados os impactos das características do ambiente econômico que

afetam o processo de negociação e por este motivo justificariam as regras que regem a

celebração destes acordos.

Assimetria de informação. Tipicamente, numa negociação de unitização das operações, as

interpretações das empresas quanto às características do reservatório são variáveis

extremamente estratégicas e tratadas de forma confidencial. Isto porque dependendo do

arranjo do acordo de unitização, a omissão de certas características do reservatório pode

favorecer uma empresa em detrimento da outra. A mútua compreensão das partes que a

outra tem interesse em não revelar ‘o que sabe’ a respeito do reservatório, contribui para um

13 O teorema de Myerson-Satterthwaite diz que não há como desenhar um procedimento de barganha que evite o problema de barganha privada entre comprador e vendedor.

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processo de negociação custoso cujos resultados são danosos para a exploração eficiente do

reservatório comum. O resultado é a assinatura de um acordo cujas premissas são baseadas

em informações diferentes do conjunto de crenças iniciais comuns aos agentes. 14

Neste sentido, a própria escolha entre usar ou não um mediador e a definição do tipo de

mediador (seu objetivo) tornam-se variáveis estratégicas, com poder de revelar ou não

informações a respeito das valorações das empresas a respeito do reservatório comum.

Por exemplo, suponha que duas empresas, A e B, negociam um acordo de unitização e existe

apenas um mediador disponível cujo viés/perfil é tal que a leitura de um conjunto de dados

sísmicos particular implicará sempre num tipo de interpretação geológica, mesmo que outras

interpretações sejam igualmente possíveis.

Se a interpretação do mediador corresponde à interpretação de A, o fato da empresa A propor

o uso do mediador será interpretado por B como um sinal que ela interpreta a formação

geológica deste modo. Dado que B vai levar esta informação em consideração e propor um

contrato que a favoreça neste cenário, a empresa A reage ex-ante evitando indicar tal

mediador e propondo cláusulas que aumentem a renda dela uma vez que se confirme tal

interpretação quanto ao reservatório.

Uma estratégia semelhante é possível quando existem vários tipos de mediadores e um deve

ser escolhido. A empresa A, sabendo que B pode inferir informações de suas escolhas e reagir

estrategicamente, será incentivada a escolher outro tipo de mediador que não

necessariamente informe a respeito de sua a priori do reservatório. Em equilíbrio, cada

empresa vai propor um mediador que seja pouco informativo de suas respectivas premissas do

bloco. Por exemplo, suponha que o mediador X acredite que reservatório possui estrutura

compressional, com trapas espalhadas verticalmente (ver Figura 1.B). Se a empresa A tem a

mesma interpretação, porque a escolha deste mediador é estratégica (revela informação),

então ela vai procurar escolher um mediador que não revele nenhuma informação.

Em resumo, com o objetivo de maximizar suas rendas individuais, as empresas A e B, que têm

interesse em manter privadas as suas informações quanto às características do reservatório,

14 Um exemplo clássico do efeito da assimetria de informação nos custos do processo de barganha é o preço de monopólio: o monopolista não sabe a disponibilidade a pagar pelo serviço de cada consumidor e faz uma oferta tipo ‘pegar-ou-largar’ para todos os consumidores, correspondente ao preço de monopólio. Como o preço de monopólio é acima dos custos, há perda de bem estar devido à existência de consumidores cuja disponibilidade a pagar fica entre o custo marginal e o preço de monopólio. Ver Fudenberg e Tirole (1991), cap 7.

Page 17: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

entram num jogo de desinformação que leva à escolha de mediadores distintos daqueles que

seriam escolhidos num ambiente onde cada empresa conhece perfeitamente a interpretação

da outra, gerando um resultado de partilha dos ganhos e custos sob termos aquém do ideal

para ambas.

Uma forma de contornar este problema é a escolha de um mediador antes de se obter

informação privada sobre as características do reservatório. Neste caso, num estágio anterior à

revelação de informações, as empresas se comprometem a fazer valer o acordo antes

conhecer o quanto valorizam individualmente o reservatório.15 Este comprometimento

poderia ser implementado via cláusulas que imponham punições à quebra de contrato ou

saída, por exemplo.

Nesta ótica, a obrigação de celebração de acordos de unitização e a determinação prévia do

tipo de mediador quando da necessidade de unitização de reservatório comum pode ser

interpretada como um mecanismo de comprometimento das partes a eventual exploração em

conjunto com uma operadora vizinha. O Estado, parte interessada na exploração eficiente do

reservatório, definiria ex-ante o mediador – a agência regulatória, em muitos casos – ou os

critérios de escolha do mediador.

Em outras palavras, observa-se que a previsão de acordos de unitização e do mediador tem o

objetivo de garantir ex-ante que informações obtidas ex-post não alterem muito os incentivos

de exploração eficiente do reservatório e não crie custos adicionais ao processo de

negociação.

Timing da operação. Vimos que a solução do problema de concorrência excessiva passa pela

necessidade de unitizar o reservatório antes do início da produção - por motivos de eficiência

alocativa na exploração do reservatório - e mesmo antes de seu desenvolvimento – por

motivos de eficiência produtiva na sua extração. No entanto, o timing da assinatura do

contrato de unitização da operação é importante por motivos informacionais. Apesar do

efeito da assimetria de informação entre as partes justificar a definição prévia dos mecanismos

que vão reger a assinatura do contrato de unitização, é importante ressaltar que, mesmo com

estes cuidados, o comportamento rent-seeking pode persistir quando a distribuição do

reservatório entre os blocos é complexa.

15 Assim, introduz-se a restrição de participação interim, aquela que deve ser satisfeita uma vez que os agentes descobrem privadamente informações sobre o reservatório. Ver argumentação em Fudenberg e Tirole (1991), cap 7.

Page 18: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

A dificuldade em extrair sinais precisos (informativos) a respeito da formação do reservatório

pode gerar interpretações muito díspares entre as partes, o que torna o processo de

negociação mais oneroso. Conforme colocado anteriormente, as interpretações que cada

empresa tem sobre as características do reservatório costumam ser variáveis estratégicas da

negociação e portanto confidenciais.

Uma forma de mitigar os efeitos da assimetria de informação entre as partes é permitir (e

incentivar) que a unitização ocorra tão logo seja identificado um reservatório (potencialmente)

complexo que transpasse a área do bloco.

Outra possibilidade é prever a redeterminação das participações das empresas. A

possibilidade de uma empresa ter mais informações que a outra torna a relação muito

assimétrica, o que vai se refletir no contrato assinado e em potenciais conflitos na

redeterminação das participações. Daí o interesse em assinar um acordo tão logo seja

identificado o reservatório.

Informações correlacionadas. O fato dos agentes terem sinais correlacionados sobre o valor

do reservatório reduz consideravelmente o problema informacional entre o mediador

(regulador) e as empresa. Isso porque o mediador pode propor um mecanismo que puna as

empresas que reportarem informações muito distintas do que foi reportado pelas demais.

Através deste mecanismo, seria possível revelar perfeitamente as características do bloco sem

o custo de incentivar empresas a revelarem suas informações e reais impressões sobre as

características dos reservatórios.

Incerteza e aversão ao risco. O mecanismo proposto acima pode desincentivar a participação

de empresas com significativo grau de aversão ao risco. Se agentes são avessos ao risco,

correlações imperfeitas entre os sinais dos agentes combinadas com a possibilidade de

punição frente um anúncio muito díspar pode gerar uma incerteza grande entre estas

empresas. Dado que elas não sabem se seu sinal é um outlier da distribuição de sinais da

indústria ou não, a imposição deste tipo de mecanismo geraria um custo social importante:

empresas avessas ao risco estariam menos dispostas a participar de um projeto regido por tais

regras.

De um modo geral, o desenvolvimento de um reservatório em conjunto está sujeito a

incertezas ligadas, por exemplo, aos preços do petróleo e gás e à tecnologia de extração e

transporte das substâncias, ao valor da contribuição de cada bloco nas operações de

Page 19: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

recuperação primária e secundária e a tecnologia disponível para esta, à proporção óleo/gás

dos diferentes blocos. Além dos efeitos perversos do jogo de desinformação descrito acima, a

incerteza per se a respeito das características do reservatório constituem obstáculos tanto

antes como depois da assinatura do contrato.

Libecap e Smith (1999) analisam os efeitos destas incertezas nos incentivos das partes em

operar de forma coesa um reservatório e concluem que o papel das propriedades da fórmula

de partilha de receitas e custos na minimização das disputas uma vez que o contrato é

assinado é fundamental. Segundo eles, a fórmula deve ter um formato particular, robusto às

incertezas comerciais, tecnológicas e às incertezas geológicas remanescentes (que não

costumam ser pequenas, dependendo da etapa do ciclo produtivo), e que alinhe os incentivos

pelo desenvolvimento eficiente do reservatório.

Segundo estes autores, apenas através de uma fórmula baseada na partilha dos lucros, onde a

parcela de ganhos de uma empresa é igual à sua parcela de custos, tornaria os agentes

interessados na maximização dos ganhos do reservatório como um todo, endossando um

programa de desenvolvimento comum. Se, por exemplo, a fórmula não distribui

uniformemente os custos na mesma proporção das receitas, há escopo para ineficiência

produtiva e conflito, dado que algumas empresas podem ter incentivo em aumentar os custos

do desenvolvimento da produção além do necessário. Por exemplo, uma empresa terá

incentivo em propor a perfuração de um poço extra se ela é favorecida pela regra de

atribuição dos custos.16

De outro modo, se a fórmula é tal que atribui maior compensação a uma empresa durante a

fase de recuperação primária do petróleo em relação à fase secundária, onde pagaria os custos

da tecnologia, esta empresa vai postergar ao máximo a produção primária, dificultando as

negociações que impliquem o aumento de sua participação nos custos durante a fase

secundária. Como resultado, a produção durante a fase primária seria excessiva em relação à

fase secundária, comprometendo o desenvolvimento eficiente da produção do reservatório.

Outra vantagem mencionada por Libecap e Smith de um acordo de unitização baseado na

partilha dos lucros é a informacional. Nestes acordos, o contrato seria mais simples, dado que

o objetivo comum de exploração do reservatório facilitaria as negociações. A partilha dos

16 Os autores sugerem que pagamentos bilaterais para resolver problemas de atribuição de custos não seriam suficientes para restaurar incentivos dos agentes quanto à exploração eficiente do reservatório comum no médio e longo prazo.

Page 20: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

lucros manteria a proporcionalidade das partes no evento da inclusão ou saída de empresas

frente a novas informações sobre as características do reservatório, sem necessidade de

renegociar a fórmula de partilha novamente. 17

Holp up de investimentos. A possibilidade de hold-up de investimentos está presente neste

tipo de acordo e é derivada da possibilidade das partes agirem de modo oportunista, extraindo

das demais o valor dos ativos já investidos pela simples ameaça de saída do acordo. Enquanto

este tipo de ameaça é possível, ela pode ser facilmente mitigada pela imposição de

penalidades às empresas que não cumprirem suas obrigações estabelecidas no acordo.

Contato multimercado. O caráter repetido da interação entre os agentes da indústria de

petróleo e o contato multimercado implicam dizer que aspectos dinâmicos ligados à reputação

no mercado podem reduzir o incentivo à prática de tal estratégica oportunista, tendo em vista

o espaço amplo de retaliação que estas empresas possuem para punir oportunismo. Neste

contexto, quanto maior a empresa, menor o interesse em desviar (ou ser oportunista), o que

pode justificar um menor escopo para a regulação destes contratos.

Outros fatores. O número de empresas e seus tamanhos relativos também constituem

obstáculo para o alcance de um acordo comum. Normalmente, quanto mais empresas

negociando um acordo, maiores as dificuldades. No que diz respeito à heterogeneidade das

empresas em relação a suas proporções do reservatório, maior a probabilidade daquela com

maior proporção ser a operadora do bloco. Isto porque esta tem interesse ‘revelado’ em

garantir que as escolhas de serviços e insumos sejam as mais eficientes possíveis.

Unitização em áreas não licitadas

O problema da competição excessiva também é relevante quando apenas uma parcela do

reservatório é concedida. O objetivo de maximização dos lucros de seu reservatório incentiva a

maximização da produção individual em detrimento do reservatório como um todo.18

Ademais, o fato da empresa estar restrita a operar somente em sua jurisdição impede o

levantamento de informações mais precisas a respeito do reservatório e, portanto, do

17 Estes autores estão particularmente preocupados com a estabilidade do acordo num contexto onde a unitização não é mandatória, conforme é o caso em alguns estados americanos. Quando a unitização é obrigatória, este pode ser um problema menor. 18 Este incentivo está presente pois a área vizinha pode ser licitada e a empresa/operadora pode não conseguir comprar o bloco vizinho.

Page 21: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

desenvolvimento eficiente de sua produção. 19 Por este motivo, o Estado tem interesse em

conceder a área vizinha, por onde o reservatório transpassa.

A concessão da área adjacente pode ser atribuída de três formas: (1) licitação da área

adjacente do reservatório; (2) preferência à empresa incumbente e (3) preferência a uma

empresa em particular (privada ou estatal).

Antes de caracterizar cada uma destas opções, cabe ressaltar que a escolha entre elas não é

óbvia: há um trade-off importante entre o custo da negociação da unitização versus timing da

arrecadação do Estado.

Ademais, a flexibilidade contratual da concessionária é um fator chave para o desenvolvimento

eficiente do reservatório, em particular quando a área adjacente é atribuída a uma empresa

em particular (incumbente, privada ou estatal).

Licitação da área não concedida correspondente ao reservatório. Através do mecanismo de

seleção, tanto a incumbente como as demais empresas participariam, competindo em bônus

pelo novo bloco, correspondente à extensão do reservatório. Algumas observações devem ser

feitas a respeito dos elementos acima discutidos.

Neste contexto, o fato da incumbente já deter informação a respeito das características do

reservatório em relação às demais concorrentes no processo licitatório lhe confere uma

vantagem competitiva importante. Em efeito, as implicações desta posição privilegiada são

bem documentadas pela literatura econômica em leilões de objetos de valor comum, cujo caso

de licitações de blocos de petróleo é exemplo típico. Nestes leilões, os participantes atribuem

um mesmo valor ao bloco, mas que é por estes desconhecido ex-ante, que recebem apenas

um sinal privado que pode ou não ser correlacionado com o sinal recebido pelos demais. 20 A

existência de uma empresa com informação privilegiada, a incumbente portanto altera o

comportamento competitivo de todas as empresas participantes: aquelas que têm pouca

informação fazem lances menores que a incumbente, na expectativa de ganhar apenas se esta

19 A concessionária normalmente não pode perfurar poços em área vizinha, apesar de poder ter acesso a dados sísmicos. 20 Uma das implicações de leilões de envelope fechado, conforme o modelo de licitação no Brasil, é a chamada maldição do vencedor, que acaba por gerar um viés dos lances dos participantes para baixo, por medo de ter um sinal exagerado do valor do bloco. Ver Madeira et al (2008) para uma análise dos resultados dos leilões nacionais vis-à-vis os mais recentes insights teóricos da literatura.

Page 22: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

cometer um erro. Uma implicação disto é que há aumento da probabilidade da incumbente

ganhar o leilão e com um lucro substancial. 21

Além disso, o custo de negociar ex-post um acordo de unitização definitivo ou passar por um

processo de negociação de redeterminações onera ainda mais as empresas entrantes,

constituindo uma barreira à entrada adicional neste mercado de reservatórios identificados e

não concedidos. Como reflexo, há redução da competitividade pelo bloco vizinho e potencial

perda de arrecadação do Estado em bônus de assinatura.

Isto sugere que o formato destes leilões devem ser adaptados tanto a estas barreiras a

entrada representada pela estrutura de informação desfavorável às entrantes e pelo custo de

negociação de termos potencialmente desfavoráveis.22

Preferência à empresa incumbente. O favorecimento da empresa incumbente tem a

vantagem de eliminar o custo do processo de negociação de um acordo. Neste caso, o Estado

‘abre mão’ dos ganhos da licitação ex-post, ou seja, da licitação da parcela do reservatório

identificado que extrapole as delimitações do bloco concedido. No entanto, a licitação ex-ante

de blocos cuja extensão final é função do tamanho do reservatório encontrado pode aumentar

o valor presente dos blocos licitados limitados por áreas não concedidas. Dado que as

empresas terão preferência no monopólio de exploração do reservatório, o volume que

recursos que elas estão dispostas a pagar é dado pelo ganho potencial da extensão do poder

de monopólio além do bloco. Em termos de arrecadação, se houver concorrência grande o

suficiente por este tipo de bloco, um leilão bem desenhado permitiria ao Estado capturar os

ganhos da empresa sobre este direito de extensão do monopólio às áreas adjacentes.

Uma implicação natural é o aumento do incentivo da incumbente em explorar regiões

limítrofes a áreas não concedidas, derivado da possibilidade de aumentar o tamanho da área

21 Ver Porter (1995), Hendricks, Porter e Wilson (1994) e Campo, Perrigne e Vuong (2003). No último artigo, há estimativas de uma lucratividade de 65% frente às demais empresas, estas sem informação superior a respeito do reservatório. Campton (2006) analisa leilões de blocos de petróleo quanto à sua otimalidade e sugere ajustes que levem em conta as características informacionais destes ‘objetos’. Este autor está particularmente preocupado com a disseminação de informação entre os participantes dos leilões durante o leilão, de modo a dirimir os efeitos negativos (em termos de receitas) da maldição do vencedor. 22 Ver Crampton (2007).

Page 23: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

do bloco e reduzir a possibilidade de negociação do acordo ex-post. Este efeito pode viesar a

alocação eficiente de recursos no esforço exploratório do bloco. 23

Preferência a outra empresa. Conforme visto, a atribuição do direito de E&P ao restante do

reservatório requer necessariamente a negociação de acordo de unitização. Se tal

favorecimento é feito mediante compensações ao Estado, a sociedade capturaria os ganhos

deste favorecimento no momento da transferência da extensão do reservatório (via uma

espécie de bônus de assinatura) e/ou durante a produção (royalties, participações especiais

etc). A ausência de compensações à sociedade implicaria na concentração de recursos em um

agente particular em detrimento da diluição dos ganhos da descoberta à sociedade.

Na indústria de petróleo, é comum que empresas incumbentes transfiram a responsabilidade

de exploração e desenvolvimento do bloco através de contratos tipo farm out.24 Este tipo de

flexibilidade, previsto em contratos típicos de concessão, permite à incumbente escolher entre

as melhores práticas para explorar um reservatório, dadas as características reveladas pela

análise dos dados sísmicos, a evolução dos custos de desenvolvimento da produção e os

objetivos da empresa. Se o objetivo da empresa é maximizar os ganhos do reservatório, ela

terá incentivo em contratar a melhor empresa para o projeto. Caso os objetivos sejam outros,

as escolhas podem comprometer o desenvolvimento eficiente da produção.

Aqui, a flexibilidade contratual permitiria que as potenciais ineficiências de um sistema de

favoritismo, onde as empresas que não sejam as adequadas para o projeto, possam ser

compensadas pela subcontratação de terceiras para dar continuidade ao projeto exploratório.

Obviamente, está implícita a hipótese de a concessionária ter como objetivo a maximização

do valor do reservatório.

Neste contexto, algumas observações devem ser feitas se a empresa de preferência é uma

empresa estatal. Aqui entra à baila a capacidade da empresa estatal traduzir os benefícios de

tal favoritismo em benefícios à sociedade. Se a empresa de fato maximiza o bem estar sócial,

23 Suponha que a análise dos dados sísmicos revelou que a probabilidade máxima de encontrar petróleo ocorre em dois pontos, A e B, localizados dentro do bloco. O ponto A se localiza no interior do bloco e o ponto B no limite do bloco a uma área não concedida. Neste caso, com o objetivo de maximizar o potencial do bloco, a empresa terá preferência em perfurar um poço no ponto B. 25 Note que este problema de desvantagem informacional das entrantes pode ter sido relevante quando da abertura da exploração e produção no Brasil, quando Petrobras, até então monopolista no mercado, detinha muito mais informações que qualquer outra empresa no mundo sobre as características geológicas do solo brasileiro. A queda da arrecadação das licitações, previstas pela teoria econômica de leilões, quando da participação da Petrobrás por um bloco implica maior lucratividade para a Petrobrás na aquisição de suas concessões. Tendo em vista que a Petrobrás é uma empresa mista, pode-se dizer que apenas uma parcela dos ganhos desta vantagem informacional foi transferida para o Estado/sociedade.

Page 24: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

uma eventual desvantagem tecnológica na exploração conjunta do reservatório poderia ser

mitigada pela possibilidade de subcontratar uma terceira, especializada naquele tipo de

projeto. Neste caso, delega-se à empresa estatal a licitação do desenvolvimento do projeto,

que transfere os recursos obtidos – tanto bônus de assinatura, quanto a participação na

produção - à sociedade. Do ponto de vista do interesse público, as opções de licitação direta

pelo Estado ou pela empresa estatal benevolente seriam equivalentes.

Obviamente, o fato de uma empresa estatal servir em teoria à maximização do bem estar

social não implica que ela o faça, senão isso significaria dizer que a solução de estatização seria

ideal para toda a economia de um país. Neste contexto, cabe entender em que medida os

benefícios gerados pelo favoritismo à empresa estatal são transferidos à sociedade, dadas as

limitações existentes em alcançar tais objetivos.

Usualmente, a preferência pela solução estatal é reflexo de preocupações recorrentes com a

capacidade de o Estado controlar atividades tidas como ‘estratégicas’, sob o risco de haver

desvio excessivo das riquezas nacionais para entes privados, de não serem feitos os

investimentos necessários para a prestação adequada dos serviços, de serviços tidos como

universais não serem prestados a determinados segmentos da sociedade (populações em

áreas remotas ou de baixa renda), dentre outros.

No que diz respeito ao controle da empresa privada via regulação, as inovações regulatórias

ocorridas nos últimos 20 anos - regulação comparativa (benchmarking) e price cap médio -,

permitem gerar os incentivos necessários às empresas privadas realizarem os esforços

inovadores e de redução de custos desejáveis do ponto de vista social. Aspectos cruciais da

contratação dos serviços de uma empresa em segmentos de infra-estrutura tornaram-se

simplificados e reforçam a capacidade do Estado alinhar os interesses privados de

maximização do lucro ao interesse público de maximização do bem estar.

Até o momento, assumiu-se que o Estado, através de todas as suas interfaces, é ‘gerenciado’

por agentes benevolentes. Se esta hipótese é um tanto forte, a ineficiência da prestação

pública de serviços deriva não somente dos fracos incentivos da propriedade pública da

empresa, mas também é resultado da influência de grupos de interesse, que visam usar o

poder coercitivo do Estado para maximizar suas rendas privadas. Em conseqüência, uma vasta

gama de medidas, resultantes desta ‘influência’, compromete a prestação de serviços públicos

segundo o interesse público estrito.

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O efeito deste jogo de influências é ambíguo na decisão estatizar/privatizar-e-regular: se, por

um lado, a corrupção constitui um obstáculo para o Estado desenhar um programa de

privatização, regular ou contratar na ótica do interesse público; por outro lado, a corrupção

também não torna o desenho de uma nova empresa estatal ou o seu gerenciamento mais fácil.

Cabe pesar em que situações há maior potencial de perda de bem estar. Por exemplo: a

redução da qualidade da prestação privada de serviços públicos gera uma perda de bem estar

maior que por uma estatal, sujeita à influência de grupos de interesse? A resposta a esta

pergunta exige o rigor de uma análise das características do país, da demanda e das diferentes

indústrias.

O quadro abaixo resume as vantagens e desvantagens das diferentes opções analisadas acima.

Opções Vantagens Desvantagens

Licitação da área não

concedida

� Arrecadação de recursos no

momento da descoberta;

� Se competitivo, licitação

seleciona a empresa que

mais valoriza o projeto (a

mais eficiente).

� Negociação de acordo de unitização;

� Favorecimento implícito da

incumbente devido à informação

superior sobre o reservatório e menor

custo de entrada;

� Menor arrecadação se a incumbente

participa do processo licitatório.**

Favoritismo

Incumbente � Arrecadação de recursos

antes das descobertas;

� Sem custo de negociar

unitização (relevante em

ambientes cujos contratos

possuem natureza distinta ou

reservatório é complexo)

� Viés no programa exploratório para

vizinhanças de áreas não licitadas.

Não Incumbente

Privada

� Aspectos cruciais da atividade

são facilmente regulados;

� Com regulação apropriada,

benefícios do projeto são

transferidos à sociedade.

� Negociação de acordo de unitização;

� Sem compensações, concentração das

riquezas;

� Empresa pode não ser mais eficiente.*

Não Incumbente

Estatal

� Recursos são direcionados ao

Estado/sociedade;

� Negociação de acordo de unitização;

� Empresa pode não ser mais eficiente;*

� Estrutura estatal não gera incentivos

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de eficiência;

� Maior risco de captura por grupos de

interesse.

Notas: * A flexibilidade contratual permitiria que as potenciais ineficiências de um sistema de favoritismo, onde as empresas não sejam as adequadas para o projeto, possam ser compensadas pela subcontratação de terceiras para tocar o projeto. Obviamente, está implícita a necessidade da concessionária ter como objetivo a maximização do valor do reservatório. ** No caso de uma licitação nos moldes da brasileira, com envelope fechado.

Análise econômica da regulação brasileira de acordos de

unitização

O Brasil obriga a celebração de acordos de unitização tão logo identificada a extrapolação de

um reservatório além dos limites de um bloco particular. A obrigatoriedade serve ao princípio

da maximização do valor do reservatório, mas se restringe somente ao gatilho geológico, não

contemplando o aspecto econômico, quando um conjunto de reservatórios suficientemente

próximos poderia usufruir de uma única infra-estrutura, evitando a duplicação dos custos de

capital. Isto gera uma ineficiência produtiva importante em reservatórios localizados em áreas

maduras e de produtividade baixa, onde pequenas empresas não têm acesso voluntário à

infra-estrutura já instalada de empresas como a Petrobras.

O timing da celebração do acordo no caso brasileiro obedece à eficiência econômica uma vez

que permite o início do processo de negociação tão logo (10 dias após) a constatação da

extensão do bloco, minimizando assimetrias de informação maiores entre os concessionários

vizinhos. Não obstante, a regulação possui flexibilidade suficiente para permitir que o período

de negociação seja função da complexidade do reservatório e dos termos contratuais em vigor

para cada bloco concedido.

Outro elemento importante é a previsão da ANP ser a mediadora e sua prerrogativa em

escolher um ‘árbitro’. Isto evita problemas ligados ao uso estratégico da escolha do mediador

no processo de negociação, diminuindo a liberdade dos agentes em arbitrar regras que podem

prejudicar o processo de negociação entre as concessionárias.

No que diz respeito à unitização de áreas não concedidas, o fato da ANP agir como

concessionária virtual na negociação de um acordo – mesmo que preliminar –duplica o custo

de negociação do acordo de unitização: o custo da negociação com a ANP e, em sequência, o

custo da negociação com a empresa que obtiver a concessão da área. Além do mais, a

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estrutura de informação neste ambiente sugere que a empresa concessionária disporá de

maiores informações (ou maiores incentivos para investigar o reservatório) que a ANP. Aqui,

mesmo a partilha de dados comuns pode ser insuficiente para fornecer à ANP informações que

a deixe em ‘pé-de-igualdade’ com a empresa concessionária do bloco. Neste sentido, é muito

provável que as redeterminações destes contratos impliquem realocações bruscas de

participações, deixando espaço para conflitos importantes após a assinatura do contrato.

Ademais, a licitação ex-post desta área coloca a incumbente numa situação muito favorável

em relação às demais empresas candidatas. Isto se deve a dois fatores. Primeiro, a

incumbente possui maiores informações a respeito do valor do reservatório, o que permite a

definição de um lance mais preciso sobre o valor do bloco vizinho. Vimos que tal status afeta a

estratégia de lances das demais empresas, que acabam por reduzir a disponibilidade a pagar

pelo bloco vizinho, o que reduz o ganho esperado do Estado. 25 Segundo, a incumbente não

precisaria levar em conta os custos (afundados) do processo de negociação, o que não é

verdade para as demais.

Enquanto as barreiras à entrada derivadas da posição superior da incumbente podem reduzir a

transferência de recursos ao Estado/sociedade de um processo licitatório, a flexibilidade

contratual em vigor na legislação brasileira permite que as empresas concessionárias do

reservatório, se maximizadoras de lucros, busquem soluções que maximizem o valor do bloco,

através da subcontratação das empresas apropriadas.

Ao atual proposta de mudança do modelo brasileiro prevê implicitamente a designação da

área não concedida a uma empresa estatal. Conforme colocado anteriormente, esta solução

não é trivial. A designação de uma empresa estatal não necessariamente implica que o

problema de exploração eficiente do reservatório será resolvido nem que haverá maior

apropriação dos ganhos da atividade pelo Estado. Neste contexto, torna-se importante a

flexibilidade contratual, que permita posteriormente a negociação de parcerias com terceiras.

Finalmente, numa situação onde o regime de contrato de E&P é distinto entre áreas vizinhas

que partilham o mesmo reservatório, ou que as características geológicas do reservatório são

25 Note que este problema de desvantagem informacional das entrantes pode ter sido relevante quando da abertura da exploração e produção no Brasil, quando Petrobras, até então monopolista no mercado, detinha muito mais informações que qualquer outra empresa no mundo sobre as características geológicas do solo brasileiro. A queda da arrecadação das licitações, previstas pela teoria econômica de leilões, quando da participação da Petrobrás por um bloco implica maior lucratividade para a Petrobrás na aquisição de suas concessões. Tendo em vista que a Petrobrás é uma empresa mista, pode-se dizer que apenas uma parcela dos ganhos desta vantagem informacional foi transferida para o Estado/sociedade.

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muito complexas, o favorecimento do incumbente pode ser vantajoso do ponto de vista do

bem estar social por eliminar os custos de transação derivados da negociação de acordos de

unitização excessivamente complexos.

Conclusões

Este artigo analisou os aspectos econômicos da regulação de acordos de unitização na

indústria de petróleo. Vimos que a imposição de acordos de unitização pode ser suficiente

para resolver o problema de concorrência excessiva entre operadoras que partilham um único

reservatório, mas não é suficiente para mitigar os sérios problemas ligados ao processo de

negociação destes acordos. Neste sentido, o desenho adequado das regras que regem a

negociação destes acordos são fundamentais para reduzir os custos da negociação da

unitização de operações.

Dentre os resultados obtidos, temos que a regulação costuma responder ao problema de

coordenação da exploração através da imposição de obrigatoriedade da assinatura destes

acordos e a definição prévia de mediadores e árbitros frente a falhas do processo de

negociação. Outro ponto importante é quanto ao timing da assinatura do acordo, que deve

ocorrer tão logo seja identificado o reservatório comum, evitando que a assimetria de

informação entre as partes vizinhas se torne muito grande e as redeterminações das

participações sejam bruscas, e portanto, contenciosas ex-post.

No que diz respeito à unitização de áreas não concedidas, a possibilidade de favorecimento da

empresa da área concedida versus a licitação ou atribuição à outra empresa implica a solução

de um trade-off importante entre o custo da negociação e unitização das operações e o custo

de um viés de investimento exploratório próximo aos limites de áreas não concedidas. O

favorecimento de uma empresa estatal, em particular, além de gerar custos da negociação do

acordo - amplificados se a natureza dos contratos for distinta -, pode gerar ineficiências se os

objetivos da empresa (ou seus representantes) não estiverem alinhados ao objetivo de

maximização do valor do reservatório. É importante ressaltar que qualquer favorecimento

deve ser combinado com flexibilidade contratual – que permita a subcontratação de outras

empresas - para que as melhores práticas sejam empregadas no desenvolvimento da

produção.

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Vimos também que a regulação dos acordos no Brasil é eficiente na resolução do problema de

concorrência excessiva, mas poderia ser aperfeiçoada de modo a contemplar a partilha da

infra-estrutura quando reservatórios são próximos e pequenos o suficiente que não

justifiquem seu desenvolvimento individual.

No que diz respeito a áreas não concedidas, a regulação da unitização confere um status

privilegiado à concessionária incumbente, criando barreiras a potenciais entrantes, derivado

das vantagens informacionais e custo ex-post zero de negociação da unitização se ganhadora

do processo licitatório. Tendo em vista a complexidade geológica da área e a potencial

natureza distinta dos contratos de blocos vizinhos (concessão na área licitada e partilha na

área não licitada), o favorecimento do incumbente pode ser desejável do ponto de vista do

bem estar social, face aos custos sociais da negociação de tal acordo. A possibilidade de

preferência a empresa estatal deve ser pesada pela capacidade desta cumprir com os objetivos

de maximização do valor do reservatório, tendo em vista que os instrumentos regulatórios

correntes de controle da atividade petrolífera são suficientes para capturar os ganhos da

atividade exploratória.

Referências

Asmus, D. e Weaver, J. (2006). “Unitizing Oil and Gas Fields Around the World: A Comparative

Analysis of National Laws and Private Contracts”, Houston Journal of International Law, 28

Brasil, E., Postali, F., Madeira, G. (2008), “Assimetrias entre competidores nos leilões de

petróleo no Brasil”, Manuscrito da USP

Campo, Sandra, Isabelle M. Perrigne, e Quang H. Vuong (2003). “Asymmetry in First-Price

Auctions With Affiliated Private Values”, Journal of Applied Econometrics, 8:179-207.

Fudenberg e Tirole (1991), Game Theory, Cambridge: MIT Press.

Hendricks e Kovenock, (1989) “Asymmetric Information, Information Externalities, and

Efficiency: The Case of Oil Exploration,” The RAND Journal of Economics, 20(2): 164-182

Hendricks, Porter e Wilson (1994). "Auctions for Oil and Gas Leases with an Informed Bidder

and a Random Reservation Price," Econometrica,62(6).

Page 30: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

Hernandez-Perez, A. (2008), “Análise Econômica dos Contratos de Exploração & Produção de

Petróleo”, Manuscrito do IBRE/FGV.

Libecap, G.D. e L.L. Smith (1999). "The Self-Enforcing Provisions of Oil and Gas Unit Operating

Agreement: Theory and Evidence." Journal of Law, Economics and Organization.

Libecap, Gary D. e Steven N. Wiggins. (1984) "Contractual Responses To The Common Pool:

Prorationing Of Crude Oil Production," American Economic Review, 1984, 74(1): 87-98.

Libecap, Gary D. e Steven N. Wiggins, (1985) "The Influence Of Private Contractual Failure On

Regulation: The Case Of Oil Field Unitization," Journal of Political Economy, 1985, 93(4): 690-

714.

Petroleum Seismology (2009), http://www.petroleumseismology.com/images.

Porter (1995), "The Role of Information in U.S. Offshore Oil and Gas Lease Auctions"

Econometrica, 63(1)

Simioni, J. (2006), Unificação de Operações em Campos de Petróleo e Gás Natural no Brasil e

Direitos Correlatos, Tese de Dissertação de Mestrado, UNIFACS.

Page 31: Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV

Anexo: Regulação Internacional de Acordos de Unitização

Previsão em lei

Previsão em

contrato modelo

Gatilhos de unitização

geológico

Gatilhos de

unitização

econômico

Campo extende

em área não

licitada

Notificação

Obrigatória

Unitização

Obrigatória

Azerbaijão

Presente e detalhada

Presente Sim Não Preferência ao

operador.

Não

Brasil

Presente e detalhada

Presente Sim Não ANP é operador

virtual até licitação.

Sim Sim

Equador

Presente e detalhada

Presente Sim Não Não Sim, com

critérios para operador.

Egito Presente Presente Sim Não

Preferência ao operador.

Sim

Indonésia Presente Sim Não

Preferência ao operador.

Sim (vago)

Nigéria Presente Presente Sim Não Sim

Reino Unido Presente Sim Não Sim

Noruega Sim Sim Sim Sim

Angola Ausente Presente

Unitização de contratos com base comum. Sim Sim

China Ausente Sim Sim Sim

Colômbia Ausente Presente Sim Não - Sim

Yemen Ausente Ausente Sim Não

Russia Ausente Ausente Sim Não

Nota: Células em branco não disponíveis. Fonte: Asmus e Weaver (2006).

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(continuado)

Fatores das parcelas e redeterminações Consequências da falha da negociação

Autoridade responsável

pela aprovação dos acordos

Azerbaijão Ministério

Brasil

Direitos e obrigações devem ser provisionados de forma equitativa com base em princípios gerais.

Na ausência de acordo, a ANP decide pela alocação de direitos e obrigações à luz da equidade.

Agência regulatória, ANP.

Equador

Fórmula baseada na produção auditada, reservas provadas, preço do petróleo.

Ministério aprova acordo provisório (180 dias) e caso falha, os parâmetros básicos de explotação.

Ministério

Egito

Após 6 meses sem acordo, regras de unitização são impostas.

Ministério

Indonésia Contrato de partilha de custos e receitas é imposto.

Nigéria

Desenho 'justo e equitativo' das parcelas não necessário, ênfase em maximização do valor do bloco.

Ministério

Reino

Unido

Desenho 'justo e equitativo' das parcelas não necessário para aprovação de acordo. Ênfase em maximização do valor do bloco.

Contrato de partilha de custos e receitas é imposto com vistas à maximização dos valor do bloco.

Ministério, Oil and Gas

Directorate of the

Department of Trade and

Industry

Noruega

Contrato de unitização é imposto quando prazo 'razoável' para negociações é ultrapassado.

Ministry of Petroleum and Energy

Angola

Retorno compatível à parcela assumida do plano de desenvolvimento e produção.

Sonangol escolhe consultor independente, de comum acordo das partes. Caso de discórdia, perda da área do campo unitizado.

Empresa pública Sonangol

China Empresa pública CNPC

Colômbia Agência regulatória ANH.

Yemen Ministério

Rússia Ministério e autoridades locais.

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