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CCeennttrroo ddee EEccoonnoommiiaa ee PPeettrróólleeoo IIBBRREE//FFGGVV
RReegguullaaççããoo EEccoonnôômmiiccaa ddee AAccoorrddooss ddee UUnniittiizzaaççããoo nnaa IInnddúússttrriiaa ddee PPeettrróólleeoo
AAddrriiaannaa HHeerrnnaannddeezz PPeerreezz11
((11ªª vveerrssããoo eemm MMaarrççoo ddee 22000099))
JJuunnhhoo ddee 22000099
1 A autora agradece os comentários de Wagner Freire, Oswaldo Pedrosa, Sebastião Rego Barros e participantes do seminário de pesquisa do IBRE/FGV. Todos os erros e omissões são responsabilidade da autora. Email para contato: [email protected].
Regulação Econômica de Acordos de Unitização na Indústria de Petróleo
Adriana Hernandez Perez
Resumo
O objetivo deste artigo é descrever e propor uma análise dos acordos de unitização e em que
medida a regulação econômica destes pode resolver os problemas de incentivos exploratórios
das empresas. A teoria sugere que as características do ambiente econômico onde estes
contratos são assinados sejam levadas em conta, dentre elas: as incertezas quanto às
características do reservatório, as assimetrias de informação entre as partes quanto ao valor
do objeto e como estas afetam as cláusulas de remuneração e custeio das atividades em suas
diferentes etapas do ciclo produtivo do campo. Outro ponto importante tratado na análise é o
papel de acordos de unitização em situações onde parte do reservatório não foi concedida. No
Brasil, a regulação de acordos de unitização é grosso modo eficiente, mas há escopo para
aperfeiçoamentos.
Palavras-chave: regulação econômica, indústria de petróleo.
Códigos JEL: L43, Q48, D86.
ÍÍNNDDIICCEE
Introdução ___________________________________________________________ 4
O problema de concorrência excessiva na indústria de petróleo ________________ 6
Características geológicas ____________________________________________________ 7
O problema de common pool _________________________________________________ 8
Acordos de unitização no mundo e Brasil ___________________________________ 9
A regulação de acordos de unitização __________________________________________ 9
As cláusulas típicas de acordos de unitização ___________________________________ 11
A regulação dos acordos de unitização no Brasil _________________________________ 13
As regras do jogo: a regulação ótima de acordos de unitização ________________ 14
Unitização em áreas não licitadas _____________________________________________ 20
Análise econômica da regulação brasileira de acordos de unitização ___________ 26
Conclusões __________________________________________________________ 28
Referências __________________________________________________________ 29
Anexo: Regulação Internacional de Acordos de Unitização ___________________ 31
Introdução
Os problemas de incentivos gerados pela exploração independente de um reservatório de
petróleo comum são bastante conhecidos tanto por profissionais da indústria de petróleo
quanto por pesquisadores. Já durante os anos 20 e 30 nos Estados Unidos, foram estimados
grandes desperdícios econômicos derivados da ausência de coordenação: o Federal Oil
Conservation Board calculou um fator de recuperação de apenas 20 a 25% em ambientes de
concorrência excessiva, em contraste com um fator de 85 a 95% sob coordenação da produção
(Liebcap e Wiggins, 1984). Além da redução do fator de recuperação, a ineficiência produtiva -
derivada da reprodução de custos fixos e instalações de estocagem de hidrocarbonetos -
aumenta consideravelmente os custos do desenvolvimento do projeto.2
O objetivo deste artigo é descrever e propor uma análise econômica dos contratos de
unitização e em que medida a regulação econômica destes contratos pode resolver os
problemas de incentivos das partes. Uma análise apropriada da otimalidade destes contratos
exige que as características do ambiente econômico onde estes contratos são assinados sejam
levadas em conta, dentre elas: as incertezas quanto às características do reservatório, as
assimetrias de informação entre as partes quanto ao valor do objeto (sua distribuição entre os
blocos, dinâmica dos fluidos etc) e como estas afetam as cláusulas de remuneração e custeio
das atividades em suas diferentes etapas do ciclo produtivo do campo (exploração,
desenvolvimento e produção). Outro ponto importante tratado na análise é o papel de
acordos de unitização em situações onde parte do reservatório não foi concedida. Neste caso,
o problema da concorrência excessiva persiste, dado que a área vizinha poderia ser concedida
a outra empresa que não aquela que descobriu o reservatório. Neste caso, cabe entender
quais os potenciais ganhos e perdas de uma nova licitação versus o favorecimento desta ou
outra empresa.
Dentre os resultados obtidos, temos que a regulação observada dos acordos de unitização
costuma responder ao problema de coordenação da exploração através da imposição de sua
obrigatoriedade e a definição prévia de mediadores e árbitros frente a falhas do processo de
negociação. Outro ponto importante é quanto ao timing da assinatura do acordo, que deve
2 Descoberto em 1927, o desenvolvimento do Campo de Hendrick no West Texas é um exemplo emblemático pois levou à perfuração de um poço a cada 10 acres a um custo de 57 mil dólares por poço, quando bastaria um poço a cada 80 acres, dadas as condições de porosidade da rocha.
ocorrer tão logo seja identificado o reservatório comum, evitando que a assimetria de
informação entre as partes vizinhas se torne muito grande e as redeterminações das
participações sejam bruscas, e portanto, contenciosas ex-post.
No que diz respeito à unitização de áreas não concedidas, a escolha entre favorecer a
empresa que identificou a extrapolação do reservatório além de sua área – referida doravante
como empresa incumbente – e a promoção de novo processo de escolha (licitatório ou não) de
outra empresa implica solucionar um trade-off importante entre o custo da negociação e
unitização das operações versus o custo de um viés de investimento exploratório próximo aos
limites de áreas não concedidas. O favorecimento de uma empresa estatal, em particular,
além de gerar custos da negociação do acordo - amplificados se a natureza dos contratos for
distinta -, pode gerar ineficiências se os objetivos da empresa (ou seus representantes) não
estiverem alinhados ao objetivo de maximização do valor do reservatório. É importante
ressaltar que qualquer favorecimento deve ser combinado com flexibilidade contratual – que
permita a subcontratação de outras empresas - para que as melhores práticas sejam
empregadas no desenvolvimento da produção.
No Brasil, a regulação da unitização é eficiente na resolução do problema de common pool,
mas poderia ser aperfeiçoada de modo a contemplar a partilha da infra-estrutura quando
reservatórios são próximos e pequenos o suficiente que não justifiquem seu desenvolvimento
individual. No que diz respeito a áreas não concedidas, a regulação da unitização confere um
status privilegiado à concessionária incumbente, criando barreiras a potenciais entrantes,
derivado das vantagens informacionais e do custo ex-post zero de negociação da unitização se
ganhadora do processo licitatório. A preferência a empresa estatal deve ser pesada pela
capacidade desta cumprir com os objetivos de maximização do valor do reservatório, tendo
em vista que os instrumentos regulatórios correntes de controle da atividade petrolífera são
suficientes para capturar os ganhos da atividade exploratória. Finalmente, numa situação onde
o regime de contrato de E&P é distinto entre áreas vizinhas que partilha o mesmo
reservatório, ou mesmo que as características geológicas do reservatório são muito
complexas, o favorecimento da empresa incumbente pode ser vantajoso do ponto de vista do
bem estar social por eliminar os custos de transação derivados da negociação de acordos de
unitização excessivamente complexos.
Este artigo é organizado da seguinte forma: a próxima seção descreve o problema de
concorrência excessiva na indústria a partir da análise das características geológicas de um
reservatório de petróleo e gás e dos incentivos exploratórios dos agentes econômicos, seguido
de uma seção que descreve a regulação internacional e nacional dos contratos de unitização. A
penúltima seção faz uma análise econômica da regulação destes contratos e última conclui.
O problema de concorrência excessiva na indústria de
petróleo
A falha de mercado relevante na indústria de petróleo, que justifica sua regulação econômica,
é derivada do problema de concorrência excessiva por recursos comuns, também conhecida
na literatura internacional como tragedy of de commons.
A ausência de coordenação na exploração incentiva um comportamento estratégico danoso à
exploração eficiente de um reservatório. A estratégia de maximização das receitas de suas
produções individuais ao lugar da produção total (conjunta) do campo leva à concorrência
excessiva pelos recursos comuns com conseqüente queda do volume total do petróleo ou gás
recuperável do reservatório, reduzindo consideravelmente seu valor econômico.
A regulação da estrutura de mercado na indústria petrolífera surge para responder a estes
problemas de coordenação da produção e são fundamentais para garantir que as riquezas do
campo sejam exploradas da forma mais eficiente possível. Esta regulação incide na estrutura
de mercado ex-ante, via controle da entrada de empresas numa área – os chamados blocos de
exploração e produção (E&P) –, e ex-post, via acordos de unitização.
Idealmente, o desenho dos blocos deveria ser tal que minimizasse a necessidade de acordos
de unitização, por si só custosos. No entanto, governos não necessariamente possuem
informação geológica que minimize este problema e, por isso, nem todos os blocos concedidos
atingem este objetivo. Em adição, a regulação destes acordos pode ser insuficiente para
impedir as perdas ligadas aos problemas de coordenação, deixando espaço para conflitos
importantes que comprometem a exploração plena do valor econômico do reservatório. Este
ponto ganha ainda mais relevância quando os acordos de unitização são entre blocos cuja
formação geológica é complexa ou os blocos são regidos por regimes contratuais distintos,
onde a consolidação das participações de cada operadora (ou conjunto de empresas) não é
óbvia.
Tendo em vista que o valor de um reservatório não depende somente de seu tamanho, mas de
um conjunto de características geológicas e econômicas, a natureza do problema de
concorrência excessiva será caracterizada e os custos da extração competitiva excessiva. 3
Características geológicas
Tipicamente, uma armadilha, ou trapas no jargão da indústria4, ocorre quando as rochas
porosas e permeáveis que delimitam o reservatório estão dispostas de tal forma que estão
‘seladas’ contra migração vertical ou horizontal do petróleo. O petróleo (e o gás misturado no
petróleo) é compresso entre uma camada superior de gás e uma inferior de água.
Os trapas não necessariamente são formações uniformes. Existem trapas estruturais,
derivados da deformação da crosta terrestre, que levam tanto à justaposição extensiva de
pequenos reservatórios ou a uma estrutura comprimida, caracterizada por sinuosidades,
conforme caracterizado na Figura abaixo. Há ainda os trapas estratigráficos, cuja formação é
derivada da erosão ou deposição de sedimentos e podem ser ou não associados a não
conformidades geológicas, como a presença de truncamentos.
Figura 1 – Esquema de Trapas Estruturais por Tipo
Fonte: Petroleum Seismology (2009).
A perfuração de um poço reduz a pressão do campo na área correspondente ao poço, levando
à migração natural (primária) do petróleo à superfície. A taxa de migração dependerá de
fatores como: viscosidade do petróleo, porosidade da rocha e, mais importante no contexto de
3 Esta parte se baseia em Liebcap e Wiggins (1984) e informações técnicas disponibilizadas em Petroleum Seismology (2009). 4 Do inglês trap, também referido como armadilha.
unitização, a pressão interna do campo. Um novo poço perfurado gera diferenciais de pressão
que levam a maior migração de petróleo na área de baixa pressão. Isto aumenta a produção da
empresa no curto prazo, mas há um importante efeito sobre a capacidade de recuperação do
petróleo. À medida que petróleo e gás são produzidos, a pressão natural do reservatório é
reduzida – algumas vezes numa rapidez inesperada – o que pode levar a dois problemas: (1) a
taxa de migração reduz e (2) há perda de controle do reservatório, com um aumento da
produção do gás em detrimento do petróleo, mais valorizado no mercado.5 Sem a força
natural (primária) da pressão do trapa para extrair o petróleo, torna-se necessário direcionar
energia à sua extração, referido como recuperação secundária ou terciária, dependendo da
tecnologia adotada.
O problema de concorrência excessiva
A impossibilidade do regulador desenhar blocos que delimitem perfeitamente os reservatórios
do país gera concorrência excessiva entre as empresas na exploração do reservatório. 6 Isto
porque as empresas exploram de forma independente um reservatório comum – um common
pool -, onde vale a regra da captura, ou seja, a empresa é proprietária do petróleo extraído a
partir do ponto de medição da produção. Dada a lógica de migração do petróleo e a
multiplicidade de agentes tendo acesso a um único reservatório, há forte incentivo para
perfuração excessiva de poços e produção, o que em última instância leva à rápida queda da
pressão do reservatório, limitando a capacidade de recuperação primária do petróleo.
Referido na literatura como comportamento rent-seeking, tais estratégias também acabam
por dissipar a renda dos próprios agentes, tendo em vista a ineficiência produtiva gerada pelo
aumento dos gastos de capital com a duplicação de poços e instalações para armazenamento,
que sustentassem a alta produção.
Os acordos de unitização surgem para responder ao problema de common pool e restaurar a
eficiência da produção. No entanto, conforme veremos a seguir, há uma série de fatores que
5 Trata-se de um fenômeno químico onde o gás tende a (break-out) do petróleo. 6 Além do problema de common pool, existe outro problema derivado da ausência de coordenação de atividades exploratória: free-rider na atividade exploratória. Este deriva da estratégia de empresas vizinhas preferirem esperar que a outra incorra nos custos dos investimentos exploratórios para usufruir da externalidade positiva que o resultado da atividade exploratória vizinha gera nas perspectivas exploratórias de seu bloco. Assim, cada empresa espera que a outra incorra nos custos dos investimentos exploratórios antes. Este comportamento estratégico acaba por reduzir o volume de investimentos exploratórios em ambos os blocos, postergando a produção ou subaproveitando o campo. Hendricks e Kovenock (1989), preocupados em entender porque empresas falham na coordenação de decisões de perfuração de poços, propõem um modelo onde duas empresas decidem quando e onde perfurar. Eles encontram que, em linha com a observação empírica, se ambas empresas tem sinal muito bom, um número excessivo de poços pode ser perfurado, enquanto um sinal ruim leva poucas perfurações.
dificultam o alcance de um acordo, dentre eles a assimetria de informação entre as partes, o
grau de incerteza quanto às características do reservatório, o número de empresas (e blocos)
envolvido no processo de negociação, dentre outros. 7
Acordos de unitização no mundo e Brasil
Nesta seção, serão apresentados os arcabouços regulatórios dos acordos de unitização e os
termos típicos destes tipos de contratos. Veremos que as regras que governam o desenho
destes acordos de unitização costumam ser bastante flexíveis, o que permite às partes
considerável liberdade na discussão dos termos do contrato.
A regulação de acordos de unitização
Segundo levantamento de Asmus e Weaver (2006), de uma seleção de 12 países, apenas dois
(Rússia e Yemen) não possuíam previsão alguma de acordos de unitização em lei ou contratos
entre governo e empresas concessionários. Os demais países vislumbravam tal possibilidade
seja em lei e contrato modelo (Brasil, Azerbaijão, Equador, Egito, Indonésia, Nigéria e Reino
Unido), seja em contrato modelo apenas (Angola, China e Colômbia).
Nos Estados Unidos e Canadá, a unitização é formalizada através de dois contratos: (1) um
acordo entre as empresas que planejam ‘unitizar’ e os proprietários ou governos com direitos
aos royalties e (2) outro acordo que trata em detalhe da relação entre as empresas que vão
explorar conjuntamente o reservatório. O primeiro é referido como Unit Agreement (UA) e o
segundo como Unit Operating Agreement (UOA).
Nos demais países, a unitização é formalizada através de um único contrato, cujos termos
compõem aspectos do UA e do UOA, sendo precedido frequentemente pela assinatura de
acordo preliminar (pre-unitization agreements). Uma implicação destes acordos, em relação ao
norte-americano e canadense, é que o Estado tem controle maior sobre os termos de partilha
e desenvolvimento da produção, tendo poder de suspendê-lo.
A Figura 1 esquematiza um exemplo de relação entre as três empresas quando de uma
unitização nestas diferentes jurisdições. As setas representam os contratos de E&P
7 Note que se trata de um exemplo típico de falha do Teorema de Coase, pois mesmo que os agentes tenham direito de exploração sobre os seus respectivos blocos, os custos de transação são elevados o suficiente para impedir que uma negociação gere uma alocação eficiente no sentido de Pareto.
estabelecidos entre Estado/proprietários e empresas concessionárias e os envoltórios os
diferentes tipos de contratos conforme descrito acima.
Figura 1 –Tipos Acordos de Unitização
Segundo Weaver et al (2006), uma das razões para o uso de dois tipos de contratos nos
Estados Unidos e Canadá é que os contratos típicos entre proprietários e empresas nestes
países não autorizam as empresas negociarem a unitização das operações. As empresas
devem assinar um acordo à parte, o UA, com os proprietários, sendo que estes não
necessariamente terão conhecimento do teor dos termos do UOA, assinado posteriormente
entre as empresas.
Os principais aspectos regulatórios dos acordos de unitização são tratados a seguir:
Gatilhos do processo de unitização. Tipicamente, o gatilho do processo de unitização é de
natureza geológica, ou seja, quando da descoberta de um reservatório que extrapola os limites
do bloco da concessionária. No entanto, há países onde o gatilho pode ser econômico, ou
seja, a viabilidade comercial do desenvolvimento de um conjunto de reservatórios exige a
unitização das atividades de um grupo de empresas, por reduzir a duplicação dos custos fixos
dos serviços infraestrutura necessários.
Obrigatoriedade da unitização. Há países onde a unitização não é obrigatória e outros há
imposição de prazo para fim das negociações e mesmo a imposição de acordo de unitização
em caso de falha das negociações. A teoria econômica sugere que a obrigatoriedade do
acordo não é suficiente para a solução do problema de common pool, conforme veremos
adiante.
Timing da unitização. Há restrições quanto ao timing da unitização: o desenvolvimento da
produção pode ser proibido sem a assinatura de um contrato de unitização. No que diz
respeito ao gatilho do início das negociações, há países onde a notificação da existência de um
reservatório que potencialmente ultrapasse o limite do bloco não é obrigatória.
Partilha justa. Alguns países (Brasil, Nigéria e Angola) prevêem que tais acordos devem
garantir a partilha justa e equitativa entre as partes dos ganhos da produção, segundo as
participações relativas no reservatório comum. Já o Reino Unido não considera necessário que
as parcelas sejam justas ou equitativas, dado que o esforço deve ser direcionado à
maximização do valor do bloco.
Unitização em áreas não licitadas. Quando o reservatório extrapola os limites do bloco para
áreas não licitadas, a regulação prevê várias possibilidades: o regulador pode assumir o papel
de operador virtual e negociar o acordo enquanto não há licitação do bloco (caso brasileiro), a
empresa estatal passa a ter direitos imediatos sobre a área não licitada (Angola), a
concessionária que descobriu o bloco tem direitos preferenciais (Egito, Indonésia e
Azerbaijão).
As cláusulas típicas de acordos de unitização
De um modo geral, a definição das cláusulas contratuais destes acordos não sofre ingerência
da agência regulatória ou governo. Há considerável flexibilidade para as partes definirem a
forma da partilha, os critérios de renegociação e a eleição de árbitros ou mediadores.
As cláusulas típicas incluem:8 (1) localização e os limites do reservatório ou formação a ser
unitizada; (2) identidade dos participantes e procedimentos para expandir ou reduzir o
número de participantes no contrato; (3) identificação do operador e procedimentos para a
sua remoção; (4) distribuição de direitos e deveres sobre o reservatório; (5) plano de
exploração e desenvolvimento da produção, tais como poços de injeção e teste; (6) regras de
governância tais como o processo decisório, requerimentos de notificação, procedimentos de
arbitragem, controle contábil e reporte das ações do operador; (7) compensações sobre
8 Baseado em Libecap e Smith (1999). Ver Asmus e Weaver (2006) para uma lista mais detalhada dos termos, elaborada segundo o contrato modelo sugerido pela Association of International Petroleum Negotiations (AIPN).
investimento de capital privado na unidade; (8) fórmula de partilha da produção, capital e
custos operacionais entre as empresas participantes; e (9) critérios e frequência da
redeterminação da partilha da produção e custos.
A definição da localização e dos limites do reservatório ou formação a ser unitizada diz
respeito a quatro parâmetros fundamentais: a permeabilidade da rocha, a porosidade, a
espessura líquida para escoamento (net pay) do óleo e a sua saturação. As métricas utilizadas
para definir participações costumam ser volume in situ e volume de reservas recuperáveis.
Dependendo do critério de partilha dos ganhos e custos, pode haver maior ou menor
propensão a renegociação ex-post entre as partes. Por exemplo, se as reservas recuperáveis
são o critério de definição da partilha, o aumento do conhecimento a respeito do reservatório
tende a mudar muito mais o volume de reservas recuperáveis que o volume in situ. Por isso, a
definição de reservas como critério abre espaço para maiores conflitos ex-post.
A fórmula da partilha é um ponto fundamental no alinhamento dos incentivos pela exploração
comum do reservatório. Se o custeio das atividades não é proporcional aos ganhos, as
empresas podem ter comportamento rent-seeking, reduzindo o valor do reservatório. Libecap
e Smith (1999) defendem uma fórmula de partilha baseada nos lucros, dada a distribuição do
reservatório entre os blocos.
Ajustes, feitos a posteriori da assinatura do contrato, são referidos como redeterminações.
Estas servem a dois propósitos: restaurar os incentivos das partes na exploração do bloco e
realocar a partilha dos ganhos. Dado o grau de incerteza entre as partes no momento da
assinatura do acordo de unitização, redeterminações da partilha dos ganhos e custos do
projeto se fazem necessárias na medida em que novas informações são obtidas a respeito das
características geológicas do reservatório e das tecnologias necessárias para explorá-lo
eficientemente.
Redeterminações podem ser obrigatórias ou não. As obrigatórias confrontam o que foi
produzido versus o estipulado no plano de desenvolvimento do reservatório para fazer os
ajustes necessários na partilha. Usualmente, elas ocorrem uma vez atingidos gatilhos
determinados. Por exemplo, um acordo pode prever duas redeterminações obrigatórias após
10% e, depois, 50% das reservas produzidas ou mesmo 6 meses após o início da produção.
Note que o timing da redeterminação é também uma variável estratégica: enquanto uma
redeterminação obrigatória poucos meses após a assinatura pode refletir alta incerteza quanto
às características do reservatório, ela pode também ajudar empresas com baixa capacidade de
financiamento a carregar os custos para a fase de produção. As redeterminações não
obrigatórias são aquelas requeridas por uma das partes (ou ambas), mas que prevêem
penalidades pesadas para requisições ‘frívolas’ que resultem numa realocação muito pequena
das parcelas.
Normalmente, não há regulação quanto ao número de redeterminações possíveis, sendo este
resultado do processo de negociação entre as empresas. Segundo Asmus e Weaver (2006), na
prática, apenas uma ou duas redeterminações são permitidas ao longo de um contrato, cuja
duração pode chegar a 25 anos.
A regulação dos acordos de unitização no Brasil
No Brasil, os acordos de unitização estão previstos na Lei do Petróleo No 9.487, mas sua
principal via regulatória são os contratos de concessão. Neste sentido, a evolução da regulação
destes acordos é cadenciada pelas rodadas anuais de licitação de blocos de exploração,
quando novos contratos de concessão são editados.
Estes acordos são obrigatórios, sendo a recusa em assiná-los penalizada com rescisão do
contrato de concessão. A autoridade responsável pela normatização e estabelecimento das
regras relacionadas é a agência reguladora da indústria, a ANP. O gatilho de início do processo
de unitização é geológico apenas: o concessionário é obrigado a informar oficialmente à ANP
no momento em que tomar conhecimento da extrapolação da descoberta (ou jazida) além de
sua área de concessão.9
Caso não haja concessionário na área adjacente, a ANP possui a faculdade de agir como
concessionária desta área para negociar e celebrar o acordo. Nos contratos de concessão da
décima rodada, há previsão para ANP estabelecer as bases para um acordo de unitização, sem
necessariamente celebrá-lo, para que o futuro concessionário assuma as obrigações referentes
à unificação conforme estas bases. 10
9 Na quinta e sexta rodadas foi estipulado nos contratos de concessão um prazo de 72 horas desde a constatação, na décima rodada (e sétima) foi estipulado um prazo de 10 dias. O termo descoberta também era referido como ‘descoberta comercial’, o que implica um momento diferente de notificação daquele caso o termo descoberta se referisse ao da Lei do Petróleo (Simioni, 2006). 10 Segundo Simioni (2006), esta já era a configuração dos contratos de concessão da sexta e sétima rodadas.
Fica a cargo da ANP notificar o concessionário do bloco adjacente e fixar um prazo para que o
acordo seja assinado.11 Havendo controvérsias/conflitos que impeçam a assinatura do
contrato, a ANP pode ser chamada para ser mediadora das negociações, seja porque há
previsão no contrato de concessão, seja porque a ANP entenda que a legislação ou o interesse
público não está sendo atendido. A agência pode também agir como mediadora a qualquer
momento do processo de negociação, sem necessariamente ser convidada para tal pelas
concessionárias.
A continuidade das operações fica garantida se uma das áreas já estiver em fase de produção,
mas fica suspensa se durante qualquer outra fase, a menos que autorizada expressamente
pela ANP (ou em área madura). Neste caso, a concepção de um pré-acordo de unificação, em
que o concessionário se compromete a aceitar redeterminações, por ocasião da celebração do
acordo de unitização, pode ser exigido.
Os acordos de unitização no Brasil estipulam as cláusulas que devem ser expressamente
declaradas – especificamente, itens 1 a 5 da listagem da seção anterior -, mas sem imposição
sobre o conteúdo destas cláusulas.
As regras do jogo: a regulação ótima de acordos de
unitização
Conforme colocado, o problema de common pool e as dificuldades do processo de negociação
sugerem que o ideal seria a alocação de blocos que delimitassem perfeitamente seus
reservatórios. No entanto, governos ou agência regulatória não necessariamente possuem
informação geológica que elimine totalmente este problema. Por isso, sempre haverá uma
proporção, mesmo que pequena, de reservatórios identificados que ultrapassarão os limites
do bloco concedido. 12
A experiência internacional, em particular a americana, demonstrou a necessidade de se criar
instrumentos que viabilizassem tal coordenação de esforços pulverizados. No entanto,
enquanto há previsão e, muitas vezes, obrigação de celebrar acordos de unitização, estas
podem não ser suficientes para alinhar os incentivos de desenvolvimento do campo entre as
11 Até a quinta rodada, os contratos de concessão somente previam prazos para modificações do acordo, caso a agência achasse necessário. 12 Há relatos que o tamanho dos blocos concedidos internacionalmente tem se reduzido consideravelmente. Neste sentido, caminha-se para um mundo onde acordos de unitização se tornarão mais comuns.
partes. Assim, se por um lado, as negociações podem implicar anos até que um acordo seja
assinado, por outro lado, sua assinatura não garante que as partes tenham interesse comum
no desenvolvimento do projeto.
Logo, quando o processo de negociação pode gerar resultados ineficientes, tais como acordos
que não maximizem o valor do reservatório - ou acordo algum seja assinado -, a escolha de
regras do jogo pode influenciar a eficiência do resultado. 13 O problema do Estado é, portanto,
desenhar um mecanismo que leve as partes a negociar um acordo que maximize o valor do
reservatório. O Estado, através de seu poder coercitivo, possui uma posição distinta de
qualquer ente na economia e por isso poderia impor o desenvolvimento da produção de um
reservatório. Levado ao limite, este argumento implica que seria desnecessário despender
recursos na remuneração e no incentivo das partes para desenvolver o projeto
conjuntamente. No entanto, a necessidade de atender às restrições de participações das
empresas impede o desenho de regras muito distintas das melhores práticas internacionais da
indústria, sob risco de menor atratividade do investimento no território correspondente à
jurisdição do Estado.
A teoria econômica prevê que a negociação de um acordo de unitização é caracterizada por
uma série de fatores que podem representar sérios obstáculos ao alcance de um acordo
estável. Dentre eles, temos: a incerteza quanto às características geológicas do reservatório (a
viscosidade do petróleo, porosidade da rocha, a pressão interna, formato do reservatório), a
assimetria de informação entre as empresas, o número de agentes econômicos envolvidos, os
termos de contratos assinados entre concessionárias e governo etc.
No que se segue, serão analisados os impactos das características do ambiente econômico que
afetam o processo de negociação e por este motivo justificariam as regras que regem a
celebração destes acordos.
Assimetria de informação. Tipicamente, numa negociação de unitização das operações, as
interpretações das empresas quanto às características do reservatório são variáveis
extremamente estratégicas e tratadas de forma confidencial. Isto porque dependendo do
arranjo do acordo de unitização, a omissão de certas características do reservatório pode
favorecer uma empresa em detrimento da outra. A mútua compreensão das partes que a
outra tem interesse em não revelar ‘o que sabe’ a respeito do reservatório, contribui para um
13 O teorema de Myerson-Satterthwaite diz que não há como desenhar um procedimento de barganha que evite o problema de barganha privada entre comprador e vendedor.
processo de negociação custoso cujos resultados são danosos para a exploração eficiente do
reservatório comum. O resultado é a assinatura de um acordo cujas premissas são baseadas
em informações diferentes do conjunto de crenças iniciais comuns aos agentes. 14
Neste sentido, a própria escolha entre usar ou não um mediador e a definição do tipo de
mediador (seu objetivo) tornam-se variáveis estratégicas, com poder de revelar ou não
informações a respeito das valorações das empresas a respeito do reservatório comum.
Por exemplo, suponha que duas empresas, A e B, negociam um acordo de unitização e existe
apenas um mediador disponível cujo viés/perfil é tal que a leitura de um conjunto de dados
sísmicos particular implicará sempre num tipo de interpretação geológica, mesmo que outras
interpretações sejam igualmente possíveis.
Se a interpretação do mediador corresponde à interpretação de A, o fato da empresa A propor
o uso do mediador será interpretado por B como um sinal que ela interpreta a formação
geológica deste modo. Dado que B vai levar esta informação em consideração e propor um
contrato que a favoreça neste cenário, a empresa A reage ex-ante evitando indicar tal
mediador e propondo cláusulas que aumentem a renda dela uma vez que se confirme tal
interpretação quanto ao reservatório.
Uma estratégia semelhante é possível quando existem vários tipos de mediadores e um deve
ser escolhido. A empresa A, sabendo que B pode inferir informações de suas escolhas e reagir
estrategicamente, será incentivada a escolher outro tipo de mediador que não
necessariamente informe a respeito de sua a priori do reservatório. Em equilíbrio, cada
empresa vai propor um mediador que seja pouco informativo de suas respectivas premissas do
bloco. Por exemplo, suponha que o mediador X acredite que reservatório possui estrutura
compressional, com trapas espalhadas verticalmente (ver Figura 1.B). Se a empresa A tem a
mesma interpretação, porque a escolha deste mediador é estratégica (revela informação),
então ela vai procurar escolher um mediador que não revele nenhuma informação.
Em resumo, com o objetivo de maximizar suas rendas individuais, as empresas A e B, que têm
interesse em manter privadas as suas informações quanto às características do reservatório,
14 Um exemplo clássico do efeito da assimetria de informação nos custos do processo de barganha é o preço de monopólio: o monopolista não sabe a disponibilidade a pagar pelo serviço de cada consumidor e faz uma oferta tipo ‘pegar-ou-largar’ para todos os consumidores, correspondente ao preço de monopólio. Como o preço de monopólio é acima dos custos, há perda de bem estar devido à existência de consumidores cuja disponibilidade a pagar fica entre o custo marginal e o preço de monopólio. Ver Fudenberg e Tirole (1991), cap 7.
entram num jogo de desinformação que leva à escolha de mediadores distintos daqueles que
seriam escolhidos num ambiente onde cada empresa conhece perfeitamente a interpretação
da outra, gerando um resultado de partilha dos ganhos e custos sob termos aquém do ideal
para ambas.
Uma forma de contornar este problema é a escolha de um mediador antes de se obter
informação privada sobre as características do reservatório. Neste caso, num estágio anterior à
revelação de informações, as empresas se comprometem a fazer valer o acordo antes
conhecer o quanto valorizam individualmente o reservatório.15 Este comprometimento
poderia ser implementado via cláusulas que imponham punições à quebra de contrato ou
saída, por exemplo.
Nesta ótica, a obrigação de celebração de acordos de unitização e a determinação prévia do
tipo de mediador quando da necessidade de unitização de reservatório comum pode ser
interpretada como um mecanismo de comprometimento das partes a eventual exploração em
conjunto com uma operadora vizinha. O Estado, parte interessada na exploração eficiente do
reservatório, definiria ex-ante o mediador – a agência regulatória, em muitos casos – ou os
critérios de escolha do mediador.
Em outras palavras, observa-se que a previsão de acordos de unitização e do mediador tem o
objetivo de garantir ex-ante que informações obtidas ex-post não alterem muito os incentivos
de exploração eficiente do reservatório e não crie custos adicionais ao processo de
negociação.
Timing da operação. Vimos que a solução do problema de concorrência excessiva passa pela
necessidade de unitizar o reservatório antes do início da produção - por motivos de eficiência
alocativa na exploração do reservatório - e mesmo antes de seu desenvolvimento – por
motivos de eficiência produtiva na sua extração. No entanto, o timing da assinatura do
contrato de unitização da operação é importante por motivos informacionais. Apesar do
efeito da assimetria de informação entre as partes justificar a definição prévia dos mecanismos
que vão reger a assinatura do contrato de unitização, é importante ressaltar que, mesmo com
estes cuidados, o comportamento rent-seeking pode persistir quando a distribuição do
reservatório entre os blocos é complexa.
15 Assim, introduz-se a restrição de participação interim, aquela que deve ser satisfeita uma vez que os agentes descobrem privadamente informações sobre o reservatório. Ver argumentação em Fudenberg e Tirole (1991), cap 7.
A dificuldade em extrair sinais precisos (informativos) a respeito da formação do reservatório
pode gerar interpretações muito díspares entre as partes, o que torna o processo de
negociação mais oneroso. Conforme colocado anteriormente, as interpretações que cada
empresa tem sobre as características do reservatório costumam ser variáveis estratégicas da
negociação e portanto confidenciais.
Uma forma de mitigar os efeitos da assimetria de informação entre as partes é permitir (e
incentivar) que a unitização ocorra tão logo seja identificado um reservatório (potencialmente)
complexo que transpasse a área do bloco.
Outra possibilidade é prever a redeterminação das participações das empresas. A
possibilidade de uma empresa ter mais informações que a outra torna a relação muito
assimétrica, o que vai se refletir no contrato assinado e em potenciais conflitos na
redeterminação das participações. Daí o interesse em assinar um acordo tão logo seja
identificado o reservatório.
Informações correlacionadas. O fato dos agentes terem sinais correlacionados sobre o valor
do reservatório reduz consideravelmente o problema informacional entre o mediador
(regulador) e as empresa. Isso porque o mediador pode propor um mecanismo que puna as
empresas que reportarem informações muito distintas do que foi reportado pelas demais.
Através deste mecanismo, seria possível revelar perfeitamente as características do bloco sem
o custo de incentivar empresas a revelarem suas informações e reais impressões sobre as
características dos reservatórios.
Incerteza e aversão ao risco. O mecanismo proposto acima pode desincentivar a participação
de empresas com significativo grau de aversão ao risco. Se agentes são avessos ao risco,
correlações imperfeitas entre os sinais dos agentes combinadas com a possibilidade de
punição frente um anúncio muito díspar pode gerar uma incerteza grande entre estas
empresas. Dado que elas não sabem se seu sinal é um outlier da distribuição de sinais da
indústria ou não, a imposição deste tipo de mecanismo geraria um custo social importante:
empresas avessas ao risco estariam menos dispostas a participar de um projeto regido por tais
regras.
De um modo geral, o desenvolvimento de um reservatório em conjunto está sujeito a
incertezas ligadas, por exemplo, aos preços do petróleo e gás e à tecnologia de extração e
transporte das substâncias, ao valor da contribuição de cada bloco nas operações de
recuperação primária e secundária e a tecnologia disponível para esta, à proporção óleo/gás
dos diferentes blocos. Além dos efeitos perversos do jogo de desinformação descrito acima, a
incerteza per se a respeito das características do reservatório constituem obstáculos tanto
antes como depois da assinatura do contrato.
Libecap e Smith (1999) analisam os efeitos destas incertezas nos incentivos das partes em
operar de forma coesa um reservatório e concluem que o papel das propriedades da fórmula
de partilha de receitas e custos na minimização das disputas uma vez que o contrato é
assinado é fundamental. Segundo eles, a fórmula deve ter um formato particular, robusto às
incertezas comerciais, tecnológicas e às incertezas geológicas remanescentes (que não
costumam ser pequenas, dependendo da etapa do ciclo produtivo), e que alinhe os incentivos
pelo desenvolvimento eficiente do reservatório.
Segundo estes autores, apenas através de uma fórmula baseada na partilha dos lucros, onde a
parcela de ganhos de uma empresa é igual à sua parcela de custos, tornaria os agentes
interessados na maximização dos ganhos do reservatório como um todo, endossando um
programa de desenvolvimento comum. Se, por exemplo, a fórmula não distribui
uniformemente os custos na mesma proporção das receitas, há escopo para ineficiência
produtiva e conflito, dado que algumas empresas podem ter incentivo em aumentar os custos
do desenvolvimento da produção além do necessário. Por exemplo, uma empresa terá
incentivo em propor a perfuração de um poço extra se ela é favorecida pela regra de
atribuição dos custos.16
De outro modo, se a fórmula é tal que atribui maior compensação a uma empresa durante a
fase de recuperação primária do petróleo em relação à fase secundária, onde pagaria os custos
da tecnologia, esta empresa vai postergar ao máximo a produção primária, dificultando as
negociações que impliquem o aumento de sua participação nos custos durante a fase
secundária. Como resultado, a produção durante a fase primária seria excessiva em relação à
fase secundária, comprometendo o desenvolvimento eficiente da produção do reservatório.
Outra vantagem mencionada por Libecap e Smith de um acordo de unitização baseado na
partilha dos lucros é a informacional. Nestes acordos, o contrato seria mais simples, dado que
o objetivo comum de exploração do reservatório facilitaria as negociações. A partilha dos
16 Os autores sugerem que pagamentos bilaterais para resolver problemas de atribuição de custos não seriam suficientes para restaurar incentivos dos agentes quanto à exploração eficiente do reservatório comum no médio e longo prazo.
lucros manteria a proporcionalidade das partes no evento da inclusão ou saída de empresas
frente a novas informações sobre as características do reservatório, sem necessidade de
renegociar a fórmula de partilha novamente. 17
Holp up de investimentos. A possibilidade de hold-up de investimentos está presente neste
tipo de acordo e é derivada da possibilidade das partes agirem de modo oportunista, extraindo
das demais o valor dos ativos já investidos pela simples ameaça de saída do acordo. Enquanto
este tipo de ameaça é possível, ela pode ser facilmente mitigada pela imposição de
penalidades às empresas que não cumprirem suas obrigações estabelecidas no acordo.
Contato multimercado. O caráter repetido da interação entre os agentes da indústria de
petróleo e o contato multimercado implicam dizer que aspectos dinâmicos ligados à reputação
no mercado podem reduzir o incentivo à prática de tal estratégica oportunista, tendo em vista
o espaço amplo de retaliação que estas empresas possuem para punir oportunismo. Neste
contexto, quanto maior a empresa, menor o interesse em desviar (ou ser oportunista), o que
pode justificar um menor escopo para a regulação destes contratos.
Outros fatores. O número de empresas e seus tamanhos relativos também constituem
obstáculo para o alcance de um acordo comum. Normalmente, quanto mais empresas
negociando um acordo, maiores as dificuldades. No que diz respeito à heterogeneidade das
empresas em relação a suas proporções do reservatório, maior a probabilidade daquela com
maior proporção ser a operadora do bloco. Isto porque esta tem interesse ‘revelado’ em
garantir que as escolhas de serviços e insumos sejam as mais eficientes possíveis.
Unitização em áreas não licitadas
O problema da competição excessiva também é relevante quando apenas uma parcela do
reservatório é concedida. O objetivo de maximização dos lucros de seu reservatório incentiva a
maximização da produção individual em detrimento do reservatório como um todo.18
Ademais, o fato da empresa estar restrita a operar somente em sua jurisdição impede o
levantamento de informações mais precisas a respeito do reservatório e, portanto, do
17 Estes autores estão particularmente preocupados com a estabilidade do acordo num contexto onde a unitização não é mandatória, conforme é o caso em alguns estados americanos. Quando a unitização é obrigatória, este pode ser um problema menor. 18 Este incentivo está presente pois a área vizinha pode ser licitada e a empresa/operadora pode não conseguir comprar o bloco vizinho.
desenvolvimento eficiente de sua produção. 19 Por este motivo, o Estado tem interesse em
conceder a área vizinha, por onde o reservatório transpassa.
A concessão da área adjacente pode ser atribuída de três formas: (1) licitação da área
adjacente do reservatório; (2) preferência à empresa incumbente e (3) preferência a uma
empresa em particular (privada ou estatal).
Antes de caracterizar cada uma destas opções, cabe ressaltar que a escolha entre elas não é
óbvia: há um trade-off importante entre o custo da negociação da unitização versus timing da
arrecadação do Estado.
Ademais, a flexibilidade contratual da concessionária é um fator chave para o desenvolvimento
eficiente do reservatório, em particular quando a área adjacente é atribuída a uma empresa
em particular (incumbente, privada ou estatal).
Licitação da área não concedida correspondente ao reservatório. Através do mecanismo de
seleção, tanto a incumbente como as demais empresas participariam, competindo em bônus
pelo novo bloco, correspondente à extensão do reservatório. Algumas observações devem ser
feitas a respeito dos elementos acima discutidos.
Neste contexto, o fato da incumbente já deter informação a respeito das características do
reservatório em relação às demais concorrentes no processo licitatório lhe confere uma
vantagem competitiva importante. Em efeito, as implicações desta posição privilegiada são
bem documentadas pela literatura econômica em leilões de objetos de valor comum, cujo caso
de licitações de blocos de petróleo é exemplo típico. Nestes leilões, os participantes atribuem
um mesmo valor ao bloco, mas que é por estes desconhecido ex-ante, que recebem apenas
um sinal privado que pode ou não ser correlacionado com o sinal recebido pelos demais. 20 A
existência de uma empresa com informação privilegiada, a incumbente portanto altera o
comportamento competitivo de todas as empresas participantes: aquelas que têm pouca
informação fazem lances menores que a incumbente, na expectativa de ganhar apenas se esta
19 A concessionária normalmente não pode perfurar poços em área vizinha, apesar de poder ter acesso a dados sísmicos. 20 Uma das implicações de leilões de envelope fechado, conforme o modelo de licitação no Brasil, é a chamada maldição do vencedor, que acaba por gerar um viés dos lances dos participantes para baixo, por medo de ter um sinal exagerado do valor do bloco. Ver Madeira et al (2008) para uma análise dos resultados dos leilões nacionais vis-à-vis os mais recentes insights teóricos da literatura.
cometer um erro. Uma implicação disto é que há aumento da probabilidade da incumbente
ganhar o leilão e com um lucro substancial. 21
Além disso, o custo de negociar ex-post um acordo de unitização definitivo ou passar por um
processo de negociação de redeterminações onera ainda mais as empresas entrantes,
constituindo uma barreira à entrada adicional neste mercado de reservatórios identificados e
não concedidos. Como reflexo, há redução da competitividade pelo bloco vizinho e potencial
perda de arrecadação do Estado em bônus de assinatura.
Isto sugere que o formato destes leilões devem ser adaptados tanto a estas barreiras a
entrada representada pela estrutura de informação desfavorável às entrantes e pelo custo de
negociação de termos potencialmente desfavoráveis.22
Preferência à empresa incumbente. O favorecimento da empresa incumbente tem a
vantagem de eliminar o custo do processo de negociação de um acordo. Neste caso, o Estado
‘abre mão’ dos ganhos da licitação ex-post, ou seja, da licitação da parcela do reservatório
identificado que extrapole as delimitações do bloco concedido. No entanto, a licitação ex-ante
de blocos cuja extensão final é função do tamanho do reservatório encontrado pode aumentar
o valor presente dos blocos licitados limitados por áreas não concedidas. Dado que as
empresas terão preferência no monopólio de exploração do reservatório, o volume que
recursos que elas estão dispostas a pagar é dado pelo ganho potencial da extensão do poder
de monopólio além do bloco. Em termos de arrecadação, se houver concorrência grande o
suficiente por este tipo de bloco, um leilão bem desenhado permitiria ao Estado capturar os
ganhos da empresa sobre este direito de extensão do monopólio às áreas adjacentes.
Uma implicação natural é o aumento do incentivo da incumbente em explorar regiões
limítrofes a áreas não concedidas, derivado da possibilidade de aumentar o tamanho da área
21 Ver Porter (1995), Hendricks, Porter e Wilson (1994) e Campo, Perrigne e Vuong (2003). No último artigo, há estimativas de uma lucratividade de 65% frente às demais empresas, estas sem informação superior a respeito do reservatório. Campton (2006) analisa leilões de blocos de petróleo quanto à sua otimalidade e sugere ajustes que levem em conta as características informacionais destes ‘objetos’. Este autor está particularmente preocupado com a disseminação de informação entre os participantes dos leilões durante o leilão, de modo a dirimir os efeitos negativos (em termos de receitas) da maldição do vencedor. 22 Ver Crampton (2007).
do bloco e reduzir a possibilidade de negociação do acordo ex-post. Este efeito pode viesar a
alocação eficiente de recursos no esforço exploratório do bloco. 23
Preferência a outra empresa. Conforme visto, a atribuição do direito de E&P ao restante do
reservatório requer necessariamente a negociação de acordo de unitização. Se tal
favorecimento é feito mediante compensações ao Estado, a sociedade capturaria os ganhos
deste favorecimento no momento da transferência da extensão do reservatório (via uma
espécie de bônus de assinatura) e/ou durante a produção (royalties, participações especiais
etc). A ausência de compensações à sociedade implicaria na concentração de recursos em um
agente particular em detrimento da diluição dos ganhos da descoberta à sociedade.
Na indústria de petróleo, é comum que empresas incumbentes transfiram a responsabilidade
de exploração e desenvolvimento do bloco através de contratos tipo farm out.24 Este tipo de
flexibilidade, previsto em contratos típicos de concessão, permite à incumbente escolher entre
as melhores práticas para explorar um reservatório, dadas as características reveladas pela
análise dos dados sísmicos, a evolução dos custos de desenvolvimento da produção e os
objetivos da empresa. Se o objetivo da empresa é maximizar os ganhos do reservatório, ela
terá incentivo em contratar a melhor empresa para o projeto. Caso os objetivos sejam outros,
as escolhas podem comprometer o desenvolvimento eficiente da produção.
Aqui, a flexibilidade contratual permitiria que as potenciais ineficiências de um sistema de
favoritismo, onde as empresas que não sejam as adequadas para o projeto, possam ser
compensadas pela subcontratação de terceiras para dar continuidade ao projeto exploratório.
Obviamente, está implícita a hipótese de a concessionária ter como objetivo a maximização
do valor do reservatório.
Neste contexto, algumas observações devem ser feitas se a empresa de preferência é uma
empresa estatal. Aqui entra à baila a capacidade da empresa estatal traduzir os benefícios de
tal favoritismo em benefícios à sociedade. Se a empresa de fato maximiza o bem estar sócial,
23 Suponha que a análise dos dados sísmicos revelou que a probabilidade máxima de encontrar petróleo ocorre em dois pontos, A e B, localizados dentro do bloco. O ponto A se localiza no interior do bloco e o ponto B no limite do bloco a uma área não concedida. Neste caso, com o objetivo de maximizar o potencial do bloco, a empresa terá preferência em perfurar um poço no ponto B. 25 Note que este problema de desvantagem informacional das entrantes pode ter sido relevante quando da abertura da exploração e produção no Brasil, quando Petrobras, até então monopolista no mercado, detinha muito mais informações que qualquer outra empresa no mundo sobre as características geológicas do solo brasileiro. A queda da arrecadação das licitações, previstas pela teoria econômica de leilões, quando da participação da Petrobrás por um bloco implica maior lucratividade para a Petrobrás na aquisição de suas concessões. Tendo em vista que a Petrobrás é uma empresa mista, pode-se dizer que apenas uma parcela dos ganhos desta vantagem informacional foi transferida para o Estado/sociedade.
uma eventual desvantagem tecnológica na exploração conjunta do reservatório poderia ser
mitigada pela possibilidade de subcontratar uma terceira, especializada naquele tipo de
projeto. Neste caso, delega-se à empresa estatal a licitação do desenvolvimento do projeto,
que transfere os recursos obtidos – tanto bônus de assinatura, quanto a participação na
produção - à sociedade. Do ponto de vista do interesse público, as opções de licitação direta
pelo Estado ou pela empresa estatal benevolente seriam equivalentes.
Obviamente, o fato de uma empresa estatal servir em teoria à maximização do bem estar
social não implica que ela o faça, senão isso significaria dizer que a solução de estatização seria
ideal para toda a economia de um país. Neste contexto, cabe entender em que medida os
benefícios gerados pelo favoritismo à empresa estatal são transferidos à sociedade, dadas as
limitações existentes em alcançar tais objetivos.
Usualmente, a preferência pela solução estatal é reflexo de preocupações recorrentes com a
capacidade de o Estado controlar atividades tidas como ‘estratégicas’, sob o risco de haver
desvio excessivo das riquezas nacionais para entes privados, de não serem feitos os
investimentos necessários para a prestação adequada dos serviços, de serviços tidos como
universais não serem prestados a determinados segmentos da sociedade (populações em
áreas remotas ou de baixa renda), dentre outros.
No que diz respeito ao controle da empresa privada via regulação, as inovações regulatórias
ocorridas nos últimos 20 anos - regulação comparativa (benchmarking) e price cap médio -,
permitem gerar os incentivos necessários às empresas privadas realizarem os esforços
inovadores e de redução de custos desejáveis do ponto de vista social. Aspectos cruciais da
contratação dos serviços de uma empresa em segmentos de infra-estrutura tornaram-se
simplificados e reforçam a capacidade do Estado alinhar os interesses privados de
maximização do lucro ao interesse público de maximização do bem estar.
Até o momento, assumiu-se que o Estado, através de todas as suas interfaces, é ‘gerenciado’
por agentes benevolentes. Se esta hipótese é um tanto forte, a ineficiência da prestação
pública de serviços deriva não somente dos fracos incentivos da propriedade pública da
empresa, mas também é resultado da influência de grupos de interesse, que visam usar o
poder coercitivo do Estado para maximizar suas rendas privadas. Em conseqüência, uma vasta
gama de medidas, resultantes desta ‘influência’, compromete a prestação de serviços públicos
segundo o interesse público estrito.
O efeito deste jogo de influências é ambíguo na decisão estatizar/privatizar-e-regular: se, por
um lado, a corrupção constitui um obstáculo para o Estado desenhar um programa de
privatização, regular ou contratar na ótica do interesse público; por outro lado, a corrupção
também não torna o desenho de uma nova empresa estatal ou o seu gerenciamento mais fácil.
Cabe pesar em que situações há maior potencial de perda de bem estar. Por exemplo: a
redução da qualidade da prestação privada de serviços públicos gera uma perda de bem estar
maior que por uma estatal, sujeita à influência de grupos de interesse? A resposta a esta
pergunta exige o rigor de uma análise das características do país, da demanda e das diferentes
indústrias.
O quadro abaixo resume as vantagens e desvantagens das diferentes opções analisadas acima.
Opções Vantagens Desvantagens
Licitação da área não
concedida
� Arrecadação de recursos no
momento da descoberta;
� Se competitivo, licitação
seleciona a empresa que
mais valoriza o projeto (a
mais eficiente).
� Negociação de acordo de unitização;
� Favorecimento implícito da
incumbente devido à informação
superior sobre o reservatório e menor
custo de entrada;
� Menor arrecadação se a incumbente
participa do processo licitatório.**
Favoritismo
Incumbente � Arrecadação de recursos
antes das descobertas;
� Sem custo de negociar
unitização (relevante em
ambientes cujos contratos
possuem natureza distinta ou
reservatório é complexo)
� Viés no programa exploratório para
vizinhanças de áreas não licitadas.
Não Incumbente
Privada
� Aspectos cruciais da atividade
são facilmente regulados;
� Com regulação apropriada,
benefícios do projeto são
transferidos à sociedade.
� Negociação de acordo de unitização;
� Sem compensações, concentração das
riquezas;
� Empresa pode não ser mais eficiente.*
Não Incumbente
Estatal
� Recursos são direcionados ao
Estado/sociedade;
� Negociação de acordo de unitização;
� Empresa pode não ser mais eficiente;*
� Estrutura estatal não gera incentivos
de eficiência;
� Maior risco de captura por grupos de
interesse.
Notas: * A flexibilidade contratual permitiria que as potenciais ineficiências de um sistema de favoritismo, onde as empresas não sejam as adequadas para o projeto, possam ser compensadas pela subcontratação de terceiras para tocar o projeto. Obviamente, está implícita a necessidade da concessionária ter como objetivo a maximização do valor do reservatório. ** No caso de uma licitação nos moldes da brasileira, com envelope fechado.
Análise econômica da regulação brasileira de acordos de
unitização
O Brasil obriga a celebração de acordos de unitização tão logo identificada a extrapolação de
um reservatório além dos limites de um bloco particular. A obrigatoriedade serve ao princípio
da maximização do valor do reservatório, mas se restringe somente ao gatilho geológico, não
contemplando o aspecto econômico, quando um conjunto de reservatórios suficientemente
próximos poderia usufruir de uma única infra-estrutura, evitando a duplicação dos custos de
capital. Isto gera uma ineficiência produtiva importante em reservatórios localizados em áreas
maduras e de produtividade baixa, onde pequenas empresas não têm acesso voluntário à
infra-estrutura já instalada de empresas como a Petrobras.
O timing da celebração do acordo no caso brasileiro obedece à eficiência econômica uma vez
que permite o início do processo de negociação tão logo (10 dias após) a constatação da
extensão do bloco, minimizando assimetrias de informação maiores entre os concessionários
vizinhos. Não obstante, a regulação possui flexibilidade suficiente para permitir que o período
de negociação seja função da complexidade do reservatório e dos termos contratuais em vigor
para cada bloco concedido.
Outro elemento importante é a previsão da ANP ser a mediadora e sua prerrogativa em
escolher um ‘árbitro’. Isto evita problemas ligados ao uso estratégico da escolha do mediador
no processo de negociação, diminuindo a liberdade dos agentes em arbitrar regras que podem
prejudicar o processo de negociação entre as concessionárias.
No que diz respeito à unitização de áreas não concedidas, o fato da ANP agir como
concessionária virtual na negociação de um acordo – mesmo que preliminar –duplica o custo
de negociação do acordo de unitização: o custo da negociação com a ANP e, em sequência, o
custo da negociação com a empresa que obtiver a concessão da área. Além do mais, a
estrutura de informação neste ambiente sugere que a empresa concessionária disporá de
maiores informações (ou maiores incentivos para investigar o reservatório) que a ANP. Aqui,
mesmo a partilha de dados comuns pode ser insuficiente para fornecer à ANP informações que
a deixe em ‘pé-de-igualdade’ com a empresa concessionária do bloco. Neste sentido, é muito
provável que as redeterminações destes contratos impliquem realocações bruscas de
participações, deixando espaço para conflitos importantes após a assinatura do contrato.
Ademais, a licitação ex-post desta área coloca a incumbente numa situação muito favorável
em relação às demais empresas candidatas. Isto se deve a dois fatores. Primeiro, a
incumbente possui maiores informações a respeito do valor do reservatório, o que permite a
definição de um lance mais preciso sobre o valor do bloco vizinho. Vimos que tal status afeta a
estratégia de lances das demais empresas, que acabam por reduzir a disponibilidade a pagar
pelo bloco vizinho, o que reduz o ganho esperado do Estado. 25 Segundo, a incumbente não
precisaria levar em conta os custos (afundados) do processo de negociação, o que não é
verdade para as demais.
Enquanto as barreiras à entrada derivadas da posição superior da incumbente podem reduzir a
transferência de recursos ao Estado/sociedade de um processo licitatório, a flexibilidade
contratual em vigor na legislação brasileira permite que as empresas concessionárias do
reservatório, se maximizadoras de lucros, busquem soluções que maximizem o valor do bloco,
através da subcontratação das empresas apropriadas.
Ao atual proposta de mudança do modelo brasileiro prevê implicitamente a designação da
área não concedida a uma empresa estatal. Conforme colocado anteriormente, esta solução
não é trivial. A designação de uma empresa estatal não necessariamente implica que o
problema de exploração eficiente do reservatório será resolvido nem que haverá maior
apropriação dos ganhos da atividade pelo Estado. Neste contexto, torna-se importante a
flexibilidade contratual, que permita posteriormente a negociação de parcerias com terceiras.
Finalmente, numa situação onde o regime de contrato de E&P é distinto entre áreas vizinhas
que partilham o mesmo reservatório, ou que as características geológicas do reservatório são
25 Note que este problema de desvantagem informacional das entrantes pode ter sido relevante quando da abertura da exploração e produção no Brasil, quando Petrobras, até então monopolista no mercado, detinha muito mais informações que qualquer outra empresa no mundo sobre as características geológicas do solo brasileiro. A queda da arrecadação das licitações, previstas pela teoria econômica de leilões, quando da participação da Petrobrás por um bloco implica maior lucratividade para a Petrobrás na aquisição de suas concessões. Tendo em vista que a Petrobrás é uma empresa mista, pode-se dizer que apenas uma parcela dos ganhos desta vantagem informacional foi transferida para o Estado/sociedade.
muito complexas, o favorecimento do incumbente pode ser vantajoso do ponto de vista do
bem estar social por eliminar os custos de transação derivados da negociação de acordos de
unitização excessivamente complexos.
Conclusões
Este artigo analisou os aspectos econômicos da regulação de acordos de unitização na
indústria de petróleo. Vimos que a imposição de acordos de unitização pode ser suficiente
para resolver o problema de concorrência excessiva entre operadoras que partilham um único
reservatório, mas não é suficiente para mitigar os sérios problemas ligados ao processo de
negociação destes acordos. Neste sentido, o desenho adequado das regras que regem a
negociação destes acordos são fundamentais para reduzir os custos da negociação da
unitização de operações.
Dentre os resultados obtidos, temos que a regulação costuma responder ao problema de
coordenação da exploração através da imposição de obrigatoriedade da assinatura destes
acordos e a definição prévia de mediadores e árbitros frente a falhas do processo de
negociação. Outro ponto importante é quanto ao timing da assinatura do acordo, que deve
ocorrer tão logo seja identificado o reservatório comum, evitando que a assimetria de
informação entre as partes vizinhas se torne muito grande e as redeterminações das
participações sejam bruscas, e portanto, contenciosas ex-post.
No que diz respeito à unitização de áreas não concedidas, a possibilidade de favorecimento da
empresa da área concedida versus a licitação ou atribuição à outra empresa implica a solução
de um trade-off importante entre o custo da negociação e unitização das operações e o custo
de um viés de investimento exploratório próximo aos limites de áreas não concedidas. O
favorecimento de uma empresa estatal, em particular, além de gerar custos da negociação do
acordo - amplificados se a natureza dos contratos for distinta -, pode gerar ineficiências se os
objetivos da empresa (ou seus representantes) não estiverem alinhados ao objetivo de
maximização do valor do reservatório. É importante ressaltar que qualquer favorecimento
deve ser combinado com flexibilidade contratual – que permita a subcontratação de outras
empresas - para que as melhores práticas sejam empregadas no desenvolvimento da
produção.
Vimos também que a regulação dos acordos no Brasil é eficiente na resolução do problema de
concorrência excessiva, mas poderia ser aperfeiçoada de modo a contemplar a partilha da
infra-estrutura quando reservatórios são próximos e pequenos o suficiente que não
justifiquem seu desenvolvimento individual.
No que diz respeito a áreas não concedidas, a regulação da unitização confere um status
privilegiado à concessionária incumbente, criando barreiras a potenciais entrantes, derivado
das vantagens informacionais e custo ex-post zero de negociação da unitização se ganhadora
do processo licitatório. Tendo em vista a complexidade geológica da área e a potencial
natureza distinta dos contratos de blocos vizinhos (concessão na área licitada e partilha na
área não licitada), o favorecimento do incumbente pode ser desejável do ponto de vista do
bem estar social, face aos custos sociais da negociação de tal acordo. A possibilidade de
preferência a empresa estatal deve ser pesada pela capacidade desta cumprir com os objetivos
de maximização do valor do reservatório, tendo em vista que os instrumentos regulatórios
correntes de controle da atividade petrolífera são suficientes para capturar os ganhos da
atividade exploratória.
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Petroleum Seismology (2009), http://www.petroleumseismology.com/images.
Porter (1995), "The Role of Information in U.S. Offshore Oil and Gas Lease Auctions"
Econometrica, 63(1)
Simioni, J. (2006), Unificação de Operações em Campos de Petróleo e Gás Natural no Brasil e
Direitos Correlatos, Tese de Dissertação de Mestrado, UNIFACS.
Anexo: Regulação Internacional de Acordos de Unitização
Previsão em lei
Previsão em
contrato modelo
Gatilhos de unitização
geológico
Gatilhos de
unitização
econômico
Campo extende
em área não
licitada
Notificação
Obrigatória
Unitização
Obrigatória
Azerbaijão
Presente e detalhada
Presente Sim Não Preferência ao
operador.
Não
Brasil
Presente e detalhada
Presente Sim Não ANP é operador
virtual até licitação.
Sim Sim
Equador
Presente e detalhada
Presente Sim Não Não Sim, com
critérios para operador.
Egito Presente Presente Sim Não
Preferência ao operador.
Sim
Indonésia Presente Sim Não
Preferência ao operador.
Sim (vago)
Nigéria Presente Presente Sim Não Sim
Reino Unido Presente Sim Não Sim
Noruega Sim Sim Sim Sim
Angola Ausente Presente
Unitização de contratos com base comum. Sim Sim
China Ausente Sim Sim Sim
Colômbia Ausente Presente Sim Não - Sim
Yemen Ausente Ausente Sim Não
Russia Ausente Ausente Sim Não
Nota: Células em branco não disponíveis. Fonte: Asmus e Weaver (2006).
(continuado)
Fatores das parcelas e redeterminações Consequências da falha da negociação
Autoridade responsável
pela aprovação dos acordos
Azerbaijão Ministério
Brasil
Direitos e obrigações devem ser provisionados de forma equitativa com base em princípios gerais.
Na ausência de acordo, a ANP decide pela alocação de direitos e obrigações à luz da equidade.
Agência regulatória, ANP.
Equador
Fórmula baseada na produção auditada, reservas provadas, preço do petróleo.
Ministério aprova acordo provisório (180 dias) e caso falha, os parâmetros básicos de explotação.
Ministério
Egito
Após 6 meses sem acordo, regras de unitização são impostas.
Ministério
Indonésia Contrato de partilha de custos e receitas é imposto.
Nigéria
Desenho 'justo e equitativo' das parcelas não necessário, ênfase em maximização do valor do bloco.
Ministério
Reino
Unido
Desenho 'justo e equitativo' das parcelas não necessário para aprovação de acordo. Ênfase em maximização do valor do bloco.
Contrato de partilha de custos e receitas é imposto com vistas à maximização dos valor do bloco.
Ministério, Oil and Gas
Directorate of the
Department of Trade and
Industry
Noruega
Contrato de unitização é imposto quando prazo 'razoável' para negociações é ultrapassado.
Ministry of Petroleum and Energy
Angola
Retorno compatível à parcela assumida do plano de desenvolvimento e produção.
Sonangol escolhe consultor independente, de comum acordo das partes. Caso de discórdia, perda da área do campo unitizado.
Empresa pública Sonangol
China Empresa pública CNPC
Colômbia Agência regulatória ANH.
Yemen Ministério
Rússia Ministério e autoridades locais.