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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE – FaC CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
ADRIANA DE FREITAS OLIVEIRA
CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA X ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
FORTALEZA 2014.1
ADRIANA DE FREITAS OLIVEIRA
CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA X ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Monografia submetida à aprovação do Curso de Bacharelado em Serviço Social da Faculdade Cearense – FaC, como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Prof.ª Ms. Luciana Gomes Marinho.
FORTALEZA 2014.1
ADRIANA DE FREITAS OLIVEIRA
CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA X ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelas professoras.
Data de aprovação: _____/______/_________
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________ Prof.ª Ms. Luciana Gomes Marinho
(Orientadora)
________________________________________________ Prof.ª Ms. Mayra Rachel da Silva
________________________________________________ Prof.ª Ms. Silvana Maria Pereira Cavalcante
Dedico à meu pedacinho do paraíso Nicolle Maria Freitas de Oliveira, filha amada, que nasceu para iluminar minha vida e me fazer sentir o puro amor de ser mãe. Eu te amo!
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço à minha família por todo o apoio,
compreensão e amor que sempre me dedicaram, principalmente nesses últimos
quatro anos de crescimento intelectual; e a Deus que nos momentos alegres e
angustiantes se fez presente por meio de orações, fortificando a fé que nele vive e
me mostrando o caminho a seguir.
Ao meu Pai e à minha Mãe, meus ídolos! Serei eternamente grata por
todos os cuidados, carinhos, proteção, amor e educação que me ofereceram. A
história de vida dos dois não foi fácil, cada dia uma batalha era travada para dar o
melhor para as suas meninas, eis aqui um dos frutos da árvore que plantaram, estou
colando grau no ensino superior. Hoje que sou mãe, vejo as renúncias que fizeram
em função das suas três filhas, e quão grandiosa é essa tarefa de vocês, desejo
conseguir o mesmo sucesso, amo vocês!
À Ana Geórgia e Juliana, minhas irmãs maravilhosas, vocês foram
essenciais para minha vida. Não pediria a Deus outras pessoas para ocuparem os
seus lugares. Tive uma infância e adolescência extremamente feliz por causa das
nossas brincadeiras e conversas, agora que somos mulheres adultas o tempo
parece não ter passado, a essência ainda é a mesma. Sou grata pela contribuição
das duas para essa conquista, amo vocês!
A Fábio James e Nicolle Maria, meus grandes amores! Meu marido,
eterno amigo e companheiro, todo dia me lembro de quando nos conhecemos, de
como nossa história foi acontecendo e imagino como será no futuro. Apenas sei que
se tornou meu porto seguro e que, nos mais distintos momentos, você estava
comigo cuidando de mim. Filha amada, meu pedacinho do paraíso, você nasceu
para iluminar e abençoar a minha vida. Agradeço-te por existir, minha luta é por
você! Amo vocês!
Em segundo lugar, agradeço à minha orientadora Luciana Gomes
Marinho, Assistente Social de grande arcabouço teórico-metodológico, ético-político
e técnico-operativo. Uma magnífica profissional, pessoa simples, amável e amiga.
Sou grata pela orientação, pelos conselhos e disponibilidade no meu processo de
construção da monografia. Também agradeço à Mayra Rachel e Silvana Maria,
participantes da banca examinadora, por contribuírem nessa etapa da minha
formação profissional.
Por fim, agradeço às minhas amigas Jéssica Martins, Marianne de Sales,
Marianne Barros, Mayara Luzia, e Natália Lopes por permanecermos juntas nesses
8 semestres do curso de Serviço Social. À minha amiga Cibele Brito, que com sua
amizade fez os meus dias alegres. Vocês todas foram as verdadeiras facilitadoras
da minha aprendizagem, por tornarem a caminhada mais prazerosa. Ao meu amigo
de longos anos, Francisco Anderson, que através dos seus conhecimentos foi um
dos meus colaboradores. Sou grata também aos professores da Faculdade
Cearense e aos profissionais do Abrigo Tia Júlia por acender a chama que a
profissão me despertou.
“Casa é uma construção de cimento e tijolos. Lar é uma construção de valores e princípios.”
(CASA e LAR)
RESUMO
O referido trabalho de conclusão de curso teve como objetivo problematizar os desafios e as possibilidades para a efetivação do direito à convivência familiar e comunitária das crianças acolhidas no Abrigo Tia Júlia. Utilizamos pesquisa de natureza qualitativa para compreender a realidade social na qual está inserido o público-alvo, também realizamos uma pesquisa bibliográfica que versou sobre as seguintes categorias: Infância, Família, Convivência Familiar e Comunitária, Acolhimento Institucional. Na investigação a campo ingressamos na unidade Tia Júlia, localizada no bairro da Parangaba em Fortaleza – CE, a análise se apropriou dos relatos de duas assistentes sociais e de uma psicóloga. Observamos que ao longo dos séculos ocorreram inúmeros avanços relacionados às legislações que dessem respaldo às crianças e aos adolescentes, sendo aperfeiçoados até os dias atuais. Entretanto, também constatamos que o ECA, uma das legislações mais avançadas para a realidade brasileira, por vezes chega a não ter aplicabilidade. Diante do exposto, verificamos a importância da equipe socioassistencial na efetuação de um trabalho interdisciplinar para que seja possível uma aproximação das crianças com seus familiares e a comunidade.
Palavras – chave: Infância. Família. Convivência Familiar e Comunitária.
Acolhimento Institucional.
ABSTRACT
The present final paper aimed to discuss the challenges and opportunities for the implementation of the right of family and community living of the children sheltered in Shelter Tia Júlia. We used qualitative research nature to understand the social reality our audience is inserted in, we also conducted a bibliographical research that treated the following categories: Childhood, Family, Family and Community Living, Institutional Reception. In the research field we entered in the unit Tia Julia located in the Parangaba neighborhood of Fortaleza – CE, the analysis made use of reports of two social workers and one psychologist. We observed over the centuries many advances related to laws that give support to children and adolescents being improved until the present day. However we also found that ECA, one of the most advanced legislations to the brazilian reality, sometimes seems not to be implemented. Given this fact, we see the importance of the social assistance team in the execution of an interdisciplinary work for making possible an approximation between the children and their families and the community.
Key words: Childhood. Family. Family and Community Living. Institutional Reception.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CBIA – Centro Brasileiro para Infância e Adolescência
CONANDA – Conselho Nacional da Criança e do Adolescente
CONDICA – Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente
CNAS – Conselho Nacional da Assistência Social
CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público
CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social
PNBEM – Política Nacional do Bem-Estar do Menor
PNCFC – Plano Nacional de Promoção, Defesa e Garantia dos Direitos da Criança e
do Adolescente a Convivência Familiar e Comunitária
SAM – Serviço de Assistência ao Menor
STDS – Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12
1 INFÂNCIA .............................................................................................................. 18
1.1 A Construção Social do Conceito Infância ..................................................... 18
1.2 O Papel da Família na Consolidação da Infância ........................................... 23
1.3 O Desenvolvimento Social da Criança Institucionalizada ............................. 27
2 CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA ....................................................... 32
2.1 Histórico dos Direitos da Criança no Brasil .................................................... 32
2.2 Os Direitos da Criança dentro da Unidade de Acolhimento na
Contemporaneidade ......................................................................................... 38
3 ABRIGO TIA JÚLIA E ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: PERCEPÇÕES,
ANÁLISES E DESAFIOS ....................................................................................... 46
3.2 Sobre a Instituição ............................................................................................ 46
3.2 Realização da Pesquisa .................................................................................... 48
3.3 Análise dos Dados ............................................................................................ 52
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 60
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 62
APÊNDICES ............................................................................................................. 66
ANEXOS ................................................................................................................... 68
12
INTRODUÇÃO
Aproximamo-nos da temática criança logo no início do curso de Serviço
Social. Diante da exigência da cadeira de Seminário I fomos buscar informações
sobre o trabalho da Assistente Social em um espaço estatal, deste modo passamos
a conhecer a unidade de acolhimento institucional Tia Júlia, situada em Fortaleza -
CE.
Após essa atividade, o assunto infância se tornou presente mais uma vez,
no 5º semestre da faculdade, ingressamos na experiência de estágio realizada na
instituição acima mencionada. Durante 3 semestres dedicados à aprendizagem do
Serviço Social, muitas dúvidas surgiram, seguidas por inquietações e o desejo de
investigar. Por esse motivo, várias discussões relacionadas foram realizadas por
nós, servindo-nos de base para o presente trabalho acadêmico.
A unidade Tia Júlia está vinculada à Secretaria do Trabalho e
Desenvolvimento Social (STDS) e tem o objetivo de atender provisoriamente e
integralmente crianças de ambos os sexos. As mesmas são encaminhadas pelo
Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), Conselho
Tutelar e pelo Juizado da Infância e Juventude. Geralmente são crianças que se
encontram em situação de risco pessoal e social, na condição de abandono ou
temporariamente impossibilitadas de permanecer com a família, enquanto são
tomadas medidas de regresso ao lar ou de possível adoção, no caso de não haver
possibilidade de retorno à família biológica.
Essa instituição possui por público crianças de 0 a 7 anos de idade em
situação de risco social, sendo elas acolhidas provisoriamente para posterior
reinserção nas suas famílias de origem ou em uma família substituta1. Através desse
momento, tomamos conhecimento acerca das pesquisas e estudos na área,
estimulando a busca por outros delineamentos acerca do assunto.
Ao longo de muitas décadas, a incapacidade da família de orientar seus filhos foi o argumento ideológico que possibilitou ao Poder público o
1 Segundo Mota et al., (2014), a nossa legislação não conceituou colocação em família substituta,
mas abre precedentes para entendermos que é a instalação da criança ou adolescentes no seio de uma família que se doa com presteza a receber um novo membro em seu lar, a qual foi abandonada ou perdeu sua família natural, sendo esta nova família designada a fornecer as necessidades básicas de uma pessoa, imprescindíveis ao seu sustento, proporcionando-lhe uma vida modesta, entretanto digna. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=8845&n_link=revista_artigos_leitura>
13
desenvolvimento de políticas paternalistas voltadas para o controle e a contenção social, principalmente para a população mais pobre, com total descaso para a preservação de vínculos familiares (BRASIL, 2006, p.15).
Segundo o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) (apud
Brandão, 2013), desde julho de 2011 existem 2.370 casas de acolhimento para
crianças, correspondendo a 86,1% de casas de acolhimento do total no país. Na
região Sudeste, concentra-se o grande número de crianças, na sua maioria,
meninos de 6 a 11 anos de idade. Atualmente, permanecem cerca de 30.340
crianças acolhidas, sendo que 29.321 estão em abrigos institucionais e 1.019 são
atendidas em programas de acolhimento familiar, mostrando a delicada realidade
social (Brandão, 2013).
Trata-se de uma realidade expressiva. No Brasil, possuímos um imenso
número de crianças vivendo em situação institucional, porém o acolhimento só deve
acontecer em caso de violação dos direitos daquele infante. Entretanto, em caráter
provisório, expresso na Lei n.º 12.010, de 03 de agosto de 2009, conhecida como a
Nova Lei de Adoção, que prevê o acolhimento de no máximo até 2 anos, devendo o
processo ser revisado a cada 6 meses (Brasil, 2009).
Segundo o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente de Fortaleza – (COMDICA2, 2008), em Fortaleza, encontram-se 29
unidades de acolhimento infantil, divididas em organizações governamentais e não
governamentais. Estas instituições trabalham na perspectiva de proteção, prevenção
e no acolhimento temporário das crianças que estão em situação de violência social
por parte de seus pais e familiares.
Apesar de a Lei estipular o tempo máximo para a permanência desses
párvulos3 na instituição, por muitas vezes vê-se o prazo bastante excedido
ocasionando um longo tempo de espera. Deste modo, os profissionais tornam-se as
pessoas com quem as crianças criam vínculos onde passam a ser as suas
referências de família. É direito das crianças e dos adolescentes serem criados
dentro de uma família, somente em casos extremos é que estes são reinseridos em
uma família substituta, sendo ainda assegurado um ambiente propício para o
desenvolvimento sadio destes (Brasil, 1990).
2 Disponível
em:<http://www.pgj.ce.gov.br/orgaos/orgaosauxiliares/cao/caopij/arquivos/relacao_abrigo_maio_2008.pdf>. Acesso em: XX de XXX de 2014. 3 Crianças, meninos.
14
Contudo, essa ação ainda significa a perda ou o distanciamento dos
vínculos familiares e comunitários, visto que esta perda ou distanciamento podem
provocar sequelas no crescimento destes sujeitos.
A expressão “sujeito” em desenvolvimento traduz a concepção da criança
e do adolescente, ou seja, indivíduo autônomo que possui vontade própria e não
pode ser tratado como um ser subalterno ou objeto. Tornando-se um direito
participar das decisões que lhes dizem respeito (BRASIL, 2006).
De acordo com Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), sobre a
inserção de crianças em instituições de acolhimento: frequentemente tem sido
justificada a longa permanência das crianças nas instituições por motivos de abuso,
exploração, violência dentro de casa e até a separação compulsória dos pais
(CAVALCANTE et al., 2007), ocasionando o distanciamento do direito à convivência
familiar e comunitária destes infantes.
As legislações que são voltadas para a garantia do direito acima devem
estar atentas ao cumprimento de suas leis, ocorrendo uma série de repercussões
pelo cerceamento da vida no âmbito familiar. As instituições também devem estar
preparadas para essa demanda, deste modo se torna indispensável à atuação da
equipe de serviços socioassistenciais.
Na Constituição Federal de 1988, são assegurados às crianças e aos
adolescentes o dever da família, sociedade e do Estado no provimento da educação,
saúde, lazer, esporte, profissionalização, a convivência familiar e outros direitos,
além de protegê-los de todas as formas de exploração, discriminação e violência
(Brasil, 1988).
Diante dessas considerações é que objetivamos problematizar: Quais os
desafios e possibilidades para a efetivação do direito à convivência familiar e
comunitária de crianças acolhidas na Unidade Tia Júlia?
Utilizamos a pesquisa qualitativa para compreender a realidade social na
qual está inserido o público-alvo, tendo em vista, que “a pesquisa qualitativa
preocupa-se, portanto, com aspectos da realidade que não podem ser quantificados,
centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais”
(GERHARDT e SILVEIRA, 2009, p. 32).
Empregamos a pesquisa explicativa. Na qual o pesquisador busca
explicar os motivos e as causas das coisas, utiliza-se de registros, análises e suas
15
interpretações para os fenômenos que foram observados. Deste modo, passa a
identificar os determinantes para esses fenômenos (PRODANOV e FREITAS, 2013).
“Aprofunda o conhecimento da realidade porque explica a razão, o porquê das
coisas” (GIL, 2010 apud PRODANOV e FREITAS, 2013, p. 53).
A pesquisa foi realizada na Unidade de Acolhimento Institucional Tia Júlia
no período de 7 a 28 de Abril de 2014 se localiza na Rua Guilherme Perdigão, n.º
305, bairro Parangaba, em Fortaleza – CE. A Instituição possui como missão:
Acolher, proteger e educar crianças na faixa etária de 0 (zero) a 7 (sete) anos, que
se encontram em situação de risco pessoal e/ou social.
A referida pesquisa se apropriou de um apontamento bibliográfico. Versou
sobre as seguintes categorias: Infância, Família, Convivência Familiar e Comunitária,
Acolhimento Institucional. “A pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento
de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos,
como livros, artigos científicos, páginas de web sites” (FONSECA, 2002, p. 32).
O conceito de infância enfrentou muitos desafios, as Ciências Sociais
desconsideravam a temática, haja vista que a criança não era reconhecida como um
sujeito histórico-social. “Demorou mais tempo ainda para que as pesquisas
considerassem em suas análises as relações entre sociedade, infância e escola,
entendendo a criança como sujeito histórico e de direitos” (CORSARO, 2003, apud
NASCIMENTO et al., 2008 p. 4).
Corsaro (apud NASCIMENTO et al., 2008 p. 4) continua explicando que
as interpretações para o estudo sobre as crianças eram relativamente novas,
buscavam compreender a construção social da infância e o seu papel naquela
determinada sociedade, porém evidencia ainda que, no Brasil, os estudos são
infrequentes (CORSARO, 2003 apud NASCIMENTO et al., 2008)
Tratando sobre a importância da família para o desenvolvimento da
criança, Sousa (2012) ressalta:
A primeira vivência do ser humano acontece em família, independentemente de sua vontade ou da constituição desta. É a família que lhe dá nome e sobrenome, que determina sua estratificação social, que lhe concede o biótipo específico de sua raça, e que o faz sentir, ou não, membro aceito pela mesma. Portanto, a família é o primeiro espaço para a formação psíquica, moral, social e espiritual da criança (SOUSA, 2012, p. 5).
16
A Lei de n.º 12.010/2009, conhecida como a nova Lei de adoção, trouxe
algumas alterações ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no capítulo III,
que faz considerações sobre o direito de crianças e adolescentes a convivência
familiar e comunitária: “É idealizada como algo primordial para o desenvolvimento de
crianças e adolescentes, [...] deve estar associada ao seu contexto sociocultural e
principalmente a sua família” (SILVEIRA et al., 2010, p. 1).
Toda criança e adolescente deve ser criado em um seio familiar, gozando
de seus direitos primordiais, como: educação, saúde e lazer. Com a Lei 12.010/2009
passou a ser atribuída ao Estado e à sociedade civil a responsabilidade do
fortalecimento dos vínculos destes com a família e a comunidade da qual fazem
parte.
Um ambiente institucional não é o melhor lugar para as crianças, o
atendimento padronizado e o alto número de crianças por cuidador são alguns dos
aspectos que prejudicam o desenvolvimento do indivíduo (CARVALHO, 2002).
“Cabe ao Assistente Social [...] direcionar sua prática e posicionamento em razão do
interesse superior da criança e do adolescente, sem desconsiderar as mazelas
sociais que têm enfraquecido às famílias brasileiras” (SILVEIRA et al., 2010, p. 16).
Não somente a tal profissional, mas também a todos os outros, a
instituição deve contar com funcionários qualificados na sua atuação. Um setor
apenas envolvido consegue alguns progressos, porém a equipe socioassistencial
engajada nos mesmos interesses possui mais possibilidades de atender ao melhor
interesse das crianças acolhidas.
Na pesquisa de campo, aplicamos entrevistas semiestruturadas com a
equipe que presta serviços socioassistenciais, a observação contou com um
universo de 6 pessoas, sendo elas: Assistentes Sociais, Pedagoga e Psicóloga.
Sobre a entrevista semiestruturada:
O pesquisador organiza um conjunto de questões (roteiro) sobre o tema que está sendo estudado, mas permite, e às vezes até incentiva, que o entrevistado fale brevemente sobre assuntos que vão surgindo como desdobramentos do tema principal (GERHARDT e SILVEIRA, 2009, p. 72).
17
Utilizamos também diário de campo4, trata-se de um instrumento utilizado
no cotidiano da pesquisadora para o uso de suas anotações, nele são inseridas as
observações feitas em campo, comentários e reflexões acerca do objeto. Deste
modo, permite à pesquisadora consultar posteriormente os seus escritos,
extinguindo prejuízos a sua investigação (FALKEMBACH, 1987).
A observação foi a não participante, nesse tipo de observação: “O
pesquisador [...] presencia o fato, mas não participa dele; não se deixa envolver
pelas situações; faz mais o papel de espectador. [...] O procedimento tem caráter
sistemático” (PRODANOV e FREITAS, 2013, p. 105), pois ocorreu no cotidiano dos
profissionais da Tia Júlia, com o intuito de conhecer como eles compreendem o
direito à convivência familiar e comunitária das crianças.
4 Surge como método no campo da antropologia com “Os Argonautas do Pacífico Ocidental”, de
Bronisław Malinowski.
18
1 INFÂNCIA
O conceito de infância sofreu lentas alterações até se estabelecer tal
como é concebido hoje. Demorou por volta de cinco séculos para que a criança
passasse a existir na sociedade, mesmo assim essa temática continuou em
construção até os dias atuais. Para cada passagem de século uma nova
consideração era feita, atribuía-se significados diferentes de tempos em tempos,
parecia ser uma adaptação para cada realidade. Ora a criança estava em evidência,
ora não passava de um plano de fundo perdida no meio da multidão (ARIÈS, 1981).
A família é peça fundamental para a construção e desenvolvimento
destes seres sociais. Fatores culturais, históricos, econômicos e sociais foram fortes
influenciadores para que a família se constituísse nos dias atuais, como, por
exemplo: os novos arranjos familiares, desconstruindo o antigo modelo nuclear. A
necessidade surge quando a vida em sociedade não é mais repartida de forma
igualitária, seus membros estão se dispersando e buscando sua realização
individual, por isso a união em famílias nada mais é do que estratégia para defender-
se da sociedade (ARIÈS, 1981).
A desigualdade social tem sido um enorme propulsor para a
desestruturação familiar, na busca exagerada pelos ganhos financeiros uma parcela
da sociedade passou a explorar a outra, ainda assim, uma terceira parcela passou
viver à margem, excluídos socialmente. Diante dessa pobreza extrema, é fácil ver a
inserção de seus filhos em unidades de acolhimento institucional, era uma garantia
do mínimo de dignidade que as crianças receberiam, afinal o convívio com os pais
era um risco, quando estes negligenciavam os cuidados (SAYÃO, 2010).
1.1 A Construção Social do Conceito Infância
Durante muitos séculos, adultos e crianças viviam realidades pouco
distintas, estes partilhavam as rotinas diárias dentro e fora de casa. As crianças, sem
possuir um espaço próprio, eram confundidas por pequenos adultos, deste modo,
estabeleceu-se uma representação tardia do conceito de infância e das suas
particularidades (ARIÈS, 1981).
“Até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou
não tentava representá-la” (ARIÈS, 1981, p.17). A criança se distinguia do adulto por
19
causa de sua estatura mais baixa, já na Bíblia as crianças são mais descritas, por
vezes, elas são caracterizadas por algo diferente de sua estatura física (ARIÈS,
1981).
Na arte, existia uma grande recusa em aceitar a morfologia infantil, têm-se
indícios que foi na Arte Grega que as crianças passaram a ser retratadas de maneira
realista, contrariando a antiga forma de retratá-las apenas como um adulto de menor
tamanho (ARIÈS, 1981).
De acordo com Ariès, “no período medieval, o primeiro nome já fora
considerado uma designação muito imprecisa, e foi necessário completá-lo por um
sobrenome de família, muitas vezes um nome de lugar” (1981, p. 1). Com a
frequente utilização dos nomes, a criação de um sobrenome passou a melhor
especificar aquela determinada pessoa dentro de uma singularidade familiar.
Conforme Ariès (1981) nos séculos XV e XVI as crianças tornaram-se
frequentes nas pinturas anedóticas5, suas representações se davam no seu
cotidiano familiar, com jogos ou no meio da multidão, mesmo assim a criança não
era representada de forma exclusiva elas tinham um papel secundário.
Vários retratos do século XVI continham inscrições, estes eram datados,
conhecidos como documentos de história familiar, três ou quatro séculos à frente se
tornaram os chamados álbuns de fotografias. Ainda no mesmo raciocínio foram
também criados os diários de família, neles as pessoas anotavam seus afazeres e
acontecimentos no âmbito domiciliar, como também nascimentos e mortes ocorridas
(ARIÈS, 1981).
Conforme Faleiros, as crianças que sobreviviam na época da escravidão
“sofriam humilhações, maus-tratos e abusos sexuais, e, no entanto, não havia
muitas crianças escravas abandonadas, uma vez que sua sina estava traçada como
propriedade individual, como patrimônio e mão de obra” (1995, p. 224).
O autor informa-nos que a infância era desconsiderada pela família da
criança e pelas pessoas da sociedade, para estes não fazia sentido lembrar-se
delas, entre os motivos destacam-se o das crianças que possuíam uma infância
permeada por problemas, justificativa desenvolvida para esquecê-las (ARIÈS, 1981).
Eis que surge Descartes, na Idade Moderna, desenvolvendo um novo tipo
de pensamento, com o qual o assunto relacionado à infância passaria a ter novos
5 Pouco divulgado. Disponível em: <http://www.dicio.com.br/anedota/>. Acesso em: XX mês 2014.
20
delineamentos, conforme expresso por Levin: “É a alma que dá ordem ao corpo e
comanda seus movimentos[...] ocorreu a supervalorização de dualismos,
fortalecendo a visão positivista de conceber o mundo e o próprio homem” (LEVIN,
1997 apud NASCIMENTO et al., 2008 p. 7).
Surge, assim, no século XVII, a primeira concepção de infância, nesse
sentido foi observada a dependência das crianças em relação aos adultos. O adulto
passou a vê-las como um ser dependente e fraco, sujeitos que precisariam de
proteção (LEVIN, 1997 apud NASCIMENTO et al., 2008).
Segundo Faleiros (1995), por volta do século XVII era crescente o número
de crianças abandonadas na porta das Igrejas e nas casas. Nesse período se
sobressaía o papel da popularmente conhecida Santa Casa de Misericórdia,
instituição de caridade da época. Estas se tornaram extremamente solícitas nos
cuidados a crianças em situação de rua.
A irmandade realizava um trabalho de acolhimento e encaminhamento
das crianças de zero a três anos de idade para amas de leite, após essa ação se
nenhuma pessoa responsabilizasse por elas, elas retornavam a casa e lá
continuavam até os seus sete anos de idade. A partir desse momento as crianças
ficavam disponíveis para o trabalho escravo (VEIGA, 2007).
De acordo com Levin, ultrapassava esta fase da vida somente quem
saísse da dependência. Desse modo, a palavra infância passou a designar a
primeira idade de vida: a idade de proteção, permanecendo até os dias atuais. Na
sociedade, até o século XVII, não havia espaço para as crianças (LEVIN, 1997 apud
NASCIMENTO et al., 2008). “As crianças necessitavam de grandes cuidados e,
também, de uma rígida disciplina, a fim de transformá-las em adultos socialmente
aceitos” LEVIN, 1997 apud NASCIMENTO et al., 2008, p.7).
Ariès (1981) informa que a partir do século XVIII foi que os párocos
passaram a registrar com exatidão a inscrição dos nascimentos nos documentos
paroquiais, pois o Estado moderno passou a exigir dos seus funcionários. Atribui-se
a importância de tal ação no século XVI, devido às camadas da sociedade que
frequentavam os colégios. O mesmo autor afirma que no século XVIII surgem os
tipos de crianças mais parecidas com as do sentimento moderno: frágeis que
necessitavam de cuidados e educação para o seu desenvolvimento. Nesse
21
momento, esse sentimento era fortemente atribuído à religiosidade, mais
especificamente à infância de Jesus (ARIÈS, 1981).
No fim do século XIX, passa-se a separar o mundo para os adultos e
outro para as crianças. “Nas efígies6 funerárias [...] a criança só apareceu muito
tarde, no século XVI. Fato curioso, ela apareceu de início não em seu próprio túmulo
ou no de seus pais, mas no de seus professores” (ARIÈS, 1981, p. 21).
No Brasil, século XIX, as crianças eram chamadas de “crias”, pois o nome
fazia relação com quem as criavam. Neste período, era crescente o infanticídio e o
abandono entre negros, brancos e índios. A escassez demográfica prejudicava o
ingresso de crianças aos estudos (FREITAS, 2003, grifos nossos).
Freitas (2003) explica que o abandono de crianças é muito antigo, desde
a colonização do Brasil. Nesta época, as crianças necessitariam ser auxiliados pelas
câmaras municipais, mas dificilmente cumpria-se com tal responsabilidade, o
descaso e a omissão imperavam na prestação desse serviço.
Historicamente falando, o abandono de crianças era marcado pelo
imediato acolhimento por parte de famílias substitutas, o mesmo autor afirma que as
instituições deixavam as crianças desamparadas, nessa perspectiva ele nos diz:
Vendo o fenômeno do abandono de crianças na perspectiva histórica ampla, abrangente, podemos afirmar, sem incorrer em grandes erros, que a maioria das crianças que os pais abandonaram não foram assistidas por instituições especializadas. Elas foram colhidas por famílias substitutas. No entanto, bem entrado neste século, último deste milênio, os chamados até bem recentemente “filhos de criação” não tinham seus direitos garantidos por lei (FREITAS, 2003, p. 55).
Diante da falta de uma história da infância e seu registro historiográfico
tardio, o adulto passou a desconsiderar a criança na sua perspectiva histórica.
Recentemente é que se rompe com a rigidez na investigação tradicional e assim
passou-se a abordar temas vinculados à puerícia7 (ARIÈS, 1973 apud
NASCIMENTO et al., 2008).
De acordo com Ariès, logo depois que a criança começa a falar costuma-
se ensiná-la o seu nome, o dos pais e sua idade. Torna-se importante a criança não
se esquecer do que foi aprendido, pois futuramente esses dados serão usados quer
em uma ficha de hotel ou em outro formulário (ARIÈS, 1981).
6 Representar a imagem de. Disponível em: <http://www.dicio.com.br/efigies/>. Acesso em:15 maio 2014.
7 Trata-se do período da vida entre o nascimento e a adolescência. Disponível em:
<http://www.dicio.com.br/puericia/>. Acesso em: 15 maio 2014.
22
“Tendo em mente que a infância não é uma fase biológica da vida, mas
uma construção cultural e histórica, compreende-se que as abstrações numéricas
não podem dar conta de sua variabilidade” (FREITAS, 2003, p.21).
Segundo Adatto, na sociedade contemporânea constata-se a separação
por faixa etária. “Crianças, adolescentes, adultos jovens e adultos velhos ocupam
áreas reservadas, como creches, escolas, oficinas, escritórios, asilos, locais de
lazer, etc” (1998 apud Nascimento et al., 2008, p. 9).
Adatto fala ainda sobre as críticas que a família vem sofrendo nos últimos
anos em relação ao seu papel de formadora na vida dos filhos: “Principalmente as
dificuldades da relação entre pais e filhos têm se caracterizado como o mais
emblemático tipo de conflito de gerações” (1998 apud Nascimento et al., 2008, p. 9).
Os brasileiros viviam um momento de mudanças na história do país,
destacou-se uma instituição chamada A Roda de Expostos, a qual praticava
assistência caritativa pelo fato de ser composta de missionárias. As crianças que lá
eram entregues rapidamente eram batizadas, pois essa era uma das preocupações
da instituição (FREITAS, 2003).
Sobre os direitos constitucionais das crianças e adolescentes: [...] têm
direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo
de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos
na Constituição e nas leis (BRASIL, 1990, p. 19).
Através da escolarização das crianças, o conceito de infância passa a
sofrer lentas alterações, ou seja, a partir de uma pedagogia voltada para elas é que
se começa a falar em construção social da infância (CORSARO, 2003 apud
NASCIMENTO et al., 2008) “. Nesse sentido, [...] a criança constrói e apropria-se do
conhecimento desde o momento em que entra em contato com o mundo, com as
pessoas e as coisas, isto é, desde o seu nascimento [...]” (SAYÃO, 2010, p. 119). A
fase infantil é tida como a mais delicada de se construir, momento em que se
definirão as relações para a mesma, seus significados e possivelmente será o que a
criança continuará desenvolvendo nos seus anos de vida subsequentes.
23
1.2 O Papel da Família na Consolidação da Infância
O nascimento e desenvolvimento da família ocorreram entre os séculos
XV até XVIII. Ariès afirma que até o século XVIII ainda não havia sido destruída a
construção social de família, nesse período era restringida para as classes ricas,
após, ampliou-se a todas as outras camadas da sociedade. A família
contemporânea não possui a mesma realidade dessa época, pois ela era confundida
com patrimônio e reputação (ARIÈS, 1981).
Até o século XVII a iconografia8 da família tornou-se muito rica, esse tipo
de trabalho prezava por expor a vida familiar fora de casa, pública, corresponde a
representar a realidade na sua maneira mais pura e original, pois nessa época os
acontecimentos (mortes, adoecimentos, aniversários, casamentos e outros) eram
vividos de forma pública. Nesta época, a sociedade exercia um grande domínio
sobre a intimidade da família (ARIÈS, 1981).
Conforme Carvalho e Almeida (2003), aspectos culturais, políticos e
ideológicos continuam fortemente influenciando na estrutura familiar, a exemplo
disso, temos o feminismo que a cada dia ganha mais força no Ocidente. Contudo,
estes não são únicos, os fenômenos econômicos e sociais também afetam a nova
face da família, mas que o processo de renovação desta não pode ser reduzido
apenas a esses fatores.
Atualmente a família brasileira vive uma nova conjuntura social, a
inserção da mulher no mercado de trabalho tem tornado-a uma figura de referência.
As famílias mais pobres passam a contar com mais um membro provendo o
sustento, o que acaba ocasionando uma rede de influências culturais e sociais, a
exclusão enfraquece as relações sociais, deixando em segundo plano os direitos da
sociedade (BERNARDI, 2010).
Carvalho e Almeida afirmam que a família possui um papel fundamental
na construção social das crianças, eles a consideram como parte das instituições
responsáveis pelo desenvolvimento nessa primeira etapa da vida, a qual, segundo
eles, é “constituída com base nas relações de parentesco cultural e historicamente
determinadas, a família inclui-se entre as instituições sociais básicas” (2003, p. 109).
8 Iconografia vem da união dos termos gregos eikon (imagem) e graphia (escrita), ou seja, escrita da
imagem, incorpora imagens na representação de determinado tema. Disponível em: <http://www.infoescola.com/artes/iconografia/>. Acesso em: 12 maio 2014.
24
Bernardi defende que a proteção social da criança e do adolescente deve
ser ampliada a suas famílias, pois é necessário trabalhar o problema não apenas de
maneira pontual, mas também das ligações que ele possui, considerando que a “[...]
garantia dos direitos e a universalização do acesso a políticas públicas e programas
sociais devem articular a proteção social das crianças e dos adolescentes às
políticas de apoio às suas famílias” (BERNARDI, 2010, p. 38).
A família exerce grande influência na constituição do indivíduo, como
também em fatores relacionadas à sua segurança e desenvolvimento dentro da
sociedade, a respeito disso, Carvalho e Almeida nos dizem:
A família é apontada como elemento-chave não apenas para a “sobrevivência” dos indivíduos, mas também para a proteção e a socialização de seus componentes, transmissão do capital cultural, do capital econômico e da propriedade do grupo, bem como das relações de gênero e de solidariedade entre gerações (CARVALHO e ALMEIDA, 2003, p. 109).
De acordo com a Fundação ABRINQ pelos Direitos da Criança e do
Adolescente: “A família pode necessitar de cuidados especiais para realizar sua
função social” (ABRINQ, 1997, p.16). Cabendo ao Estado criar alternativas que
efetivem esse direito, haja vista que este, por longos períodos, omitiu-se da sua
função e permitiu que brechas se abrissem cerceando os serviços básicos para a
sociedade.
A sociedade brasileira torna-se responsável pela fragilização dos vínculos
familiares à medida que fatores históricos e estruturais influem no contexto deste
relacionamento doméstico. Verifica-se também a influência ocasionada pela
dinâmica familiar, só que esta é de forma mais acentuada (BERNARDI, 2010).
As famílias socialmente pobres e as que sofrem com a violência
doméstica por parte de seus membros carecem de alternativas para amenizar esses
problemas, para que articulem a participação comunitária e institucional. Desse
modo, aconselha-se criar uma comissão para atuar na questão da família e, assim,
agilizar as ações da sociedade civil e dos conselhos de direitos e de segmentos
nessa causa (ABRINQ, 1997).
Silvério (2011) fala sobre a via de mão dupla que acontece entre a
entidade familiar e o Estado, o fortalecimento de um torna-se o do outro, da mesma
maneira com o enfraquecimento:
25
Pode-se notar que desde os tempos primordiais até os nossos dias, toda vez que houve o fortalecimento das entidades familiares, os Estados se fortaleceram; e, em sentido oposto, quando se deu o enfraquecimento das mesmas, houve o declínio, ou seja, à ruptura dos valores morais e éticos que permeiam a sociedade (SILVÉRIO, 2011, p. 48-49).
Esgotados os inúmeros estudos no Brasil, foi necessário buscar fora o
que as produções internas não mais contemplavam a contento. Nessa procura,
passou-se a desconstruir sobre o tradicional modelo nuclear de família, mudanças
na estrutura familiar eram notadas e não consideradas como um processo novo
(SEGALEN e BURKE apud CARVALHO e ALMEIDA, 2003).
Ainda em estudos nessa área constatou-se que as baixas remunerações
afetaram desfavoravelmente esses modelos de família, fase em que passou a
predominar a lógica de solidariedade, ou seja, sem grandes recursos financeiros e
por vezes muitos indivíduos em um mesmo domicílio favoreceu a desestruturação
familiar, as pessoas passam a sobreviver em mínimas condições de qualidade,
contudo, os serviços públicos passam a ser mais utilizados nessa realidade social
(CARVALHO e ALMEIDA, 2003).
Diante de alarmantes índices de pobreza dos brasileiros, a Lei Orgânica
da Assistência Social (LOAS) n.º 8742 em dezembro de 1993 prioriza o núcleo
familiar colocando-o como o principal objetivo da assistência social, estas famílias
em quase sua totalidade dependem da seguridade social para desempenhar seus
papéis (ABRINQ, 1997).
A precarização da vida humana tem sido tarefa quase impossível de
reverter, sem condições dignas de saúde, alimento, moradia, trabalho e outros, a
função de criar e educar as crianças são batalhas travadas todos os dias por cada
pai e mãe. Por inúmeras vezes esses provedores desestimulam-se por tantas
dificuldades vividas dentro e fora do domicílio, a vida digna no mundo
contemporâneo está dando lugar a frustrações e desilusões (SILVÉRIO, 2011).
Nos dias de hoje a estrutura familiar passa por uma grave crise, pais e
filhos parecem ter se tornado lados opostos em um entrave de poderes, brigas,
intrigas e a falta de responsabilidade são aspectos dos dois polos. A atitude imatura
dos pais de não mais responsabilizar-se por suas crianças tem produzido
adolescentes insensatos, rebeldes e inseguros. Aquela imagem de filhos obedientes
e pais educadores passam a se exaurir diariamente (SILVÉRIO, 2011).
26
Silvério informa que todas as pessoas ao nascerem passam a ser
membros de uma família, processo ocorrido naturalmente, e este sujeito continuará
pertencendo a este grupo por um determinado período, pois em algum momento de
sua vida sentirá a necessidade de constituir a própria família, ou seja, “[...]
estabelece entre as pessoas que formam o novo agregado familiar a base dos
Direitos Pessoais e Patrimoniais, vindo, assim, a formar o Direito de Família” (2011,
p. 48).
“[...] A família tornou-se uma sociedade fechada na qual seus membros
gostam de permanecer” (ARIÈS, 1981, p. 191). A família contemporânea parece ter
substituído as relações estabelecidas séculos anteriores, a solidão era um medo
recorrente de cada pessoa. Nesse contexto, as pessoas se uniram dentro de uma
família para se proteger da sociedade. Desse momento em diante todas as relações
existentes seriam destruídas (amigos ou clientes, chefes ou subalternos e outros)
acontecimento que seria impossível de interromper (ARIÈS, 1981).
O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) afirma sobre a função da
família em relação ao direito à convivência familiar e comunitária expressa em seu
artigo 227 da Constituição Federal:
Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos e para isso precisam ter acesso, junto com a comunidade, à formulação das políticas básicas. A pobreza não lhes retira os direitos nem os deveres. Pelo contrário, as famílias têm direito à proteção quando necessitarem (ABRINQ, 1997, p.14).
A vida familiar e profissional agora é claramente separada. Os costumes
estabelecidos ao longo de vários séculos foram se esvaindo pela necessidade dos
homens se separarem de seus semelhantes, quebra-se a relação entre amigos,
vizinhos e colegas de trabalho. A sociabilidade entre as pessoas tornou-se
incompatível (ARIÈS, 1981).
Silva et al. (2004), no que se refere ao desenvolvimento de uma criança
no seio familiar, fala que o papel afetivo é fundamental, como também os valores
éticos e culturais com que as crianças e adolescentes estão envolvidos, devendo ser
feito um acompanhamento de perto. A criança no processo de retorno à família ou
de inserção em uma família substituta requer uma observação de proximidade com
a nova realidade da criança, saber como está sendo sua adaptação à família e vice-
versa.
27
Todas as crianças pertencem a uma família e uma comunidade, elas são
sujeitos histórico-sociais, são influenciados pelo meio e também nele interferem.
Durante um longo período histórico na sociedade, as crianças foram vítimas de
violência e/ou negligência na sua casa e mesmo assim continuam afetivamente
ligados aos genitores, os profissionais que trabalham em acolhimentos devem
prezar pelo respeito aos sentimentos apresentados, não deve julgá-los e nem impeli-
los. Somente os personagens envolvidos dessa história podem alterá-la, as crianças
precisam de cuidados diários e não mais uma violação (SAYÃO, 2010).
Nos dias atuais, a concepção de família vem se modificando, o antigo
modelo nuclear proporcionou novos debates no que se refere ao direito da criança e
do adolescente à convivência familiar e comunitária. Trata-se de uma oportunidade
de construir uma nova família ou qualificar a anterior, de buscar estratégias para o
retorno da criança à sua liberdade individual, que ela possa obedecer a uma rotina
menos rigorosa e que ela conheça ou tenha novamente uma vida fora da instituição.
1.3 O Desenvolvimento Social da Criança Institucionalizada
A pobreza é um grande vilão que favorece a entrada de crianças em
instituições de acolhimento, contudo não é a única. Acontecimentos marcantes que
geram sequelas emocionais em toda família, as dificuldades aumentam e os
recursos diminuem constituem fatos repetitivos. É função do acolhimento a tarefa de
minimizar esse sofrimento, trabalhando as marcas que foram deixadas e inseri-las
em um novo contexto social, não melhor, porém saudável como se estivessem em
um lar seguro (SAYÃO, 2010).
Em uma sociedade individualista e excludente, as pessoas vivem em
competição contra elas mesmas. As camadas pobres são as mais afetadas por essa
exclusão. A cada dia é mais alarmante o número de crianças em instituições de
acolhimento, diferente de antes; agora são os mais diversos motivos que levam
crianças a estes locais, desde o abandono até negligência.
Em situação de desemprego, falta de moradia ou outros fatores
atenuantes, as famílias entendem o acolhimento como fuga para os filhos. “[...] Para
essas famílias, não se trata de abandono, e sim de uma estratégia de sobrevivência.
A expectativa da maioria é ter os filhos de volta o mais breve possível [...]” (ABRINQ,
28
1997, p. 63). Costuma-se pensar que as famílias abandonam seus filhos por não
mais os querer, é uma realidade divergente, ao mesmo tempo em que não querem
se separar deles veem na Instituição de acolhimento como uma situação provisória.
As crianças em situação de acolhimento geralmente escolhem o silêncio
ao invés da fala, a solidão em vez da companhia das outras crianças, fato este
muitas vezes reforçado pelos Educadores/Cuidadores9. Costuma-se não dá atenção
ao que as crianças têm a dizer, essa atitude reforça uma postura de isolamento
apresentada por elas. Faz-se necessário incentivar a participação na rotina da
instituição (BERNARDI, 2010).
É comum identificar casos em que a criança escolhe o isolamento no
lugar da companhia das outras crianças, desse modo, uma alternativa para evitar
isso é “[...] priorizar as políticas básicas, investindo na área do social, o que pode
significar a diminuição da necessidade do abrigo de crianças/adolescentes em
instituições” (Fundação ABRINQ, 1997, p. 68). Investir em serviços sociais e
educacionais é uma estratégia para se rebelar contra afastamento de inúmeras
crianças e adolescentes que se encontram acolhidas em curto, médio ou longo
prazo (Fundação ABRINQ, 1997).
A medida de acolhimento institucional é provisória e em casos
excepcionais, o melhor para a criança é permanecer na responsabilidade familiar,
contudo, em casos que ferem os direitos da criança, essa é a atitude a ser tomada.
Mesmo depois de retirada da família é efetuado um trabalho de reinserção,
contrariando essa medida, o Brasil é considerado um país que é diretamente
exercida a exclusão social de crianças e adolescentes (SILVA, 2004 apud
BERNARDI, 2010).
Mesmo assim, para as famílias, o acolhimento dos seus filhos é uma das
piores privações, pois é o afastamento do convívio com a família e comunidade.
Ressalta ainda para deixarmos de desresponsabilizar a comunidade e o Estado
desse problema estrutural (Fundação ABRINQ, 1997). O Estado cada vez mais
ausente de suas funções intensifica a problemática social em que essas famílias
estão inseridas, a falta de oportunidade de emprego, de moradia, de saúde tornam
mais precária as condições de vida desses sujeitos.
9 Nome atribuído a quem trabalha diretamente com as crianças na Instituição de Acolhimento.
29
Bernardi (2010) alerta que em uma sociedade sem garantia de direitos,
que as famílias são forçadas a buscar alternativas de sobrevivência para si e os
filhos, nem sempre a melhor alternativa é a que querem executar, nesse sentido,
precisamos resignificar o sentido da proteção à criança em situação de
vulnerabilidade social. Ele explica o termo acolhimento dizendo:
[...] acolhimento refere-se às experiências de cuidados prestados às crianças e aos adolescentes fora de sua casa, que, mesmo ocorrendo em caráter excepcional e temporário, podem se constituir em um espaço de proteção e de desenvolvimento (BERNARDI, 2010, p. 20).
Acolhimento institucional é uma resposta do Estado diante da violação
dos direitos cometidos pela sociedade. Este deve responsabilizar-se pela criança,
sua integridade física e emocional, como também se preparar estruturamente para
recebê-la, garantindo seu desenvolvimento, até que ela volte ao seu domicílio
(BERNARDI, 2010). Diante do inumerável aumento de crianças em situação de rua
o Estado foi obrigado a tomar providências, criando assim os antigos abrigos.
Porém, é impossível negar que o Estado responsável por esse direito é o
mesmo que brutalmente exclui os sujeitos de seu sistema. Muitas crianças estão
desprotegidas por causa desta violação, e as famílias cada dia mais estão tornando-
se incapacitadas de prover o sustento e a permanência destes em suas moradas.
Sendo protegidas em acolhimentos institucionais, afastando-as do ambiente familiar
(SILVEIRA et al., 2010).
A superlotação em acolhimentos obriga aos profissionais dividirem as
crianças por faixa etária, irmãos se separam nesse processo, isso traz enormes
prejuízos a eles, é a quebra dos vínculos preestabelecidos entre as partes. A união
dos irmãos é extremamente importante para um bom desenvolvimento infantil.
Frequentemente, nas instituições, por causa da superlotação efetua-se um
atendimento massificado, descaracterizando o atendimento individual que é uma
atividade indispensável (Fundação ABRINQ, 1997).
A entrada em uma instituição de acolhimento é uma incógnita para a
mente infantil. Quando acolhida, a criança vive os desafios de se adaptar à
instituição, aos trabalhadores e as outras crianças. Breve chega a fase das
perguntas (Por que estou aqui? Onde estão meus pais? Quando vou para minha
casa?) e para amenizar essa curiosidade são passadas informações parciais sobre
sua história (BERNARDI, 2010).
30
A mesma autora chama atenção que educar e cuidar são indissociáveis,
sendo necessário qualificar o serviço e os profissionais para melhor atender as
crianças acolhidas, complementada na citação a seguir:
A definição dessa situação nem sempre é conhecida ou previsível por parte dos profissionais que trabalham no abrigo, pois depende, entre outros fatores, da análise sociojurídica do Sistema de Justiça, das questões familiares e do contexto de vida da comunidade a que pertencem essas famílias (SAYÃO, 2010, p. 117).
Tratando-se dos deveres da unidade de acolhimento, Sayão explica: “É
por isso que a função educativa do abrigo tem fundamental importância, pois
durante o abrigamento de uma criança ou um adolescente já está em curso o
processo de sua constituição enquanto sujeito” (SAYÃO, 2010, p. 119). A autora
ressalta por ser uma fase de grande delicadeza na qual estão se formando
características físicas e emocionais que o indivíduo carregará pela vida.
Verifica-se que em situação de acolhimento modifica a relação existente
entre as crianças e seus familiares. O rápido horário de visita impede uma maior
interação entre os dois, por vezes torna-se um tratamento aligeirado e brusco, sem
contar a localização, algumas famílias moram a muitos quilômetros de distância
dificultando a visita aos filhos. Atitudes desse tipo também podem ser consideradas
como abandono por parte da família, atrasando a volta das crianças ao lar (ABRINQ,
1997).
“[...] crianças pequenas costumam expressar por meio da fragilidade
física e de repetidos adoecimentos seu sofrimento em função da separação de
familiares, cuidadores ou pessoas queridas [...]” (SAYÃO, 2010, p. 121). Por
exemplo, em uma brusca separação da família é notório o sofrimento da criança, a
tristeza impede de a criança alimentar-se e com isso vai enfraquecendo até adoecer.
A forma com que a criança é recebida na instituição é muito importante,
ela define um bom ou mau envolvimento entre ambos, afetando o desenvolvimento
dela. Deste modo, é preciso caminhar em passos infantis, ou seja, respeitar o tempo
e o espaço de adaptação à nova realidade por ela encontrada, buscar uma
aproximação pode não ser um passo fácil e rápido, mas deve ser encarado como
mais um desafio a ser vencido (SAYÃO, 2010).
Não existido mais maneiras de a criança permanecer no seu lar de origem
ou na ampliada, uma família substituta é a melhor alternativa para a garantia desse
31
direito, afinal uma criança que permanece anos da sua vida em uma instituição de
acolhimento deixa de evoluir conforme as que estão inseridas em uma família, ou
seja, perde-se a referência familiar e comunitária.
32
2 CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA
Segundo Rizzini (2011) ao longo de muitos anos as crianças eram
tratadas das piores formas existentes, em situação de desobediência ou mesmo de
atitudes que comprometessem a moral da sociedade, eram aplicadas punições no
intuito de corrigir as más posturas. Séculos depois, essas medidas davam lugar a
pensamentos modernos, agora as crianças eram vistas como seres protegidos e
portadores de direitos. Surgem as legislações específicas para crianças e
adolescentes, normatizando as ações relacionas com elas.
De acordo com Vogel (2011), após o avanço na regulamentação sobre a
infância e adolescência são criadas instituições de proteção para acompanhar,
fiscalizar e atuar ativamente na vida destes seres, o que foi vista com cautela, pois
estas organizações também passaram a interferir na vida familiar. Alguns estudos
evidenciaram que o processo de marginalização infanto-juvenil não era causado
apenas por seus principais componentes, mas também por causa da sociedade e do
Estado, devendo estes minimizar os efeitos existentes.
2.1 Histórico dos Direitos da Criança no Brasil
“O interesse jurídico relativo aos menores de idade aparece restrito às
discussões em torno da primeira Lei penal do império – O Código Criminal de 1830”
(RIZZINI, 2011, p. 99). Esse código foi criado para extinguir as ações do Reino de
Portugal, estas eram consideradas como desumanas pelo seu teor de crueldade e
por não serem distinguidos das praticadas com os adultos (Rizzini, 2011).
Conforme Rizzini (2011), na citada lei, a responsabilidade para quem
cometesse crimes foi diminuída para 14 anos de idade e, em caso de ser inferior a
essa idade, a pessoa era recolhida para as casas de correção, permanecendo lá até
seus dezessete anos. Em torno de vinte anos depois, surgiram alguns esboços para
regulamentá-las, idealizava-se criar um local que fosse separado por alas, de um
lado ficariam crianças e adultos condenados a trabalhar na prisão e de outro as
pessoas condenadas à divisão criminal.
Na sociedade brasileira, os menores possuíam seu lugar claramente
delimitado, essa ação ocorria mediante a posição social que as famílias destes
ocupavam na sociedade. Os filhos dos fazendeiros eram tratados com todos os
33
privilégios da época, de modo que os filhos dos escravos eram brinquedos nas mãos
dos pequenos senhores (LOPES e FERREIRA, 2010).
Rizzini (2011) informa que a Lei de n.º 1871 trouxe novas extensões para
a sociedade brasileira. A partir dela modificou-se a percepção das pessoas em
relação às crianças, como, por exemplo, o caminho para a abolição da escravatura.
As crianças agora seriam de responsabilidade do governo. Esses acontecimentos
impulsionaram uma maior rigidez na legislação, pois até o presente momento “ricos
e pobres, senhores e escravos, ocupavam funções sociais legalmente delimitadas”
(RIZZINI, 2011, p.104).
Conforme Lopes e Ferreira (2010), a Revolução Industrial foi o evento que
marcou o uso do trabalho infantil no Brasil. A mão de obra barata era o atrativo para
os empregadores, em contrapartida, a situação de pobreza e a garantia da
sobrevivência eram os estímulos para a família incentivar a entrada de crianças
cada vez mais novas no trabalho. De certo modo, ainda há resquícios do período da
escravidão no qual a criança era um alguém sem direitos.
Embora possam parecer complexas, as representações de infância e de cuidado fazem parte de nosso cotidiano, ora nos movendo para ações de manutenção da cultura adultocêntrica, ora inspirando práticas transformadoras que permitam à infância uma participação social compatível com sua capacidade de compreensão e expressão de sentimentos e ideias, de comunicação de experiências e de opiniões (BERNARDI, 2010, p.16).
Segundo Rizzini (2011), o século XX foi um período que marcou a história
da infância. Depois de um longo período de medidas corretivas para os menores,
sem diferenciar-lhes dos adultos, inicia-se um novo começo para a legislação
infantil, ganham-se novas feições, agora a prioridade é protegê-las através de uma
nova rede de medidas jurídico-sociais.
Rizzini (2010) adverte que a utilização do termo ‘menor’ se deu da
seguinte maneira: [...] O termo “menor”, para designar a criança abandonada,
desvalida, delinquente, viciosa, entre outras, foi naturalmente incorporado na
linguagem, para além do círculo jurídico (RIZZINI, 2011, p. 113).
Esse momento que sucede a escravidão, a decadência do café e o
processo de industrialização no Brasil, ocasionou um processo de urbanização
incontrolável. Aumentavam as dificuldades econômicas, iniciavam os problemas de
34
adaptação dos imigrantes europeus e o crescimento de crianças em situação de
abandono (HINTZE, 2007).
De acordo com Rizzini (2011), a legislação se preocupava com as
crianças que viviam em situação de pobreza por representarem o futuro do país, se
elas viviam em más condições, a perspectiva para o futuro era a vida na
criminalidade (roubos, vadiagens, prostituições e outros). Desse modo, foram
decretadas as medidas direcionadas à infância, como a criação de instituições para
efetivar a proteção dessas crianças.
Rizzini (2011) nos informa que no ano de 1890 foi promulgado o novo
Código Penal no Brasil, considerado um marco histórico para os primeiros anos de
República. Em 1906, a iniciativa de Alcindo Guanabara e Mello Matos, então
responsáveis pela elaboração do projeto de lei regularizando a situação da infância,
aparece como a primeira ação que deu origem ao Código de Menores. Vale
ressaltar que tal conquista durou vinte anos para que chegasse a seu final, sua
consolidação propriamente dita.
O projeto também detalha sobre a destituição e restituição do poder
familiar, considerando desde algum crime cometido por um ou pelos pais até
negligência com a saúde ou a moral dos filhos. Agora se vê uma entrada no âmbito
da família, antes restrita, mudança na terminologia empregada para as pessoas
responsáveis pela criança (antes: tutor; agora: relações familiares) (Rizzini, 2011).
Segundo Hintze (2007), o Código de Menores proporcionou um novo
olhar sob a responsabilidade do Estado para com as crianças e os adolescentes, ele
assumiu a assistência de acordo com a Santa Casa de Misericórdia que efetuava
um papel filantrópico com estes abandonados.
Rizzini (2011) informa que lentamente a legislação especial para os
menores começaram a evoluir, cerca de vinte anos, tal demora segue duas linhas de
hipóteses: a primeira ressalta que esta regulamentação não estava entre uma das
prioridades do governo; a segunda refere-se à guerra mundial ocorrida no período,
foi um forte fator que desviou a atenção na construção da assistência à infância.
Ainda de acordo com Rizzini (2011), após o término da guerra a temática
ressurge com toda força. Em Buenos Aires, no ano de 1916, é realizado o primeiro
Congresso Americano da Criança, trata-se da primeira reunião entre os países
americanos, os encontros passaram a obedecer a certa periodicidade, e os
35
Congressos foram estabelecidos de quatro em quatro anos, com isso ganharam
novos aliados nesses debates (RIZZINI, 2011).
Rizzini (2011) alerta, entre os anos de 1923 e 1927 foi o momento mais
vantajoso para as Leis voltadas à infância, viram-se os delineamentos que os
capítulos, artigos e incisos tomaram. O decreto n.º 16.273 lançado no ano de 1923
aborda a reorganização da Justiça no Distrito Federal, e o decreto n.º 16.300
designa que a higiene infantil deve fazer parte do Departamento Nacional da Saúde
Pública.
O uso de procedimentos e técnicas por profissionais da rede de atendimento parte de um ponto comum: a compreensão de que cada caso é um caso e de que cada criança e adolescente deve ser conhecido em sua especificidade de pessoa em desenvolvimento (BERNARDI, 2010, p.17).
No ano de 1927, foi promulgado o Código de Menores, a partir dele
ocorre a regulamentação do trabalho infantil, das situações irregulares de menores,
dos abandonos de crianças em instituições, de delinquência e concede ao juiz total
comando sobre a sua vida e suas ações (LOPES e FERREIRA, 2010).
Rizzini (2011) ressalta que o Decreto n.º 17.943 de 12 de outubro de 1927
se tornou uma das maiores contribuições para o Código de 1927 com a
regulamentação sobre o trabalho infanto-juvenil, contido na introdução do capítulo
IX. Ela afirma que pouco se discutia sobre a temática antes da promulgação da Lei,
porém existia uma importância mesmo que não presente nos projetos anteriores.
As medidas tomadas para controlar a ordem da sociedade caminhavam
no sentido de extinguir dela os desordeiros, pois estes não contribuíam com o
desenvolvimento do país. Nesse período, comandados pela Justiça e Assistência,
efetuavam um trabalho de saneamento acreditava ser o caminho para alcançar o
Brasil almejado, motivo do interesse em zelar pela infância (RIZZINI, 2011).
No período do Estado Novo, em 1942, o Serviço de Assistência ao Menor
(SAM) foi criado como um órgão do Ministério da Justiça, tendo sua atuação através
de medidas penitenciárias para a correção dos menores, posteriormente, no ano de
1960, a instituição acima citada foi repudiada pelas pessoas mais politizadas da
sociedade (LOPES e FERREIRA, 2010).
Segundo Vogel (2011) a promulgação da Lei de n.º 4.513, em dezembro
de 1964, extinguiu o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), rotulada de escola do
36
crime. A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) veio a substituí-lo,
junto com ele alterar radicalmente as antigas práticas e estruturas tão duramente
criticadas ao regime anterior.
As formas de acolhimento institucional ou familiar são medidas de proteção excepcionais e provisórias. A reinserção da criança e do adolescente em sua família e na comunidade de origem é a meta prioritária. No entanto, em nosso país, os indicadores sociais mostram que as crianças e os adolescentes são a parcela mais exposta às consequências nefastas da exclusão social (SILVA, 2004 apud BERNARDI, 2010, p.19).
A FUNABEM foi criada para ser uma entidade independente tanto no
campo financeiro quanto administrativo, pretendia afastar a burocratização e
corrupção tão vigente no SAM e formular uma Política de Nacional de Bem-Estar do
Menor (PNBEM) propondo soluções, acompanhamento e fiscalização desta
instituição, ela alcançou legitimidade em âmbito nacional (VOGEL, 2011).
Conforme Vogel (2011), na segunda metade da década de 1960, o Brasil
vivenciou alterações relacionadas aos menores, nesse momento as questões
migravam de policialesca para tornarem-se caso de política. Mudanças sociais
ocorriam rapidamente, e o processo de urbanização se fortificava dia após dia, as
pessoas estavam em busca de melhores condições de vida.
De acordo com as autoras Lopes e Ferreira (2010), no período da
Ditadura Militar, foi promulgada a Constituição Federal de 1967, a criação da
Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), em 1964, e o novo Código
de Menores, em 1979, os três considerados avanços para o período.
Vogel (2011) informa que, nesse momento, ocorria um processo de
marginalização das crianças e adolescentes, vivia-se uma realidade conflituosa. “[...]
De acordo com Censo de 1970, em uma população global de 93.292.100 habitantes,
contavam-se 49.378.200 com idade entre 0-19 anos (52,93%) [...]” (VOGEL, 2011, p.
292). Cerca de um terço dessa população vivia socialmente marginalizada.
A partir daí se discutia sobre a medida de internamento das crianças por
se tratar de uma prática negativa para a conservação da família, pois afastava seus
membros e tornava responsabilidade do Estado algo que lhe incumbe cuidar, desta
maneira o Estado passou a abarcar uma grande quantidade de contingente infanto-
juvenil em instituições (VOGEL, 2011).
37
Bernardi (2010) nos alerta para a violação do direito a convivência familiar
e comunitária:
Parece improvável, diante deste quadro social, conjugarmos a garantia de direitos fundamentais de cidadania, agregando à infância e à adolescência espaços de expressão de suas próprias experiências de vida, quando estas são marcadas pela violação de todos os direitos fundamentais, entre eles o da convivência familiar e comunitária (BERNARDI, 2010, p. 19).
A transição da década de 60 para 70 foi marcada por um período de forte
repressão por se tratar da ditadura militar, no auge dos seus acontecimentos
inúmeras crianças desapareciam e seus direitos foram cerceados. Até que em 1979
surge o novo Código de Menores rompendo com a visão de o que menor precisaria
ser ajustado (RIZZINI, 2011).
Vogel (2011) sinaliza que, no ano de 1973, de 9 a 12 de outubro, ocorre
o III Encontro Nacional de Secretários Estaduais, presidentes de fundações
estaduais e diretores de Serviços de Menores na cidade de Porto Alegre. Neste
encontro, destaca-se um documento por ser de extrema significância:
Desenvolvimento Desordenado: Origem de Problemas – Alfredo Buzaid (grifo
nosso).
Ainda sobre o documento anteriormente mencionado, destacam-se
alguns pontos principais. Por exemplo, o primeiro que discorria sobre a segurança e
o desenvolvimento nacional; o segundo que trabalhava o uso da prevenção da
crescente marginalização infanto-juvenil e o terceiro tratava da proteção da família,
por ser a base da sociedade (VOGEL, 2011).
As diretrizes estabelecidas pela FUNABEM se contrapuseram aos
métodos aplicados pelo SAM, pois este não priorizava a família e nem assegurava a
integração das crianças e dos adolescentes com a comunidade. A Fundação
Nacional do Bem-Estar do Menor ao contrário respeitava as particularidades de cada
região (HINTZE, 2007).
Vogel (2011) informa que as conquistas da FUNABEM pareciam não
estar mais surtindo efeito, à medida que o tempo passava a marginalização crescia,
diminuía a segurança nacional, e os índices de criminalidade já assustavam. Foi
instaurada a CPI do Menor, criada para buscar as causas deste aumento e criar
soluções para esses problemas, nesse estudo, constataram que os efeitos da
marginalização estavam cada vez mais devastadores.
38
Nesse sentido, o Sistema de Proteção ao Menor era impelido a criar um
Ministério Extraordinário que fosse capaz de coordenar toda a estrutura envolvida e
o Fundo Nacional de Proteção ao Menor o apoiava financeiramente. Entretanto, tal
ministério não se consolidou, e a FUNABEM permaneceu nos moldes da reforma de
1974 (VOGEL, 2011).
De acordo com as autoras Lopes e Ferreira (2010), o ano de 1988 foi um
marco para os brasileiros, pois acontece à promulgação da Constituição Federal de
1988, popularmente chamada de Constituição Cidadã, ela instituiu os interesses dos
menores como primordial, da proteção e cooperação, das boas condições de
desenvolvimento dessas pessoas entre outras questões.
Assim, entendemos que acolhimento institucional é uma das respostas de proteção do Estado a situações específicas de violação de direitos, quando esgotadas as possibilidades de resolução no ambiente familiar e comunitário da criança e do adolescente em questão. (BERNARDI, 2010, p. 20)
Lopes e Ferreira (2010) sinalizam sobre os delineamentos nos anos
seguintes, mais precisamente em 1990, por meio dos quais os direitos das crianças
e dos adolescentes se efetivaram através do Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei 8.069/90), instrumento construído para garantir o bom desenvolvimento dos
menores, tendo em vista que cada um possui suas especificidades.
2.2 Os Direitos da Criança dentro da Unidade de Acolhimento na Contemporaneidade
A partir dos anos 80 é a década em que começam as inúmeras
transformações no campo das políticas de atendimento à criança e ao adolescente.
Entre os anos de 1980 a 1982 o Plano de Integração do Menor e a FUNABEM
entram em falência e se desfazem os seus antigos métodos de reprodução de
atenção exclusiva ao menor (VOGEL, 2011).
Conforme Siqueira (2012), o afastamento da família provocava nas
crianças abandonadas um comportamento de transgressão da lei, deste modo,
ingressavam em entidades especializadas no trabalho com estes infratores, eram
chamadas de instituições totais, efetuava um atendimento coletivizado e com poucas
chances de retorno à família.
39
Essas instituições possuíam muitas regras para controlar o funcionamento
e a conduta de seus internos, existia muita violência dentro do local, as crianças e os
adolescentes compartilhavam roupas e objetos pessoais, ou seja, não existia
individualidade, e os atendimentos eram regidamente executados no interior das
Instituições Totais (SIQUEIRA, 2012).
Segundo Vogel (2011), em um segundo momento entre os anos de 1982
a 1984, foi um período totalmente destinado à aprendizagem de processos para
identificar, registrar e divulgar as experiências com ganhos positivos relacionadas
aos meninos e meninas em situação de rua nas cidades. Assim, uma série de
encontros ia acontecendo e aperfeiçoando as ações, aconteciam também
seminários e estágios de abrangência nacional.
Ainda no mesmo ano, em 1984, estava se abrindo o caminho para a
democracia, dentro da FUNABEM começam a surgir novas tendências e críticas ao
modelo implementado. O ambiente se tornou favorável para sucessivas revisões dos
métodos e propiciou um ambiente para mudanças, ou seja, uma tentativa de
readaptação aos tempos que estavam chegando (VOGEL, 2011).
Conforme Perez e Passone (2010) esse momento da história demonstrou
o quanto a infância era tratada como um dispositivo jurídico, ou seja, do início da
república quando a criança era uma pessoa em tutela até o final do século XX, o
qual passou a obter direitos legais. Com tal evolução se fez necessário modificar os
antigos escritos, criando um novo caráter no atendimento à infância brasileira.
Continua Vogel (2011) afirmando que o novo quadro da sociedade
pressionava a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor para modificar a sua
política, os índices de exclusão social dessa determinada população não haviam
diminuído; de modo contrário, os problemas envolvendo FUNABEM estavam cada
dia mais acentuados, sendo necessário:
Uma política Nacional do Bem-Estar do Menor – entendido o menor como a criança e o adolescente atingido pelo processo de marginalização social – só é concebível em conjunto com uma Política de Bem-Estar Social, em que criança, adolescente, jovem, adulto e ancião sejam eficientemente atendidos em suas necessidades básicas no contexto da família e da comunidade (FUNABEM, 1984 apud VOGEL, 2011, p. 311).
A FUNABEM colocava como extrema necessidade debater sobre as
disfunções geradas no atendimento básico e as falhas na reconhecidas organização
40
de convívio social. Julgava primordial “[...] a descentralização e a ação articulada
dos diversos organismos e setores comprometidos com a assistência ao menor”
(VOGEL, 2011, p. 312). Pela primeira vez, estava falando de atendimento a crianças
e adolescentes reconhecidamente como um direito (VOGEL, 2011).
A década vivia uma extensa organização da sociedade para se contrapor
a ditadura, a conquista da liberdade civil e democrática foi primordial para o passo
seguinte: a redemocratização do Brasil (PEREZ e PASSONE, 2010).
Vogel (2011) sinaliza que os anos de 1984 a 1986 foram marcados pelo
acumulo de forças. Em 1985, concretiza-se uma nova identidade política, a qual se
distinguira por militar pelas crianças e adolescentes, instituída pelo Código de 1979,
seu ponto inicial foi o I Encontro Nacional de Meninas e Meninos de Rua, realizado
em Brasília, no mês de maio.
Revela Vogel (2011) que, em 1986, sob um olhar diferenciado, a
FUNABEM patrocina um novo projeto, chamado de o Projeto Diagnóstico Integrado
para Uma Nova Política do Bem-Estar do Menor, sendo ele pensado para modificar
as antigas ações e desenvolver novos caminhos se tratando do trabalho com o
atendimento a menores (VOGEL, 2011).
Segundo Vogel (2011), esse novo modelo é autoritário, pois só privilegia a
família tida como bem estruturada; perverso, pois as obrigações de redistribuição
eram vistas como necessidades estratégicas; e irrelevante, pois só reconhece a
institucionalização como meio para sanar o caminho da criminalidade que o menor
havia se inserido.
Outro grande problema era a falta de articulação entre os organismos no
atendimento a crianças e adolescentes. A organização era fragmentada, desse
modo, não se alcançava um atendimento universal nem a construção de uma
cidadania (VOGEL, 2011).
Por fim, o terceiro problema era o da interrupção das políticas e
programas. As mudanças de governo afetavam diretamente a política local e as
instituições eram usadas como forma de clientelismo: apadrinhando pessoas ligadas
à fundação ou fazendo concessão funções e/ou remunerações nada condizentes
para quem as ocupavam (VOGEL, 2011).
Paralelamente a esse processo, o período se caracterizou pela reforma
administrativa do Estado “[...] que envolveu a descentralização e a municipalização
41
de políticas públicas e, também, a institucionalização do controle social [...]” (PEREZ
e PASSONE, 2010, p. 665).
Com a abertura democrática, as reiteradas denúncias sobre a violência institucional, que grassava impune nos internatos evidenciaram o fracasso do trabalho federal, tanto nos estados, quanto no Rio de Janeiro (e em Minas Gerais), isto é, no complexo central, a partir de onde se implementara a PNBEM. (VOGEL, 2011, p. 314)
Conforme Vogel (2011), a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
levou em consideração as duras críticas e os percalços no caminho da política
implementada, construía-se um documento nomeado de Compromisso Político de
Diretrizes Técnicas (de 1987 a 1989), o órgão não era visto como atuante em âmbito
nacional, e sim que privilegiava o estado do Rio de Janeiro, no qual os gastos eram
comprovadamente altíssimos.
Ressalta Vogel (2011) que diante dos inúmeros equívocos gerados pela
FUNABEM só lhe restava uma opção: “[...] Tinha de (re)converter-se, assumindo sua
condição de órgão normativo da PNBEM e fomentador de suas ações” (VOGEL,
2011, p. 317). Agora o projeto de emancipação nacional era convertido no resgate à
dívida acumulada pelo setor social.
Nesse contexto de grandes riscos, a criança ainda tinha de ser entendida
como uma vítima quer de exploração, das drogas, quer de outras coisas, mesmo
tendo cometido crimes, o Estado tem sua responsabilidade na inserção destas na
marginalização. Assim as mudanças também devem partir também dele, e não
apenas das crianças que estão em situação frágil, por vezes sem oportunidade de
saída (VOGEL, 2011).
Em um momento de mudanças decorrente das lutas dos movimentos
sociais, a Assembleia Constituinte cria, em 1987, a Comissão Nacional Criança
Constituinte e, em 1988, redefiniu os artigos 227, 228 e 229 da Constituição Federal
a qual mudou a visão sobre a criança na sociedade, reconhecendo-a como um ser
de direitos merecedor de proteção integral (PEREZ e PASSONE, 2010).
Em 1987, a FUNABEM comemorava o seu 234º aniversário, porém,
apenas dois anos após a organização foi extinta, sendo substituída pelo Centro
Brasileiro para a Infância e Adolescência (CBIA), tendo por missão apoiar o país e a
consolidação do Estatuto, negar as ações das irmãs siamesas (FUNABEM e
PNBEM) nos campos legal e institucional e o seu atendimento (VOGEL, 2011).
42
Para romper com esse padrão, Siqueira (2012) explica que é criado o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, ele propôs uma alteração na
rotina das instituições e buscou alterar o funcionamento das medidas protetivas
relacionadas à infância e adolescência.
Finalizando essa década, do ano de 1988 até 1990 o processo iniciado
alcançou seu objetivo. Começando pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), Lei de n.º 8069/90, instituído na Constituição Federal brasileira expressa em
seu artigo 227. O movimento conquistou entidades não governamentais,
representantes das políticas públicas, a vanguarda do setor jurídico e setores do
empresariado sensibilizado com o movimento (VOGEL, 2011).
Essa vitória resultou na consagração da “doutrina da proteção integral”. Com a “doutrina da situação irregular”, entretanto, caiu a Política Nacional de Bem-Estar do Menor, e esta arrastou consigo a sua, como diz Gomes da Costa, “irmã siamesa” – a FUNABEM. (VOGEL, 2011, p. 310 grifos do autor)
Siqueira (2012) explica que, nesse contexto do ECA, as crianças e os
adolescentes mudaram de pessoas em tutela para sujeitos com direitos. Contudo
escritos afirmam que essa conquista é resultado de um movimento de parte da
sociedade civil, assim a ideia desenvolvida não era homogênea na época da
promulgação.
De acordo com Siqueira (2012), o estatuto prevê medidas em caso de
violação ou simples suspeita de cerceamento dos direitos lá previstos. O
acolhimento institucional é vista como a sétima opção de medida de proteção, sendo
necessário efetuar um trabalho de ressocialização das crianças com suas famílias.
Sobre as medidas anteriormente mencionadas, Siqueira (2012) nos
informa que são:
I) encaminhamento aos pais ou responsáveis, mediante termo de responsabilidade; II) orientação, apoio e acompanhamento temporários; III) matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV) inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente, V) requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI) inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII) abrigo em entidade e VIII) colocação em família substituta” (BRASIL, 1990, apud SIQUEIRA 2012, p. 439).
43
De acordo com as palavras de Silveira (2009, p. 3) sobre o ECA, o autor
fala que este dispositivo legal “[...] preconiza a revisão de prioridade políticas e de
investimento, assegurando o gerenciamento das políticas de forma democrática,
alinhadas as necessidades sociais pertinentes à população infanto-juvenil” e cria
mecanismos para viabilizá-los, são eles: Conselhos de Direitos, Conselhos Tutelares
e os Fundos, todos em atendimento para as crianças e os adolescentes.
Conforme Siqueira (2012), o estatuto priorizando a convivência familiar e
comunitária determinou a finalização do isolamento em instituições. Foi
recomendado o atendimento dos internos em postos de saúde da comunidade,
estudar na escola do bairro e outras medidas que minimizaram os efeitos decorridos
da institucionalização, essa atitude provocou uma melhora no convívio deles com os
outros acolhidos e com a comunidade.
Continua a autora acima mencionada, porém o Estatuto da Criança e do
Adolescente vive um grande desafio que vai para além da melhora nas instalações
da instituição, atendimento personalizado ou até mesmo a inserção das crianças e
dos jovens no seu direito à convivência familiar e comunitária, mas sim o da
“construção e implementação de um programa socioeducativo” (Brasil, 1990 apud
Siqueira, 2012).
Siqueira (2012) informa que o Plano Nacional de Promoção, Defesa e
Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e
Comunitária (PNCFC) tem como objetivo fortalecer as famílias com filhos
institucionalizados foi construído por instituições da área da assistência social,
precedeu a Nova Lei Nacional da Adoção que propôs diretrizes específicas
relacionadas à permanência dentro da instituição.
Diante da temática de acolhimento, o Conselho Nacional da Criança e do
Adolescente (CONANDA) e o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) no
ano de 2006 aprovaram o PNCFC. As propostas de ações são significativas em
termos de direcionamento na política da infância, por conta de um longo período de
institucionalização das crianças mediante uma desestruturação da família (SILVA e
PALMA, 2012).
Ainda de acordo com Silva e Palma (2012) sobre a PNCFC:
[...] tem enfatizado o direito à convivência familiar e comunitária e a responsabilidade familiar através de ações de políticas públicas como, por
44
exemplo, saúde e assistência social. Nesse contexto de políticas sociais marcadas pela reestruturação do Estado a redescoberta da família no âmbito da proteção social pública apresenta-se como a “pedra de toque” para a proteção dos indivíduos (SILVA e PALMA, 2012, p. 157).
Silva e Palma (2012) explicam o real intuito do documento que se trata de
uma reafirmação da responsabilidade da família, da sociedade e do Estado na
proteção e no compromisso integral com as crianças e os adolescentes na
consolidação do direito à convivência familiar e comunitária destes.
A Lei n.º 12.010/2009 conhecida como a Nova Lei Nacional da Adoção
modificou alguns textos do ECA e criou outros novos. Uma de suas principais
contribuições é a busca de manter a criança junto da família, amigos e comunidade,
sendo o acolhimento institucional uma de suas últimas medidas. Outra inovação foi a
diminuição da permanência, em uma unidade, para dois anos, devendo ser
realizadas avaliações periódicas (SIQUEIRA, 2012).
Conforme o guia de orientações técnicas para os serviços de acolhimento
para crianças e adolescentes, os acolhimentos institucionais são locais de proteção
infanto-juvenil em situação de abandono ou enquanto as famílias e/ou responsáveis
estejam impossibilitados de exercer a sua função. A unidade deve oferecer um
ambiente propício para o acolhimento, está situado na comunidade e o atendimento
deve ser personalizado (BRASIL, 2008).
De acordo com as especificidades contidas no guia, devem ser evitados
qualquer privilégio ou descriminação com as crianças e os adolescentes, como
também com as famílias, se estas optarem por alguma preferência. Todos estão em
uma mesma situação de acolhimento e devem ser respeitados, devem receber uma
atenção especializada e uma equipe profissional capacitada para um trabalho
comprometido com seus usuários (BRASIL, 2008).
De acordo com CONANDA e CNAS, o número máximo de indivíduos por
unidade de acolhimento não deve exceder a 20 crianças e/ou adolescentes, a
instituição deve ser o mais similar a uma residência para melhor recebê-los. Deve
contar com uma equipe multiprofissional diversificada e possibilitada de efetuar o
seu trabalho com a determinada faixa etária (BRASIL, 2008).
Faleiros (2009) afirma que a criança deve ter garantido o seu direito à
família e seu desenvolvimento como uma cidadã, desse modo cita o artigo 19 do
ECA, o qual atribui à família biológica a responsabilidade de criá-los e educá-los, e
45
em excepcionalidade ser encaminhados para uma família substituta, mediante
decisão do juiz. Ressalta ainda que a adoção seja um ato irrevogável.
De acordo com Faleiros (2009), na proteção das crianças, a Nova Lei de
Adoção, assegura uma política pública que também dispõe de obrigação
orçamentária:
[...] em primeiro lugar, essa política deve prestar apoio à mãe desde a gestação, para que a escolha de doar um filho não seja em razão de pobreza ou de falta de formação e conhecimento. A Lei também estabelece que o abrigamento deva acontecer em um prazo máximo de dois anos, com agilização dos procedimentos judiciais. (FALEIROS, 2009)
Faleiros (2009) continua, a criança deve ser constantemente ouvida e
adequadamente preparada acerca da sua identidade cultural e social. A política
propõe que as medidas devem ser entre família, comunidade, poder Judiciário e
Executivo, para que as crianças disponham da proteção integral que lhe é de direito
e permaneçam com os vínculos já estabelecidos.
De acordo com a socióloga Galhardo (2014), o país vai enfrentar um
grande desafio na proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes, na
véspera da Copa do Mundo de 2014 a qual será sediada no Brasil. É constatado que
essa população encontra-se extremamente vulnerável, em virtude da possibilidade
de utilização das crianças para o trabalho infantil, a exploração sexual, o uso de
drogas e o crescente abandono de crianças bem jovens. Ressalta ainda que a
situação mais preocupante seja do estado de Curitiba, pois é considerada atrasada
em relação aos outros estados (GALHARDO, 2014).
Galhardo (2014) ressalta o alto investimento do Brasil com a infraestrutura
da Copa e alerta que os representantes esqueceram-se de ações relacionadas ao
esporte, lazer e cultura. O que iremos vivenciar é o aumento da violação dos direitos
das crianças e dos adolescentes, ou seja, mais prostituição infantil, abandono,
crianças em estado de mendicância e jovem recrutados para o comércio das drogas.
46
3 ABRIGO TIA JÚLIA E ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: PERCEPÇÕES, ANÁLISES E DESAFIOS
Neste capítulo, informaremos ao leitor o histórico da instituição
pesquisada, as devidas mudanças ocorridas desde o seu processo de construção
como Creche Tia Júlia até os dias atuais e também analisaremos as respostas das
participantes.
Vale ressaltar que nomeamos as participantes da pesquisa com nomes
comuns no Estado do Ceará, para que fossem evitados estereótipos que
desviassem a atenção dos leitores.
3.2 Sobre a Instituição
A Unidade de Acolhimento Institucional Tia Júlia se localiza na Rua
Guilherme Perdigão, número 305, bairro Parangaba, em Fortaleza – CE, a
instituição é de natureza governamental. A origem de seu nome foi uma homenagem
a Júlia Giffone, Assistente Social que destinou o seu trabalho na área da assistência
social, sendo interrompido em 1972 por causa de um acidente automobilístico que
veio a ceifar sua vida (informação verbal)10. Conforme informações fornecidas pela
instituição, no presente ano de 2014, a anteriormente chamada de Creche Tia Júlia
teve sua inauguração no ano de 1975, pelas damas do Estado e do País,
respectivamente, Marieta Cals e Lucy Geisel, com capacidade total para 100
crianças. Em 1994, mediante as exigências do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), é reinaugurada como abrigo de crianças.
As profissionais do Abrigo Tia Júlia informaram-nos que no ano de 2002 a
instituição é beneficiada por uma ação nacional do Instituto Ayrton Senna
(informação verbal)11, trata-se do projeto Casa da Criança, este mobilizou
voluntários no ramo de decoração, construção e fabricantes de material de
construção. A reforma criou um ambiente mais agradável e diferente dos antigos
orfanatos. A instituição inicialmente contava com um espaço de 1.500 metros de
área construída, agora conta com mais 200 metros.
10
Informações concedidas pelos responsáveis pelo Abrigo Tia Júlia, 2014. 11
Idem
47
Segundo as assistentes sociais da unidade (informação verbal)12, a
instituição possui 52 ambientes, incluindo: área de lazer; berçário; consultórios
médico, odontológicos e fisioterapêuticos; salas de pedagogia, serviço social e
psicologia; refeitório e cozinha industrial; lavanderia; parquinho entre outros que
tornam a unidade completa quanto à estrutura do equipamento.
De acordo com Abrigo Tia Júlia (informação verbal)13, a unidade é
composta por uma competente equipe técnica. Seu quadro funcional é composto por
profissionais de nível superior, corpo administrativo e serviços de apoio, são eles:
Direção, Assistentes Sociais, Pediatra, Enfermeiras, Nutricionistas, Economia
Doméstica, Dentista, Pedagoga, Terapeuta Ocupacional, Psicóloga, Fisioterapeuta,
Gerência, Educadores Sociais, Lactaristas, Serviços Gerais, Cozinheiras,
Lavandeiras, Motoristas, Porteiros e Estagiários.
O Abrigo Tia Júlia é vinculado à Secretaria do Trabalho e
Desenvolvimento Social (STDS) e possui como missão: Acolher, proteger e educar
crianças na faixa etária de 0 a 7 anos, as quais se encontram em situação de risco
pessoal e/ou social. Recebe crianças encaminhadas pelos Conselhos Tutelar,
Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e Juizado da
Infância e Juventude, até serem tomadas medidas de reinserção na família de
origem ou numa substituta (informação verbal)14.
12
Informações concedidas pelos responsáveis pelo Abrigo Tia Júlia, 2014.
13 Idem.
14 Idem.
48
3.2 Realização da Pesquisa
No dia 7 de Abril de 2014, às 14h30min, iniciamos a pesquisa de campo.
Ao chegar à instituição, cuja fachada é reproduzida a seguir na figura 1, a seguir,
fomos recebidas pelo porteiro, que nos encaminhou para a sala do Serviço Social.
Figura 1 - Fachada do Abrigo Tia Júlia
Fonte: Acervo do autor
Fomos recebidas por Maria, assistente social da unidade, a qual nos
deixou de maneira confortável enquanto ela terminava de efetuar uma de suas
tarefas. Foi então que comecei a observar as instalações físicas: sala ampla
refrigerada com ar-condicionado, 2 mesas de mármore, 6 cadeiras giratórias, 1
computador, 1 telefone, 1 estante de ferro que guarda as pastas dos casos das
crianças, grande armário, várias fotos espalhadas em forma de mural e brinquedos.
Após a profissional se desocupar, ela veio nos atender. Primeiramente a
cumprimentamos e agradecemos por ter-nos recebido, em seguida, explicamos que
se tratava de uma pesquisa de conclusão de curso e que desejávamos executar um
questionário15 com a equipe socioassistencial, ou seja, o setor do Serviço Social, da
15 O questionário foi utilizado devido à Assistente Social Maria ter-nos, previamente, avisado que
estavam em um período “corrido” na Tia Júlia, por conta de inúmeras audiências, deste modo, poderíamos ter prejuízos nas nossas entrevistas.
49
Pedagogia e da Psicologia. O questionário continha 13 questões subjetivas
relacionadas com as crianças e com o trabalho de cada âmbito dentro da unidade.
Depois de um bom período de conversa, na tentativa de instigar o
interesse pela atividade, Maria concordou em responder, ficando combinado entre
as partes a entrega das respostas para o final da semana, ela assinou o termo de
consentimento. No momento dessa visita, apenas essa assistente social encontrava-
se no Tia Júlia, então ela nos encaminhou para o setor da Pedagogia para
continuarmos a pesquisa.
Ainda no mesmo corredor, separadas apenas por 1 porta, chegamos à
sala da pedagoga. Ao entrar, percebemos que era uma sala grande, também com
ar-condicionado, porém menor do que a anterior. Esta sala continha: 1 mesa de
mármore, 1 computador, 1 grande estante de ferro, algumas prateleiras com muitos
livros infantis e brinquedos organizadamente espalhados por toda parte.
Então saudamos Joana, pedagoga da instituição, e novamente
explicamos o intuito da nossa ida à sua sala. Terminado os esclarecimentos, a
segunda participante concordou em responder à pesquisa e afirmou que nos
entregaria ainda na mesma semana, na sexta-feira. Agradecemos pela colaboração
e saímos do local para dar um passeio pela instituição com Maria.
Na entrada, já avistamos pelo menos 4 dormitórios e muitas crianças
dentro deles, cerca de 2 a 3 educadoras em cada. As camas são bem próximas uma
das outras para ganhar mais espaço de locomoção das crianças, 1 armário grande
para guardar as roupas e as fraldas e 1 banheiro. É efetuado um trabalho rotativo,
uma banha, outra arruma, outra alimenta e assim sucessivamente, deste modo os
acolhidos são cuidados.
Andando mais um pouco, vimos um grupo de crianças assistindo à
televisão, paramos para observar. Uma sala ampla com ventilação natural, 4
grandes sofás de madeira formam um retângulo, 1 TV de aproximadamente 32
polegadas na parede, 2 educadoras acompanhando 13 meninos e meninas. Nas
paredes, 1 mural com algumas datas e nomes de aniversariantes, mais plantas e
brinquedos pelo caminho.
Visualizamos um parquinho, 1 casinha de plástico colorida, na qual
cabiam 4 crianças dentro, 1 pequeno escorregador, o chão era na areia branca e
acima das cabeças um caloroso sol. De um lado, os fundos de um dormitório, e do
50
outro, a sala da fisioterapia, enfermaria e mais quartos. Depois, no mesmo corredor
que iniciamos, há 2 berçários, a copa (na qual é feita o mingau para os bebês) e um
espaço vazio, mas que dá acesso a uma área para os bebês engatinharem.
Nos berçários, existem 2 educadoras, poucas crianças e vários berços, 2
ventiladores industriais, 1 banheiro, dentro dele, material de limpeza pessoal. Damos
a volta na instituição, passamos pela lavanderia, estacionamento, cozinha, refeitório
e retornamos ao nosso ponto de partida, a sala da pedagogia.
Em todas as salas e espaços pelas quais passamos, sempre escutamos
vozes, gritos, choros ou conversas infantis, o ambiente é muito aconchegante,
lembra uma casa, se não fosse a superlotação de crianças e a divisão por faixa
etária, feita para aperfeiçoar o trabalho dos educadores.
A assistente social Maria nos acompanhou até a entrada da unidade e
marcou nosso retorno para a sexta-feira, à tarde, daquela mesma semana.
No dia 11 de Abril de 2014, às 14h30min, retornamos ao Tia Júlia para
conseguir falar com as outras participantes. Assim que chegamos, encontramos a
assistente social Lúcia e a psicóloga Ana na sala do Serviço Social, pois as duas
estavam debatendo sobre a situação de uma determinada criança da unidade,
esperamos até que dessem por concluído a conversa entre elas.
Com o término daquele debate as cumprimentamos e expomos nossa
pesquisa. De pronto, as duas tornaram-se disponíveis para responder aos
questionamentos que lhes foram apresentados, pediram apenas para levarem para
casa e responderem calmamente, pois no mesmo dia a instituição iria receber a
visita do Juizado da Infância e Juventude, e elas estavam se organizando, as duas
profissionais assinaram o termo de consentimento.
Na ocasião, perguntamos se poderíamos recolher na semana seguinte
por se tratar de uma sexta-feira, ficou acordado para quarta-feira na semana
seguinte irmos buscar os questionários respondidos. Recolhemos o questionário da
Maria em seguida deslocamo-nos para a sala da pedagoga.
Chegando lá fomos informados que ela não se encontrava na unidade,
pois estava efetuando um trabalho externo nos colégios, resolvendo algumas
pendências das crianças. Perguntamos se ela não havia deixado nenhum papel para
ser entregue para nós, a secretária mostrou desconhecimento a respeito do que
falávamos, agradecemos e retornamos para a sala do Serviço Social.
51
Antes de ausentar-nos perguntamos como poderíamos encontrar as duas
outras assistentes sociais. Lúcia nos explicou que teríamos que comparecer na
instituição pela manhã, mas que antes entrássemos em contato com elas para
marcar o dia. Agradecemos e deixamos o local.
Na segunda-feira seguinte, ligamos para o Abrigo Tia Júlia e falamos com
as assistentes sociais Francisca e Antônia, novamente explicamos a pesquisa,
fomos informadas de que as duas estavam atarefadas com inúmeros questionários
de outras alunas, sem contar as atividades próprias da unidade. A participante pediu
para voltarmos no período da tarde e deixarmos os questionários no Serviço Social
que responderiam o mais rápido possível.
Na quarta-feira dia, 16 de abril, fomos à unidade por volta das 15h00min.
Dessa vez, logo em nossa chegada, Lúcia entregou-nos o seu questionário e o de
Ana. Em seguida, contamos sobre a conversa com as assistentes sociais da manhã
e deixamos as perguntas com elas. Depois procuramos contato com a pedagoga, no
entanto, novamente, ela não se encontrava no Tia Júlia, segundo informações por
causa de problemas de saúde.
Por conta dos desencontros com a pedagoga, Lúcia ofereceu-se para
entrar em contato com a mesma e guardar o questionário caso tivesse respondido.
Agradecemos, despedimo-nos e saímos.
Dia 18 de Abril ligamos para Lúcia, a fim de sabermos quem mais teria
respondido, mas até aquele momento ninguém mais havia. Deixamos marcado
nosso retorno para o dia 23 de Abril de 2014, à tarde.
No dia e turno anteriormente mencionados, voltamos ao Abrigo Tia Júlia,
mas nenhum questionário deixado havia sido respondido. Ligamos nos dias
seguintes, todavia não obtivemos nenhum retorno, o discurso era o mesmo: falta de
tempo e muitas tarefas na unidade que as impediam de responder. Até que na data
28 de Abril de 2014 retornamos e novamente, outra vez não tivemos progresso. Por
conta do desinteresse sinalizado pelas demais participantes, a nossa pesquisa foi
desenvolvida apenas com as respostas de 2 assistentes sociais e da psicóloga.
52
3.3 Análise dos Dados
Foram realizadas 13 perguntas subjetivas para entendermos, sob o ponto
de vista da equipe técnica, como são efetivados os direitos de convivência familiar e
comunitária das crianças dentro da instituição, deste modo podemos destacar:
a) O perfil das crianças que entram na unidade Tia Júlia:
O ATJ acolhe crianças de 0 a 7 anos que tiveram seus direitos violados. Crianças que sofreram maus-tratos, negligência, abandono, etc (Maria, 2014). Crianças de ambos os sexos, vítimas de violência e abandono (Lúcia, 2014) São crianças do sexo masculino e feminino de 0 a 7 anos que tiveram seus direitos básicos violados (Ana, 2014)
Todas responderam de acordo com o perfil preestabelecido pela
instituição.
b) Referente ao processo de adaptação das crianças recém-chegadas:
Inicialmente as crianças são acolhidas por todos os profissionais, que buscam saber um pouco sobre sua história de vida e acalentá-los até que se acostume com o novo espaço (Maria, 2014). Se da a partir de um trabalho interdisciplinar dos técnicos da instituição, através da interação com outras crianças durante atividades e passeios o que motiva a convivência um ambiente acolhedor (Lúcia, 2014). As crianças maiores (4 a 7 anos) é possível fazer o atendimento psicológico e construir com elas o motivo real de estarem no abrigo. Também é apresentada fisicamente a instituição, os funcionários e as crianças que aqui estão (Ana, 2014).
Uma das entrevistadas sinaliza a importância do trabalho interdisciplinar.
Nesse sentido apontamos para a definição deste:
Ainda que pese a polissemia do termo, a interdisciplinaridade pode ser traduzida em tentativa de o homem conhecer as interações entre mundo natural e a sociedade, criação humana e natureza, e em formas e maneiras de captura da totalidade social, incluindo a relação indivíduo/sociedade e a relação entre indivíduos. Consiste, portanto, em processos de interação entre conhecimento racional e conhecimento sensível, e de interação entre saberes tão diferentes, e, ao mesmo tempo, indissociáveis na produção de sentido da vida (PEREIRA, 2009, p.1).
53
Os dois setores efetuam um atendimento complementar, contudo, a Lúcia
conseguiu melhor construir sua fala, pois ela alerta para a interdisciplinaridade
descrita na citação acima.
c) Sobre a vida das crianças dentro da Instituição:
As crianças são submetidas a rotinas rígidas e pouco individualizadas, sendo privadas da convivência familiar (Maria, 2014). São todas inseridas na rotina diária desde o despertar até o anoitecer. Participar do lazer, bem como da escolaridade (Lúcia, 2014). As crianças têm um cotidiano bastante regrado. É preciso que eles sigam as normas da instituição (Ana, 2014).
Nessa questão as três pesquisadas continuam fazendo observações na
mesma linha de raciocínio, contudo, Maria nos alerta para um indício extremamente
importante, trata-se das regras e das privações que as crianças precisam obedecer
dentro da instituição. Nenhuma criança gosta de viver em duras rotinas, pois esta
medida acarreta irritação e sem possuir um espaço seu, com as suas roupas e
brinquedos aquele local não é reconhecido como um lar. De acordo com a fala
acima, será que a instituição está cerceando os direitos, garantidos em forma de lei,
destas crianças? Percebemos nos depoimentos rotineiros dos acolhidos certo
desconforto quanto ao cumprimento de inúmeras regras.
d) Quanto à pergunta que trata da interação das crianças com os profissionais (seu setor):
As crianças nos olham como se fôssemos os responsáveis por trazer de volta sua família ou lhes conseguir uma família nova. Portanto, sempre quando nos veem, fazem as seguintes perguntas: ‘tia, cadê minha mãe? ’ ‘tia, quando vou embora? ’ (Maria, 2014) A interação se dá com os profissionais de modo geral, porém com o S. Social ocorre de forma positiva haja vista ser o setor de apoio tanto com a criança como com os familiares, através de atendimentos, dinâmicas, visitas domiciliares e outros (Lúcia, 2014). A interação ocorre no local onde as crianças estão (parquinho, engatiódromo
16, teatrinho, dormitório). Como, também, na sala de psicologia
em atendimentos grupais e individuais (Ana, 2014).
As respostas das três participantes contemplaram a indagação feita,
entretanto, analisaremos a fala assistente Lúcia por ter sido mais completa. Ela
16
Nome do espaço destinado para os bebês engatinharem.
54
destaca os instrumentos que dão suporte ao Serviço Social na sua atuação tanto
com as crianças acolhidas, como também com a sua família. Entretanto cabe-nos
ressaltar que as crianças veem nesses profissionais a solução para o seu problema,
a única esperança de retorno ao seu lar.
e) No que se refere à participação das famílias na vida dos filhos dentro da Tia Júlia:
Sim. As famílias são convidadas a participar dos momentos lúdicos preparados pela Unidade de Acolhimento e são autorizadas a visitar as cças
17 5 vezes na semana (Maria, 2014).
Sim, principalmente as que procuram manter o vínculo familiar. Outros familiares por motivos diversos – abandono, uso de álcool e drogas, comprometimento mental ou desautorização judicial (Lúcia, 2014). Sim, as que demonstram interesse em reaver o vínculo familiar comparecem a visitas diárias. No entanto, existem alguns motivos p/ que as famílias não visitem as crianças, como: abandono dentro da própria instituição, distúrbios mentais ou impedimento através de autorização judicial (Ana, 2014).
A assistente social Maria apresenta discurso contraditório nesse
momento, pois anteriormente, no item c, ela nos informa que as crianças são
privadas da convivência familiar, entretanto, agora, diz que as famílias são
autorizadas a visitar as crianças durante a semana. Já as outras duas construíram
respostas idênticas. Do ponto de vista do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), o artigo 19º sinaliza que:
Toda criança ou adolescente tem direito de ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes (BRASIL, 2012, p.23).
As respostas apresentadas corroboram com o cumprimento de tal artigo.
f) A respeito do trabalho efetuado para aproximar pais e/ou familiares das
crianças acolhidas:
Os familiares são esclarecidos quanto à importância das visitas as crianças para que o vínculo familiar seja fortalecido. Tais visitas são acompanhadas/ observadas pela equipe da Unidade (Maria, 2014). O trabalho é feito através do atendimento individual, dando continuidade a um acompanhamento familiar e também através de visitas domiciliares (Lúcia, 2014).
17
Abreviatura usada pelas profissionais para crianças.
55
É possível trabalhar os vínculos a partir da confiança. A aproximação, também, pode ser feita com o auxílio de alguns dispositivos, como: brinquedos e jogos (Ana, 2014).
A primeira participante não respondeu à pergunta, a terceira alertou-nos
para os instrumentos utilizados no seu setor. A segunda explanou com clareza o
trabalho efetuado e como deve ser realizada a sua intervenção, entendido como um
atendimento: de um lado as crianças, por meio de recursos da instituição; de outro,
as famílias, por meio dos dispositivos legais e da rede de atendimento
socioassistencial.
g) Referente aos momentos de lazer para as crianças e de quem participa
com eles:
As crianças são oportunizadas a terem acesso ao lazer dentro e fora do ATJ. Participam desse momento os educadores sociais e a equipe pedagógica (Maria, 2014). O lazer é uma programação anual, realizado pelo setor de pedagogia onde é comemorado desde os aniversários, bem como todas as datas festivas (Lúcia, 2014). Sim, principalmente nos períodos de junho, julho, janeiro e dezembro. Geralmente, é o setor pedagógico (Ana, 2014).
As três participantes responderam na mesma linha de raciocínio.
Entretanto, na atividade de estágio exercida na unidade, percebemos que estes
momentos são escassos, seletivos (pelo fato de a instituição não ter capacidade de
levar todas as crianças para o mesmo passeio), escolhem uma determinada sala,
contam com parceiros para transporte e áreas de lazer. Mesmo diante de algumas
dificuldades, sobretudo na logística de apoio às atividades de lazer, a unidade
contribui para o art. 59 do ECA, que afirma: Os municípios, com apoio dos estados e da
União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações
culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude (BRASIL, 2012, p. 51).
h) Quanto ao acolhimento afetar o desenvolvimento social das crianças:
O desenvolvimento social tende a ser afetado, pois ela tem pouco ou nenhum convívio familiar. Tal fato faz com que a criança por vezes torne-se insegura, com medo de novas relações sociais (Maria, 2014).
56
O acolhimento afeta de modo geral – afastamento sociofamiliar, privação dos direitos e demora na decisão judicial, quer no retorno a família quer na DPF
18 (Lúcia, 2014).
No acolhimento a privação dos direitos a convivência familiar e comunitária. Mesmo que existam passeios e atividades externas ao abrigo as crianças ainda tem pouco contato com o exterior, principalmente com os seguimentos culturais (Ana, 2014).
Maria reafirma que o acolhimento institucional afeta o desenvolvimento
das crianças pelo pouco convívio com seus familiares. Lúcia concorda e acrescenta
ao afastamento familiar a demora da justiça em resolver a situação. Ana afirma que
a unidade priva as crianças do seu direito à convivência familiar e comunitária o que
nos leva a pensar que existem falhas nos modelos de acolhimento, de modo que no
artigo 100º do ECA nos informa: “Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as
necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos
vínculos familiares e comunitários” (Brasil, 2012, p. 81). Sendo cumprido
parcialmente, de acordo com a fala das entrevistadas.
i) No que se refere às crianças temerem o futuro fora da instituição e a postura dos profissionais diante da situação.
Geralmente as crianças apresentam ansiedade quanto a sua saída do Abrigo, querendo saber como será a vida depois que sair. Isso é trabalhado em atendimento psicológico (Maria, 2014). Sim. Principalmente as crianças maiores apresentam desejo de retornar a família e/ou receber uma futura família. Não exatamente temer o futuro, mas uma ansiedade de estar junto principalmente da mãe. A visão de temer o futuro, acredito que ainda não é avaliada pela criança (Lúcia, 2014). As crianças maiores sempre questionam a equipe quanto à chegada de seus pais, principalmente as mães. Acredito que dentro do abrigo elas esperam mais o dia de ir embora e está na família do que temer algo que possa ocorrer de forma negativa (Ana, 2014).
Nessa questão as entrevistadas Lúcia e Ana, mais uma vez,
apresentaram respostas semelhantes, porque não dizer iguais. As três relataram a
ansiedade dos acolhidos por uma família e não temer o cotidiano fora da instituição.
Todavia, na nossa experiência de estágio, muitas crianças nos questionavam se
eles teriam uma vida melhor, se iriam passar fome ou se quando saíssem do abrigo
um dia voltariam para ele. Nesse sentido, o ECA em seu artigo 92º nos alerta para
uma “preparação gradativa para o desligamento.” (Brasil, 2012, p.71) E nos faz
18
Sigla para Destituição do Poder Familiar.
57
questionar sobre a efetivação deste artigo frente a um contexto de ansiedade e
inquietação vivenciados pelos acolhidos.
j) Sobre o usufruto do direito à convivência familiar e comunitária, de que maneira.
Sim. O espaço do acolhimento não é ideal para o crescimento de uma criança, porém, os profissionais buscam estratégias para que as cças não sejam totalmente privadas do seu direito. Desta forma, as cças participam de atividades da comunidade e recebem visita de familiares (Maria, 2014). Sim. Familiar, as que recebem visitas, seja da própria família, seja de pretendentes. Comunitária, através dos passeios (praias, shoppings, restaurantes, zoológicos, parques de diversão) e da rede de ensino (as que estão em idade escolar) (Lúcia, 2014). Sim, através de passeios que proporcionem momentos de lazer. Além disto, todas as crianças em idade escolar estão matriculadas na rede particular de ensino (Ana, 2014).
Considerando as respostas apresentadas, alertemo-nos para o que o
Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC) nos informa sobre o
assunto:
A importância da convivência familiar e comunitária para a criança e o adolescente está reconhecida na Constituição Federal e no ECA, bem como em outras legislações e normativas nacionais e internacionais. Subjacente a este reconhecimento está a ideia de que a convivência familiar e comunitária é fundamental para o desenvolvimento da criança e do adolescente, os quais não podem ser concebidos de modo dissociado de sua família, do contexto sociocultural e de todo o seu contexto de vida (BRASIL, 2013, p. 29).
Tal prerrogativa nos faz avaliar que esta unidade, por diversos motivos,
muitos deles até limites institucionais, não garantem o efetivo direito à convivência
familiar e comunitária.
As assistentes sociais Maria e Lúcia dizem que elas usufruem através das
visitas familiares e passeios, mesmo que não seja com a frequência desejada. Ana
nos alerta que as crianças estudam em escolas particulares, mas vale ressaltar que
o custo da mensalidade fica para os parceiros da Tia Júlia que as apadrinham e não
para o Estado.
k) Quanto à maneira de como os profissionais minimizam os efeitos da institucionalização na vida das crianças:
58
As crianças são atendidas por diversos profissionais, nas áreas de saúde, social e psicológica, com o objetivo de atender todas as suas necessidades e tornar o espaço do acolhimento mais aconchegante (Maria, 2014). Prestando acompanhamento às crianças e principalmente a busca do retorno à família de origem, família ampliada ou pretendente. Também percebendo alguma mudança de comportamento da saúde física, encaminhar p/os profissionais da equipe, principalmente psicológica (Lúcia, 2014). O setor psicológico trabalha a partir de atendimentos grupais e individuais, no qual as crianças podem expressar as suas dificuldades mediante ao acolhimento. Além disso, quando não é possível a demanda ser trabalhada dentro do abrigo, há o encaminhamento p/atendimento psicológico externo (Ana, 2014).
Diante do que foi respondido e do que está posto nessas situações o ECA
no seu art. 4º alerta:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2012, p. 16).
As pesquisadas responderam claramente, e a partir de nossa experiência
de estágio constatamos que os setores sofrem grandes dificuldades no atendimento
do seu público-alvo, o imenso número de crianças gera uma sobrecarga sobre os
profissionais fazendo-os buscar auxílio em instituições parceiras da unidade e
ficando a desejar na qualidade do atendimento.
l) Referente às possibilidades e limites para o desenvolvimento do seu trabalho.
Possibilidades: parceria com os diversos setores do Juizado da Infância e Juventude (adoção, cadastro, manutenção de vínculos) que facilitam nosso trabalho e com o NADIJ que nos auxilia nos processos. Limites: carro para a realização de visita domiciliar, articulação com a rede, pois por vezes demais equipamentos não conseguem absorver os encaminhamentos feitos por nós (Maria, 2014). Possibilidades – tornar o setor um ambiente acolhedor fazendo com que as cças e familiares retomem os laços de afeto, chegando com confiança retornar ao ambiente familiar. Os limites – ver a evolução das cças tanto no tocante do desenvolvimento psicossocial qto na integração entre a equipe multiprofissional (Lúcia, 2014). As possibilidades é favorecer da melhor forma possível um ambiente acolhedor para as crianças, trabalhando os laços a partir da confiança. Os limites é a possibilidade do trabalho em equipe, da conversa entre as áreas multiprofissional (Ana, 2014).
59
Quanto à indagação anterior, considerando as possibilidades e limites,
todas as profissionais focalizaram a atenção nas crianças, esquecendo um pouco o
acompanhamento que deve ser efetuado com a família. Muitas vezes, o convívio
com seus filhos será dificultado, podendo até facilitar o ingresso das crianças em
outras opções: adoção ou continuidade por tempo indeterminado na unidade.
m) Sobre a importância do seu setor dentro da Instituição:
O S.S19
é a ‘porta de entrada’ da instituição, pois nós acompanhamos a criança e sua família desde a admissão até o desligamento, buscando potencializar suas capacidades e superar suas vulnerabilidades (Maria, 2014). O Serviço Social tem fundamental importância. Busca a efetivação dos direitos das crianças, principalmente na garantia da convivência familiar, seja por meio de manutenção de vínculo com a família biológica ou através da adoção (Lúcia, 2014). O setor trabalha no acolhimento das crianças, observando o desenvolvimento emocional e cognitivo destas dentro da unidade. Com as famílias, faz-se o acompanhamento na esfera da vinculação familiar (adoção), como reintegração do cenário familiar e com a equipe técnica através de discussão de alguns casos (Ana, 2014).
As três participantes responderam com excelência sobre a importância do
seu setor na Unidade de Acolhimento Institucional Tia Júlia. Uma ação qualificada
desses profissionais se torna o diferencial para a vida dos que lá estão acolhidos,
colaborando para o retorno deles ao seio familiar em tempo hábil; do contrário pode,
também, tornar a permanência do acolhido na instituição por tempo indeterminado,
como também tornar esse processo o menos sofrido para as crianças.
19
Serviço Social
60
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo principal do referente trabalho de conclusão de curso foi
problematizar acerca dos desafios e possibilidades para a efetivação do direito à
convivência familiar e comunitária das crianças acolhidas na unidade Tia Júlia. Para
a realização utilizamos um apontamento bibliográfico, alcançando a compreensão
sobre a problemática acima.
A importância das crianças na sociedade demorou séculos para ser
efetivada e na passagem dos tempos foi sendo atribuído um novo significado para a
infância, de acordo com a realidade de cada época. Por muito tempo, elas
efetuavam tarefas na mesma intensidade que os adultos, por não possuírem a
mesma força, passaram a ser vistas como fracas e dependentes, modificando a
visão sobre a infância. Agora eram vistas como merecedoras de cuidados.
Com o avanço da regulamentação para as crianças e os adolescentes,
são criadas instituições de proteção para atuar ativamente na vida deles. A partir do
Código de Menores passa-se a regular a questão do abandono de crianças em ruas,
em instituições e o trabalho infantil. A sociedade civil vivenciava um marco para a
história desses personagens, de modo que a partir dos anos 1980 surgem às
políticas de atendimento para a infância e adolescência.
Diante do exposto, verificamos empiricamente as diversas transformações
que propiciaram a proteção social para as crianças no Abrigo Tia Júlia. Sabemos
que é dever da família, do Estado e da sociedade civil assegurar a convivência
familiar e comunitária dos acolhidos, mesmo assim, examinamos nas falas das
pesquisadas que esse direito é parcialmente cumprido, quer por motivo de demora
na resolução dos casos, quer por limites da instituição.
Também averiguamos que a permanência máxima de 2 anos dos infantes
no programa de acolhimento institucional prevista no ECA é excedida, refletindo em
um conflito ocasionado na mente das crianças, de maneira que os trabalhadores da
instituição são chamados por tios e tias, ou até mãe e pai, como visto na nossa
experiência de estágio no Tia Júlia.
Tratando-se da manutenção e/ou reintegração dos acolhidos no âmbito
familiar constatamos que as profissionais executam um trabalho de acordo com as
normas legais, visando ao bem-estar e o melhor interesse da criança seja na sua
família biológica, seja em uma substituta, mediante cadastro nacional de adoção.
61
Na atuação qualificada da equipe na referida instituição, os profissionais,
estão constantemente se atualizando acerca da realidade vigente, através de
especializações, palestras, reuniões entre outros, bem como estão se capacitando
para atender minimamente, inclusive, com conhecimento adquirido acerca dessa
problemática e assim dar assistência a esses sujeitos.
Conferimos que a longa permanência na instituição de acolhimento é
prejudicial para o desenvolvimento social e afetivo dos que lá residem, tendo em
vista que na nossa experiência de estágio também presenciamos em algumas
situações em que o sentimento de rejeição das crianças por parte de seus familiares
e a justificativa que os acolhidos respondiam era a não convivência diária com seus
pais.
Constatamos também que a relação das crianças com a sua comunidade
ocorre da seguinte maneira: quando as crianças vão para os colégios que se
localizam fora da unidade ou em momentos esporádicos de lazer, por exemplo, em
datas comemorativas ou período das férias, expresso nas falas das pesquisadas.
Situação inviável, pois o ECA preconiza o contato diário com a família e a
comunidade.
Diante da complexa situação em que as crianças acolhidas se encontram,
relatada anteriormente, é de extrema importância para a garantia do Direito à
Convivência Familiar e Comunitária, dentro e fora da instituição de acolhimento,
ações que visem ao fortalecimento dos vínculos delas com suas famílias e também
a criação de estratégias de reinserção nos espaços públicos mediante as políticas
públicas.
Mediante as considerações feitas, este trabalho objetivou contribuir com
profissionais, estudiosos, movimentos sociais e militantes da área criança e
adolescente na compreensão imprescindível de uma aproximação dos acolhidos
com o seu Direito à Convivência Familiar e Comunitária, como também entendendo
que uma possibilidade para essa ação seria um maior engajamento da justiça em
dar resposta às demandas que a cada dia se tornam maiores. Por fim, que as
considerações aqui feitas sejam utilizadas para posteriores pesquisas.
62
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63
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APÊNDICE A - Roteiro de Perguntas
Nome:_____________________________________Cargo:___________________
1. Qual o perfil das crianças que entram na Unidade Tia Júlia?
2. Como se dá o processo de adaptação das crianças recém-chegadas?
3. Na sua visão, como é a vida das crianças dentro da Instituição?
4. Como ocorre a interação das crianças com os profissionais (seu setor)?
5. As famílias participam da vida dos filhos dentro da Tia Júlia? Se não, quais os
principais motivos verificados?
6. Qual o trabalho efetuado para aproximar pais e/ou familiares das crianças
aqui acolhidas?
7. Existem momentos de lazer para as crianças, quem participa com eles?
8. Como o acolhimento institucional afeta o desenvolvimento social das
crianças?
9. As crianças apresentam temer o seu futuro fora da Instituição? Se sim, como
os profissionais procedem?
10. As crianças usufruem do seu direito à convivência familiar e comunitária? De
que maneira?
11. Como os profissionais minimizam os efeitos da institucionalização na vida das
crianças?
12. Quais são as possibilidades e limites para o desenvolvimento do seu
trabalho?
13. Qual a importância do seu setor dentro da Instituição?
Adriana Oliveira Pesquisadora e Graduanda em Serviço Social