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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
SUELY BARRETO
CENTRO DE REFERÊNCIA DE EDUCAÇÃO PÚBLICA DO MUNICÍPIO DO
RIO DE JANEIRO – CREP: UMA ANÁLISE DO PRÊMIO ANÍSIO TEIXEIRA
(2001 – 2008)
RIO DE JANEIRO
2014
1
SUELY BARRETO
CENTRO DE REFERÊNCIA DE EDUCAÇÃO PÚBLICA DO MINICÍPIO DO
RIO DE JANEIRO – CREP: UMA ANÁLISE DO PRÊMIO ANÍSIO TEIXEIRA
(2001 – 2008)
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre
em Educação.
Orientadora: Profª Drª Sonia de Castro Lopes
2
BARRETO, S. Centro de Referência da Educação Pública da Cidade do Rio de
Janeiro – CREP: Uma análise do Prêmio Anísio Teixeira (2001-2008). Rio de
Janeiro (RJ), 2014. 122 f. Dissertação de Mestrado (Curso de Pós-Graduação em
Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
3
Dedicatória
Dedico especialmente aos professores que participaram do Concurso de Monografias
Coletânea Prêmio Anísio Teixeira demonstrando que é possível e realizável a troca de
saberes entre os professores da rede municipal da cidade do Rio de Janeiro;
E, por fim, a todos os professores, que continuam acreditando que podem fazer a
diferença como mestres, decidindo mediar com afeto e compromisso a vida escolar de
seus alunos.
4
AGRADECIMENTOS
“ Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar;
porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir.”
Cora Coralina
Meus agradecimentos destinam-se a todos que, de alguma forma, me auxiliaram a decidir,
a fazer minhas escolhas, que muitas vezes, não eram escolhas só minhas, mas
representativas de projetos e desejos comuns;
Aos meus pais, (in memorian de Áureo Barreto) e, Joaquina Duarte , que me escolheram
e me amaram acreditando, quase, sempre nas minhas escolhas;
Aos meus amados filhos, Flavio Augusto e Aline, que foram escolhas ambiciosas ainda no
inicio da minha vida adulta, aos 22 anos, e que me ensinaram a decidir, com serenidade,
entre o sim e o não;
A minha irmã Sonia pelo carinho e admiração que sempre me dispensou;
A Marcos Zarahi, meu amor e companheiro, pelo incentivo e cumplicidade de muitos dias
e noites regados a trocas intelectuais e afetivas;
As minhas eternas professoras e incentivadoras, no inicio da minha trajetória profissional
na PUC, Terezinha Machado; Maria Aparecida Mamede e Maria Luiza Teixeira;
A professora Maria das Graças Arruda do Nascimento pelo convite para ingressar no
grupo de pesquisa que me despertou interesse em decidir pelo mestrado;
A Joyce Diniz pelo companheirismo e amizade nesses dois anos de curso de mestrado,
uma fiel interlocutora;
As minhas queridas companheiras de trabalho, Denise, Monique, Eliane e Vanessa pela
parceria e apoio;
A companheira Solange Rosa, secretaria da pós-graduação, pelo carinho e apoio
durantes nossa trajetória nesses dois anos;
Aos gestores e equipe do CREP e do Prêmio Anísio Teixeira por tornarem está
experiência possível com sua determinação e dedicação;
A minha incansável orientadora, Sonia de Castro Lopes, sempre atenta e dedicada aos
seus orientandos; ao seu acolhimento, os meus mais sinceros agradecimentos;
A Ana Maria Monteiro, diretora da Faculdade de Educação, pelo apoio e confiança e,
também como minha professora de mestrado; exemplo de compromisso e determinação
com a prática docente.
5
BARRETO, Suely. CENTRO DE REFERÊNCIA DA EDUCAÇÃO PÚBLICA DA
CIDADE DO RIO DE JANEIRO – CREP: UMA ANÁLISE DO PRÊMIO ANÍSIO
TEIXEIRA(2001 – 2008). Dissertação de Mestrado (Curso de Pós-Graduação em
Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Resumo
A presente dissertação buscou analisar a concepção e realização da coletânea intitulada
Prêmio Anísio Teixeira, organizada pelo Centro de Referência da Educação Pública da
Cidade do Rio de Janeiro (CREP), da Secretaria Municipal de Educação. Essa iniciativa
integrou-se a um programa de formação de continuada de professores deste centro, onde
além das aulas e grupos de estudo os docentes participavam de oficinas e orientações para
a produção de monografias. O estudo teve como objetivo central analisar as estratégias
que foram utilizadas pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro no projeto:
Coletâneas de Monografias – Prêmio Anísio Teixeira para garantir sua realização entre
2001 a 2008 e qual o impacto na prática docente dos professores participantes dessa
proposta. A sustentação e base teórica dessa pesquisa pautaram-se no diálogo com autores
que trabalham as categorias memória (Jacques Le Goff, Michael Polack, Pierre Nora),
tática/estratégia (Michael De Certeau) e saber docente (Maurice Tardif e Antônio
Nóvoa). Como estratégia metodológica lançou-se mão da análise documental, bem como
da história oral como um procedimento metodológico que buscou, pela produção de fontes
e documentos, registrar, através de narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos,
versões e interpretações sobre a história em suas múltiplas dimensões: factuais, temporais,
espaciais, conflituosas, consensuais. Infere-se pela pesquisa que o CREP se tornou um
espaço de formação continuada indo além da proposta inicial de sua implementação em
1990 ao incorporar, onze anos depois de sancionado, a elaboração e a realização do
Prêmio Anísio Teixeira, durante oito anos consecutivos de 2000 a 2008. Quanto ao Prêmio
Anísio Teixeira, foi possível identificar indícios de que ele atendeu aos seus objetivos em
relação à promoção do debate e da socialização de experiências docentes durante os oito
anos de sua realização.
Palavras-chave: História, Memória, Educação Pública da Cidade do Rio de Janeiro,
Formação Continuada de Professores, SME/CREPAT.
6
BARRETO, Suely. Reference Center of Public Education at the city of Rio de Janeiro.
Dissertation (Master on Education). Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio
de Janeiro.
Abstract
This thesis seeks to analyze the design and realization of compilation Entitled Teixeira
Award, organized by the Center of Public Education Reference in the city of Rio de
Janeiro (CREP), of the Ministry of |Education of the City of Rio de Janeiro. This initiative
was integrated into a program of continuing education for teachers, of this Center, where
in addition to classes and study groups, teachers participated in workshops and guidelines
for the production of monographs. The study was mainly aimed to analyze what strategies
were used by the Municipal Education of Rio de Janeiro, in the project: Collection of
Monographs - Teixeira Prize to ensure its realization between 2001-2008 and what impact
this experience in the teaching practice of teachers participants in this proposal. The
support and theoretical basis of this research was guided in dialogue with authors working
memory categories (Jacques Le Goff, Michael Polack, Pierre Nora), tactical / strategy
(Michael de Certeau) and teacher's knowledges (Maurice Tardif and Antonio Nóvoa). The
support and theoretical basis of this research was guided in dialogue with authors working
memory categories (Jacques Le Goff, Michael Polack, Pierre Nora), tactical / strategy
(Michael de Certeau) and teacher's knowledges (Maurice Tardif and Antonio Nóvoa). As
a methodological strategy, this thesis, used the documentary analysis and oral history as a
methodological procedure that sought through production sources and documents, register,
through of narratives induced and narratives stimulated, testimonies, versions and
interpretations of the story in its multiple dimensions: factual, temporal, spatial,
confrontational consensual. It is inferred by research that CREP has become an area of
continuing education beyond the initial proposal of its implementation in 1990, by to
incorporate eleven years after sanctioned, the preparation and realization of Teixeira Prize
for eight consecutive years, 2000 as for the 2008. The Anísio Teixeira Prize was possible
to identify evidence that he has met its objectives, when promoting discussion and
socialization of teaching experiences during the eight years of its completion.
Keywords: History, memory, public education of the city of Rio de Janeiro, teacher's
continuing education, SME / CREPAT.
7
SUMÁRIO
Introdução
10
Capítulo 1
1. CREP – Centro de Referência da Educação Pública na Cidade do Rio
de Janeiro
1.1. Criação dos Centros de Memória: O Mal estar da Modernidade. 22
1.2. Política Educacional dos anos 1980-90: Municipalização do
Ensino Fundamental.
27
1.3. CREP – Um Território Educacional em Disputa? 34
Capítulo 2
2. O Prêmio Anísio Teixeira 48
2.1. O pensador Anísio Teixeira: Um Diálogo com a História e a Memória
da Educação Brasileira.
49
2.2. Trajetória do Prêmio Anísio Teixeira: Desdobramentos de uma
Política Educacional
58
2.3. Realização do Prêmio Anísio de 2000 a 2008: Desdobramentos
possíveis nos dias atuais
70
Capítulo 3
3. Uma Proposta de Formação Continuada para Professores da Secretaria
Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro
79
3.1.Formação de Professores e suas representações legais: Um processo
em permanente (re)construção
83
3.2. Formação Continuada entre Paradigmas e Modalidades Diferenciadas 87
3.3. O Prêmio Anísio Teixeira e suas ações de formação continuada 92
3.3.1 A estratégia de trabalhar com os memoriais 94
3.3.2 A estratégia de trabalhar com Oficinas 103
3. 3.3 As coletâneas de monografias de 2002 a 2007 104
Considerações finais
111
Referências bibliográficas
119
Anexos
8
O âmago do ensinamento poético da memória é que o ser é tempo
e o tempo é ser. Por isso, experimentar o tempo em estado puro
significa engendrar o próprio ser que se temporaliza. Inversamente,
originar-se a si mesmo na gestação poética de uma obra equivale a
sentir concretamente o tempo jorrar das próprias entranhas,
manifestando-se sob a forma de imagens e antiquíssimas inéditas,
as mesmas e outras, que se materializam no vazio deveniente do
espaço imaginário. Ontologicamente, a memória não re-corda o
acontecido, mas faz acontecer o que é trazido ao coração (= re-
cordado). Ela não refaz o passado, ela faz o tempo; ela
nãorecompõe o que foi, ela compõe o que é e sempre será; ela não
restaura um todo perdido, mas instaura, não propriamente um
novo cosmos, mas a possibilidade permanente de haver khosmoi.
A memória é doadora de ser. Pedindo licença poética à língua,
poder-se-ia enunciar: a memória acontece o tempo. Neste
acontecer, o fluxo temporal liberta-se de sua compulsoriedade, o
presente se desobriga de estar aqui e agora, o passado esquece que
já passou, o futuro é sem ter sido, e o tempo, com folga para vagar,
põe-se a criar. “E eu era feliz?”, pergunta o poeta. E responde:
“Fui-o outrora agora”. Rimando existencialmente com esta
disposição anímica, poder-se-ia dizer também: “Sou-o agora
outrora”. No falar da memória, presente, passado, futuro são
apenas nomes, vocativos da alma, que convocam as forças
subterrâneas do homem e provocam a verdadeira vocação do
Tempo: ser.
(Maria Lucia Guimarães de Faria, 2001, p.123)
9
INTRODUÇÃO
A pesquisa aqui apresentada analisa a concepção e realização do Prêmio Anísio
Teixeira, organizado e executado pelo Centro de Referência da Educação Pública da
Cidade do Rio de Janeiro (CREP), da Secretaria Municipal de Educação. Essa iniciativa
integrou-se a um programa de Formação Continuada de Professores deste Centro, onde,
além de aulas e grupos de estudo, os docentes participavam de oficinas e orientações para
a produção de memoriais e de monografias.
O Prêmio, além de recompensa financeira, materializava-se por meio da publicação
de uma Coletânea de Monografias produzidas por professores da rede pública e
selecionadas por meio de um concurso realizado anualmente entre 2001 e 2008, sobre
temas ligados à educação propostos em editais públicos pela Secretaria Municipal de
Educação da Cidade do Rio de Janeiro. O objetivo desta iniciativa foi promover a reflexão
e o debate sobre a Educação Básica entre profissionais do magistério, estimulando a
produção dos professores, propiciando a divulgação de trabalhos monográficos,
contribuindo assim para reflexão e a socialização do conhecimento de práticas educativas
inovadoras dentro da SME.
A Coletânea analisada é composta por oito volumes compreendendo o período de
2001 a 2008. Vale destacar que todos os números foram lançados no ano subsequente,
com exceção ao ano de 2008, esta última coletânea tinha sua publicação e lançamento
previsto apenas para o formato on line, em dezembro de 2013. Entretanto, até o final desta
pesquisa, as monografias premiadas e as indicadas para publicação referentes ao Prêmio
Anísio Teixeira – 2008, ainda não estavam disponíveis, conforme nos foi informado pela
atual gestora do CREPAT1.
Durante dois mandatos consecutivos, de 2001 a 2004 e de 2005 a 2008 tivemos
como prefeito da cidade o Sr. Cesar Maia e como Secretária de Educação a Professora
Sonia Mograbi. No início de 2009, assumiu a prefeitura da cidade o Sr. Eduardo Paes e
como Secretária de Educação a Sra. Claudia Costin. Assim, de 2009 a 2012, o Prêmio é
1 O CREP – Centro de Referência da Educação Pública alterou seu nome em 2013, quando a Secretária de
Educação Claudia Constin retoma, em outras bases, o Prêmio Anísio Teixeira. Nesse momento o Centro
passa a ser denominado CREPAT – Centro de Referência da Educação Pública Anísio Teixeira. Trataremos
desta questão no capítulo 1.
10
interrompido e o CREP tem suas atividades reduzidas, atendendo apenas os professores
em suas atividades de consultas e pesquisas sobre a documentação arquivada neste Centro.
Na tentativa de introduzir a temática desta pesquisa, alguns aspectos já emergem
como indicadores para iniciar uma investigação, no mínimo cuidadosa, acerca: a) das
experiências docentes como elemento importante para a reflexão da própria prática do
professor; b) da memória da produção docente; c) do saber docente constituído pelos
participantes dessa proposta de formação. Tão inquietante quanto importante, a questão da
formação continuada e o papel das políticas públicas, durante quase duas décadas, se
fazem presentes nessa pesquisa, interessada na concepção e realização do Prêmio Anísio
Teixeira, sob a responsabilidade de um órgão público municipal de educação na cidade
que um dia foi capital do Brasil.
Nessa perspectiva, o trabalho repousa sobre a preocupação com a formação
docente e a importância das práticas de professores como eixo dessa formação, presentes
nas políticas públicas de formação, tanto nos textos acadêmicos como nos discursos e
proposições de organismos internacionais. Assistimos nos últimos dez anos ao
aparecimento de uma literatura internacional bastante fértil no campo da formação de
professores, em especial sobre os conhecimentos incorporados e atualizados pelos
professores em seus processos de vida, de trabalho e de formação (LELIS, 2001; NUNES,
2002).
Um relatório publicado pela OCDE em 2005 (Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico) - Teachers Matter - abre a conferência com uma “nova”
preocupação social e política que inscreve as questões relacionadas à profissão docente
como uma das grandes prioridades das políticas nacionais (NÓVOA, 2007).
Da primeira metade da década de 1980 até a segunda metade dos anos 1990, a
literatura educacional produzida estava bastante marcada por análises centradas nas
categorias de classe social, trabalho manual e trabalho intelectual, infraestrutura e
superestrutura, fruto de produções com enfoque marxista. Nesse contexto, o pessimismo
pedagógico não havia estimulado a elaboração de trabalhos que apontassem “formas de
organização escolar e práticas de sala de aula que pudessem favorecer a aprendizagem dos
alunos de origem social desfavorecida” (MELLO, 1993, p. 116 apud LELIS, 2001). Desta
forma, pode-se apreender que as análises educacionais tinham como eixo os aspectos
macroestruturais e as relações entre escola e trabalho, atribuindo ao cotidiano escolar –
processo de ensino e aprendizagem, conhecimento e práticas docentes, aspectos
curriculares – um papel secundário já que este seria determinado por aqueles.
11
Segundo Mello (1982), não devemos ignorar o caráter mediador da escola2 ao
estudarmos as representações e expectativas do professor diante da escola, face ao aluno e
aos papéis que ele, professor, desempenha.
Corroborando, de certa forma, com o exposto acima, a mesma autora denuncia uma
certa lógica subjacente à organização do trabalho no interior da escola que acaba, muitas
vezes, por fazer com que o professor perca seus instrumentos de trabalho: conhecimento
do conteúdo (saber) e domínio do método (saber fazer), o que pode, segundo essa análise,
levar a uma técnica sem competência da prática docente.
Segundo Lelis (2001), a tese central de Mello (1982) passa, nesse momento, pela
defesa da competência técnica do professor vista como mediação através da qual se
realizaria o sentido político da educação escolar. Nestes termos, a competência técnica
envolveria tanto o domínio dos conteúdos de ensino pelo professor como o seu
entendimento a respeito das relações entre os vários aspectos da escola, incluindo-se o
peso da formação sobre o modo como percebe a organização da escola e os resultados de
sua ação. Na busca pelo mapeamento de causas da precariedade da prática docente, os
estudos apontam, dentre outros fatores, para a dificuldade do professor em perceber as
deficiências da sua formação como parte deste problema. Essa tese, sem dúvida, provoca
reações e gera debate intelectual, pois faz emergir uma polêmica em torno do significado
de uma suposta concepção universal sobre competência, acima dos interesses de classe.
Independentemente das críticas recebidas, o texto de Mello torna-se paradigmático e
representa uma forma de pensar o trabalho docente não apenas no que ele era, mas
também no que ele deveria ou poderia vir a ser.
Na tentativa de decifrar algumas tendências da produção intelectual sobre
formação de professores, nos últimos vinte anos no Brasil, Isabel Lelis nos chama a
atenção para os “idiomas pedagógicos” que tiveram impacto entre os educadores.
No mapeamento da literatura especializada, alguns autores/textos foram
tomados como exemplares por representarem lógicas de pensamento
marcantes a respeito do papel da teoria e da prática na formação docente.
Do balanço efetuado, o que se verificou foi à ruptura de um idioma
pedagógico, passando-se de uma pedagogia marcadamente conteudista sob
a hegemonia de uma razão teórica para uma perspectiva que aponta para
uma epistemologia da prática. (LELIS, 2001)
2 A autora utiliza a categoria da mediação para se referir a “processos de fatos existentes na realidade
objetiva, que são ações recíprocas, a trama das relações que ocorrem entre partes, forças, fenômenos de uma
totalidade”.
12
Ainda segundo essa autora, nesse debate sobre formação de professores, alguns
problemas crônicos vão ocupando mais espaço e começam a ser enfrentados pelas
instituições formadoras tais como: a falta de articulação entre teoria e prática educacional,
entre formação geral e formação pedagógica, entre conteúdos e métodos.
António Nóvoa (1992) nos chama a atenção para o paradoxo que está na origem de
contradições importantes da profissão docente. Para este autor, a formação do professor é
um desafio que precisa estar mais centrado nas práticas e na análise dessas práticas.
Compartilho com este autor a convicção de que
[...] é preciso fazer um esforço de troca e de partilha de experiência de
formação, realizadas pelas escolas e pelas instituições de ensino, criando
progressivamente uma cultura de formação continuada. [...] precisamos
passar de uma investigação sobre os professores para uma investigação
com os professores e para uma investigação pelos professores. (NÓVOA,
1992, p.31, grifos do autor).
Quero ressaltar aqui que a centralidade nas práticas e sua análise não exclui a
articulação destas com a teoria. Pelo contrário, o relato e a reflexão sobre o fazer cotidiano
podem favorecer a construção de uma prática mais reflexiva. Pode-se identificar, através
desses argumentos, a relevância de um sentimento de pertença de identidade profissional,
essencial para que os professores se apropriem dos processos de mudança e os
transformem em práticas concretas de intervenção e ações pedagógicas mais criativas e
autônomas.
No debate produzido por Tardif, Lessard e Laraye (1991) encontro respaldo às
colocações acima quando esses autores apontam a complexidade da lógica conteudista, ao
afirmar que a relação dos docentes com o saber não se reduz à transmissão de
conhecimentos já constituídos. Eles afirmam ser a prática a expressão de múltiplos
saberes, incorporados em âmbitos, tempos e espaços de socialização distintos.
Considerando matrizes diversas, o que parece ser “consenso” é a valorização da
prática cotidiana como lugar de construção de saberes. Mesmo reconhecendo o valor da
produção acadêmica sobre a temática da formação docente há, contudo, aspectos
nebulosos que precisam ser iluminados, quando se leva em conta os desafios da escola de
massa, pública, e o lugar que o trabalho do professor ocupa no espaço educativo, tendo em
conta sociedades como a nossa que ainda não equacionaram o problema da desigualdade
social e escolar.
A partir das questões colocadas pelos autores acima destacados, articulando-as com
a produção das monografias dos professores participantes do Prêmio Anísio Teixeira,
13
minha revisão de literatura considerou as seguintes palavras-chave: Formação
Continuada; Políticas Publicas de Formação de Professor; Centro de Referência em
Educação, Políticas de Educação Municipal e Memória. Foram consideradas as
produções acadêmicas de teses, dissertações e artigos realizados no período de 2006 a
2012, no portal da Capes3.
O levantamento dessa produção nos levou a categorização de dois grupos. No 1º
grupo - Formação Continuada de professores realizadas nas/pelas secretarias municipais
de educação em vários estados brasileiros e no 2º grupo - Centros de Formação vinculados
às secretarias municipais de educação e Memória de Formação Continuada de Professores,
localizei um quantitativo, entre teses e dissertações, de 33 trabalhos de pós-graduação.
O refinamento dessa revisão identificou três trabalhos com temáticas indiretamente
ligadas ao objeto de investigação desta pesquisa:
a) Alocadas no 1º grupo, uma dissertação sobre políticas de formação
continuada no Brasil e no exterior nas duas últimas décadas e seu impacto na
prática docente e nos sistemas educativos dos países em que foram
implementados no contexto das reformas neoliberais (RODRIGUES, 2006).
Um dos instrumentos da pesquisa foi a produção de artigos quadrimestrais
publicado em informativo da Multirio;
b) Alocadas no 2º grupo, uma dissertação sobre a memória da experiência de
formação em serviço, vivida pela própria pesquisadora com as professoras do
Programa de Educação Juvenil – PEJ, no período de 1995 a 1997 (BENÍCIO,
2006). Esta experiência se fez no âmbito da Rede Pública de Ensino do
Município do Rio de Janeiro. O texto foi produzido em diálogo, do princípio ao
fim, com algumas das professoras; e uma tese com foco na formação
continuada oferecida dentro de uma proposta de escolarização de tempo
integral nos Centros Integrados de Educação Pública, CIEPs, entre 1991 e 1994
(SILVA, 2009). O pesquisador buscou investigar como esse habitus de
formação interfere na prática docente do professor e que olhar e percepção os
professores têm sobre esse processo de formação continuada em serviço em
que estiveram envolvidos.
A análise que faço dessa revisão relacionada à produção de pesquisas acadêmicas
revela que ainda não foi realizado nenhum trabalho de doutorado ou mestrado que tenha
3 Ver www.capes.org.com
14
como objeto de estudo o Prêmio Anísio Teixeira, bem como, nenhum estudo sobre
formação continuada, concebido e/ou realizado por (ou em) um Centro de Referência de
Educação e Memória Municipal no Estado do Rio de Janeiro e nem em outro estado
brasileiro até o momento.
Assim, a partir desta breve apresentação dou continuidade à pertinência do objeto
de pesquisa, agora ressaltando a minha relação com a temática e o lugar que ocupo no
cenário educativo desde a década de 1980.
Nessa perspectiva, esse estudo pode ser compreendido como resultante de minha
trajetória profissional, acadêmica e porque não dizer pessoal, pois considerando as
colocações de Tardif quando afirma que “o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o
saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles,
[...] é adquirido no contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional”
(TARDIF, 2002, p. 19), acredito que as dimensões profissional e pessoal não se separam
na dinâmica da vida.
Minha atuação como pedagoga teve início como membro integrante de grupos de
pesquisas na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, no Núcleo de Orientação
e Aconselhamento Psicopedagógico – NOAP em 1988. Paralelamente, comecei a atuar
tanto em escolas 4 como em espaços diversificado de mídias educativas
5 voltados para
formação de professores, a partir de 1991. Desde então, até meu ingresso na Universidade
Federal do Rio de Janeiro em 2008, como Técnica em Assuntos Educacionais, fui nutrindo
meu interesse sobre a construção e produção de um saber próprio dos professores que
atuam, em especial, nas séries iniciais do ensino fundamental.
Como integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Profissão Docente,
coordenado pela Profª Drª Maria das Graças Chagas de Arruda Nascimento, minha
inquietação pode ser compartilhada e problematizada a partir das leituras e discussões dos
textos de BOURDIEU & PASSERON (1975); TARDIF & LESSARD (2005); TEDESCO
& FANFANI (2004). Estas leituras deram mais consistência a minha inquietação acerca
das condições em que o professor produz e/ou pode produzir conhecimento e saberes.
4 Em escolas, atuei e atuo como coordenadora/supervisora pedagógica de professores de 1º ao 5º ano do
Ensino Fundamental promovendo grupo de estudos sobre temáticas relacionadas à prática docente e a
relação ensino aprendizagem dos próprios professores.
5 Atuei como assessora pedagógica para programas televisivos voltados a formação de professores durante
12 anos na TVE, MULTIRIO e Canal Futura .
15
Foi exatamente durante minha convivência neste espaço de discussão e pesquisa
que decidi fazer o mestrado, com a intenção de trabalhar com o conceito de saber docente.
Essa era a minha questão de fundo, sabemos que o professor constrói conhecimento, mas
como fazer com que ele se reconheça como produtor de saberes e, como compartilhar
esses saberes entre eles? Foi a partir dessa minha inquietação que a professora Maria da
Graças, coordenadora do GEPROD, sinalizou que existia na Faculdade de Educação
alguns professores que trabalhavam com essa temática. A partir daí fui conversar com a
professora Sonia Lopes que, não apenas se interessou pela minha inquietação, mas, de
imediato, me repassou uma bibliografia extensa sobre o tema. Assim começou nosso
processo de trabalho e pesquisa e nesse processo de descobertas, ela me apresentou uma
coletânea de monografias escrita por professores da rede municipal do Rio de Janeiro
intitulada Prêmio Anísio Teixeira. A decisão de investigar essa iniciativa se firma quando,
nas aulas de Prática de Pesquisa, percebo que o conceito de memória e saber docente
poderiam ser trabalhados, nessa iniciativa do Prêmio Anísio Teixeira, concebido por um
centro de memória, fisicamente instalado na segunda escola feminina do Rio de Janeiro: a
Escola Rivadávia Correa.6 Aqui percebemos um universo de possibilidades, mas
estávamos apenas iniciando e muita coisa precisaria ser revista. Nesse momento,
começamos por entender a pertinência desse estudo.
Assim, acreditou-se na relevância dessa pesquisa, que se sustenta nas possíveis
convergências, interfaces e/ou lacunas entre o que foi evidenciado na revisão bibliográfica
e a elaboração do Prêmio Anísio Teixeira, realizado pelo Centro de Referência e Memória
da Educação Pública da cidade do Rio de Janeiro. Não foi identificada, na revisão
bibliográfica, nenhuma pesquisa sobre o referido prêmio, objeto desta investigação, assim
como sobre o CREP, responsável por sua implementação e realização.
Para iniciar a trajetória dessa pesquisa elegemos como eixo principal de análise as
estratégias que foram utilizadas pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro
no projeto: Coletânea de Monografias - Prêmio Anísio Teixeira para garantir sua
realização de 2000 a 2008 e qual o impacto que essa experiência pode ter provocado na
6 A primeira Escola Profissional Feminina data de 1913 - Escola Municipal Bento Ribeiro.
16
prática docente dos professores participantes dessa proposta. Na tentativa de elucidar esta
análise, pretende-se:
Identificar por que e como o Prêmio Anísio Teixeira pode se caracterizar
como uma proposta de formação continuada;
Identificar que outras ações o CREP realizou, durante o período pesquisado,
que integraram e /ou complementaram as oficinas de professor autor que
auxiliaram os professores da rede municipal a elaborarem monografias e
concorrerem ao Prêmio Anísio Teixeira;
Investigar as condições de retomada do Prêmio Anísio Teixeira em 2013
após quatro anos de interrupção e sua realização agora pelo CREP que
passou a se chamar CREPAT – Centro de Referência de Educação da
Escola Pública Anísio Teixeira.
A pesquisa que se propõe é de cunho qualitativo e, como tal, a formulação e
verificação das hipóteses não buscam soluções definitivas para as questões investigadas.
Acreditamos que mais do que isso levam em consideração também os
[...] processos nos quais o conhecimento é produzido através da troca
dialógica entre observador e observado; a explicação não é entendida
como verificação objetiva da hipótese, mas como processo de produção de
conhecimento que se adéqua progressivamente por meio da interação entre
observador e observado (MELUCCI, 2005, p.34).
Assim, nosso trabalho teve como aporte teórico pesquisadores que se dedicaram:
a) À análise da temporalidade e da sua construção ao trazer a discussão o conceito de
memória considerando: a memória individual, coletiva, social (LE GOFF, 2003;
POLACK, 1992) e “lugares de memórias” (NORA, 1993).
O entendimento sobre a temporalidade da historiografia tradicional, a partir da
análise desses autores, compreendida como acontecimentos num espaço de tempo
meramente cronológico, não seria mais suficiente para a interpretação da história, pois esta
seria feita segundo diferentes ritmos. O que passa a ser importante, agora, seria estudar em
profundidade as realidades que mudam devagar.
Com a chegada do século XXI o processo de digitalização de documentos e,
principalmente, com informações e documentos digitais, a preocupação com a
17
preservação de fontes vem crescendo, gerando o que muitos autores denominaram “abusos
da memória”. A expressão cunhada pelo historiador Pierre Nora e por ele definida como
“lugares de memória” se refere a lugares que vão além dos museus, arquivos e
bibliotecas, por acreditar que os monumentos, as festas, os dicionários, os calendários,
santuários, tratados, enfim os símbolos e suportes da memória coletiva são a única forma
de perpetuação de ritos não mais praticados. Considerando ainda as reflexões desse
pensador, os lugares de memória nascem e vivem do sentimento de que não há memória
espontânea e, assim sendo, justifica-se a criação dos arquivos.
b) Ao estudo das práticas cotidianas relativizando a noção de “verdade”, construindo de
certa forma um olhar de “estranhamento” em relação à objetividade das instituições do
saber (CERTEAU,1994). Esse autor realiza uma viagem filosófica através da vida comum
das pessoas, onde a política e a temporalidade têm pesos significativos. Cuidadosamente, o
autor busca trabalhar e refinar a distinção de dois conceitos: tática e estratégia, 7 descritas
como “maneiras de fazer”, vivenciadas ou utilizadas nas práticas culturais
contemporâneas.
Para Certeau (1994), a estratégia é entendida como uma entidade que, por sua vez,
é reconhecida como autoridade - pode ser qualquer coisa, desde uma instituição ou uma
entidade comercial até um indivíduo cujo comportamento coincide com as definições
propostas pelo autor para "estratégico". Uma estratégia pode ter o status de ordem
dominante, ou ser sancionada pelas forças dominantes. Ela se manifesta fisicamente por
seus sítios de operação (escritórios, matriz ou quartel-general) e nos seus produtos (leis,
linguagem, rituais, produtos comerciais, literatura, arte, invenções, discursos). Como ela
representa um investimento enorme de espaço (construções e bens concretos) e tempo (a
sua própria história e tradições), sua identidade e seu modo de operar já estão
determinados. Já o modelo tático de Certeau descreve indivíduos ou grupos que são
fragmentados em termos de espaço e que não mantém nenhuma base específica de
operações (nenhum quartel-general), mas que são capazes de realizar um agrupamento de
forma ágil para responder a uma necessidade que surja.
Acredita-se que a partir da análise e comparação dos documentos oficiais e a
produção de fontes como entrevistas será possível esclarecer/compreender as estratégias
7 Estes dois tipos de comportamento: o estratégico e o tático são termos extraídos de um contexto militar e, a
eles atribui-se novos significados. O autor descreve as instituições em geral como "estratégicas" e as pessoas
comuns, não produtoras, como "táticas".
18
da Secretaria Municipal de Educação com a criação CREP e a proposição do Prêmio
Anísio Teixeira durante oito anos consecutivos, bem como, de que forma os professores
participantes possam ter se apropriado de táticas para atender as suas necessidades
profissionais.
c) Ao estudo da formação de professores a partir da construção e legitimação de um saber
próprio dos professores como fizeram Maurice Tardif (2002) e Nóvoa (2007), bem como a
análise das dimensões dessa formação, focalizando os aspectos históricos, políticos e
sociais da prática docente, como fizeram Candau (1995), Nascimento (1996); Brzezinski
(2008); Lopes (2009), Gatti (2010) e Torres (1998).
Tardif analisa a categoria saber docente ressaltando que o saber dos professores é o
saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de
vida e com a sua história profissional, com as suas relações com aos alunos em sala de
aula e com os outros atores escolares na escola, etc. Por isso é necessário estudá-lo
relacionando-os com esses elementos constitutivos do trabalho docente. (TARDIF, 2002,
p.11). Para este autor “o saber dos professores é plural e também temporal, posto que é
adquirido no contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional”, (TARDIF,
2002, p. 19). O saber do professor também pode estar inserido na sua prática profissional
em ambientes diversos, são experiências tomadas ao longo do seu tempo de serviço
profissional, são estas, somadas as anteriores postulações pedagógicas recebidas, que
podem interferir na sua prática como ofício de professor.
Para Nóvoa (2007), a teoria da personalidade se inscreve no interior da teoria da
profissionalidade. Trata-se de elaborar um conhecimento pessoal (autoconhecimento) no
interior do conhecimento profissional e de captar o sentido de uma profissão que não cabe
apenas numa matriz técnica ou científica.
A partir da definição e suporte teórico, iniciamos a revisão bibliográfica,
contemplando os anos de 2006 a 2012, com a análise das teses e dissertações dos cursos de
pós-graduação em educação e o levantamento de artigos apresentados no GT da ANPEd
sobre formação continuada de professores. Esse estudo foi complementado com uma
pesquisa bibliográfica8 acerca das políticas de formação de professores e suas respectivas
concepções e modelos sobre formação e formação continuada. Os artigos referentes a esse
8 Quando elaborada a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos de
periódicos e atualmente com material disponibilizado na Internet (MINAYO, 2004; LAKATOS et al, 1986).
19
levantamento foram localizados sua maioria nos periódicos: Cadernos de Pesquisa;
Educação & Sociedade e Educação em Revista.
Simultaneamente à pesquisa bibliográfica, partimos para a análise documental,
primeiramente, sobre o CREP: Resoluções que dispõem sobre a criação dos grupos de
trabalho, para estudo e análise da viabilidade e concepção do centro de memória, os
Regimentos e os Relatórios desses grupos de trabalho, que fundaram e implementaram o
CREP; os Relatórios e registros oficiais relacionados ao objeto de estudo como: o decreto
que originou o Prêmio; os editais anuais que designavam as temáticas que concorreriam ao
prêmio do ano; os Relatórios e as produções anuais com os artigos premiados. A pesquisa
documental sobre o prêmio, no CREP, não foi realizada, pois não foi autorizada a sua
continuidade, sob alegação de ser necessária a abertura de um processo, que levaria de
dois a três meses de tramitação. Assim, a pesquisa documental sobre o prêmio foi
realizada apenas com documentação cedida pela ex-gestora do prêmio.
Como terceira modalidade de investigação, adotei a historia oral9 como um
procedimento metodológico que busca, pela produção de fontes e documentos, registrar,
através de narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos, versões e interpretações sobre
a história em suas múltiplas dimensões: factuais, temporais, espaciais, conflituosas,
consensuais. Não é, portanto, um compartilhamento da história vivida, mas, sim, o registro
de depoimentos sobre a história vivida, (DELGADO, 2010, p.15-16). Segundo Meihy
(2005), essa prática metodológica é um procedimento premeditado de produção
conhecimento, que envolve o entrevistador, o entrevistado e os mecanismos de coleta de
depoimentos e falas.
As entrevistas realizadas contemplaram os integrantes do projeto em cargos de
gestão e execução. Nossa pretensão inicial era entrevistar professores que participaram do
prêmio, premiados e não premiados. Na medida em que não foi possível concretizar essa
atividade, produzimos um questionário e enviamos a todos os professores que tiveram seus
trabalhos publicados nas coletâneas de 2006 e 2007, porém, só obtivemos retorno de uma
professora premiada em dois anos consecutivos: 2006 e 2007. O critério utilizado para a
9 A moderna História Oral nasceu na Universidade de Columbia, em Nova York, em 1947 a partir da
organização sistemática e diferenciada de um arquivo, realizada por Allan Nevins, que oficializou o termo
que passou a ser indicativo de uma nova postura face às entrevistas. No Brasil a História Oral foi introduzida
nos anos 1970, com a criação, na Fundação Getúlio Vargas, de um programa de História Oral. No entanto,
foi só a partir dos anos 1990 que ela passou a ter maior dimensão no país, com seminários, discussões entre
historiadores brasileiros e estrangeiros, e a criação da Associação Brasileira de História Oral, que congrega
pesquisadores especializados nessa temática. (MEIHY, 2005).
20
seleção desses atores buscou percorrer a trajetória da realização do prêmio desde a sua
origem até sua interrupção em 2009.
A dissertação se desdobra em três capítulos. No primeiro, tratamos da constituição
do CREP: sua origem, criação e função que ocupava para a Secretaria Municipal
Educação. Nesse capítulo buscamos entender o que se guarda e o que se esquece sobre a
educação municipal na Cidade do Rio de Janeiro nesses treze anos de vida da instituição.
No segundo capítulo nos detivemos a analisar a trajetória do Prêmio Anísio
Teixeira, onde inicialmente buscamos contextualizar historicamente sua origem; a escolha
do nome Anísio Teixeira e a representatividade desse nome no cenário nacional e local.
Ainda nesse capítulo, nos detivemos no processo de realização do Prêmio construindo
alguns quadros que nos auxiliaram a entender a dinâmica e fluxo de participantes.
Consideramos nesses quadros: o número de monografias publicadas, o número de
trabalhos vencedores do concurso, os temas propostos nos editais anuais e o número de
inscritos; a predominância de escolha do campo temático para a elaboração das
monografias e o nível de aderência ao tema gerador proposto pelos editais dos concursos.
Em relação ao terceiro capítulo, realizamos um estudo do processo e do produto do
Prêmio, buscando compreender na produção dos trabalhos monográficos e nos memoriais
dos professores evidências que identificassem o Prêmio como uma iniciativa de formação
continuada. Assim, apresentamos conceitos, modalidades e propostas que estão presentes
campo acadêmico, para depois trabalharmos com a proposta da Oficina professor-autor,
os memoriais e as monografias produzidas pelos professores.
A partir desse diálogo, vislumbrou-se a possibilidade de apostar na hipótese de
que o Prêmio Anísio Teixeira foi uma ação de formação continuada concebida pelo CREP.
E, ainda, que a relação estreita entre a trajetória do CREP e do Prêmio iluminaram a
possibilidade de um estudo acerca da história e da memória da educação pública na
cidade do Rio de Janeiro.
21
CAPITULO 1
Centro de Referência da Educação Pública da Cidade do Rio de Janeiro
– CREP: A necessidade da criação dos centros de referência
“As palavras são testemunhas que muitas vezes falam mais alto que os documentos”
Eric J. Hobsbawm (1981)
1.1 Criação de Centros de Memória: O Mal estar da Modernidade
A preocupação com a alimentação e a organização de documentos e arquivos,
inicialmente, eram atribuições de órgãos públicos e de algumas instituições10
, mas, desde a
metade do século XIX, no entanto, a necessidade de guardar documentos pessoais, objetos
e fotografias, disseminou-se largamente. Esta mudança de comportamento deveu-se à
própria alteração ou dilatação dos objetos da História, principalmente após o aparecimento
da Escola dos Annales, que passa a valorizar a pluralidade de fontes documentais,
procurando as informações não somente nas tão privilegiadas fontes primárias11
dos
arquivos históricos e oficiais. O próprio campo temático ampliou-se, tendo como
consequência redefinições teóricas e metodológicas. Consequentemente, o resultado da
evolução ou transformação da historiografia mundial12
, provocou alterações nas
instituições-memória. Bibliotecas, arquivos, museus, centros de documentação e os
centros de memória, tornaram-se locais de guarda das memórias do homem. São nestas
10
Para obtermos mais informações sobre a organização e preservação documental consultar RONDINELLI,
R. C.; ROCHA,C. L. (2006) 11 Fonte primária é um termo utilizado em várias disciplinas. Em historiografia, uma fonte primária (também
chamada de fonte original) é um documento, gravação ou outra fonte de informação, como um documento
escrito ou uma figura, por exemplo, criado no tempo em que se estuda, por uma fonte autoridade, geralmente
uma com conhecimento pessoal direto dos eventos descritos. Serve como fonte original da informação sobre
o tópico. Fontes primárias são distintas de fontes secundárias, que frequentemente citam, comentam sobre,
ou constroem conclusões baseadas em fontes primárias (ALBERTI, 2005).
12 Referência aqui à evolução da historiografia internacional, em geral, mais que a Espanha e a América
Latina receberam o impacto das historiografias mais avançadas com uma defasagem cronológica, que nos
obrigaria a introduzir variações temporais na pressuposição de nossas historiografias nacionais. Defasagem
que, é preciso dizer, é cada vez menor. Na última década do século, a globalização historiográfica está
reduzindo a distância entre as historiografias nacionais, transmitem-se mais rapidamente as mudanças: no
século XXI, viveremos ainda mais simultaneamente as evoluções da história e da historiografia (GONDRA,
2007).
22
instituições que as descobertas e as experiências da humanidade são preservadas e,
geralmente, estão disponíveis a quem interessar.
Para Goulart (2002, p. 34),
(...) o papel mais importante dos documentalistas que concebem e
organizam os centros de memória é o de ser intermediário entre as
organizações e os pesquisadores, sendo sua principal responsabilidade,
depois dos arquivos organizados, a interface entre as instituições
detentoras dos arquivos e o mundo da pesquisa.
Identifica-se, assim, que para a produção de conhecimento em História, há a
necessidade, por parte dos historiadores, de um olhar cuidadoso e direcionado, uma
concepção teórica que envolva tanto métodos, objetos, técnicas, quanto abordagens
diferenciadas. Dessa concepção estruturam-se enfoques e perspectivas inovadoras, muitas
vezes para se “recuperar” a memória de determinado grupo, situação e/ou representação
do que se tem, deste ou daquele “fato”. Esse exercício nos permite construir
entendimentos para o tempo presente sobre a questão investigada em tempo passado.
A História enquanto ciência sofre, a partir dos anos 1970, século XX, uma
fragmentação em diversas áreas. Essa situação não se limitou apenas ao ofício da História,
mas alcançou as diversas áreas da ciência devido aos resultados da crescente
industrialização e pós-industrialização13
. A ideia de um objetivismo histórico, no qual a
ciência poderia responder a tudo ou chegar a verdades absolutas, como acreditavam os
historiadores do paradigma tradicional ou marxista, já não se sustenta mais.
De acordo com o paradigma tradicional, podemos destacar algumas definições
acerca da história colocada por historiadores como: a) A história diz respeito
essencialmente à política - na ousada frase vitoriana de Sir John Seeley, Catedrático de
História em Cambridge, “História é a política passada: política é a história presente”; b) A
história como essencialmente uma narrativa dos acontecimentos - uma visão “de
cima”, no sentido de que as narrativas históricas se concentravam nos grandes feitos dos
homens notáveis, como estadistas, generais ou ocasionalmente eclesiásticos. Ao resto da
humanidade ficava destinado um papel secundário no drama da história; c) A história
13 Pós Industrialização- A título de delimitação, embora carecendo de maior precisão, pode-se dizer que a
sociedade pós-industrial nasceu com a Segunda Guerra Mundial, a partir do aumento da comunicação entre
os povos, com a difusão de novas tecnologias e com a mudança da base econômica. Um tipo de sociedade já
não baseada na produção agrícola, nem na indústria, mas na produção de informação, serviços, símbolos
(semiótica) e estética. A sociedade pós-industrial provém de um conjunto de situações provocadas pelo
advento da indústria, tais como o aumento da vida média da população, o desenvolvimento tecnológico, a
difusão da escolarização e difusão da mídia. A era Pós-industrial é conhecida também como a era da
Informação e do Conhecimento (IANNI, 1996).
23
deveria ser baseada em documentos - a história é objetiva. Dessa forma, a tarefa do
historiador seria apresentar aos leitores os fatos como eles realmente aconteceram.
O conhecimento histórico atual, na perspectiva da Nova História Cultural14
, nos
propõe de certa forma uma volta à origem de Clio. A ampliação do conceito de fontes nos
estudos históricos passou a enfatizar e utilizar em larga escala as representações na
construção do conhecimento. Uma vez que a forma como o indivíduo vê a si mesmo e o
mundo em que está inserido se distancia cada vez mais da busca por uma realidade
independentemente do sujeito, a verdade ou o real nada mais é do que uma construção
cultural. Assim, na visão qualitativa atual, o papel do historiador não é contar a verdade
sobre um fato, mas conhecer diferentes verdades e entender como essas verdades foram
construídas pelo (s) sujeito (s) histórico (s).
Diante do exposto até o momento, pode-se apresentar a seguinte questão: como se
dá a produção de memórias? O termo memória nos remete a memini do verbo monere,
que significa 'fazer recordar', 'avisar', 'iluminar', 'instruir’. Elas não são resgatadas de um
passado, mas sim produzidas, construídas, eleitas e selecionadas num tempo presente. Essa
seleção e construção da memória servem aos mais variados interesses, sejam de
manutenção tanto de uma cultura, um grupo, um lugar, uma prática social, um hábito ou
uma tradição, quanto de um status quo, um poder, um símbolo, um mito.
Fazendo uma breve retrospectiva sobre História, Nova História e Memória, desde
já vemos como é oportuno atentarmos para o fato de que, apesar da relação estreita entre
ambas, Memória e História são conceitos distintos, relativos a campos de saber
diferenciados.
Nas últimas décadas, tem sido particularmente enfatizada a diversidade de riquezas
que pode ser trazida pela interpenetração entre história e memória. Nessa direção, Paul
Ricoeur nos chama atenção para os benefícios da busca de uma "política da justa
memória", o que inclui as possibilidades de uma memória "esclarecida pela historiografia"
e a de uma historiografia profissional passível de "reanimar uma memória declinante"
(RICOEUR, 1996).
14
Para os novos historiadores culturais, as relações econômicas, sociais e mentais são campos de práticas e
produções culturais. As práticas envolvem todo o espaço da experiência vivida e a cultura permite ao
indivíduo pensar essa experiência, ou seja, criar as formulações da vivência. Todo simbolismo é fator de
identidade, e toda cultura é cultura de um grupo: “a história é, ao mesmo tempo e indissociavelmente, social
e cultural”. Assim, o estudo das práticas tornou-se um dos paradigmas da nova história. Ao invés de se
estudar apenas as instituições, as correntes filosóficas, teológicas, as teorias, parte-se para a história da
experiência humana em todos os seus sentidos. Ver BURKE, 1991, p.122.
24
Michael Pollak (1989), por sua vez, contribui significativamente apresentando
aspectos mais específicos que se referem ao uso da memória como fonte histórica. Já para
o historiador Le Goff (2003, p. 422), o estudo da memória social é um dos meios
fundamentais para abordarmos os problemas do tempo e da história, relativamente aos
quais a memória está ora em retraimento, ora em transbordamento. Para este autor, tanto a
oralidade quanto a escrita conduz a estudos históricos sobre a sociedade, e o aparecimento
da escrita na sociedade é o que vai transformar profundamente a memória coletiva do
mundo oral.
A história muito se valeu das narrativas como fontes primárias. Quando o campo
da história vista como ciência se consolida no século XIX, tendo o relato escrito como
documento de prova, os arquivos ganham o estatuto de memória da humanidade. Aqui nos
chama a atenção o processo de naturalização de fatos e acontecimentos que comumente
encontramos nas narrativas de livros didáticos ou mesmo dos conteúdos de textos jurídicos
como leis e decretos, pois um dos maiores desafios que enfrentam os pesquisadores em
história da educação é justamente buscar desnaturalizar tudo aquilo que parece ser
“natural” no processo de construção histórica.
Em meados do século XX, com a explosão bibliográfica e o aumento vertiginoso
da produção de informação, ficou praticamente impossível, além de desnecessário,
memorizar as informações. O conhecimento também se tornou mais acessível e ao mesmo
tempo muito mais volátil e fluído. No final do século XX, com o incremento dos meios de
comunicação, a internet e os documentos eletrônicos, a realidade se transfigurou ainda
mais e o volume de informação produzido atingiu tal monta que, definitivamente, não há
meios de memorizar o que está sendo produzido, tal o caráter, muitas vezes, efêmero das
informações.
Com a chegada do século XXI e a utilização da digitalização como um recurso de
manutenção e guarda de documentos e, principalmente, com a criação dos objetos
nascidos digitais, a preocupação com a preservação dessas fontes aumenta rapidamente,
gerando o que muitos autores denominaram “abusos da memória”, “musealização”, “boom
de memórias”.
Para o historiador Pierre Nora surgem, nesse processo histórico, os chamados
“lugares de memória”, por ele definido como aqueles “lugares que contribuem para o
estreitamento dos laços entre história, memória e experiência, permitindo a articulação
entre passado, presente e futuro”. (Nora, 1993, p. 13). Partindo dessa perspectiva,
entende-se que a relação da história com a memória nem sempre é feita de forma
25
harmoniosa e que as instituições-memória são, ainda segundo Nora “um lugar duplo; um
lugar de excesso, fechado sobre si mesmo, fechado sobre sua identidade; e recolhido sobre
seu nome, mas constantemente aberto sobre a extensão de suas significações” (idem, p.
27). O autor acredita que essas instituições preservam a memória documental, ou seja,
guardam aquilo que foi produzido e que nos é impossível lembrar, tentando parar ou
limitar a ação do tempo e bloquear o esquecimento. Nesse sentido, pode-se acreditar que
se essas instituições não existissem, boa parte dos fatos históricos e da própria formação e
desenvolvimento da sociedade humana teria se perdido e estaríamos constantemente
“reinventando a roda”.
Na análise de alguns pesquisadores, os centros de memórias e documentos,
entendidos como patrimônio histórico, direcionam o foco para o mundo materializado dos
registros e nos chama a atenção para:
[...] o desejo de perpetuar a memória, facilitado pela reprodutibilidade
técnica e a consequente criação de “lugares”, fez com que a sociedade
criasse próteses de suas memórias individuais, isto é, verdadeiras
memórias auxiliares, cada vez, mas extensas, diversificadas e inclusive
duplicadas, a exemplos de bibliotecas, museus, arquivos, e monumentos
históricos, gerando assim uma ampliação descomunal da capacidade de
memorização do mundo (DODEBEI E ABREU, 2008, p. 23).
Refletindo ainda sobre os lugares de memória, retomo a questão das diferenças
entre memória e história, sob o ponto de vista de Pierre Nora:
[...] a memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse
sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança
e do esquecimento, [...] A história é a reconstrução sempre problemática e
incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre
atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do
passado [...] A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer
dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos
existem; que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e
individualizada. A história ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o
que lhe dá uma vocação para o universal. A memória se enraíza no
concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga
às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A
memória é um absoluto e a história só conhece o relativo (NORA, 1993, p.
9).
A partir das reflexões desse pensador entende-se que os lugares de memórias
nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea e que assim sendo
justifica-se a criação de arquivos e centros de memória.
Trazendo essa reflexão para o período histórico das décadas de 1980 e 1990,
especialmente no período pós-ditadura civil-militar, no Brasil, inicia-se o processo de
26
reconstrução da democracia no país, onde tudo o que se viveu precisava ser preservado,
seja para ser lembrado ou até mesmo para ser esquecido.
1.2 Política Educacional dos anos 1980-90: Municipalização do Ensino Fundamental
Na década de 1980, o campo educacional brasileiro atravessou um intenso
processo de disputa relacionado à reestruturação de nosso sistema educacional,
profundamente reformulado durante os mais de vinte anos que durou a ditadura instituída
pelo golpe militar de 1964. Difundiu-se um clima de democratização, de participação
social que levou à mobilização de educadores e políticos. Neste cenário, os debates sobre
democratização do ensino se intensificaram, colocando em evidência os temas da
qualidade e equidade na educação, que tiveram sua centralidade nos debates em torno da
Educação Pública, envolvendo diversos segmentos da sociedade. Esses debates foram
impulsionados, em grande parte, pela transição do regime militar para o regime
democrático, pela elaboração da Constituição de 1988, da Lei de Diretrizes e Bases para a
Educação Nacional - LDBEN 9394/96 e do Plano Nacional de Educação – PNE - Lei no
10.172/2001.
Nos debates realizados durante a fase de elaboração dos referidos documentos
legais, destaca-se o protagonismo do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública –
FNDEP, que representou um importante movimento de luta pela redemocratização da
educação ao agregar diferentes setores da sociedade civil organizada, como por exemplo,
organizações de classe, entidades voltadas para o ensino e pesquisa, entidades de
trabalhadores profissionais da educação e do movimento estudantil, e outras, como
OAB15
, ABIN16
.
Essas iniciativas e proposições foram apoiadas por diferentes setores da sociedade,
assim como as recomendações das agências internacionais, dentre as quais o Banco
Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a United Nations
Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO), a Organização dos Estados
Americanos (OEA), Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), Organisation for
Economic Co-operation and Development (OECD).
15
Ordem dos Advogados do Brasil.
16 Agência Brasileira de Inteligência.
27
Muitas dessas propostas foram resultantes do que foi estabelecido na Conferência
Mundial sobre Educação para Todos, organizada pela UNESCO, no ano de 1990, em
Jomtien, na Tailândia, tendo como principal objetivo reavivar o compromisso mundial de
educar todos os cidadãos do planeta. Assim, na década de 1990, no Brasil e em diferentes
países, foram produzidas políticas que tencionam criar mecanismos de controle da
melhoria dos resultados da aprendizagem pelo Estado, sendo as avaliações em larga
escala, em nível federal, um dos mecanismos mais utilizados.
O processo de redemocratização ocorrido no país, a partir da década de 1990, a
criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF) e sua substituição pelo Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(FUNDEB) visa, de certa forma, alterar o cenário educacional que tínhamos até então.
Com a criação desses fundos de financiamento da educação pública, o governo
federal transferiu aos municípios e aos estados à responsabilidade pelo ensino do país,
iniciando-se assim o processo de descentralização da gestão dos recursos, conferindo
consequentemente, maior autonomia aos entes federativos, sendo estes aspectos
complementares do processo descentralização do Estado, que se intensificou na gestão do
presidente Fernando Henrique Cardoso de 1995 a 2003, (PINTO 2004).
Antes de tratar especificamente do processo de Municipalização no Estado do Rio de
Janeiro e sua Capital, senti necessidade de contextualizar a trajetória desse tema no
cenário educacional brasileiro.
A problemática da Educação Municipal no Brasil, desde a época imperial, vem se
fazendo presente nas discussões políticas e nos textos legislativos relacionados à
descentralização do ensino, resultando na criação de seus sistemas públicos, inicialmente,
em âmbito estadual, através das Constituições Federais (CFs) de 1934 e 1946, e, mais
recentemente, na esfera municipal, por intermédio da CF de 1988 (CURY, 2000). Mas é
somente quando da promulgação da CF de 1988 que a tese da descentralização da
educação se torna efetivamente lei (Artigo n. 211), através da qual se propugna, por
ineditismo no Brasil, a organização dos sistemas de ensino entre a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios pela via do chamado Regime de Colaboração, mais tarde
reformulado pela Emenda Constitucional (EC) nº 14, de 1996, que viabilizou, no ano
seguinte, a implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
28
Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF)17
. Naquele momento, marcado
por fortes reações ao centralismo do regime autoritário e por uma grande revalorização da
instância local, e apesar da pluralidade de interesses, definiu-se a tendência de atribuição
de uma maior autonomia aos Municípios, confirmada, no campo da educação, alguns anos
após, pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – Lei n. 9.394/ 1996.
Dessa forma, a Constituição Federal de 1988 possibilitou aos Municípios criarem seus
próprios sistemas de ensino, atribuindo aos mesmos autonomia relativa na formulação de
políticas educacionais, em específico para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental,
uma vez que, até então, a esfera municipal detinha, apenas, sistema administrativo. Assim,
com aquela CF foi facultado aos Municípios o direito de emitir normas e a estabelecer
políticas, viabilizando, com isto, a implantação e não mais a manutenção de relações
hierárquicas entre as três esferas políticas de poder (União, Estados e Municípios), pelo
menos no âmbito da lei. Em que pese a importância da CF para a área educacional, é
importante sublinhar que a definição clara de competência dos Municípios para a
instituição de seus próprios sistemas de ensino decorre mais das definições prevista na
nova LDB.
A Constituição de 1988, promulgada após a redemocratização do País, deu destaque a
universalização do ensino fundamental e à erradicação do analfabetismo. No artigo 211,
parágrafo 2º, a Constituição propõe que os “municípios atuem prioritariamente no ensino
fundamental e pré-escola”.
A noção de Plano de Educação, aproximada da ideia de sistema educacional, se faz
pela primeira vez presente no Brasil no âmbito do Manifesto dos Pioneiros da Educação,
em 1932 (SAVIANI, 1999; VALENTE, 2001), tendo influenciado a Constituição de 1934.
Contudo, o primeiro Plano Nacional de Educação (PNE) viria a ser elaborado, somente,
em 1962, na vigência, também, da primeira LDBEN (Lei n° 4.024/61). No contexto mais
recente, de descentralização da educação via municipalização, a ideia de formulação de
um Plano de Educação atinge os Municípios de duas formas: de um lado, pelo menos em
termos formais, chamando o poder local a participar da formulação do PNE18
, de modo a
garantir que este não venha se reduzir a um Plano da União, mas de toda a sociedade e, de
17
Vale destacar que é possível identificar no processo de construção da Educação Municipal brasileira a
tendência em associar, de um lado, as ações locais descentralizadas à noção de democracia e, de outro, as
políticas públicas de cunho mais centralizador ao ideário autoritário (ABREU; SARI, 1999; MARTINS,
2001; ARRETCHE, 1996). 18
O PNE atualmente em vigência foi aprovado no dia 09 de janeiro de 2001, pela sanção da Lei n°
10.172/2001 (VALENTE, 2001)
29
outro, definindo uma tendência local voltada à elaboração de seus respectivos PMEs
(DIDONET, 2001). No segundo caso, há de se considerar que esses PMEs, apesar de não
se configurarem enquanto uma exigência legal se constituem em instrumentos
considerados de grande importância para a implantação e gestão dos sistemas municipais
de ensino. Assim, mesmo considerando-se os impasses, é importante observar que os
PMEs devem fazer parte integrante do conjunto de estratégias político- educacionais dos
Municípios, de modo a que essas instâncias logrem gestar a educação com transparência e
de modo coeso aos anseios locais, o que equivale afirmar, nas palavras de Saviani (1999,
p. 134), que esta ocorra sob uma “racionalidade social” e não “financeira”. A esse
respeito, Gadotti sublinha que a eficácia de um PME encontra-se dependente da
participação dos “principais agentes de educação no Município sob a coordenação do
Conselho Municipal de Educação, a partir do conhecimento das reais necessidades locais.
Isto porque, acima de tudo, ele deve ser um plano factível e executável em curto prazo, em
geral, de três anos pela secretaria”, (2000, p. 172).
A constituição dos Conselhos Municipais de Educação veio, no contexto da
municipalização, desempenhar papel estratégico, ao lado, também, de outros tipos de
Conselhos, como os de Acompanhamento e Controle. Inicialmente, cabe dar destaque ao
fato de que os CMEs não são instâncias recém-concebidas ou implantadas, fruto exclusivo
do processo de descentralização da educação contemporâneo, embora passem a se portar
como espaços fundamentais para que os sistemas municipais de educação se consolidem19
.
Situando agora o Estado e a Cidade do Rio de Janeiro, cenário do CREP e do
prêmio Anísio Teixeira, estudo proposto nessa pesquisa, retorno à década de 1980, quando
houve o incentivo de participação dos municípios em programas de parcerias,
multiplicando-se os convênios entre Estados e Municípios, com vistas ao atendimento de
demandas emergentes no campo educacional, na gestão do então governador Leonel
Brizola. Brizola inicia sua gestão tendo Darcy Ribeiro como vice-governador, que
acumula o cargo de Secretário de Estado de Cultura e para Secretaria de Educação
nomeou Yara Vargas, sobrinha do ex-presidente Getúlio Vargas. Eleito em 1982, Brizola
19
A este respeito, Ribeiro (2000) esclarece que na Constituição do Estado da Bahia, de 1947, sob influência
de Anísio Teixeira, já se vislumbrava um modelo mais autônomo para a educação no qual emergiam estes
Conselhos. Werle (1998) e Ribeiro (2000) vão destacar também que coube ao Estado do Rio Grande do Sul
o pioneirismo de pôr em prática a descentralização da educação via sua municipalização (Decreto Estadual
n° 5.044, de 13 de julho de 1954), preconizado na CF de 1946, em que pese o fato de que os “Conselhos
Escolares Municipais” não eram criados no âmbito das Secretarias Municipais de Educação (SME), mas
“na”
e “pela” Secretaria de Educação Estadual (WERLE, 1998, p. 133), aspecto este que vem corroborar a tese de
que a descentralização não necessariamente implica constituição de práticas democráticas.
30
decreta a criação da Comissão de Coordenadoria de Educação e Cultura, em março de
1983. Essa comissão reunia sob a presidência do vice-governador os secretários de
educação do município e o reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Essa
comissão tinha a responsabilidade formular a política do setor e orientar sua execução.
Em todos os estados do território nacional, os governadores eleitos ,em 1982,
nomearam os prefeitos da capital, mas no Rio de Janeiro, como em nenhum outro estado,
as condições político-partidárias e históricas foram bastante peculiares e fizeram com que
a prefeitura ficasse diretamente dependente do governo estadual. Segundo Cunha (2009),
tal situação persistiu mesmo depois que o prefeito do Rio de Janeiro, Saturnino Braga, foi
eleito em 1985, pela legenda do PDT. Essa situação só se altera com a posse do novo
governador, em 1987,Wellington Moreira Franco, por outro partido vindo a configurar um
novo cenário de correlação de forças políticas na cidade do Rio de Janeiro.
A gestão de Leonel Brizola foi marcada por conflitos e confrontos especialmente
no campo educacional, pois muitas das suas iniciativas e expectativas não se realizaram
como estava previsto na sua plataforma de governo. A educação era uma de suas
prioridades máximas,
[...] talvez por isso, a primeira obra dessa administração, a “Passarela do
Samba”, local para desfiles carnavalescos, tivesse seu insólito projeto
direcionado para a possibilidade de transformar parte das instalações em
salas de aula. Seriam 160 salas de aula e 43 salas administrativas.
Funcionariam aí uma pré-escola, uma escola de 1º grau para alunos em
tempo integral, uma escola de 2º grau, uma escola de formação de
professores, um centro de artes, uma escola supletiva, além de quadras de
esportes e uma biblioteca. Para o conjunto, anunciava-se uma capacidade
de atendimento de dezesseis mil crianças e jovens. (CUNHA, 2009,
pag.130).
O Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado do Rio de Janeiro
aprovado pela Assembleia Legislativa (1984/87)20
evoca a educação como prioridade
máxima e para sua concretização adotam-se as seguintes medidas:
[...] atendimento escolar efetivo à clientela de 1º grau; eliminando o
terceiro turno diurno, [...] jornada mínima de 5 horas, com atenção direta
dos professores começando pelas classes de alfabetização e da 5ª série;
construção de três mil novas salas de aula; treinamento de professores com
apoio especial aos alfabetizadores; produção de material didático a ser
distribuído aos alunos carentes juntamente com material escolar de
consumo ampliação da rede escolar, ao mesmo tempo em que se
implantaria uma nova concepção de escola, para alunos em regime de
20 Lei RJ 705, de 21 de dezembro de 1983. Essa lei dispõe sobre o Plano de Desenvolvimento Econômico e
Social do Estado do Rio de Janeiro.
31
tempo integral, cuja materialização seriam os CIEPs21
, [...] e no futuro, a
criação de escolas - parques22
; [...] capacitação e aperfeiçoamento do
magistério revitalizando os cursos de formação de professores em nível de
2º grau; criação de centros de experimentação pedagógica que
funcionariam como escolas de demonstração. (CUNHA, 2009, p. 131-
132).
Além da previsão dessas metas educacionais e, de como fazer para alcançá-las,
inclusive pela construção de estabelecimentos de ensino incomuns ou inexistentes, como
os CIEPs, no ensino de 1º grau no Brasil, reconhecia-se, de certa forma, a importância de
uma escola concebida pela comunidade. Assim, estava claro que dentro do princípio da
municipalização de ensino de primeiro grau, só uma escola concebida pela própria
comunidade poderia ampliar e valorizar sua função integradora, assumindo a real
representatividade da cultura local, (Cunha, 2009, p. 134). Buscando certa coerência entre
discurso e prática política, a Comissão Coordenadora de Educação, presidida pelo vice-
governador, promove, no segundo semestre de 1983, o I Encontro de Professores do
Primeiro Grau do Estado do Rio de Janeiro, dividido em três momentos. Esse encontro
tinha a intenção de ouvir os professores mediante a análise de um conjunto de teses acerca
da área educacional. Assim, os professores iniciaram a análise dessas produções a partir de
três blocos, previamente definidos pela comissão: análise da situação e dos problemas da
escola pública; metas da programação educacional do governo e participação dos
professores na nova programação educacional. Nessa oportunidade, os professores
receberam um envelope para se comunicarem com direção do encontro por mala direta,
21
CIEP- Centro Integrado da Educação Pública- Instituições idealizadas no Brasil para a experiência de
escolarização em tempo integral, voltadas para as crianças das classes populares, tentando atender as suas
necessidades e interesses. Os CIEPs foram criados na década de 80 por Darcy Ribeiro, quando era
Secretário da Educação no Rio de Janeiro, no governo de Leonel Brizola. O objetivo era proporcionar
educação, esportes, assistência médica, alimentos e atividades culturais variadas. Estas escolas deveriam
obedecer a um projeto arquitetônico uniforme. Alguns estudiosos acreditam que, para criar os CIEPs, Darcy
Ribeiro havia se inspirado no projeto Escola-Parque de Salvador, de Anísio Teixeira, datado de 1950. A
ideia dos CIEPs considerava que todas as unidades deveriam funcionar de acordo com um projeto
pedagógico único e com uma organização escolar padronizada, para evitar a diferença de qualidade entre as
escolas. No entanto, o projeto dos CIEPs recebeu muitas críticas, entre elas algumas referentes ao custo dos
prédios, à qualidade de sua arquitetura, sua localização, e até sobre o sentido de um período letivo de oito
horas. Muitos acreditam que o projeto arquitetônico tinha primazia sobre o pedagógico, sobretudo pela
ausência de equipes de educadores qualificados para esse projeto educacional. Os CIEPs ainda existem com
este nome mas , no governo de Fernando Collor de Melo, novas unidades passaram a se chamar CIACs
(Centros Integrados de Atendimento à Criança). A partir de 1992, estes últimos passaram a ter novo nome -
CAICs (Centros de Atenção Integral à Criança). Ao todo, foram construídos cerca de 500 CIEPs e 400
CIACs. (CUNHA, 2009). 22
As escolas- parque foram concebidas por Anísio Teixeira, que desenvolveu um projeto experimental em
Salvador, nos anos 1940 e, por sua inspiração, forma implantadas na cidade de Brasília, na década de 1960.
Cada escola parque deveria oferecer atendimento adicional aos alunos das escolas comuns de sua área de
influencia, em termos de estudo dirigido, esportes, lazer e sondagem vocacional. (CUNHA, 2009).
32
[...] mediante o que fizeram reivindicações, principalmente de
caráter salarial e de condições de trabalho. [...] para alguns
professores, tratava-se da oportunidade de “explosão da voz
silenciada” durante anos de contenção política, para outros,
tratava-se de mais uma mobilização do professorado para apoiar
“teses” que já vêm prontas de cima. [..] foram eleitos os
representantes de 50 mil professores presentes nessa reunião
(CUNHA, 2009, p.138).
No segundo encontro, uma semana depois, cerca de mil professores reuniram-se
divididos em onze polos para elaboração de relatórios que seriam apresentados no terceiro
encontro realizado em novembro do mesmo ano. Este encontro aconteceu no município de
Mendes e contou com a presença de 110 delegados eleitos, dez por polo, além da presença
do vice-governador e das secretárias de educação do estado e do município da capital.
Esse encontro acontece em dois dias, ficando comprovada a liderança dos participantes,
assim como nos encontros anteriores e torna-se inevitável o primeiro e decisivo confronto
entre a administração educacional e os professores. Os relatórios apresentados foram
elaborados em conjunto e nem sempre foram convergentes ou absorvíveis pelos planos
que já estavam prontos. As teses foram criticadas, pelos professores pelas razões expostas
abaixo:
[...] “é que nelas não está incluída a análise da escola no contexto
político-social e econômico. [...] A escola reflete o sistema e
consideramos utópico construir uma escola modelo, encarada
como a salvação para os agudos problemas econômicos que o país
está vivendo.[..] Consideramos que a função da escola é ensinar e,
assim, como há quem ensine para um ‘aluno ideal’, segunda a
visão do grupo que elaborou as teses, pensamos que o atual
governo do estado pretende instaurar uma ‘escola ideal’,
desconsiderando os aspectos estruturais do sistema , a que já nos
referimos” 23
, (CUNHA, 2009, p. 139).
Os CIEPs, as escolas de turno único, não receberam apoio dos professores de
nenhum dos polos participantes:
[...] discordamos da construção de grandes escolas como meta
definitiva [...] sugerimos a expansão da rede escolar atendendo às
necessidades das comunidades [...] lembramos que é importante
um trabalho de valorização das escolas de bairro, para que se
abandone a ideia de eficiência apenas dos grandes centros
educacionais..24
.” (CUNHA, 2009, p. 139)
23
Relatório do Polo Tijuca, Escola viva, viva a escola, nº 2, pág. 45, 1983
24 Relatório do Polo Tijuca, Escola viva, viva a escola, nº 2 pág. 38 ,1983.
33
Assim, como no encontro em Mendes com os professores de 1º grau, os
professores do 2º grau ficaram desestimulados em relação a sugestões de medidas para a
melhoria do ensino, pois as principais medidas, da política educacional, eram desenhadas
sem a participação dos professores. Esse impasse entre o professorado e a gestão
educacional do estado e do município perdurou até o fim do governo Brizola. A
administração educacional passa a criticar os professores por falta de colaboração na
melhoria do ensino e seu “elitismo”, e o magistério, por sua vez, pela intermediação do
Centro Estadual de Professores, rejeita a política educacional pela ênfase monumentalista
e assistencialista, acusada de promover um dualismo antidemocrático na rede escolar
pública.
Após a Emenda Constitucional nº 25 de 198525
que reestabelece as eleições diretas
para prefeito das capitais e em cidades consideradas como área de segurança nacional, o
então prefeito Marcelo Alencar, nomeado pelo governador Leonel Brizola, é substituído
por Saturnino Braga que assume a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro de 1986 a 1988.
Este é um mandato atípico com a duração de três anos, tendo o compromissos moral de
readaptar a cidade para uma gestão mais autônoma. Atendendo a este compromisso, a
partir do processo de democratização do país, o prefeito eleito separa as Secretarias de
Educação e Cultura. Até então as Secretarias de Educação e Cultura eram um único órgão
e, em decorrência dessa integração, deixava a desejar, principalmente, na avaliação de
artistas e intelectuais da época. Segundo depoimento do ex-gestor do CREP,26
analisando
essa questão, sob a ótica educacional, isso trouxe um grande prejuízo para a Secretaria de
Educação, porque muitos projetos que estabeleciam uma relação, ou eram entendidos
como projetos que promoviam interseção entre a área educacional e a área cultural ficaram
sem condições de serem viabilizados, até que se definisse a que Secretaria o mesmo estaria
diretamente ligado. Na tentativa de resolver a falta de “paternidade” de alguns projetos,
Saturnino Braga, cria em 1989, dentro da SME o Departamento Geral de Ação
25
A Emenda Dante de Oliveira, que previa eleição direta para presidente e vice-presidente da República, foi
rejeitada em abril de 1984. Assim, a eleição do primeiro civil após o período de exceção se deu em 1985,
ainda indiretamente, por meio de um colégio eleitoral. Em 15 de maio desse ano, a Emenda Constitucional
nº 25 alterou dispositivos da Constituição Federal e restabeleceu eleições diretas para presidente e vice-
presidente da República, em dois turnos; eleições para deputado federal e para senador, para o Distrito
Federal; eleições diretas para prefeito e vice-prefeito das capitais dos estados, dos municípios considerados
de interesse da segurança nacional e das estâncias hidrominerais; aboliu a fidelidade partidária e revogou o
artigo que previa a adoção do sistema distrital misto. ( http://www.infoescola.com/historia-do-brasil/emenda-
constitucional-dante-de-oliveira) 26
Sr. Silas Ayres, entrevista concedida a esta pesquisadora em junho de 2014 em sua residência no bairro da
Glória.
34
Comunitária- DGAC- e, dentro desse departamento, uma área mais voltada para projetos
culturais27
. Dentre esses projetos destaca-se a proposta da criação de um Centro de
Memória e, que dá origem, no futuro, ao Centro de Referência da Educação Pública da
Cidade do Rio de Janeiro – CREP.
1.3 CREP: Um Território Educacional em Disputa?
Como destacado no inicio deste capítulo, pode-se conceituar território “como uma
criação da espécie humana dentro de processos históricos determinados por sujeitos que
protagonizaram sua instituição”, (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 38).
Assim, apresento neste item o processo de constituição do CREP – sua origem, criação,
funções, o que representava e o que ainda pode representar para a Secretaria Municipal de
Educação.
Como questão inicial, faço a seguinte pergunta: O que se guarda e o que se
esquece/ perde sobre a educação municipal na Cidade do Rio de Janeiro, em mais de 20
anos de existência do Centro de Referência da Educação Pública - CREP ?
Na tentativa de buscar respostas para esse questionamento ou até mesmo construir
outros que se façam pertinentes a este estudo e, quem sabe, a outros pesquisadores,
construí minha trajetória de investigação metodológica considerando três referencias28
,
respeitando a seguinte sequência:
1. Entrevista realizada em agosto de 2013 com a Sra Marisa Abrunhosa,
coordenadora do Prêmio Anísio Teixeira, de 2000 a 2008 29
, que forneceu dados e
informações essenciais para que eu definisse os próximos passos investigativos
desta pesquisa;
2. Pesquisa documental realizada nos meses de outubro e
novembro de 2013. Durante a realização da pesquisa tive acesso aos documentos
que estavam catalogados como fazendo parte da origem e criação do CREP. O
27
Informação extraída do depoimento do Ex - Diretor do CREP. (AYRES, 2014).
28 Procurei dialogar com os autores que me auxiliassem na análise dos principais instrumentos
metodológicos, eleitos nesta pesquisa, Análise Documental e História Oral. Zago (2003), Minayo, (2012) e
Brandão (2010). Toda vez que o instrumento de pesquisa é revisto, o objeto de pesquisa também é
reordenado “segundo uma lógica cada vez mais elaborada”. Assim, problematizar e refletir sobre o percurso
metodológico, ao longo de toda a investigação, constitui elemento qualificador importante que deve ser
considerado como movimento legítimo em qualquer pesquisa. 29 Anexo: 01- A entrevistada disponibilizou um CD com documentos sobre o Prêmio: editais e fichas de
inscrição.
35
levantamento dos documentos consultados encontram-se no anexo nº 2 desta
pesquisa. Em relação ao Prêmio Anísio Teixeira, tive acesso apenas a uma
coletânea anterior ao objeto desta pesquisa intitulada: “ Experiências Bem
Sucedidas” referente aos anos de 1989 a 1991 e, a um exemplar da coletânea de
2001, referente aos premiados de 2000.30
3. Entrevista com o Sr. Silas Ayres, Diretor do CREP de
1999 a 2008, aposentado pela SME em 1999. Essa entrevista, além de ampliar a
compreensão da trajetória histórica e política do CREP, forneceu subsídios e
orientação para a classificação dos documentos pesquisados no CREPAT,
contextualizando suas produções dentro do cenário educacional do município do
Rio de Janeiro, nos últimos 25 anos, desde a primeira proposta de criação de um
centro de memória, em 1989. Esta entrevista foi concedida a mim em junho de
2014.
A trajetória de criação do CREP: De Centro de Memória a Centro de Referência
A origem do CREP, hoje CREPAT (Centro de Referência da Educação Pública Anísio
Teixeira), foi uma construção que atravessou duas décadas e meia, com avanços, paradas e
retrocessos, infelizmente, próprios de uma sociedade que ainda privilegia pouco a
educação de seu país e consequentemente sua história, apesar da riqueza de sua memória.
A partir do cruzamento das informações localizadas em campo, apresentadas no anexo
231
, e das entrevistas produzidas com a gestora do Prêmio Anísio Teixeira -2000 a 2008 e
o ex-gestor do Centro de Referência (anexos 1 e 3), tentei percorrer a trajetória do CREP a
saber quanto 32
A sua origem – a partir da criação dos grupos de trabalho (GT) – Criado em junho de
1992, como órgão ligado ao Departamento Geral de Ação Comunitária (DGAC) da SME
do Rio de Janeiro, o Centro de Memória (CTM), possui uma história própria que vai além
desse marco. Interessados em coletar informações sobre a existência ou não de acervo nas
30
Anexo 6 (fotos 1 e 2) – No Cap. II encontram-se mais informações sobre as modalidades anteriores do
prêmio:” Medalha Educador Anísio Teixeira” 1985 e “ Projeto Experiências bem Sucedidas”
31 O anexo 2 – Listagem dos documentos localizados e consultados sobre a criação, implantação e ações do
CREP. A relação desses documentos será apresentada no capítulo 2. Arquivo - CREPAT
32 Essas Informações foram localizadas no Relatório Final – Arquivo do CREP, Pasta 01 (Centro de
Memória da Educação: Novos Horizontes) Anexo de Foto . nº 3
36
escolas públicas municipais, assim como, sobre o conteúdo das mesmas, uma dupla de
pesquisadores33
apresenta em julho de 1989 ao departamento de cultura o “Projeto de
Levantamento de Fontes Históricas da Educação Municipal” que preconizava o
levantamento parcial dos acervos existentes nas escolas da rede municipal. A partir de
então, um primeiro contato real com o mundo da escola foi concretizado. Esta aproximação
permitiu constatar a existência de um amplo acervo documental, via de regra relegado a
plano secundário, dentro do universo escolar e, consequentemente, em precárias condições
de manutenção, estando até mesmo fadado ao desaparecimento completo. Assim, com o
propósito de pensar a questão do resgate e da preservação dos acervos documentais
encontrados nas escolas da rede pública municipal, a SME criou um Grupo de Trabalho
através da resolução nº 367 de janeiro de 199034
. O relatório, apresentado em fevereiro
deste mesmo ano pelo GT, apontou tanto para a necessidade de se formular uma política de
preservação documental, quanto para a criação de um Centro de Memória. Na visão do GT,
uma ação urgente precisava ser iniciada com o objetivo de impedir o desaparecimento
destes acervos, de grande valia para a preservação da memória da educação na cidade do
Rio de Janeiro, assim como, para subsidiar a produção escrita sobre a História da Educação
Brasileira (grifos meus).
A metodologia do Grupo de Trabalho – Auxiliaram na construção inicial da metodologia
especialistas das áreas de história e documentação de instituições como: UFF/PUC-RJ/
Delegacia regional do MEC/ Museu Nacional-UFRJ/ Arquivo Nacional/ Casa Osvaldo
Cruz-Fiocruz e CPDOC-FGV. Paralelamente à realização de mapeamento dos acervos das
escolas, o GT dava continuidade as visitas às escolas e um levantamento parcial foi
produzido identificando um universo maior de unidades escolares, o que explicitou a
necessidade de serem estabelecidos limites cronológicos para a efetivação do trabalho de
campo. A partir desses dados os pesquisadores, do GT, decidiram tomar como data limite
para o levantamento do acervo escolas fundadas em 1870, tendo com o referência uma
escola em São Cristóvão, fundada neste ano e que até aquela data funcionava no mesmo
prédio e, o ano de 1945, como outro marco, considerando que a pesquisa documental
identificou expressivo acervo em relação ao período Vargas, com ênfase na criação de
Parques de Recreação do Estado Novo. A pretensão era conhecer todas as unidades
escolares, mas na realidade foram visitadas 150 escolas e, em apenas 70 delas o GT teve
contato com o acervo, isto por dificuldades diversas, entre as quais é mencionado a falta de
recursos humanos e financeiros;
A divulgação do trabalho realizado pelo GT- À medida que o trabalho do GT evoluía
tornava-se claro que não bastava organizar, recuperar e preservar o importante e completo
conjunto-documental, mas, sobretudo, se colocava a necessidade de divulgá-lo. Assim, a
existência prévia de um convênio entre a SME e o Museu Histórico Nacional ofereceu as
condições para viabilizar o Projeto-Exposições: Memória da Educação na Cidade do
Rio de Janeiro, inaugurada em 31 de outubro de 1991 com visitação aberta até junho de
33
Refiro-me aos pesquisadores Jorge Antônio da Silva Rangel e Sônia de Oliveira Câmara, alocados nesse
período no Departamento de Cultura do DCT/DGAC-SME (ver Anexo 2).
34 Anexo Foto n. 5: Resolução da Secretaria Municipal de Educação nº 367 de 18 de janeiro de 1990-
Documento escaneado que instaura a criação do primeiro Grupo de Trabalho para elaborar a proposta de
criação do Centro de Memória. Recuperado na pesquisa documental em novembro de 2013.
37
1992. A mostra foi concebida em quatro módulos: ‘Educação e Trabalho’ – tratava do
cotidiano escolar na passagem do século XIX para o XX usando fotografias , documentos e
objetos; ‘Escola e Sociedade’- fotografias, textos e objetos contextualizando à produção
cultural da escola e os projetos governamentais no âmbito da educação de 1930 a 1945;
‘Arquitetura e Memória’ – apresentação do patrimônio arquitetônico a partir de
fotografias; ‘ A Escola Revisitada’ – espaços da vida escolar, a partir da reconstituição de
espaços como: gabinete do diretor, gabinete dentário, sala de aula, área de recreação e o
espaço da memória que expressava claramente a necessidade da criação de um Centro
de Memória;
As ações do primeiro GT após a Criação do Centro de Memória (CTM) – O sucesso
alcançado com a exposição transforma o GT em CTM: Centro de Memória da Educação,
incorporando mais dois profissionais da rede municipal graduados em sociologia e
museologia. A criação do CTM, permite o surgimento de novas linhas de trabalho como o
Vídeo produzido a partir do Projeto de História Oral realizados com as ex-alunas da
Escola Orsina da Fonseca, com objetivo de estabelecer as relações existentes entre essas
alunas com a referida escola profissional em meados da década de 1940. Além da produção
deste vídeo, surge a produção e publicação de um Boletim com o objetivo de divulgar as
ações do CTM. O referido boletim foi distribuído entres os DECs, as escolas e outras
instituições ligadas à preservação da memória. Ao final de 1992, o CTM com a colaboração
do Museu de História Nacional organiza um seminário tendo como eixos de debate:
Memória; Identidade; Educação e Cidadania. Ao longo deste seminário foi lançado o Vídeo
“ Depoimento de ex-alunas da Escola Municipal Orsina da Fonseca” e também divulgado a
formação de um Banco de Dados Informatizados produzido pelo CTM.
Pode-se concluir, pela descrição acima, que o período de 1989 a 1992, é a primeira
fase do centro que, de uma estrutura de grupo de trabalho, passa ao status de um Centro de
Memória, com todo o peso e a responsabilidade que uma instituição desse porte precisaria
ter. Essa é uma fase em que se percebem avanços e certo reconhecimento. Muito se
pretendia e, com certeza, muito trabalho estaria por vir, mediante os objetivos propostos
pela equipe do Centro:
“ Reunir, resgatar, pesquisar e divulgar os registros documentais que
compõem a memória da educação pública da cidade do Rio de Janeiro;
Levantar informações acerca dos registros documentais existentes nas
escolas, organizando e preservando as fontes documentais; Viabilizar a
realização de trabalhos de higienização, acompanhamento o
tratamento adequado aos registros documentais resgatados; Elaborar o
acervo após identificação e arranjo dos registros documentais; Estimular
a publicação a partir da centralização das informações, Guia de Fontes
em História da Educação pública Municipal; Incentivar, através de
divulgação do acervo, de seminários e exposições, a criação de núcleos
de preservação da memória nas escolas públicas da rede municipal;
Propiciar a produção de estudos e pesquisas sobre a memória da
educação pública municipal entre alunos e professores do primeiro e
terceiro graus de ensino; Valorizar o patrimônio histórico cultural da
escola enquanto elemento essencial para o fortalecimento do exercício da
38
cidadania brasileira; Promover a realização de seminários, debates e
conferências com intuito de contribuir para a reflexão crítica do papel
social da escola pública na sociedade brasileira; Desenvolver uma linha de
vídeos na perspectiva de recuperar a memória da educação, a partir de
relatos de experiências.”35
(grifos meus)
No período de 1993 a 1996 o Centro de Memória passa por uma fase de retraimento,
pois mesmo após sua criação, no final do mandato do prefeito Marcelo Alencar e, em
seguida, com a posse do novo prefeito, Cesar Maia, uma nova equipe assumi o CTM
acreditando que teriam condições de realizar os objetivos e ações previstas pela equipe
anterior. Segundo o ex-gestor do CREP, isso não acontece, pois
[...] o Marcelo criou, mas não deu ao Centro uma estrutura adequada. O
Pessoal novo que chegou, chegou acreditando que tinham uma estrutura
fabulosa... (chamaram gente de fora, intelectuais da PUC), mas quando
viram o que teriam de montar, que ia ser uma coisa de doido, acabaram
caindo fora... esse pessoal ficou um tempo pequeno lá e saiu. Ai a
Secretária nomeou para dirigir o Centro de Memória professoras do seu
quadro... [..] No início, a secretaria reservou uma sala pequena ...era uma
salinha e dessa salinha foi passando para outras salinhas cada vez
menores. E o pior, tinha muita gente que era contra o Centro de Memória,
diziam que “isso não é trabalho para a SME... isso é coisa para o Arquivo
da Cidade... isso não é trabalho pedagógico...isso é capacitação de
professor... quem tem que capacitar o professor é o DGE... Enfim, havia
uma grande resistência à implantação do Centro.(AYRES, 2014, grifos
nossos ).
Em documento datado de janeiro de 199736
, a equipe que ainda atuava no CTM
elabora proposta de criação de um espaço próprio para o CTM denominado -“Centro de
Referência Antônio Callado37
” - onde explicita a pertinência de um Centro de Referência;
a definição do que seria este centro e a necessidade de que se eleja um local adequado e
próprio que abrigasse esta instituição. Nesse documento identifica-se a indicação de uma
35
Essas Informações foram localizadas no Relatório Final. Centro de Memória da Educação: Novos
Horizontes, 1999, p. 9. (Anexo de Foto nº 3)
36 Proposta do E/de e:d p/ Centro de Referência Antônio Callado - 1997- (anexo de foto nº 4)
37 Antônio Callado, apesar de formado em Direito (1939), nunca exerceu atividade na área jurídica. Militou
na imprensa diária no período entre 1937 a 1941, nos jornais cariocas O Globo e Correio da Manhã.1 Em
1941, em plena Segunda Guerra Mundial, transfere-se para Londres onde trabalhou para a BBC até 1947.
Depois da libertação de Paris, trabalhou no serviço brasileiro da Radiodiffusion française.Na Europa
descobre "sua tremenda fome de Brasil". Lê incansavelmente literatura brasileira e alimenta o desejo de, ao
voltar, conhecer o interior do país. Na volta, satisfaz esse desejo ao fazer grandes reportagens pelo Nordeste,
pelo Xingu, sobre Francisco Julião, Miguel Arraes e outras. Atuou como redator-chefe do Correio da Manhã
de 1954 a 1960, quando foi contratado pela Enciclopédia Britânica para chefiar a equipe que elaborou a
primeira edição da Enciclopédia Barsa, publicada em 1963.1 Redator do Jornal do Brasil, cobriu, em 1968, a
Guerra do Vietnã. Em 1974, dá aulas nas universidades de Cambridge, na Grã-Bretanha, e Columbia, nos
Estados Unidos. Em 1975, quando trabalhava no Jornal do Brasil, deixa a rotina das redações para dedicar-se
profissionalmente à literatura. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B4nio_Calado).
Acesso em 8 de Agosto de 2013.
39
escola tombada pelo Conselho de Patrimônio do Município, imponente e ampla e, que
tem sua história marcada pelo pioneirismo . Aqui aparece pela primeira vez a proposta de
troca de nome do Centro Memória para Centro de Referência e a indicação da Escola
Rivadávia Correa38
, enumerando uma infinidade de razões para esta ocupação, como um
local indicado a instalação do CREP. Esta informação localizada na pesquisa documental
se contrapõe ao depoimento do ex-gestor do CREP, pois comparando as duas fontes pode-
se depreender que esta proposta é anterior à criação de terceiro GT, em julho de 1997
pela Secretária Carmen Moura. Desta forma, a proposta do Centro de Referência Antônio
Callado foi realizada pela equipe que permaneceu no centro e resistiu a sua extinção. De
acordo com o depoimento do ex-gestor do CREP:
[...] havia aqueles que ficaram lá e resistiram aos opositores do
funcionamento do centro. Eles iam resistindo e funcionavam ...vamos
dizer assim... a meio vapor. E, assim foi até chegar a Secretária
Carmem Moura, que tinha como Subsecretaria a Heloisa Machado. Elas criaram um grupo de trabalho (tinham trabalhado na SME na época
da criação do Centro de Memória, elas conheciam a proposta) e pensaram:
vamos dar força ao Centro de Memória. Vamos criar uma coisa maior
do que se tem hoje. E, ai elas criaram o primeiro grupo de trabalho ...
(AYRES, 2014. grifos nossos)
Na verdade, o grupo de trabalho mencionado, na citação acima, é o primeiro desta
fase, quando entra a Secretária de Educação Carmen Moura. A título de esclarecimento,
antes desta fase identifica-se na trajetória do Centro dois GTs anteriores: o primeiro que dá
origem ao Centro de Memória e o segundo grupo que fica resistindo à permanência do
Centro, nessa época alocado em uma pequena sala nas dependências da SME. Assim, esse
seria o terceiro GT39
. Logo de início este GT organiza duas reuniões nos meses de maio e
junho de 1997. Na primeira reunião, além da equipe do GT, estavam presentes a Secretária
e Subsecretária de Educação e a representante da Unesco, uma professora da PUC-Rio.
Nesta oportunidade, a própria Srª Secretária de Educação apresenta os objetivos do futuro
38
2ª Escola Profissional Feminina. Teve sua origem na Escola Pública da Freguesia de Sant’Anna,
inaugurada no município da Corte em 1877. Em 1874, Dom Pedro II lançou a pedra fundamental do sobrado
onde se instalaria a Escola Pública da Freguesia de Sant’Anna, na Praça da Aclamação, entre a rua de
São Pedro (atual av. Presidente Vargas) e a rua Larga de São Joaquim (atual av. Marechal Floriano). Consta
que a escolha do local – Campo de Santana - deve-se principalmente ao fato de ser aquele lugar o centro
político-administrativo da capital do Império, ponto estratégico onde se localizavam vários prédios
representativos do Poder.
38- Resolução SME- Nº 1760 de 07 de Julho de 1997 – Cria grupo de trabalho para estudar e definir política
de preservação das fontes e documentos sobre a História da Educação no Município do Rio de Janeiro, e de
proteção e guarda desse acervo histórico, pela SME.
40
Centro e os atuais membros do GT; inicia-se então uma discussão preliminar sobre o perfil
da futura instituição; são sugeridas as possíveis áreas de atuação do Centro como:
Patrimônio / Memória da Educação/ Centro Referencial/ Banco de Dados gerados pela
SME; Capacitação; Pesquisa Aplicada e Revitalização Cultural. Nota-se aqui uma
diferença em relação ao status do CTM, pois a própria Secretária, acompanhada da
Subsecretária de Educação aparecem como protagonistas da proposta de criação do centro,
o que até o momento não havia sido verificado na pesquisa de campo.
A segunda reunião acontece com os mesmos integrantes da primeira com exceção da
presença da Secretária e da Subsecretária de Educação. Essa reunião reformula os
objetivos do Centro, racionaliza e redefine as áreas de atuação do centro e seu público
alvo.
As duas reuniões seguem os mesmos objetivos e metas do primeiro GT que dá origem
ao Centro, pois vários integrantes deste grupo já conheciam a proposta inicial da criação
do CTM e concordavam com a necessidade de sua criação. Esta reunião se diferencia ao
destacar a urgência da designação, por parte da SME, de um espaço próprio para o
funcionamento e implantação do Centro. Na visão do ex-diretor do CREP, os
participantes desse GT
[...] fizeram um bom trabalho, visitaram outros estados, outros municípios,
lugares onde a ideia de Centros de Memória já estava ganhando força ... a
proposta que saiu deste grupo foi a de se criar um Centro de Referência
da Educação. [..] Eles propuseram que fosse instalado naquele prédio da
antiga TV Rio que fica perto da prefeitura [...] mas isso não foi adiante.
E, em1998...1999 a SME criou um outro GT, não! Na verdade não
chamavam de grupo de trabalho, esse grupo tinha o nome de consolidação
do Centro de Referência [...]Ah, lembrei do nome: Grupo de
Implantação. Nesse momento é que eu fui chamado [...] eu tinha estado
na Secretaria de Ciência e Tecnologia no Estado ...eu tinha voltado para a
prefeitura e a Secretária e a Subsecretaria, muito particularmente, me
chamaram para entrar nesse GI. Participaram desse grupo: eu, Adir da Luz
(hoje professora da UERJ) a Maria José Cânfora (representante do
DGAE), o Renato Barcelos representante da mídia, da informática.
(AYRES, 2014, grifos nossos)
Esse terceiro GT expressa sua atuação nos documentos, datados de 1999,
apresentados em relatórios consolidados dos meses de junho e julho, bem como na
proposição de pré-projetos e propostas de criação de um CR intitulado, agora, de Centro
de Referência Casa Darcy Ribeiro40
.
40 Anexo 6 – Foto nº 4
41
O diferencial desses relatórios e propostas está relacionado à forma de
apresentação das proposições e necessidades de criação de Centro de Referência. Os
documentos mostram-se agora em formato de projetos respeitando todos os itens que
possa orientar, de fato, a implementação e implantação do Centro de Referência da
Educação Pública. Dessa forma, apresentaram justificativas plausíveis e coerentes para a
necessidade de se criar um grupo especializado para implantação (GI) do CREP.
Não se pode ignorar que, desde a participação da Secretária e Subsecretária de
Educação no GT de junho e julho de 1997, o centro passa a ser reconhecido como uma
instituição que faz parte da SME. A presença da Secretária de Educação institucionaliza a
relevância do CREP, ou seja, o discurso da Secretária é uma fala autorizada que expressa
em momento solene e que dispõe da legitimidade conferida pela própria instituição.
Segundo Lopes (2012, p.87):
[...] De acordo com Bourdieu (1996), o porta voz assume a relevância em
relação a outros agentes e age com palavras “na medida em que sua fala
concentra o capital simbólico acumulado pelo grupo que lhe conferiu o
mandato e do qual ele é, por assim dizer, o procurador” (p.89). O discurso
da autoridade não precisa ser claro e compreensível, bastando o
reconhecimento de seus receptores para que se torne legítimo. Em
contrapartida, qualquer outro discurso estará condenado ao fracasso se
pronunciado por alguém que não disponha de poder para pronunciá-lo.
Essas informações vão ao encontro do que é mencionado na entrevista com o ex-
gestor do CREP. Vejamos:
[..] Uma outra professora, amiga nossa, que também hoje está na UERJ,
a Regina Brasil. Fomos chamados para implantar o Centro de
Referência ... ai se viu que não dava para ser naquele prédio da TV Rio
e a Secretária propôs então o Rivadávia Correa. Por que o Rivadávia
Correa? Porque era um prédio antigo da época do Pedro II e tinha
passado por uma reforma porque estava muito danificado. A escola
estava funcionando no anexo desde 1930 e estava funcionando
direitinho. Então, aquele prédio que estava reformado serviria para
colocar o Centro de Referência e foi nessa adaptação que a gente
começou a trabalhar. A escola é tombada, mas se modificou
internamente todo o prédio para funcionar o Centro: sala para arquivo, ar
condicionado, algumas coisas mínimas para se ter um centro, uma sala
para o acervo e pesquisa, salas para exposições, auditório, laboratório de
informática. (AYRES, 2014, grifos Meus)
A leitura e análise realizada dos documentos relacionados acima e, aos que se
seguem, a saber: a) a atuação de trabalho do Grupo de Implantação, como o Relatório
Final de 1997, submetido a SM apresentando o Projeto de Implantação, o qual sinaliza e
corrobora na introdução com as iniciativas, dos GTs anteriores, de criação do centro e
42
documentos comprovando tais iniciativas41
, passando pela metodologia de implantação,
formas de financiamento, ações previstas em todas as fases de implantação até o início de
funcionamento do CREP - apresentando cronograma detalhado de atividades de outubro,
novembro, dezembro de 1997 a janeiro de 2000; b) as Reuniões Iniciais de Junho e Julho
de 1999 mencionados dois parágrafos acima; c) o Relatório Final de Novembro de 2000
- nos leva a considerar que o processo de implantação do Centro de Referência, mais uma
vez, teve idas e vindas, sempre atreladas à dinâmica de uma política educacional pouco
clara em suas tomadas de decisão, mesmo quando se deparavam com intenções e
afirmativas que traduziam tão bem o quê e a quem estavam representando esses relatórios:
[...] Uma intrigante pergunta norteou o trabalho do GT durante este período.
Subjacente a todas as discussões colocava-se a indagação sobre o status
possível do valor da memória e da construção de referências sobre a educação
no contexto da cidade contemporânea, onde a velocidade da informação e das
transformações conduz, quase sempre ao, esquecimento. [...] O
reconhecimento da indissolúvel ligação que hoje se estabelece entre a cidade
e a cultura, como cerne da nova reivindicação de ‘direito à cidade’, engloba o
direito de todos os cidadãos ao ‘exercício da história’ e coloca a Educação
como elemento-chave e propulsor da identidade urbana. Nesse sentido, a
iniciativa da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, através da Secretaria
Municipal de Educação, com o apoio institucional da UNESCO, de criar um
Centro de Referência da Educação Pública irá consolidar e conferir
visibilidade às práticas educacionais que, ao longo do tempo contribuíram
para a constituição dessa identidade. Além disso, no momento em que os
processos de globalização e regionalização começam a fazer parte da agenda
dos países da América Latina torna-se, mais que nunca, necessário criar
espaços de reconhecimento, onde todos – professores, pesquisadores e (por
que não? ), o cidadão comum – possam participar, contribuir e se reconhecer
como participantes ativos de seu tempo e da história da construção da cidade.
(CREP-Relatório Final, 1997)
Nos anos que se seguem, ainda dentro da fase de implantação, até a instalação do
CREP, nas dependências da Escola Municipal Rivadávia Correa em 2002, localizei
documentos que descrevem ou apenas mencionam as seguintes ações GT de implantação:
Relativas à adequação do espaço de ocupação do CREP - Visitas à Rivadavia Correa;
Restauração do Imóvel da E. M. R. Correa ; Obras de Reforma e Adequação do Imóvel ao
CREP; Especificação e Escopo de serviço para as Obras; Vistorias nas Instalações
Elétricas ; Vistoria feitas pelo C/DGPC – SMC ; Especificações para o Projeto de
cabeamento estruturado no Centro de Referência e de Especificações detalhadas de
servidores de rede.
41
Anexo 10- Relatório de Atividades -1989/1992; Centro de Memória da Educação: Novos Horizontes;
Centro de Referência Antônio Callado; Plantas baixa do 1º e 2º andar da Escola Rivadavia Correa; Relatório
sobre Bando de Dados já disponível no CR Informatizados e não Informatizados de 1996 ao 1º bimestre de
1997, datado de 30 de junho de 1997 e Proposta Orçamentária 1998 – Quadro Comparativo de Programação
de Gastos.
43
Relacionadas a documentos entregues à Secretária de Educação - Minuta de Criação de
Instituto Centro de Referência da Educação Pública, a ser enviado à Câmara dos
Vereadores; Minuta de Resolução para criação do Centro de Referência (Ato da
Secretária)
Relativas à produção de Ofícios sobre:
a) Reforma do Telhado do Imóvel – hipermeabilização 9/1999; b) Projeto de Ambientação do
CREP – Encaminhado à SMC 10/1999; c) Relatório de Vistoria no E/CREP – Encaminhado
em 11/2000; d) Consolidação do Cento de Referência da Educação Pública – 2001; e)
Autorização do recebimento das chaves do Centro pela direção do CREP em 01/07/2002; f) A
mudança do Centro de Referência para a Escola Rivadávia Correa localizada na Avenida
Presidente Vargas, 1.314 em 16/07/2002 sugerindo contratação de serviço de segurança e g)
Contratação de prestação de serviço para a elaboração do site
Relativas à elaboração de Mini Projeto de Lei – Autorizando o Poder Executivo a Instituir
o CREP expressos nos Ofícios de nº 15/2002, 21/2002 e 01/2003
Relativos à Participação em eventos, seminários e cursos de 2000 a 2001 – Anexo 11.
A partir do que se conseguiu documentar e das entrevistas realizadas nesta pesquisa,
pode-se entender que a partir de 2000 inicia-se uma outra fase de avanços e progressos
para o CREP, considerando aqui uma das primeiras ações institucionais do centro: a
concepção e realização do Prêmio Anísio Teixeira, agora com um formato bem diferente
das duas iniciativas anteriores42
. Além de premiação e publicação, das monografias, os
professores, teriam a oportunidade de fazer oficinas para elaboração de memorial e de
textos autorais. A primeira coletânea organizada pelo CREP foi publicada em 2001,
[...] quando o Conde estava saindo, ele criou o Centro de Referência
através do decreto43
, não o que o Grupo de Implantação tinha
proposto, mas em cima da proposta que o gabinete do prefeito tinha
feito. Mas, também mais ou menos, como na época do Marcelo Alencar,
sem infraestrutura adequada para o funcionamento, mas de qualquer
maneira era um avanço... prédio próprio, verbas pelo menos indicadas para
o funcionamento...( AYRES, 2014, grifos meus ).
No ano de 2000, já na gestão do prefeito Cesar Maia, assume a Secretaria de
Educação, da Cidade do Rio de Janeiro, a Professora Sônia Mograbi que decide manter a
mesma equipe que estava atuando na implantação do CREP. Esta equipe, por motivos
42 Modalidades do Prêmio Anísio Teixeira anterior ao estudado nesta pesquisa: Decreto de Lei n° 742, de
08/10/1985 criando a Medalha Educador Anísio Teixeira, destinada a promover a valorização do
profissional de educação no Município do Rio de Janeiro, e na sequência o decreto n° 7020, de 13/10/1987,
que instituiu o Prêmio Anísio Teixeira “Projeto Experiências Bem Sucedidas”, realizado pela Secretaria
Municipal de Educação, que tinha por objetivo estimular o registro das atividades desenvolvidas com os
aluno- publicação 1989 a 1991.
43 Lei 2854/99 Dispõe sobre a Criação do Centro de Memória
44
diferentes, acaba não permanecendo no GT de implantação do Centro e a Secretária se vê
obrigada a nomear outros profissionais para dar continuidade a este trabalho. Assim, sob a
coordenação da professora Marisa Wernek, o CREP foi inaugurado em 2002.
De 2000 a 2008, além da organização e realização do Prêmio Anísio Teixeira, o
CREP mantém a função de guarda e levantamento da memória da educação do município
do Rio de Janeiro. Na entrevista com o ex- gestor do CREP, ele menciona:
[...] acho muito interessante ressaltar: além das publicações dos mestres e
doutores da rede que eu já havia citado (eram as publicações dos
resumos das teses e dissertações), foram também as entrevistas com
todos os secretários municipais de educação da rede desde a época da
fusão, desde 75, desde a Teresinha Saraiva até a Sônia Mograbi. O Centro
de Referência publicou essas entrevistas, publicamos livros. (AYRES,
2014, grifos meus)
De 2009 a 2012, O CREP passa por um período de ostracismo, interrompendo
parcialmente suas atividades. Até maio de 2013, o CREP possuía apenas uma funcionária
responsável e a mesma ocupava uma mesa em sala compartilhada com as demais
atividades da Escola Rivadávia Correa. Em julho de 2012, é inaugurado, pela SME, na
Escola Rivadávia Correa, o centro de formação de professores municipais intitulado:
Escola de Formação do Professor Carioca – Paulo Freire44
. A inauguração contou com a
participação da Secretária Municipal de Educação, Claudia Costin, acompanhada da viúva
de Paulo Freire, Lita Freire. Nas palavras da Secretária:
[..] A Escola de Formação do Professor Carioca foi criada pela Prefeitura
do Rio, por meio da Secretaria Municipal de Educação, com o objetivo de
valorizar e capacitar os professores do município do Rio de Janeiro,
possibilitando uma formação sólida e continuada nas diversas áreas do
conhecimento, atendendo assim às necessidades dos alunos 45
. (COSTIN,
2012)
De acordo com a Secretária de Educação, Claudia Costin, a Escola de Formação do
Professor será mais um instrumento do município criado para possibilitar o salto de
qualidade da Educação Carioca.
[...] Queremos que os professores sejam mediadores do conhecimento.
Agora, nenhum professor vai ingressar no município sem receber, pelo
menos, um mês de formação. Todos os novos concursos terão como etapa
44
Essas informações sobre a data e conteúdo do dia da inauguração foram localizadas em
http://escolapaulofreiresme.blogspot.com.br/ Acesso em 12 de outubro de 2013.
45 Texto extraído da entrevista realiza com a Sra Secretaria de Educação- Claudia Costin a Revista ponto
com-online , 27 de setembro de 2012, p.2
45
final um mês de curso na Escola de Formação, que culminará em uma
prova didática (Inauguração da Escola de Formação do Professor Carioca) 46
(COSTIN, 2012)
Ainda segundo a Secretária Claudia Costin, “nesse novo ambiente”, serão
oferecidos cursos de formação continuada de forma presencial, semipresencial e a
distância; cursos de formação básica para os professores candidatos a ingressarem na Rede
Municipal, que constituirá, inclusive, uma das etapas do processo de seleção. Além disso,
serão feitos convênios com universidades públicas e privadas, bem como instituições
de referência em Educação. Para diretora da Escola de Formação do Professor Carioca –
Paulo Freire, Sônia Mercadante, “todas as nossas ações terão como foco a formação do
professor, pois queremos transformar a escola no que Paulo Freire pensava” – declarou a
diretora. A viúva de Paulo Freire, Nita Freire, agradeceu a Prefeitura do Rio por criar um
espaço com esse objetivo – “O currículo de Paulo Freire nunca para de crescer, pois são
muitas as homenagens e as obras sobre a sua vida, mas hoje ele culmina com a criação
dessa escola. Tenho certeza que a Educação e o ato de ensinar são atos políticos” –
afirmou Nita. E ainda na fala da Secretária:
A escola de Formação Paulo Freire contará, além das atividades de
formação dos professores, com a Biblioteca de Anísio Teixeira e com o
Centro de Referência da Educação Pública (CREP), disponibilizando
para pesquisas o acervo e os dados referentes à Educação Pública da
Cidade do Rio de Janeiro (COSTIN, 2012).
Durante o evento destacam-se as ações que, segundo a Secretária de Educação,
Claudia Costin, entrariam em vigor logo após a inauguração da Escola de Formação do
Professor Carioca em relação formação de professor:
Curso em Gestão Educacional Pública - Parte II, para todos os Diretores
das Escolas, Creches e EDIs, na modalidade a distância – agosto a
dezembro de 2012; Curso para professores ingressantes no magistério;
Curso de Capacitação para Vigilância de Sinais Precoces de Autismo -
parceria com Pontifícia Universidade Católica - PUC – agosto de
2012.47
Verifica-se que, na descrição dos relatos acima, as propostas e ações pedagógicas
da Escola de Formação Paulo Freire não está incluída a retomada do Prêmio Anísio
Teixeira. Essa decisão acontece apenas em 2013,quando o CREP retoma suas ações em
relação ao Prêmio Anísio Teixeira e às demais ações de guarda e preservação, passando a
46
Disponível no site: http://escolapaulofreiresme.blogspot.com.br Acesso em 12 de outubro 2013.
47 Disponível no site http://escolapaulofreiresme.blogspot.com.br Acesso em 12 out. 2013.
46
chamar-se, agora de Centro de Referência e Memória em Educação Pública Anísio
Teixeira.
Desta forma, o CREP que atualmente se denomina CREPAT encontra-se sob a
orientação e supervisão da Escola de Formação do Professor Carioca Paulo Freire,
também sediada, como já mencionado, na própria Escola Rivadávia Correa.
Retomando a fala da Secretária Claudia Costin, por ocasião da cerimônia de
inauguração do CREPAT, identifica-se no seu discurso expressões como: “salto de
qualidade, convênios com universidades públicas e privadas”, expressões que estão
atreladas a um contexto político que explicita, com clareza, sua concepção de educação.
A política curricular do governo Eduardo Paes surge num cenário nacional e
internacional de globalização econômica, cultural e política, marcado pela universalização
de modelos de reformas dos sistemas educacionais, denominados por Hypólito (2008) por
estandardizações globais. As expressões “eficiência”, “eficácia”, “desempenho”,
“gestão”, “metas”, “resultados” e “gerenciamento” passam a ser utilizados com muita
frequência nos documentos e propostas educacionais, havendo uma transposição da lógica
do mercado para a educação. Fazendo uma breve reflexão sobre essas palavras, pode-se
deduzir que elas se associam ao significado de “qualidade”, formando, assim, uma cadeia
de equivalência que procura fixar o sentido de “qualidade” como resultante de uma ação
controladora do Estado, que passa a atuar na administração pública segundo os moldes do
mundo empresarial. Qualidade da educação, nesta nova cadeia de equivalência, passa a ser
entendida como melhor nível de eficiência, traduzido na seguinte associação: melhores
resultados dos alunos em provas externas = mais alunos aprendendo = melhor nível de
ensino = melhor gestão = maior eficiência da rede de ensino, (Teixeira, 2014).
Assim, identifica-se no âmbito da atual política e administração da educação
pública, uma ação pautada na responsabilização e na meritocracia, utilizando modelos de
gestão de empresas privadas. Diante desse cenário, proponho a seguinte reflexão: que
lugar o CREPAT e o próprio Prêmio Anísio Teixeira, retomado em 2013, em bases de
execução bem diferentes da estudada nesta pesquisa, podem ocupar dentro do cenário
educacional do município do Rio de Janeiro?
Se formos, aqui, recorrer ao Plano Municipal de Educação, ao qual deve fazer parte
integrante do conjunto de Estratégias Político- Educacionais dos Municípios, de modo a
que estas instâncias logrem gestar a educação com transparência e, de modo coeso aos
anseios locais, o que equivale dizer, no entendimento de pesquisadores como Saviani
(1999) e Cunha (2009) que essas estratégias ocorram sob uma “racionalidade social” e não
47
“financeira”. Constata-se que essa afirmativa é completamente atual, pois nessas duas
décadas e meia o CREP oscilou entre as duas formas de racionalidade.
Considerando, ainda, o questionamento sobre o lugar que, tanto o CREPAT quanto
o Prêmio Anísio Teixeira podem ocupar em administrações educacionais como a que o
município do Rio de Janeiro vem adotando nas últimas décadas, ouso apostar no
surgimento de processos históricos que se fortalecem para a criação de espaços chamados
“lugares de memória”, definido por Nora como aqueles “lugares que contribuem para o
estreitamento dos laços entre história, memória e experiência, permitindo a articulação
entre passado, presente e futuro”. (NORA, 1993, p. 13).
Recorrendo ainda a este autor, os lugares de memória caracterizam-se por ser
[..] um lugar duplo; um lugar de excesso, fechado sobre si mesmo, fechado
sobre sua identidade; e recolhido sobre seu nome, mas constantemente
aberto sobre a extensão de suas significações” (NORA, 1993, p. 27).
Neste capítulo dei ênfase a trajetória da instituição que abrigou a realização do
prêmio Anísio Teixeira por oito anos consecutivos, trabalhando com dois conceitos
estruturantes para esta pesquisa: história e memória da Educação Pública da cidade do Rio
de Janeiro. Segundo o que pude constatar, o CREP já possui uma identidade construída
que se materializa, inicialmente, pela própria indefinição de como seria chamado: Centro
de Memória Antônio Callado, jornalista e romancista; Darcy Ribeiro, que se notabilizou
por trabalhos desenvolvidos nas áreas de educação, sociologia e antropologia, um dos
responsáveis, junto com Anísio Teixeira, pela criação da Universidade de Brasília; e,
atualmente, Centro de Referência Anísio Teixeira.
No capítulo que se segue abordo o Prêmio considerando aspectos mais subjetivos
da identidade do Prêmio atrelada ao nome do pensador Anísio Teixeira que lhe dá
identidade; sua trajetória e realização de 2000 a 2008.
48
CAPÍTULO 2
O Prêmio Anísio Teixeira
"A educação para este período de nossa civilização ainda está para ser
concebida e planejada e, depois disto, para executá-la, será preciso
verdadeiramente um novo mestre, dotado de grau de cultura e de treino que
apenas começamos a imaginar”. (TEIXEIRA, 1963)48
Neste capítulo me detenho ao objeto primeiro desta pesquisa: o Prêmio Anísio
Teixeira, realizado durante oito anos consecutivos de 2001 a 2008, pelo Centro de
Referência da Educação Pública da Cidade do Rio de Janeiro. A análise e estudo de sua
trajetória revela, em parte, algumas tendências da política educacional adotada na gestão
do prefeito Cesar Maia, suas afinidades e divergências com gestões anteriores, bem como
o resgate da criação do Prêmio que data de 1985 na gestão do então prefeito Saturnino
Braga.
A modalidade do Prêmio Anísio Teixeira, aqui pesquisada, foi instituída pelo
Decreto nº 7.020 de 13 de outubro de 1987 sendo, posteriormente, alterado pelo Decreto
nº 20141 de 29 de junho de 2001. Esta iniciativa tinha a intenção de homenagear um
grande educador brasileiro, com atuação expressiva no cenário da educação pública e na
formação de professores. Desta forma, o prêmio tinha como meta favorecer a reflexão, o
debate e o registro de experiências, do dia-a-dia, em sala de aula, estimulando a produção
escrita dos professores da rede pública municipal.
Como no capítulo anterior, utilizei como aporte teórico metodológico a análise
documental e entrevistas semiestruturadas realizadas com os gestores do CREP e do
Prêmio: Sr. Silas Ayres e Srª Marisa Abrunhosa.
Antes de abordar propriamente a descrição, a criação, a metodologia e
desdobramentos do Prêmio Anísio Teixeira, gostaria de ressaltar a significância do nome
dado à coletânea de monografias entendendo que a escolha de um nome cria,
antecipadamente, uma demanda que expressa o que se deseja ou o que se pretende com a
referida escolha identidária. Assim, não se pretende, aqui, traçar uma biografia extensa e
48
Mestres do Amanhã, publicado originalmente na RBEP. V.40, n.92, pp.10-19. out/dez. 1963
49
completa de Anísio Teixeira49
, pois isso muitos já o fizeram e de forma extremamente
competente.50
Desta forma, no próximo tópico, busca-se conhecer um pouco mais sobre a vida/obra,
a história, a memória e a identidade do educador Anísio Teixeira. Gostaria de ressaltar
que, procurei entendê-lo como uma personalidade datada, contextualizada, apesar de
inúmeras vezes termos a sensação de que ele nos fala na atualidade.
2.1 O pensador Anísio Teixeira: Um Diálogo com a História e a Memória da
Educação Brasileira.
Anísio Teixeira era uma flama, uma labareda (...) um educador no sentido
mais lato do termo, um criador de civilização, um desses homens capazes
de provocar o entusiasmo, de capacitar homens e mulheres para as
grandes tarefas, de transformar o sonho mais belo na realidade mais
nobre. Com sua morte apagou-se uma flama, uma labareda, uma luz a
romper as trevas (Jorge Amado, 1971).51
Desde o nascimento, o sujeito empreende uma viagem rumo ao desconhecido.
Segunda a psicologia, a identidade se constrói na relação com as pessoas e o com o mundo
a sua volta. Ao nascer, o homem não sabe ainda quem é, mas vai descobri-lo nas suas
respostas às provocações da própria existência, durante sua vida. Na tensão entre as
responsabilidades e ações, daquele que se expõe ao mundo e do determinismo das forças
que lhe são externas, delineia-se todo um caminho, toda uma trajetória de vida que o leva
à negociação diante das circunstâncias vividas. Essa concepção de negociação implica
uma noção de intersubjetividade. Isto é, no cotidiano, o indivíduo raciocina e age
pressupondo a existência de outros que, como ele, tem consciência, vontade, deveres,
emoções. (BOSI, 1994)
Nas últimas décadas, identifica-se um interesse maior, por parte de historiadores e
pesquisadores, pelo estudo das trajetórias individuais, buscando reconstruir o interior dos
personagens, suas aspirações, seus sentimentos, seus desejos. Esse grande interesse por
biografias é um movimento perceptível em diversas correntes, tais como a nova história
francesa, o grupo contemporâneo de historiadores britânicos de inspiração marxista, a
micro - história italiana, a nova história cultural norte - americana, a historiografia alemã
49
Ver a respeito NUNES (2000) e GONDRA (2000).
50 Ibict- Biblioteca Virtual Anísio Teixeira http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/soblivro.htm. Acesso em 13
de junho de 2013.
51 Jorge Amado, Tribuna da Bahia, 20 de abril de 1971 (In. Gondra, 2007).
50
recente e ainda a historiografia brasileira atual. As diferenças entre estas tradições
historiográficas apresentam em comum o interesse pelas trajetórias singulares.
(SCHMIDT,1997). Apesar da aproximação com a literatura, na história o espaço de
invenção é limitado. Na verdade, o ofício do historiador exige um compromisso maior
com os sujeitos e fatos concretos que se mostram, muitas vezes, a partir de documentos.
Para o historiador Le Goff, (2003), no documento, a escrita teria duas funções
principais: o armazenamento das informações, que permite a comunicação no tempo e no
espaço fornecendo um processo de marcação, memorização e registro; a outra função diz
respeito à possibilidade de reexaminar, reordenar, retificar esses registros, já que a escrita
representa a mudança da esfera auditiva para a visual.
Schmidt (1997) aponta algumas questões importantes que são enfrentadas pelos
historiadores que buscam trabalhar com biografias. A primeira delas está relacionada ao
papel das incoerências entre as próprias normas do meio social; a segunda diz respeito ao
tipo de racionalidade que se atribui aos atores que participam da biografia escrita; e por
fim, à relação entre os indivíduos e o grupo ao qual pertencem.
Para a historiadora Ângela de Castro Gomes, a produção de biografias e
autobiografias pode ser melhor compreendida a partir da relação que se estabeleceu entre o
indivíduo moderno e seus documentos. A ascensão do romance moderno mostra a
emergência do cidadão moderno, dotado de direitos civis, no século XVIII, e políticos, no
século XIX, criando para si uma identidade através de seus documentos que passam a ter
maior importância. (GOMES, 2004, p.9-10). Dessa forma, pode-se depreender que o
individuo e sua trajetória passam a ser mais valorizadas e a produção de uma memória
pessoal e individual ganha cada vez mais espaço na sociedade moderna.
Muitos são os caminhos para se chegar à reconstrução parcial ou, ilusoriamente,
total de uma trajetória pessoal. O maior problema encontrado pelos historiadores na
empreitada biográfica, é imaginar que os sujeitos históricos obedecem a uma racionalidade
limitada, seguindo uma tradição biográfica pré-estabelecida, muitas vezes, satisfazendo-se
com os “modelos que associam uma cronologia ordenada, uma personalidade coerente e
estável, ações sem inércia e decisões sem incertezas”. (FERREIRA &AMADO, 1996, p.
169).
Para Bourdieu (1996), o problema da biografia está em conceber o relato
biográfico como a escrita de uma vida, de um conjunto de acontecimentos de uma
existência individual. Este conjunto coerente e organizado de fatos é visto como guia de
um caminho unidirecional até o fim da estrada, até o final da história. Assim, a trajetória
51
aparece segundo uma ordem cronológica de fatos ocorridos de forma lógica desde um
começo que pode ser o nascimento ou o momento em que se inicia a parte interessante da
história de vida do sujeito, até chegar ao final. Dessa forma,
[...] produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é,
como um relato coerente de uma sequência de acontecimentos com
significado e direção, talvez seja conformar-se com uma ilusão retórica,
uma representação comum da existência que toda uma tradição literária
não deixou e não deixa de reforçar. (BOURDIEU,1996 p.187)
Os fatos narrados nas biografias tendem a aparecer muito mais racionalizados do
que de fato o foram, dando a impressão ao leitor que saíram de um projeto consciente do
protagonista da história desde o começo. Seria o mesmo que afirmar que toda história tem
um sentido único e que não poderia ser de outra forma (BOURDIEU, 1996). Assim, para
se construir uma biografia, segundo este autor, é indispensável reconstruir o contexto, a
superfície social em que o sujeito age, na pluralidade de campos de cada instante vivido.
Como se pode constatar, a questão da biografia e história de vida são temas que
interessam e inquietam muitos pesquisadores pela sua complexidade e por que não dizer,
pela riqueza que ela contém. Quando nos deparamos com uma biografia como a de Anísio
Teixeira, que foi e ainda é uma dessas personalidades que se tornam objeto de
investigação, seja sobre o que ele produziu academicamente, desde o início da década de
1920, seja sobre o que se produziu e ainda se produz sobre ele, considerado como um dos
maiores pensadores dos últimos cinquenta anos, estamos, sem dúvida, entrando em
contato com momentos significativos da história da educação brasileira.
Vale aqui recordar que, apesar dos regimes de exceção, o pensamento e as ações do
professor Anísio Teixeira marcaram definitivamente seu nome na história da educação
brasileira. Sua presença encontra-se associada às obras escritas, às iniciativas por ele
realizadas, aos estudos sobre o seu pensamento e/ou sobre alguns de seus projetos e ações.
Recentemente, alguns outros esforços vêm sendo desenvolvidos de modo a construir
lugares para lembrar sua vida e suas intervenções na vida pública. Lugares para preservar
traços de sua experiência. Enfim, iniciativas voltadas para instituir alguns lugares de
memória52
.
52
Fundação Pedro Calmon/Secultba: Projetos da Biblioteca Pedro Calmon- Disponível em:
http://www.fpc.ba.gov.br/bat-projetos2013. Acesso em 12/7/2013
Seminário Anísio Teixeira: UFRJ/ Faculdade de Educação. Sua realização é mensal. Disponível em:
www.educacao.ufrj.br- Acesso em 28/10/2013
52
Retomando o pensamento do historiador Le Goff (2003), a escrita permite à
memória coletiva duas formas de memória: a comemoração, quer dizer, a celebração de
um acontecimento memorável através de um monumento comemorativo, uma inscrição de
memória, um monumento; enquanto a segunda forma de memória estaria ligada à escrita e
seria o documento.
Ainda segundo este historiador o termo monumento tem relação direta com tudo
aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação, como, por exemplo, os atos
escritos. Já o termo documentum, deriva-se de docere, ensinar, evoluindo para o
significado de prova, ou seja, para o significado que o documento é “a prova”. (idem)
Considerando todo o legado de Anísio em relação a sua produção escrita e tudo o
que se produziu a partir de suas ideias e contribuições para a politica educacional do país,
recorro mais uma vez a Le Goff, entendendo que:
O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um
produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí
detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento
permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo
cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa. (idem, p. 116)
Dessa forma, só podemos interpretar a trajetória de Anísio Teixeira colocando-o
em relação a sua própria geração e entre a geração de educadores que o antecedeu e o
sucedeu. Nesse sentido, defendo a crença de que só podemos compreender a sua obra
entendendo que ela, também se confunde com o trabalho de seus colaboradores, de seus
amigos e com os professores que, nas salas de aula, despertam a dignidade de que somos
todos portadores e muitas vezes autores, embora nem sempre conscientes dessa autoria
(NUNES,2000).
Advogo, assim como essa autora, que a obra de Anísio Teixeira está relacionada ao
sentido que dela fazemos, às representações que dela conseguimos extrair e construir, no
presente e aonde possam palpitar os valores que abraçamos no rumo de uma sociedade
mais democrática, como bem defendia este educador.
Ribeiro (2005)53
, uma das vencedoras do concurso de monografias, ao apresentar o
objeto de sua pesquisa, destaca:
Prêmio Anísio Teixeira- Promovido pelo Centro de Referência da Educação Pública Anísio Teixeira-
Escola do Professor Carioca Paulo Freire- SME- Anual. [email protected] .Acesso em 13/10/2013
53 Rosa Maria Palomares Ribeiro, sua monografia recebeu indicação para publicação, fazendo parte da
coletânea de 2005, o artigo: A Reformulação do Currículo Escolar em uma Perspectiva Interdisciplinar.
53
Ao entrar em contato com o Prêmio Anísio Teixeira, recordei que, para o
referido educador que, desde os anos 30, defendeu a transferência dos
encargos com a educação, sobretudo primária, para o governo municipal, a
escola pública é por excelência a escola da comunidade por ser mais
sensível às necessidades sociais dos que a compõem, o que me soou como
uma motivação a mais para a produção desta monografia. Além disso, o
capítulo que trata da regulamentação do concurso apresenta como
finalidade do mesmo “promover a reflexão e o debate sobre a Educação
Básica entre os profissionais do magistério (...) procurando
ressignificar a ação teoria/prática do profissional neste nível de
educação” (grifos nossos). É exatamente este o objetivo principal do
presente trabalho. (RIBEIRO, 2005, p. 353)
Para Nunes (2000), se a obra é o efeito de uma ação, o que nos provoca é o que
também nos move. Desta forma, reconheço que o que pode nos instigar é essa palpitação
delicada que convida a inteligência e a sensibilidade de cada um de nós, pesquisadores
e/ou professores, a nos empenharmos cada vez mais no questionamento sobre a atualidade
desse educador e sobre a inspiração que sua contribuição pode ter para os educadores
brasileiros na contemporaneidade.
Aventuro-me aqui a realizar uma breve síntese sobre a trajetória e a memória deste
pensador, com o intuito de embasar a escolha do seu nome para a coletânea de
monografias intitulada Prêmio Anísio Teixeira e, nessa perspectiva, recorro a alguns
autores que buscaram retratar a trajetória de Anísio no cenário sócio - histórico e
educacional do seu tempo.
Como é do conhecimento de todos, Anísio Teixeira54
iniciou sua trajetória
profissional sob forte influência religiosa. Sua atuação como educador desenvolveu-se em
um processo laboriosamente construído, lapidado no diálogo com os diversos educadores
que dentro dele transitaram, na intensa experiência dos exercícios espirituais realizados na
juventude, nas reflexões suscitadas pelas viagens ao exterior, nas fiéis amizades, como a
que manteve com Monteiro Lobato e Fernando de Azevedo, na experiência da gestão
pública da educação.
Nos anos de 1920, vários estados da federação e, inclusive, o Distrito Federal
fizeram reformas em seus sistemas estatais de ensino. À frente da Diretoria da Instrução
Pública da Bahia, Anísio foi o responsável pela reforma naquele estado, promovendo
inovações que o tornaram conhecido nacionalmente. Seu interesse pela educação o levou
54
O educador brasileiro Anísio Spínola Teixeira nasceu na cidade de Caetité, Estado da Bahia, Nordeste do
Brasil, em 1900. Filho de uma família de grande influência política, foi educado em um colégio jesuíta,
bacharelou-se em Direito em 1922, e assumiu o cargo de Diretor da Instrução Pública da Bahia em 1924.
Sua atuação nesse cargo foi o primeiro passo na construção de sua identidade pessoal como educador, pois, a
partir de então, passou a conhecer de perto os problemas da educação brasileira, dos quais tinha apenas as
impressões dos jesuítas (Nunes, 2000, p. 90).
54
aos Estados Unidos da América, onde conheceu a vida social e as instituições
educacionais americanas, obteve o título de Master of Arts no Teachers College da
Columbia University, conhecendo as ideias de John Dewey e William H. Kilpatrick.
(GONDRA, 2000).
Em 1929 retorna ao Brasil e dois anos depois assumiu o cargo de Diretor da
Instrução Pública do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, onde fez novas reformas no
sistema de ensino e criou uma universidade: a Universidade do Distrito Federal que durou
poucos anos. Foi um ativo participante da Associação Brasileira de Educação, integrando
o grupo dos chamados “educadores liberais”, os quais publicaram em 1932 um documento
que ficou conhecido como Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova55
. Esse documento,
assinado por 26 intelectuais, foi inspirado em ideias inovadoras que eram difundidas na
Europa e nos Estados Unidos desde o final do século XIX, e apresentou as diretrizes de
um programa de reconstrução educacional para o Brasil (CUNHA,2001).
Apesar de suas importantes realizações em benefício da educação, Anísio Teixeira
e outros liberais foram atingidos por fortes pressões políticas contrárias à sua atuação,
vindas principalmente dos intelectuais vinculados à Igreja Católica. Várias estratégias
foram desenvolvidas pelo poder instituído durante o período autoritário com intuito de
apagar a participação de educadores comprometidos com o movimento da educação
nova. Um exemplo dessa estratégia seria o Decreto de Lei n. 156/1936 que, objetivava
desmontar todo o projeto de formação de professores implementado na reforma de 193256
por Anísio Teixeira, (LOPES, 2009).
Acusado de comunista, ele demitiu-se de seu cargo no Distrito Federal em 1935 e,
entre os anos de 1937 e 194557
, período em que vigorou no Brasil uma ditadura, Teixeira
55 O manifesto inspirou-se no Movimento da Escola Nova, movimento educacional, que por meio de
propostas inovadoras, procurou modernizar o ensino, tendo como essencialmente quatro princípios básicos:
A revisão critica dos meios tradicionais de ensino, nos quais a individualidade não era fator de preocupação;
Inclusão de fatores históricos e culturais da vida social na formação educacional; Utilização dos novos
conhecimentos da biologia e da psicologia para que o educador estabelecesse os estágios de maturação do
indivíduo na infância, assim como o desenvolvimento de sua capacidade individual; Transferência da ação
educadora da família e da igreja para a Escola, como forma de amenizar as diferenças sociais e culturais
entre os diversos grupos e, juntamente com isso, a responsabilidade do Estado pela educação do indivíduo.
(CUNHA, 2001). A respeito do Manifesto ver, em especial, XAVIER (2002).
56 O decreto n. 156, de 30/12/1936, dava garantia aos alunos matriculados até 1932, inclusive, na antiga
Escola Normal que prestaram exame de admissão antes do decreto n. 3810 de 19/3/1932 (Reforma Anísio
Teixeira) o direito de concluírem os cursos num período de cinco anos.
57 Em novembro de 1937, com apoio de integralistas, militares e intelectuais, Getúlio Vargas suspendeu a
Constituição de 1934 e colocou todos os partidos políticos na ilegalidade. Era o início do Estado Novo, que
55
permaneceu afastado da vida pública, dedicando-se à tradução de livros e atividades
comerciais em seu estado natal. (NUNES, 2000).
Com o término da ditadura, Anísio retornou às atividades públicas. Foi conselheiro
da UNESCO e, depois, Secretário da Educação e Saúde da Bahia, cargo que ocupou até o
início dos anos 1950. Nessa ocasião, fundou uma escola chamada Centro Educacional
Carneiro Ribeiro, um centro de educação popular que ficou conhecida como Escola
Parque. Nessa escola, ele implantou uma educação especialmente dedicada às classes
populares, seguindo as mais modernas teorias educacionais, especialmente as teorias
Deweyanas. No início dos anos 1950, Anísio assumiu o comando de dois importantes
órgãos federais responsáveis pela educação em âmbito nacional: a CAPES (Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e o INEP (Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais).
No início dos anos 1960, Teixeira foi um dos idealizadores da Universidade de
Brasília, da qual foi reitor até 1964, ano em que, mais uma vez, foi afastado da vida
pública em virtude de um golpe de estado comandado por militares (NUNES, 2000). Após
um período de exílio nos Estados Unidos, ele voltou ao Brasil e, apesar das restrições
impostas pela ditadura militar, candidatou-se a uma vaga na Academia Brasileira de
Letras. No início de 1971, seu corpo foi encontrado em um fosso de elevador, sem os
sinais característicos de uma queda tão violenta.
Segundo Nunes (2000), nesse sítio de vivências, povoado de lembranças pessoais e
de forças vivas encontram-se momentos de ruptura, significativas, na trajetória de Anísio,
mas que não o impediram de permanecer, mesmo nos bastidores, firme aos seus propósitos
e ideais reformadores. No meu entendimento, a partir da análise desses momentos de
ruptura, proposto pela autora, a trajetória do educador, materializa a representatividade
que Anísio Teixeira teve e ainda tem no cenário da educação brasileira.
Entendo que esses momentos de ruptura podem ser compreendidos como
constelações de sentido nas quais o sujeito é obrigado à optar entre render-se ao mundo ou
afirmar-se em sua diferença no mundo. Dessa forma, identificam-se na trajetória de
Anísio, três momentos de ruptura.
A primeira ruptura em sua juventude quando olhava o mundo vendo nele os sinais
de Deus. Vinte anos de idade, tendo em suas mãos o passaporte de uma cultura humanista
comandaria a vida política através de um regime centrado nos amplos poderes cedidos ao Poder Executivo.
De revolucionário e constitucionalista, Vargas passou a assumir o papel de ditador até 1945.
(CUNHA,2001).
56
cristã que lhe permitiu a entrada na discussão dos mais diversos temas sociais, culturais,
políticos e literários. Leitor de obras filosóficas e piedosas como as de Tomás de Aquino,
entre outras, admirador da monarquia; filiado à tradição da restauração da Igreja Católica.
Nessa fase havia interiorizado uma visão hierarquizada dos homens e considerava a
família como instituição modelar da sociedade. Defensor de uma concepção elitista e
seletiva do ensino (NUNES, 2000).
Numa dimensão laica, Anísio reviveu situações que conhecera no "mundo dos
colégios jesuítas", o que o empurrou a reinterpretar a realidade e produziu aos seus olhos e
aos olhos dos outros uma ruptura biográfica que acentua o antes e o depois de sua vivência
nos Estados Unidos.
Adotou Dewey como sua plataforma de lançamento para o mundo, como viga
mestra para compreender o que se passava na sociedade norte-americana. Escolhera um
crítico contundente dos impasses da democracia norte-americana, um colaborador direto
de instituições instaladas no meio da população pobre e imigrante com objetivos
filantrópicos e educativos, um pensador que denunciava, aos Estados Unidos, que a
ameaça da democracia não estava fora do país, mas dentro dele, nas atitudes pessoais e nas
instituições (idem).
A segunda ruptura acontece ao escolher John Dewey, de quem seria o primeiro
tradutor no Brasil, quando optou por uma alternativa que substituiu os velhos valores
inspirados na religião católica e abraçados com sofreguidão. Era apostar na possibilidade
de integrar o que, nele, estava cindido: o corpo e a mente, o sentimento e o pensamento, o
sagrado e o secular. Era abrir o seu coração para o pensamento científico, apostando na
crença de que o enraizamento e as direções da mudança social a favor da democracia estão
postas na infância. O pragmatismo deweyano forneceu-lhe um guia teórico que combateu
a improvisação e o autodidatismo, permitiu-lhe operacionalizar uma política e criar a
pesquisa educacional no país.
As marcas dessa ruptura se evidenciaram nos deslocamentos que operaram na sua
vida e nas novas ideias que provocaram estranhamento em alguns dos seus amigos mais
íntimos que passaram a vê-lo então como um “baiano americanizado”. Mas essa imagem
não era só dos seus amigos baianos. Alguns rapazes de São Paulo, que viriam a ser seus
colaboradores nos anos trinta, no Distrito Federal, também construíram dele essa imagem
que reconheceriam, um pouco envergonhados, ser equivocada. Ao visitar a Universidade
de Columbia, em 1935, Lourenço Filho, refazia a imagem do amigo e dizia, em carta:
verifico que (em aspectos sociais e do pensamento) você é menos americano do que eu
57
próprio supunha. 58
Na volta da sua segunda viagem aos Estados Unidos, Anísio enfrentou
o problema da coerência: ou modificava sua realidade ou mudava as relações com ela.
Separou-se física, afetiva e mentalmente daqueles que com ele coabitaram o universo
simbólico anterior. Sai da Bahia e refaz a vida na capital da República, na cidade do Rio
de Janeiro.
Certas amizades cederam lugar a outras: encontrou Monteiro Lobato e Fernando
de Azevedo. Ampliou suas leituras: William James, Bertrand Russel, Wells. Também
Baudelaire, Proust, Dostoyewski e outros grandes talentos literários universais. Referindo-
se ao ano de 1929, numa carta a Fernando de Azevedo, do início dos anos sessenta,
afirmava: _Tenho a impressão que foi nesse ano que me encontrei comigo mesmo.59
O rompimento com a Igreja não significou a liberação das marcas da pedagogia
inaciana na sua personalidade. Às vésperas da sua morte, já no ano de 1971, comentava
com Fernando de Azevedo: _Com religião, ou sem religião, a realidade é todo esse
impenetrável mistério, de que não há saída se não por essas pequenas frestas abertas ao
espírito humano.60
_Guardei de minha formação religiosa o sentimento de que viver é
servir e nada mais esperar do que o conforto desse possível serviço.61
Emergia, na luta dolorosa entre seus antigos sentimentos de fidelidade ao divino e
às autoridades constituídas, a liberdade de pensamento e de expressão de si mesmo no
mundo. Essa defesa pauta a sua conduta, pelo árido caminho da tolerância. Motiva seu
desejo de exercer a pedagogia como bem de convivência, que não constrange ninguém a
optar por uma ideia sobre a qual não tem clareza. Aqui entra a importância da ciência e da
educação com vistas à construção de uma postura democrática na vida.
A democracia é a questão de fundo de um projeto de recriação da cultura que
atravessa todas as classes sociais, na compreensão de Anísio. É a realocação da fidelidade,
não mais aos dogmas de qualquer espécie, sejam eles religiosos ou científicos, mas à
dança da própria vida. A fé incorporava a dúvida e a liberdade de pensamento acarreta a
liberdade de opinar, de crer. (BRITO, 2000)
58
Carta de Lourenço Filho a Anísio Teixeira em 31/1/1935. In: Lourenço Filho. Correspondência entre
Anísio Teixeira e Lourenço Filho. Arquivo Anísio Teixeira, série correspondência, Atc 29.11.01, documento
n. 15, CPDOV, FGV. In: VIDAL, Diana Gonçalves (org.). Na batalha da educação: correspondência entre
Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo (1929-1971). Bragança Paulista: EDUSF, 2000.
59 Carta de Anísio Teixeira a Fernando de Azevedo, em 15/2/1960. Idem, p. 132.
60 Carta de Anísio Teixeira a Fernando de Azevedo, em 4/2/1971. Idem, p. 155.
61 Carta de Anísio Teixeira a Fernando de Azevedo, em 18/1/1971. Idem, p. 152.
58
Anísio Teixeira deixou como herança um acervo que tem sido objeto de pesquisas,
monografias e teses. Seus textos são revisitados com frequência como fonte primária para
as investigações da história da educação brasileira, por estudiosos de variadas áreas do
conhecimento. Ao analisar a importância da educação, como centro de uma política de
desenvolvimento social, criticou nossos sistemas de ensino, com seus métodos, muitas
vezes, obsoletos, as falhas na organização das escolas e a formação equivocada dos
professores; enfim, tocou em todos os pontos que se referem à educação. Nada passou
incólume aos olhos desse pensador, mas ao mesmo tempo buscando sempre infinitas
possibilidades de saída que o campo educacional poderia construir para a construção de
uma sociedade mais democrática.
Diante da tentativa de retratar essa personalidade incomum, cabe indagar: Que
relações possíveis se podem estabelecer entre o nome desse educador, que pode ser
concebido como um monumento, inscrito na memória coletiva do campo político
educacional, de acordo com Le Goff, com a escolha do nome do Prêmio, desde sua
criação, na segunda metade dos anos de 1980, pelo então prefeito Saturnino Braga?
Seria o Prêmio Anísio Teixeira, assim como o educador um lugar de memória,
definido pelo historiador Pierre Nora como aqueles “lugares que contribuem para o
estreitamento dos laços entre história, memória e experiência, permitindo a articulação
entre passado, presente e futuro”? (NORA, 1993, p. 13).
Com a crença de achar uma resposta possível e plausível as indagações acima,
passo a descrever, no próximo tópico desta dissertação, a trajetória do Prêmio Anísio
Teixeira, desde sua primeira modalidade intitulada: Medalha do Educador Anísio
Teixeira.
2.2 Trajetória do Prêmio Anísio Teixeira: Desdobramentos de uma Política
Educacional
Numa democracia, nenhuma obra supera a de educação. Haverá, talvez,
outras aparentemente mais urgentes ou imediatas, mas estas mesmas
pressupõem, se estivermos numa democracia, a educação. Todas as demais
funções do estado democrático pressupõem a educação. Somente esta não
é consequência da democracia, mas a sua base, o seu fundamento, a
condição mesmo para a sua existência. (TEIXEIRA, 1963).
Aproveitando as palavras de Anísio em relação à prática democrática e, ainda, que
a mesma só existe diante da condição que a estrutura: a educação; enquanto pesquisadora
59
senti na “pele” as consequências de uma prática não democrática quando, após quase dois
meses de pesquisa, fui impedida de dar continuidade à análise documental no CREPAT62
.
Iniciei a pesquisa empírica no segundo semestre de 2013 analisando a
documentação da origem, criação e funcionamento do CREP e, em seguida, iniciaria a
análise documental referente ao Prêmio Anísio Teixeira. Ao retomar o contato para dar
continuidade à pesquisa fui informada que o CREP entraria em recesso para redefinição e
organização do material disponível para pesquisadores visitantes. No período que estive
no CREP, responsáveis pela organização do Centro,63
na época, informaram que o CREP
havia recebido, por doação da família de Anísio Teixeira, parte da biblioteca pessoal do
educador e que em breve estariam envolvidos com a organização deste material. Nessa
oportunidade, ao perguntar sobre o montante do material arquivado sobre a trajetória do
Prêmio, esses profissionais relataram que, até o momento, haviam encontrado, apenas três
pastas catalogadas com documentos sobre o Prêmio64
. Argumentei que obtive a
informação, por parte da entrevistada, ex-gestora do CREP, que todas as informações
sobre o prêmio e as demais atividades do centro estavam arquivadas e catalogadas nesse
espaço. Segundo esses dois responsáveis, até o momento eles não haviam encontrado nada
mais sobre o Prêmio, além das três pastas.
Assim, as informações descritas e apresentadas nessa pesquisa sobre o Prêmio, em
sua maioria, foram obtidas com a gestora do Prêmio, Srª. Marisa Abrunhosa e alguns
professores da UFRJ que participaram da realização das oficinas de memorial e do
Professor - Autor, disponibilizando as coletâneas de monografias de 2002 a 2007.
Dessa forma, como já identificado no inicio da pesquisa documental sobre o
CREP, a trajetória do Prêmio Anísio Teixeira está intimamente relacionada à vida
62
O CREP- Centro de Referência da Educação Pública, passou a chamar-se Centro de Referência da
Educação Pública Anísio Teixeira – CREPAT a partir de 2013, quando o Prêmio Anísio Teixeira volta a ser
realizada pelo centro.
63 Vitor José da Rocha Monteiro-Gerente III & Teresa Vitória Assistente IIE/EPF/CREP-AT
64 Esses dois profissionais, assumiram a coordenação do CREP, sob a gerência de Sra. Deise Furtado, nos
meses de maio/junho de 2013, até então, as atividades do CREP, de 2009 ao início de 2013 restringiram-se a
atividades de manutenção e guarda de informações e dados levantados até 2008. No período de minha
visitação ao centro a Sra. Deise Furtado havia pedido a sua aposentadoria da SME. Essas informações foram
obtidas durante o período da pesquisa empírica, entre setembro e novembro de 2013. Pelo que foi possível
observar esses dois profissionais estavam em processo de adaptação e reconhecimento de todo acervo e
atividades do CREPAT.
60
institucional do CREP, pois o prêmio passa a ser uma das suas principais atribuições desde
o ano de 2000. Segundo a ex-gestora do prêmio:
[...] ela gerenciava toda parte de projeto do centro de referência e
desenvolvia algumas das atribuições que já vieram pronta desde a criação
do Centro de Referência, uma das principais atribuições era a criação do
prêmio Anísio Teixeira, que aconteceu a partir do ano de 2000. [...] Ele
data de 1985 e foi criado na gestão do Saturnino Braga, na Câmara
Municipal. Hoje a gente tem a medalha Pedro Ernesto. Então o Prêmio era
oferecido aos destaques no campo educacional, isso no final da década de
80 e, ai atravessou a década de 90. (ABRUNHOSA, 2013)
Fazendo uma breve retrospectiva para contextualizar adequadamente o Prêmio
Anísio Teixeira, enfatizo que apesar de o Prêmio ser anterior à criação do CREP, que data
de 1990, como já mencionado no primeiro capítulo, as duas primeiras iniciativas do
prêmio aconteceram logo após o regime militar, nos anos de 1985 e 1987.
O Prêmio foi instituído na gestão do prefeito Saturnino Braga, na segunda metade
dos anos de 1980. O primeiro decreto que aponta para a criação desta iniciativa tem sua
origem no decreto de Lei n° 742, de 08/10/1985 criando a Medalha Educador Anísio
Teixeira, destinada a promover a valorização do profissional de educação no Município do
Rio de Janeiro, e na sequência o decreto n° 7020, de 13/10/1987, que instituiu o Prêmio
Anísio Teixeira, a ser concedido a funcionários que se destacassem por seu desempenho
ou por trabalho criativo realizado no âmbito da educação. Nos anos de 1990, esta segunda
modalidade do Prêmio Anísio Teixeira foi entregue aos autores de trabalhos inscritos no
“Projeto Experiências Bem Sucedidas65
”, realizado pela Secretaria Municipal de
Educação, que tinha por objetivo estimular o registro das atividades desenvolvidas com os
alunos. Estas primeiras publicações fazem parte de uma coletânea que contemplou
produções realizadas entre 1989 e 1991, sendo anterior ao objeto desta pesquisa. Este
material foi encontrado na primeira visita realizada ao CREP.
A primeira edição da modalidade aqui estudada, do Prêmio Anísio Teixeira –
Concurso de Monografias - foi publicada em 2001, com o objetivo de destacar, premiar e
divulgar os melhores relatos de professores, em seu cotidiano de sala de aula. A cada ano
um edital com a temática proposta era publicado e só poderiam se inscrever professores da
rede municipal pública da cidade do Rio de Janeiro sem função remunerada66
, exceto
diretores de escolas, que também poderiam participar.
65
Anexo 6: Fotos 1 e 1a
66 O termo função remunerada refere-se aos docentes que exerciam cargos gratificados.
61
Em relação à retomada do Prêmio, no ano de 2000, segundo relato de Abrunhosa
(2013):
Com a criação do GT, no final dessa década de 1990 cria-se um grupo de
trabalho para desenvolver um Centro de Memória, onde se pudesse
organizar a memória da educação municipal e ai esse grupo de
trabalho vai procurar coisas e trabalhos relativos à questão da
memória, e eles encontram o prêmio Anísio Teixeira que não haviam
dado continuidade e nem havia sido extinto. Algumas pessoas ganharam
medalhas, nessa época, que eram “diplomazinho” de papel que a câmara
premiava por relatos de trabalho, não era nada escrito, era premiada uma
prática pedagógica. [...] Ai foi então, que o GT encaminhou uma proposta.
Passaria a ser uma atribuição do Centro de Referencia organizar esse
prêmio anualmente. E ai começaram a pensar: como seria realizado essa
premiação? Como organizar seria possível isso? (grifos meus)
Ainda sobre a retomada do prêmio e sua relação com o CREP, Ayres diz:
[...] eu me lembro sim.. Quando é criado o grupo de implantação do
Centro, a professora Adir da Luz, ela lembrou que tinha esse prêmio:
Anísio Teixeira, porque ela tinha trabalhado na secretaria na época do
Saturnino: “vamos recuperar o prêmio Anísio Teixeira”. Lemos a
proposta e vimos que não basta mais, não se trata mais de experiência bem
sucedida. Junto com o trabalho que nós tínhamos de identificar quem
era mestres ou doutores na rede, nós pensamos o seguinte... A Adir
que foi a mentora dessa nova proposta. A gente pode pegar o Prêmio
Anísio Teixeira e mudar a concepção dele em cima da questão de
monografias: experiências bem sucedidas ou experiências teóricas
sobre a educação que o professor queira escrever. Logo no início da
gestão do Cesar Maia nós levamos essa proposta a Sônia Mograbi, e ela
leva ao Cesar Maia e ele faz um decreto criando o Prêmio em outras bases.
Por exemplo: eram cinco categorias, uma delas era educação infantil, e
além das categorias o valor do prêmio. Se não me engano era R$ 7.000,00
ou R$ 5.000,00, não me lembro bem. E, com isso também é criada uma
oficina para os professores escreverem dentro das normas da ABNT para elaboração de uma monografia tese, etc. Então o prêmio é criado,
apesar de ter vindo do grupo de implantação da época do Conde, mas é o
Cesar Maia criando o Prêmio Anísio Teixeira. Diferente do decreto do
Saturnino, porque o prêmio não era medalha, agora era em dinheiro.
Esse prêmio AT funcionou até 2007 com publicações dos autores
vencedores e também no site as monografias. Em 2008 eu já não sei mais
porque eu já havia saído. (AYRES, 2014, grifos meus).
Com essa retomada do Prêmio pelo CREP, este foi alterado pelo Decreto nº 20141
de 29 de junho de 2001, mas já em 2000, ano de comemoração do centenário do educador
Anísio Teixeira, saí o primeiro edital organizado pelo Centro de Referência da Educação
Pública da Cidade do Rio de Janeiro, da Secretaria Municipal de Educação.
Essa iniciativa, além da homenagear um grande educador brasileiro, que teve
atuação expressiva no que tange à educação pública, também objetivou a promoção, a
reflexão e o debate sobre a Educação Básica, entre profissionais do magistério,
62
estimulando a produção escrita dos professores, propiciando a divulgação de trabalhos
monográficos, contribuindo assim para a socialização do conhecimento de práticas
educativas inovadoras na rede municipal da cidade do Rio de Janeiro.
No ano de 2000 comemorou-se o centenário de Anísio Teixeira e este ano foi
marcado por várias iniciativas no campo educacional67
com vistas a fazer lembrar o que
não se pode deixar esquecer em relação à participação deste educador em prol da
reformulação da escola pública e de sua importância para o cenário da educação do país
por mais de meio século.
Como opção metodológica desta proposta de formação, o CREP instituiu o
Concurso de Monografias regulamentado por resoluções e editais anuais. A materialização
dessa proposta metodológica se deu a partir do oferecimento de oficinas, inicialmente para
elaboração de memoriais dos professores selecionados e, posteriormente, com as Oficinas
do Professor-Autor para elaboração das monografias temáticas.
Ainda segundo Abrunhosa (2013), com os concursos de monografias temáticas
[...] não se perde o caráter inicial do Prêmio, que era e exatamente o
destaque de práticas bem sucedidas, mas dessa vez a gente atrelou à
questão da escrita. Os candidatos teriam que produzir um texto
monográfico, inédito, anônimo enfim, pré-requisitos a seguir no edital
a cada ano. Isso pra você se inscrever. A monografia, normalmente,
vinha com um tema grande. Esse de 2013, por exemplo, é Como garantir
o sucesso do seu aluno.
Para o ex-gestor do CREP, a metodologia dessa modalidade do prêmio tem
inspiração na visão política de personalidades influentes na área educacional:
Na verdade o grupo que participou da criação do centro de memória tinha
militância em partidos de esquerda.. ligados ao Brizola e, em especial ao
Darcy Ribeiro, este por sua vez foi parceiro do Anísio, no passado.
Quando a Adir recuperou a ideia do prêmio, na época do Saturnino, todos
nós vimos nesse trabalho uma forma de qualificar o trabalho de muitos
professores que não são reconhecidos por suas iniciativas e estudos e, ao
mesmo tempo incentivar o professor a estudar, dar continuidade
estudando. As oficinas para aprender a fazer as monografias e os
memoriais eram muito bem vistas pelos professores. (AYRES, 2014)
A eleição dos campos temáticos era fixada em editais públicos apresentados pela
SME, considerando a relevância do tema para o debate da política educacional vigente a
cada ano no município do Rio de Janeiro:
O tema central sempre estava ligado ao que a política da SME daquele
ano queria reforçar ou as vezes implementar. A equipe da Marisa, gerente
67
Palestras, Seminários e Debates, entre outros eventos
63
de projetos do CREP, tinha a tarefa de pensar em algumas opções, para
que a Sonia Mograbi batesse o martelo e definisse qual seria o tema
central para aquele ano... às vezes era meio camisa de força, mas o que
atraía mais os professores era a escolha dos campos temáticos, porque ai
eles escreviam mais entusiasmados. (AYRES, 2014)
Assim, os trabalhos monográficos eram inscritos por campo temático como: Ação
Cultural na Escola; Currículo; Educação Infantil; Gestão; Tecnologia em Educação e
Formação de Professor, este último campo temático só fica disponível para escolha nos
dois primeiros anos do prêmio68
. Era uma exigência descrita em edital que as monografias,
além da escolha de campo temático, estivessem sempre vinculadas à política educacional
do ano vigente.
O processo de avaliação do Prêmio Anísio Teixeira acontecia em etapas
sucessivas a partir da inscrição dos candidatos, a saber:
1ª Etapa – A comissão organizadora avaliava os aspectos formais do texto, a
formatação e a manutenção do anonimato;
2ª Etapa – A comissão temática avalia a pertinência do texto considerando a
proposição da temática do ano e a coerência em relação ao campo escolhido para
elaboração da monografia;
3ª Etapa – A comissão de avaliação das monografias premia uma monografia por
campo temático. Essa comissão é composta por um representante do Centro de
Referência da Educação Pública da Cidade do Rio de Janeiro e por três professores
doutores pertencentes a universidades públicas;
4ª Etapa – Premiação em dinheiro, publicação das monografias premiadas;
5ª Etapa – Promoção de debates entre os professores da rede a partir da publicação
das coletâneas de monografias premiadas.
As duas primeiras etapas de avaliação eram responsáveis pela eliminação de mais de
50% dos inscritos (ABRUNHOSA,2013).
A partir do que foi apresentado sobre o Prêmio infere-se , até o momento, que a
premiação, publicação e, posteriormente, o debate entre os professores autores e demais
professores da rede do município do Rio de Janeiro, reforçavam os objetivos do Concurso
de Monografias quanto à promoção de uma reflexão critica, ao debate e ao registro das
experiências, por parte dos professores. A realização de tais metas atende também ao
68 Sobre o Campo Temático Formação de Professor- Voltarei a essa questão mais adiante quando abordar a
função do CREP e as disputas internas na SME.
64
objetivo inicial desta proposta que pretendia homenagear uma personalidade, no campo da
educação, que parecia estar “além de seu tempo” em relação à função da escola e,
especialmente, ao papel que o professor desempenharia nos próximos anos:
[..] os professores e a escola - cada vez mais importantes na civilização
voluntária e inteligente que estamos criando, hão de ser os pioneiros
nessa fronteira de progresso moral, que se terá de abrir de agora e por
diante, na conquista do verdadeiro poder não só material, mas humano
sobre a vida neste planeta.[...] A sua escola de amanhã lembrará muito
mais um laboratório, uma oficina, uma estação de televisão do que a
escola de ontem e ainda hoje. Entre as coisas mais antigas, lembrará muito
mais uma biblioteca e um museu do que o tradicional edifício de salas de
aulas. E, como intelectual, o mestre de amanhã. Nesse aspecto, lembrará
muito o bibliotecário apaixonado pela sua biblioteca, o conservador de
museu apaixonado pelo seu museu e, no sentido mais moderno, o escritor
de rádio, de cinema ou e televisão apaixonados pelos seus assuntos, o
planejador de exposições científicas do que o antigo mestre-escola a
repetir nas classes um saber já superado. (TEIXEIRA, 1963).
A premiação e publicação dos textos vencedores aconteciam concomitantemente à
realização e promoção de debates entre os professores da rede pública. Em relação à
estrutura e organização do Prêmio Anísio Teixeira, Abrunhosa (2013) relata:
A primeira providência era montar o calendário, depois do tema, o passo
seguinte era escolher a data da premiação em novembro e dai vinha
contando pra trás. Por quê? Essa data tinha que estar na agenda da
Secretária, era uma condição de sobrevivência do Prêmio. Porque se
qualquer pessoa entrega perde o glamour, então assim saia o edital em
fevereiro com a temática e as datas a serem seguidas.69
(grifos meus)
Assim, logo após definição do calendário, iniciava-se a instrumentalização dos
participantes que tinha a intenção de auxiliá-los na elaboração de suas monografias,
[...] a gente criou a oficina professor-autor, que eram cinco encontros com
professores doutores que instrumentalizavam esses participantes do
Prêmio a escrever suas monografias. (Abrunhosa, 2013)
As oficinas do professor-autor eram ministradas por professores de universidades
públicas, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro -UFRJ, Universidade Estadual
do Rio de Janeiro- UERJ e Universidade Federal Fluminense-UFF. De acordo com o
depoimento de Abrunhosa, (2013) elas aconteciam nos meses de:
[...] abril e maio. E, durante o mês de julho nós tínhamos o recesso e, a
gente entendia que logo depois do recesso as monografias estavam
preparadas. Assim, colocávamos no calendário duas semanas para receber
os trabalhos, via sedex: final de julho, início de agosto.
69
Em relação aos editais, segundo a Sra. Marisa Abrunhosa, todos estão arquivados no CREP.
65
Sobre o processo de postagem das monografias que concorreriam ao prêmio
Abrunhosa (2013) nos relata que70
(...) havia anexos que são fichas para serem preenchidas. A ficha onde
mostra sua identidade que vinha dentro de envelope lacrado e esse
envelope só vai ser olhado quando terminar o processo de seleção dos
trabalhos. Como era postado por Sedex esperávamos até uma semana
depois da data limite, porque poderia estar chegando ainda Sedex com
mais trabalhos. Depois disso, começávamos a convocar as comissões.
O trabalho dessas comissões era dividido em três etapas:
[...] a 1ª comissão que era uma triagem para verificar se os trabalhos
estavam dentro das normas gerais em acordo com o edital. Muitos
ficavam nessa peneira. A 2º comissão era Temática. Essa comissão era
composta por uma trinca, pessoas da coordenadoria e da secretaria dos
diversos campos temáticos, eles analisavam a pertinência da temática nos
trabalhos. Nessa comissão, cada elemento lia atentamente e analisava se os
trabalhos estavam adequados ao tema gerador e ao campo que ele (autor
da monografia) escolheu. Eram cinco campos temáticos:71
Tecnologia da
Educação; Educação Infantil; Gestão; Formação de Professor e as
Linguagens Artísticas. Nos editais podemos conhecer as atribuições de
cada comissão. E daí encaminhavam para a última comissão, que era
composta por três professores doutores das universidades. A 3ª comissão
destinava-se a definição dos trabalhos premiados. (idem grifos meus))
O critério de premiação se dava por campo temático. Era escolhido um
vencedor por campo e esse vencedor recebia automaticame nte a premiação em
dinheiro, cinco mil reais, além da publicação do trabalho. O segundo lugar
recebia, às vezes, a premiação em viagem e indicação para publicação; as
indicações de publicações aconteciam até o quinto lugar do concurso.
[...] por exemplo, Formação do Professor primeiro lugar, ele
ganhou dinheiro e a publicação do trabalho e mais, por
exemplo, ele poderia ter até quatro trabalhos publicados, mas às
vezes não, porque a comissão entendia que apenas dois serviam
para a publicação e o restante não. (idem)
Segundo a entrevistada, era comum às coletâneas de monografias terem mais de
cinco artigos publicados por ano.
70
A entrevistada trouxe impresso uma cópia do edital de 2013 do prêmio. ( anexo 04 )
71 Os campos temáticos informados pela entrevistada não correspondem às informações levantadas nas
próprias coletâneas e na homologação de resultados da coletânea de 2008. O Campo temático: Linguagens
Artísticas não aparece nesses documentos.
66
Durante a realização da entrevista com a gestora, procurei saber sobre outras ações
paralelas, as oficinas de professor-autor e de memorais, que pudessem ser entendidas
como ação de formação para o professor da rede. O Prêmio Anísio Teixeira poderia ser
entendido como uma ação de formação continuada? Após ficar pensativa por alguns
instantes, ela responde:
[..] eu acredito que sim, pois, ao final de cada ano o primeiro lugar sempre
era convidado para fazer um debate e apresentar o trabalho premiado no
dia do lançamento da coletânea. E a gente convidava os coordenadores
pedagógicos das escolas, as coordenadorias e as pessoas iam. (Idem)
Esse desdobramento não era só para os professores participantes do concurso de
monografias. Vários profissionais da rede pública eram convidados e participavam dessa
atividade no dia da apresentação das coletâneas.
E isso desdobrou, por quê? Porque nós tivemos vários premiados, que
posteriormente foram convidados, está ai o desdobramento... efeito
dominó, vários premiados foram convidados para participar de encontros
de capacitação e de formação de professor em várias CREs ou em uma
dada escola, para apresentar e falar do seu trabalho. Isso acontecia sempre.
(idem)
Segundo Abrunhosa, o CREP tem arquivos fotográficos que registraram vários
eventos de premiação do concurso de monografias Prêmio Anísio Teixeira, além de todos
os editais, monografias e memória dos professores premiados e não premiados com seus
respectivos pareceres de aceitação e recusa.
Existem fotos sim. Atualmente lá no Centro de Referência temos registros
fotográficos, sim. O centro foi rebatizado. Hoje o Centro de Referência
leva o nome do Prêmio Anísio Teixeira – CREPAT. (idem)
No organograma atual, o CREPAT é um dos departamentos que compõem a
Escola do Professor Carioca Paulo Freire. Quanto à ingerência da SME em relação ao
prêmio, monitoramento do projeto, avaliação das práticas docente após realização dos
concursos, destaca-se no depoimento da entrevistada:
[...] Nós éramos espiados de perto. Na verdade, o Centro era um braço
do gabinete, ele era gabinete da secretaria em outro lugar. E, acredito
que hoje a Escola do Professor Carioca deve ser também, não sei ao
certo, porque estou afastada. Trouxe aqui pra você o edital de 201372
que
retoma o prêmio e, se você for verificar vai ver que é igual, só muda a
gestora que agora é a Claudia Costin. (idem grifos meus)
72
Ver Anexo 4
67
Na verdade, algumas questões são bastante diferentes quando se compara o CREP
com o CREPAT, bem como a proposta do Prêmio Anísio Teixeira durante oito anos
consecutivos e a retomada do prêmio em 2013. Existe semelhança nos editais no geral,
mas em relação à proposta metodológica não há semelhança, pois a de 2013 não
contempla a parceria com professores das universidades públicas para o desenvolvimento
das oficinas de professor-autor ou qualquer outra, como também não existe a publicação
impressa das coletâneas em papel. A coletânea de 2013 será disponibilizada em formato
digital e, segundo informação, obtida por telefone73
; a de 2008, quando publicada, também
só será disponibilizada nesse formato. A questão aqui é delicada, pois no edital do prêmio
em 2008 encontramos o seguinte texto:
Além da premiação os trabalhos ora relacionados serão publicados pelo
Centro de Referência da Educação Pública da Cidade do Rio de Janeiro.74
(D.O. out/2008)
Ainda sobre a retomada do prêmio, bem como a proposta de publicação da
coletânea de 200875
, juntamente à premiação das monografias de 2013, procurei entender
um pouco mais sobre essas questões com a entrevistada:
Não sei não, mas não tenho certeza que ele será reeditado de fato, pelo
menos nos moldes que nós fizemos... Essa versão não tem as oficinas que
aconteciam no primeiro semestre para que os professores aprendessem a
elaborar as suas monografias e também não vão fazer os memoriais ...eles
adoravam fazer seus memoriais. [...] Não, mas durante esses últimos
quatro anos, desde a entrada do Eduardo Paes, o CREP sobreviveu tendo
apenas a Deise76
ocupando lá uma mesinha....(idem)
Em 2011, a equipe que iniciou a concepção e realização do prêmio, sob a
coordenação de Marisa Abrunhosa com apoio da Sra. Sr. Deise toma a iniciativa de enviar
uma carta à Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro solicitando a
retomada do prêmio. Segundo Abrunhosa (2013) nos anos anteriores: de 2009 a 2012, ano
73
Essa informação obtive em ligação telefônica com a atual gerente do CREPAT, Sra Malvina
74 D.O. de 10 de outubro de 2008 que homologa o resultado dos artigos premiados e indicados para 2008.
http://doweb.rio.rj.gov.br/ler_pdf.php?edi_id=904&page=37 acesso em 10 de setembro de 2013
75 A coletânea de 2008 seria publicada em 2009, mas com a entrada da nova gestão na SME, sob a gestão da
Secretária de Educação Claudia Costin, a publicação de 2008, bem como os concursos dos anos seguintes
foram suspensos e retomados em outra modalidade em 2013 (ABRUNHOSA, 2013 e AYRES, 2014).
76 Deise Furtado ocupava o cargo de assistente da gestora do Prêmio, Marisa Abrunhosa, entrevistada nessa
pesquisa.
68
em que ela foi transferida para outro setor da SME, foram enviadas cartas/memorando de
solicitação de retomada do prêmio. Segue a carta77
na integra:
Tendo em vista ser uma atribuição do Centro de Referência da Educação
Pública da Cidade do Rio de Janeiro, organizar anualmente o Prêmio
Anísio Teixeira, nome dado em homenagem ao educador que teve atuação
expressiva à frente da educação pública em nossa cidade, contribuindo de
forma significativa para que o Rio de Janeiro desempenhasse um papel
fundamental na educação nacional, tecemos as seguintes considerações
relativas à história do Prêmio:
A Lei n° 742, de 08/10/1985, criou a Medalha Educadora Anísio
Teixeira, destinada a promover a valorização do profissional de
educação no Município do Rio de Janeiro;
O Decreto n° 7020, de 13/10/1987, instituiu o Prêmio Anísio Teixeira,
a ser concedido a funcionários que se destacassem por seu
desempenho ou por trabalho criativo realizado no âmbito da educação;
Nos anos 90, este Prêmio foi entregue aos autores de trabalhos
inscritos no Projeto Experiências Bem Sucedidas, realizado pela
Secretaria Municipal de Educação, que tinha por objetivo estimular o
registro das atividades desenvolvidas com os alunos;
A Secretaria Municipal de Educação, que possui a maior rede de
escolas públicas municipais da América Latina, realizou a primeira
edição do Prêmio Anísio Teixeira – Concurso de Monografias, em
2000, com o objetivo de destacar, premiar e divulgar os melhores
relatos do professor em seu cotidiano de sala de aula.
Considerando:
Que o Centro de Referência da Educação Pública da Cidade do Rio de
Janeiro tem como finalidade promover a reflexão e o debate sobre a
Educação entre os profissionais do magistério;
Que o Prêmio Anísio Teixeira objetiva estimular a produção escrita
dos professores, resgatando sua função de intelectual que pesquisa, faz
e reflete sobre a Educação;
Que o Centro de Referência da Educação Pública da Cidade do Rio de
Janeiro, local de produção de ideias desde 2002, data de sua
inauguração, vem reforçando junto à rede pública municipal de ensino
77
Este documento foi localizado no CD disponibilizado pela entrevistada , no dia da entrevista em 20 de
julho de 2013.
69
a importância do aprimoramento profissional e a necessidade da
formação continuada.
Propomos:
Recuperar a concessão do Prêmio Anísio Teixeira – Concurso de
Monografias para o ano de 2011, visando à valorização do trabalho
acadêmico de professores que fazem da Educação Pública uma fonte de
realização profissional e de inclusão de nossos alunos.
Em anexo, reunimos toda a legislação referente ao Prêmio Anísio Teixeira
e o Projeto elaborado pela equipe do Centro de Referência da Educação
Pública da Cidade do Rio de Janeiro.
Respeitosamente78
Identificamos na proposição acima um movimento de resistência, em relação à
interrupção do prêmio, assim como a Srª. Deise Furtado79
que ocupou o lugar da Sra.
Marisa Abrunhosa na coordenação do CREP, durante quase cinco anos, desde a
interrupção do concurso de monografia: Prêmio Anísio Teixeira em 2008.
Seria correto inferir que, assim como o pensador e educador, Anísio Teixeira,
viveu períodos de silêncio e ostracismo, na vida pública, durante o período do Estado
Novo, em 1945 e, em 1964 com o Golpe Militar, o Prêmio e o Centro também viveram,
nesses últimos cinco anos, um silêncio semelhante? O silêncio em relação a certos
assuntos/ acontecimentos é por excelência, matéria significante, o real do discurso,
enquanto a linguagem produzida pelo homem tende a domesticar a significação.
(ORLANDI 1993, p.32).
Como já mencionado, o prêmio foi totalmente interrompido apesar de ter sido
instituído por um decreto - lei e, como não foi extinto, não poderia ser interrompido
durante quatro anos.
Já o CREP, ficou resistindo apenas como local de pesquisa para os professores, não
realizando nenhuma de suas ações anteriores desde sua instalação, na escola Rivadávia
Correa, tais como: as exposições sobre temas e personalidades centenárias na área
educacional ou influentes para a educação, produção de oficinas temáticas para os
professores da rede, saraus, entre outras ações.
78
Quem assina esta carta é a gestora do Prêmio Anísio Teixeira, Marisa Abrunhosa
79 Esta profissional permaneceu no CREP até a retomada do Prêmio em 2013, mas antes de finalizar os
procedimentos desta modalidade foi retirada do CREP.
70
Considerando as questões colocadas acima, em relação à história e a memória,
tanto do CREP/CREPAT, quanto do Prêmio Anísio Teixeira, identifica-se que as duas
instituições, colocando o prêmio no status de uma instância formadora, percorreram e,
talvez ainda, percorram trajetórias semelhantes para se manterem vivos dentro de seus
princípios originais:
O CREP/CREPAT- Ao propor a criação do Centro de Referência da
Educação como um dos itens de pauta de sua política, a atual gestão da
SME busca conferir materialidade a essa reivindicação, que se afirma
como um sintoma do interesse contemporâneo em repensar o papel da
cidade e de suas políticas. [...] Através do investimento em estudos,
pesquisas e de uma interlocução permanente com os profissionais do
magistério, o Centro de Referência pretende colocar-se como órgão de
ponta em assuntos educacionais, indispensável para o enfrentamento dos
desafios colocados à Educação neste final de milênio e, consequentemente,
à valorização do trabalho dos professores da rede pública municipal.
(Relatório Final Grupo de Trabalho, dez/ 1997).
O Prêmio Anísio Teixeira – Resolução de criação que data da década
de 1980 com objetivo de homenagear o grande educador brasileiro que
teve atuação expressiva no que se refere à educação pública e, em especial
no cenário da vida publica da cidade do Rio de Janeiro; promover a
reflexão, o debate, o registro e a divulgação de experiências do cotidiano
da sala de aula, e estimular a produção escrita dos professores da rede
pública municipal. (Projeto Concurso de Monografias: Prêmio Anísio
Teixeira, 2000, p. 2)
Orlandi (1993) apud Lopes (2009) nos ajuda a problematizar o silêncio ao observar
que o silêncio não é visível, não é observável. Ele escorre por entre a trama das falas.
Longe de ser reacionário, como naturalmente se supõe, o silêncio é, na visão desta autora,
indício de resistência, pois mediando as relações entre linguagem e visão de mundo,
resiste ao controle exercido pelo dominador, significando de outras e muitas maneiras o
que se mantém em silêncio.
Outra forma de problematizar “o sair de cena” desses dois espaços que dialogam,
de certa forma, entre si por meio da história e da memória que estão a construir, seria,
segundo Michael Pollak, entender que o longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir
ao esquecimento, pode levar a resistência que uma sociedade civil ou grupo impotente
opõe ao excesso de discursos oficiais. Assim, a memória
[...] transmite cuidadosamente as lembranças dissidentes nas redes
familiares e de amizades, esperando a hora da verdade e da redistribuição
das cartas política e ideológicas. (POLLAK,1989, p.5)
71
O olhar para trás sobre o que é hoje, o Prêmio Anísio Teixeira e o próprio espaço
responsável por sua implementação, hoje CREPAT, faz com que se possa produzir e ver
esses lugares como lugares de memória. (NORA, 1993).
Para este autor, o tempo dos lugares de memória “ é um momento preciso em que
desaparece um imenso capital que nós vivíamos na intimidade de uma memória, para só
viver sob o olhar de uma história reconstruída”. Sendo assim, uma característica marcante
desses lugares seria justamente “a sua derrota em se tornar aquilo que quiseram seus
fundadores, pois se estivéssemos ainda hoje vivendo sob seu ritmo, teriam perdido a
virtude de lugares de memória” (NORA,1993, p. 12 , 23).
Até aqui procurei traçar a trajetória do prêmio com intenção de propiciar uma(s)
leitura(s) mais abrangente do objeto pesquisado, uma contextualização necessária à
compreensão de possíveis interfaces entre a trajetória do prêmio, sua função dentro da
SME e o estreito laço que unia o Centro de Referência à memória e à história da educação
municipal em mais de duas décadas.
A seguir me detenho na análise de documentos que ajudaram a materializar o
prêmio como: As coletâneas de 2002 a 2007; Consulta a Diários Oficiais de Homologação
de resultados das coletâneas de 2001 a 2008; Ata de divulgação dos resultados dos artigos
avaliados pela comissão julgadora de 2006 e 2007; Plano de Curso de duas Oficinas do
Professor Autor e a produção das entrevistas, já mencionadas anteriormente.
2.3 Realização do Prêmio Anísio Teixeira de 2000 a 2008: Desdobramentos possíveis
nos dias atuais
A realização do Prêmio Anísio Teixeira aconteceu por oito anos consecutivos,
conforme já mencionado. Durante a realização desta modalidade do Prêmio localizamos o
número de monografias publicadas, o número de trabalhos vencedores do concurso, os
temas propostos nos editais anuais e o número de inscritos. Veja-se a tabela a seguir:
QUADRO SÍNTESE DO PRÊMIO ANÍSIO TEIXEIRA ( 2000-2008)
Prêmio Tema proposto para o Ano Inscritos Vencedor Indicado
Publicado
Total
2001
A Escola do novo milênio - Desafio para o professor – históricos
67 Profes
4 Artigos
7 Artigos
11
2002
A Educação como estratégia de inclusão - Desafios para o Educador
29 Profes
1 Artigos
1 Artigo
2
72
2003
Educação como prática de/para Cidadania –Sociológico
23 Profes
3 Artigos
0
3
2004
Mídia como linguagem Educativa: Transformações no modo do Saber-
19 Profes
3 Artigos
2 Artigos
5
2005
Os Caminhos da Educação no município do Rio de Janeiro - 30 anos de educação pública
47 Profes
4 Artigos
5 Artigos
9
2006
Relações de Ensino: Trabalhando com a Diversidade
42 Profes
3 Artigos
2 Artigos
5
2007 Ciclos de Formação: Instrumentos de Inclusão, Justiça Social e Democratização do Conhecimento
58 Profs 3 Artigos 4 Artigos
7
2008 Ciclos de Formação: Instrumentos de Inclusão, Justiça Social
20 Profes 5 Artigos 5 Artigos 10
TOTAL 305 Profes 26 Artigos 26Artigos 52 Artigos
Observação: Quadro elaborado pela pesquisadora
O quadro acima apresenta um panorama geral da realização do Prêmio Anísio
Teixeira durante esses oito anos consecutivos. Considerando os anos de realização do
prêmio de 2001 a 2008, contam-se cinquenta e dois artigos. Desses 52 foram publicados
42 artigos, pois como já mencionamos acima, o de 2008, se publicado, será apenas em
formato digital.
Analisando o quantitativo geral, exceto o do ano de 2008, fizemos uma leitura dos
resumos e das introduções quando o artigo não possui resumo e identificamos que de 42
artigos publicados 21 artigos apresentaram proximidade ou aderência ao tema gerador do
ano. O que significa dizer que houve, em média, três artigos por ano com proximidade ou
aderência temática, o que se pode considerar razoável sob o ponto de vista dos dois
entrevistados nessa pesquisa. Sobre a escolha do tema proposto, a ex-gestora do prêmio
esclarece:
[..] O “tom” era dado a partir das políticas daquele ano da secretaria,
estava sempre atrelado à política, por exemplo: “ se a política desse
ano era organização curricular por conta de ciclos...” então essa
poderia ser a temática para aquele ano.[...] A gente (ela e sua equipe)
ficava atenta à aula inaugural e a fala da senhora secretária, Sônia
Mograbi, que ficou duas gestões como secretaria de educação do
município: 2000 a 2004 e 2004 a 2008. A aula inaugural é que ditava o
“tom”. Então ficávamos prestando atenção e ai sugeríamos três ou quatro
temas e ela definia, não éramos nós que ai batíamos o martelo em relação
à definição do tema, mas éramos nós que apresentávamos as opções
baseado no que ouvimos na aula inaugural. (ABRUNHOSA, 2013, p.4)
73
A partir do que foi apresentado, no quadro acima e do depoimento da entrevista,
sobre como era realizada a escolha do tema central, identifica-se que o prêmio cumpria a
tarefa de divulgar e/ou reforçar a política educacional da gestão do então prefeito Cesar
Maia, na figura da Secretária de Educação Sonia Mograbi80
. Muitos desses artigos citaram
as produções da MultiRio, especialmente a Revista Nós da Escola81
e, a Multieducação82
nas referências bibliográficas de suas produções monográficas.
Reconhece-se, na descrição acima, acerca da análise de aderência dos artigos
monográficos aos temas propostos pela SME, um diálogo importante entre dois conceitos
utilizado por Michael de Certeau: tática e estratégia. O autor busca refinar a distinção
desses conceitos: táticas e estratégias descritas como “maneiras de fazer”, vivenciadas ou
utilizadas nas práticas culturais contemporâneas. Estes dois tipos de comportamento - o
estratégico e o tático - são termos extraídos de um contexto militar e a eles o autor atribui
novos significados. O autor atribui o termo estratégias ao procedimento utilizado por
instituições, de modo geral, enquanto as pessoas comuns, não produtoras, costumam
desenvolver táticas.
Para Certeau, a estratégia seria o cálculo das relações de força que se torna
possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder é isolável de um
ambiente. A estratégia postula um lugar capaz de ser circunscrito como um próprio e,
portanto, capaz de servir de base a uma gestão de suas relações com uma exterioridade
distinta. Segundo este autor, a nacionalidade política, econômica ou científica foi
construída a partir desse modelo estratégico. Já a tática, ao contrário, seria um cálculo que
não pode contar com um próprio, nem, portanto, com uma fronteira que distingue o outro
como totalidade visível. A tática só tem por lugar o do outro. Ela se insinua,
fragmentariamente, sem apreendê-lo por completo, sem poder retê-lo à distância. Ela não
dispõe de base onde possa capitalizar seus proveitos, preparar suas expansões e assegurar
uma independência em face às circunstâncias. (CERTEAU, 1994 p. 95)
Entendo aqui que a equipe do CREP e do Prêmio se apropriaram de um
comportamento tático, pois pelo que já descrevemos no capítulo um sobre o Centro e,
80
Única Secretária de educação que ficou à frente da SME por oito anos consecutivos.
81 PREFEITURA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO: MULTIRIO. Revista: Nós da Escola. e Projeto
Século XXI – Foram 10 citações compreendendo as monografias de 2003; 2004; 2005 e 2007. As de 2001 e
2008, não foi possível fazer o levantamento, pois não consegui acesso ao material produzido.
82 Multieducação – Foram identificadas 6 citações entre os anos de 2003 e 2007.
74
neste capítulo, sobre as tentativas de retomar as ações do prêmio, fica nítido que a
utilização desse comportamento tático foi um recurso para a sobrevivência de ambos.
Dando continuidade a essa análise referente aos conceitos trabalhados por Certeau,
entende-se que para a estratégia, o próprio é uma vitória do lugar sobre o tempo. Ao
contrário, pelo fato de seu não lugar, a tática depende do tempo, vigiando para captar no
voo, possibilidades de ganho. A tática tem, constantemente, que jogar com os
acontecimentos para os transformar em ocasiões, em oportunidade. (CERTEAU, 1994, p.
46).
Nesse sentido, proponho considerar que a SME desempenhou um comportamento
estratégico ao buscar atrelar a produção dos professores, mesmo respeitando os núcleos
temáticos de escolha do professor, ao tema da política educacional de cada ano vigente do
concurso, como também atrelar a premiação e publicação das coletâneas anuais à agenda
da Secretaria de Educação. Assim, podemos inferir que tanto em relação ao CREP quanto
ao Prêmio, a SME seria esse sujeito de querer e de poder, na medida em que ela é uma
entidade reconhecida como autoridade, cujo comportamento coincide com as definições
propostas pelo autor para o conceito de estratégia.
Uma estratégia pode ter o status de ordem dominante, ou ser sancionada pelas
forças dominantes. Ela se manifesta fisicamente por seus sítios de operação (escritórios,
matriz ou quartel-general) e nos seus produtos (leis, linguagem, rituais, produtos
comerciais, literatura, arte, invenções, discursos). Ela usa recursos delicados e representa,
muitas vezes, um investimento enorme de espaço (construções e bens concretos) e tempo
(a sua própria história e tradições), sua identidade e seu modo de operar já estão
determinados. Não se pode esperar que uma estratégia seja capaz de se desestruturar e se
reagrupar com facilidade, algo que um modelo tático faz com naturalidade. Em outras
palavras, uma estratégia é relativamente inflexível, pois ela é amarrada a um
"próprio", que é a sua "localização espacial ou institucional" (CERTEAU, 1994, p.92
grifos meus).
O objetivo de uma estratégia, para este autor, é se perpetuar através daquilo que
ela produz. Assim, no momento em que a realização do Prêmio organizado pelo CREP
fica atrelado à agenda político-educacional da SME, mas realizado por professores, nesse
caso pessoas comuns, como define Certeau (idem p.94), nem sempre se consegue total
aderência temática às proposições da Secretaria.
Um exemplo dessa inferência sobre aderência temática foi identificada na
publicação das monografias de 2005, coletânea que foi priorizada para análise deste
75
estudo, considerando o limite e escopo do projeto de pesquisa aqui apresentada. Assim,
duas questões mereceram atenção, mesmo que sejam para um futuro aprofundamento
deste estudo.
A escolha dessa coletânea se deu por duas proposições que interessam diretamente
ao estudo, aqui apresentado, levando em conta as categorias: memória, estratégia,
mencionada logo acima e tática83
. A primeira escolha está relacionada ao tema proposto
para o ano de 2005: Os Caminhos da Educação no Município do Rio de Janeiro - 30 anos
de Educação Pública. Este tema está, de certa forma, ligado a nossa investigação à
medida que, a partir da análise do prêmio e da instituição que o concebeu e implementou
sua realização, por oito anos consecutivos, nos possibilitasse descrever, conhecer e
compreender certos aspectos da política educacional da SME desde a criação do CREP. A
segunda, ainda relacionada à primeira, tem a ver com o nível de aderência dos artigos ao
tema proposto para o ano pela SME. Assim, esse estudo pode ser realizado a partir de duas
proposições de análise:
Primeiro sobre o tema de 2005: Os Caminhos da Educação no Município do Rio de
Janeiro - 30 anos de Educação Pública;
Segundo sobre o nível de aderência: no ano de 2005 foi publicado um total de
nove artigos, mas apenas três apresentaram aderência ao tema proposto.
Em relação ao tema proposto pode-se inferir certa relação com o segundo mandato
consecutivo da gestão municipal na Cidade do Rio de Janeiro e recuando um pouco mais,
de 1992 a 1996, ao primeiro mandato do prefeito Cesar Maia.
Ainda a título de suposição, este tema seria, de qualquer forma, bem vindo à
história da educação pública da cidade. Cidade esta que um dia foi capital do país e que
teve em Anísio Teixeira um dos maiores defensores da escola e da educação pública,
onde a figura do professor era reconhecidamente valorizada, sendo assim necessário e
primordial aprimorar sua formação através de uma educação contínua.
A partir da leitura dos títulos, resumos e introduções desta coletânea de
monografias de 2005, localizamos apenas um terço dos trabalhos monográficos que
apresentasse aderência aproximada ao tema proposto: Os Caminhos da Educação no
Município do Rio de Janeiro - 30 anos de Educação Pública.
83 Le Goff, Pollak, Nora e Ricouer – em relação à categoria Memória e Certeau – em relação às categorias
Tática e Estratégia
76
QUADRO 2: ANÁLISE COLETÂNEA 2005
Os Caminhos da Educação no Município do Rio de Janeiro: 30 anos de Educação
Pública
Titulo do Artigo
Indicação
Campo Temático
Resumos e/ou Introdução
Curríc. Ed. Infantil
Ação Cultural
Tec. Educ.
Objetivo do Artigo
O que há por trás dos brinquedos e brincadeiras.
1º Lugar
X
Trajetória Histórica das Brincadeiras
A importância da Formação Continuada de professor frente às resistências de utilização do computador na prática pedagógica.
1º Lugar
.
X
Identificar pontos de resistência dos
Profes em relação a utilização do computador
A construção de um currículo no caminho das artes cênicas. OBS. Esta monografia apresenta aderência ao tema proposto.
1º Lugar
X
Realiza uma viagem a partir da
construção e materialização do
processo de municipalização na
cidade do RJ
Macebeth, Otelo, Romeu e Julieta? Já é Ou há vida na escola.
1º Lugar
X
Compreender a natureza do teatro
no processo educativo da juventude de
classes populares a partir da
experiência de um professor de artes
cênicas
As mudanças na educação infantil transformaram o dia a dia do professor: Novos caminhos e novas perspectivas. OBS: Esta monografia apresenta aderência ao tema proposto.
Publicação
X
Que mudanças ocorreram na Ed. Municipal do RJ em 30 anos de Escola Pública que contribuíram para a transformação da prática pedagógica do Professor da Ed. Infantil
A possibilidade de se alfabetizar letrando por meio de hipertexto Tecnologia em Educação
Publicação
X
Refletir acerca da importância do hipertexto no processo de alfabetização
Educação, Trabalho e Tecnologia: Desafios para o 3º Milênio. Tecnologia em Educação
Publicação
X
Descrever a implementação da Informática na rede municipal tendo como objetivo de investiga a trajetória histórica do Polo de Educação para o Trabalho
Vídeo e computador, binômio a dinamizar o processo de ensino/aprendizagem de matemática, possibilitando a diminuição da exclusão social da educação. Tecnologia em
Publicação
X
Retratar as diferentes etapas da utilização do vídeo e computador na disciplina de Matemática – 5ª a
77
Educação 8ª series
A reformulação do currículo escolar em uma perspectiva interdisciplinar. Currículo. OBS: Apresenta aderência ao tema proposto.
Publicação
X
Ressignificar a ação teórico/prática do profissional da educação do nível básico a partir da trajetória da reformulação curricular nos últimos 20 anos
Observação: Quadro elaborado pela pesquisadora
A análise do quadro permite identificar que dos três trabalhos que apresentaram
aderência ao tema proposto, dois estão vinculados ao campo temático do currículo, um
como vencedor do 1º lugar: A construção de um currículo no caminho das artes cênicas e
outro indicado para publicação: A reformulação do currículo escolar em uma perspectiva
interdisciplinar. Abaixo, seguem trechos dos estudos mencionados:
[...] A Escola, nas décadas apresentadas, se encontrava num momento
crítico de buscas de caminhos e nesses caminhos estavam as suas
contradições: forte carga de um passado autoritário e formal em relação a
um presente que se pretendia democrático não só no seu desempenho, mas
sobre tudo em seus objetivos. Portanto, naquele momento, do ponto de
vista do grupo de professores em estudo, avaliou-se que ponto de partida
do processo político educacional deveria ser a bagagem cultural das
categorias populares para que se chegasse aos códigos da linguagem
cultural dominante.[..] A importância da Arte-Educação tornou-se
evidente nesse processo, não só dentro das Linguagens das Artes, mas em
todos os componentes curriculares, pois ela além de estimular o
conhecimento proporcionava também o resgate da memória cultural.
(FONSECA, 2005, p.124. grifos meus)84
[...] Embora testemunhando mudanças na educação pública oferecida pele
município do Rio de Janeiro, especialmente nos últimos 10 anos e há 20
anos como educadora da rede pública municipal, sem contar os demais
como aluna, percebemos que a prática escolar ainda se fundamenta na
disciplinarização. É preciso repensar a utilização de um currículo
hierarquizado e compartimentalizado, predominâncias de uma
formação em disciplinas estanques e discutir a possiblidade de se
articular diferentes saberes, que pode perfeitamente conviver a partir da
transversalidade. [...] (RIBEIRO, 2005. P.355 grifos meus. )85
84 PRÊMIO ANÍSIO TEIXEIRA- Coletânea de Monografias, 2005. Lêda Martins Aristides Fonseca. A
Construção de um Currículo no Caminho das Artes Cênicas. 1º Lugar no Concurso de Monografias, campo
temático do currículo.
85 PRÊMIO ANÍSIO TEIXEIRA-Coletânea de Monografias, 2005. Rosa Maria Palomares Ribeiro. A
Reformulação do Currículo Escolar em uma perspectiva Interdisciplinar. Indicado para publicação no
Concurso de Monografias, campo temático do currículo.
78
O terceiro artigo86
que apresenta aderência temática foi indicado para publicação
estando vinculado ao campo temático da Educação Infantil, intitulado: As mudanças na
educação infantil transformaram o dia a dia do professor: Novos caminhos e novas
perspectivas.
O Tema: Os caminhos da Educação Municipal do Rio de Janeiro: Trinta anos de
Educação Pública, nos inspirou; afinal temos vinte e oito anos de magistério
municipal, vinte dos quais dedicados a turmas com idade entre quatro e seis anos.
Uma vez que a Educação Infantil passa por transformações e tem gerado
questionamentos e discussões, não poderíamos deixar de contribuir com o pouco
que aprendemos, a fim de que as experiências não se percam. (Santos, 2005, p.
176).
No terceiro quadro, apenas a título de curiosidade, identificamos que as
recorrências das escolhas dos professores em relação ao Campo Temático, expressam
maior predominância para os campos de Tecnologia em Educação e Currículo.
QUADRO 3- PREDOMINÂNCIA CAMPO TEMÁTICO
Prêmio
Tema proposto para o Ano
Ação Cultural na Escola
Currículo
Ed.Infantil
Gestão
Tec.Edu
Formação Professor
2001
A Escola do novo milênio - Desafio para o professor –históricos
X
3
X
1
3
4
2002
A Educação como estratégia de inclusão - Desafios para o Educador
X
.X
X
X
X
2
2003
Educação como prática de/para Cidadania –Sociológico
1
X
1
X
1
X
2004
Mídia como linguagem Educativa: Transformações no modo do Saber
X
1
1
X
3
X
2005
Os Caminhos da Educação no município do Rio de Janeiro - 30 anos de Educação Pública
1
1
2
X
5
X
2006
Relações de Ensino: Trabalhando com a Diversidade
1
3
X
X
1
X
2007 Ciclos de Formação: Instrumentos de Inclusão, Justiça Social
X
4
1
2
X
X
2008 Tempo e Espaço Escola: Ampliando possibilidades de Ensino Aprendizagem
1
4
1
2
2
X
Total 4 15 6 5 15 6
Observação: Quadro elaborado pela pesquisadora
Percebe-se, nesse quadro, que a recorrência de campo temático define os campos
currículo e tecnologia em educação, como os mais trabalhados pelos professores. Pelo que
86
Idem. Rosania Vargas dos Santos. As mudanças na educação Infantil transformam o dia a dia do professor:
Novos Caminhos e Novas Perspectivas. Indicado para publicação no Concurso de Monografias, campo
temático da Educação Infantil.
79
foi possível observar na leitura dos resumos e/ou introdução dos artigos, as definições de
escolha temática para elaboração das monografias, muitas vezes não correspondem de fato
uma primazia na área de escolha do referido campo temático, mas isso já seria objeto para
uma nova pesquisa.
Segundo o que foi possível constatar pela descrição da concepção e realização do
Prêmio Anísio Teixeira, durante dois mandatos consecutivos do prefeito Cesar Maia tendo
à frente da SME a professora Sônia Mograbi, ouso colocar as seguintes questões:
A experiência de valorizar a reflexão e a escrita de uma prática em ação, na rede
municipal de ensino do Rio de Janeiro, poderia ser melhor aproveitada na gestão que o
concebeu e garantiu a construção de sua história por oito anos seguidos?
Por que a Escola de Formação do Professor Carioca Paulo Freire, tomou pra si
as ações de formação docente que eram desenvolvidas pelo CREP sem considerar o que o
prêmio poderia significar para a SME na gestão atual da Secretária Claudia Costin ?
A partir do que foi apresentado, até agora, sobre as ações do CREP no primeiro
capítulo, sua relação com os concursos de monografias e a concepção e metodologia do
próprio Prêmio Anísio Teixeira, identifico nessa iniciativa uma modalidade de formação
continuada de professor que precisa ser melhor compreendida. Dessa forma, proponho
continuar essa discussão no capítulo seguinte onde abordaremos, com mais detalhes, os
aspectos relativos à formação continuada de professores, tendo o Prêmio Anísio Teixeira
como referência nessa pesquisa.
80
CAPÍTULO 3
Uma Proposta de Formação Continuada para Professores da Secretaria Municipal
de Educação da Cidade do Rio de Janeiro
Uma qualidade indispensável a um bom professor é ter a capacidade de
recomeçar sempre, de fazer, de reconstruir, de não se entregar, de
recusar-se burocratizar-se mentalmente, de entender e de viver a vida
como processo. O professor tem o dever de reviver, de renascer a cada
momento de sua prática docente. É possível afirmar, ainda, que o
professor que se deseja formar deve ser alguém criativo, que utilize esta
criatividade em seu fazer pedagógico; um professor que esteja
consciente de ser poder de transformação e de seus limites como
educador e como cidadão; um professor que saiba fazer ligação entre o
mundo exterior e o que se passa no interior da sala de aula. Enfim, um
professor entusiasmado, competente e comprometido como pessoa, como
cidadão e como profissional. (FREIRE, 1991, p. 103)
As palavras de Paulo Freire, nos dias atuais, podem nos soar ingênuas, utópicas ou
mesmo superestimadas em relação à figura do professor, como sendo um super herói da
educação. Não é com esse propósito que recorri, aqui, a estas palavras. A intenção é fazer
uma releitura do que elas representaram para mim, no início da década de 1980, quando
comecei a dar aulas para alunos de classe especial, em um bairro da zona norte do Rio de
Janeiro, onde o conceito de inclusão ainda não era considerado nem como uma
possibilidade educacional realizável. E, também como integrante da equipe pesquisadores
do NOAP87
(Núcleo de Orientação e Aconselhamento Psicopedagógico do Departamento
de Educação da PUC-Rio) no início dos anos de 1990. Desde então, a temática Formação
de Professor vem sendo meu campo de interesse e atuação em diferentes práticas
educacionais. Ao final deste capítulo, retomo a minha trajetória como formadora de
professor/formador.
As palavras desse educador inferem, a meu ver, que todas essas capacidades e
condições para a construção da identidade e da prática de um professor estão, ainda hoje,
muito mais direcionadas para uma visão de mundo. Ou seja, para uma postura diante da
87
Este núcleo foi fundado em 1982 pelas professoras Terezinha Machado, Maria Aparecida Mamede e
Maria Luiza Teixeira. Inicialmente foi criado para prestar serviço de orientação e aconselhamento
profissional aos alunos da PUC, mas praticamente não realizou esta função, priorizando o atendimento a
alunos das escolas municipais circunvizinhas à PUC, com dificuldades no processos ensino aprendizagem.
Outro trabalho realizado pelos grupos de pesquisa deste centro foi o atendimento a professores e diretores
dessas escolas com vistas a fornecer subsídios a sua formação em serviço.
81
vida, que se constrói numa dimensão mais complexa e abrangente, onde pessoal e o
profissional não são (id) entidades dicotômicas, mas sim inseridas num campo de práticas,
praticantes de um habitus e possuidoras de um capital cultural, que podem definir uma
prática específica88
.
Não é minha intenção aqui me deter na problemática da identidade docente, mas
tenho certeza de que este, entre outros, é um tema que não podemos nos furtar a enfrentar
quando se fala de formação de professor89
.
Voltando à reflexão acerca da qualidade e das capacidades que precisam ser
desenvolvidas para se exercer a docência, na visão idealizada de Paulo Freire, busco
suporte em alguns autores para iniciar a discussão sobre a proposta de formação
continuada de professores da SME do Rio de Janeiro, a partir da realização do Prêmio
Anísio Teixeira. Aborda-se a seguir, alguns conceitos e pré-conceitos a relativos a
produção/constituição do saber docente, objetivo primeiro de um processo de formação
contínuo.
António Nóvoa afirma ser importante que todo o profissional da educação tenha
consciência sobre as suas práticas, para agir frente a elas. Essa postura profissional permite
a formação de um conjunto de características específicas do ser professor, que devem ser
contextualizadas, abrangendo o pedagógico, o profissional e o sociocultural. A partir dessa
afirmação inicial, reconheço, assim como esse autor, que não é fácil definir o conceito de
“ser professor”, visto que a prática docente abrange diferentes dimensões e é determinada
por várias instâncias: o coletivo social dos professores; o prestígio relativo da profissão; a
posição social do professor. (NÓVOA, 1996). Ou mesmo, quando se busca explicar os
sentidos do trabalho adotando uma concepção que enfatiza o potencial emancipador do
trabalho humano, considerando que o homem como ser social precisa recusar o trabalho
que aliena e infelicita (ANTUNES, 2008, p. 2, grifo do autor).
Ainda segundo esse autor, os homens e mulheres que trabalham são dotados de
consciência, por conceberem previamente o desenho e a forma que querem dar ao produto
88
Conforme Pierre Bourdieu (2000). Ao longo dos últimos 30 anos a obra deste autor vem se afirmando
como referência, estimulando e inovando à área das ciências sociais, influenciando pesquisas sociológicas,
antropológicas e históricas no Brasil e no exterior. Acreditamos que a sua abordagem conceitual inova e se
faz notar, por muitos pesquisadores, pela eleição de objetos de análise: sociedades tribais; sistemas de
ensino; processos de reprodução; critérios e lógicas de classificação e distinção, que provocam a necessidade
de uma reorientação do olhar na formulação de noções operatórias (habitus, reprodução, poder simbólico,
capital e campo, por exemplo) e o constante recurso à sociologia do conhecimento, onde a posição do
investigador é questionada como forma de controle de seu trabalho de produção de sentido. 89
Nóvoa, (1991) em seu texto Ambiguidades da Docência: entre o profissionalismo e o proletarização nos
leva a uma reflexão fértil e necessária em relação a essa temática.
82
do seu trabalho. O autor ressalta que o “trabalho deve ser um ato consciente e, portanto,
pressupõe um conhecimento concreto, ainda que jamais seja perfeito, de determinadas
finalidades e de determinados meios” (idem). Citando Gramsci, acrescenta que em
qualquer forma de trabalho, mesmo no trabalho mais manual, há sempre uma clara
dimensão intelectual” (idem). Explica o autor que, “anteriormente, Marx havia
demonstrado que o trabalho é fundamental na vida humana porque é condição para sua
existência social” (idem, p. 3).
Dessa forma, compreende-se, em linhas gerais, que o trabalho é um processo por
meio do qual o homem se relaciona com a natureza, com seu entorno, com a sociedade,
para transformá-los e ajustá-los às suas necessidades e interesses. Assim, não se pode
deixar de considerar que o trabalho pode conter duas dimensões que dependem das
condições em que ele é realizado. Uma primeira dimensão seria construtora,
emancipadora, é o trabalho concreto de Marx, voltado para a produção de coisas e para a
satisfação de necessidades humanas, contribuindo para a realização do indivíduo enquanto
criador e transformador de seu meio, do seu entorno. A segunda dimensão seria a do
trabalho na “dimensão, alienante, opressora. [...] O trabalho torna-se algo impessoal,
reduz-se a mais uma mercadoria” (ARANHA e DIAS, 2009, p. 116).
Nessa perspectiva, Tardif e Lessard (2005, p. 28 - 31), ao analisarem a docência
como trabalho, explicam que “Marx mostrou que o processo de trabalho transforma
dialeticamente não apenas o objeto, mas igualmente o trabalhador, bem como suas
condições de trabalho”. Em se tratando do trabalho docente, explicam os autores, que este
acontece em um processo de interações humanas, portanto, “ensinar é trabalhar com seres
humanos, sobre seres humanos e para seres humanos”. Para outro autor, o trabalho
docente,
[..] ao ser concebido como uma unidade é considerado em sua totalidade
que não se reduz à soma das partes, mas sim em suas relações essenciais,
em seus elementos articulados, responsáveis pela sua natureza, sua
produção e seu desenvolvimento. A análise do trabalho docente, assim
compreendido, pressupõe o exame das relações entre as condições
subjetivas - formação do professor - e as condições objetivas, entendidas
como as condições efetivas de trabalho, englobando desde a organização
da prática - participação no planejamento escolar, preparação de aula etc. -
até a remuneração do professor (BASSO, 1998, p. 19, grifo do autor).
Para esses autores, a qualificação do trabalho docente está diretamente relacionado
ao desenvolvimento do saber profissional, saber esse que vai sendo adquirido no seu fazer
83
pedagógico. Esse desenvolvimento está associado tanto as suas fontes e lugares de
aquisição quanto aos seus momentos e fases de construção.
Segundo Tardif, o saber docente é saber plural, pois não é constituído apenas pela
formação técnica, mas também pela prática diária que vai moldando a atuação do
profissional da educação, por isso a relevância da boa relação do profissional com os
meios de execução do trabalho, que vai desde o ambiente de trabalho até o acesso a
informações que permitam a construção cotidiana do saber - pesquisa/conhecimento
(TARDIF, 2005, p,65).
Diante desse breve diálogo entre os autores citados acima, pode-se vislumbrar que
tratar da temática Formação de Professor implica remeter a análise de um saber próprio
da prática do professor; da educação como um campo de conhecimento pouco preciso90
;
do lugar que ocupa esta temática nas reformas educacionais na sua dimensão macro e
micro estruturais.91
Antes de entrar propriamente no item que norteia este capítulo - Prêmio Anísio
Teixeira como uma proposta de formação continuada de professores da rede pública
municipal do Rio de Janeiro - gostaria de retomar duas questões que estão postas em
relação à identidade de dois educadores:
Anísio Teixeira: O Prêmio que leva o nome de Anísio Teixeira e o Centro que o concebeu
e materializou suas ações a partir do concurso de monografias que denomina-se hoje
Centro de Referência da Educação Pública Anísio Teixeira - CREPAT, incorporando o
nome dado ao prêmio desde 2013;
Paulo Freire: Escola de Formação do Professor Carioca Paulo Freire, fundada em 2012
pela Secretaria Municipal de Educação, ao qual tanto o CREPAT quanto o prêmio estão
subordinadas, localizando-se fisicamente na Escola Rivadávia Correa92
.
90
Sobre a definição e constituição do campo educacional – CHARLOT, Bernard. A Pesquisa Educacional
entre conhecimentos, políticas e práticas: especificidades e desafios de uma área de saber. Revista Brasileira
de Educação. V.11, n. 31, jan/abr. 2006.
91 Bourdieu analisa o mundo social através de um processo de causalidade circular que articula níveis
diferentes da realidade separados pela micro e macro na sociologia. Alguns conceitos são formuladas e
trabalhados pelo autor, quando se refere às instâncias que sustentam o mundo social: campos sociais;
habitus; capital e estratégia. (BOURDIEU, 1976)
92 Decreto de tombamento n° 9414 de 21 de junho de 1990. A Escola foi inaugurada em 14 de março de
1877, destinada inicialmente ao ensino primário de meninas e de meninos, de 1888 a 1914, o prédio passou a ser ocupado pela Escola Normal. Em 30 de setembro de 1975, foi reconhecida como de domínio do
Município do Rio de Janeiro, recebendo o nome que mantém até hoje: “Esco la Municipal Rivadávia
Corrêa”. A Escola manteve-se no casarão do século XIX até 1998, quando foi transferida para o prédio
84
A questão que quero suscitar está relacionada às identidades desses dois
educadores e suas proposições acerca da formação de professores e, em havendo
diferenças, se as mesmas podem dialogar dentro de uma concepção de formação
continuada de professores nos dias atuais.
[...] somente a educação e a cultura poderão salvar o homem moderno e a
batalha educacional será a grande batalha do dia de amanhã. Uma
educação adequada aos novos tempos, pois só ela irá concretizar a
revolução que não é o resultado de revoltas populares, mas consequência
do progresso do conhecimento humano e do despertar das aspirações que a
difusão pelos novos meios de comunicação gera inevitavelmente.
(TEIXEIRA, 1963, p.12)
[...] na formação permanente dos professores, o momento fundamental é
o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de
hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio
discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo
concreto que quase se confunda com a prática (FREIRE, 1996, p. 43).
Seriam essas proposições de Anísio e Paulo Freire excludentes ao se pensar a quê e
a quem serve a formação de professores em serviço? A quem atender quando se estrutura
um programa de formação de professores: à ideologia do mercado educacional ou à
demanda frequente do professor que precisa tomar decisões pedagógicas quase que
diariamente?
Na tentativa de ampliar as possibilidades de diálogo sobre as questões que se
colocam passo a discorrer, nos próximos itens deste capítulo, sobre concepções,
modalidades e propostas de formação de professor a partir de autores que se dedicaram a
este estudo.
3.1. Formação de Professores e suas representações legais: Um processo em
permanente (re) construção
A atual política de formação de professores no Brasil, formulada pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº. 9.394/1996), propõe a formação em
nível superior para todos os professores da educação básica, incluindo aí os profissionais
da educação infantil e das primeiras séries do ensino fundamental, que até então se
anexo, construído no final da década de 1920. No prédio histórico, a partir de 18 de outubro de 2002, passou
a funcionar o Centro de Referência da Educação Pública da Cidade do Rio de Janeiro.
85
formavam em cursos de pedagogia ou em escolas normais de nível médio. Sob a alegação
de que essas instâncias não cumprem seu papel com eficiência, a referida lei introduziu um
novo espaço não universitário para essa formação: os Institutos Superiores de Educação
que, através dos Cursos Normais Superiores, passaram a formar professores para as séries
iniciais e educação infantil (LOPES, 2009).
Ainda segundo essa autora, no entendimento de alguns estudiosos sobre o assunto
(SCHEIBE e AGUIAR, 1999; BRZEZINSKI, 1999; FREITAS, 2002), essa medida
poderá acarretar prejuízos aos futuros professores por privá-los da pesquisa e da
consequente produção do conhecimento, rompendo com a visão orgânica da formação
docente. Por outro lado, as universidades brasileiras, principalmente nas três últimas
décadas, vêm encontrando dificuldades para solucionar a complexa questão da formação
docente. Diversos estudos têm observado que, de um modo geral, os profissionais que
atuam nas Faculdades de Educação, bem como os professores por eles formados, são
pouco valorizados no meio acadêmico (CANDAU, 1988; MENDONÇA, 2002).
Na verdade, a temática da formação docente vem sendo objeto de preocupação
desde a segunda metade do século XX onde, muitas vezes, o professor se vê
responsabilizado, de forma genérica, pelo fracasso escolar dos alunos dos sistemas
educacionais públicos. Para Monteiro (2005), os professores têm sido alvo e objeto de
pesquisas que procuram identificar não apenas as deficiências e insuficiências de sua
atuação, mas também as origens desses problemas. Essa perspectiva tem como
pressuposto o entendimento de que a formação dos professores é espaço/tempo estratégico
para viabilizar mudanças significativas no quadro de dificuldades que se apresenta no
âmbito da educação escolar.
A necessidade e a qualidade da/na formação docente faz parte da história e da
memória da educação brasileira há algumas décadas. Um momento significativo da
história da educação do país, onde essa temática se mostra em destaque, está relacionado à
criação da Universidade do Distrito Federal (UDF), no Rio de Janeiro, em 1935, quando a
Universidade incorpora ao Instituto de Educação à estrutura da UDF, garantindo a
formação universitária e o aperfeiçoamento de docentes de todos os níveis de ensino
(TEIXEIRA, 1998, p.45 apud Xavier 2012).
A preocupação com a qualidade da educação e da formação docente chega ao
século XXI enfrentando exigências e diversidades face à demanda de preparar/formar
professores com qualidade dentro de um novo perfil, agora, para o mundo globalizado.
Seria para esse mundo globalizado que Anísio fez a prospecção, há mais de cinquenta anos
86
atrás, sobre como seriam os denominados Mestres do Amanhã, que mencionamos no
capítulo 2 desta pesquisa?
Acreditamos que não, pois diante das novas exigências postas para a atuação
docente, em uma realidade caracterizada como mutável e complexa, surge a demanda por
soluções práticas, imediatas e criativas aos problemas de um cotidiano escolar cada vez
mais individualizado e particularizado, tendo como objetivo não prejudicar o “andamento”
do processo educativo, nem a passagem dos educandos pelos sistemas de ensino. Nesse
sentido, um modelo de formação “tradicional” pautado no domínio dos conhecimentos
teórico-científico e pedagógico seria inadequado. Como alternativa, o discurso reformador
propõe o modelo da profissionalização pautado pela formação reflexiva e pela
competência.
A política educacional colocada em prática no Brasil na década de 1990, associada
à política de ajuste às exigências da reestruturação econômica em âmbito global, teve
início na era Collor, ganhando força nos governos Fernando Henrique Cardoso (1995-
2002) sob o lema da “modernização” e da “globalização”. Nesse contexto, a educação
apresentava-se como elemento principal para a erradicação da pobreza e para a retomada
do crescimento e do desenvolvimento econômico do país.93
O primeiro documento que sinaliza o alinhamento com as orientações dos
organismos multilaterais é o Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003),
elaborado no governo Itamar Franco. A partir desse plano, o Brasil traçava as metas locais
a partir do acordo firmado em Jomtien e acenava aos organismos multilaterais que o
projeto educacional por eles prescrito seria aqui implementado. Os documentos
subsequentes ao Plano Decenal expressam, portanto, as diretrizes traçadas por esses
organismos (SAVIANI, 2002).
Assim, a estratégia adotada pelo governo FHC foi intervir inicialmente no primeiro
polo por meio da produção de documentos, diretrizes, referenciais e programas que
possibilitaram a difusão de princípios baseados na Qualidade Total, com o objetivo de
adequar o sistema educacional e as administrações escolares à cobrança por resultados.
Essa prática institucionalizou mecanismos competitivos e meritocráticos como
orientadores de investimentos nas instituições escolares. (idem)
93
De 2001 a 2008, na gestão do presidente Luís Inácio da Silva, a educação continua sendo uma prioridade,
mas ainda sem apresentar mudanças significativas no quadro de políticas públicas para a formação de
professores que fujam das até então adotas nos governos anteriores.
87
A etapa seguinte de intervenção afetou a lógica da organização escolar e das
práticas educativas, propondo mudanças no sistema de formação docente. Nesse contexto,
o professor assume um protagonismo fundamental para garantir a consecução dos
objetivos e dos programas de ação elaborados para todos os níveis e modalidades de
ensino.
A LDBEN nº 9.394/96 (Art. 61, 62, 63) propõe a primeira mudança
concreta na formação docente no Brasil, pois além de possibilitar a
proposição de ações e políticas de referência para o sistema nacional de
ensino, projetou a formação do professor da educação básica para o ensino
superior, cujo locus preferencial foi atribuído aos Institutos Superiores de
Educação (ISE)94
. Nesse contexto se inserem os Referenciais para a
Formação de Professores (RFP), elaborado pelo Ministério da Educação
(MEC) e Secretaria de Educação Fundamental (SEF) (BRASIL, 1998),
assim como as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Formação
de Professores da Educação Básica, (BRASIL/CNE, Par. nº09/2001; Res.
nº. 01/2002). O primeiro documento propõe um referencial teórico e um
modelo curricular adequado ao novo ideário da formação docente,
consolidando as bases epistemológicas, os objetivos e as competências
profissionais requeridas para a atuação do professor da educação básica.
Essas mesmas bases e objetivos serão confirmados posteriormente pelas
DCN. (SAVIANI, 2002, p.65)
Dessa forma, os referenciais e diretrizes para a Formação de Professores publicado
em 1998, configuram-se a partir das discussões de diversos profissionais: equipe de
elaboração, técnicos de diferentes instâncias do MEC, leitores críticos, consultores,
pareceristas, pesquisadores e educadores de todos os estados brasileiros. Sua legitimidade
como política educacional nacional ancora-se, portanto, na existência de um suposto
consenso acerca dos pressupostos sobre os quais deve ser guiada a formação do professor
da Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental.
No que tange à formação do professor, o documento defende que a mesma tenha
como orientação “nuclear” uma determinada concepção de competência que permita ao
profissional da educação mobilizar os conhecimentos construídos com o propósito de
transformá-los em ação. Nessa perspectiva, a pretendida “articulação” teoria e prática se
dá pela subsunção da teoria à prática, atribuindo caráter instrumental à primeira.
Diante das colocações apresentadas sobre as políticas de formação docente, fica
evidente que a análise das orientações dos Referencias para a Formação de Professores
94
Os ISEs foram eleitos, inicialmente, como lócus exclusivo e mais tarde preferencial para a formação de
professores.
88
(BRASIL, 1998), e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores
da Educação Básica (BRASIL/CNE, Par. nº. 09/2001; Res. nº. 01/2002), além de apontar
para o alinhamento com as prescrições dos organismos internacionais, também evidencia a
preocupação com a criação de formas de interferência direta nas práticas educativas
desenvolvidas pelos professores nos contextos escolares por meio da formação continuada.
É nesse contexto que o Prêmio Anísio Teixeira é retomado em 2001, com uma
proposta diferente daquela que o originou em 1986. Abaixo, as palavras da Secretária de
Educação da época:
É com grande satisfação que a Secretaria Municipal de Educação
apresenta a 1ª coletânea das melhores monografias do concurso Anísio
Teixeira-200195
. Os trabalhos selecionados e publicados neste exemplar
destacam a importância de práticas inovadoras daqueles que exercem um
papel decisivo na construção do conhecimento e na formação de crianças e
jovens da Cidade do Rio de Janeiro. Temas como currículo, gestão
pública, formação de professores, tecnologia em educação estimulam e
promovem a reflexão e o debate sobre a Educação Pública Fundamental.
Divulgá-los é um dever e um prazer para todos aqueles que fazem da
educação um desafio permanente. (MOGRABI, 2001)96
A modalidade do prêmio, aqui pesquisada, estaria dentro dos moldes/modismos
das caracterizações de uma formação contínua em serviço? A sua metodologia contemplou
as exigência das reformas para a formação docente, que advém de concepções e
estratégias, adotadas para a educação básica, no que diz respeito ao perfil de um professor
da rede pública de ensino?
No próximo tópico apresento algumas referências e conceitos sobre Formação
Continuada com a intenção de estabelecer possíveis relações com a metodologia adotada
pelo CREP para a realização do concurso de monografias.
3.2 Formação Continuada entre Paradigmas e Modalidades Diferenciadas
95
Anexo de Foto n.2 – Coletânea 2001
96 MOGRABI, Sonia. Texto de Apresentação da Coletânea de 2001. Prêmio Anísio Teixeira – Coletânea de
Monografias. SME, Centro de Referência da Cidade do Rio de Janeiro, 2001.
89
Estudiosos97
escrevem e apresentam preocupações em torno de qual seria o ideal
de professor. Muitas reflexões surgiram a respeito da formação e profissão docente. Essas
reflexões repercutiram na denominação de procedimentos e designações diversificadas
para a formação docente, em toda literatura educacional brasileira, tais como treinamento,
aperfeiçoamento, reciclagem, capacitação e, atualmente, a designação de formação
continuada de professores. Cada uma dessas designações, segundo as políticas que as
estejam referendando, refletirá uma concepção do papel a ser desempenhado pelo
professor em seu exercício profissional e nos processos esperados de inovação.
Segundo Tardif (2005), a prática profissional “não é mais considerada
simplesmente como sendo um objeto ou um campo de pesquisa, mas um espaço de
produção da competência profissional pelos próprios professores” (p. 291). Não por
acaso, o autor entende que as reformas realizadas a respeito da formação e da profissão
oscilam entre três modelos da identidade dos professores: o modelo do professor como
“tecnólogo” do ensino, o modelo do professor como prático “reflexivo” e o modelo do
professor como “ator social” (idem, p.301).
Aqui, gostaria de fazer uma breve consideração em relação ao termo competência
muito empregado na última década,
O termo competência, polissêmico, aberto a várias interpretações, fluido, é
mais adequado do que o de saberes / qualificação para uma desvalorização
profissional dos trabalhadores em geral e dos professores. Competência no
lugar de saberes profissionais desloca do trabalhador para o local de
trabalho a sua identidade, ficando este vulnerável à avaliação e controles
de suas competências, definidas pelo posto de trabalho (PIMENTA 2002,
.21).
Retomando a possível oscilação entre essas três modalidades/atributos, para Tardif
não seria apenas uma técnica, composta por uma série de destrezas baseadas em
conhecimentos concretos ou na experiência, nem uma simples descoberta pessoal, haja
vista que este profissional “não é um técnico nem um improvisado, mas sim um
profissional que pode utilizar o seu conhecimento e a sua experiência para se desenvolver
em contextos pedagógicos práticos preexistentes” (SACRISTAN, 1999, p.74).
97
Diferentes autores brasileiros e estrangeiros têm complexificado ‘as discussões, na medida em que
propõem novas problematizações acerca da formação docente e sua implicações para o campo da
educação.(LARROSA, 1994 e 1998; NARODOWSKI, 2001 e 2006; GARCIA, 2002; VARELA &
ALVAREZ-URIA, 1992; GORE, 1994; BUJES, 2001 e 2008; SILVA, 1994 e 2007; VEIGA-NETO, 2004 e
2007)
90
Seria possível atender a esta demanda sincronizando todos os esses atributos, em
relação ao perfil do professor desejável? Seria viável aglutinar todos esses perfis,
apontados nos estudos sobre a formação docente, como: pesquisador, investigador,
técnico, reflexivo, intelectual, transformador, e por fim incentivador na prática do
professor? Entre conceitos e definições, o que efetivamente pode fazer diferença para o
professor?
O conceito de professor reflexivo emergiu, inicialmente, como reação à concepção
tecnocrática do professor, que enfatizava a aprendizagem de técnicas, ao racionalismo
técnico. Como já enfatizado, anteriormente no início deste capitulo, é preciso certo
cuidado com o reducionismo que essa expressão assume no ato de ensinar. Libâneo
(2003)98
nos esclarece, afirmando que
Os autores que trabalham o tema da reflexão no ensino referem-se,
obviamente, a um comportamento reflexivo, a um exercício de reflexão
em relação às ações de variadas naturezas, ou seja, o cerne da
reflexibilidade esta na relação entre pensar e o fazer, entre o conhecer e o
agir. [...] temos discutido os posicionamentos sobre essa questão: a)
relação direta e causal do pensamento para o comportamento, da teoria à
prática; b) a relação direta e causal do comportamento para o pensamento,
da prática à teoria; c) o reconhecimento de certa descontinuidade entre a
teoria e a prática e de que as coisas não se resolvem apenas em insistir na
“relação teoria- prática” (p.54-55).
Para Giroux (1997, p.162), os intelectuais são também mediadores, legitimadores e
produtores de ideias e práticas sociais, que cumprem uma função de natureza
iminentemente política. Este autor argumenta que podemos repensar e reestruturar a
natureza da atividade docente encarando os professores como intelectuais reformadores,
afirmando que
A categoria de intelectual é útil de diversas maneiras. Primeiramente, ela
oferece uma base teórica para examinar – se a atividade docente como
forma de trabalho intelectual, em contraste com a sua definição, em termos
puramente instrumentais ou técnicos. Em segundo lugar, ela esclarece os
tipos de condições ideológicas e práticas necessárias para que os
professores funcionem como intelectuais. Em terceiro lugar, ela ajuda a
esclarecer o papel que os professores desempenham na produção e na
legitimação de interesses políticos, econômicos e sociais variados através
das pedagogias por eles endossadas e utilizadas. (idem, p. 161)
98
O autor recorre a etimologia da palavra ao se perguntar: O que é reflexividade – reflexivo + dade, caráter
do que é reflexivo, o que procede com reflexão, que cogita, que se volta sobre si mesmo. Reflexividade
parece ser, pois um termo adequado para designar a capacidade racional do indivíduo e grupos humanos de
pensar sobre si próprios. (LIBANEO, 2003, p. 56)
91
Para Elbaz (1981 apud WOODS, 1999), a categoria investigação “não tem
encorajado os professores a se sentirem criadores de conhecimento” (p. 127) em se
considerando que, mesmo no ensino superior, existe “uma distinção bastante rigorosa
entre investigação (descoberta) e ensino (onde se transmite o que se descobriu)” (p. 128).
Em Contreas (2002), o conceito de técnico está sendo usado no sentido de que toda
atividade supõe uma técnica, isto é, um saber fazer. Em Freire (1996), transformador é
entendido no sentido de que somente há transformação se houver aprendizagem, somente
há aprendizagem se houver transformação. Já o professor incentivador é aquele que faz
diferente no processo de aprender e ensinar, conseguindo, com isso, incentivar sempre os
alunos, utilizando-se, conforme Alves (2002) das ferramentas e dos brinquedos
necessários para aprendizagem. E o professor pesquisador é entendido por Pedro Demo
como “aquele que não faz da pesquisa sua razão maior ou única de ser, mas
instrumentação indispensável de aprendizagem permanente”. (DEMO, 2005, p.81).
Essas reflexões reafirmam modismos cada vez mais presentes no terreno
educativo, em grande parte em virtude da fantástica circulação de conhecimento no mundo
atual, que segundo Nóvoa (2000, p.17) copiam essa adesão pela moda. Para o autor, é a
pior maneira de enfrentar os debates educativos, porque representa uma fuga para a frente,
uma opção preguiçosa que nos dispersa de tentar compreender. O autor acrescenta, ainda,
que todas as formas não valem a pena grandes hesitações, porque atrás de uma moda
outra virá (idem).
Nesse sentido, pesquisas, estudos e trabalhos na área de formação dos
profissionais da educação, em tempo de tantas transformações e novas exigências,
continuam sendo necessárias, principalmente, considerando-se a gestação progressiva de
normatividade complementar e as mudanças que estão sendo implantadas no sistema
educacional brasileiro, após a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº 9394/96). Esta necessidade não se restringe à formação inicial, mas
imprescindivelmente as ações integradas de com a formação continuada de professores.
A formação necessita, segundo Pimenta (2002), passar sempre pela mobilização de
vários tipos de saberes: saberes de uma prática reflexiva, saberes de uma teoria
especializada, saberes de uma militância pedagógica, o que coloca os elementos para
produzir a profissão docente (p. 68). Até porque as transformações das práticas docentes
são ocorridas somente quando o professor amplia sua consciência sobre a própria
prática, a de sala de aula e a da escola como um todo, o que pressupõe os conhecimentos
teóricos e críticos sobre a realidade (p.91, grifos do autor).
92
Ouso pensar que com tantos qualificativos que sinalizam para o perfil do professor
ideal, pode ficar difícil para qualquer instituição, seja ela em qualquer nível de ensino,
ocupar-se de uma formação tão abrangente, somando e/ou integrando tantos perfis
diferentes.
Além da contribuição dos autores acima citados, em relação a concepções,
dimensões e aspectos a se considerar na formação inicial e continuada de professores,
encontram-se algumas alternativas possíveis que buscam explicitar que conhecimentos
precisam ser adquiridos pelos docentes:
O tipo de conhecimento denominado de “experiencial contextualizado” é
aquele produzido pelo professor a partir da análise e discussão das práticas
pedagógicas, pessoais e coletivas. Valorizar este tipo de conhecimento
significa considerar que “tornar-se professor é um processo que se
desenvolve com o tempo” através de estudos, experiências práticas,
reflexões sobre estas experiências, em um contexto que permita a
investigação e as trocas entre os parceiros. (BRASIL, 1998a, p.83)
A afirmação contida nos referenciais para a formação de professores, em destaque,
vai ao encontro de muitas propostas e concepções de formação continuada, entre elas
destaco aqui a de Libâneo, por expressar uma relação mais próxima com a proposta do
Prêmio Anísio Teixeira e sua metodologia, a partir da elaboração de memorial e
monografia sob a prática dos professores da rede municipal da cidade do Rio de Janeiro:
[..] a formação continuada consiste em ações de formação não apenas
dentro da jornada de trabalho, como também fora da jornada de trabalho,
como a ida a congressos, cursos, encontros e palestras possíveis de
cumprir por meio do estudo, da reflexão, da discussão e da confrontação
das experiências dos professores. [...] Parte das práticas de formação
continuada podem ser as ações oficiais, patrocinadas pelas Secretarias de
Educação, “visando apresentar diretrizes gerais de trabalho, oferecer
assistência técnica especializada ou programas de atualização e
aprimoramento profissional” (LIBANEO, 2003, p.60, grifos do autor).
Tendo em vista o que foi abordado, até o momento, sobre formação de professores
e, em especial, sobre a necessidade da realização de propostas de formação continuada que
possam ampliar horizontes e consolidar práticas mais consistentes e conscientes, identifico
nas colocações de Candau (2003) questões pertinentes à concepção e realização da
proposta metodológica do Prêmio Anísio Teixeira, que o evidenciam como uma
modalidade de formação continuada.
Para a autora, pode-se reconhecer uma problemática da formação continuada de
professores, caracterizada em três momentos distintos: o primeiro, denominado “clássico”
diz respeito à maioria dos projetos desenvolvidos em pesquisas que deram ênfase à
93
“reciclagem”, que significa “refazer o ciclo”, “voltar e atualizar a formação recebida”,
como retorno aos bancos acadêmicos para realizar cursos de diferentes níveis e/ou
participar de diferentes simpósios, congressos, além de outras formas de aprimoramento
profissional, enfatizando o espaço como o lócus de produção do conhecimento. O
segundo momento enfatiza a escola como o lócus da formação continuada, tendo como
referência fundamental, segundo a autora, o saber docente, o reconhecimento e a
valorização desse saber de forma contextualizada, sob a forma de prática, seja coletiva,
construída conjuntamente por seus pares ou por todo o corpo docente de uma determinada
instituição escolar. O terceiro e último momento mostra a preocupação com o ciclo de
vida profissional dos docentes, desafiando-os a “romper com modelos padronizados e a
criação de sistemas diferenciados que permitam aos professores explorar e trabalhar os
diferentes momentos de seu desenvolvimento e de acordo com as suas necessidades”
(CANDAU, 2003, p.64).
Finalizo este item convidando os leitores dessa pesquisa a entrar na intimidade do
Prêmio Anísio Teixeira, destacando, inicialmente, a fala da Secretária de Educação
Municipal da Cidade do Rio de Janeiro que abre a Coletânea de Monografias em seu
segundo ano de publicação.
O Prêmio Anísio Teixeira 2002 apresentou aos professores um grande
desafio: estudar as estratégias de inclusão na Educação. É com enorme
satisfação que a SME, nesta 2ª edição, publica os trabalhos monográficos
premiados que abordaram temas ligados a prática de educar estimulando
não só a produção escrita, como também o processo de atualização dos
professores da Rede Municipal de Ensino num mundo em constantes
transformações. Além disso, a divulgação do registro destes trabalhos
permite a socialização do conhecimento e a democratização das
experiências daqueles que fazem da Educação Pública uma fonte de
realização profissional. (MOGRABI, 2001, p.2)
3.3 O Prêmio Anísio Teixeira e suas ações de formação continuada
A articulação entre formação inicial e formação continuada, num sistema
de alternância entre as escolas e as instituições formadoras de
professores, representa uma modalidade de formação em que há
interação entre as práticas formativas e os contextos reais de trabalho
(LIBÂNEO, 2003, p.193).
Nossa intenção, neste tópico da pesquisa, é fazer uma análise dos procedimentos
adotados, tanto pela equipe do CREP - responsável pela realização do prêmio como
representante da SME, quanto pelos professores, para a realização das monografias, ação
94
que implica em oficinas, memoriais, monografias publicadas e seus possíveis
desdobramentos.
A título de contextualização, para retomada dessa experiência, a modalidade do
Prêmio Anísio Teixeira realizada de 2001 a 2008, foi instituída pelo Decreto nº 7.020 de
13 de outubro de 1987 sendo, posteriormente, alterado pelo Decreto nº 20141 de 29 de
junho de 2001. A proposta de realização do prêmio Anísio Teixeira tinha como objetivo
Homenagear um grande educador brasileiro, Anísio Teixeira, com atuação
expressiva no cenário da educação pública e na formação de professores por quase
meio século e;
Promover a reflexão e o debate sobre a Educação Básica entre profissionais do
magistério, estimulando a produção dos professores, propiciando a divulgação e o
compartilhamento de trabalhos autorais, contribuindo assim para reflexão e a
socialização do conhecimento de práticas educativas inovadoras.
Essa iniciativa integrou-se a um programa de Formação Continuada de Professores do
Centro de Referência da Educação Pública da cidade do Rio de Janeiro, onde, além de
aulas e grupos de estudo, os docentes participavam de oficinas e orientações para a
produção de memoriais e monografias sobre a sua experiência profissional.
Foram utilizadas como fontes de pesquisa para apresentar o desenvolvimento desta
modalidade do Prêmio, realizado por oito anos consecutivos:
Os depoimentos orais, já mencionados nos capítulos anteriores de dois gestores: do
CREP e do Prêmio, algumas outras informações obtidas durante a pesquisa de
campo, no CREP, em conversas informais com os pesquisadores responsáveis
pelo Centro, que como também já foi mencionado, só tive acesso às informações
referente ao CREP;
Os documentos localizados no CD disponibilizado pela gestora do prêmio, Srª
Marisa Abrunhosa;
Informações sobre o prêmio, em número reduzido, disponível nos sites;
As coletâneas de 2002 a 2007.
O que sabemos sobre as oficinas e os memoriais de formação dos professores?
As oficinas do professor-autor eram ministradas por professores de universidades
públicas, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, Universidade Estadual do
95
Rio de Janeiro-UERJ e Universidade Federal Fluminense-UFF. De acordo com o
depoimento de Abrunhosa (2013), elas aconteciam após a etapa de finalização da inscrição
entre os meses abril e maio.
Sobre as oficinas e a produção dos memoriais, Abrunhosa relata:
As oficinas seguiam um cronograma mais ou menos comum, às vezes de
um ano para o outro em vez de quatro encontros, aconteciam cinco. Esse
quinto encontro só acontecia quando os professores que ministravam as
aulas percebiam que o grupo estava com dificuldade para entender a
necessidade de elaborar o memorial da trajetória de vida do professor, em
especial a sua entrada para o magistério. (2013, p. 6)
Sobre os memoriais, Ayres acrescenta:
Escrever um memorial é como uma autobiografia, nem todo mundo
consegue e não porque não entende como fazer, mas é porque às vezes
mexe com o sujeito, mexe em coisas que são dolorosas e nem todo mundo
tem condições. Já para outros é uma forma de identificar o que valeu a
pena e o que não vale mais tentar. (2014, p. 12)
3.3.1 A estratégia de trabalhar com os memoriais
Sabemos, por experiência própria, que memorial de formação é um documento
elaborado passo a passo, no qual são relatadas as impressões sobre a aprendizagem, os
acertos, as vitórias, os avanços, as escolhas, assim como os retrocessos, as paradas e as
dúvidas. É a oportunidade de registrar as reflexões sobre os vários momentos da formação
e sua relação com a prática pedagógica. É o registro das histórias de aprendizagem e seus
reflexos no cotidiano.
[..] a razão principal para o uso da narrativa na investigação educativa é
que nós seres humanos somos organismos contadores de histórias,
organismos que, individual e socialmente, vivemos vidas relatadas. O
estudo da narrativa, portanto, é o estudo da forma em que os seres
humanos experimentam o mundo. Dessa ideia geral se deriva a tese de que
a educação é a construção e a reconstrução das histórias pessoais e
sociais, tanto os professores como os alunos são contadores de histórias e
também personagens nas histórias dos outros e em suas própria. (Connelly
e Clandinin 1995, p.11),
Esse tipo de documento tem sido muito utilizado nos processos de formação
acadêmica, é um recurso utilizado para que os professores se expressem por meio da
análise de sua trajetória escolar. Nele, a prática e reflexão se unem, estabelecendo um
íntimo diálogo e permitindo, por meio da tríade relembrar/repensar/re-significar, uma
possibilidade de construir/refazer/transformar suas próprias experiências e práticas
96
pedagógicas. Nóvoa (1997) chama a atenção para a necessidade de trazer à tona os saberes
dos docentes uma vez que
O saber dos professores – como qualquer outro tipo de saber de
intervenção social – não existe antes de ser dito. A sua formulação
depende de um esforço explicitado e de comunicação, e é por isso que ele
se reconhece, sobretudo, através do modo como é contado aos outros. Os
professores possuem um conhecimento vivido (prático), mas que é
dificilmente transmissível a outrem. Ora, na medida em que, no campo
educativo o saber não preexiste à palavra (dita ou escrita), os
conhecimentos de que os professores são portadores tendem a ser
desvalorizados do ponto de vista social e científico (idem p.36).
Entende-se, diante disso, a pertinência dessa opção metodológica – elaboração de
memorial -, como uma decisão apropriada para quem estaria disposto a produzir uma
monografia, sobre a sua experiência profissional no magistério. Os estudos sobre a vida de
professores, escolhas, percursos profissionais, carreira e histórias de vida apontam para a
emergência de uma nova forma de produção acadêmica que busca, como assinala Nóvoa
(idem, p.15), “recolocar os professores no centro dos debates educativos e das
problemáticas da investigação”. Assim, pelo que se pode depreender, a elaboração desses
memoriais tinham a intenção de facilitar, posteriormente, a elaboração das monografias e
também, acreditamos nós, auxiliar o professor a rever seu processo de prática docente no
momento do concurso de monografias.
Portanto, entendemos que a elaboração de monografias foi a estratégia eleita pela
equipe do CREP, para que os professores da rede municipal pudessem abrir um espaço de
reflexão e análise sobre suas práticas, tomando ciência/consciência de saberes produzidos
por eles, professores, bem como a identificação de possíveis lacunas no seu fazer
pedagógico ou mesmo na sua formação.
Seja a produção de memoriais ou de monografias, a hipótese subjacente a todas
elas é que somos todos narradores quando relatamos fatos que nos tocam; na verdade,
registramos nossa memórias e contamos nossas histórias preservando-as do esquecimento
e criando possibilidades de serem contadas novamente e de outras maneiras. Os muitos
sentidos que lhes são possíveis se constroem no olhar do outro, na relação com outras
histórias (BENJAMIN, 1987).
Ao narrar, visitamos o passado, na tentativa de buscar o presente em que as
histórias se manifestam , trazendo à tona fios, feixes, fragmentos que ficaram perdidos,
esquecidos no tempo.
97
Assim fizemos nós com a leitura e análise de seis memoriais de participantes do
prêmio. Buscamos no presente em que as histórias de professores se manifestaram feixes,
fios que nos conduzissem a uma melhor compreensão da pertinência dessa proposta
metodológica para instrumentalizar o professor na elaboração das respectivas
monografias.
Tivemos acesso a seis memoriais de professores referentes ao concurso de
monografias Prêmio Anísio Teixeira de 2008.99
Desses seis memoriais, apenas um
pertence a um dos participantes do concurso que foi contemplado com a publicação de seu
trabalho, naquele ano, na categoria de vencedor no campo temático Tecnologia em
Educação.
A leitura e análise dos memoriais de formação desses seis professores nos colocam
no lugar desse outro mencionado por Benjamin, e nos oferece algumas possibilidades de
leituras. Faremos essa leitura sem identificar os professores, pois não tivemos condições
de solicitar autorização para identificá-los; assim trabalharemos identificando cada
professor pela letra M, seguida de uma numeração que vai de 1 a 6.
De cada um destacamos o que nos ficou mais evidente, considerando questões
relativas: ao processo de ensino e aprendizagem vivenciadas na prática de professor;
sua vivencia como aprendiz; significância do seu processo de formação relacionado a sua
atual prática pedagógica, nível de autonomia e apropriação de um fazer pedagógico;
prática docente e seu contexto; inquietações e criticas acerca da escola, da educação.
Um dos memoriais analisados é composto por treze páginas, sua narrativa é
essencialmente descritiva, com exceção do texto introdutório do memorial onde se deixa
ver também como sujeito e não apenas como profissional de educação física:
(...) o médico, quando chegou, estava bêbado, e disse que tentaria salvar a
mãe. Sempre pensei que, se eu passei por isso e nasci, certamente, fui
designado para fazer alguma coisa importante durante a minha vida (M. 1,
p. 1).
Sua narrativa procura relacionar, desde a época da adolescência, seus estudos
sucessivos à ocupação profissional, ou seja, sempre atrelando sua formação com as
oportunidades profissionais de trabalho. Quanto a sua vivencia como aprendiz e processo
de formação profissional, afirma:
[...] aos sete anos fui para a escola e nunca mais parei de estudar. Minha
jornada de estudante não foi difícil, tive boas professoras na escola
99
Esse material nos foi disponibilizado por uma professora que ministrou a Oficina Professor- Autor em
2008.
98
pública. Lembro-me nitidamente da maior parte da jornada que me levou
da alfabetização à faculdade, e da faculdade ao mestrado. Atualmente,
dedico parte da minha vida profissional como professor e pesquisador, na
busca de melhorar a qualidade do ensino nas escolas Municipais,
estudando formas que facilitem o aprendizado das crianças,
principalmente nos primeiros anos. Procuro retribuir ao Brasil, a acolhida
e o ensino que obtive das instituições públicas na minha formação. Sou
português com igualdade de direitos civis e políticos. Além dos cargos e
atividades acima descritas, fui contratado para lecionar em cursos de pós-
graduação de universidades e empresas que promovem cursos de
educação continuada, presencial e a distância (idem, p.2).
Nas treze páginas que compõem esse memorial não encontramos nenhum trecho
que mencione alguma experiência prática de seu trabalho como professor de educação
física, como também nenhum questionamento ou inquietações relacionadas à profissão
docente. Assim, não identificamos nessa produção nenhum indício explicito sobre uma
reflexão sobre a prática, o que não quer dizer o mesmo não o faça, mas nos induz a inferir
que esse exercício de reflexão pode ser mais difícil para este professor. Poderíamos
considerar, pelo relato apresentado, que o nível de autonomia e apropriação de um fazer
pedagógico estaria, para este professor, relacionado ao número de ocupações profissionais
em que ele se viu atuando. O memorial é finalizado com uma frase sem referência de
autoria, mas escrita entre aspas e muito significativa em relação aos espaços eleitos pela
memória: “De tudo o que fiz, de nada me arrependo, e do que não fiz, eu não me
lembro”. (idem, p. 13)
O segundo memorial, M2, é produzido em três páginas, de forma clara e
convidativa à leitura. Em sua narrativa, a professora faz uma descrição de suas
experiências profissionais sempre refletindo sobre essas experiências. De forma suave,
nos faz percorrer com ela sua trajetória como docente, colocando-se como uma
profissional que procura analisar o contexto de sua prática sem desistir dela, mesmo
reconhecendo seus limites. Sua formação vai gradativamente se dando em concomitância
a sua prática como professora, mesmo quando leiga, antes da sua graduação em letras,
depois com o mestrado e, mais adiante, com o doutoramento. A riqueza deste memorial
nos favorece em relação aos critérios que destacamos acima quanto:
A sua vivencia como aprendiz:
No primeiro e segundo anos do antigo ginasial, a professora de
Matemática colocou-me para explicar aos colegas a matéria antes do início
da sua aula. À medida que explicava, eu também aprendia mais a matéria.
(M.2 p. 1)
Ao processo de ensino e aprendizagem,
99
Sempre gostei de visitar a casa do aluno, saber como ele vivia. Quando
trabalhei em uma escola da periferia de Itaboraí - Sambaetiba, local de
produção de laranjas – os alunos não só me convidavam para conhecer as
suas casas, como também levavam para escola bolsas e mais bolsas de
laranjas. Compartilhávamos os nossos conhecimentos – o meu acadêmico,
o deles, de vida em lugar de difícil acesso, lama e muita miséria. (idem, p.
1)
Tive contato com alunos do Complexo do Alemão. Muitos deles, sofridos
e sacrificados, demonstravam grande interesse em aprender. Ainda estou
nesta escola. Há turmas apáticas, no entanto, de uma maneira geral, os
alunos são interessados. Resolvi neste ano, 2008, designar uma aluna para
minha monitora . Ela atua na única turma do sexto ano que tenho. Assim
ela aprende e me ajuda. (idem, p. 2)
Ao nível de autonomia e apropriação de um saber pedagógico
Com o sistema de ciclos, parece que a escola na qual trabalho melhorou
bastante. No início fiquei preocupada com a aprovação automática.
Cheguei mesmo a paralisar e ser descontada em meu salário. Mas foram
feitos alguns ajustes na lei e hoje considero que algo precisa ser feito.
(idem, p.2)
Por gostar de estudar, em 2000 prestei o concurso para o doutorado, na
UFRJ. Com a aprovação, recebi bolsa da CAPES. Defendi a tese três anos
depois. Apresentei estudo lexicográfico da culinária moçambicana, o qual
recebeu menção honrosa e indicação para publicação. Em 2006, a mesma
foi disponibilizada para o grande público (idem, p.2).
A prática docente e seu contexto,
A aprendizagem do aluno não se realiza, nem mesmo para escrever um
bilhete. Os resultados são pífios. Renovar a prática de sala de aula é
necessária. No entanto, mesmo com tantos anos de magistério, me sinto, às
vezes, impotente diante de tantos desafios, sendo o maior de todos, o
desinteresse; a falta de vontade de estar trancado em uma sala de aula. Mas
para sair, é preciso pedir tantas autorizações, explicar tanto que o tempo
passa e nada se faz. (idem, p. 3)
As inquietações e análise critica da escola/educação
Repensando, parece-me que os alunos necessitam muito mais de carinho,
atenção e estratégias de escrita e leitura do que conhecer, com
profundidade, a estrutura e o funcionamento da língua portuguesa.
Todavia, vejo que não se pode escrever ou falar com propriedade sem que
se pense a língua e como ela se organiza. A cada dia em que entro em sala
de aula me pergunto: Por que os livros didáticos apresentam textos tão
defasados da realidade do aluno dos ciclos de formação? Que objetivos há
em se direcionar o olhar do aluno para uma gramática normativa tão
combatida pelas teorias linguísticas? (idem, p. 3)
Para finalizar, posso dizer que uma nova geração está se formando, a
mesma necessita de novas motivações e, principalmente, sentir que a
100
escola pode servir para reverter o quadro de sua vida. Ainda há muito a se
fazer. A experiência do passado pode melhorar o futuro que, por sua vez,
precisa de presente construído na esperança, amor, elevação da autoestima
e reflexão crítica (idem, p.3).
O terceiro memorial é escrito em nove páginas e sempre na terceira pessoa do
singular, apresenta um falar de si, um olhar para sua trajetória narrado como num filme
repleto de entrelinhas e sub textos, repleto de subjetividade no que se relaciona a sua
trajetória familiar. Na produção desse memorial localizamos questões relativas:
A sua vivencia como aprendiz,
(...) em sua segunda infância entra para o primário e os quatro primeiros
anos passa sempre como aluno regular, mas o seu brilho não é considerado
no currículo escolar, pois nesses anos de estudo participa de todas as
festividades da escola, dançando e cantando. Ele não sentia em sua alma o
desejo de ser com aqueles conteúdos cartesianos, sistematizados; queria
ser feliz o tempo inteiro, poder criar a sua dança, ouvir a sua melodia.
(M.2)
Ao processo ensino aprendizagem,
(...) aos quatorze anos já lecionava dança na própria escola, por ter um
grupo de apresentação e outras alunas que queriam aprender. Ele utilizava
os cadernos de didática de umas colegas do curso normal e transformava
os conteúdos do ensino fundamental para a dança (idem, p.2).
Aquela semente da arte de ensinar germinada em sua adolescência, agora
já se manifestava de forma organizada, sistematizada e contextualizada,
porém ao lecionar cinco anos na escola de dança Petite Dance, trabalhando
com crianças, jovens e adultos, seu maior conflito como docente era a tal
forma de ensinar. A prática da dança profissional não combinava com o
que ele realmente desejava que era praticar uma pedagogia libertária,
diferente daquela tecnicista própria da dança acadêmica. Ele agia com a
solidariedade e o senso crítico alerta ao apresentar os conteúdos, mas a
dança exige repetição excessiva de movimento, é uma espécie de
behaviorismo encoberto, o comportamento/movimento por si mesmo. (idem, p.3)
Ao processo de formação relacionado à prática,
Aquele menino passou pelo seu sonho e inventou novos sonhos... Será
arte?! Muito feliz e estudando muito para dar conta das competências de
um professor universitário, mergulha nos textos sobre Educação e Arte,
pois lecionava as disciplinas Corporeidade, Expressão Corporal, Teatro na
Educação, e Dança na Educação. Nesta Universidade pode exercitar ações
pedagógicas que lhe eram novas, abusando da criatividade, discutindo a
própria prática com seus discentes, desta forma sentindo-se estimulado a
leituras ainda mais complexas. Nesta mesma instituição pode realizar
diferentes ações culturais e dar o pontapé inicial ao projeto Alfabetização
pela Arte. (idem, p.3)
101
Ao nível de autonomia e apropriação do fazer pedagógico,
Sua produção acadêmica não é grande, escreveu uma monografia para a
primeira especialização e um livro não publicado, mas muito utilizado
como apostila com seus alunos no curso superior. Hoje ele produz artigos
sobre Arte para uma revista virtual, mantém seu weblog atualizado e está
desenvolvendo uma nova monografia sobre inclusão digital no Ciclo de
Formação. Será que ele está em sã consciência? Participou de protestos
contra a ampliação do Ciclo pela Prefeitura do Rio e hoje irá defendê-lo?
Exato! É preciso ter uma cabeça benfeita, repensar a reforma e reformar o
pensamento. (idem p.9)
A produção do memorial M.4 apresenta quatro páginas utilizando-se de uma
linguagem clara, onde revê sua trajetória de aluna e a de formação, além de levantar outros
questionamentos, ao invés de lhe trazer todas as respostas. Revendo-se como aprendiz,
analisa seu o processo de formação. Inicia sua apresentação questionando o que a levou a
ser professora e finaliza com uma auto avaliação de seu percurso profissional quanto:
A sua vivência como aprendiz e o processo de formação relacionado à prática
atual,
Depois de trinta e dois anos trabalhando em redes públicas de ensino,
ainda me pergunto em qual momento resolvi ser professora. Não tenho
certeza, teria sido aos nove ou dez anos quando ajudava a minha
professora da escola primária na reprodução de trabalhos no mimeógrafo
ou teria sido uns poucos anos depois quando eu vislumbrei a possibilidade
de trabalhar ao término do Curso Normal? (M.4, p.1) Nos primeiros anos
da minha vida escolar, dos 5 aos 10 anos, eu era considerada uma ótima
aluna pois fui alfabetizada aos 5 anos numa escola de freiras e quando
entrei na escola pública "pulei" uma série, também fiz parte do pelotão da
bandeira, ganhei medalhas e passei no concurso de admissão ao ginásio
em segundo lugar. Daí pra frente penso que fiquei anônima por onde
andei. É verdade que entrei no Instituto de Educação, muito concorrido na
época e logo depois retornei para cursar os Estudos Adicionais. (idem).
A prática docente e seu contexto,
Antes de fazer 2 anos no cargo consegui ser requisitada para o Instituto
Helena Antipoff e ingressei num grupo de profissionais dedicado aos
alunos portadores de altas habilidades e durante o ano de 1994 a atuação
da equipe era somente com as questões dos superdotados de todas as
escolas municipais. No ano seguinte houve um reagrupamento dos
profissionais formando novas equipes e desta vez para fazer o
acompanhamento por região geográfica. Este acompanhamento consistia
em: avaliação de alunos indicados pelas escolas, capacitação de
professores ligados à Educação Especial, visitas às classes especiais para
orientar/discutir com os professores sobre a sua prática. (idem, p.3)
Ao nível de autonomia e apropriação de um fazer pedagógico,
102
As questões relacionadas à aprendizagem são intrigantes, por um tempo
estudei sobre aqueles que têm facilidades para aprender depois tentei
encontrar caminhos para a alfabetização daqueles que precisam de mais
tempo para aprender. E hoje penso sobre o que se aprende na idade da
Educação Infantil (4 e 5 anos) dentro e fora da escola. Ou será que os pais
têm alguma expectativa de aprendizagem na Educação Infantil? E nós
professores temos clareza da direção que devemos dar ao trabalho na
Educação Infantil? Aprendi muito nos 10 anos que trabalhei no IHA,
cresci profissionalmente com capacitações, congressos e outras
oportunidades que até então eu desconhecia. (idem, p.4)
A produção deste quinto memorial, M.5, é sucinto elaborado em apenas duas
laudas, mas nem por isso menos claro. Ao narrar sua trajetória profissional o faz com
leveza e entrelaçado a sua vida aqui e agora. Dessa forma, sua escrita evidencia seu
percurso profissional em relação:
A sua vivencia como aprendiz,
Quisera eu ser criança danada, não consegui; era criança falante, já
ensaiando para ser professora sem perceber. No colégio tirava boas notas,
“não precisava ninguém mandar fazer”, perfil esportivo, atuante, sem
grandes inibições ao falar em público. Colégio tradicional: Instituto
Educacional Stella Maris, religioso, porém com “modernismos” que o
final da década de setenta e o início dos anos oitenta nos permitia -
meninos matriculados e convivência com algumas freiras sem o hábito e
até de calça Jeans (!). Excelente educação infantil e ensino fundamental
idem, com ensino médio em caráter experimental; bela experiência: UERJ
na cabeça! (M.5, p1)
Ao processo ensino aprendizagem,
Às vésperas de cursar o ensino médio eu tive que optar entre o ensino
público ou trabalhar no Stella Maris pelo ensino gratuito, pois meu pai
perdera o emprego de anos na iniciativa privada. Não preciso nem contar a
minha decisão. No turno da manhã eu estudava, à tarde eu auxiliava nas
aulas de educação física, o que pesou bastante na minha futura escolha
profissional, Em 1985 eu ingressei na UERJ, onde tive contato com um
ensino também tradicional e diretivo com aulas quase cem por cento
práticas (nós exercíamos o papel de nossos futuros alunos), visando
técnicas perfeitas e táticas bem elaboradas, com moças separadas de
rapazes nas aulas práticas e com dois períodos inteiros de Educação Física
Escolar apenas para a turma masculina, cabendo à turma feminina dois
períodos inteiros de Ginástica Rítmica. Na faculdade eu fui monitora de
voleibol concursada (idem, p.1)
A formação relacionada à prática atual e apropriação de fazer pedagógico,
Eu acredito que o meu trabalho com a educação física escolar numa fase
mais madura da minha vida tenha sido favorável, pois, embora eu seja
advinda de um ensino tradicional desde a escola, a vivência de 16 anos em
clube com crianças dos seis aos sessenta anos (escolinha de voleibol de
103
adultos) me permitiu perceber a necessidade de uma mudança na minha
abordagem de ensino (isto não ocorreu de uma hora para outra!), me
permitiu aprender a cada dia com os alunos a importância da construção do
conhecimento sem que técnicas e táticas exacerbadas os deixem tolhidos
para vivenciar experiências novas a cada dia, respeitá-los na sua fase de
desenvolvimento e no seu tempo, levá-los a perceber o valor das atitudes
cooperativas e solidárias; enfim, deixá-los procurar (e encontrar!) a sua
autonomia. (idem, p.2)
O sexto memorial aqui apresentado, M.6, foi elaborado também em três laudas, é
sucinto ao narrar sua trajetória profissional de forma idílica, com a entrada desta
professora no magistério e nos aponta evidencias quanto:
A sua vivencia como aprendiz,
Minha trajetória profissional começou aos quatorze anos, quando optei em
fazer o ensino médio para formação de professores no Instituto de
Educação do Rio de Janeiro. O traje do Instituto era algo atraente, quando
tinha de ir vestida com o traje completo, era um dia especial, todos
olhavam aquela normalista cruzando as ruas e teciam comentários. Mesmo
não tendo o prestígio dos anos dourados, já me achava importante. Aos
dezessete anos me formei e no ano seguinte fiz o Adicional em
Alfabetização para dar continuidade aos estudos, pois queria a cada dia
saber mais. (M.6, p.1)
Ao processo de formação relacionado à prática,
Neste mesmo ano comecei a trabalhar na rede privada de ensino, onde foi
o local que me deparei pela primeira vez com as teorias aprendidas e a
prática tão sonhada. O real do ilusório, a prática da teoria e o possível do
impossível. (idem, p.2)
A prática docente e seu contexto,
Sou pedagoga! E de presente passei para a Prefeitura Municipal de
Educação do Rio de Janeiro, agora sim, acredito que poderei colocar em
prática e pesquisar todos os meus estudos. Apareceram indagações do tipo:
Comunidade carente? Como atingir objetivos ou alfabetizar crianças com
fome, sem estrutura familiar e com déficit cultural? Entrava em um mundo
desconhecido, rico de informações e gratificante. Apaixonei-me pela
segunda vez! E até hoje sou professora de PEJA e, em paralelo, sou
professora da rede privada, na qual trabalho com crianças do 2º ano e do 3º
ano na Escola Integral. Como ainda estão fervilhando as questões
pedagógicas em mim, apresento mais inquietações e, com isso, procuro
mais conhecimento. (idem, p.3)
A análise do memorial de formação oferece a história de vida narrada pelo próprio
docente acerca da sua experiência. Esse texto, na maioria das vezes, narrado em primeira
pessoa desvela as expectativas familiares e pessoais acerca da escolha do curso e do
104
desempenho escolar do estudante, de forma a revelar também a visão e os valores da
comunidade que permeiam essa escolha e esse desempenho.
Considerando as informações destacadas nesses seis memoriais, sem querer reduzi-
los a essas, nos chamou atenção em cada um daqueles aspectos que gostaríamos de
compartilhar. No primeiro memorial fica evidente a dificuldade do professor falar da sua
prática enquanto agente de uma ação educativa concreta; o segundo relato deixa à mostra
uma preocupação social e política com seus alunos e as políticas implementadas pelas
gestões públicas, posicionando-se criticamente em relação à política dos ciclos; o terceiro
memorial nos chamou atenção pelo fato de a narrativa acontecer do início ao fim na 3ª
pessoa do singular, um falar de si como sendo um outro, como estando no lugar de um
outro, onde as questões educacionais tem importância relativa em decorrência desse outro;
o quarto relato posiciona-se sem constrangimento ao deixar transparecer na sua narrativa
que a experiência é importante, mas não elimina as dúvidas e desafios da dinâmica
educacional comprometidas com o aprendizado do aluno; o penúltimo memorial evidencia
a estreita relação do desempenho e trajetória do professor com o desenvolvimento dos
alunos, já que esses se encontram no centro de preocupação desse relato e o último transita
entre as experiências pública e privada, onde a curiosidade, a inquietação e o desejo
movem a professora em busca de mais conhecimentos.
3.3.2 A estratégia de trabalhar com Oficinas
Em relação às oficinas, tivemos acesso a duas propostas: uma localizada no CD,
disponibilizado por Abrunhosa - a proposta da oficina oferecida no ano de 2006 - , e outra
cedida por uma das professoras responsáveis pela oficina de 2008. Nas duas propostas de
Oficina Professor – Autor encontramos semelhanças em relação a:
Ementa:
Os processos de escrita escolar e a relevância dos registros das atividades
pedagógicas; o saber docente e suas formas de registro; a pesquisa
educacional e a escrita monográfica; normas técnicas e processos de
organização do texto escrito em diferentes formas, tais como memorial;
projeto de investigação e relato de atividades desenvolvidas no exercício
profissional. (Proposta de Ementa, Professora A, 2008).
Objetivos:
Promover a reflexão sobre a importância do ato da escrita e do registro das
experiências e estratégias didáticas adotadas na prática docente; Conhecer
as normas de elaboração de projeto de pesquisa e de redação de texto
105
monográfico segundo padrões acadêmicos e as normas técnicas
pertinentes; Desenvolver, nas oficinas propostas, a redação de memorial
analítico, de projeto de monografia e outros escritos considerados
relevantes na perspectiva do “professor autor” e em concordância com os
temas: educação infantil, currículo, tecnologias de educação, gestão
escolar e ação cultural na escola. (Idem)
A materialização das oficinas acontecia em quatro momentos onde eram
trabalhados:
1-A pesquisa como um ato de conhecimento: de uma visão sincrética a
uma visão analítica e sintética. A construção do olhar investigativo;
2-A diferença entre fazer pesquisa e estar em pesquisa: a possibilidade da
unidade prática-teoria-prática no cotidiano escolar; 3-A construção de um
projeto monográfico. Do tema ao problema de pesquisa. Características do
texto monográfico (pré-textual, textual e pós-textual). Análise de
monografias premiadas no Concurso Anísio Teixeira; 4- A construção de
um projeto monográfico. Por que pesquisar/ por que socializar a pesquisa.
A monografia como princípio educativo: metodologia e fundamentação
teórica. (Proposta da Oficina de 2006).
A atividade final da Oficina era a elaboração de um pré-projeto a ser comentado
pelas professoras posteriormente por email. Apesar de serem apenas quatro encontros
nota-se que a preocupação destas oficinas era valorizar o registro do professor e desta
forma, a partir dos encontros propostos e suas respectivas bibliografias100
, disponibilizadas
aos professores pelos formadores, oferecer um estado da arte reduzido que serviriam de
referências a estas produções.
Pelo que foi apresentado com a proposta da elaboração de memoriais e a proposta
vivenciada nas oficinas, ousamos confirmar uma das hipóteses iniciais dessa pesquisa: o
Prêmio Anísio Teixeira transcendeu seu(s) objetivo(s) por ter contribuído para a
construção e preservação da memória docente a partir da reflexão, do registro e da
socialização das experiências dos professores que participaram dessa iniciativa.
3.3.3 As coletâneas de monografias de 2002 a 2007
No capítulo dois analisamos a coletânea mediante a identificação de três quadros
de análise, consideramos o número de trabalhos vencedores no concurso, os indicados a
publicação, os temas propostos nos editais anuais e o número de inscritos, além da
recorrência de publicação por campo temático e as possíveis relações que os artigos
efetivamente estabeleceram com o tema central do ano, proposto pela SME. Só para
100
Anexo nº. 5
106
contextualizar essa lembrança, no terceiro quadro fica expressa maior predominância para
os campos Tecnologia em Educação e Currículo.
Nesse capítulo, elegi como critério de análise das coletâneas, os professores que
tiveram mais de uma monografia publicada durante os anos de realização do prêmio.
QUADRO 4- PROFESSORES COM MAIS DE UMA PUBLICAÇÃO
2001 a 2008
Autor / Tema Gerador Nº
Campo Temático/Objetivo Monografia Considerações Finais Dos autores
Rosania Vargas dos Santos 2004- Mídia como linguagem Educativa: Transformações no odo do Saber Indicação de Publicação 2005 - Os Caminhos da Educação no município do Rio de Janeiro - 30 anos de educação pública- Indicação de Publicação
2
2004- Tecnologia em Educação. Título – Ambiente
Informatizado: O Faz de Conta na Educação Infantil. Objetivo Geral: Apontar elementos que ilustrem a
articulação entre formação do pensamento/linguagem na relação da criança com o computador. Específicos: Identificar as percepções que as construíram em relação ao computador e seu ato de brincar crianças; Destacar as concepções dos prós e contra do uso da Informática na
Ed.Infantil. (Santos, 2004) 2005- Educação Infantil. Título - As mudanças na
Educação Infantil Transforam o dia a dia do professor: Novos Caminhos e Novas Perspectivas Objetivo: Analisar até que ponto as mudanças ocorridas,
na Educação no Município do Rio de Janeiro, em 30 anos de Escola Pública contribuíram para a transformação da prática pedagógica do professor regente na Educação Infantil. (idem, 2005
2004 “este estudo mostra a importância do
uso de computador no contexto da Ed. Infantil.[..] não podemos deixar de recomendar às escolas públicas a adoção de medidas , diante de tudo
que observamos” (Santos, 2004) 2005
Percebemos, em nosso estudo, a necessidade de modificar nossa prática pedagógica. Identificamos o momento atual , como sendo o derradeiro, devemos reconhecer o direito de meninos e meninas de terem contato com um profissional qualificado..[..] precisamos assumir a nossa formação contínua, perceber a responsabilidade de formar cidadãos críticos, criativos, destemidos capazes de, no futuro, transformar a sociedade em que vivemos.(idem 2005)
Roseli Marianna dos Santos Souto 2002- A Educação como estratégia de inclusão - Desafios para o Educador 1º Lugar – Formação de Professor 2007- Ciclos de Formação: Instrumentos de Inclusão, Justiça Social e Democratização do Conhecimento Indicação de Publicação
2
2002- Formação de Professor. Titulo: Exclusão, não: As pessoas querem fazer parte de algo. Inclusão, sim. Objetivo: Estudar a possibilidade do sucesso escolar a
partir da dimensão da inclusão. Utilizando uma abordagem sociocultural, como eixo articulador das questões culturais, considerando o espaço e o tempo educativos, na perspectiva do agente (aluno), de modo a entender o processo de construção de estratégias que eles considerarem ter-lhes facilitado a aprendizagem durante sua passagem pelo Programa de Aceleração da Aprendizagem em 2000, em duas escolas da rede pública do
munícipio do RJ.(Souto,2002, p. 10) 2007 – Currículo. Título: Projeto Especial de Adolescente:
Instrumento de Inclusão nos ciclos de formação. Objetivo: A orientação conceitual da nossa investigação, utilizou um enfoque de pesquisa reflexiva, que tem por objetivo compreender as práticas de sala de aula numa escola organizada em ciclos, fazendo conexões com o enfoque curricular proposto de modo a compreender a experiência vivida pelos colaboradores desta pesquisa em seu tempo e
contexto, através de observação participante.( Idem, 2007, p.111)
2002
[..]salientamos alguns aspectos
importantes , para que pensemos sobre as reais possibilidades de sucesso desses e de outros alunos, considerando a urgência de mudanças das práticas rotineiras em nossa salas de aula e da organização de programas afim de que atenda a todos os alunos na diversidade de suas formas de aprender, almejando a difícil, mas possível inclusão de todos, através daquilo que seja oferecido a
eles. Souto, 2002, p. 35) 2007
As decisões tomadas sobre o currículo sempre afetarão vidas, sujeitos, o que confirma a sua importância e a necessidade de repensarmos o conceito de currículo, instituindo a diferenciação como uma possiblidade da promoção da inclusão em que será preciso toda uma transformação pedagógica, não apenas dos conteúdos, mas também dos métodos e das condições escolares. ( Souto, 2002, p. 145)
Antônio Veríssimo dos Santos Junior 2005- Os Caminhos da Educação no município do Rio de Janeiro - 30 anos de educação pública 1º Lugar – Ação Cultural na escola 2006- Relações de Ensino: Trabalhando com a
2
2005- Ação cultural na escola. Título: Macbeth, Otelo,
Romeu e Julieta? Já é! Ou há vida na escola. Objetivo: Compreender a natureza e a peculiaridade do
teatro no processo educativo da juventude de classes populares. Uma tentativa de investigar, a partir de minha experiência de seis anos como professor de Artes Cênica em uma escola municipal, as redefinições que estes alunos produzem no próprio conceito de teatro, a partir dos embates que travam cotidianamente na sociedade e na
escola. .( Santos Junior, 2005, p.137) 2006- Ação cultural na escola. Titulo: Os Hereges do
teatro: Teatro e Ressignificação do cotidiano na escola. Objetivo: Ressaltar e analisar algumas experiência
2005 Foi assim que ultrapassamos os limites do cotidiano escolar, há três anos criamos um grupo de teatro .Quando anunciamos que estavam abertas as inscrições para a formação do elenco, cinquenta jovens se inscreveram. Hoje o grupo reúne vinte e cinco jovens, entre alunos e ex-alunos da escola, além de outros jovens da comunidade. [..]Aos poucos vou compreendendo meu papel de educador dentro do grupo. Vou paulatinamente descobrindo outras
107
Diversidade 1º Lugar – Ação Cultural na escola
realizadas por mim e meus alunos com a linguagem do teatro na escola. Tanto o relato quanto a análise procurarão enfatizar a ressignificação sofrida pelos elementos, personagens e situações do cotidiano dos jovens após
passarem pelo campo de representação teatral. .( Santos Junior, 2006, p.11)
formas de provocar discussões, percebendo as questões que precisam ser propostas e a melhor maneira de mediar o debate.( Santos Junior, 2005,
p.167-168)
2006 [..] o que importou analisar aqui não foi aquilo que foi ensinado àqueles alunos, mas como eles aprenderam, como se aproriaram disso, a leitura peculiar, enfim. Em vários momentos me colocaram indagações, implicitamente, e o que tentei foi exercer meu papel de mediador que busca tão somente reconhecer essa
indagações e sublinha-las. .( Santos Junior, 2006, p.44)
Elizete Marcolino dos Santos 2005- O que há por trás dos
brinquedos e brincadeiras 1º Lugar Educação Infantil 2008- A importância da Educação Infantil no processo de Aquisição da Lecto-Escrita Indicação de Publicação
2
2005- Educação Infantil. Título: O que há por trás dos
brinquedos e das brincadeiras. Objetivo: Analisar os significados que as brincadeiras tem
na formação da pessoa, pois em gestos e palavras de uma brincadeira podem ser observados elementos que demonstram o comportamento de quem brinca. Santos, 2005 p.9) 2008- Educação Infantil Título:. A importância da educação infantil no processo de aquisição da lecto-escrita Obs: Essa coletânea ainda não foi publicada
2005 A questão mais importante foi identificar que a brincadeira confere poder a criança, possibilitando que ela lide/ transforme a realidade utilizando-se da imaginação. Outra questão que não estava prevista foi identificar o quanto o consumo de brinquedos expressa a dinâmica cultural desse universo infantil. Santos, 2005, p.51)
Roza Maria Palomares 2005- Os Caminhos da Educação no município do Rio de Janeiro - 30 anos de educação pública 2006- Relações de Ensino: Trabalhando com a Diversidade 2008-Da organização de tempos e espaços escolares à flexibilização do currículo Para os três artigos: Indicação de Publicação
3
2005- Currículo. Título: A reformulação do currículo
escolar em uma perspectiva interdisciplinar. Objetivo: Provocar discussões entre os profissionais da
educação, visando uma reflexão amis profunda sobre o conceito de currículo que leve a compreensão de que este é
um documento de identidade escolar.( Palomares, 2005, p. 354) 2006- Currículo. Título: Ensino de Língua Portuguesa:
encontrando um caminho entre unidade e a diversidade Objetivo: Busca-se além de novas ideias com relação as
práticas de língua materna, também sugerir um redimensionamento no ensino gramatical visando a
integração de todas as áreas ligadas ao saber linguístico. Palomares, 2006, p. 145) 2008- Currículo. Título: Da organização de espaços e
tempos escolares à flexibilização do currículo. De que forma essa organização pode ser feita?” Obs: Essa coletânea ainda não foi publicada
2005
[...]Alcançou-se , portanto, o fim deste estudo com o seguinte resultado concreto: é possível , respeitando-se o território de cada campo disciplinar do saber, trabalhar o conhecimento através de interdependências e conexões reciprocas, selecionado temas como eixo unificador, em torno do qual possam ser organizadas as disciplinas, que estruturarão os seus próprios conteúdos, mantendo-se preservadas suas identidades e autonomias em torno de objetivos
comuns. Palomares, 2005, p. 383) 2006
[..] mostramos, na prática, como a
atividade de sala de aula, numa concepção interacionista da linguagem, pode torna a aquisição da escrita e da fala pelo aluno, utilizando-se a norma culta, tão natural quanto a aquisição da fala cotidiana.
Palomares, 2006, p. 169)
Andrea Serpa Albuquerque 2006 -Relações de Ensino: Trabalhando com a Diversidade 2007- Do descrito ao praticado: muitas faces do currículo. 2008 – O currículo e a (re)organização dos tempos e espaços escolares 1º lugar nos três anos
3
2006- Currículo. Título: Currículo e Alteridade: Relações de Ensino e Diferenças Culturais Objetivo: [..] nosso estudo pretende discutir as concepções de saber, cultura e diversidade/diferença que estão presentes na discussão curricular; discutindo o papel da escola em uma sociedade que se pretende democrática e includente. (Albuquerque, 2006, p. 59) 2007-. Currículo. Título: Do prescrito ao praticado: As muitas faces do currículo. Objetivo: [..] tentar contribui para a reflexão sobre as bases epistemológicas que se fundamenta a proposta da escola ciclada – e sua divergência com a proposta seriada. . (Albuquerque, 2006, p. 14)
2008- Educação Infantil. Título: O que há por trás dos
brinquedos e das brincadeiras. Obs: Essa coletânea ainda não foi publicada
2006 Coloco-me ao lado dos que defendem, não a construção, mas a prática curricular. Prática que se desenvolve nos espaços de diálogo, na escura do silêncio (na dialogicidade) nas redes de relações entre aqueles inscrevem nas paredes de cada escola, todas as histórias que aquele espaço representa para cada um, o que representa para todos nós.
2007 A pesquisa observou, neste breve período, o quanto certos fazeres ainda são hegemônicos em nosso cotidiano, apesar da discussão que foi trazida pela implantação do Ciclo. Observamos também o quanto ainda é necessário discutir para que possamos transformar realmente uma rede seriada em uma rede ciclada. O
108
quanto é necessário construir uma caminho democrático para efetivar esta transformação. Albuquerque, 2006, p. 53
Eliete Rodrigues do Nascimento 2007- A educação infantil na escola organizada ciclos de formação. Indicação de Publicação 2008- Gestão Escolar: Contextos e Desafios 1ª Lugar
2
2007- Educação Infantil Título: Educação Infantil na escola organizada por ciclos de formação Objetivo: Com as reflexões oriundas da prática pedagógica, este estudo pretende contribui para as reflexões sobre os ciclos de formação e a inserção da educação infantil, modalidade pré-escola, na educação básica. (Nascimento, 2007, p. 195) 2008 – A importância da Educação Infantil no Processo de Aquisição da Lecto Escrita
2007 `Foi possível perceber o caráter pedagógico, politico e formador presente na educação infantil, bem como as concepções de democratização do conhecimento, não há conhecimento que não se possa ser tratado, a sala é do tamanho do mundo. Nascimento, 2007, p. 238
Total de Autores com mais de uma monografia publicada e/ou premiada = 7 Professores
16
Observação: Quadro produzido pela pesquisadora
A produção desse quadro de análise nos deu a real dimensão do limite desta
pesquisa, pois o material é extremamente rico e sugere inúmeras possibilidades de análise
e pesquisa, apenas considerando o recorte deste quadro.
O quadro apresenta alguns indicadores que chamam atenção quanto:
1- Publicação – Dos sete professores que tiveram seus trabalhos publicados, cinco
ocorrem em anos subsequentes. Parecer ser um incentivo, seja a premiação ou a
indicação dos trabalhos e a tentativa de concorrer novamente.
2- Premiação – Apenas dois professores mantiveram premiação nos anos de publicação
das monografias consecutivamente;
3- Indicados a publicação – Apenas dois foram indicados para publicação, sem receber
nenhuma indicação de premiação.
4- Leitura de Resumos e Introdução – em sua maioria não fica claro o objeto de
pesquisa, algumas vezes precisamos extrair a informação em outras partes do texto.
Os textos não seguiram o padrão de apresentação de resumos. Na verdade não se
identifica nos trabalhos um padrão comum quanto à apresentação das monografias.
5- Aderência ao Tema Gerador do Ano - Apenas um professor não apresentou
nenhuma aderência ao tema gerador nos artigos constantes no quadro. O que pode
significar ser este um critério importante para a indicação de publicação dos
trabalhos.
6- Quanto à abordagem, estrutura, referências bibliográficas e citações – neste item
temos duas considerações a fazer:
a) Alguns Trabalhos estão estruturados dentro das normas para publicação ABNT,
utilização de citações e fotos articuladas com a proposta do trabalho e a
109
bibliografia apropriada ao estudo proposto. Identifica-se, nas proposições desses
trabalhos, uma apropriação das leituras e um texto bem articulado.
b) Em número mais reduzido há trabalhos fora das normas de publicação para um
trabalho monográfico, texto pouco claro e uma argumentação teórica ainda
deficitária, próprio de quem está se aventurando no mundo da produção textual
autônoma.
As introduções e os resumos das monografias, relacionadas no quadro anterior,
trazem posicionamento dos participantes que ampliam nossa compreensão acerca do que
foi produzido pelos professores em relação a este espaço de escrita e registro, conforme
vemos a seguir:
A contribuição desse estudo está na possibilidade de suscitar novos
desafios a alunos e professores no ambiente pedagógico, apesar da
situação de exclusão em que se encontra o grupo de pesquisado, ainda que
com possibilidade de inclusão através dessa medida compensatória de
mais um programa do governo que diz ter a intenção de superação do
fracasso escolar, estimulando-os a retornarem o processo de escolarização
em que a série esteja em conformidade com a idade de cada um,
diminuindo assim suas chances de fracasso escolar e consequente processo
de exclusão social. (ALBIQUERQUE, 2007, grifo meu)
Podemos inferir que tais medidas atenuam o problema da exclusão digital,
das crianças carentes de escola públicas, não o resolve. No meu
entendimento, é preciso desenvolver estratégias que viabilizem a inclusão
digital nas escolas públicas e possibilitem a criação de um ambiente
informatizado, de modo a dar as crianças a mesma igualdade de
oportunidades. (SANTOS, 2004, p. 171 e 172)
As transformações, portanto, das relações pedagógicas, supõe uma
modificação das relações de poder na educação em diferentes espaços: Na
interação entre professor e aluno, nas relações entre o aluno e a instituição
escolar e também nas relações da administração que regula os currículos.
(SOUTO, 2007, p. 145/146)
Ao realizarmos esse trabalho, acreditamos ser de fundamental importância
para a interação cultural da escola com a vida cotidiana dos alunos, que se
busque aprender cientificamente a realidade na qual a instituição escolar
está inserida. É preciso, portanto, que se estabeleçam condutas e práticas
que possibilitem a materialização desta afirmação. ( SANTOS, 2005, p.
52)
Nossa conclusão é que precisamos mais do nunca seguir buscando esse
dialogo, ampliando cada vez mais nossos interlocutores até que ninguém
mais precise buscar “ incluir” um “outro”, porque estaremos todos no
mesmo lugar. Um lugar democraticamente tecido por todos, para todos: a
nossa escola. (ALBUQUERQUE, 2007, p. 53)
110
Ainda em relação ao Prêmio, chegamos ao final da pesquisa com certa inquietação
por não ter havido condições de realizar algumas entrevistas com os professores
participantes, mesmo enviando email para os docentes que tiveram suas monografias
premiadas nos anos de 2006 e 2007, pois as coletâneas desses dois anos editaram um
pequeno currículo dos professores com seus endereços eletrônicos. Em vista dessa
possibilidade, produzimos e enviamos um questionário para esses professores, mas só
obtivemos um retorno e decidimos inseri-lo neste capítulo por sua significância. Assim,
buscamos no instrumento produzido, entender um pouco mais sobre o conseguimos saber,
até aqui, quanto:
Aos objetivos do Prêmio na percepção da professora
Para mim o exercício da escrita, principalmente no meu campo de pesquisa
– Pesquisa com o Cotidiano – permite conquistar mais autoconhecimento,
autonomia, compromisso político e técnica, porque é uma escrita que
expressa os caminhos da professora pesquisadora, na perspectiva de Freire.
Nos pesquisamos, ao pesquisar e ao relatar nossas pesquisas, nos
aprimoramos como professoras, compreendemos melhor o nosso fazer,
retomamos nosso lugar de intelectuais orgânicos, que compreendemos a
estreita relação entre prática-teoria-prática. Não sei se o prêmio objetivava
tudo isso, afinal só quem organiza conhece realmente os objetivos, mas
que, para mim tudo isso foi incentivado e desenvolvido, com certeza.
(ALBIQUERQUE, 2007, grifo meu)
Sobre os conhecimentos adquiridos com a participação no Prêmio: Técnico,
Compromisso Político, Pedagógico, Didático, Autonomia e Autoconhecimento,
[...] Não vejo como dissociá-las. Para mim só existe uma verdadeira
competência técnica se a professora possui autoconhecimento, autonomia
e compromisso político. Por outro lado como diz Freire educação é um
“ato” político, portanto não basta compromisso é preciso ter a técnica para
transformar ideias em atos. Acredito que em minha prática pedagógica o
desenvolvimento da reflexão através da pesquisa, da escrita sobre meu
cotidiano, sobre a escola pública, me permitiu desenvolver todos esses
aspectos, e todos foram e são fundamentais em minha prática docente até
hoje, quando essa prática docente, implica em formar novos professores
pesquisadores, autores, autônomos, comprometidos e competentes
tecnicamente (ALBUQUERQUE, 2014).
Sobre os possíveis desdobramentos do prêmio após a publicação
A própria prefeitura na época do segundo prêmio, se não me engano,
organizou um encontro para apresentarmos o texto no antigo centro de
referência. Os dois textos do primeiro e segundo Anísio Teixeira que
ganhei amadureceram e viraram a base da dissertação de Mestrado, depois
o livro “Cultura Escolar em Movimento: Diálogos Possíveis” editado pela
Rovelle. O último texto foi incorporado à tese de Doutorado: “Quem são
111
os outros na/da avaliação”, concluída em 2010. Já publiquei muitos artigos
nas revistas Presença Pedagógica, Pátio, Instrumento (Juiz de Fora),
alguns capítulos em livros organizados por outros professores, trabalhos
em congressos etc. As monografias foram apenas o início de uma carreira
universitária que exige bastante publicações. E como professora
universitária desde 2011 (quando me exonerei da prefeitura e assumi como
professora adjunta na UFF), venho recebendo muitos convites para
palestras, seminários, encontros em diferentes redes, já participando
inclusive como convidada de “capacitações” na prefeitura do Rio...é muita
coisa...mas você encontra tudo que tenho feito desde então no meu Lattes
(ALBUQUERQUE, 2014).
Acreditamos que, a partir das informações e conhecimentos produzidos pelos
professores participantes desta iniciativa apresentados até aqui, chegamos a uma primeira
parada no destino desta pesquisa e cabe agora refletirmos sobre essa trajetória.
Neste capítulo tivemos, sim tivemos, pois apesar de ter trabalhado com o texto na
primeira pessoa do singular, praticamente o tempo todo da minha narrativa, passei a
utilizar, agora, a primeira pessoa do plural. À medida que fomos avançando em nosso
trabalho, em nossa análise, identificamos que nunca estivemos sozinhas, pois nos
auxiliaram nessa empreitada o diálogo constante com um mundo de conhecimentos,
questões, dúvidas e certezas próprio de uma dinâmica educacional, no mínimo cuidadosa.
Optamos incluir no encerramento desse capitulo a participação dos docentes,
objeto principal de interesse da nossa pesquisa.
Assim, a partir do que apresentamos nos capítulos anteriores sobre as ações do
CREP e sua integração com o prêmio, bem como a própria dinâmica e desdobramento do
prêmio Anísio Teixeira no segundo capítulo e, especificamente nesse, onde tratamos da
conceituação de propostas de formação continuada, confirmamos nossa hipótese de que
realmente o prêmio atuou como uma modalidade de formação continuada, onde os
professores puderam recolocar-se a partir de sua produção escrita e de suas inserções nas
escolas para apresentar e debater os trabalhos publicados, compartilhando conhecimentos,
descobertas e dúvidas.
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O professor pode apresentar o universo literário, dar sugestões de leitura
e ser exemplo de leitor. Eu fui alfabetizado pela minha mãe e por uma tia,
antes de entrar na escola, aos 7 anos. Como tirei boas notas no primeiro
ano, minha mãe me premiou com as obras completas de Monteiro Lobato.
Ainda hoje, quando tomo posições na defesa do petróleo brasileiro, me
lembro que as primeiras ideias sobre isso me vieram do livro O Poço do
Visconde. Naquele tempo, todos diziam que não existia petróleo no Brasil
e o Lobato teimava que existia. Ele fez uma campanha tão forte e disse
tantas coisas que foi preso, o que levou Anísio Teixeira, o grande
educador, a dizer: “Monteiro Lobato foi preso pelo crime de patriotismo,
agravado por vários delitos de lucidez”. Minha mãe teve essa lucidez de
me dar livros que me deixaram encantado. Ela agiu como professora, não
é verdade? (Suassuna, 2007)101
Como já mencionado no terceiro capítulo deste estudo, vamos finalizar nossa
pesquisa usando o verbo na primeira pessoa do plural, pois me dei conta, assim como
nosso saudoso poeta e escrito Ariano Suassuna, que um estudo de pesquisa precisa
recorrer a delitos de lucidez e, acrescentaríamos nós, de ousadia, sendo realizado a muitas
mãos, ideias, intenções e desejos.
Retomemos assim as intenções iniciais desta pesquisa, que era(m) analisar as
estratégias utilizadas pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, no projeto:
Coletânea de Monografias - Prêmio Anísio Teixeira para garantir sua realização de 2001 a
2008, além de avaliar que possíveis impactos essa experiência poderia ter provocado na
prática dos professores participantes dessa proposta.
A questão colocada inevitavelmente, hoje, nos parece mais complexa, mas no
início da proposição nos pareceu simples; de qualquer forma, ainda assim, nos oferecia
alguns caminhos possíveis de investigação.
101
Em entrevista concedida em 2007, Ariano Suassuna fala de livros lidos e escritos, de professores
marcantes e dos conflitos entre o Brasil real e o oficial. http://www.cartanaescola.com.br/ Acessado
em 09 de setembro de 2014.
113
Imediatamente nos identificamos com outras questões advindas da primeira, que
emergiram como indicadores para iniciar uma investigação, no mínimo cuidadosa, acerca
das experiências docentes como elemento importante para a reflexão da própria prática do
professor; da memória da produção desses professores por meio da elaboração dos
memoriais e das monografias temáticas; do(s) saber(es) docente(es) constituído(s) pelos
participantes a partir dessa proposta de formação. E, ainda, sobre a temática da formação
continuada de professores, que há algum tempo vem provocando debates e discussões,
desde a implantação das reformas educacionais na década de 1990 sobre as diferentes
modalidades e sua real adequação aos professores da rede pública, como apresentado no
capítulo anterior.
Desse universo de possibilidades de análise, também, não ficou de fora o papel das
políticas públicas sobre a formação continuada, tendo como mediador o Centro de
Referência da Educação Pública da cidade que um dia foi capital do país.
Diante do cenário que nos colocamos começamos a trabalhar levantando nossas
categorias de análise em relação ao: CREP, instituição pública que concebeu e
implementou o Prêmio Anísio Teixeira durante oito anos consecutivos; ao Prêmio em
relação a sua trajetória e identidade relacionando-o com a história e a memória de Anísio
Teixeira e, finalmente, buscando relação entre a concepção metodológica do concurso de
monografias com possíveis modalidades e propostas de formação continuada.
Assim que começamos nossas leituras relacionadas à historiografia da educação,
em nosso contato com o campo empírico102
e com a produção das entrevistas foi possível
identificar a estreita e indissociável relação do CREP com o Prêmio Anísio Teixeira
durante oito anos consecutivos. Primeiramente, porque o Prêmio foi a ação do CREP que
materializa sua instalação na Escola Municipal Rivadávia Correa, além de marcar a
retomada das ações do CREP com a comemoração do centenário de Anísio Teixeira, que
culmina com a primeira edição da Coletânea de Monografias, publicada em 2001.
A título de facilitar as conclusões desta pesquisa, abordaremos nossas observações
separando cada um dos objetos estudados: O CREP, O Prêmio e as Monografias.
Tratando-se especificamente do CREP, confirmamos pelos estudos e análise das
fontes produzidas para esta pesquisa que:
102 A pesquisa empírica foi possível graças às informações disponibilizadas em CD pela ex - gestora do
Prêmio Anísio Teixeira de 2001 a 2008.
114
O CREP se tornou um espaço de formação continuada indo além da proposta
inicial de sua implementação em 2001 pautando suas ações na resolução da
Secretaria Municipal de Educação nº 367103
, ao incorporar, onze anos depois de
sancionado, a concepção e a implementação do Prêmio Anísio Teixeira, durante
oito anos consecutivos de 2001 a 2008, bem como as atividades de produção das
exposições temáticas sobre personalidades representativas para o cenário cultural
e educacional do país em seu centenário; oficinas de temáticas por solicitação de
professores que frequentavam os saraus; levantamento e produção das publicações
de Dissertações e Teses dos professores da rede.
Segundo o que foi possível constatar, em vários documentos que sustentavam a
criação e implantação104
do CREP sublinhava-se que não seria atribuição do CREP
atividades de formação de professor, pois essa já era uma atribuição exclusiva do núcleo
de capacitação da SME. De qualquer forma, a pesquisa inferiu e pretendeu demonstrar que
o CREP não só realizou ações relativas à formação, como também concebia tais atividades
de formação continuada. Além dessas ações, a instituição também era responsável pela
identificação e preservação de todo material historiográfico representativo da memória da
educação pública municipal.
Assim, reconhecemos, nesta pesquisa, que o CREP vem tentando assumir-se
enquanto um território, uma região, um lugar, que não permite que o objeto sucumba em
sua liquidez, em sua dialética infinita. Como mencionamos no primeiro capítulo, o CREP
assume o status de território entendido como uma criação da espécie humana dentro de
processos históricos determinados por sujeitos que protagonizaram sua instituição.
O Centro de Referência da Educação Pública, no período pesquisado – 2001 a
2008 - e, de sua resistência de 2009 aos dias atuais, vem buscando se colocar dentro do
que Paul Ricoeur definiu como a "política da justa memória", o que inclui as
possibilidades de uma memória esclarecida pela historiografia e a de uma historiografia
profissional passível de reanimar uma memória declinante (RICOEUR,1996).
103
Resolução da Secretaria Municipal de Educação nº 367 de 18 de janeiro de 1990 - criação de um grupo de
trabalho para estudar e definir políticas de preservação das fontes e documentos sobre a história da educação
no município do Rio de janeiro, e de proteção e guarda desse acervo histórico pela Secretaria Municipal de
Educação.
104 Apresentados no primeiro capítulo desta dissertação.
115
Na nossa compreensão, mesmo que considerássemos apenas a relação do CREP
com a realização do concurso de monografias e a adoção da metodologia utilizada no
Prêmio, que possibilitou aos professores entrarem em contato com suas reminiscências e
trajetórias da profissão de professor, esse Centro já estaria contribuindo,
significativamente, para o desenvolvimento de procedimentos de pesquisa relacionadas ao
uso da memória como fonte histórica (POLLAK.1989).
Outra questão que nos chamou a atenção foi a história e memória do CREP,
relacionada à construção da sua identidade, ou seja, pela própria indefinição de como
seria nomeado. Inicialmente, Centro de Memória Antônio Callado, jornalista e romancista
ou Centro de Memória Darcy Ribeiro - personagem que se notabilizou, fundamentalmente,
por trabalhos desenvolvidos nas áreas de educação, sociologia e antropologia e um dos
responsáveis, junto com Anísio Teixeira, pela criação da Universidade de Brasília - a
instituição desde 2013 passa a chamar-se CREPAT - Centro de Referência Anísio
Teixeira.
É, no minimo, curioso pensar que apesar de o Centro estar praticamente sem
atividade - a não ser pelo espaço destinado à pesquisa e consulta de professores da rede -,
a instituição é rebatizada com o nome do Prêmio que volta a ser reeditado em 2013, mas
sem atender a duas exigêncais do decreto que o alterou em 2001: a primeira no que tange a
sua modalidade metodológica (sem as oficinas) e a segunda no que se refere à publicação
das coletâneas anuais.
Voltando nossa atenção, agora, para o Prêmio Anísio Teixeira, inicialmente
tínhamos duas questões que mobilizaram a investigação:
Identificar por que e como o Prêmio Anísio Teixeira poderia se caracterizar
como uma proposta de formação continuada e;
Investigar as condições de retomada do Prêmio Anísio Teixeira em 2013,
após quatro anos de interrupção e sua realização agora pelo CREAT.
Comecemos pela última questão, que a meu ver é mais delicada. Na visão de uma
das professoras participantes do prêmio, a interrupção do prêmio de 2009 a 2012 foi
[...] lamentável, e mais lamentável ainda a não publicação dos textos, que
era um compromisso assumido que não se cumpriu. Mas compreensível
visto que a política pública assumida por Claudia Costin não era de
reconhecimento do trabalho desenvolvido na rede, nem o compromisso e
qualidade de seus professores. Na perspectiva neotecnisista assumida pela
nova gestão, os professores não possuíam autonomia nem sobre sua
prática, que dirá autonomia intelectual, isso não interessava ao modelo
116
adotado. Por isso o fim não só do Anísio Teixeira, como da Mostra de
práticas bem sucedidas105
na Educação Infantil, dos encontros regionais do
PEJA... tudo o que éramos e fazíamos foi invisibilizado e substituído pelos
“pacotes mágicos” dos “parceiros” paulistas, Airton Sena e Cia. Um
retrocesso na maior rede municipal da América Latina. Espero que
iniciativas que voltem a valorizar e compartilhar as experiências de quem
vive, conhece e faz a rede municipal do Rio de Janeiro sejam ampliadas e
assumidas como políticas públicas e parem de tentar ficar “importando” “pacotes mágicos” que ignoram que rede é essa, que sujeitos são esses, suas
histórias e suas possibilidades. (ALBUQUERQUE, 2007)106
A título de complementar a reflexão da professora, a partir da análise do processo
de concepção e realização do Prêmio Anísio Teixeira, exposta nos capítulos dois e três,
durante dois mandatos consecutivos do prefeito Cesar Maia, tendo à frente da SME a
professora Sônia Mograbi, ouso compartilhar minhas observações acerca das seguintes
questões:
A experiência de valorizar a reflexão e a escrita de uma prática em ação, na rede
municipal de ensino do Rio de Janeiro, poderia ser melhor aproveitada se a
administração seguinte desse continuidade às ações iniciadas na gestão anterior que
garantiu a permanência do Prêmio por oito anos seguidos?
Por que a Escola de Formação do Professor Carioca Paulo Freire tomou para si
as ações de formação docente que eram desenvolvidas pelo CREP sem considerar o que o
prêmio poderia significar para a SME na gestão da Secretária Claudia Costin ?
Parece que a professora, em sua denúncia e indignação ensaia, em parte, a resposta.
Porém, também seria pertinente indagarmos sobre os interesses da primeira gestão em
colocar em prática tais atividades no momento do centenário do afamado educador.
Construir/desconstruir e/ou manipular a memória também faz parte do jogo de
lembranças/esquecimentos com o qual as pessoas que se encontram no poder costumam se
ocupar.
Ainda sobre o prêmio e sua metodologia: Por que e como o Prêmio pode se
caracterizar como uma modalidade de formação continuada? Acredito que no terceiro
capítulo alguns autores nos esclarecem:
105
Ela se refere ao Projeto Experiências Bem Sucedidas na Educação Infantil, ela foi duas vezes premiada.
106 Essa professora foi uma das que obteve três premiações com o 1º Lugar. Esse depoimento foi concedido
por e- mail a partir de um questionário enviado aos participantes premiados nos anos de 2006 e 2007, pois
nas próprias coletâneas encontra-se uma ficha técnica com os respectivos e-mails. Infelizmente esse foi o
único participante que respondeu, em 7/9/2014, ao e-mail enviado em 20/07/2014.
117
[..] pode-se perguntar se o corpo docente não ganharia em liberar seus
saberes da prática cotidiana e de experiência vivida, de modo a submetê-
los a um reconhecimento por parte de outros grupos produtores do saber,
impondo-se, desse modo, enquanto produtores de um saber originado em
sua prática e sobre o qual poderiam reivindicar um controle socialmente
legítimo” ( Tardif, Lessard e Lahaye, 1991, p. 232) [..] a formação continuada consiste de ações de formação não apenas
dentro da jornada de trabalho, como também fora da jornada de trabalho,
como a ida a congressos, cursos, encontros e palestras possíveis de
cumprir por meio do estudo, da reflexão, da discussão e da confrontação
das experiências dos professores. [...] Parte das práticas de formação
continuada podem ser as ações oficiais, patrocinadas pelas Secretarias de
Educação, “visando apresentar diretrizes gerais de trabalho, oferecer
assistência técnica especializada ou programas de atualização e
aprimoramento profissional”(LIBANEO, 2003 p.60, grifos do autor).
Muitos estudiosos que pesquisam sobre a história do cotidiano complementam a
percepção dos autores acima ao afirmarem que a escola pública tem sempre uma história
documentada, geralmente pelo poder, e uma outra história, não documentada, pela qual a
escola “ganha vida” e apontam para a importância de se estudar esta outra história, ou seja,
o cotidiano escolar. Destacam, ainda, a relevância de estudar realidades concretas imersas
em histórias nacionais e regionais e acrescentam que a construção de cada escola, mesmo
imersa num movimento histórico de amplo alcance, é sempre uma versão local e particular
(EZPELETA & ROCKWEL, 1989, p.11).
Pelo que conseguimos analisar, no quadro número quatro do capitulo três,
acreditamos que, mesmo sendo apenas um depoimento, o confronto entre a prática e o
saber acadêmico pode ter permitindo aos professores uma análise no sentido de buscar
uma fundamentação teórica que justifique sua prática educacional e, aos grupos de
produtores do saber acadêmico, uma aproximação com a realidade vivida, o que muitas
vezes tem sido negligenciado nas Universidades e demais instituições que formam os
educadores. Seria importante vermos os responsáveis pelas faculdades de educação e os
formadores universitários dirigirem-se à escola dos professores profissionais para
aprender como ensinar e o que é ensino, como lembram Tardif, Lessard e Lahaye (1991,
p. 232).
Dessa experiência de pesquisa saímos com a convicção de que uma (das) forma(s)
de avançar (mos) na compreensão do processo de construção do saber docente seria
através do conhecimento do que ocorre no interior da escola. Se voltarmos nosso olhar
para a produção dos memoriais, apresentados no capítulo três, identificaremos
informações e dados retirados da prática, que acabam levando às reflexões coletivas desses
professores.
118
Esse processo de olhar para dentro, com vistas a rever sua trajetória, ou mesmo
analisar o seu próprio processo de formação e trabalho, faz emergir, muitas vezes, no
professor a consciência tanto do que ele conseguiu alcançar quanto do que ainda não
atingiu em relação aos seus objetivos. Podemos compreender as narrativas apresentadas
nos memoriais e nas monografias como gêneros de discursos privilegiados para que os
professores produzam e se compreendam produzindo saberes e conhecimentos,
escrevendo sobre temas que os inquietam e/ou interessam. Dessa forma, socializam suas
opiniões, suas concepções e os sentidos atribuídos ao trabalho que desenvolvem para que
narrem seu processo de formação pessoal e profissional.107
Assim, entendemos que a proposta metodológica do Prêmio Anísio Teixeira
contempla o que buscamos definir como formação continuada do professor. António
Nóvoa (1991) nos alerta que “é preciso fazer um esforço de troca e de partilha de
experiências de formação, realizadas pelas escolas e pelas instituições de ensino superior,
criando progressivamente uma cultura de formação continuada de professores” (p. 28).
Abordando a mesma questão, Ponte (1991) afirma que muito se fala de como “deveria ser”
a formação continuada, mas, na verdade, “não se analisam as poucas experiências
concretas que existem e não se reflete sobre os seus erros e dificuldades” (p. 132).
Essa pesquisa foi uma tentativa de abrir espaço de análise sobre uma experiência
concreta em formação continuada de professores, concebida e implementada por uma
instituição pública vinculada à Secretaria Municipal de Educação, responsável pela
preservação e guarda da memória educacional da cidade do Rio de Janeiro.
Acreditamos que as questões suscitadas nessa investigação possam ter
continuidade em outro momento, por outros pesquisadores que se interessem em “passar
de uma investigação sobre os professores para uma investigação com os professores e
pelos professores , como sugere Nóvoa (1992, p. 31).
Gostaríamos de finalizar nossa análise chamando a atenção para o cenário
privilegiado em que se deu essa proposta de formação, o CREP, sediado num lugar de
memória da cidade do Rio de Janeiro, a Escola Municipal Rivadávia Correa. Os
professores participantes do prêmio tiveram a oportunidade de entrar em contato com a
memória e ambiência escolar do século XIX, pois o Centro de Referência mantém
107
Entendemos o conceito de gênero do discurso tal como Bakhtin, modos de utilização da língua, elaborada
por tipos relativamente estáveis de enunciados, compostos por elementos, conteúdos temáticos, estilos e
construção composicional que se articulam e são marcados pela especificidade uma esfera de comunicação
(1992, p,47).
119
mobiliário, fotografias e documentos que falam da história da educação da cidade do Rio
de Janeiro. Na nossa compreensão, o CREPAT, o Prêmio Anísio Teixeira e a Escola
Rivadávia Correa estabelecem entre si uma relação estreita no processo de construção de
uma memória social compartilhada.
Percebemos nitidamente que com o adiantado progresso da sociedade da
informação é possível perceber significativas alterações nos sentidos da memória e na sua
constituição, oriundas de profundas mudanças nas práticas sociais. Na nossa percepção se
faz necessário repensarmos o papel que a memória social vem adquirindo na vida
cotidiana da cidade, da educação e dos profissionais do ensino, em particular. Percebe-se
que a descontinuidade de práticas sociais e políticas efetivas, especialmente na área
educacional, é uma das maiores predadoras de iniciativas que visam valorizar e incentivar
a formação de professores, sua história e a preservação dessa memória.
A essa altura entendemos que a interrupção do Prêmio e o ostracismo por que
passa o CREP estão a serviço de uma proposta educacional que desde 2009 não prioriza a
história, a memória da educação da cidade e muito menos a trajetória do professor da rede
pública. A denúncia feita por uma das professoras participantes do prêmio não deixa
dúvida de que precisamos abrir espaços de fala e registro, para que possam ser ouvidas as
necessidades e demandas de professores e agentes educacionais por uma escola pública de
qualidade.
Para finalizar, gostaríamos de reforçar que o objeto principal dessa pesquisa - o
Prêmio Anísio Teixeira - nos remete a outros dois espaços/suportes da memória, quais
sejam: o CREPAT e o seu produto, as Coletâneas de Monografias. Assim, identificamos
na imbricação e simultaneidade dessas três dimensões, a tipologia dos lugares de
memória, apontadas por Pierre Nora (1993) no plano simbólico – o Prêmio, que confere
dignidade e eleva a autoestima dos docentes - e, no plano material, pela criação do
próprio espaço físico, o CREP/CREPAT, bem como pela Coletânea de Monografias que
confere funcionalidade ao projeto.
Portanto, lugares de memória físicos ou simbólicos materializados por meio de
ações intencionais e estratégias que se constroem num processo histórico datado. Como
bem define o historiador francês, esses lugares são plenos de significados, evocam a
memória em períodos nos quais essa mesma memória encontra-se esquecida, por isso são
frágeis e passíveis de manipulação por sujeitos que acreditam apenas na sua versão para
os acontecimentos históricos. Em sua miopia, muitas vezes, os indivíduos são incapazes de
perceber esses lugares como algo que pode também contribuir para o estreitamento dos
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laços entre história, memória e experiência, permitindo a articulação entre passado,
presente e futuro.
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PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Decreto n 742, de 08/10/1985. Dispõe sobre a criação da Medalha Educador Anísio Teixeira, destinada a promover a
valorização do profissional de educação no Município do Rio de Janeiro.
____________. Decreto n 7020, de 13 de outubro de 1987, que instituiu o Prêmio Anísio
Teixeira “Projeto Experiências Bem Sucedidas”. Rio de Janeiro, páginas, SME, 1987.
131
____________. Decreto nº 20.141 de 29 de junho de 2001. Altera o Decreto nº
7020de13/10/1987que dispõe sobre a criação do Premio Anísio Teixeira a partir de
concurso de monografia sobre a prática docente.
____________. Resolução nº 367, de 18 de Janeiro de 1990. Dispõe sobre a criação de
Grupo de Trabalho para estudar e definir política de preservação das fontes e documentos
sobre a História da Educação no Município do Rio de Janeiro, e de proteção e guarda
desse acervo histórico, pela Secretaria Municipal de Educação. Rio de Janeiro. SME,1990.
___________. Resolução da Secretaria Municipal de Educação nº 1760, de 07 de julho de
1997 – Cria grupo de trabalho para estudar e definir política de preservação das fontes e
documentos sobre a História da Educação no Município do Rio de Janeiro, e de proteção e
guarda desse acervo histórico, pela SME. Rio de Janeiro. 1997.
__________. Resolução nº 2854/99 - Dispõe sobre a Criação do Centro de Referência da
Educação Pública da cidade do Rio de Janeiro. SME, 1999.
__________. Decreto n 19.364, de 28 de dezembro de 2000. Dispõe sobre a Codificação
Institucional da Secretaria Municipal de Educação criando o Centro de Referência da
Educação Pública da Cidade do Rio de Janeiro. SME, 2000.
__________. Centro de Referência de Educação Publica. Secretaria Municipal de
Educação. Projeto Concurso de Monografias: Prêmio Anísio Teixeira, 2000, p. 2.
__________. Centro de Referência de Educação Pública. Secretaria Municipal de
Educação. Relatório Final do Grupo de Trabalho de Implantação do Centro. Dez/1997.
__________. Centro de Referência da Educação Publica da Cidade do Rio de
Janeiro/CREP. Relatório Final do Grupo de Trabalho. Rio De Janeiro, SME, 1993, p.13.
__________. Centro de Referência da Educação Pública da cidade do Rio de
Janeiro/CREP. Proposta de criação do Centro de Referência Antônio Callado. Relatório
final 1997, p.18.
___________. Centro de Referência da Educação Pública da Cidade do Rio de Janeiro –
CREP. Relatório Final do GT de Implantação, Rio de Janeiro, SME, 1999, p. 23.
Entrevistas
ABRUNHOSA, Marisa. Entrevista à autora em 20 de Julho de 2013.
AYRES, Silas. Entrevista à autora em 15 de Março de 2014.
132
ANEXOS
133
Anexo 1
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Trabalhamos com cinco grupos norteadores de questões investigativas a saber:
Sobre a entrevistada: contextualização e envolvimento da entrevistada com o
Prêmio e o Centro de Referência;
O Prêmio Anísio Teixeira: origem, estrutura e organização;
Centro de Referência da Educação Pública do Rio de Janeiro – CREP: origem,
atribuições e sua relação com o Prêmio Anísio Teixeira ontem e hoje;
Ingerência da Secretaria Municipal de Educação no CREP e nas ações relacionadas
ao Prêmio Anísio Teixeira;
Retomada do Prêmio Anísio Teixeira no ano de 2013 após quatro após de
interrupção.
134
Cont. anexo 1
ENTREVISTA COM MARISA ABRUNHOSA
Pesquisadora: Qual é a sua função atual na secretaria?
Marisa: Sou da equipe de Acompanhamento das escolas da 1ª coordenadoria da secretaria
municipal de educação, faço toda parte de acompanhamento da gestão dessa
coordenadoria, na verdade a gente é um parceiro das direções.
Pesquisadora: E a sua função no período de realização do Prêmio Anísio Teixeira?
Marisa: Eu era coordenadora pedagógica, gerenciava toda parte de projeto do centro de
referência e desenvolvia algumas das atribuições que já vieram pronta desde a criação do
Centro de Referência, uma delas ela era criação do prêmio Anísio Teixeira, que aconteceu
a partir do ano de 2000.
Pesquisadora: Você pode falar um pouco sobre o que era o Prêmio e sua origem?
Marisa: Ele data de 1986 e ele foi criado na gestão do Saturnino Braga, na câmara
municipal. Hoje a gente tem a medalha Pedro Ernesto. Então o Prêmio era oferecido aos
destaques no campo educacional, isso no final da década de 80 e, ai atravessou a década
de 90.
Pesquisadora: Atravessou como?
Marisa – Com a criação do GT, no final dessa década de 1990 cria-se um grupo de
trabalho para desenvolver um Centro de Memória, onde se pudesse organizar a memória
da educação municipal e ai esse grupo de trabalho vai procurar coisas e trabalhos relativos
à questão da memoria, e eles encontram o prêmio Anísio Teixeira que não haviam dado
continuidade e nem havia sido extinto. Algumas pessoas ganharam medalhas, nessa época,
que eram “diplomasinho” de papel que a câmara premiava por relatos de trabalho, não era
nada escrito era premiado uma prática pedagógica.
Ai foi então, que o GT encaminhou uma proposta. Passaria a ser uma atribuição do
Centro de Referencia organizar esse prêmio anualmente. E ai começaram a pensar: como
seria realizado essa premiação? Como organizar seria possível isso?
Ai o GT decidiu que a melhor maneira seria através de concursos. Mas, concursos de quê?
Ai foi pensado: de monografia. Mesmo assim, não se perde o 1º caráter do Prêmio, que
era e exatamente o destaque de práticas bem sucedidas, mas dessa vez a gente atrelou a
questão da escrita.
Os candidatos teriam que produzir um texto monográfico, inédito, anônimo enfim, pré-
requisitos a seguir no edital a cada ano. Isso pra você se inscrever. A monografia,
normalmente, vinha com um tema grande. Esse de 2013, por exemplo, é “ Como garantir
o sucesso do seu aluno”.
135
Pesquisadora: E sobre a última versão de 2008 que ainda não foi publicada? E agora em
2013 o Prêmio esta sendo retomado, é isso?
Marisa: Exatamente. A coletânea de 2008 esta sendo organizada, mas só vai ser
publicada no final do ano quando premiarem as monografias do prêmio de 2013.
Pesquisadora: Você pode falar um pouco mais sobre como se dava a organização do
Prêmio e sua relação com o CREP?
Marisa: A partir de um tema gerador, que normalmente era sugestão do Centro de
Referência, ou seja, da minha equipe.
Pesquisadora: Marisa, você falou que o centro foi criado para recuperar a memória da
educação no município, mas o centro não tinha a palavra memória no esse nome, não é?
Marisa: Sim, o centro se chamava: Centro de Referência da Educação Publica do RJ.
Pesquisadora. Qual era o objetivo mesmo do centro?
Marisa: O centro tinha como objetivo a preservação e a construção dessa memória e, o
recorte.... (pausa e expressão concentrada)
É lembro sim... ele tinha várias possibilidades.
Pesquisadora: Que tipo de recorte você esta se referindo?
Marisa: estou me referindo ao recorte da questão da cidade. Porque a cidade RJ nem
sempre foi município, ela já foi capital do império, capital federal, ela já foi o estado da
Guanabara, então essa é uma dificuldade, como a gente agrupava as informações, então?
Ai pensamos e decidimos que seria por períodos!
Você sabia? Nós temos escolas, ainda hoje, que foi inaugurada por Pedro II, por exemplo.
As anteriores ao Brasil colônia, você não tinha muitos registros porque as classes eram nas
casas. Você era professora e ficava na sua casa e dava aula ai. O império te pagava uma
quantia por aluno. Não havia prédios próprios para educação como temos hoje. Ainda
existe um desses exemplos em Vargem Grande. Você ter uma escola que era uma casa e
que a família, onde o pai era um instrutor de 1ªs letras. A família passava com a morar na
parte de cima da casa e o professor atendia nos dois cômodos embaixo.
Pesquisadora: Então o CREP reuniu essas informações referente à educação no
município do Rio de Janeiro, por período?
Marisa: Sim esta tudo arquivado e organizado no CREP.
Pesquisadora: Marisa, ainda quero te fazer uma pergunta sobre a escolha da Temática. A
sua equipe escolhia a temática, certo? Mas o que motivava essa escolha da temática?
136
Marisa: O “tom” era dado a partir das politicas daquele ano da secretaria, estava sempre
atrelado à política, por exemplo: “ se a política desse ano era organização curricular por
conta de ciclos...” então essa poderia ser a temática para aquele ano.
A gente (ela e sua equipe) ficava atenta à aula inaugural e a fala da senhora secretária,
Sônia Mograbi, que ficou duas gestões como secretaria de educação do município: 2000 a
2004 e 2004 a 2008. A aula inaugural é que ditava o “tom”. Então ficávamos prestando
atenção e ai sugeríamos três ou quatro temas e ela definia, não erámos nós que ai batíamos
o martelo em relação à definição do tema, mas erámos nós que apresentávamos as opções
baseado no que ouvimos na aula inaugural..
Pesquisadora. Nesse 1ª período, da gestão da Sônia Mograbi, eu estava na MULTRIO
trabalhando na diretoria de publicação. Você acha que eu consiga entrevista-la?
Marisa: Acho que com você ela conversa, conosco ela não quis. Eu tenho amigas em
comum e que sabem onde ela esta hoje. Acho que podemos tentar localizá-la para você
conseguir essa entrevista. Acho que ela hoje esta na procuradoria. O email dela acho que
é: [email protected] ou [email protected]. Mas também
podemos localizar pelo facebook.
Pesquisadora: Marisa, voltando ao Prêmio. Como era constituído o Prêmio efetivamente?
Como era a estrutura? Eu sei que ele tinha aulas...
Marisa: A 1ª providência era montar o calendário, depois do tema o passo seguinte era
escolher a data da premiação em novembro e dai vinha contando pra trás. Porquê, essa
data tinha que estar na agenda da secretaria, era uma condição de sobrevivência do
Prêmio. Porque se qualquer pessoa entrega perde o glamour, então assim saia o edital em
fevereiro com a temática e as datas a serem seguidas.
Pesquisadora: Você acha que eu consigo esses editais?
Marisa: Sim, lá tem todos os editais arquivados. Então, em abril e maio
instrumentalizávamos os professores. Essa instrumentalização foi uma demanda dos
participantes do Prêmio.
Pesquisadora: O que era essa instrumentalização?
Marisa: era como aprender a elaborar uma monografia. Então agente criou a oficina
professor autor, que eram cinco encontros com professores doutores que
instrumentalizavam esses participantes do Prêmio a escrever suas monografias.
Pesquisadora: E de onde eram esses professores doutores?
Marisa: UFRJ, UERJ e UFF.
Pesquisadora: Você pode falar um pouco dessas oficinas e dos trabalhos produzidos?
Marisa: As oficinas aconteciam em abril e maio. E, durante o mês de julho nós tínhamos
o recesso e, agente entendia que logo depois do recesso as monografias estavam
137
preparadas. Assim, colocávamos no calendário duas semanas para receber os trabalhos,
via sedex: final de julho início de agosto.
Se você olhar aqui no edital de 2013 (que ela trouxe uma cópia para a pesquisadora) tem
uns anexos que são fichas para serem preenchidas. A ficha onde mostra sua identidade que
vinha dentro de envelope lacrado e esse envelope só vai ser olhado quando terminar o
processo de seleção dos trabalhos. Como era postado por Sedex esperávamos até uma
semana depois da data limite, porque poderia estar chegando ainda Sedex com mais
trabalhos. Depois disso começávamos convocar as comissões.
A 1ª comissão que era uma triagem para verificar se os trabalhos estavam dentro das
normas gerais em acordo com o edital. Muitos ficavam nessa peneira. A 2º comissão era
Temática. Essa comissão era composta por uma trinca, pessoas da coordenadoria e da
secretaria dos diversos campos temáticos, eles analisavam a pertinência da temática nos
trabalhos. Nessa comissão, cada elemento, lia atentamente e, analisavam se os trabalhos
estavam adequados ao tema gerador e o campo que ele (autor da monografia) escolheu.
Eram cinco campos temáticos: Tecnologia da Educação; Educação Infantil; Gestão;
Formação do professor e as Linguagens Artísticas. Nos editais podemos conhecer as
atribuições de cada comissão. E daí encaminhavam para a última comissão, que eram
compostas por três professores doutores das universidades. A 3ª comissão destinava-se a
definição dos trabalhos premiados.
Pesquisadora: Eram as cinco melhores?
Marisa: Não, era por campo temático o vencedor. Eram escolhidos por campo temático
um vencedor e, esse vencedor recebia automaticamente em dinheiro e em publicação e o
2ª lugar também poderia ser indicado à publicação até o 5º lugar.
Por exemplo, Formação do Professor primeiro lugar.... ele ganhou dinheiro e a publicação
do trabalho e mais, por exemplo, ele poderia ter até quatro trabalhos publicados, mas às
vezes não, porque a comissão entendia que apenas dois serviam para a publicação o
restante não.
Pesquisadora: Normalmente as coletâneas tinham mais de cinco artigos publicados por
ano, não?
Marisa: tem uma que esta bem magrinha, a safra foi fraca.
Pesquisadora: Marisa, Além dessas oficinas existia alguma outra ação paralela ou
concomitante, no CREP, que pudesse ser entendida como um preparo, como uma ação de
formação? Esse Prêmio poderia ser entendido como uma ação de formação continuada na
sua perspectiva, entendendo formação continuada numa dimensão/ aspecto mais amplo?
(Antes de responder fica pensativa.).
Marisa: eu acredito que sim, pois ao final de cada ano o primeiro lugar sempre era
convidado pra fazer um debate e apresentar o trabalho premiado no dia do lançamento da
138
coletânea e agente convidava os coordenadores pedagógicos das escolas e as
coordenadorias e as pessoas iam.
Pesquisadora: então não era só para quem produzia?
Marisa: Não, não era só para os participantes do prêmio, mas várias pessoas participavam
desse evento no dia da apresentação das coletâneas. E isso desdobrou, por quê? Porque
nós tivemos vários premiados, que posteriormente foram convidados, ai é o
desdobramento... efeito dominó, vários premiados foram vários convidados para participar
de encontros de capacitação e de formação de professor em várias CREs ou em uma dada
escola, para apresentar e falar do seu trabalho. Isso acontecia sempre.
Pesquisadora: Isso era organizado pelo CREP também?
Marisa: O CREP diretamente não organizava os encontros locais com os premiados e os
professores das coordenadorias regionais, mas tínhamos ciência de que isso acontecia cm
frequência.
Pesquisadora: Existia orientação das monografias após o termino das oficinas, no período
destinado a produção dos trabalhos monográficos?
Marisa: Não, apesar deles (os professores) se colocarem disponíveis. Tínhamos
informações que muitos alunos continuavam trocando com os professores das oficinas e
muitos fizeram até mestrado, doutorado..... foram embora.
Pesquisadora: E sobre o público alvo?
Marisa: Eram todos professores da secretaria municipal do RJ, não só os regentes, os
professores que não estavam em função gratificada poderiam participar, exemplo os
elementos de equipe tanto das coordenadorias quantos os professores das escolas. Em
relação às escolas as únicas funções gratificadas que poderiam participar eram os diretores
de escolas
Pesquisadora: ainda Sobre o CREP. Você participou do GT que deu origem ao Prêmio?
Marisa: Não, do GT de fundação não participei, mas você poderia entrevistar algumas
pessoas como:
O Silas Ayres de Mattos; ele ficou a frente da equipe de pesquisa e acervo, ele esta
aposentado hoje. ([email protected]) 9527-3872
A Deise Furtado, mas ela não participou do GT de fundação também, mas participou
desde o início comigo. Tem também a Regina Brasil, ela trabalha hoje na UERJ, a gente a
encontra no facebook. Eu fiz parte da equipe de inauguração do CREP, fui da primeira
equipe, trabalhar lá na implantação do CREP chegamos lá em julho e em outubro
inauguramos o CREP
Pesquisadora: Então o Centro de Referência foi uma iniciativa dessa secretaria?
139
Marisa: O GT, que deu origem ao CREP, foi criado na época do Luís Paulo Conde.... esse
GT concluiu seu trabalho na gestão do Cesar Maia, mas teve início na gestão da Carmen
Moura , secretaria de educação anterior a professora Sonia Mograbi, mas quem inaugurou
foi a Sonia.
Existia um trabalho, na secretaria municipal, no final da década de 1980, que era um setor
dentro do departamento de cultura que era um centro de memória. Isso já era uma tentativa
de organizar essa memoria das escolas. Cada escola saber contar a sua história: saber
quem é seu patrono; se o prédio nasceu próprio; se foi adaptado; quem foi o gestor, quem
inaugurou; seu estilo? Isso foi um trabalho realizado com esse Centro de Memória e o
professor Silas Ayres foi diretor geral deste centro. Ele era o direto geral da Ação
Comunitária, que era o antigo DGAC e, no DGAC tinha o departamento de cultura e,
dentro do departamento de cultura tinha essa equipe do centro de memória. As duas
pessoas que estavam à frente desse projeto são professores da UERJ hoje.
Pesquisadora: No CREP existiam outras ações de formações do professor normalmente
como rotina?
Marisa: Na verdade a gente não declarava dessa forma, porque tinha um departamento
geral de educação. Essa era uma questão interessante...... (pensativa) que é..... (pausa) as
práticas de formação...... mas..... (pausa)
Pesquisadora: sem nomear, não precisa nomear... que ações aconteciam nessa direção?
Marisa: É aconteciam (pausa) ......as oficinas... (pausa) a gente sempre possibilitava as
oficinas e ai começamos a criar.... por exemplo, dentro da agenda anual da educação a
comemoração dos centenários. O primeiro logo, a gente foi bem feliz, foram quatro
caminhos: Sergio Buarque de Holanda, Carlos Drummond de Andrade, Lucio Costa e
Juscelino Kubichek. Todo ano nós tínhamos a oficina de produção artística.
Pesquisadora: Algumas eram frequentes?
Marisa: Sim, tínhamos oficinas como a de Produção Artísticas, a de confeccionar
maquetes, os professores iam pra lá trabalhavam como dinamizadores e voltavam para a
escola para trabalhar com seus alunos.
Pesquisadora: Então, além das oficinas que seguiam a agenda anual de educação também
aconteciam outras oficinas que se mantinham na grade do centro, que eram permanentes?
Marisa: sim, até oficinas por solicitação dos professores e encontros também. Tínhamos:
saraus, nós tínhamos teatros.
Pesquisadora: Além da coletânea de monografias, editais. O que você me sugere como
documento que regista o prêmio, que conta a história do prêmio? Enquanto documento?
Existem fotos?
140
Marisa: Existem fotos sim. Anualmente lá no Centro de Referência temos registros
fotográficos, sim. O centro foi rebatizado. Hoje o Centro de Referência leva o nome do
Prêmio Anísio Teixeira – CREPAT.
Pesquisadora: E a Escola do Professor Carioca Paulo Freire? Como fica o organograma
agora?
Marisa: Essa Escola do professor Carioca Paulo Freire tem vários departamentos: Ensino
a distância e entre os vários departamentos tem o CREPAT
Pesquisadora: Existia ingerência da secretaria municipal de educação em relação ao
Prêmio, monitorando, avaliando as práticas, ou isso ficava a cargo da equipe do CREP?
Marisa: Nós erámos espiados de perto. Na verdade, o Centro era um braço do gabinete,
ele era gabinete da secretaria em outro lugar. E, acredito que hoje a Escola do Professor
Carioca deve ser também, não sei ao certo, porque estou afastada. Trouxe aqui pra você o
edital de 2013 que retoma o prêmio e, se você for verificar vai ver que é igual só muda a
gestora que agora é a Claudia Costin.
Pesquisadora: As parcerias com os professores doutores eram de universidades?
Marisa: Sim da UERJ, UFRJ, UFF e UNIRIO também. Da UNIRIO era o professor Sul
Brasil que subsidiava toda a questão da memória e arquitetura escolar, porque a partir da
arquitetura escolar você poderia conta toda a história da escola e dava certo. Outras pelo
nome da escola, do patrono da escola você consegue conhecer a história dessa escola. Tem
escola que conhece a sua história, você vai lá e eles te contam, mas outras não têm noção
da origem ou da história daquela escola.
Por exemplo: Escola Denise Maria Torres, lá dentro da Boiuna: quem era? Uma menina
que morreu atropelada por um caminhão. Ai você pensa, o que isso tem a ver? Era uma
escola que estava sendo construída dentro de uma comunidade e que não tinha acesso a
terra, depois e que eles (a comunidade) vão ter a posse......, ai você desdobrar... começa a
ampliar os dados que te levam a mais dados.... eles migraram , ai foi feito um
levantamento de onde eles vieram. Ela (Denise, a menina que morreu) estava na
expectativa de estudar nessa escola e foi atropelada por um caminha da obra da escola.
Assim você vai construindo o passo a passo da escola. E outras escolas nem professores e
alunos tem noção da história da sua escola. Nessa perspectiva como entender a identidade
dessa escola? Tudo isso nós estudamos no Centro de Referência nessa época.
Pesquisadora: Existia então a preocupação de levantar essas informações no CREP?
Marisa: sim existia. Em relação ao prêmio existe no Centro todas as monografias inscritas
catalogadas no sistema. Premiadas, não premiadas e as eliminadas e, porque foram
eliminadas tem até os laudos.
141
Pesquisadora: Para finalizar gostaria de te perguntar sobre os alunos premiados e não
premiados, pois precisarei entrevistar dois premiados e dois não premiados. Esse cadastro
também encontro no Centro?
Marisa: Aqui do lado você tem, na Barbara Ottoni, uma professora que foi premiada,
você acha o nome nas coletâneas, também tem o Luís Verissimo que é da 5ª coordenadoria
eles serão boas fontes pra você.
Pesquisadora: E sobre a retomada do Prêmio. O que você poderia ou saberia me dizer? O
que fez após esse intervalo de cinco anos o Prêmio ser reeditado?
142
Anexo 02
LISTAGEM DE DOCUMENTOS LOCALIZADOS NO CREP- 1997 a 2003
Resolução que Institui o GT p/ estudar a criação do CREP – Resolução nº 1760
7/7/1997.
12 Relatório do GT de 1997 a 2002
1ª Reunião do Grupo de Trabalho do Centro de Referência da Educação: 23/05/97.
2ª Reunião do Grupo de Trabalho do Centro de Referência da Educação: 02/06/97
2 Apostilas – Sumário da Criação do GT
Mini Projeto de Lei – Autoriza o Poder executivo a Instituir o CR
3 Ofícios – 15/2002, 21/2002 e 01/2003
Diário Oficial Rio 29/12/2000 – Resolução nº 1490 – Prorroga Prazo de Implantação
CREP
ZIP DISK – Apresenta Projeto
Ofício 15 autorizando a direção do CREP a receber as chaves do centro - 01/07/2002
Ofício 21 menciona a mudança do Centro de Referência para a Escola Rivadávia Correa
localizada na Avenida Presidente Vargas, 1.314 em 16/07/2002; sugerindo contratação de
serviço de segurança.
Ofício 01 de Janeiro de 2003 – solicitação de contratação de prestação de serviço para o
elaboração do site
Ano de 2000 – participação em eventos, seminários e cursos
Instituto de Estudos Brasileiros da USP Junho de 2000
52ª Reunião Anual da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência- Campus
a Universidade de Brasília – 9 a 14 de julho 2000 – tema “ O Brasil na Sociedade do
conhecimento: Desafios para o século XXI . Justifica-se a participação considerando-se às
diferentes atividades do evento, o intercâmbio efetivo entre professores, pesquisadores e o
GT – Centro de Referência cuja a proposta de trabalho é a construção de uma rede de
informação desta Pasta com Órgãos ligados a este referencial.
7º Congresso Internacional de Educação a Distância” e na Semana Internacional de
Ensino a Distância promovido anualmente pela Associação Brasileira de Educação a
Distância, no período de 15 a 18 de 2000 São Paulo Capital
143
Congresso Internacional dos Expoentes na Educação – 21 a 23 de setembro de 2000 –
Curitiba –PR . Tema Habilidades, Competências e Tecnologias na Educação.
24ª Reunião Anual da ANPEd –Caxambú –MG de 07 a 11 de outubro de 2001. Justifica-
se a participação dos membros da equipe do CR considerando-se às diferentes atividades
do evento, no sentido de consolidar intercâmbio efetivo entre professores, pesquisadores e
o CR cuja proposta de trabalho é a construção de uma rede de informação desta Pasta com
outros órgãos ligados a este referencial.
Visita ao Centro de Referência do Professor MG ligado à Secretaria Estadual de
Educação. Em 27 e 28 de setembro de 2001
Fórum Mundial de Educação – Porto Alegre -RS de 24 a 27 de outubro de 2001
Justificativa – idem acima
BNAI BRITH – 80 ANOS NO BRASIL HOLOCAUSTRO
144
Anexo III
PREFEITURA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE REFERÊNCIA
DA EDUCAÇÃO PÚBLICA DA CIDADE DO RIO DE
JANEIRO.
OFICINA: A CONSTRUÇÃO DA PROFESSORA AUTORA
PROFESSORAS RESPONSÁVEIS:
Profª Drª Carmen Lúcia Vidal Pérez
Profª Drª Maria Tereza Goudard Tavares
I – EMENTA:
A pesquisa como um ato de conhecimento: de uma visão sincrética a uma visão analítica e
sintética. A construção do olhar investigativo. A diferença entre fazer pesquisa e estar em
pesquisa: a possibilidade de recuperação da unidade prática-teórica-prática no cotidiano
escolar. A construção de um projeto monográfico: exercício de escrita. Do tema ao
problema de pesquisa. Por que pesquisar/por que socializar a pesquisa. A monografia
como princípio educativo.
II- Conteúdos Programáticos
1º Encontro
A pesquisa como um ato de conhecimento: de uma visão sincrética a uma visão analítica e
sintética. A construção do olhar investigativo. Exercício de escrita.
Recursos: Televisão/Vídeo e Retropojetor
2º Encontro
A diferença entre fazer pesquisa e estar em pesquisa: a possibilidade de recuperação da
unidade prática-teoria-prática no cotidiano escolar. Exercício de escrita.
Recurso – Texto Pesquisa na Escola. O que é e como faz? Marcos Bagno
3º Encontro
145
A construção de um projeto monográfico: exercício de escrita. Características do texto
monográfico (pré-textual, textual e pós-textual). Análise de monografias premiadas no
Concurso Anísio Teixeira. Exercício de Escrita.
Recurso: Retropojetor; Monografias para consultas e análise.
4º Encontro
A construção de um projeto monográfico. Por que pesquisar/por que socializar a pesquisa
A monografia como princípio educativo – metodologia e fundamentação teórica.
Atividade Final: Elaboração de um pré-projeto de monografia
Bibliografia Básica:
GOLDENBERG, M. A arte de pesquisar. São Paulo: Record 1997
MINAYO, C. (ORG.) Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes,
1986.
Rio de Janeiro, Fevereiro de 2006
146