Upload
tranminh
View
225
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
CENTRO UNIVERSITRIO DE ANPOLIS UNIEVANGLICA
PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA
MESTRADO MULTIDISCIPLINAR EM SOCIEDADE TECNOLOGIA E MEIO
AMBIENTE
MARISA MOREIRA BARROS
Lugar e Percepo Ambiental: Estudo da Vivncia da Comunidade das Escolas Municipais
Ayrton Senna da Silva e Moacyr Romeu Costa, Anpolis/GO (2013)
Anpolis
2013
1
MARISA MOREIRA BARROS
Lugar e Percepo Ambiental: Estudo da Vivncia da Comunidade das Escolas Municipais
Ayrton Senna da Silva e Moacyr Romeu Costa, Anpolis/GO (2013)
Anpolis
2013
Dissertao apresentada ao programa de mestrado em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente, como requisito obteno do ttulo de mestre. rea de concentrao: Sociedade, Polticas Pblicas e Meio Ambiente. Orientadora: Profa. Dra. Giovana Galvo Tavares
2
MARISA MOREIRA BARROS
Lugar e Percepo Ambiental: Estudo da Vivncia da Comunidade das Escolas Municipais
Ayrton Senna da Silva e Moacyr Romeu Costa, Anpolis/GO (2013)
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sociedade, Tecnologia e Meio
Ambiente da UniEVANGLICA - Centro Universitrio de Anpolis, como requisito parcial
para obteno do ttulo de Mestre em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente pela Comisso
Julgadora composta pelos membros:
COMISSO JULGADORA
____________________________________________________________________
Dra. Giovana Galvo Tavares (UniEvanglica Orientadora)
_____________________________________________________________________
Dra. Josana de Castro Peixoto (UniEvanglica)
______________________________________________________________________
Dra. Mirley Luciene dos Santos (UEG)
Dra. Maria Gonalves da Silva Barbalho (Suplente)
3
AGRADECIMENTOS
A Deus, Pai Supremo, que me deu foras, persistncia condies para alcanar meu objetivo,
sem Ele no poderia estar fazendo estes agradecimentos,
minhas filhas, Raquel e Sara e ao meu neto Arthur, pelo tempo roubado,
minha filha Raquel, pelos auxlios, trocas de ideias e estmulos positivos,
Aos meus pais, por tudo, desde sempre,
minha irm Ellen Moreira Gomides e minha aluna Mase Picolotto pela ajuda nas escolas
com os alunos da pesquisa,
As professoras Dra. Josana de Castro Peixoto e Dra. Mirley Luciene dos Santos pelas
valiosas sugestes feitas no Exame de Qualificao,
Aos funcionrios da ps-graduao pela disponibilidade e ateno,
Aos meus colegas do mestrado que me apoiaram e me acompanharam nos momentos de
dificuldade e de aprendizado,
Ao Programa de Ps-Graduao em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente e todo o seu
corpo docente que me deram o embasamento necessrio para que eu desenvolvesse a pesquisa
e conseguisse a religao de saberes,
Ao meu chefe e amigo Wagner pelo apoio e compreenso de minhas ausncias,
Ao meu querido Yi-Fu- Tuan pela companhia nestes dois anos,
Agradeo s escolas Municipais Ayrton Senna e Moacir Romeu Costa, em nome das
diretoras, professores, funcionrios, que abriram as portas e me ajudaram no que foi preciso.
Em especial aos alunos, que enriqueceram o meu trabalho com suas experincias brincantes e
com seus desenhos,
E finalmente, quero agradecer imensamente, a minha orientadora Profa. Dra. Giovana Galvo
Tavares pela humildade, dedicao, amizade e pela sensibilidade com que se envolveu com a
minha pesquisa, por acreditar no meu potencial, tenho-a no meu corao e sempre a levarei
comigo como fonte de inspirao e exemplo,
Obrigada, professora Giovanna, por tudo, voc que tima!!!
A todos aqueles que direta ou indiretamente contriburam para a concretizao desta
dissertao,
Meu Muito Obrigada!
4
Lugar e Percepo Ambiental: Estudo da Vivncia da Comunidade das Escolas Municipais
Ayrton Senna da Silva e Moacyr Romeu Costa, Anpolis/GO (2013)
RESUMO
A percepo ambiental um processo complexo que inclui a relao do ser humano com
diversos fatores como lugar habitado, sua histria de vida, os laos topoflicos nela
construda e aspectos do imaginrio O presente trabalho tem como objetivo analisar as
influncias do lugar na percepo ambiental dos alunos do 5 ano de duas escolas municipais
da cidade de Anpolis, do Estado de Gois, e correlacionar com os dois contextos
comunitrios. As escolas municipais objetos do estudo foram Escola Municipal Ayrton
Senna da Silva, localizada no bairro Conjunto Habitacional Filostro Machado Carneiro e a
Escola Municipal Moacir Romeu Costa, do bairro Novo Paraso. O instrumento de anlise
foram desenhos confeccionados pelos alunos. Os elementos dos desenhos foram tabulados
em categorias positivas/negativas, humanas/naturais e analisados na forma de pesquisa
qualitativa, interpretativa, com uma abordagem humanstica da geografia, tendo a
fenomenologia como filosofia subjacente. Optou-se, tambm pelo mtodo de anlise da
percepo ambiental baseando-se fundamentalmente na juno de duas abordagens:
observao e escuta. As falas dos alunos foram em dois momentos: durante a atividade e,
depois, na roda de conversa. O resultado da comparao dos desenhos das duas escolas,
apontou que a estrutura fsica e social do lugar influencia na percepo ambiental, quanto
mais estruturado mais percebido, tanto na forma positiva quanto na negativa. As imagens,
representaes simblicas, evidenciaram as relaes experienciadas dia a dia por eles. A
pesquisa sobre percepo ambiental pode funcionar como um diagnstico da relao de uma
comunidade com o meio, avaliando o nvel de valorao desta para com o lugar em que
vive, dado ao aspecto fsico e estrutura social. Nesse contexto, o estudo da percepo
ambiental de fundamental importncia. Por meio dele possvel conhecer cada um dos
grupos envolvidos, facilitando a realizao de um trabalho com bases locais, partindo da
realidade do pblico alvo, para conhecer como os indivduos percebem o ambiente em que
convivem, suas fontes de satisfao e insatisfao.
Palavras-chave: Percepo Ambiental. Topofilia. Experincia. Lugar.
5
Place and Environmental Perception: Study of Experience of Community Municipal
Schools Ayrton Senna of Silva and Moacyr Romeu Costa, Anapolis /GO (2013)
ABSTRACT
Environmental perception is a complex process that includes the relationship of humans with
various factors such as inhabited place, your life story, the topophilicos ties built it and
imaginary aspects of the present work is to analyze the influences of place in environmental
perception of 5th grade students from two public schools in the city of Anapolis, State of
Goias, and correlate with the two community contexts. The objects of study are municipal
schools Ayrton Senna da Silva, located in the neighborhood Housing Complex Filostro
Machado Carneiro and Municipal School Moacir Romeu Costa, the New Paradise
neighborhood located in the city of Anapolis-GO. The analysis instrument drawings were
made by the students. The elements of the drawings are tabulated as positive/negative, human
/natural and analyzed as qualitative, interpretive research with a humanistic approach to
geography, with the underlying philosophy as phenomenology, categories was chosen also by
the method of analysis of perception environmental relying primarily on the junction of two
approaches: observation and listening . Speeches of the students were also analyzed in two
stages: during the activity, and then the conversation wheel. The results of the comparison of
the drawings of the two schools, pointed out that the physical and social structure of the place
influences longer perceived, the more structured environment perception, both in positive and
in negative. The images, symbolic representations, highlight the day to day relationships
experienced by them. The research on environmental perception can function as a diagnosis
of a community relationship with the environment, assessing the level of valuation for this
with the place you live in, given the physical appearance and social structure. In this context,
the study of environmental perception is of fundamental importance. Through it is possible to
know each of the groups involved, facilitating the completion of a job with a local basis,
starting from the reality of the audience, to know how individuals perceive the environment in
which they live, their sources of satisfaction and dissatisfaction.
Keywords: Environmental perception. Topophilia. Experience. Place.
6
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Mapa da localizao dos bairros Novo Paraso e Conjunto Habitacional Filostro
Machado Carneiro na cidade de Anpolis-GO.....................................................................19
Figura 2- Mapa da localizao das Escolas Municipais Moacyr Romeu Costa e Ayrton Senna
Silva dos bairros Novo Paraso e Conjunto Habitacional Filostro Machado Carneiro na cidade
de Anpolis-GO....................................................................................................................20
Figura 3- Registro fotogrfico de locais e acontecimentos na histria de Anpolis-GO......56
Figura 4- Mapa do Conjunto Filostro Machado Carneiro na Cidade de Anpolis-GO........59
Figura 5- Registro fotogrfico de estabelecimentos comerciais e de lazer do Conjunto
Habitacional Filostro Machado............................................................................................61
Figura 6- Fotos do Centro de Educao Unificada do Conjunto Habitacional Filostro
Machado Carneiro................................................................................................................63
Figura 7- Mapa do Bairro Novo Paraso na cidade de Anpolis-GO...................................70
Figura 8- Registros fotogrficos de locais do Bairro Novo Paraso......................................71
Figura 9- Fotos da Escola Municipal Moacyr Romeu da Costa...........................................76
Figura 10- Desenhos dos alunos do 5 ano da Escola Ayrton Senna da Silva que retratam a
violncia e o uso de drogas..................................................................................................94
Figura 11- Desenhos com percepo negativa dos alunos do 5 ano da Escola Moacyr Romeu
Costa............................................................................................................................. ......97
Figura 12- Imagens que retratam o Centro de Educao Unificada e Escola Ayrton Senna da
Silva......................................................................................................................................100
Figura 13- Imagens que retratam a Escola Moacyr Romeu Costa.......................................101
Figura14 - Imagens do posto de sade do Conjunto Habitacional Filostro Machado
Carneiro.............................................................................................................................102
Figura 15- Imagens que representam o supermercado Vila Rica do Conjunto Habitacional
Filostro Machado Carneiro.................................................................................................104
Figura 16- Imagens que representam estabelecimentos comerciais do Conjunto Habitacional
Filostro Machado Carneiro................................................................................................105
Figura 17- Imagens de estabelecimentos comerciais do Conjunto Habitacional Filostro
Machado Carneiro...............................................................................................................106
Figura 18- Imagens que mostram estabelecimentos comerciais do Bairro Novo Paraso...107
7
Figura 19- Imagens de casas do Conjunto Habitacional Filostro Machado Carneiro............109
Figura 20- Imagem de casas do bairro Novo Paraso..........................................................111
Figura 21- Ilustrao de lugares de lazer do Conjunto Habitacional Filostro Machado
Carneiro...............................................................................................................................113
Figura 22- Ilustraes da sorveteria (lugar de lazer) do bairro Novo Paraso.....................114
Figura 23- Ilustraes da quadra de esportes do bairro Novo Paraso...............................116
Figura 24- Ilustraes e igrejas do Conjunto Habitacional Filostro Machado Carneiro......118
Figura 25- Desenhos com representao de igreja do bairro Novo Paraso.........................119
Figura 26 Desenhos com representao positiva e negativa do lugar..............................120
Figura 27 Desenho de um aluno que no percebe o lugar................................................122
Figura 28 - Desenho de um aluno que no percebe o lugar.................................................123
8
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Descrio das dependncias fsicas da Escola Municipal Ayrton Senna da Silva,
Anpolis, 2013.................................................................................................................... 64
Tabela 2 - Descrio das salas do Ensino Fundamental do 1 ao 5 ano da Escola Municipal
Ayrton Senna da Silva, Anpolis, 2013...............................................................................67
Tabela 3 - Descrio das salas do Colgio Moacyr Romeu da Costa, Anpolis, 2013..........78
Tabela 4 - Nmero de elementos naturais representados nos desenhos por bairro...............83
Tabela 5 - Tabela de distribuio de elementos do firmamento/naturais por sexo e por bairro
presentes nos desenhos dos alunos da educao, Anpolis, 2013........................................84
Tabela 6 - Tabela de animais presentes nos desenhos dos alunos da educao por sexo e por
bairro, Anpolis, 2013.........................................................................................................85
Tabela 7 - Tabela de elementos da terra presentes nos desenhos dos alunos da educao por
sexo e por bairro, Anpolis, 2013........................................................................................86
Tabela 8 - Nmero de elementos humanizados representados nos desenhos por bairro........87
Tabela 9 - Tabela de estabelecimentos comerciais e lugares presentes nos desenhos dos alunos
da educao por sexo e por bairro, Anpolis, 2013............................................................88
Tabela 10 - Tabela de elementos estruturais presentes nos desenhos dos alunos da educao
por sexo e por bairro, Anpolis, 2013.................................................................................90
Tabela 11 - Tabela de meios de transporte presentes nos desenhos dos alunos da educao por
sexo e por bairro, Anpolis, 2013.......................................................................................91
9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CEU Centro de Educao Unificada .................................................................................. 12
CHFMC Conjunto Habitacional Filostro Machado Carneiro ............................................. 12
ESF Estratgia de Sade da Famlia .................................................................................. 20
SIAB Sistema de Informao da Ateno Bsica ............................................................... 20
CEP Comit de tica em Pesquisa..................................................................................... 20
TA Termo de Assentimento .............................................................................................. 21
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ......................................................... 21
UGI Unio Geogrfica Internacional ................................................................................. 35
UNESCO Organizao das Naes Unidas para Educao, a Cincia e a Cultura .............. 35
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica .......................................................... 54
AEIS reas de Interesse Social ......................................................................................... 60
ZEIS Zonas de Interesse Social ......................................................................................... 60
PCN Parmetros Curriculares Nacionais ........................................................................... 64
APA rea de Preservao Ambiental ................................................................................ 66
APM rea de Preservao de Manancial ........................................................................... 66
PPP Projeto Poltico Pedaggico ....................................................................................... 71
PDE Plano de Desenvolvimento de Educao ................................................................... 71
CME Conselho Municipal de Educao ............................................................................ 72
10
SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................................... 12
Objetivo Geral .................................................................................................................. 16
Objetivos Especficos ....................................................................................................... 16
Procedimentos metodolgicos .......................................................................................... 16
CAPTULO 1: PERCEPO AMBIENTAL E CONCEITOS RELACIONADOS .............. 27
1. PERCEPO AMBIENTAL ........................................................................................... 27
1.1 As mudanas na relao ser humano-ambiente............................................................ 27
1.2 Percepo Ambiental e seus conceitos ........................................................................ 33
1.3 Geografia Humanstica ............................................................................................... 40
CAPTULO 2: LUGAR E LAOS TOPOFLICOS: ENTENDENDO OS BAIRROS DA
PESQUISA .......................................................................................................................... 45
1. TOPOFILIA E LUGAR ................................................................................................... 45
2. CIDADES .................................................................................................................... 51
2.1. Origem da Cidade de Anpolis-GO ........................................................................ 53
2.2 Origem do Conjunto Habitacional Filostro Machado Carneiro ................................ 58
2.2.1 Escola Municipal Ayrton Senna ........................................................................... 64
2.3 Origem do Bairro Novo Paraso .............................................................................. 68
2.3.1 Escola Moacyr Romeu Costa ............................................................................... 73
CAPTULO 3: PERCEPO AMBIENTAL:VIVNCIAS E VALORES.............................80
3. ANLISE DOS DESENHOS .......................................................................................... 80
3.1. Desenhos com percepo natural/humanizada ............................................................ 83
3.2 Desenhos dos alunos com percepo negativa do lugar ............................................... 92
3.3 Desenhos dos alunos com percepo positiva do lugar ................................................ 98
3.3.1 Educao .............................................................................................................. 98
3.3.2 Sade ................................................................................................................. 102
3.3.3 Trabalho/Alimentao ........................................................................................ 103
11
3.3.4 Moradia.............................................................................................................. 107
3.3.5 Lazer .................................................................................................................. 111
3.3.6 Liberdade de Religio ........................................................................................ 117
3.4 Desenhos com percepo negativa e positiva ......................................................... 119
3.5 Desenhos de alunos com percepo ambiental idealizada ...................................... 122
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 125
12
INTRODUO
Uma observao mais atenta de minhas experincias pessoais e profissionais fez com
que eu optasse por falar da percepo ambiental. Por constatar que nesses 17 (dezessete)
anos, atuando na rea da educao em instituies pblicas do estado de Gois, nunca ter
ouvido, outrora, falar deste tema. Conhecia apenas a expresso Semana do Meio
Ambiente, sem nenhuma relao desta percepo com o espao vivido, dentro e fora da
escola, por professores e membros da comunidade.
Percepo ambiental, conforme destacado por Del Rio e Oliveira (1999), consiste no
processo mental de interao do indivduo com o ambiente, em que atuam simultaneamente
mecanismos perceptivos propriamente ditos (os cinco sentidos) e mecanismos cognitivos
(compreendidos por valores, conhecimentos prvios, humores, motivaes, etc.). Isso
implica dizer que o significado e a importncia atribudos s coisas percebidas variam de
pessoa para pessoa, segundo a sua experincia no espao do cotidiano, ou seja,
relacionando-se de forma intrnseca vivncia de um dado lugar.
Foi preciso, sem dvida, pesquisarmos qual a relao entre o lugar com a percepo
ambiental. Tuan (1983) define lugar como
uma unidade entre outras unidades ligadas pela rede de circulao; (...) o lugar, no
entanto, tem mais substncia do que nos sugere a palavra localizao: ele uma
entidade nica, um conjunto 'especial', que tem histria e significado. O lugar
encarna as experincias e aspiraes das pessoas. O lugar no s um fato a ser
explicado na ampla estrutura do espao, ele a realidade a ser esclarecida e
compreendida sob a perspectiva das pessoas que lhe do significado. (TUAN, 1983,
p. 387).
Percebi o quanto somos influenciados pelo lugar em que vivemos, pelas falas que
ouvimos, pelas leituras que fazemos, pelas mensagens que enviamos ou no, muitas vezes,
silenciadas pelo conforto do no questionamento de nossas prticas ao longo de nossa vida
pessoal e profissional. Comecei, portanto, a inquietar-me e questionar-me sobre os vrios
anos de profisso como professora de Lngua Portuguesa, sem nunca ter trabalhado o tema
transversal (Meio Ambiente), assim como nenhum de meus pares, seja de forma disciplinar
ou interdisciplinar.
Dois fatores essenciais colaboraram para despertar meu interesse em relao ao tema:
13
O estudo sobre currculo e formao de professores, como aluna especial no curso de
mestrado na rea da Educao da Pontifcia Universidade Catlica de Goinia, em que
aprendi, por meio das leituras exigidas pelas disciplinas: Currculo e formao de
professores e Metodologia do Ensino Superior que o caminho, significado de currculo,
que os alunos tm que percorrer durante os 11(onze) anos, lentamente, com sacrifcio,
estresse, indisciplina e desinteresse so totalmente subordinados aos interesses de
reproduo e legitimao das classes dominantes, sendo assim, totalmente desvinculados dos
problemas econmicos, sociais, histricos e culturais dos alunos e comunidade aos quais
esto inseridos.
Outro fator ser mestranda no Mestrado Multidisciplinar Sociedade, Tecnologia e
Meio Ambiente e participar de debates, seminrios, leituras, assistir a filmes, conhecer que
Educao Ambiental vai alm de incentivar nossos alunos a demonstrarem nas Feiras de
Cincias como funcionam os vulces, problemas causados pelo efeito estufa, esgotamento
da gua, aquecimento global, mas de forma superficial, sem abordar as questes
relacionadas comunidade, ou seja, os problemas ambientais locais e regionais e formao
de um sujeito ecolgico com mudanas de atitudes.
Querendo entender esses processos, optei por investigar a percepo ambiental dos
alunos do ensino fundamental de duas escolas municipais da cidade de Anpolis. Fazendo
isso, pude verificar se eles veem o bairro em sua totalidade, meio ambiente com casas,
rvores, pessoas, animais, revelando por meio da comunicao visual a percepo ambiental
que possuem.
Esta pesquisa mostrou-se relevante pelo fato de possibilitar o conhecimento e a
compreenso da percepo ambiental de alguns sujeitos que estudam na Escola Ayrton Senna
da Silva, no Centro de Educao Unificada (CEU) localizado no Conjunto Habitacional
Filostro Machado Carneiro (CHFMC) na cidade de Anpolis-GO e na Escola Moacyr Romeu
Costa, localizada no Bairro Novo Paraso da mesma cidade.
A pesquisa possuiu como objetivo geral analisar as influncias do lugar na percepo
ambiental dos alunos do 5 ano dessas escolas municipais de ensino, fazendo uma correlao
dessa forma de percepo com o lugar distinto em que vivem, a partir de suas atividades de
lazer, tranquilidade, acesso cultura, nibus, praas, quadras, comrcios, colgios,
possibilidades de crescimento econmico.
14
Perceber o meio ambiente apreender um conjunto de relaes sociais e de processos
naturais, captando as dinmicas de interao entre as dimenses culturais, sociais e naturais,
na configurao de uma dada realidade socioambiental. Junto com esse reconhecimento do
ambiente, muitos contedos curriculares podem ser trabalhados, caracterizando a
interdisciplinaridade. Conhecimentos de cincias, matemtica, geografia, histria, portugus
podem ser acionados para a compreenso e a discusso sobre o entorno ambiental
(CARVALHO, 1998).
Isso tudo foi visualizado, por meio da anlise de desenhos feitos pelos alunos,
sabendo que os alunos representaram neles a percepo visual que possuem do bairro onde
moram. Essa percepo um processo mental, com uma linguagem nica, que guarda
elementos e caractersticas cognitivas mpares na produo do conhecimento, revelando
muito, sobre a natureza do pensamento humano e sua capacidade de resolver problemas,
sendo assim, o resultado de uma experincia vivida (SANTOS, 1999).
O desenho traz uma comunicao diferente da escrita, por envolverem momentos de
percepo, que so construdos sucessivamente pela ao, no so fixos e resultam na
expresso grfica. Dessa forma, esperamos obter aspectos que revelassem a percepo
ambiental dos alunos, sua compreenso da natureza envolvendo a percepo e a
representao grfica.
Portanto, vinculamos o trabalho com a linha de pesquisa sobre Sociedade, Polticas
Pblicas e Meio Ambiente. Entendendo que a pesquisa buscou mostrar como o lugar pode
interferir na percepo ambiental de um indivduo. Servindo de aporte terico para formular
uma educao ambiental que seja crtica e inovadora, voltada para a transformao social
(JACOBI, 2003).
Quando pergunto aos meus alunos, sejam eles do curso superior ou do Ensino Mdio,
o que seja meio ambiente, enfatizam como sendo a natureza, o local onde se vive e de onde
se extraem os recursos naturais. Retratar o meio ambiente nessa viso antropocntrica, cuja
origem se deu na tica antropocntrica humanista e no pensamento cartesiano, situa o
homem fora do ambiente natural.
Para entender essa percepo e que o lugar influencia na maneira de sentir, ver e ser,
propusemos pesquisar dois lugares distintos no municpio de Anpolis, duas escolas
inseridas uma no bairro Novo Paraso e outra no CHFMC. Escolhidos pela distino entre
eles, sendo o primeiro considerado uma rea subnormal e o segundo considerado, outrora;
15
como marginalizado, hoje um lugar com recursos de lazer, educao, saneamento e
segurana para os alunos.
Esses lugares foram representados pelos alunos por meio de desenhos, que
historicamente vm sendo utilizados pelo homem para representar determinadas situaes do
cotidiano. O homem das cavernas j utilizava desenhos como forma de comunicao,
desenhando animais para representar suas caadas. As crianas tambm utilizam desenhos
como forma de representao.
Comparar esses dois lugares por meio dos desenhos dos alunos, possibilitou verificar
a representao que eles tm do lugar em que moram, e se esse, estando estruturado
fisicamente, influencia de maneira diferenciada na percepo ambiental.
Escolhemos trabalhar com desenhos, porque alm de serem uma percepo e
representao grfica, possuem um encanto prprio e normalmente uma atividade
prazerosa para os alunos.
A populao do estudo foi composta pelos discentes do 5 ano das escolas
selecionadas. Essa escolha permitiu comparar qual a percepo ambiental dos alunos dos
dois bairros.
Foram escolhidos os alunos do 5 ano, pois essa uma idade em que as capacidades
de orientao espacial, lateralidade e de representao do espao j devem estar
desenvolvidas.
A pesquisa tornou-se de extrema relevncia, pois, tratava-se de verificar se o lugar
interferia na percepo ambiental do indivduo, se notam que o meio ambiente influencia em
sua vida, gerando tristeza e medo ou alegria e felicidade. Enfim, se h ligao existente
entre essa percepo e o modo de vida de cada um desses alunos, inseridos em realidades
diferentes.
Mais do que isso, os desenhos podem ajudar os prprios estudos urbanos, por revelar
as percepes, representaes e imagens que as crianas possuem de seu lugar, contribuindo
para o conhecimento e estudo dos bairros pesquisados, embasando pesquisas futuras nesses
lugares, possibilitando a realizao de um trabalho partindo da realidade do pblico alvo.
Acreditamos que, ao compreender melhor a dimenso do benefcio em estudo no
municpio de Anpolis, a pesquisa pode colaborar para a elaborao de polticas pblicas
municipais, programas e projetos de desenvolvimento direcionados a esses bairros e que os
16
moradores, conhecedores da importncia do lugar onde esto inseridos, possam ter o prazer
de viver nele.
Nesse sentido, os objetivos do estudo desenvolvido so enunciados de maneira mais
clara da forma que segue:
Objetivo Geral
Analisar as influncias do lugar na percepo ambiental dos alunos do 5 ano de duas
escolas municipais da cidade de Anpolis, do Estado de Gois, e correlacionar com os dois
contextos comunitrios.
Objetivos Especficos
- Investigar a percepo que os alunos tm do lugar onde moram.
- Verificar se o lugar interfere na percepo dos alunos sobre o meio ambiente.
- Comparar a percepo dos alunos dos bairros Conjunto Habitacional Filostro
Machado Carneiro e Novo Paraso.
- Avaliar atravs do aparecimento das categorias estabelecidas (humanas, naturais,
positivas, negativas) a percepo ambiental dos alunos.
Procedimentos metodolgicos
Essa pesquisa teve a abordagem metodolgica qualitativa de cunho interpretativo. A
coleta de dados foi realizada por meio do seguinte instrumento: desenho. O tema que norteou
os desenhos foi: Desenhe o bairro (lugar) em que voc mora.
Entende-se, portanto, como pesquisa qualitativa, um conjunto de diferentes tcnicas
interpretativas que visam a descrever e a decodificar os componentes de um sistema
complexo de significados, traduzindo o sentido dos fenmenos do mundo social, tratando-se
de reduzir a distncia entre indicador e indicado; entre teoria e dados; entre contexto e ao
(MAANEN, 1979).
Nesse contexto, os estudos de Godoy (1995) apontam a existncia de pelo menos trs
possibilidades para a abordagem qualitativa: a pesquisa documental, o estudo de caso e a
17
etnografia.
Dentre estes mtodos, o nosso foi estudo de caso, pois se tratou da anlise de uma
unidade de estudo, que conforme Godoy (1995) visa ao exame detalhado de um ambiente, de
um sujeito ou de uma situao em particular.
Com base nestes princpios, esta pesquisa no envolveu manipulao de variveis,
embora seja feita a porcentagem do nmero de categorias dos desenhos, para melhor
correlacionarmos entre os bairros a percepo ambiental dos sujeitos da pesquisa.
A pesquisa qualitativa tem suas razes tericas na fenomenologia, permitindo ao
pesquisador descrever a viso de mundo dos sujeitos estudados, possibilitando conhecer a
sociedade, a partir de contextos menores, do estudo dos significados individuais, possuindo
um inegvel componente subjetivo (TEIS e TEIS, 2006).
Finalmente, conforme Godoy (1995) a fenomenologia enfatiza os aspectos subjetivos
do comportamento humano e preconiza que preciso penetrar no universo conceitual dos
sujeitos, para poder entender como e que tipo de sentido eles do aos acontecimentos e s
interaes que ocorrem em sua vida diria. Logo, o componente subjetivo um aspecto
relevante na pesquisa qualitativa.
Esta pesquisa possui as quatro caractersticas citadas por Godoy (1995, p.62), sendo
elas: o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como instrumento
fundamental; o significado que as pessoas do s coisas como preocupao do investigador;
enfoque indutivo; carter descritivo.
Desse modo, o trabalho de descrio tem carter fundamental em um estudo
qualitativo, pois por meio dele que os dados so coletados (MANING,1979).
Nesse estudo, primeiramente foi realizado um levantamento bibliogrfico em
bibliotecas virtuais, bancos de teses e dissertaes de universidades brasileiras, livros,
peridicos, entre outras fontes.
A segunda etapa consistiu na escolha dos bairros e escolas a serem pesquisados. Esses
foram selecionados aps estudo minucioso dos bairros da cidade de Anpolis- GO, visando
seleo de dois lugares com condies socioeconmicas semelhantes, porm com estrutura
fsica distintas, os bairros que preencheram os requisitos foram o CHFMC e o Bairro Novo
Paraso.
18
O primeiro possui ruas planas, largas, com rea de lazer, estabelecimentos comerciais,
pontos de nibus, entre outros benefcios; o segundo considerado rea subnormal, com ruas
estreitas, ngremes, sem calada, com menos estrutura fsica.
Conforme a figura 1, esto localizados geograficamente em limites opostos da cidade
de Anpolis-GO.
19
Figura 1: Mapa da localizao dos bairros Novo Paraso e Conjunto Habitacional Filostro Machado Carneiro na cidade de Anpolis-GO
Em cada um destes bairros, foi selecionada uma escola municipal a ser pesquisada,
tendo como critrio de seleo a estrutura fsica das escolas. No CHFMC, a escola escolhida
20
foi a Escola Municipal Ayrton Senna da Silva por possuir uma boa estrutura, j no Bairro
Novo Paraso, a nica escola existente era a Escola Municipal Moacir Romeu Costa, com
estrutura fsica de qualidade inferior.
A localizao das escolas esto retratadas na Figura 2
Figura 2: Mapa da localizao das Escolas Municipais Moacyr Romeu Costa e Ayrton Senna Silva dos bairros
Novo Paraso e Conjunto Habitacional Filostro Machado Carneiro na cidade de Anpolis-GO
Aps selecionados os bairros e escolas, foi realizada uma pesquisa de campo que
permitiu caracteriz-los.
21
O bairro Novo Paraso est localizado na regio oeste do municpio de Anpolis, entre
os bairros Paraso, So Joaquim e Jd. Calixto, com 162107.29S e 485842.75O. A regio
de cobertura da Estratgia de Sade da Famlia (ESF), onde o bairro est inserido e conta com
uma populao de 4.509 pessoas, segundo dados do Sistema de Informao de Ateno
Bsica (SIAB) da Secretaria Municipal de Sade (ANPOLIS, 2009).
A Escola Municipal Moacyr Romeu Costa, situada neste bairro, funciona nos trs
turnos, no matutino com turmas do 5 ao 9 ano; no perodo vespertino com turmas de 1 ao 4
ano e no noturno com 8 e 9 ano, sendo duas turmas para cada srie em todos os turnos.
Existem, ao todo, duas turmas de 5 ano, uma com 32 alunos e outra com 29, um total de 61
crianas regularmente matriculadas.
O Conjunto Habitcional Filostro Machado Carneiro est localizado na regio leste da
cidade de Anpolis, entre os bairros Jardim Itlia, Residencial Santo Antnio, Loteamento
Residencial Morada Nova, Gran Ville e Residencial Vila Feliz. A Escola Ayrton Senna da
Silva, no CHFMC, recebe quase 800 alunos do 1 ao 5 ano do Ensino Fundamental, sendo
trs turmas de 5 ano, totalizando 98 alunos. A unidade escolar conta com 18 salas de aulas
com carteiras escolares, laboratrio com 35 computadores, auditrio, refeitrio, piscinas,
quadra poliesportiva com arquibancada, campo de futebol e teatro de arena.
A populao do estudo foi composta pelos alunos do 5 ano da Escola Ayrton Senna
da Silva, do CEU, localizada no CHFMC, na cidade de Anpolis-GO e da Escola Moacyr
Romeu Costa, localizada no Bairro Novo Paraso da mesma cidade, compondo um total de
159 alunos. A mdia de idade dos alunos de 10 e 11 anos.
A escolha dessa faixa etria e turma justificou-se pelo fato de, nesta etapa, os
estudantes estarem encerrando um ciclo e iniciando outro no ensino fundamental, por j
terem um repertrio sobre percepo do ambiente em que vivem, realizando o trajeto de casa
escola, brincando na rua com colegas, empinando pipas, jogando bola e tambm por
compreenderem com mais propriedade o instrumento da pesquisa.
Por se tratar de um estudo envolvendo seres humanos, essa pesquisa foi aprovada
pelo Comit de tica em Pesquisa (CEP) da UniEVANGLICA Centro Universitrio de
Anpolis, sob o parecer n 357.3649/2013.
Para a seleo dos sujeitos seguimos os seguintes critrios de incluso:
- Alunos do 5 ano das escolas selecionadas;
- Alunos regularmente matriculados nas escolas em turma de 5 ano;
22
- Alunos que aceitarem participar da pesquisa, atravs do Termo de Assentimento
(TA);
- Alunos que apresentarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
devidamente assinado pelos pais ou responsveis.
Como critrios de excluso, consideramos os seguintes fatores:
- Ausncia de autorizao (TCLE);
- Recusa da prpria criana;
- Alunos que esto matriculados nas escolas pesquisadas, porm no moram nos
bairros destas.
A terceira etapa constou do primeiro contato com os alunos, no qual foi esclarecido o
objetivo da pesquisa e qual seria a forma de participao deles nela, isso tudo atravs do TA,
que foi lido em sala de aula, para que o assinassem de acordo com o interesse de
participao. Foi entregue tambm o TCLE para que os alunos levassem para os pais ou
responsveis lerem e assinarem se permitissem a participao dos filhos no estudo.
Para que fosse possvel recolher os TCLE assinados pelos pais, foi necessria a visita
s escolas por mais de trs vezes, pois os alunos se esqueciam de entregar aos pais, ou
deixavam o TCLE assinado em casa, ou no estavam presentes na aula no dia da entrega.
Para, a partir da, iniciar-se a confeco dos desenhos, com os alunos que aceitaram
participar da pesquisa e que apresentaram o TCLE assinado pelos pais ou responsveis.
Como toda pesquisa oferece risco para os participantes, e mais do que nunca a
esttica supervalorizada e isso poderia refletir nas crianas, na hora de desenhar. E que,
essas poderiam j ter internalizado alguns conceitos em relao ao que belo ou no, foi
necessrio quebrar alguns pr-conceitos que causassem angstia ou ansiedade nos alunos,
por no saberem desenhar. Assim sendo, esclarecemos que somente teriam acesso aos
desenhos a pesquisadora e sua orientadora, e que no era exigido perfeio artstica desses,
motivando os alunos a desenharem sem preocupao com julgamento da pesquisadora,
colegas, professores ou outros.
Para que no houvesse a ansiedade por falta de tempo, essa atividade foi feita em trs
aulas de 45 minutos, sendo tempo suficiente para concluso dos desenhos.
Mesmo com todos os cuidados, se permanecessem aps os desenhos a ansiedade,
insegurana e angstia, a pesquisadora se comprometeu a minimizar o risco. Tomando
medidas de auxlio como orientar os responsveis a encaminharem a criana rede pblica de
23
sade para tratamento especializado ao problema desencadeado, tal medida no foi necessria,
por no ter ocorrido nenhum fato neste sentido.
A quarta etapa da pesquisa consistiu na confeco dos desenhos. Esses foram
confeccionados sob a superviso da pesquisadora, duas acadmicas do curso de Pedagogia
da UniEVANGLICA e a professora da turma. Foram coletados no ms de outubro e
novembro de 2013.
Os desenhos foram realizados na prpria sala de aula dos alunos, sem adultos para
auxili-los ou prejudic-los na sua perspectiva de lugar. Inicialmente, se pensou em retirar
da sala de aula os alunos que no participariam da pesquisa, porm isso se mostrou invivel,
pois no havia sala alternativa para que esses fossem removidos, portanto todos os alunos
desenharam, porm s foram recolhidos os desenhos dos alunos que se adequaram nos
critrios de incluso da pesquisa.
Para a confeco dos desenhos foram disponibilizados, pela pesquisadora, folhas de
papel A4 e um kit individual com lpis de cor (caixa com 12 cores), giz de cera, lpis preto e
borracha.
Foi pedido ao aluno que desenhasse em uma folha de papel a representao do lugar
em que mora, era importante que o aluno no consultasse mapas. Foi um exerccio feito
mentalmente, com base na memria, na subjetividade. Pretendeu-se que ele relembrasse o
observado nos lugares onde passava.
Durante a atividade, a pesquisadora registrou as falas e aes dos alunos em um
dirio de campo. E depois de confeccionados os desenhos, foram feitas rodas de conversa,
momento em que os desenhos foram discutidos. A observao indireta e a escuta posicionam
o pesquisador em uma escala importante, na medida em que ele, atravs destas abordagens,
pode inferir variveis referentes identidade, s caractersticas individuais e do grupo, ou s
experincias (WHYTE, 1977).
necessrio estudar a elaborao do desenho, e no s o produto final, para melhor
compreenso do processo, portanto, foi incorporado aos desenhos os enunciados verbais
relacionados a eles, condio fundamental para interpretao das figuras, possibilitando a
identificao da percepo do lugar de cada aluno.
Ao trmino de cada atividade desenvolvida com o desenho pelas turmas, o relato de
cada criana sobre sua produo foi ouvido, registrado e, posteriormente, os aspectos
24
narrativos e visuais, presentes nos desenhos, foram comparados. A anlise dos desenhos foi
realizada entre as cinco turmas de alunos no ms de outubro e novembro de 2013.
Os elementos dos desenhos livres foram tabulados em categorias, de modo a permitir
uma melhor visualizao dos aspectos que compem o imaginrio das crianas. Por meio
dessa tcnica, se organizaram as percepes em categorias de anlise, as quais permitiram
estabelecer uma associao sistemtica destas com as relaes entre os agentes e dos agentes
com o meio ambiente local.
As categorias de anlise foram: humanas e naturais, positivas e negativas, selecionadas
seguindo a metodologia de anlise de contedo de Bardin (2002, p. 38), que segundo a autora
[...] um conjunto de tcnicas de anlise das comunicaes que utiliza procedimentos
sistemticos e objetivos de descrio do contedo das mensagens.
J o antagonismo entre as categorias foram baseadas em Tuan (1980), pois de acordo
com o autor, a mente humana est adaptada para organizar os fenmenos no s em
segmentos, mas em pares opostos, como vida-morte, macho-fmea, terra-gua, alto-baixo,
essas antinomias da experincia biolgica e social so transpostas para a envolvente realidade
fsica.
Na pesquisa, consideramos como categorias positivas: lugares de lazer, escola,
parque, igreja, estabelecimentos comerciais, crianas brincando, aquilo que no demostra
degradao social. Como categorias negativas: ruas com buracos, usurios de drogas,
natureza depredada, pichadores, fumantes, cenas relacionadas ao medo e que demonstram
degradao social. As categorias consideradas naturais foram quelas relacionadas
natureza, como terra, cu, animais, pssaros, rio. Humanas, as que so resultantes da ao do
homem, como casa, rua, escolas, estabelecimentos comerciais.
O agrupamento de algumas categorias positivas , consideradas pela pesquisadora
como destaque, teve como fundamento os direitos sociais da Constituio da Repblica
Federativa do Brasil, de outubro de 1988, que traz em seu Art. 6 que So direitos sociais a
educao, a sade, a alimentao, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a previdncia
social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na forma desta
Constituio (Redao dada pela Emenda Constitucional n 64, de 2010), e no artigo 5
inciso VI diz que inviolvel a liberdade de conscincia e de crena, sendo assegurado o
livre exerccio dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteo aos locais de
culto e a suas liturgias. Agrupamos em pranchas os desenhos que continham escolas
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc64.htm#art125
(educao), postos de sade (sade), estabelecimentos comerciais (alimentao/trabalho),
casas (moradia), parques, quadras/campo de futebol, lan house, academia, sorveteria, praas
(lazer) e igrejas (livre exerccio dos cultos religiosos) a fim de analis-los e correlacion-los.
Entendemos assim, que as categorias ao serem analisadas, possibilitaram ressaltar
aspectos relevantes da configurao urbana distinta entre os bairros, assim como, se eles
perceberam o lugar em sua totalidade. Posteriormente, os temas foram comparados entre os
lugares.
Outra fundamentao terica, que orientou a anlise dos desenhos, foi a autora
Derdick (2010) sobre a atividade grfica infantil.
Os dados foram utilizados na Dissertao de Mestrado em Sociedade, Tecnologia e
Meio Ambiente pela UniEVANGLICA e sero encaminhados aps a concluso da
pesquisa, com dados generalizados, para cada unidade escolar envolvida e para a Secretaria
Municipal de Educao de Anpolis, para que se cumpra sua funo social de colaborar com
a elaborao de polticas pblicas municipais, programas e projetos de desenvolvimento
direcionados a esses bairros, sabedores da caracterizao e percepo do bairro pelos
prprios moradores (alunos). A pesquisa poder ser publicada. Com isso espera-se reverter
os resultados da pesquisa para o benefcio dos autores envolvidos.
A dissertao est dividida em trs captulos: Percepo Ambiental e Conceitos
Relacionados; Lugar e Laos Topoflicos: entendendo os bairros da pesquisa; Percepo
Ambiental: Vivncias e Valores.
O primeiro captulo: Percepo Ambiental e Conceitos Relacionados , est centrado na
Percepo Ambiental como um processo que inclui a relao humana com o lugar habitado,
como se deu as mudanas nesta relao ser humano-ambiente, partindo da Geografia
Humanstica, tendo o gegrafo Yi-Fu Tuan como referencial terico.
O segundo captulo: Lugar e Laos Topoflicos: Entendendo os Bairros da Pesquisa,
conceitua Topofilia e Lugar e d um panorama da regio de Anpolis-GO, suas origens e
caractersticas, abordando tambm, as reas de estudo: Conjunto Habitacional Filostro
Machado Carneiro e Novo Paraso, Escolas Ayrton Senna da Silva e Moacir Romeu Costa a
partir da histria local, aspectos geogrficos e estrutura fsica.
O terceiro captulo: Percepo Ambiental: Vivncias e Valores trata da anlise e
correlao dos desenhos na percepo ambiental dos dois contextos comunitrios da
26
pesquisa, classificao dos desenhos em categorias positiva/negativa, humana/natural.
Constata-se que o lugar influencia, com suas estruturas fsicas e sociais, na percepo
ambiental e vivncia das pessoas.
27
CAPTULO 1
PERCEPO AMBIENTAL E CONCEITOS RELACIONADOS
1. PERCEPO AMBIENTAL
Inicialmente, para o embasamento terico que edificou a pesquisa, buscamos elucidar
o que percepo ambiental, sabendo que essa se d aps o contato inicial dos indivduos
com o mundo, Meio Ambiente, por meio dos mecanismos perceptivos captados pelos rgos
dos sentidos, que de acordo com as emoes, intuies e vivncias, assim como as dimenses
sociais, culturais, histricas e paradigmticas, atribui-lhe significado (TUAN, 1980;
RIBEIRO, LOBATO, LIBERATO, 2009).
Sendo assim, a percepo discutida como um processo complexo que inclui a relao
do ser humano com diversos fatores, como o lugar habitado, sua histria de vida, os laos
topoflicos nela construda e aspectos do imaginrio (CORRA, 2008). Para se estudar
percepo ambiental, preciso rever alguns fatos que aconteceram desde o incio da presena
do homem no Planeta.
Para isso esse captulo ter a estrutura composta pelos itens:
I. As mudanas na relao ser humano-ambiente influenciadas pela histria da
humanidade, sabendo que h conexo entre os aspectos histricos com o desenvolvimento do
pensamento ambientalista e que molda as relaes do ser humano com o lugar habitado;
II. Percepo ambiental, para que possamos apresentar sua evoluo histrica e seus
conceitos de acordo com os tericos escolhidos;
III. Geografia Humanstica, haja vista que essa estuda as percepes, representaes,
atitudes e valores dos homens de uma maneira geral.
1.1 As mudanas na relao ser humano-ambiente
H uma grande quantidade de estudos sobre o relacionamento entre o homem e o meio
ambiente e as perspectivas em relao ao futuro da vida na Terra. Ao olhar essa relao dos
28
seres humanos com a natureza possvel ver que houve muitas mudanas com o passar do
tempo.
Para Capra (1982) todas essas mudanas esto associadas crise de percepo,
Estou convicto de que, hoje, nossa sociedade como um todo encontra-se numa crise
anloga. Podemos ler acerca de suas numerosas manifestaes todos os dias nos
jornais. Temos taxas elevadas de inflao e desemprego, temos uma crise energtica,
uma crise na assistncia sade, poluio e outros desastres ambientais, uma onda
crescente de violncia e crimes, e assim por diante, tudo isso so facetas diferentes
de uma s crise, que , essencialmente, uma crise de percepo (CAPRA, 1982,
p.13).
Portanto, em sntese, o que a crise da percepo? o fato de o homem no perceber
que sua relao com a natureza, transformada ao longo do tempo, por inmeros fatores tais
como necessidades, mitos, religiosidade, desbravamento, expanso territorial, colonizao,
antropocentrismo, individualismo, reducionismo, tecnicismo, saber fragmentado entre outros,
trouxeram a extino das espcies, escassez dos recursos naturais, degradao do meio
ambiente, violncia tnica, danos biosfera e a vida humana.
Poderamos dizer que aquela poro da mudana ambiental que acontece na histria
humana, bem como a habilidade humana de acelerar ou alterar profundamente os processos
biofsicos, qumicos ou genticos que ocorrem no restante mundo natural (BARCA, 2012).
Para entendermos como a relao ser humano-ambiente chegou ao que hoje, essa crise
da percepo, veremos historicamente, de uma maneira geral, as suas modificaes. Sabendo
que, inicialmente, as relaes do homem com a natureza eram permeadas de mitos, rituais e
magia, pois se tratava de relaes divinas, pois para cada fenmeno natural havia um deus,
uma entidade responsvel e organizadora da vida no planeta: o deus do sol, do mar, da Terra,
dos ventos, das chuvas, dos rios, das pedras, das plantaes, dos raios e troves
(GONALVES, 2008).
Na Idade Antiga o que moderava as intervenes humanas era o medo da vingana dos
deuses, fator esse que impedia uma interveno desastrosa, sem uma justificativa plausvel
para a destruio natural. Permanecem, ainda hoje, muitos mitos, entre eles podemos citar os
mitos indgenas: plantas vermelhas que curam doenas relacionadas ao fgado, dente de ona,
de jacar e unhas de tamandu so considerados amuletos com poderes sobrenaturais
(GONALVES, 2008).
29
No noroeste do Novo Mxico, cinco grupos indgenas foram estudados por Evon
Vogt, Ethel Albert e seus colegas, em meados do sculo XIX. Esses ndios tm vivido na rea
h um longo tempo, portanto adquiriram conhecimento da terra e seus recursos, porm no
consideram a natureza como algo a ser dominado por simples razes econmicas, nem como
oportunidade para se testar a virilidade, eles coletam e caam, mas, essas atividades no esto
somente ligadas vida econmica, contudo tm muita importncia no cerimonial de sua vida
(TUAN, 1980).
Por exemplo, o sol, o cu, a terra e o milho desempenham proeminentes papis na
mitologia dos ndios Pueblo. O sol considerado muito poderoso e comumente chamado
como pai ou velho. E invocado para obter longevidade (TUAN, 1980).
Na Idade Antiga, o homem usava para sobreviver o que colhia da natureza como
frutas, legumes, razes, alm da caa e da pesca, ento, pouco interferia no meio ambiente,
mas ainda assim o modificava, a fim de adequ-lo s suas necessidades. Essa atuao no
acarretava danos maiores aos recursos naturais, pois as atividades eram apenas para
manuteno da vida, e a natureza renovava com seu ciclo natural de produo os recursos
extrados pelo homem. As leis da natureza funcionavam em plena harmonia com o ritmo de
vida (MELO, COSTA, 2008).
Durante o Paleoltico, (palavra que significa pedra polida, os grupos humanos
usaram osso, madeira e pedra para fazer suas ferramentas: lanas (para a caa) arpes
(instrumentos usados para usos diversos), pedras cortantes, que serviam como machados e
facas com os quais abatiam animais, coletavam frutos e faziam suas vestes. Por viverem da
caa, da pesca e da coleta, eram chamados caadores e coletores. Ocorre ainda neste perodo a
descoberta do arco e flecha e do fogo. Essa fase comea h mais ou menos 2,7 milhes de
anos a.C. e termina por volta de 1000 a.C. (VICENTINO, 1997).
De 4000 a.C. at 1000 a.C. acontece a revoluo neoltica, quando se inicia o perodo
Neoltico, h evidncias de cultivo de cereais no Oriente Mdio. A prtica da agricultura teve
um impacto na vida social, entre as mudanas que essa prtica favoreceu, cabe citar: a
sedentarizao, a produo de novos instrumentos de trabalho, a inveno da cermica e o
crescimento da populao. Surgiram as primeiras aldeias e desenvolveu-se a vida comunitria
(MELLO, COSTA, 2008).
Assim, algumas aldeias se transformaram em cidades, com organizao de estruturas
sociais e polticas. A necessidade de gua para a agricultura e de vias de transporte de pessoas
30
e produtos ajudam a explicar o fato destas primeiras cidades terem surgido por volta de 6.500
a.C. prximo aos grandes rios, como o Tigre e o Eufrades, na Mesopotmia; o Nilo, no Egito,
o Indo, na ndia; e o Azul e o Amarelo, na China (VICENTINO, 1997).
De acordo com Clive Ponting (1995):
A adoo da agricultura foi a mudana mais fundamental da histria humana. No
s produziu pela primeira vez as sociedades estabelecidas, como tambm mudou radicalmente a prpria sociedade. Os grupos de caa e de colheita eram
essencialmente igualitrios, mas as comunidades sedentrias, quase que desde o
incio, resultaram em uma especializao crescente dentro da sociedade e o
surgimento de elites religiosas, polticas e militares e um estado com o poder de
dirigir o resto da sociedade. [...] No seu sentido mais amplo, a histria humana nos
8.000 anos ou mais, a partir do surgimento das sociedades agrcolas estabelecidas,
tem sido a da aquisio e distribuio do excedente da produo de alimentos e do
seu uso (PONTING, 1995, p. 100-103).
A partir da, comea a haver uma srie de modificaes nos costumes e na organizao
social dos grupos. Sendo, o incio da agricultura considerado a Primeira Grande Transio da
Humanidade.
Depois, por volta de 1.100 a. C., na Civilizao Clssica, as concepes greco-
romanas e tambm da tradio judaico-crist, que iriam influenciar posteriormente as
concepes europeias, tinham uma viso antropocntrica do homem como senhor de toda a
natureza, que a tudo deve dominar (BOFF, 1992; REALE, 1993).
O que pode ser observado em trechos retirados do Livro Gnesis, da Bblia:
Faamos o homem nossa imagem e semelhana, e presida aos peixes do mar, e s
aves do cu, e aos animais selvticos, e a tda a terra, e a todos os rpteis, que se
move sbre a terra. E criou Deus o homem sua imagem; criou-o imagem de
Deus, e criou-os varo e fmea. E Deus os abenoou e disse:
Crescei e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a, e dominai sbre todos os
animais que se movem sbre a terra. E Deus disse: Eis que vos dei todas as ervas,
que do semente sbre a terra, e tdas as rvores, que encerram em si mesmas a
semente do seu gnero, para que vos sirvam de alimento, e a todos os animais da terra, e a todas as aves do cu, e a tudo que se move sbre a terra, e em que h alma
vivente, para que tenham que comer. E assim se fz. E Deus viu tdas as coisas que
tinha feito, e eram muito boas (Gn 1, 16-30).
Conforme se observa, as bases teolgicas e culturais europeias eram diferentes de
algumas sociedades amerndias, africanas e orientais (PONTING, 1995).
Ento, conforme a populao crescia, surgiam novas habilidades, intervenes e
necessidades, tornando o homem um produtor, mas incapaz de garantir recursos suficientes s
necessidades alimentares, novas alternativas e novos processos produtivos surgem, assim
31
como, uma nova organizao da sociedade. Foi assim que se iniciaram as grandes agresses
contra a natureza, na Idade Mdia e Moderna.
Nessa linha do tempo, a partir do sculo XVIII, iniciou-se na Europa e espalhou-se por
toda a Amrica do Norte o que veio a se tornar a Segunda Grande Transio da Histria da
humanidade. Este fenmeno, tambm conhecido por Revoluo Industrial1, consiste
prioritariamente na explorao de combustveis fsseis. Foi assim considerada por somente
ser comparado, em nvel de relevncia, adoo da agricultura pelos humanos (PONTING,
1995).
Com o passar dos anos, no decorrer dos quatro ltimos sculos, o ser humano
conseguiu alcanar um desenvolvimento tecnolgico tamanho, que no podia ser previsto
anteriormente, e esse nos inquieta quanto ao porvir, pois passamos a viver em um mundo
cheio de contradies e distines socioambientais.
Nesse contexto, aconteceram nos sculos XVII e XVIII ideias revolucionrias, como o
Liberalismo e o Mercantilismo.
Foi aps a revoluo burguesa, que aconteceu na Inglaterra entre 1640 e 1960, que as
instituies adaptaram-se nova forma de se organizar, baseada na propriedade e ideologia
que justificava uma nova ordem, ressaltando sua diferena da servido anterior, denominada
Liberalismo. Dos pilares que constituem a ordem capitalista, propriedade e liberdade, foi esse
ltimo que deu nome a esse iderio. E o liberalismo tornou-se a ideologia da sociedade
capitalista ou burguesa (LOCKE, 1690; SMITH, 1983).
J o Mercantilismo a poltica econmica do Estado Moderno baseada no acmulo de
capitais. A acumulao de capitais d-se pela atividade comercial, da o mercantilismo
apresentar uma srie de prticas para o desenvolvimento das prticas comerciais. Essa
ideologia tem por objetivo a interveno do estado nos assuntos econmicos,visava ao
fortalecimento do Estado e o enriquecimento da burguesia (VICENTINO, 1997).
Neste contexto, desenvolve-se a cincia moderna, baseada nas ideias de Ren
Descartes. Este prope a distino entre o mundo das coisas materiais, sendo assim a alma
1 Revoluo Industrial foi a transio para novos processos de manufatura, que se iniciou em 1760, quando se
disseminou o uso da lanadeira volante inventada por John Kay, e foi at 1820 e 1840, com os movimentos
operrios, greves e manifestos, como a Carta do Povo. Esta transformao incluiu a transio de mtodos de
produo artesanais (manufatura) para a produo por mquinas (maquinofatura), a fabricao de novos
produtos qumicos e de processos de produo de ferro, maior eficincia da energia da gua, o uso crescente
da energia a vapor, que levou a inventos revolucionrios como o barco a vapor (Robert Fulton, 1807) e a locomotiva (George Stephenson, 1814) e o desenvolvimento das mquinas-ferramentas, alm da substituio da
madeira e de outros biocombustveis pelo carvo. A revoluo teve incio na Gr-Bretanha (Inglaterra, Pas de
Gales e Esccia) e em poucas dcadas se espalhou para a Europa Ocidental e os Estados Unidos.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Manufaturahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Artesanatohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ferrohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Roda_de_%C3%A1guahttp://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1quina_a_vaporhttp://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1quina_ferramentahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Biocombust%C3%ADvelhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Carv%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Europa_Ocidentalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Estados_Unidos32
considerada distinta do corpo, e esse caracteriza-se como objeto de apreenso mediante atos
do pensamento. A doutrina tematizada por Descartes constitui-se na verdadeira ortodoxia do
sculo XVII. Esse pensamento, no incio da cincia moderna, considerado o pice do
movimento reflexivo do sujeito que cada vez mais se distancia da natureza. Com a
apropriao destas ideias, consagra-se o dualismo que conduziu a uma oposio entre o
homem e a natureza, entre o sujeito e o objeto, uma viso de mundo que favoreceu a trajetria
triunfal da cincia moderna, a partir da segunda metade do sculo XVIII (DESCARTES,
2006).
Posteriormente, aconteceu uma srie de acontecimentos importantes no decorrer do
sculo XIX e XX, sendo esses: a descoberta da energia eltrica, a utilizao em larga escala
de minrios, o processamento dos derivados de petrleo, a inveno do automvel, da
tecnologia digital, o desenvolvimento amplo dos transportes e dos meios de comunicao,
dentre tantos outros, que influenciaram profundamente a civilizao ocidental (MENDES,
2010).
Para Boaventura de Sousa Santos (1999)
Por um lado, as potencialidades da traduo tecnolgica dos conhecimentos
acumulados fazem-nos crer no limiar de uma sociedade de comunicao e interativa
libertada das carncias e inseguranas que ainda hoje compem os dias de muitos de
ns: o sculo XXI a comear antes de comear. Por outro lado, uma reflexo cada
vez mais aprofundada sobre os limites do rigor cientfico combinada com os perigos
cada vez mais verossmeis da catstrofe ecolgica ou da guerra nuclear fazem-nos
temer que o sculo XXI termine antes de comear (SANTOS, 1999, p. 6).
Hoje, a postura absolutamente distinta: o homem acha-se no domnio, controlador,
superior aos demais seres da natureza, capaz de transformar os recursos naturais,
direcionando-os de acordo com a sua vontade. Fazem isso confiante no progresso tecnolgico
e nos avanos sobre o entendimento de alguns mecanismos de funcionamento do mundo
natural, esquecendo-se de que a natureza ainda age por si, no seguindo as previses do
homem, no se deixando dominar e demonstrando que tambm pode destruir a humanidade
(vide os tsunamis, os furaces, os terremotos, enchentes, aquecimento global) (MENDES,
2010).
Nos ltimos anos, nos defrontamos com situaes de conflito envolvendo homem-meio
ambiente, relacionados ao esgotamento e destrutividade, que se manifestam em relao ao
33
crescimento econmico, expanso urbana e demogrfica; tendncia ao esgotamento de
recursos naturais e energticos no renovveis; ao crescimento da desigualdade
socioeconmica local e global, dentre outros (MENDES, 2010).
Logo, comea-se a considerar a questo ambiental para alm do meio-ambiente: trata-se,
eminentemente, de uma questo scio-poltico-educacional, na medida em que pe em jogo as
vidas humanas, comprometendo a qualidade de vida ou constituindo-se como fonte de
pobreza. Esses fatos nos levam a refletir sobre o modelo de produo das sociedades
capitalistas: vorazes pela produo de riquezas desconsideram-se os efeitos sobre o meio
ambiente, gerando mais problemas que solues (MENDES, 2010).
Nas ltimas dcadas o planeta tm sofrido vrias transformaes pelo homem,
colocando em risco a vida de ambos, como afirma Gadotti (2005):
Pela primeira vez na histria da humanidade, no por efeito de armas nucleares, mas
pelo descontrole da produo, podemos destruir toda a vida do planeta. a
possibilidade que podemos chamar de era do exterminismo. Passamos do modo de
produo para o modo de destruio; teremos que viver daqui para frente
confrontados com o desafio permanente de reconstruir o planeta (GADOTTI, 2005,
p. 15).
Conforme Capra (1982), as ltimas duas dcadas de nosso sculo vm registrando um
estado de profunda crise mundial. uma crise complexa, multidimensional, cujas facetas
afetam todos os aspectos de nossa vida a sade e o modo de vida, a qualidade do meio
ambiente e das relaes sociais da economia, tecnologia e poltica. uma crise de dimenses
intelectuais, morais e espirituais; uma crise de escala e premncia sem precedentes em toda a
histria da humanidade. Pela primeira vez, temos que nos defrontar com a real ameaa de
extino da raa humana e de toda a vida no planeta.
1.2 Percepo Ambiental e seus conceitos
Percepo, derivado do latim perception, tem muitos significados, sua definio na
maioria dos dicionrios da lngua portuguesa : ato ou efeito de perceber; combinao dos
sentidos no reconhecimento de um objeto; recepo de um estmulo; faculdade de conhecer
independentemente dos sentidos; sensao; intuio; ideia; imagem; representao intelectual.
fcil perceber a quantidade de possveis significados a partir dessas definies, que vo
34
desde a recepo de estmulos at a intuio, a ideia e a imagem, que so categorias distintas
no discurso filosfico (MARIN, 2008).
De acordo com o psiclogo Hochberg (1973, p. 11), "a percepo um dos mais
antigos temas de especulao e pesquisa no estudo do homem [...] Estudamos a percepo
numa tentativa de explicar nossas observaes do mundo que nos rodeia".
Para esse estudo, focamos na percepo ambiental, que entendida como um
fenmeno complexo, que envolve vrios aspectos da relao do ser humano com o mundo: as
vivncias cotidianas; as construes conceituais e imaginrias; a topofilia ou ligao afetiva
estabelecida com o lugar habitado; os componentes da memria que fundamentam a
identificao com o meio. Para tratar dessa tal complexidade, adotamos os princpios da
fenomenologia, pelos quais se toma como eixo central de reflexo o retorno do ser humano ao
mundo vivido e experincia esttica, superando o distanciamento da concretude,
caracterstico dos modos de viver da modernidade (CORRA, 2008).
Historicamente, a percepo ambiental estabeleceu-se no campo da psicologia
ambiental, consolidando o interesse dos estudos em percepo, a partir da dcada de sessenta,
sendo o perodo anterior caracterizado por investigaes dispersas sobre as relaes do ser
humano com seu ambiente. Com a configurao do campo, houve uma tendncia de
superao das abordagens tradicionais (LEE, 1977).
Porm, no simbolizou uma mudana repentina nos estudos sobre percepo
ambiental, uma vez que eram variadas as abordagens possveis, incluindo-se alguns estudos
da psicanlise, que, apesar de um uso restrito, segundo Lee (1977), se destacaram na
estruturao do campo. Para Heimstra e MacFarling (1978), na obra Psicologia Ambiental, o
comportamento em ambientes construdos (salas, moradias, edifcios, cidades) e naturais
(recreao, parques e percepo de perigos naturais) distinto.
Estudiosos alemes, em 1870, pesquisaram a percepo humana, por meio,
principalmente da viso, foram eles Kurt Koffka, Wolfgang Khler e Max Werteimer. Para
atingir este fim, eles se valiam especialmente de obras de arte, ao tentar compreender como se
atingia certos efeitos pictricos. Estas pesquisas deram origem Psicologia da
Gestalt ou Psicologia da Boa Forma (MARIN, 2008).
Durante o sculo XIX e at o incio do sculo XX, os estudos sobre a percepo
humana da forma tinham em comum a anlise atomista, ou seja, procurava o conjunto a partir
de seus elementos, segundo a qual a percepo de um objeto era dada pelas suas partes
35
componentes, organizadas posteriormente por associao. A Teoria da Gestalt, surgida no
incio do sculo XX, se volta contra isso e afirma que no se pode ter conhecimento do todo
atravs das partes, e sim das partes atravs do todo e que s atravs da percepo da totalidade
que a razo pode decodificar e assimilar uma imagem ou um conceito (MARIN, 2008).
Em 1879, Wilhelm Wundt, citado como o pai da psicologia cientfica, fundou, em
Leipzig, na Alemanha, o primeiro laboratrio de psicologia experimental, no qual estudou
principalmente a percepo humana.
Neste perodo de consolidao terica, que os estudos de percepo ambiental se
difundem por outras reas de conhecimento, os trabalhos iniciais nessas reas mantiveram um
forte enfoque psicologista, buscando somente mais recentemente as bases tericas na
filosofia, atravs do vis fenomenolgico. Del Rio e Oliveira (1999, p.X) afirmam que
"disciplinas como a arquitetura, o urbanismo e a geografia souberam compreender
rapidamente a importncia da psicologia aplicada ao espao" e destacam que nossas
preocupaes poderiam ser situadas no escopo da cognio. A prpria fenomenologia tem
sido, no entanto, base terica presente nos estudos dessas diferentes reas.
Sendo assim, a percepo ambiental uma forma de conhecimento, processo ativo de
representao que vai muito alm do que se v ou penetra pelos sentidos, mas prtica
representativa de claras consequncias sociais e culturais. A percepo entendida nessa
dimenso no apenas inferncia de estmulos que do exterior atuam sobre a sensibilidade do
individuo, mas ao contrrio, supe uma elaborao de informaes que ocorrem no seu
interior (FERRARA, 1993).
O gegrafo Tuan (1980) diz que percepo ambiental se expressa em dois aspectos: o
cognitivo e o afetivo. O cognitivo aquele que abrange o intelectual, incluindo as motivaes,
humores, valores, julgamentos, expectativas como tambm os conhecimentos prvios. O
intelecto organiza e representa a realidade percebida por meio de esquemas perceptivos e
imagens mentais. Enquanto o afetivo est relacionado aos sentimentos e vnculos que o
indivduo desenvolve em relao ao meio em que est inserido. Porm o aspecto mais
importante o cognitivo, enquanto que o afetivo considerado como a energia que envolve o
sistema.
Deste modo, a afetividade impulsiona a percepo, ou seja, a comoo une as pessoas
ao seu espao. O meio e a herana cultural oferecem informaes que so processadas
36
mentalmente pelo indivduo e a conduta construda mediante o equilbrio entre os fatores
internos e externos.
Ento, sendo a superfcie da terra extremamente variada, as pessoas percebem e
avaliam de maneira individualizada e distinta essa superfcie. Duas pessoas no veem a
mesma realidade. Nem dois grupos sociais fazem exatamente a mesma avaliao do meio
ambiente. A prpria viso cientfica est ligada cultura (TUAN, 1980).
Ainda de acordo com as concepes de Tuan (1980) necessitamos de sentir prazer,
existente em deleitveis sensaes proporcionadas pelo envolvimento com o mundo fsico, da
simplicidade de sua natureza, por meio de uma forma despreocupada, semelhante quela que
uma criana conhece: o sentir o mundo imediato, conhecido ou no, sem regras de esttica
definidas, um mundo de sensualidades que expressam a intimidade com a terra amiga e
inimiga, materna ou no, porm envolvente.
Portanto, experimentar a paisagem revela-se uma sensao nica, a mesma transmite-
nos suas mensagens, inspirando sonhos e desejos associados as nossas ideias de lugar ideal,
ou rejeio, fugindo de ambientes considerados terrveis, ameaadores, por diversas
circunstncias (LIMA, 1999).
Muitos pensadores como Aristteles, Descartes, Rousseau, Freud, Bacon, Heidegger,
Espinosa, Kant, Karl Marx, Winnicott, Vygotsky, Hanna Arendt e Paulo Freire hoje so
relidos para reflexo sobre conceitos da Natureza .
Por exemplo, Aristteles considerou a natureza como munida de uma finalidade,
considerando o ser humano como parte da natureza. Essa finalidade consiste em cada coisa
que pertence natureza deve realizar o seu potencial, por exemplo, uma semente se
transforma em rvore, um ser humano busca realizar-se plenamente em sua vida e suas
atividades (MARCONDES, 2006).
Outro foi o filsofo francs do sc. XVII, Ren Descartes, sendo o primeiro filsofo a
propor uma fsica matemtica, com ele a fsica deixa de ser especulativa e passa, de fato, a
intervir na natureza, os desdobramentos foram enormes na relao homem-natureza, pois a
objetividade cartesiana modificou nosso pensamento de pensar historicamente e colocou o
homem na posio de Dono e Senhor da natureza, influenciando decisoriamente a nossa
relao com a natureza (GRN, 2006).
J Rousseau, na Carta a Malesherbes, de 26 de janeiro de 1762, escreve sobre o
sentimento de unidade do homem com a natureza, em que o filsofo descreve o sentimento
37
inebriante e paz que a natureza lhe proporciona, a ponto de me fundir, por assim dizer, no
conjunto dos seres, de me identificar com a natureza inteira!
Para Freud, no incio de sua obra, o pano de fundo da elaborao do pensamento
psicanaltico foi a concepo que o paradigma moderno construra sobre a Natureza, pensada
conforme a metfora da mquina, divorciada do homem, em suma, objeto de dominao. Na
perspectiva assim construda, o homem deixa de ser visto como integrante natureza,
passando a s-lo como separado dela e com ela mantendo relaes de oposio e dominao,
tanto com relao sua prpria natureza (PLASTINO, 2006).
Poderamos tambm citar o pensador alemo Martins Heidegger (1889-1976)
considerado um dos maiores filsofos do sculo XX, que embora nunca tenha falado em meio
ambiente ou ecologia, seus escritos constituem referncia para os que pensam a questo
ambiental, pois nos diz que todo morar autntico est ligado a um preservar. Preservar no
apenas no causar danos a alguma coisa. O preservar genuno tem uma dimenso positiva,
ativa e acontece quando deixamos algo na paz de sua prpria natureza, de sua fora originria
(HEIDEGGER, 2009).
De acordo com o mesmo pensador, a racionalidade tecnolgica usada para oprimir a
natureza e outros homens (UNGER, 2006).
Porm, a percepo ambiental consolidou-se efetivamente nos estudos do meio
ambiente humano, durante a dcada de 1970, a partir da criao do Grupo de Trabalho sobre a
Percepo do Meio Ambiente, pela Unio Geogrfica Internacional (UGI), e do Projeto 13:
Percepo da Qualidade Ambiental, no Programa Internacional Homem e Biosfera (em ingls,
Man and the Biosphere), lanado pela Organizao das Naes Unidas pra Educao, a
Cincia e a Cultura (UNESCO) em 1971, este programa tinha como objetivo desenvolver
uma base nacional para a utilizao e conservao dos recursos da biosfera e para a melhoria
das relaes entre o homem e seu ambiente, enquanto o grupo da UGI previa uma srie de
estudos internacionais comparativos sobre os riscos do meio ambiente e os lugares e
paisagens valorizados, o projeto da UNESCO preconizava o estudo da percepo do meio
ambiente como contribuio fundamental, para uma gesto mais harmoniosa dos recursos
naturais e dos lugares e paisagens de importncia para a humanidade (CASTELLO, 1999).
com base nestes estudos que novos conceitos e categorias so desenvolvidas e
fundamentadas para a melhor compreenso da relao Homem/Mundo. Entre esses conceitos,
38
merecem um lugar especial, por seu potencial de aplicao os de topofilia, topofobia e
topocdio. Nessa pesquisa destacam-se os de topofilia, que ser discutido posteriormente.
O incio da dcada de setenta, pode ser considerado o momento da disseminao das
pesquisas sobre a temtica, especialmente derivado da constituio do grupo citado acima,
cujo foco das questes era a Percepo do Meio Ambiente. De acordo com Melo (2005), o
projeto da UNESCO enfatizava o estudo da percepo do meio ambiente como fundamental
para a gesto de lugares e paisagens que tinham importncia para a humanidade, e o objetivo
do MAB era estudar as relaes entre as populaes e o meio ambiente em diversas cidades
em torno do mundo, distribudas em um conjunto de 40 pases, entre elas a cidade de Porto
Alegre.
Merece destaque como um dos precursores dos estudos de percepo ambiental Kevin
Lynch2 (1997), ao voltar para as imagens das cidades a paisagem urbana tambm algo a ser
visto e lembrado, um conjunto de elementos do qual esperamos que nos d prazer.
Podemos dizer que o cidado tem associaes com alguma parte de sua cidade, e essa
imagem vem envolta de lembranas e significados. Sabendo que nada vivenciado em si
mesmo, mas sempre em relao aos seus arredores, s sequncias de elementos que a ele
conduz, lembrana de experincias passadas (LYNCH, 1997).
As obras de Kevin Lynch (1997) e Gordon Cullen (1972) foram pioneiras em
encorajar o desenvolvimento de metodologias projetuais com base em estudos de percepo
ambiental. Ambos admitiam que os tributos do meio ambiente natural e construdo
influenciam o processo perceptivo da populao, particularmente o visual, o que possibilita o
reconhecimento de qualidades ambientais e a formao de imagens compartilhadas pela
populao (DEL RIO, OLIVEIRA, 1999).
De acordo com TUAN (1983) os significados de espao e lugar so fundidos com
frequncia. O que se inicia como espao indiferenciado transformado em lugar medida que
o conhecemos melhor e o dotamos de valor. A experincia variada, pode ser direta e ntima,
ou indireta e conceitual, mediada por smbolos.
Posteriormente, TUAN (1983) define experincia como um termo que aborda as
diferentes formas pelas quais uma pessoa conhece e constri a realidade. Estas so alternadas
2 Kevin Lynch foi professor de city-planning do MIT (Massachusetts Institute of Technology). Estudou
arquitetura com F.L. Wright, fez estudos de psicologia e de antropologia, que o levaram a uma abordagem nova do problema do urbano. Voltou particularmente a ateno para o ponto de vista da conscincia perceptiva.
Limitando-se voluntariamente ao campo visual, estudou as bases da percepo especfica da cidade e procurou
isolar suas constantes, que deveriam integrar qualquer proposta de planejamento (CHOAY, 2003, p.306).
39
conforme os sentidos diretos e passivos como o olfato, paladar e tato, at a percepo visual
ativa e a maneira indireta de simbolizao.
Essa percepo visual discutida considerando como a esttica para emocionar as
pessoas, na qual o homem colocado diante do ambiente, podendo ach-lo bizarro, chocante,
calmo ou simplesmente feio, de acordo com a sua personalidade. Sendo o primeiro contato
que indivduos e grupos tm com o mundo, se d atravs da sensao captada pelos rgos
dos sentidos, porm a inteligncia que atribui significado ao que foi percebido (CULLEN,
1972; DEL RIO, OLIVEIRA, 1999).
Segundo Tuan (1980) percepo tida tanto como uma reao dos sentidos aos
estmulos externos, quanto como atividade intencional, na qual alguns fenmenos so
registrados com clareza, e outros so retidos. Muito do que percebemos valorizado, para a
nossa sobrevivncia biolgica e para propiciar algumas satisfaes que esto relacionadas
cultura.
Ainda para Tuan (1980) o estudo da percepo, das atitudes e dos valores do meio
ambiente extraordinariamente complexo, pois uma pessoa um organismo biolgico, um
ser social e um indivduo nico; percepo, atitude e valor refletem os trs nveis do ser. Os
seres humanos esto biologicamente bem equipados para registrar uma grande variedade de
estmulos ambientais. A maioria das pessoas durante suas vidas fazem pouco uso de seus
poderes perceptivos. A cultura e o meio ambiente determinam em grande parte quais os
sentidos so privilegiados.
O estudioso destaca que na experincia, com frequncia o significado de espao se
confunde com o de lugar, sabendo que espao mais abstrato do que o lugar. Porm as ideias
de espao e lugar no podem ser definidas uma sem a outra. O mesmo destaca a importncia
de compreender o que as pessoas sentem sobre espao, lugar e paisagem, considerando as
diferentes maneiras de experienciar (sensrio-motora, ttil, visual, conceitual) e interpretando
os espaos e lugares como imagens de sentimentos complexos (TUAN, 1983).
Assim sendo, Tuan (1980) salienta a importncia das experincias e subjetividades na
constituio dos lugares, analisando as diferentes maneiras como as pessoas sentem e
conhecem o espao,
Os problemas humanos quer sejam econmicos, polticos ou sociais, dependem do
centro psicolgico da motivao, dos valores e atitudes que dirigem as energias para os objetivos. As atitudes e crenas no podem ser excludas nem mesmo da
abordagem prtica, pois prtico reconhecer as paixes humanas em qualquer
40
clculo ambiental. (...) e de algum modo todos eles se referem maneira pela qual os
seres humanos respondem ao seu ambiente fsico a percepo que dele tm e o
valor que nele colocam. (TUAN, 1980, p. 1- 2).
vista disso, esclarecer como a utilizao do conceito de percepo ambiental tem se
inserido nas discusses uma tarefa importante e complicada para a democratizao da
cincia e dos saberes, visando garantir maior qualidade ambiental para todos.
Em um trabalho de Del Rio e Oliveira (1999), no qual os autores consolidam um
apanhado geral das pesquisas em percepo ambiental no Brasil, esses distinguem duas
vertentes principais de orientao epistemolgica: estruturalismo e fenomenologia. Sendo o
primeiro entendido como um conjunto de sistemas, cujas estruturas so reconhecveis, na qual
qualquer alterao sofrida por uma parte tender a se refletir no todo, admitindo-se relaes
causa-efeito. J a vertente fenomenolgica teria em Tuan e a geografia humanstica a sua
inspirao mais forte.
importante enfatizar duas colocaes relacionadas s categorias espao, lugar e
paisagem, que, no decorrer da dcada de setenta, passam a ter uma abordagem focada na
dimenso humana: o conceito de paisagem no se limitava ao mbito da natureza, mas
envolveria o ser humano com conscincia, afetividade e conhecimento crtico; espao seria
definido como espao vivido e lugares; como dimenso existencial e perceptiva. Essas
categorias redefinidas seriam o cerne de uma geografia no positivista, que havia ento se
denominado Geografia Humanstica (OLIVEIRA, 2001).
1.3 Geografia Humanstica
Foi na dcada de 1960 e 1970 que se buscou uma nova alternativa epistemolgica nos
estudos da percepo ambiental, pois as correntes neopositivista e neomarxista conduziam a
um excesso de teoria, objetividade e materialismo. Assim, surge um movimento que recebeu
o nome de Geografia Humanstica que tinha como objetivo estudar as percepes,
representaes, atitudes e valores dos homens de uma maneira geral, ou seja, os estudos de
41
percepo ambiental, tendo como um de seus contribuidores o gegrafo Yi-Fu Tuan
(1980;1982;1983;2006)3.
Conforme a perspectiva humanista, a Geografia prope uma nova maneira de olhar
para os fenmenos geogrficos, na qual so salientadas e valorizadas as experincias, os
sentimentos, a intuio, a subjetividade e a compreenso das pessoas sobre o meio ambiente
que habitam, buscando compreender e valorizar estes aspectos.
Segundo Tuan (1983), a Geografia Humanstica procura o entendimento do contexto
pelo qual as pessoas valorizam e organizam seu espao e nele se relacionam, expressando
valores e atitudes para com o meio ambiente, busca tambm a compreenso do mundo
humano por meio do estudo das relaes das pessoas com a natureza, do seu comportamento
geogrfico, assim como dos seus sentimentos e ideias a respeito do espao e do lugar.
Para Oliveira (2001), os desafios que se pem, por meio da Geografia Humanista, so
os de buscar respostas para a construo de valores e atitudes, dentro da nova tica das
relaes humanas e ambientais.
O universo da geografia constitui-se no somente de pases, cidades, propriedades
agrcolas, mares, relevo, clima, mas tambm de ideias, sentimentos, imagens e representaes.