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Centro Universitário de Brasília - UniCEUB Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais GUILHERME LOEBLEIN ZOGHBI ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA SATISFATIVA ANTECEDENTE NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL À LUZ DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA Brasília - 2016

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Centro Universitrio de Braslia - UniCEUB

Faculdade de Cincias Jurdicas e Sociais

GUILHERME LOEBLEIN ZOGHBI

ESTABILIZAO DA TUTELA DE URGNCIA SATISFATIVA ANTECEDENTE NO

NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL LUZ DO PRINCPIO DO CONTRADITRIO E

DA AMPLA DEFESA

Braslia - 2016

GUILHERME LOEBLEIN ZOGHBI

ESTABILIZAO DA TUTELA DE URGNCIA SATISFATIVA ANTECEDENTE NO NOVO

CDIGO DE PROCESSO CIVIL LUZ DO PRINCPIO DO CONTRADITRIO E DA AMPLA

DEFESA

Monografia apresentada como requisito para

concluso do curso de Bacharelado em Direito

pela Faculdade de Cincias Jurdicas e Sociais

do Centro Universitrio de Braslia

UniCEUB.

Orientador: Msc. Joo Ferreira Braga

Braslia - 2016

ZOGHBI, Guilherme Loeblein.

ESTABILIZAO DA TUTELA DE URGNCIA SATISFATIVA

ANTECEDENTE NO NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL LUZ DO

PRINCPIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITRIO

Guilherme Loeblein Zoghbi Braslia: O autor, 2016.

_____ f.

Dissertao apresentada para obteno do ttulo de Bacharel em

Direito pela Faculdade de Cincias Jurdicas e Sociais do Centro

Universitrio de Braslia UniCEUB.

Orientador: Msc. Joo Ferreira Braga

GUILHERME LOEBLEIN ZOGHBI

ESTABILIZAO DA TUTELA DE URGNCIA SATISFATIVA ANTECEDENTE NO NOVO

CDIGO DE PROCESSO CIVIL LUZ DO PRINCPIO DO CONTRADITRIO E DA AMPLA

DEFESA

Monografia apresentada como requisito para

concluso do curso de Bacharelado em Direito

pela Faculdade de Cincias Jurdicas e Sociais

do Centro Universitrio de Braslia

UniCEUB.

Orientador: Msc. Joo Ferreira Braga

Braslia, ___ de _____________ de 2016

Banca Examinadora

Prof. Joo Ferreira Braga

Orientador

Dr. ___________________

Examinador

Dr. ___________________

Examinador

DEDICATRIA

minha amada me, a quem guardo

profunda admirao por suas virtudes, dentre

elas: sua fora e sua fibra, por no ter deixado

me perder pelos caminhos da vida, onde pegou

minha mo e me direcionou por onde deveria

trilhar aos caminhos dos meus sonhos.

Ao meu amado pai, a quem sempre me educou

da maneira correta e que me deu suporte para

alcanar aos mais altos lugares da vida.

minha amada duduquinha, que pelo tempo

que esteve presente em minha vida, apoiou

cada deciso de meus genitores, e colaborou

efetivamente para atingir meus objetivos.

AMO TODOS VOCS!

AGRADECIMENTOS

Agradeo ao Professor Joo Ferreira Braga,

exemplo de mestre e amigo. Seu magnfico

apoio, sua dedicao e prestatividade foram

os pontos de destaque para que pudesse ter

foras para elaborar este rduo trabalho

monogrfico.

Em que pese essas palavras serem muito

aqum do que ele merece, retratam a

sinceridade de meus agradecimentos.

Agradeo tambm, ao Professor Renato

Castro Ramos, Juiz de Direito do Tribunal de

Justia do Distrito Federal, pela entrevista

concedida para este trabalho monogrfico,

onde me fez enxergar com mais clareza a

problemtica da minha pesquisa, e que

mostrou-me como trabalharia na prtica

diante desses problemas.

Voc se lembra de p na praia,

Com a sua cabea nas nuvens

E os seus bolsos cheios de sonhos?

Em direo Glria, nos sete mares da vida

Mas o mar mais profundo do que parece

O vento estava com voc

Quando voc partiu na mar da manh

Voc fixou sua vela para uma ilha no sol

No horizonte, nuvens escuras frente,

Pela tempestade est apenas comeando

Me leve com voc, me leve para longe,

E me leve para a praia distante

Veleje seu navio pela gua,

Abra suas asas no cu

Aproveite o tempo para ver

Voc a nica que segura a chave

Ou navios velejando passaro por voc

Voc chora por clemncia

Quando voc pensa que voc perdeu o seu caminho

Voc flutua sozinho,

Se toda sua esperana se foi

Mas encontre a fora e voc ver

Que voc controla o seu destino

Afinal de contas dito e feito.

(Sailing Ships. David Corvedale, Whitesnake.).

RESUMO

O presente trabalho monogrfico examinar a inovao posta pelo novo Cdigo

de Processo Civil, prevista em seu Ttulo V, que o instituto da estabilizao da tutela

antecipada antecedente. A problemtica constatada, mais especificamente no artigo 304, cinge

aos meios de se obstar a estabilizao da tutela antecipada, onde a lei prev que essa torna-se

estvel se da deciso que a conceder no for interposto o respectivo recurso. Ao que parece,

a mens legis define o agravo de instrumento como sendo o nico meio capaz de afastar a

estabilizao da tutela, uma vez que o artigo 304 refere-se ao termo interposto. Outrossim,

para parcela doutrina, o termo a que se refere o artigo supra mais abrangente, uma vez que a

doutrina majoritria considera a natureza jurdica dos recursos como um remdio processual,

podendo-se dizer que, para obstar a estabilizao basta que o requerido se oponha da deciso

concessiva por meio de qualquer remdio legtimo no Cdigo de Processo. No obstante,

foram constatados outros diversos problemas, como a da estabilizao para direitos

disponveis e a aplicabilidade da ao rescisria aps o transcurso do prazo para recorrer e da

propositura da ao autnoma de impugnao. Diante disso, para que se compreenda melhor

os problemas em tela, foi definida a seguinte estruturao: O primeiro captulo tratar dos

princpios constitucionais, principalmente o do contraditrio e o da ampla defesa, com

substrato em outros princpios correlatos, bem como na evoluo desses diante do cenrio

constitucional percorrido pelos sculos XIX e XX. O segundo captulo ir expor o instituto

das tutelas provisrias do novo Cdigo de Processo Civil dando maior nfase a tutela de

urgncia satisfativa antecedente, a evoluo da tutela antecipada na transio do Cdigo de

Processo Civil de 1973 para a nova legislao, bem como as peculiaridades do instituto. E por

derradeiro, ir se discutir os problemas apresentados pela doutrina e as suas possveis

solues para a dubiedade presente na lei processual.

Palavras chaves: novo Cdigo de Processo Civil. Estabilizao da tutela antecipada

antecedente. Princpio do Contraditrio e da Ampla defesa. Direitos Indisponveis. Ao

Rescisria.

SUMRIO

INTRODUO ...................................................................................................................... 11

1 PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO ................................................... 14

1.1 Consideraes sobre a Importncia do Tema ............................................................... 14

1.2 Constitucionalizao do Direito ..................................................................................... 16

1.3 Normas Constitucionais: a diferenciao entre regras e princpios ............................ 18

1.3.1 O debate entre Herbert Hart, Ronald Dworkin e Robert Alexey .................................... 18

1.3.2 Definies ........................................................................................................................ 20

1.3.3 Direito Constitucional Processual e os Princpios de Direito ........................................ 22

1.4 Neoconstitucionalismo e seu Marco Terico: sua interpretao jurdica com base nos

princpios constitucionais ....................................................................................................... 24

1.5 Princpios em Espcie ....................................................................................................... 27

1.5.1 Princpio do Contraditrio e o Princpio da Cooperao entre as partes ..................... 27

1.5.2 Princpio da Isonomia como substrato do Princpio do Devido Processo Legal ........... 30

1.5.3 Princpio da Eficincia e a Flexibilizao Procedimental .............................................. 31

1.5.4 Princpio da Motivao das Decises Judiciais ............................................................. 33

2 TUTELAS PROVISRIAS NO NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL ................ 36

2.1 Exposio do Tema com nfase nas alteraes do Novo Cdigo de Processo Civil .... 36

2.2 Tutelas Provisrias: distino terminolgica entre provisoriedade, temporariedade e

definitividade ........................................................................................................................... 37

2.3 Tutela de Urgncia: distino entre as espcies, tutela satisfativa e tutela cautelar .. 40

2.4 O Histrico da Tutela Antecipada: do seu nascimento at unificao dos institutos

e de seus requisitos de concesso da tutela provisria ........................................................ 42

2.4.1 Passagem histrica da evoluo das tutelas antecipadas pelas Leis n 5.869 de 1973 e

n 13.105 de 2015 ..................................................................................................................... 42

2.4.2 Da unificao dos institutos da tutela antecipada e da tutela cautelar no novo Cdigo

de Processo Civil ...................................................................................................................... 44

2.4.3 Dos requisitos de concesso das tutelas provisrias de urgncia .................................. 47

2.5 Das Formas de Requerimento das Tutelas Provisrias de Urgncia ........................... 50

2.6 Da Estabilizao dos Efeitos da Tutela Antecipada Requerida em Carter

Antecedente ............................................................................................................................. 53

2.6.1 Noes gerais sobre a estabilizao dos efeitos da tutela antecipada antecedente ....... 53

2.6.2 Condies para se estabilizar a tutela antecipada antecedente...................................... 56

2.6.3 Dos meios capazes de obstar a estabilizao e as formas de manifestao da parte

contrria frente a deciso que concede a tutela antecipada antecedente ................................ 58

2.6.4 Coisa julgada na estabilizao dos efeitos da tutela antecipada antecedente?.............. 59

2.6.5 Ao autnoma de impugnao aps a estabilizao dos efeitos da tutela antecipada

antecedente ............................................................................................................................... 62

3 DA DEBILIDADE DA ESTABILIZAO DA TUTELA ANTECIPADA

ANTECEDENTE FRENTE AO PRINCPIO DO CONTRADITRIO E DA AMPLA

DEFESA E SEUS DEMAIS PROBLEMAS ........................................................................ 64

3.1 Faces da Estabilizao da Tutela Antecipada Antecedente e a Inobservncia dos

Princpios do Contraditrio e da Ampla Defesa: carncia legal de oportunidades de

manifestao do ru ................................................................................................................ 67

3.2 Dos Possveis Meios Legtimos Capazes de Obstar a Estabilizao da Tutela

Antecipada Antecedente em Consonncia com o Princpio do Contraditrio e da Ampla

Defesa ....................................................................................................................................... 71

3.2.1 Da terminologia respectivo recurso empregada pelo artigo 304 do novo Cdigo de

Processo frente as noes gerais da natureza dos recursos vistas pela doutrina: a viso dos

recursos como remdios processuais ....................................................................................... 72

3.2.2 Da Flexibilizao Procedimental .................................................................................... 76

3.2.3 Do Juzo de Retratao Estabelecido no Agravo de Instrumento e a Estabilizao da

Tutela Antecipada ..................................................................................................................... 79

3.3 Da Estabilizao da Tutela Antecipada Antecedente e do Julgamento Antecipado da

Lide: semelhanas e sua aplicabilidade frente aos direitos indisponveis ......................... 80

3.4 Da No Formao da Coisa Julgada e da Ao Autnoma de Impugnao: suas

correlaes com a ao rescisria.......................................................................................... 83

CONCLUSO ......................................................................................................................... 88

REFERNCIAS ..................................................................................................................... 92

11

INTRODUO

O instituto das tutelas provisrias foi significativamente alterado pela Lei

n.13.105 de 2015, a qual trouxe consigo eloquentes extines e inovaes ao longo dos

artigos 294 at ao 311 do Ttulo V.

O Cdigo de Processo Civil de 1973 previa em seu Livro III o procedimento

cautelar, que regulamentava a tutela provisria de urgncia cautelar, bem como previa em seu

artigo 273 a antecipao dos efeitos da tutela satisfativa. Tais institutos no se confundiam e

seguiam linhas distintas, sendo o primeiro, destinado a tutelar bens da vida que corriam risco,

fundado no fumus boni iuris e no periculum in mora, no fito de resguardar e conservar o

resultado til do processo. J o segundo, era destinado a tutelar, com base na prova

inequvoca, de modo a constituir a verossimilhana das alegaes, e no fundado receio de

dano irreparvel ou difcil reparao.

Conforme se depreender ao longo do presente trabalho, o novo Cdigo de

Processo Civil expressa significativa remodelao do instituto das tutelas provisrias,

constatada pela eliminao do procedimento cautelar, o que ensejou, consequentemente a

isso, na unificao das tutelas provisrias. Outra proposio legislativa que se extrai da

unicidade dessas tutelas a de que seus requisitos essenciais para concesso passaram a ser

iguais, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano.

Outro ponto loquaz, inaugurado pela nova legislao processual, o advento da

nova espcie de tutela provisria, denominada de tutela de evidncia. Ao contrrio das tutelas

de urgncia, esta evidenciada pela demonstrao cabal do direito pleiteado, que independe

da demonstrao de perigo de dano ou de risco ao resultado til do processo.

Sem embargos, o novo Cdigo de Processo Civil conservou as formas de

requerimento dessas tutelas provisrias, destacando a manuteno do meios incidenteis e

cumulativos de se pleite-las. No obstante, denota-se o esforo legislativo para

internacionalizar o direito processual, pelo qual houve a importao de uma nova forma de se

requerer uma tutela urgncia, de origem alem, francesa e portuguesa, chamada de tutela de

urgncia requerida em carter antecedente.

Por essa forma de requerimento, entende-se que o requerente, caso queria pleitear

uma tutela de urgncia, sendo ela contempornea a data da propositura do pedido, pode

requere-la de forma antecedente, ou seja, limitar-se ao pedido de tutela provisria de urgncia,

12

para que posteriormente, adite suas razes acrescidas do pedido de tutela definitiva. Com

efeito, se a medida de urgncia for deferida pelo magistrado, o requerido dever cumprir a

determinao judicial e, ou, se manifestar contra a deciso por meio do agravo de

instrumento, pelo novo prazo de quinze dias. Se ao contrrio disso, o requerido no

pronunciar sua impugnao, e transcorrido o prazo para a interposio do respectivo recurso

in albis, a tutela deferida torna-se estvel, e o juiz extinguir o processo se no for aditada as

razes autorais.

Alm disso, a legislao processual no deixa o requerido a deriva aps o

transcurso do prazo para impugnao pela via do agravo de instrumento. O artigo 304, em seu

2, prev a possibilidade da propositura de uma ao autnoma de objeo estabilizao da

tutela antecipada antecedente dentro do prazo de dois anos, com termo inicial a ser contado da

data em que o requerido teve cincia da deciso que extinguiu o processo.

Entretanto, percebe-se da leitura dos artigos 300, 2, 303 e 304, correspondentes

tutela provisria, que a inovao da estabilizao dos efeitos da tutela antecipada

antecedente aparenta certas dificuldades, principalmente quando estas so conferidas em

carter liminar, que dentre elas, destaca-se a carncia de meios ordinrios para manifestao

do requerido, onde este s ter oportunidade de ser ouvido em sede de recurso, outro ponto a

movimentao desnecessria da mquina estatal por meio da ao autnoma de impugnao

para rever o contedo da tutela antecipada antecedente estabilizada, assim como tambm se

insurgem diferentes resistncias, como o estabelecimento dos honorrios de sucumbncia no

tocante a estabilizao da tutela antecipada antecedente, o seu deferimento parcial pelo juzo

de primeiro grau, a aplicabilidade da ao rescisria aps o transcurso do prazo decadencial

da ao autnoma de objeo.

Para isso, o presente trabalho monogrfico cingir sua abordagem aos problemas

advindos dessa estabilizao precoce, e que podero transtornar o processo civil brasileiro

nestes primeiros anos de vigncia novo Cdigo de Processo Civil.

Assim, o plano programado para essa pesquisa ser feito da seguinte forma. No

primeiro captulo, optou-se em adotar a matria do Direito Constitucional como meio de

introduo a matria processual, por meio da abordagem da constitucionalizao do direito,

do neoconstitucionalismo e da origem dos normas jurdicas, sob a anlise aprofundada dos

princpios constitucionais correlatos ao processo civil.

13

Em segundo plano, o captulo subsequente tratar, em sua inteireza, do estudo das

tutelas provisrias no mbito do novo Cdigo de Processo Civil, abordando aspectos

comparativos com as tutelas provisrias da legislao processual revogada, bem como ser

objeto desse labor o exame da estabilizao da tutela antecipada antecedente como inovao

introduzida no novo cdice, e suas peculiaridades.

E por fim, no quarto e ltimo captulo, o estudo ser dirigido ao estudo dos

perceptveis problemas que se constatam na estabilizao da tutela antecipada antecedente do

novo Cdigo de Processo Civil, fazendo aluso aos temas trabalhados nos captulos

antecessores, e, se possvel, apresentar algumas solues aptas a sanar as dvidas envoltas ao

instituto com auxlio das pesquisas cientficas e da doutrina, uma vez que o posicionamento

dos tribunais so escassos em razo da recm vigncia da nova lei.

14

1 PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO

1.1 Consideraes sobre a Importncia do Tema

No fito de alcanar a melhor compreenso do tema do presente trabalho,

imperioso se torna estudar os aspectos da Constituio Federal, para que em momento

posterior, se adentre anlise do Direito Processual Civil e suas respectivas bases normativas

oriundas do Direito Constitucional, ressaltando suas correlaes e a hierarquia entre a norma

processual e a norma fundamental. Para tanto, ser feita, em um primeiro momento, uma

abordagem dinmica sobre a importncia do estudo do Direito Constitucional, para que depois

disso, o estudo seja voltado ao exame dos princpios constitucionais do processo previstos na

Carta Magna, sob o enfoque da inviolabilidade destes como garantias constitucionais.

bem verdade que o vocbulo constituio proveniente do verbo constituir, o

qual tem diversos sentidos, dentre eles, o papel de estabelecer, formar, organizar, compor, e

que at mesmo, da etimologia da palavra, constituir algo. No mbito do direito, a palavra

Constituio refere-se instituio de um regime jurdico pautado no Estado Democrtico de

Direito, que tem por sua essncia a instituio de direitos e deveres do Estado, de sua

organizao e dos poderes a ele inerentes, suas limitaes e sua soberania como poder

estatal.1

Adepto a esse entendimento, Jos Afonso da Silva corrobora no mesmo sentido de

que todos esses conceitos Exprimem, todas, a ideia de modo de ser de alguma coisa, e por

extenso, a de organizao internas de seres e entidades. Nesse sentido que se diz que todo

Estado tem constituio, que o simples modo de ser do Estado2.

Por outro lado, a Constituio de um Estado Democrtico de Direito se pauta em

conduzir, alm dos direitos supra mencionados, diversos outros tipos de normas que servem

de base para o desenvolvimento e segurana de determinado regime jurdico, que so os

chamados de direitos e garantias fundamentais, que tem por escopo a regulamentao e

disciplina desses direitos e deveres individuais e coletivos, bem como os direitos sociais e os

direitos polticos.

1 MORAES, Alexandre de. Constituio do Brasil Interpretada e Legislao Constitucional. 9. ed. So Paulo:

Atlas, 2013. p. 4. 2 DA SILVA, Jos Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35. ed. So Paulo: Malheiros, 2011. p. 37.

15

Paulo Bonavides, em sua anlise sobre o tema, aclara as menes supracitadas

com o seguinte argumento:

Em suma, o estabelecimento de poderes supremos, a distribuio da

competncia, a transmisso e o exerccio da autoridade, a formulao

dos direitos e das garantias individuais e sociais so objeto do Direito

Constitucional contemporneo. Revela-se este mais pelo contedo das

regras jurdicas a saber, pelo aspecto material do que por efeito de

aspectos ou consideraes formais, dominantes historicamente.3

Conforme se depreender mais adiante, a Constituio Federal de 1988 um

resultado de um grande trabalho legislativo e de desenvolvimento social, pelo qual

ultrapassou diversos obstculos ao longo do sculo XX, tempo este, caracterizado tanto pelo

regime autoritrio quanto pelo regime democrtico, sem se olvidar da conquista da

supremacia da Constituio, o qual foi o marco em que esta passou a ser considerada como o

ncleo de todo o ordenamento jurdico ptrio, onde suas normas comearam a traar os rumos

do Direito Brasileiro ante a fora normativa da constituio.

Concluda as delimitaes conceituais dessas noes introdutrias do que vem a

ser a Constituio Federal, resta concluir que a lei fundamental a base normativa de todo o

regime jurdico, pela qual todas as legislaes de ordem infraconstitucional, que porventura

surgirem, devero atender aos seus preceitos, e no violar suas normas, sob pena de serem

declaradas inconstitucionais, ao ponto de se tornarem ineficazes, invlidas e inexistentes.

A pergunta que insurge neste contexto : Qual a relao entre as normas de

direitos fundamentais previstas na Constituio Federal com a legislao infraconstitucional

que regulamenta o procedimento que instrumentaliza os direitos materiais em juzo, mais

especificamente, o Cdigo de Processo Civil?

Cumpre destacar, antes de responder a esta pergunta, as menes de Cassio

Scarpinella Bueno:

[...] deve ser posto em primeiro lugar, inclusive em ordem de pensamento,

verificar em que medida a Constituio Federal quer que o direito processual

seja. verificar, na Constituio Federal, qual ou, mais propriamente,

qual deve-ser o modo de ser de dever-ser do processo civil. extrair da

Constituio Federal o modelo constitucional do processo civil e, a partir

dele, verificar em que medida as disposies legais anteriores sua entrada

em vigncia foram por ela recepcionadas, em que medida as disposies

normativas baixadas desde ento esto em plena consonncia com aqueles

valores ou, escrito de forma mais precisa, bem realizam os desideratos que a

3 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29. ed. So Paulo: Malheiros, 2014. p. 34.

16

Constituio quer sejam realizados pelo processo ou, ainda, em que medida

elas concretizam o modelo constitucional do processo civil. verificar,

em suma, em que condies o legislador e o magistrado, cada um

desempenhando seu prprio mister institucional, tm de conceber, interpretar

e aplicar as leis para realizar adequada- mente o modelo constitucional do

processo civil.

Consegue-se extrair a resposta pretendido do referido trecho, podendo denotar que

a relao existente entre a Constituio Federal e o Direito Processual parte do movimento

denominado de constitucionalizao do direito processual, bem como pelo

neoconstitucionalismo.

No obstante a legislao infraconstitucional estar vinculada a disciplinar os

rumos do desenvolvimento, da procedimentalizao e da instrumentalidade do direito material

em juzo com base na Lei Fundamental de 1988, deve-se atentar ao fato de que tais

legislaes esto estritamente ligadas com as diretrizes pautadas pela fora normativa da

constituio.

Em virtude dessas consideraes, convm ilustrar essas assertivas no dizeres do

art. 1 do novo Cdigo de Processo Civil, que traz consigo a disposio de que: o processo

civil ser ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais

estabelecidos na Constituio da Repblica Federativa do Brasil, observando-se as

disposies deste Cdigo.

Em remate, resta convir que a Constituio Federal, por se tratar de uma norma de

valor hierrquico superior s demais, por fora do princpio da supremacia da constituio,

deve conter o carter orientador do ordenamento jurdico (incluindo a legislao processual),

definindo seus escopos, suas ideologias, seus valores e suas normas, compostas de regras e

princpios, no fito de regulamentar as condutas do Estado e do cidado, bem como seus

respectivos direitos e deveres.

Neste passo, dar-se incio ao estudo do primeiro movimento que guarda relao

ao tema ora apresentado, qual seja, a constitucionalizao do direito.

1.2 Constitucionalizao do Direito

Aps a travessia do Brasil pelo pice de instabilidade poltica no sculo XX,

perodo este, marcado pela ditadura militar em meados dos anos trinta, pelo arbtrio dos

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

17

membros do poder e pelo o autoritarismo nos anos de 1967 1969, fez com que os

legisladores constituintes, dentro de suas funes tpicas, elaborassem a Constituio Federal

de 1988 de maneira mais atenta, podendo perceber-se que a partir de sua promulgao, o

escopo maior de sua existncia seria a implementao de um Estado Democrtico de Direito,

no nimo da busca do equilbrio, bem como do amadurecimento da Repblica Federativa.

Este marco, nas palavras de Lus Roberto Barroso, simboliza que a Constituio Federal de

1988 tem a virtude suprema de simbolizar a travessia democrtica brasileira e de ter

contribudo decisivamente para a consolidao do mais longo perodo de estabilidade poltica

da histria do pas4.

Desta forma, com o advento da Constituio Federal de 1988, surgiu o movimento

chamado de constitucionalizao do direito. Dentre as diversas concepes acerca desta

terminologia, a que melhor reflete o seu significado a de que a constitucionalizao do

direito serve para identificar, ademais, o fato de a Constituio formal incorporar em seu

texto os mais diversos temas afetos aos ramos infraconstitucionais do Direito5, o que

resultado da centralizao da Constituio Federal diante todo o ordenamento jurdico,

passando, em razo disso, a introduzir os mais variados temas do direito ordinrio em seu

texto legal, luz de suas regras e princpios.

Mister se torna diferenciar, neste passo, que a constitucionalizao do direito no

se trata da insero das legislaes de cunho infraconstitucional na Constituio Federal, mas

sim, sobretudo, a reinterpretao de seus institutos sob uma tica constitucional6.

Paulo Luiz Netto Lbo leciona ainda que a constitucionalizao do direito,

entendida como insero constitucional dos fundamentos de validade jurdica das relaes

civis, mais do que um critrio hermenutico formal7, enaltecendo-se desta forma, a

interpretao material desses direitos.

Feita estas consideraes, percebe-se que a Constituio Federal de 1988, tendo

transcorrido pelos os rduos tempos de instabilidade poltica e social, superou barreiras e no

momento de sua elaborao, tomou seu lugar ao centro do ordenamento jurdico ptrio, e

incrementou em seu corpo material, as bases dos mais diversos ramos do direitos, o que fez

4 BARROSO, Lus Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalizao do Direito: O triunfo tardio do direito

constitucional no Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 1-42, jan. 5 Ibidem.

6 Ibidem.

7 LBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalizao do Direito Civil. Revista de Informao Legislativa. Braslia. n.

141. p. 99-109. jan./mar. 1999.

18

com que todas as legislaes de ordem infraconstitucional devessem passar pelo crivo da lei

constitucional, tanto no momento de sua elaborao, quanto no momento de sua

aplicabilidade.

Neste momento, aps transcorrer sobre a anlise da constitucionalizao do

direito, se torna primordial examinar as normas jurdicas constitucionais e seus respectivos

desenvolvimentos tericos.

1.3 Normas Constitucionais: a diferenciao entre regras e princpios

luz da importncia deste tema para a dinmica do presente trabalho, optou-se

em explanar acerca das normas constitucionais neste tpico em apartado para trazer as

conceituaes etimolgicas do termo princpio, sua natureza, sua relao com o direito

constitucional e os demais ramos do direito, bem como trazer alguns dos princpios correlatos

ao campo do direito processual civil e ao tema da estabilizao da tutela provisria de

urgncia satisfativa antecedente.

Em consonncia com as diretrizes acima propostas, dar-se incio aos conceitos

que giram em torno da norma jurdica constitucional denominada de princpio.

1.3.1 O debate entre Herbert Hart, Ronald Dworkin e Robert Alexey

Um dos traos que se acentuam com a era ps-positivista da Constituio Federal

fato da norma do sistema jurdico ter adquirido um padro aberto frente aos direitos e

garantias fundamentais do texto legal constitucional, pelo qual constata-se a fora normativa,

tanto das regras como dos princpios, sendo este ltimo equiparado ao primeiro, como norma

jurdica de um Estado democrtico de direito, sem distines hierrquica.8

Entretanto, para se chegar a este ponto, houve um processo evolutivo doutrinrio

acerca desta distino entre as normas jurdicas, principalmente envoltas sobre as regras e os

princpios. Para melhor compreenso, dar-se incio a explanao doutrinria de Hebert Hart,

passando-se em seguida as lies de Ronald Dworkin.

Herbet Hart, adepto ao positivismo jurdico, defende em sua obra sobre o conceito

de direito que a norma jurdica, a priori composta somente de regras positivadas, serviam

8 NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Rio de Janeiro: Mtodo, 2012. p. 122.

19

para regulamentar o ordenamento jurdico ao ponto de solucionar as questes advindas de

problemas, eis que a grande maioria das discusses em torno do direito apresentavam-se em

menor grau de complexidade, servindo a regra para dirimir os litgios em juzo. Aos casos em

que apresentassem maior complexidade, os quais no existissem uma regra especfica para

determinar a soluo especfica daquele ponto, Hart sustentava que o papel do julgador seria

determinante, pois a lei poderia conferir-lhe poderes discricionrios para seu julgamento,

desde que fossem devidamente fundamentados e coexistissem com a lgica jurdica.9

Noutra vereda, sucessivamente a Hebert Hart, a doutrina de Ronald Dworkin

ganhou espao no cenrio jurdico ante o desenvolvimento terico das normas jurdicas. Este

doutrinador elaborou em seu trabalho levando o direito a srio um debate crtico quanto a

unicidade das normas jurdicas fundadas nica e exclusivamente em regras positivadas.

Contrape a este entendimento adotado por Hart, fundamentando que a regra no

suficientemente capaz de apresentar uma proposta eficiente para os problemas denominados

de hard cases, afirmando ainda que, diante de casos em que no uma regra aplicvel quela

determinada situao, o julgador no pode ter poderes discricionrios ao decidir determinadas

situaes, sendo a deciso ineficaz.10

Desta forma, Ronald Dworkin prope que o sistema jurdico no seja composto

somente por regras concretas do direito, mas que o ordenamento jurdico tambm seja

harmonizado pela presena de princpios, no fito de que as normas jurdicas sejam a

conjuno de regras, de carter concreto, e princpios, de carter abstrato.11

Neste passo, convm colacionar ao presente tpico o posicionamento de Robert

Alexy, que adaptou o entendimento feito por Ronald Dworkin, incrementando definies

acerca de sua linha ps-positivista.

Em sua doutrinria, Alexy mantm os fundamentos utilizados por Dworkin, e

acrescenta a principal distino entre regras e princpios. Inicialmente, ele traz suas distines

divididas em dois pontos. O primeiro deles, os distingue pela subdiviso percebida entre os

dois, sendo ambos espcies do gnero norma, ou seja, o que os diferenciam que as regras e

os princpios sos espcies autnomas do gnero denominado de norma jurdica. A segunda

9HART, Herbet. O Conceito de Direito. 1. ed. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 139

10DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. 9. ed.Cambridge: Harvard University Press, 2002. p. 22

11SOUSA, Felipe Oliveira de. O Raciocnio Jurdico entre Princpios e Regras. Revista de Informao

Legislativa. Braslia. n. 192. p. 95-109. out./dez. 2011.

20

distino pautada na diferenciao qualitativa entre essas duas espcies de norma, sem

qualquer tipo de distino de grau e hierarquia entre si.12

Ademais, Alexy traz importante conceituao sobre os princpios, o qual

considera-os como mandamentos de otimizao, sendo as regras estabelecidas como

mandamentos definitivos. A prpria rubrica induz ao entendimento de que os princpios tem

maior capacidade de abranger o direito ao todo, enquanto as regras tem um delimitado campo

de abrangncia, em razo de sua previso solidificada dos atos e consequncias previstas no

dispositivo legal.13

Feitas estas consideraes sobre a evoluo terica da evoluo das normas

jurdicas, passa-se ao exame da definio de princpio em seu sentido lato.

1.3.2 Definies

So vrios os conceitos que se apresentam quando se trata da palavra princpio,

desde os conceitos daqueles que se dedicam a estudar a etimologia das palavras at os mais

renomados juristas contemporneos.

Para Aurlio Buarque de Holanda Ferreira, a palavra princpio traz o significado

de um momento ou local ou trecho em que algo tem origem14

. Voltada para a rea de

atuao em que essa terminologia est sendo trabalhada, tambm pode se definir que a palavra

significa a origem de algo, de uma ao ou de um conhecimento15

.

J para os juristas, a viso do que vem a ser um princpio incontestavelmente

mais ampla.

Paulo Bonavides define princpios, em seu aspecto jurdico, como verdades

objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, seno do dever-ser, na qualidade de

normas jurdicas, dotadas de vigncia, validez e obrigatoriedade16

.

12

ALEXY, Robert. Conceito e Validade do Direito. So Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 85. 13

SOUSA, Felipe Oliveira de. O Raciocnio Jurdico entre Princpios e Regras. Revista de Informao

Legislativa. Braslia. n. 192. p. 95-109. out./dez. 2011. 14

FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Aurlio Sculo XXI: o dicionrio da lngua portuguesa. 3. ed.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1639. 15

Ibidem 16

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29. ed. So Paulo: Malheiros, 2014. p. 261.

21

Amrico Pl Rodrigues vai alm e acrescenta que princpios so linhas diretrizes

que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma srie de solues, pelo

que, podem servir para promover e embasar a aprovao de novas normas.17

Para Marcelo Jos Magalhes Bonicio, onde trabalha claramente essa concepo

em seu livro de direito processual, afirma que deve-se ter a ideia de que tais princpios so,

em geral, orientaes ou caminhos a serem seguidos ou, ainda, pautas diretivas18

.

Sem embargo as explicaes acima transcritas, percebe-se que as ideias mais

variadas que se tm do termo princpio so todas vlidas e aplicveis aos demais ramos da

cincia. Entretanto, para o estudo do Direito, deve-se, antes de tudo, ter cautela para adentrar

aos seus estudos principiolgicos, haja vista suas peculiaridades, principalmente diante

daquelas noes que se tinham de princpios nos tempos do perodo positivista.

Fundamentalmente, os princpios so considerados como normas, uma vez que a

Constituio Federal de 1988 atribuiu-lhes fora normativa. Conforme se depreende das

informaes destacadas anteriormente, os princpios alvorejam os valores de determinada

sociedade, manifestando a ideologia da cultura daquele determinado povo. Diferentemente, as

regras (espcies de normas) tm a funo de definir qual o comportamento esperado daquele

determinado povo, delimitando seus direitos e deveres, a espera de que esses sejam

respeitados de maneira objetiva, ou seja, as regras so aplicadas ao modo tudo ou nada

sim/no 19

.

Lus Roberto Barroso, salienta que, apesar de haver o devido reconhecimento dos

princpios como normas de direito, a menor densidade jurdica de tais normas impede que

delas se extraia, no seu relato abstrato, a soluo completa das questes sobre as quais,

incidem20

.

Sob tal premissa, deve-se sanar a dvida que surge diante do relato acima. Os

princpios, enquadrados como espcie do gnero norma, j que no permite a composio

plena de situaes fticas, com base, nica e exclusivamente, no dispositivo de um princpio

17

Rodriguez, Amrico Pl. Princpios de Direito do Trabalho. So Paulo: LTR, 1978. p.15 18

BONICIO, Marcelo Jos Magalhes. Princpios do Processo no Novo Cdigo de Processo Civil. So Paulo:

Saraiva, 2016. p. 21. 19

FERNANDES, Bernardo Gonalves. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2013.

p.284. 20

BARROSO, Lus Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalizao do Direito (O triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 1-42, jan.

22

previsto no texto legal, qual seria a expectativa que se espera dessa espcie de norma dentro

do ordenamento jurdico?

Desta forma, o apontamento mais conveniente a ser adotado nestas alturas para

solver essa problemtica ser o utilizado por J.J. Gomes Canotilho, denominado de grau de

fundamentalidade, o qual diz que os princpios so normas de natureza estruturante ou com

um papel fundamental no ordenamento jurdico devido sua posio hierrquica no sistema

das fontes (ex.: princpios constitucionais) ou sua importncia estruturante dentro do sistema

jurdico.21

.

Em face dessa resposta apresentada por Canotilho, pode-se concluir que os

princpios se apresentam com carter integrativo da regra jurdica, sendo eles elementos que

estruturam tanto a formao das leis, como em sua aplicao nos casos concretos, tendo um

papel fundamental nas resolues de problemas jurdicos. Alm do mais, nos casos em que a

lei for silente quanto pretenso em juzo que se pleiteia, o juiz no poder se esquivar de

solucionar tal questo. Portanto, o magistrado se valer dos princpios que lhe so disponveis,

sendo eles explcitos ou implcitos, para dizer o direito para aquela determinada situao.

1.3.3 Direito Constitucional Processual e os Princpios de Direito

Feitas essas consideraes sobre os princpios, onde foram trabalhados seus

conceitos e vises sobre o novo Direito Constitucional sob perspectiva da era ps-positivista,

ser feita, a partir deste tpico, uma anlise da construo terica com base no ramo do

Direito Processual Civil.

Conforme visto em outras alturas, os princpios integrantes da Lei Fundamental,

ganharam fora normativa no decorrer do sculo XX, at adentrar o incio do sculo XXI,

passando a ter um carter integrador das regras constitucionais e infraconstitucionais, devido a

sua abstrao normativa, bem como passou a implantar diretrizes para construo de novas

regras, estando o legislador e os magistrados vinculados mens legis, a qual transparece a

ideologia daquele Estado Democrtico de Direito.

No que tange ao Direito Processual Civil, de se notar que este um ramo

autnomo dos demais direitos que compe o ordenamento jurdico, tendo como escopo a

regulamentao da procedimentalizao do direito em juzo, ou fora dele (arbitragem,

21

CANOTILHO, J.J GOMES. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 7. ed. Coimbra: Almedina,

2003. 1160.

23

podendo instrumentalizar tanto as matrias de direito privado, bem como as de direito

pblico, com suas devidas especificidades.

Em que pese o Direito Processual caracterizar-se como ramo do direito pblico, o

qual dotado de autonomia perante as demais matrias do ordenamento jurdico, est

inteiramente vinculado s normas (regras e princpios) do Direito Constitucional.

Entretanto, para fins acadmicos, os doutrinadores costumam subdividir esta

matria processual ligada a Constituio Federal em duas linhas, quais sejam: a) Direito

Constitucional Processual, e o b) Direito Processual Constitucional22

. Para o presente

trabalho, optou-se em limitar o estudo dessas linhas acadmicas apenas quanto ao Direito

Constitucional Processual, em razo da pertinncia temtica que est se desenvolvendo neste

trabalho monogrfico.

Assim, Nelson Nery Jr, em sua obra especfica sobre o estudo dos princpios

constitucionais voltados para o ramo processual, de pronto esclarece a distino entre as duas

divises supracitadas:

comum dizer-se didaticamente que existe um Direito Constitucional

Processual, para significar o conjunto das normas de Direito Processual que

se encontra na Constituio Federal, ao lado de um Direito Processual

Constitucional, que seria a reunio dos princpios para o fim de regular a

denominada jurisdio constitucional.

Exemplos de normas de Direito Constitucional Processual podemos

encontrar no art. 5., n. XXXV, art. 8., n III, etc. De outra parte, so

institutos de Direito Processual Constitucional o mandado de segurana, o

habeas data, a ao direta de inconstitucionalidade, etc.23

Diante destas distines, denota-se que, apesar de haver um liame tnue entre as

duas concepes acadmicas, elas se distinguem substancialmente, sendo a primeira delas

destinada a observar o aglomerado de normas jurdicas processuais no mbito da Constituio

Federal, e o segundo pautado em regulamentar a jurisdio constitucional com auxlio dos

princpios.

O Direito Constitucional faz referncia as mais variadas normas de Direito

Processual, sob o mbito da Constituio Federal, dentre elas, citam-se as regras e princpios.

A ttulo de exemplificao, menciona-se o artigo 5., que trata dos direitos e garantias

22

NERY JR, Nelson. Princpios do Processo Civil na Constituio Federal. 8. ed. So Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2004. p. 26. 23

Ibidem.

24

fundamentais, mais especificamente, os incisos XXXIV, alnea a, XXXV, LV, bem como o

artigo 1, que trata dos princpios fundamentais, em ateno especial ao inciso III.

Ainda neste sentido, Cndido Rangel Dinamarco apresenta seu posicionamento

sob as seguintes menes: Dois sentidos vetoriais em que elas se desenvolvem, a saber: a)

no sentido Constituio processo, tem-se a tutela constitucional deste e dos princpios que

devem reg-lo, alados a nvel constitucional..24

Portanto, a ttulo de concluso do estudo do presente tema, resta dizer que os

princpios, mesmo que no estejam expressamente descritos no texto legal da legislao

infraconstitucional, esto vinculados implicitamente Constituio Federal. Ressaltando-se

que o princpios que encontram-se encorpados no texto constitucional, so chamados de

Direito Constitucional Processual, sendo esta a razo pela qual todos devem conhecer e

aplicar o Direito Constitucional em toda a sua extenso, independentemente do ramo do

direito infraconstitucional que se esteja examinando25

.

Pari passu, conveniente abordar a importncia do neoconstitucionalismo e de

seu respectivo marco terico para enfatizar a relevncia dos princpios de direito, para a

posteriori, adentrar ao ponto primordial do presente captulo, qual seja: o estudo dos

princpios constitucionais propriamente ditos, para que se possa compreender a sua relevncia

para os captulos subsequentes a serem abordados neste trabalho.

1.4 Neoconstitucionalismo e seu Marco Terico: sua interpretao jurdica com

base nos princpios constitucionais

Posta essas consideraes acerca da constitucionalizao do direito e da exposio

envolta ao tema dos princpios, nada impede conceituar outro movimento correlato ao Direito

Constitucional, conhecido como neoconstitucionalismo, que nas palavras de Jorge Octvio

Lavocat Galvo:

Pode-se considerar eoconstitucionalismo como sendo uma interpretao da

pratica jurdica a partir da perspectiva dos juzes, em que a Constituio

editada aps o restabelecimento do regime democrtico tida como uma

norma substantiva, composta primariamente de princpios, exigindo do

24

DINAMARCO, Cndido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 15. ed. So Paulo: Malheiros, 2013. p. 25. 25

NERY JR, Nelson. Princpios do Processo Civil na Constituio Federal. 8. ed. So Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2004. p. 26.

25

interprete o manuseio de tcnicas especiais, notadamente a ponderao. Ou

seja, o eoconstitucionalismo um modo especfico de enxergar o Direito,

no qual se valoriza o papel dos juzes na concretizao das promessas

contidas no texto constitucional, sendo inequivocamente uma teoria que

busca influenciar o comportamento dos atores jurdicos26

.

bem verdade que o neoconstitucionalismo influencia diretamente no manuseio

de todas as normas de direito, principalmente, as de cunho fundamental, e no comportamento

dos juzes, que tm o dever de julgar os casos que so postos em consonncia com os

preceitos constitucionais, fazendo com que as decises proferidas em cada caso concreto

sejam compatveis com os esforos e compromissos acentuados na Constituio Federal.

Observa-se que com a promulgao da Carta Magna de 1988, este movimento

doutrinrio vem tomando notveis resultados, onde nos dias atuais, os magistrados se

empenham vigorosamente as acepes dessa nova tendncia. Nesta vereda, cumpre observar o

entendimento desses juzes sobre o neoconstitucionalismo, comeando pelos comentrios do

ministro Luiz Fux:

O Supremo Tribunal Federal imps-me inaugurar uma nova forma de pensar

o direito, porquanto a Carta Constitucional, merc de abarcar regras, contem

in meros princpios, exigindo, na mais das vezes, a denominada tcnica de

ponderao de valores, notadamente nas causas em que a ausncia de regras

explcitas alarga o campo interpretativo e criativo da funo judicial. Esse

um fen meno mais recente, coincidente, temporalmente com o surgimento

de um eoconstitucionalismo cuja denominao tambm no unvoca27

.

Oportuno neste momento destacar o entendimento do ministro Celso de Mello em

voto proferido em sesso de julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinrio n.

477.554/MG, que enaltece as vertentes lanadas por esse movimento:

A fora normativa de que se acham impregnados os princpios

constitucionais e a interveno decisiva representada pelo fortalecimento da

jurisdio constitucional exprimem aspectos de alto relevo que delineiam

alguns dos elementos que compem o marco doutrinrio que confere suporte

terico ao Neoconstitucionalismo, em ordem a permitir, numa perspectiva de

implementao concretizadora, a plena realizao, em sua dimenso global,

do prprio texto normativo da Constituio.28

Depreende-se desses posicionamentos que cada vez mais a funo jurisdicional

exige um julgamento conforme os preceitos insertos na Constituio Federal, em razo da

26

GALVO, Jorge Octvio Lavocat. O neoconstitucionalismo e o fim do estado de direito. So Paulo: Saraiva,

2013. p. 59. 27

FUX, Luiz (coord.). urisdi o constitucional: democracia e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Frum,

2012. p. 55. 28

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. no Recurso Extraordinrio n. 477.554/MG. Rel. Min. Celso de

Mello, 2a Turma, julgado em 16-8- 2011, publicado no DJe de 26-8-2011, p. 307.

26

fora normativa imanente as suas normas, principalmente nos casos que apresentam maior

grau de complexidade, em que no h previso de determinada regra peculiar para a soluo

do problema jurdico apresentado, o que acentua, consequentemente, a utilizao dos

princpios de direito para o exerccio da funo jurisdicional.

O ponto crucial o de que, diante dessa tendncia instaurada no mbito

constitucional brasileiro, as normas contidas no texto constitucional comeam a no

satisfazer, em grande parte de suas problematizaes, a soluo das controvrsias e lacunas

verificadas em determinados casos concretos, podendo citar-se a ttulo de ilustrao, os casos

chamados de hard cases, decididos pelo Supremo Tribunal Federal, verbia gratia: a ADPF

5429

, que tratou sobre o aborto de anenceflicos, bem como a ADPF 13230

, que tratou da

defesa das unies homoafetivas.

Assim, acompanhando o desenvolvimento do direito constitucional, aflorado pelo

movimento doutrinrio do neoconstitucionalismo, e reconhecendo, acima de tudo, a

normatividade dos princpios gerais de direito, os quais alcanaram o posto de norma jurdica,

denota-se a imprescindibilidade da observao dos princpios ao analisar os direitos postos em

evidncia.

Desta feita, de se destacar os princpios sua devida importncia dentro do

sistema jurdico normativo, pois diferentemente das regras, esses tm como funo essencial,

de cunho ideolgico, a transparncia de determinados valores dentro de uma sociedade.

Nesse seguimento, transpassado esse estudo exaustivo da relevncia do princpios

como norma jurdica constitucional, deve-se adentrar ao exame dos princpios em espcie, os

quais foram selecionados com base na pertinncia para este trabalho monogrfico, para que

logo aps, possa se analisa-los detidamente ao tema da estabilizao da tutela antecipada

antecedente.

29

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF n. 54. Rel. Min. Marco Aurlio, Tribunal Pleno, julgado em 12-

04-2012, publicado no DJE de 29-04-2013. 30

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF n. 132. Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 05-05-

2011, publicado no DJE de 13-10-2011.

27

1.5 Princpios em Espcie

Adentrando ao tema dos princpios em espcie, vale destacar alguns princpios

interessantes para a delimitao do presente trabalho monogrfico. Sendo assim, seguem

alguns princpios selecionados atentamente ao contedo da estabilizao da tutela antecipada

antecedente.

1.5.1 Princpio do Contraditrio e o Princpio da Cooperao entre as partes

O princpio do contraditrio pode ser encarado sob duas pticas distintas, sendo a

primeira encarada com base na legislao revogada (Cdigo de Processo Civil de 1973), e a

segunda com enfoque na legislao vigente (novo Cdigo de Processo Civil de 2015), a qual

destaca uma nova vertente a ser instaurada entre as partes de um processo.

Deve-se definir o princpio do contraditrio, primeiramente, na viso dos

doutrinadores que elaboraram seus trabalhos durante a vigncia da legislao revogada, para a

posteriori, demonstrar as novas concepes deste princpio luz do novo cdigo.

Para Jos Frederico, o princpio do contraditrio deve ser analisado da seguinte

forma:

Se o Estado brasileiro, plasmado sob a forma da legislao democrtica, d a

quem afirma ter sofrido leso individual o direito ao processo, ou direito de

agir, para que os rgos jurisdicionais apliquem pretenso deduzida em

jogo a norma legal adequada; e se todos so iguais perante a lei, parece-nos

evidente que o direito de defesa corolrio impostergvel da norma31

.

Para Cassio Scarpinella Bueno, seu entendimento no parece destoar do

posicionamento anterior:

fundamental, destarte, que sejam criadas condies concretas do exerccio

do contraditrio, no sendo suficiente a mera possibilidade ou eventualidade

de reao. Ela tem de ser real. Ademais, a depender da qualidade do conflito

de direito material levado para soluo perante o Estado-juiz e dos fatos

processuais, o estabelecimento do contraditrio expressamente

determinado pela lei processual civil32

.

31

MARQUES, Jos Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1966.

p.95. 32

BUENO, Cssio Scarpinella. Tutela antecipada. 2. ed. So Paulo: Saraiva, 2007. p.131.

28

Ainda nos passos do mesmo doutrinador, de se dizer que o contraditrio, no

contexto dos direitos fundamentais, deve ser entendido como o direito de influir na

formao da convico do magistrado ao longo de todo processo.33

Fredie Didier Jr, diferentemente dos outros autores citados, destaca a conceituao

do princpio do contraditrio em dois pontos distintos, de forma elementar para a

compreenso da extenso do tema. Assim, o princpio do contraditrio pode ser decomposto

em duas garantias: participao (audincia, comunicao, cincia) e possibilidade de

influncia na deciso.34

O mencionado doutrinador ainda destaca que a garantia de participao a

dimenso formal do princpio do contraditrio. Trata-se da garantia de ser ouvido, de

participar do processo, de ser comunicado e poder falar no processo.35

Em verdade, o princpio do contraditrio no exerccio de sua dimenso formal

pode ser definido como a oportunidade de ter conhecimento da existncia do processo, da

colaborao eficaz dentro dos limites do processo e da efetiva manifestao quanto ao direito

alegado pelo autor.

Mesmo que a manifestao da parte no surta o efeito esperado, como por

exemplo o indeferimento do pleito, bem como a concesso de uma medida liminar em prol do

autor, o contraditrio foi respeitado, em razo da disponibilidade de uma chance.

No que tange a outra garantia, Fredie Didier entende que, alm da dimenso da

garantia formal, subsiste a dimenso substancial do respectivo princpio, afirmando que:

Trata-se do poder de influncia. o adianta permitir que a parte

simplesmente participe do processo. Apenas isso no o suficiente para que

se efetive o princpio do contraditrio. necessrio que se permita que ela

seja ouvida, claro, mas em condies de poder de influenciar a deciso do

rgo jurisdicional.

Com efeito, nota-se que alm de ser disponibilizada a oportunidade da parte ter

cincia da existncia da ao (ou daquele respectivo ato do processo), podendo interagir de

maneira eficaz no trmite daquela demanda, claro que tambm deve ser oportunizado parte

33

Ibidem. 34

DIDIER JR, Fredie Curso de Direito Processual Civil: Introduo ao Direito Processual Civil, Parte Geral e

Processo de Conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015. p. 78. 35

Ibidem, 78.

29

a capacidade de participar do convencimento do juzo, influenciando de certa forma, a deciso

que ser proferida naquele determinado caso.

Por conseguinte, feitas as consideraes preliminares sobre o princpio em tela,

deve-se passar para a anlise do contraditrio e sua relao com o princpio da cooperao

entre as partes de um processo.

Em sua essncia, no houveram alteraes aptas a descaracterizar as informaes

enfrentadas at ento. Contudo, a viso do princpio do contraditrio deve ser analisada sobre

outro aspecto que insurgiu-se com a entrada em vigor do novo Cdigo de Processo Civil, qual

seja, o princpio da cooperao entre as partes.

Este princpio:

[...] qualifica o juiz como um dos participantes do processo, igualmente

gravado pela necessidade de observar o contraditrio ao longo de todo o

procedimento e, nessa linha, esse juiz estaria obrigado ao debate, ao

dilogo judicirio, estando gravado por deveres de esclarecimento,

preveno, consulta e auxlio para com os litigantes36

.

A saber, o novo Cdigo de Processo Civil traz em seus artigos 6, caput37

, e 357,

338

a viso da cooperao tida pelo legislador.

Em remate, percebe-se que o princpio do contraditrio est estritamente

correlacionado com a abordagem explcita do legislador sobre a cooperao entre as partes. A

partir dessa afirmao, pode-se dizer que todo o procedimento ter uma maior participao de

todos aqueles envolvidos dentro da relao processual, sendo eles: o autor, o ru e o prprio

juiz, devendo cada um destes, cooperar, dentro de suas limitaes, em prol do bom

desenvolvimento do processo, at que seja proferida uma deciso de mrito condizente com a

colaborao de cada durante o trmite procedimental, ressaltando-se que, a cooperao

prevista no novo Cdigo de Processo Civil um princpio explcito, e que deve ser respeitado

na medida de sua importncia.

36

BONICIO, Marcelo Jos Magalhes. Princpios do Processo no Novo Cdigo de Processo Civil. So Paulo:

Saraiva, 2016. p. 80. 37

Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razovel, deciso

de mrito justa e efetiva. 38

Art. 357. No ocorrendo nenhuma das hipteses deste Captulo, dever o juiz, em deciso de saneamento e de

organizao do processo: 3o Se a causa apresentar complexidade em matria de fato ou de direito, dever o

juiz designar audincia para que o saneamento seja feito em cooperao com as partes, oportunidade em que

o juiz, se for o caso, convidar as partes a integrar ou esclarecer suas alegaes.

30

1.5.2 Princpio da Isonomia como substrato do Princpio do Devido Processo Legal

Outra questo correlata ao princpio supramencionado a adequao deste com o

princpio da isonomia.

O caput do artigo 5 da Constituio Federal de 1988 disciplina-o como um

princpio (norma) explcito, ou seja, um dispositivo expresso, fazendo demonstrar-se que o

princpio em questo um reflexo do Estado Democrtico de Direito, no s para aqueles que

se encontram frente ao judicirio em busca de suas pretenses, mas de maneira lato sensu,

amoldando-se a qualquer situao, sendo ela jurdica, ou no.

O princpio da isonomia (ou da igualdade para alguns), para o processo civil,

uma derivao lgica do princpio do devido processual legal. Em rpidas pinceladas, este

princpio, tambm conhecido no sistema common law como due process of law:

trata-se de uma clusula genrica historicamente destinada a coibir os

abusos do Estado (na verdade, dos soberanos) que pode ser estudada sob

dois ngulos diferentes: o devido processo legal sob o aspecto substancial

(substantive due process), que indica a incidncia do princpio no que diz

respeito ao direito material ou substancial, e o devido processo legal sob o

aspecto processual (procedural due process), indicando a aplicao do

princpio ao direito processual ou instrumental.39

Para o presente trabalho, o aspecto do devido processo legal que vem a convir o

que trata do ponto de vista processual, ou procedimental, haja vista que, para corroborar a

elucidao do tpico em comento, necessrio que o enfoque se volte para o processo, em si.

Com efeito, o princpio do devido processo legal processual est ligado ao termo

igualdade, bem como tambm ao termo justo apesar de ser controverso o emprego desta

terminologia, eis que a palavra justia pode ser diferida , ou tambm palavra equilbrio,

estando todos estes em prol do princpio em voga, haja vista que o processo, como tratado

anteriormente, deve ser desenvolvido de modo a resguardar todos os interesses daquelas

partes que ali se encontram, assim como garantir que a igualdade daqueles direitos faam com

que se alcance a justia.

Retomando os pensamentos sobre o princpio da isonomia, o doutrinador

Alexandre Cmara trata deste tema sob o seguinte ponto de vista:

39

S, Renato Montans de; FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Processo Civil I: Teoria geral do processo. So

Paulo: Saraiva, 2012. p.59.

31

A isonomia ou igualdade est intimamente ligada ideia de processo justo

isto , de devido processo legal , eis que este exige necessariamente um

tratamento equilibrado entre os seus sujeitos. Por essa razo, alis, dispe o

art. 125, I, do CPC, que dever do juiz assegurar s partes um tratamento

ison mico. o se pode ver, porm, nesse princpio da igualdade uma

garantia meramente formal. A falsa ideia de que todos so iguais e, por isso,

merecem o mesmo tratamento contrria adequada aplicao do princpio

da isonomia. As diversidades existentes entre todas as pessoas devem ser

respeitadas para que a garantia da igualdade, mais do que meramente formal,

seja uma garantia substancial. Assim que, mais do que nunca, deve-se

obedecer aqui regra que determina tratamento igual s pessoais iguais e

tratamento desigual s pessoas desiguais.40

Cndido Rangel Dinamarco, acrescenta, ainda que:

Neutralizar desigualdades significa promover a igualdade substancial, que

nem sempre coincide com uma formal igualdade de tratamento porque esta

pode ser, quando ocorrente essas fraquezas, fonte de terrveis desigualdades.

A tarefa de preservar a isonomia consiste, portanto, nesse tratamento

formalmente desigual que substancialmente iguala.41

Nesta perspectiva, conclui-se, com base no princpio do devido processo legal,

juntamente com os princpios do contraditrio e da isonomia que, a disponibilizao de

oportunidades que resultem em uma efetiva participao do sujeito, parte de uma relao

processual, indispensvel para que a tutela jurisdicional que dali surgir seja concedida de

maneira eficaz e justa.

Para melhor compreenso de efetividade, ir se destacar a abordagem de tal

princpio no tpico seguinte.

1.5.3 Princpio da Eficincia e a Flexibilizao Procedimental

O Novo Cdigo de Processo Civil trouxe previso expressa em seu art. 8 de um

princpio reconhecido antes mesmo de sua entrada em vigor, devido seu status de princpio

constitucional. Trata-se do princpio da eficincia, previsto no artigo 37 da Constituio

Federal.

Embora a interpretao do princpio seja diretiva Administrao Pblica, no

quer dizer que este no se aplique as demais reas do direito, sendo totalmente plausvel sua

utilizao dentro do ramo do processo civil, tanto que, a prxis (principalmente na atividade

dos juzes) costumava utilizar tal norma para fundamentar suas decises.

40

CMARA, Alexandre Freitas. Lies de Direito Processual Civil. v.1. 25. ed. So Paulo: Atlas, 2014. p. 49. 41

DINAMARCO, Cndido Rangel. Instituies de Direito Processual Civil. So Paulo: Malheiros, 2008. p. 209.

32

Por tal princpio, numa viso processual, podemos destacar as menes do

doutrinador Cssio Scarpinella Bueno:

O significado do princpio da efetividade do processo, que enquanto o

princpio do acesso justia e o do devido processual e os que dele

derivam que, pelas razes expostas no n.4, supra, so praticamente todos

os princpios expostos at aqui voltam-se, basicamente, criao de

condies efetivas de provocao do Poder Judicirio e de obteno da tutela

jurisdicional mediante uma devida participao ao longo do processo, com

vistas ao reconhecimento do direito (ameaado ou lesionado) de algum pelo

Poder Judicirio, o princpio da efetividade do processo volta-se mais

especificamente aos resultados prticos deste reconhecimento do direito, na

exata medida em que o seja, isto , aos resultados da tutela jurisdicional no

plano material, exterior ao processo. incuo fala em um processo justo

ou em um processo devido, dando-se a falsa impresso de aqueles

atributos tendem a se esgotar com a to s observncia da correo do meio

de produzir a deciso jurisdicional apta a veicular a tutela jurisdicional.42

Pari passu, o princpio da efetividade da jurisdio est relacionado a um

instituto muito utilizado na legislao do Cdigo de Processo Civil anterior, que vem

ganhando fora ao passar dos anos, denominado de flexibilizao procedimental.

Tal instituto est diretamente ligado, tambm, ao princpio da instrumentalidade

das formas, transparecido pelo atual art. 188 do Novo Cdigo de Processo Civil, que diz que

os atos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a

exigir, considerando-se vlidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade

essencial..

Nas palavras de Fernando da Fonseca Gajardoni:

O desenvolvimento dos atos processuais no livre e espontneo, seno

regrado e organizado em preceitos predeterminados. So as normas de

procedimento as que submetem a disciplina do processo, sinalizando os

preceitos a utilizar, estabelecendo a ordem das atuaes, medindo em

unidades de tempo sua direo. Todas estas regras so tcnicas, que dizer,

vm concebidas em funo de utilidade para o processo.

Exatamente por isto a experincia acolha muda-las quando sua utilizao

torna estril e dissipa os fins do processo. Sendo as regras de procedimento

preestabelecidas como garantia, estas normas no podem substantivar-ser,

quer dizer, converter-se em fim prprio por si mesmo. Isso conduz ao

formalismo, defeito que deve ser firmemente rechaado por converter em

fim o que no mais do que um meio.43

42

BUENO, Cssio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: teoria geral do direito

processual civil. v.1. 8. ed. So Paulo: Saraiva, 2014. p. 162. 43

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilidade Procedimental (um novo enfoque para o estudo do

procedimento em matria processual). 2007. 285 f. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da USP, So

Paulo. 2007.

33

Absorve-se destes pargrafos que o processo se desenvolve conforme as

disposio legais, que tem o condo de regulamentar as etapas procedimentais das demandas

em juzo, as quais o legisladores julgaram adequadas44

, para instrumentalizar o direito das

partes, o que faz com as regras de procedimento sejam rgidas, enaltecendo-se o formalismo

exacerbado.

Diante disso, Marcelo Pacheco Machado expressa que tais meios de

flexibilizao procedimental:

representam (a) uma peculiaridade da tcnica processual, que permite mais

de um caminho para a tutela da mesma relao conflituosa ideia muito

similar quela do direito material ou, ainda, (b) a possibilidade de

converso de uma tcnica (a equivocada-mente escolhida) noutra (a

supostamente adequada).45

Esta flexibilizao atrelada, tambm ao princpio da fungibilidade, o qual

diversamente aplicado no mbito do processo civil. Cite-se a ttulo de exemplo: a

fungibilidade das tutelas de urgncia, a fungibilidade no mbito recursal, fungibilidade quanto

ao rito processual. Apesar tais fungibilidades serem tpicas, o juiz deve flexibilizar o

procedimento do processo em busca da obteno da tutela jurisdicional adequada, ajustando

os meios de que se valer para adequar s necessidades daquele caso em especfico, sem ir de

encontro a outras normas infraconstitucionais e, ou, constitucionais, de carter imutvel.

Diante das noes apresentadas sobre o princpio da efetividade, recepcionado

expressamente pelo Novo Cdigo de Processo Civil, cumulativamente com as noes da

flexibilizao procedimental, resta para o deslinde do presente captulo a abordagem sobre o

princpio da motivao das decises judiciais.

1.5.4 Princpio da Motivao das Decises Judiciais

Cabe tratar nessas alturas sobre outro princpio no mbito constitucional voltado

para a matria processual, que o princpio da motivao das decises judiciais. Tal princpio

contido na Constituio Federal no art. 93, em seu inciso IX, o qual limita sua incidncia

aos atos decisrios do Poder Judicirio, conforme a interpretao que se extrai do texto legal.

Por tal princpio, entende-se que todos os magistrados, de primeira instncia, at

os de cortes superiores, devem fundamentar suas decises, sob pena de serem declaradas

44

Abre-se aspas para este termo para demonstrar que no necessariamente a mens legis est totalmente adequada a realidade de cada caso concreto.

45 MACHADO, Marcelo Pacheco. Incerteza e Processo. So Paulo: Saraiva, 2013. p.78.

34

nulas caso carea de fundamentao, sejam elas devidas ou no. As decises a que se refere

so as decises interlocutrias, as sentenas, as decises monocrticas e os acrdos.

Neste sentido, leciona Renato Montans de S:

O princpio da motivao sempre se revestiu de capital importncia no

nosso sistema. Atualmente ainda mais. Se j era necessrio ao magistrado

fundamentar as decises numa poca em que as normas dependiam de mera

interpretao judicial, conferindo ao julgador um espao muito estreito para

decidir, que se diga atualmente. Nosso ordenamento est recheado de

clusulas gerais e normas de conceito vagos e indeterminados. ormas

estas que dependem muito mais da atividade construtiva do juiz (o que se

denomina na doutrina criativa judicial do que a mera subsuno do fato

norma. Nesses casos, muito mais importante o papel da motivao.

Vale ressaltar que a deficincia da fundamentao tambm causa de

nulidade da deciso judicial.

De qualquer forma, a falta de apreciao de algum fundamento relevante

enseja o cabimento do recurso chamado embargos de declarao, permitindo

que o prprio julgador fundamente adequadamente o seu julgado.46

A anlise do princpio em tela primordial, principalmente para aqueles que se

deparam com tal circunstncia na prxis. A violao desta norma constitucional pode

acarretar diversos desmembramentos dentro de um processo judicial. Vale esclarecer,

tambm, que assim como os outros princpios que foram abordados ao longo deste captulo, o

princpio em voga tambm se relaciona com outros princpios, quais sejam: o princpio do

convencimento motivado (ou convencimento racional), e at mesmo com o princpio do

contraditrio, o qual j fora elucidado alhures.

A relao desse princpio com os demais pode estar sujeito a violao, no to

somente da norma em epgrafe, mas tambm acarretar a violao das demais normas da

Constituio Federal.

Aclara-se essa assertiva com o seguinte exemplo: O magistrado de primeiro grau,

ao receber um pedido liminar inaudita altera pars, para concesso de uma tutela cautelar, no

intima a parte ad versa para se manifestar, e profere deciso deferindo a tutela pleiteada sem

qualquer fundamentao. Neste exemplo, ntida a violao ao princpio da motivao das

decises judiciais, bem como, tambm, ao do contraditrio e ao do convencimento racional.

Em consequncia dessa violao, alm de no ter cientificado o Ru da existncia

daquela demanda, muito menos ter tido a oportunidade de se manifestar e poder influenciar no

46

S, Renato Montans de. Processo Civil I. So Paulo: Saraiva, 2012. p. 69-70.

35

convencimento do juzo, a falta de motivao evidncia que a prestao daquela tutela

jurisdicional frgil, por no ter todos os elementos necessrios para concesso de uma

deciso eficaz e sem descrio da fundamentao que serviu de base para o magistrado

decidir daquela maneira.

Posta essa explanao sobre o princpio da motivao das decises judiciais, cabe

nesse momento tratar do instituto da estabilizao da tutela antecipada antecedente do novo

Cdigo de Processo Civil.

36

2 TUTELAS PROVISRIAS NO NOVO CDIGO DE PROCESSO

CIVIL

2.1 Exposio do Tema com nfase nas alteraes do Novo Cdigo de Processo

Civil

O tpico das tutelas provisrias no novo Cdigo de Processo Civil um dos temas

de maior relevncia temtica que se destacaram com a entrada em vigor da nova legislao.

Essencialmente, no foram alteradas as bases conceituais sobre os diversos mecanismos de

tutela de direitos, mas houve proeminente mutao de alguns institutos, os quais originaram

debates doutrinrios. Em suma, com o advento da nova regulamentao em torno das tutelas

provisrias houve transparecimento do carter evolutivo do instituto, salvo algumas excees,

as quais sero o ponto nuclear da problematizao deste presente trabalho.

A Lei n 5.869 de 197347

tratava das tutelas de direitos de cunho provisrio de

forma desmembrada pelo corpo de seu texto legal, estando disciplinada, por exemplo, a

antecipao dos efeitos da tutela no art. 273, enquanto as medidas cautelares estavam

regulamentadas no Livro III daquele cdice, tendo cada uma delas, finalidades distintas e

requisitos de concesso incompatveis entre si.

Quanto s tutelas cautelares, vale destacar que estas eram tratadas de forma

especfica e autnoma (previstas no Ttulo III), com meios diferenciados, sendo resguardado a

estas um procedimento prprio de tramitao, eis que os procedimentos na legislao

revogada eram divididos em procedimento ordinrio, sumrio e sumarssimo.

No novo Cdigo de Processo Civil, diferentemente do cdigo anterior, o

legislador se preocupou em unificar tais institutos, eis que, diante dos problemas que eram

notados por aqueles que manuseavam tais institutos, a prtica comeou a se adequar aos

pontos obscuros de tais medidas provisrias, de modo a influenciar os legisladores a aclarar

tais regras de tutelas dos direitos em carter provisrio, sendo as tutelas antecipadas e

cautelares espcies de um mesmo gnero, qual seja, tutelas provisrias. Alm desta reunio,

47

BRASIL. Lei n 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Cdigo de Processo Civil. Braslia, 1973. Disponvel em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>

37

surgiu, tambm, uma nova espcie de tutela diferenciada de direitos, incerta no gnero das

tutelas provisrias, que a tutela da evidncia.

Diante disso, a Lei n 13.105 de 201548

pautou-se em aprimorar o instituto das

tutelas de direitos de cunho provisrio, trazendo certas inovaes, algumas modificaes e a

extino de outros mecanismos. Assim, a estrutura que se tem parte do gnero de tutelas

provisrias, o qual tem como espcies as tutelas de urgncia, e a tutela de evidncia. As

tutelas de urgncia tm como subespcie as tutelas antecipatrias e as tutelas cautelares, as

quais sero trabalhadas nos tpicos seguintes.

2.2 Tutelas Provisrias: distino terminolgica entre provisoriedade,

temporariedade e definitividade

este ponto, ser feita uma anlise detida sobre o termo provisrio

implementado pelo legislador ao respectivo instituto em tela, amparado por outros termos,

para fins de distino, no fito de afastar quaisquer dvidas sobre a provisoriedade destas

tutelas de direitos.

A palavra provisria diz respeito a tudo aquilo que tende a perdurar enquanto

no sobrevier uma situao que venha a alter-la, a qual ser substituda com o implemento de

uma resoluo definitiva. Como parmetro de tal conceituao terminolgica, utiliza-se o

exemplo metafrico do carro reserva disponibilizado pela seguradora em casos de coliso de

veculos. Enquanto o carro, objeto da coliso, encontrar-se na assistncia tcnica para os

devidos reparos, o automvel reserva destina-se a suprir as necessidades locomotivas do

proprietrio do automvel, enquanto o outro no for concertado.

Evidencia-se que o carro reserva tem o condo de suprir determinadas

necessidades do proprietrio provisoriamente, enquanto no vier uma soluo definitiva para

aquele determinado problema, no permanecendo em sua posse ad eternum.

Apesar de tal exemplo no manter relao com a matria ora tratada, de suma

importncia colacion-lo no escopo de elucidar o emprego da terminologia da palavra

provisrio.

48

BRASIL. Lei n 13.105, de 16 de maro de 2015. Cdigo de Processo Civil. Braslia, 2015. Disponvel em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 19 abr. 2016.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm

38

Neste passo, tratando-se agora da palavra temporariedade, pode-se conceitu-la

como tudo aquilo que tem tempo certo e determinado, utilizado para fim especfico, que

quando resolvido o desgnio a que se destina a coisa, ou transcorrido seu lapso temporal,

deixa de surtir efeitos. Fazendo uso de outro apontamento correlato ao que fora elucidado no

exemplo anterior, cita-se o caso de um aluguel de um automvel em uma viagem. O

contratante, ao contratar o aluguel do carro para sua viagem, especifica que ir usufru-lo pelo

perodo de sete dias, tendo desta forma marco inicial e termo final da utilizao daquela coisa.

Repara-se neste exemplo que o objeto, de caracterstica temporria, no ser

substitudo por outro ao final do contrato, pois j cumpriu a finalidade pela qual foi

contratada.

Registre-se nestas alturas que ambas as terminologias at ento tratadas podem

aparentemente causar certo equvoco em seu emprego, muito embora sejam diferentes.

Quando se utiliza o termo provisrio supe-se que sobrevir algo definitivo. Enquanto no

emprego da palavra temporrio cogita-se que aquilo no ser substitudo por outro, mas sim

que ter tempo certo e determinado para cumprir sua funo. Em razo disso, conclui-se que

algo que temporrio pode ser definitivo, eis que no ser substitudo findo o tempo, ou

resolvida a coisa, cumprindo o fim a que se destina.

Em remate, resta abordar o significado da palavra definitivo. Para Aurlio

Buarque de Holanda Ferreira a rubrica tem vrios sin nimos, como decisivo, concludente,

terminante, absoluto.49

Ocorre que, para melhor compreenso, dar-se incio a explicao deste termo

paralelamente s noes de processo civil, para, a posteriori, sobressaltar a importncia dos

termos at ento destacados.

Conforme j salientado no captulo anterior, as tutelas jurisdicionais podem ser de

cognio sumria e de cognio exauriente. No caso da segunda, depois de ultrapassar todo o

processo de conhecimento, passando-se pela fase postulatria e a fase de saneamento, advir

uma sentena, que tender a extinguir o processo, com ou sem resoluo do mrito. Esta

deciso, que pe fim fase de conhecimento conhecida como deciso definitiva, haja vista

que o magistrado, prolator desta deciso, depois de exercer efetivo juzo de cognio, pelo

49

FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Aurlio Sculo XXI: o dicionrio da lngua portuguesa. 3.

ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 614.

39

qual exauriu a anlise de todos os meios de provas permitidos em direito, decide com base no

amplo acervo probatrio de que fez jus.

Cumpre observar, em linhas declarativas, que em determinadas situaes, a

deciso definitiva no precisar, necessariamente, passar pelo crivo de cognio exauriente.

Isto , haver casos em que, quando da propositura da ao e inaugurado o processo, este no

dever seguir adiante, como por exemplo, nos casos onde reste caracterizada a perempo, a

prescrio, a decadncia, entre outros aqueles onde ser resolvido o mrito, podendo-se, a

partir disso, ser proferida uma deciso definitiva sem o exerccio do juzo de cognio

exauriente.

este passo, retomando a anlise etimologia da palavra provisria, deve-se

assinalar que o ant nimo desta rubrica a palavra definitiva, que conforme bem explicado

em pargrafo anterior, a primeira definida por tudo aquilo que ser substitudo por algo,

enquanto a segunda conceituada como tudo aquilo que absoluto, tudo aquilo que pe fim,

e que no ser substitudo por algo.

O tema trazido pelo novo Cdigo de Processo Civil, sob a rubrica de tutelas

provisrias, tem um papel fundamental nas tutelas jurisdicionais, amparando aqueles que,

diante de situaes excepcionais, necessitam do provimento jurisdicional, devendo os

magistrados conceder, caso seja devido, tudo aquilo que os jurisdicionados pleitearem com

fins acautelatrios, satisfatrios e de evidncia do direito, em carter provisrio (ou seja,

enquanto no for substitudo por algo definitivo) mediante o cumprimento de certos

requisitos, sob a condio de que ao final do processo, ser substitudo por um provimento

definitivo.

Feitas estas consideraes acerca das distines em circulam a etimologia da

palavra integrante do enunciado das tutelas provisrias, passa a se ater a outra distino

pertinente, qual seja: a distino entre a tutela satisfativa e a tutela cautelar, ambas as espcies

do gnero tutelas de urgncia.

40

2.3 Tutela de Urgncia: distino entre as espcies, tutela satisfativa e tutela

cautelar

A distino destas duas espcies se mostra um pouco confusa. Percebe-se esta

desordenao principalmente na prtica, onde alguns acionam o poder judicirio em busca de

uma tutela cautelar, embora o objetivo daquele pleito no tenha o nimo de natureza cautelar,

e sim de satisfao, e assim, alternativamente.

Tanto se evidenciou a presena desta confuso que no dia 7 de maio do ano de

2002 foi editada a Lei n 10.444 que incluiu o 7o no art. 273

50, que tratava sobre a

fungibilidade do entre a antecipao dos efeitos da tutela para uma medida cautelar, caso

fosse cabvel tal substituio.

Em razo disso, assevera-se a necessidade de se dirimir tal equvoco to incidente

na prtica jurdica. Para isso, deve-se iniciar tal exposio com as noes do que vem a ser

uma tutela satisfativa.

Satisfao est atrelada ao sin nimo contentamento51

. Quando algum busca

algo que s poderia ter ao final do processo, em sede de deciso definitiva, para se satisfazer

do bem da vida pretendido, est diante de uma tutela antecipada. Torna-se mais evidente

ainda com o seguinte exemplo: quando se est em litgio a propriedade de um galo de gua,

o autor prope a ao com pedido de tutela satisfativa (tutela antecipada) para que possa

desfrutar de um copo de gua antecipadamente, pois corre risco de desidratao, e sem este,

estar sacrificando sua vida.

A concesso de um pedido de tutela antecipada faz com que satisfao seja

acelerada, podendo o titular daquele pedido ser beneficiado por um bem da vida que s

poderia se satisfazer quando da prolao da deciso definitiva.

Neste sentido, Humberto Theodoro Junior diz que a tutela antecipada:

[...] confere, provisoriamente, ao autor a garantia imediata das vantagens de

direito material para as quais se busca a tutela definitiva. Seu objeto,

50

Art. 273. O juiz poder, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela

pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequvoca, se convena da verossimilhana da

alegao e: 7o Se o autor, a ttulo de antecipao de tutela, requerer providncia de natureza cautelar,

poder o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em carter incidental

do processo ajuizado. 51

FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Aurlio Sculo XXI: o dicionrio da lngua portuguesa. 3.

ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1822.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm#art2737http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm#art2737

41

portanto, se confunde, no todo ou em parte, com o objeto do pedido

principal. So efeitos da futura acolhida esperada desse pedido que a tutela

satisfativa de urgncia pode deferir provisoriamente parte.52

Entretanto, para que esta medida antecipatria seja deferida, o autor do pedido

dever demonstrar o preenchimento dos requisitos essenciais intrnsecos s tutelas de

urgncia. No presente tpico no ir se tratar destes requisitos, eis que com o advento da

unificao destes com os das tutelas cautelares, deve-se aprofundar a seu respeito em tpico

apartado.