Upload
others
View
3
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
0
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNINOVAFAPI
LARA VICTÓRIA BELO NOGUEIRA
JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL: Controvérsias Jurídicas na Atuação
do Poder Judiciário nas Políticas Públicas de Saúde
TERESINA
2018
1
LARA VICTÓRIA BELO NOGUEIRA
JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL: Controvérsias Jurídicas na Atuação
do Poder Judiciário nas Políticas Públicas de Saúde
Artigo Científico apresentado ao Centro Universitário UNINOVAFAPI como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito, sobre JUDICIALIZAÇAO DA SAÚDE NO BRASIL: Controvérsias Jurídicas na Atuação do Poder Judiciário nas Politicas Públicas de Saúde.
ORIENTADORA: Profa. Msc. Cléa Mara
Coutinho Bento
TERESINA
2018
2
FICHA CATALOGRÁFICA
Catalogação na publicação
Antonio Luis Fonseca Silva– CRB/1035
Francisco Renato Sampaio da Silva – CRB/1028
N778j Nogueira, Lara Victória Belo. Judicialização da saúde no Brasil / Lara Victória Belo Nogueira. –
Teresina: Uninovafapi, 2018.
Orientador (a): Prof. Me. Cléa Mara Coutinho Bento.
Centro Universitário UNINOVAFAPI, 2018.
29. p.; il. 23cm.
Monografia (Graduação em Direito) – Centro Universitário UNINOVAFAPI, Teresina, 2018.
1. Judicialização. 2. Saúde. 3. Políticas públicas. 3. Eficiência. 4. Mínimo existencial. I.Título. II. Bento, Cléa Mara Coutinho.
CDD 341.2
3
4
Dedico este trabalho primeiramente a
Deus, por ser essencial em minha vida;
à minha amada família; por todo cuidado.
Dedico também aos mestres que
inspiraram minha caminhada.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me dado saúde e força para superar as dificuldades.
Aos meus pais, pelo amor, incentivo e apoio incondicional.
A essa universidade, seu corpo docente, direção e administração, que
oportunizaram a janela através da qual hoje vislumbro um horizonte superior, eivado
pela acendrada confiança no mérito e na ética aqui presentes.
À minha orientadora, Prof. Msc Cléa Mara Coutinho Bento, pela
orientação precisa e competente.
E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o
meu muito obrigada.
6
“Só engrandecemos o nosso direito à vida
cumprindo o nosso dever de cidadãos no
mundo” Gandhi
7
.
8
JUDICIALZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL: Controvérsias jurídicas na Atuação
do Poder Judiciário nas Politicas Públicas de Saúde
HEALTH JUDICIALIZATION IN BRAZIL: Legal disputes in the Judiciary Power
in Public Health Policies
LARA VICTÓRIA BELO NOGUEIRA*
RESUMO
O presente trabalho tratou acerca do direito à saúde como um direito social
constitucional, objetivando verificar até que ponto esse direito é efetivado, e qual o
papel do judiciário nessa questão. Valeu-se de uma pesquisa doutrinária e
jurisprudencial. Constatou-se que em consonância ao que determina o ordenamento
jurídico pátrio, esse direito deve ser provido integralmente pelo Estado. Ocorre que,
em algumas oportunidades, essa finalidade não é alcançada, seja por falhas
organizacionais, estruturais ou orçamentárias nas políticas públicas executadas pelo
Estado. Essa realidade, por sua vez, fez com que a via judicial se apresentasse
como instrumento hábil para que os cidadãos tivessem acesso integral ao direito à
saúde, fenômeno denominado de judicialização da saúde. Observou-se que o
referido fenômeno carrega consigo aspectos positivos e negativos, os quais foram
devidamente analisados à luz dos princípios norteadores do Direito à Saúde, da
legislação correlata, doutrina e jurisprudência. Concluiu-se que o direito à saúde,
como sendo um direito social constitucionalmente resguardado, deve ser garantido
de forma integral pelo Estado. E em não havendo a prestação, na medida em que
atenda à real necessidade do cidadão, a via judicial se apresenta como um dos
meios válidos e legítimos para que esse direito seja atendido. No entanto, tais
decisões devem ser sopesadas caso a caso, a fim de que apenas em casos
excepcionais o direito individual sobressaia-se ao coletivo, bem como devem
obedecer ao que dita os princípios da eficiência e do mínimo existencial.
PALAVRAS-CHAVES: Judicialização. Saúde. Políticas Públicas. Eficiência. Mínimo
Existencial.
ABSTRACT
This paper deals with the right to health as a constitutional social right, namely, the
point that is the effective law and the role of the judiciary, in this matter. He relied on
9
a doctrinal and jurisprudential research. It was found that, according to what
determines the order by country, this should be provided in full by the State.
Opportunities, opportunities and specific objectives, the exposure is not achieved,
either by organizational, or for public budgets, or those executed by the State. This
reality, in turn, made him appear in court as an instrument for his citizens to have
access to the right to health, the process called judicialization of health. However, the
grounds of the right of association, case - law and case - law of the. It was concluded
that the right to health, as a constitutionally protected social right, should be fully
guaranteed by the State. And, if there has been a judicial provision, which is an
obligation of the citizen, the judicial process is presented as one of the valid and
legitimate means for what is right to be taken care of. However, such decisions must
be processed on a case-by-case basis so that exceptional cases of law apply to the
collective as well as whether they must obey the principle of efficiency and the
minimum existential.
KEY WORDS: Judicialization. Health.Public Policy; Efficiency.Existential Minimum.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo promover um estudo crítico acerca
da efetividade das políticas públicas relacionadas à saúde na sociedade atual sob a
perspectiva do grande número de demandas ajuizadas junto ao Poder Judiciário
para fins de garantir o exercício do direito à saúde frente à coletividade nos ditames
constitucionalmente previstos.
Nesse sentido, a importância do tema está em torno da compreensão das
razões que levam o cidadão a buscar a via judicial para fazer valer o seu direito de
acesso à saúde de forma integral, diante da obrigatoriedade do estado em assegurá-
lo, fenômeno denominado judicialização da saúde.
É sabido que o fenômeno da judicialização da saúde tem se expandido no
cenário jurídico do Brasil. Como consequência direta a esse feito, o Poder Judiciário,
cumprindo a um preceito constitucional do acesso à justiça e, sobretudo, atendendo
notadamente os menos favorecidos, concede medidas, as quais em algumas
oportunidades até mesmo colocam em xeque a eficiência e efetividade das politicas
públicas voltadas para a saúde.
*Aluna do curso de Direito do Centro Universitário UNINOVAFAPI. E-mail:[email protected]
10
Nesse contexto, algumas indagações hão de ser suscitadas: 1)
Legitimidade e Limites de Atuação do Poder Judiciário frente às políticas públicas de
saúde vigentes devem ser observadas?;2) Quais as consequências da judicialização
da saúde para a sociedade atual?, 3) O acesso ao direito à saúde prescinde a via
judicial?, 4) Qual a atuação do princípio do mínimo existencial no cenário da
judicialização à saúde?
Neste enfoque, a problemática da pesquisa tem como cerne o conflito de
interesses gerado frente ao direito individual face ao direito coletivo no âmbito das
políticas públicas voltadas à saúde.
Ante o exposto, e a fim de responder tais questionamentos, o presente
estudo está pautado nos princípios norteadores do Direito à Saúde, na legislação
correlata, doutrina e jurisprudência.
Ao final, elucidar-se-á o fenômeno da judicialização da saúde, dando
enfoque às suas benesses e entraves na busca pela efetividade do direito à saúde
de maneira integral como determina o ordenamento jurídico pátrio.
2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS
A saúde é um bem jurídico constitucionalmente resguardado, dado o seu
inestimável valor para o exercício da dignidade da pessoa humana; eis que o direito
à saúde é corolário ao direito à vida.
Deste modo,ao buscar-se a origem da palavra, tem-se que o próprio
significado do termo saúde, palavra originada do latim salute, tem a conotação de
“salvação, conservação da vida” (NEGREIROS,2014)
Assome-se a esse conceito lições dadas pelo pensador grego Hipócrates,
conhecido como “pai da medicina”. Para ele, saúde “ consistia em viver uma vida
regrada, buscando o equilíbrio entre influências ambientais e vários componentes da
natureza, numa clara percepção da inter-relação de corpo, mente e meio
ambiente.”(MARGOTTA,1998).
A partir dessas definições, vê-se a relevância do bem jurídico em questão,
qual seja: a saúde.
O Estado, por sua vez, o consagra como um direito social e com a
finalidade de garantir o exercício do direito à saúde frente à coletividade, exerce
prerrogativas advindas do Estado Democrático de Direito. Para tanto, elabora e
executa políticas públicas com tal destinação.
11
Entende-se por políticas públicas os projetos de ações do governo
voltados para efetivação dos direitos fundamentais. Todavia, ressalta-se que esse
acesso nem sempre foi voltado a todos, havendo sido conquistado ao longo do
tempo, sobretudo após a Proclamação da República.
É sabido que até o início do século XX, o direito à saúde era restrito a um
grupo seleto de pessoas, seja para aqueles que detinham patrimônio ou aos que
fossem integrantes de classes trabalhadoras organizadas.
Ocorre que com a criação do Ministério da Saúde, passaram a ser
implantadas ações e serviços de saúde. A 8ª Conferência Nacional de Saúde,
ocorrida no ano de 1986, colaborou de forma indene de dúvidas para a
universalização da saúde e, posteriormente, para a criação do Sistema Único de
Saúde (SUS), tido, atualmente, como o maior projeto de inclusão social no Brasil,
proporcionando acesso aos que antes eram excluídos do sistema de assistência à
saúde .
2.1 A Evolução Constitucional do Direito à Saúde Como Políticas Públicas
O direito à saúde é um direito social de segunda dimensão que se
concretiza por meio das políticas públicas que planejam condutas de ação a serem
executadas pelo Poder Público, em prol da sociedade.
A garantia da efetividade desses direitos sociais se dá por meio de leis,
edição de regulamentos e medidas públicas que visam a sua promoção e ao seu
fortalecimento.
Nesse viés, a Constituição Federal de 1988 consagra o direito à saúde e
o resguarda nos moldes estabelecidos no art. 196, vejamos:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.(BRASIL,1988).
A partir de uma interpretação literal do aludido dispositivo, resta claro que
o poder público não pode se mostrar indiferente ao problema da saúde da
população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave
comportamento inconstitucional.
Alinhado a esse preceito constitucional, as demais normas do
ordenamento jurídico seguem dando proteção jurídica, a fim de que o direito à saúde
efetive-se junto à sociedade.
12
Destaca-se, a legislação consumerista, ao passo que o Código de Defesa
do Consumidor eleva a direito básico a prestação eficaz dos serviços públicos em
seu artigo 6º, in verbis :"São direitos básicos do consumidor: (...); X -a adequada e
eficaz prestação dos serviços públicos em geral”.(BRASIL,1990)
Ora, os aludidos dispositivos revelam a importância do direito social em
estudo.Em sendo o direito à saúde indissociável do direito à vida, torna-se
inconcebível a recusa da prestação de serviço público ou qualquer outra forma de
acesso à saúde que prejudique o exercício desse direito pela população. Isso posto,
deve-se assegurar um mínimo de dignidade e bem-estar a quem quer que seja.
2.2 A Criação do Sistema Único de Saúde – SUS
O acesso à saúde concretiza-se por intermédio de procedimentos e
serviços realizados pelas autoridades públicas, ou não, até mesmo com o auxílio de
participações no âmbito privado, e que integram uma cadeia regionalizada e
hierarquizada, denominada de Sistema Único de Saúde (SUS).
O aludido sistema tem como principal objetivo a universalização da
aquisição do direito à saúde, resguardado pela carta constitucional. Dado o seu
caráter universal, a legislação infraconstitucional, seguindo os preceitos
constitucionais, também editou normas que se tornaram facilitadoras do exercício do
direito à saúde, nesses moldes.
A Lei do SUS (Lei nº 8.080/90) adéqua-se à afirmação exposta alhures,
vez que se tornou uma grande aliada e guardiã do que prevê a carta constitucional
acerca do direito à saúde, sobretudo por dar subsídio ao cumprimento do que
determina os arts.6º,I,“d” e 7º I e II c/c o art.196 e seguintes, todos da CF/88:
Art. 6º. :Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a execução de ações: [...] d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica; Capitulo II Dos Princípios e Diretrizes Art. 7º. As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema.(BRASIL,1988)
13
Verifica-se, portanto, que a Lei do SUS (Lei nº 8.080/90) é uma
facilitadora para a execução da saúde como um direito humano fundamental,
cabendo ao Estado buscar meios promovê-lo.
Neste ínterim, o Estado exerce a atribuição de elaboração e aplicação de
políticas públicas para implantar condições determinantes de acesso integral e
universal à saúde.
O financiamento da rede pública de saúde, para esses fins, advém do
orçamento da seguridade social da União, dos Estados, do Município. Todavia,
outras fontes também dão amparo para que ocorra o indispensável acesso ao
público, daqueles serviços considerados essenciais.
A Lei do SUS (Lei nº 8.080/90) prevê, em consonância ao que dispõe o
art.6° da Carta Magna, a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica para
os membros da sociedade.
Ocorre que tal dispositivo constitucional vem sendo diuturnamente
descumprido pelo Estado, fato que vem ocasionando o ajuizamento de uma grande
demanda de ações individuais, objetivando assegurar o fornecimento de medicações
não disponibilizadas protocolarmente pelo Sistema Único de Saúde. Ressalte-se que
as medicações requeridas, via judicial, embora não disponibilizadas formalmente
pelo SUS, são indicadas para a situação concreta do paciente e, por consequência,
impreteríveis para o exercício do direito à saúde e a garantia do direito à vida.
No Brasil, a lista de medicamentos disponibilizada pelo Sistema Único de
Saúde (SUS) passa a receber a denominação de Relação Nacional de
Medicamentos Essenciais (Rename) que, por sua vez, implementa o conceito de
medicamentos essenciais, definidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS)
como aqueles que focam nas necessidades prioritárias da população. Sua definição,
de acordo com a legislação, deve seguir os princípios da universalidade, eficácia,
custo, efetividade e racionalidade (entendido como o uso racional dos
medicamentos).
3 O PODER JUDICIÁRIO E O ACESSO AO DIREITO À SAÚDE
Tendo em vista, sobretudo, as dificuldades organizacionais e estruturais
apresentadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), percebe-se que o direito à saúde
não é exercido em sua integralidade.
14
Tal feito faz com que os cidadãos busquem a via judicial para garantir o
exercício do seu direito e, então, o estado a assegurá-lo, fenômeno denominado de
judicialização da saúde.
A busca pelo acesso à justiça dá ensejo à aplicação do princípio da
inafastabilidade da tutela jurisdicional, o qual está vigente no ordenamento jurídico
pátrio, mais precisamente na Constituição Federal em seu art.5°,inciso XXXV, que
segue in verbis:“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito”.(BRASIL,1988)
A interferência judicial nas políticas públicas, para fins de garantir a
efetividade do acesso à saúde em sua integralidade, torna-se legítima, na medida
em que assume um papel de fiscalizador e, ao mesmo tempo de colaborador, vez
que a sua atuação acaba por ocasionar um aperfeiçoamento nas políticas públicas
de saúde disponíveis, seja voltado para humanização do atendimento, para garantia
do acesso à saúde de forma curativa/preventiva ou no aumento das relações de
serviços e medicamentos disponíveis.
Há de se observar que embora o Poder Judiciário assuma um papel de
extrema relevância, sua atuação deve ocorrer de maneira limitada e excepcional,
vez que, em razão da tripartição dos poderes, deve-se respeitar a atuação de cada
um deles.
O fenômeno da judicialização da saúde envolve questões complexas, de
modo que exige a adoção de medidas para fins de proporcionar a aptidão técnica
aos magistrados, para proferirem decisões mais técnicas e precisas.
Diante disso, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou o
Ato Normativo 0003751-63.2016.2.00.0000 na 18ª Sessão Virtual, realizado em 30
de agosto de 2016, formulando a resolução 238 do CNJ que trata sobre os Comitês
Estaduais de Saúde, os quais terão entre as atribuições, auxiliar os tribunais na
criação de Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS), constituídos de
profissionais da Saúde, para elaborar pareceres acerca da medicina baseada em
evidências, observando-se na sua criação o disposto no parágrafo segundo do art.
156 do Código de Processo Civil Brasileiro. Aduz que:
O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico. § 1o Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado. (BRASIL, 2015).
15
Logo, ainda que a invocação do direito à vida ou à dignidade seja
elemento que justifique o deferimento de um pedido relacionado ao exercício do
direito à saúde, faz-se necessário que os requisitos mínimos de um relatório médico
sejam observados. Em segundo lugar, exige-se a presença dos resultados dos
exames que comprovem a real situação clínica descrita pelo médico.
Nesse mesmo sentido, o Enunciado n° 16, da I Jornada de Direito da
Saúde do CNJ, dispõe que :
nas demandas que visam acesso as ações e serviços da saúde diferenciadas daquelas oferecidas pelo Sistema Único de Saúde, o autor deve apresentar prova da evidência científica, a inexistência, inefetividade ou impropriedade dos procedimentos ou medicamentos constantes dos protocolos clínicos do SUS ( CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA,2014).
Todavia, uma vez comprovada a ineficiência do medicamento fornecido
pelos serviços públicos de saúde, deve haver o respectivo indeferimento da
demanda.
3.1 O Fenômeno da Judicialização da Saúde no Brasil
O fenômeno da Judicialização da Saúde acarreta uma demanda
excessiva de ações judiciais, em busca da concretização do direito à saúde, seja por
meio de ações individuais ou coletivas, a fim de garantir a prestação de
medicamentos, procedimentos cirúrgicos, tratamentos e afins aos cidadãos.
Neste ínterim, vê-se que é dada ao Poder Judiciário a capacidade para
decidir sobre assuntos desse viés. Por muitas vezes, tais decisões interferem na
reserva orçamentária do Poder Público, acarretando, então, discussões e críticas,
principalmente no que se refere ao controle de políticas públicas pelo Poder
Judiciário.
Ademais, o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu a dimensão
individual do direito à saúde, colocando-o como alvo de controvérsias no Agravo
Regimental Suspensão de Tutela Antecipada N°175/CEARÁ, Relator: Ministro
GILMAR MENDES Julgamento: 17/03/2010.
A dimensão individual do direito à saúde foi destacada pelo Ministro Celso de Mello, relator da AgR-RE n.º 271.286-8/RS, ao reconhecer o direito à saúde como um direito público subjetivo assegurado à generalidade das pessoas, que conduz o indivíduo e o Estado a uma relação jurídica obrigacional. Ressaltou o Ministro que “a interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconsequente”, impondo aos entes federados um dever de prestação positiva. Concluiu que “a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse como prestações de relevância pública as ações e serviços de saúde (CF, art. 197)”, (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,2010)
16
Desse julgado, depreende-se que o Estado é obrigado a fornecer
medicamento, desde que incorporado na lista do SUS.(MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2017). De modo que a apreciação do Poder Judiciário seria concentrada apenas
para efetivação de politicas públicas ligadas ao Sistema Único de Saúde. Porém, no
caso de demanda judicial por medicamento não incorporado pelo SUS, o Estado não
poderia ser obrigado a fornecê-lo.
Logo, não haveria sistema de saúde que pudesse resistir a um modelo
em que todos os remédios, independentemente de seu custo e impacto financeiro,
devessem ser oferecidos pelo Estado a todas as pessoas.
Nesse aspecto, seria preciso, tanto quanto possível, reduzir e racionalizar
a judicialização da saúde, bem como prestigiar as decisões dos órgãos técnicos,
conferindo caráter excepcional à dispensação de medicamentos não incluídos na
política pública.
Seguindo esse entendimento, no plenário do Supremo Tribunal Federal
estão tramitando dois Recursos Extraordinários - RE 566.471 RIO GRANDE DO
NORTE e RE 657.718 MINAS GERAIS que tratam do fornecimento de remédios de
alto custo não disponíveis na lista do SUS e de medicamentos não registrados na
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Acerca desse tema, no julgamento do RE 566.471 do Rio Grande do
Norte, o Ministro Marco Aurélio firmou a seguinte tese:
o reconhecimento do direito individual ao fornecimento, pelo Estado, de medicamento de alto custo, não incluído em Política Nacional de Medicamentos ou em Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional, depende da comprovação da imprescindibilidade – adequação e necessidade –, da impossibilidade de substituição do fármaco e da incapacidade financeira do enfermo e dos membros da família solidária, respeitadas as disposições sobre alimentos dos artigos 1.694 a
1.710 do Código Civil.(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,2016)
Diante de tais repercussões, o ministro Edson Fachin, no RE 657.718
MINAS GERAIS fixou parâmetros contrários, segundo ele , "que abrem a porta da
via judicial, quando em caráter excepcional", para a dispensação, entre eles:
No âmbito da política de assistência à saúde, é possível ao Estado prever, como regra geral, a vedação da dispensação, do pagamento, do ressarcimento ou do reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa.(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,2016).
17
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu critérios
para concessão de tutela judicial no fornecimento de medicamentos que não
integram as listas oficiais do Sistema Único de Saúde (SUS). A decisão foi proferida
no julgamento do Recurso Especial 1.657.156, no dia 25 de abril de 2017.que assim
alega:
EMENTA ADMINISTRATIVA. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVERSIA.TEMA106.JULGAMENTO SOB O RITO DO ART.1036 DO CPC/2015.FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES NOS ATOS NORMATIVOS DO SUS.POSSIBILIDADE.CARATER EXCEPCIONAL.REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO.
[...] 4.TESE PARA FINS DO ART.1036 DO CPC/2015 A concessão de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos : 1.A comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; 2. Incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; e 3. Existência de registro do medicamento no cadastro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA,2017).
Destarte, com alusão ao entendimento fixado pelo STJ, o Estado diante
da cumulação dos requisitos consignados é obrigado a conceder os medicamentos
que estejam fora das listas do SUS.
Neste contexto, vemos que o fenômeno da Judicialização da Saúde
apresenta virtudes e defeitos.
Não se pode ter preconceito em face da Judicialização, tampouco achar
que ela é a solução para todos os males. Os aspectos negativos desse fenômeno
decorrem de escolhas feitas por quem não tem legitimidade e nem conhecimento de
todo o problema, eis que o magistrado per si não seria a pessoa mais habilitada para
fazer as opções sobre quem deve ou não deve receber o tratamento.
Desse aspecto decorre a necessidade de que tais decisões sejam
subsidiadas em pareceres técnicos de profissionais devidamente habilitados para tal
finalidade.
Ainda como ponto negativo da Judicialização da Saúde, tem-se que tal
fenômeno provoca uma desorganização da política de saúde, posto que a
intervenção judicial retiraria recursos de uns para atribuir a outros, sem que se tenha
consciência quanto a isso, e muito menos se saiba quem deixaria de ser
18
devidamente assistido. Tal feito ensejaria um terceiro problema, a dificuldade do
acesso à saúde, em razão do subfinanciamento da saúde pública, pois são “raros”
os Estados e Municípios que executam o seu orçamento dentro do limite
constitucional estabelecido para a saúde pública.
Noutro viés, ou melhor, em seu enfoque positivo, a judicialização vem
contribuindo para a desburocratização no exercício do direito à saúde, na medida
em que obriga a administração pública a se aperfeiçoar e instaurar novas politicas
para atender aos cidadãos nesse fim.
Nesse impasse, temos que embora as ações judiciais não sejam a porta
de entrada para garantir o acesso ao direito à saúde, a judicialização pode contribuir
com avanços nas politicas públicas de saúde, nas medidas anteriormente expostas.
Acerca do tema recorre-se ao entendimento de alguns doutrinadores.
Galdino (2005) defende que: [...] o reconhecimento dos custos estimula o exercício responsável dos direitos pelas pessoas, o que nem sempre ocorre quando o discurso e a linguagem dos direitos simplesmente fingem ignorar os custos, pois a promessa dos direitos absolutos, além de criar expectativas irrealizáveis, promove o exercício irresponsável e muitas vezes abusivo dos direitos. Embora os custos certamente não sejam o único referencial ou critério para as decisões políticas e judiciais, fato é que eles não podem ser desconsiderados na discussão acerca dos direitos fundamentais, nem servir de fundamento para a tutela integral dos direitos individuais e meramente parcial dos direitos sociais, como se vem fazendo, de forma muitas vezes inaceitável.
Para Barroso (2009 apud ITO, 2009), embora o Judiciário possa decidir
em questões da espécie, deve agir com cautela:
O juiz deve avaliar se ele é, naquelas circunstâncias, a pessoa capaz de produzir a melhor avaliação e decisão naquela matéria. [...]No contexto de judicialização, em que o Judiciário pode muito, às vezes é preciso uma gota de humildade para saber se, embora podendo, deve. Porque pode ser que aquela decisão tenha como autoridade competente mais qualificada outra que não o juiz.
O ministro Luis Roberto Barroso em sua decisão esclarece que não
necessariamente o Poder Judiciário deve interceder, apesar de ser convocado,
porque nem todas as matérias em que são requeridas respostas da justiça,
necessariamente devam ser feitas pela própria.
Nessa perspectiva, pessoas que sofrem com doenças raras e precisam
de tratamentos ou remédios excepcionais chegam a recorrer ao Poder Judiciário
para que sejam custeados tratamentos fora do país ou importar medicação, pois não
possuem recursos para financiar tais necessidades tendo em vista seu alto custo.
19
Outrossim, são pleiteadas demandas perante o Poder Judiciário para que
sejam liberados e custeados tratamentos de doenças raras ou crônicas que não são
oferecidos pelo SUS por serem tratamentos caros, como também são feitas
solicitações para que o Estado cubra desde tratamentos em outras cidades, até
tratamentos experimentais em outros países.
Acerca do tema, no julgamento do RE 566.471 RIO GRANDE DO
NORTE, o ministro Luis Roberto Barroso declarou o que segue:
Para que se tenha uma ideia,os gastos do Ministério da Saúde com medicamentos e insumos para cumprimento de decisões judiciais passaram de cerca de R$ 2,5 milhões em 2005 para R$ 266 milhões em 2011, o equivalente a um aumento de mais de 10.000%2 . Já em 2014, o valor despendido pelo Ministério da Saúde com determinações judiciais chegou a R$ 843 milhões 3 . Essa preocupação é ainda mais evidente no caso dos remédios de elevado custo unitário ou que representem maior impacto financeiro. Não há sistema de saúde que possa resistir a um modelo em que todos os remédios, independentemente de seu custo e impacto financeiro, possam ser disponibilizados pelo Estado a todas as pessoas. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,2010) .
Com base nesse julgado, observa-se que as reivindicações judiciais
comprometem o orçamento do Estado, que é restrito, no qual coloca os direitos
individuais acima do coletivo, fazendo com que o magistrado busque a melhor
solução para a resolução do conflito instaurado. Porém, muitas vezes tem que
decidir entre comprometer as despesas da saúde para beneficiar o interesse
individual, ou não comprometer o coletivo em detrimento do direito de um único
cidadão.
Consideradas essas concepções e fixadas tais premissas, recorre-se ao
que dispõe Lenio Streck acerca das chamadas normas programáticas:
As assim denominadas “normas programáticas” não são o que lhes assinalava a doutrina tradicional: “simples programas”, “exortações morais”, “declarações”, “sentenças políticas”, etc, juridicamente desprovidas de qualquer vincularidade; às normas programáticas é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da Constituição.(STRECK,2004 apud DULLIUS ,2008)
Assim, sob a ótica de Lenio Streck a norma de eficácia programática
existe no texto constitucional, como qualquer outro preceito, a partir do momento em
que a Carta Magna garante o acesso à justiça na busca da plenitude do exercício da
cidadania. Deve aproximar-se mais da realidade para que decisões judiciais mais
sensatas venham a ser tomadas.
20
Corroborando com o posicionamento, Cruz (2006 apud DULLIUS ,2008) dispõe:
A percepção da existência de direitos vinculados à pessoa de modo indissociável experimentou uma notável evolução. O desenvolvimento do princípio democrático e o acesso de camadas cada vez mais amplas da população à vida política, permitiram tornar evidente que o efetivo exercício dos direitos de Liberdade e de cidadania política só ganham sentido se algumas condições materiais forem garantidas. Sem dispor dos meios básicos para garantir uma qualidade mínima de vida, poucas serão as “esferas próprias” que possam estar imunes a ingerências exteriores.
3.2 Princípio do Mínimo Existencial
A Teoria do Mínimo Existencial constitui um direito fundamental que
abarca “o mínimo” necessário e essencial para a manutenção de uma vida digna.
Tal afirmação coaduna com o que dispõe o autor Ricardo Torres. Veja-se:
Não é qualquer direito mínimo que se transforma em mínimo existencial. Exige-se que seja um direito a situações existenciais dignas. Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. A dignidade humana e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros, os doentes mentais e os indigentes podem ser privados. (TORRES,2009 apud OLIVEIRA,2016).
Assim, como vem sendo relatado, no contexto do acesso ao direito à
saúde tem-se que a inércia estatal injustificável ou da abusividade governamental
vem refletindo em importantes decisões do judiciário brasileiro para fins de
concretização dos direitos sociais.
Especificamente no que se refere ao fornecimento ou custeio de
medicamentos pelo Estado, visando à melhoria de qualidade de vida do paciente, o
STF vem proferindo decisões firmes, no sentido de se garantir o direito à saúde:
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.
- O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional a interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconseqüente.[...] (LENZA, 2015)
21
Nesse ínterim, não há que se falar em direitos fundamentais de forma
isolada, haja vista que estão tutelados constitucionalmente de forma conjunta, ao
passo que se encontram inseridos em um ordenamento jurídico complexo, havendo
a necessidade, também, de que sejam coordenados juntamente, para sua esfera de
incidência não ultrapassar a de outro.
Todavia, tem-se que nenhum direito é absoluto, de modo que todos
podem ser relativizados, primeiramente porque tais direitos podem entrar em conflito
entre si, não podendo, portanto, determinar-se a priori qual o “ganhador” do choque,
fato que só será resolvido no caso concreto; e em segundo lugar, tem-se que
nenhum direito fundamental pode ser usado para a prática de ilícitos.
3.3 Principio da Eficiência
A eficiência na saúde dá-se por meio da execução de políticas públicas,
de modo que o administrador público tem o dever de exercer o direito à saúde
concomitantemente ao referido princípio constitucional.
Para Comparato (2002 apud LIMA ;DE SOUZA ,2014, p.04): “[...] a
política aparece, antes de tudo, como uma atividade, isto é, um conjunto organizado
de normas e atos tendentes à realização de um objetivo determinado”.
De fato, cabe ao administrador público gerenciar e executar a política
pública a favor da sociedade, assim, é de seu ofício organizar e efetivar a eficiência
no setor para que a sociedade, ou parte expressiva dela, aspire suas vantagens,
desta forma o ato administrativo contrário ao interesse da coletividade configura
desvio de finalidade. (MEIRELLES ,1999 apud LIMA ;DE SOUZA 2014, p.04).
Percebe-se que uma das razões sobre a qual os autores mais refletem
acerca da fragilidade da aplicação do princípio da eficiência em alusão ao exercício
do direito à saúde se refere à questão de lobby político, ou seja, com o pretexto de
segurança empregatícia, por meio de cargos políticos, superiores hierárquicos
negligenciam-se diante de problemas, havendo uma tendência de não
enfrentamento de interesses, de modo a não afetar interesses políticos, em razão da
não perda do cargo, apoio político ou desgaste, criando assim uma epidemiologia de
ineficiência no atual sistema público de saúde. (CASTIEL,1990 apud LIMA ;DE
SOUZA ,2014, p.04).
22
3.4 Forma de Solução de Conflito
O tema saúde como um direito não é um ‘objeto’ de estudo recente no
Brasil, haja vista a larga produção do conhecimento no campo da saúde coletiva.
Ainda assim, os estudos e as pesquisas sobre o tema do direito à saúde carecem de
um aporte de reflexões acadêmicas que possam dar o suporte teórico e delimitar os
marcos jurídico-legais da saúde como um campo de práticas sociais. (SOUSA ,2007
apud OLIVEIRA et al,2015, p.02)
De modo que se deve começar a refletir sobre meios para tornar mais
efetivo o acesso ao direito à saúde, seja pelo ajuizamento de ações coletivas ou
ações alternativas que propiciem uma “desjudicialização” da saúde.
Os conflitos que envolvem o acesso da população à saúde, seja na seara
pública ou na privada, poderão ser resolvidos por meio das soluções extrajudiciais.
Outra forma de solução de tais conflitos são os Núcleos de Apoio Técnico do
Judiciário (NATs), que nasceram de uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça
a partir de uma experiência bem-sucedida no Rio de Janeiro.
Ante o exposto o desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região (TRF4) ,João Pedro Gebran Neto, evidencia a chamada medicina baseada
em evidências ,aduzindo que:
A solução não pode ser passional ou emocional. O juiz está decidindo sobre uma questão técnica, não sobre a vida e a morte das pessoas, [está decidindo] se aquilo pode ser outorgado não àquela pessoa, mas à população brasileira (MUNIZ,2018,p.01).
Na avaliação feita pelo referido juiz, é preciso ter sensatez e
responsabilidade para postular aquilo que é possível que o Estado entregue a todos
os brasileiros. Assim, se for pleiteado um medicamento de alto custo, tem-se que
ponderar se o Estado tem condições de arcar com os medicamentos para todas as
pessoas naquela mesma situação.
Aliados a experiências de outros países, vê-se que alguns desses, isto é,
aqueles com forte iniciativa pública na área da saúde, a exemplo do Uruguai e
França, desenvolveram um sistema de ombudsman médico, o qual funciona com
muita eficácia. Nesse sistema, o próprio setor se autorregula, criando mecanismos
com credibilidade para resolver o problema e evitar litígios.
Deste modo, embora se verifique que existem formas extrajudiciais para
garantir a efetividade do direito à saúde, conforme determina a Constituição Federal
vigente, têm-se que o Poder Judiciário apresenta uma valiosa contribuição para a
23
efetividade de políticas públicas voltadas à saúde, de modo a proporcionar que a
integralidade desse direito seja alcançada por todos, independente da condição
social de cada cidadão.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito à saúde é um direito social constitucionalmente previsto e, para
tanto, resguardado e executado pelo Estado, por meio de políticas públicas.
Nesse contexto, as políticas públicas ocupam lugar de destaque, vez que
são consideradas instrumentos para que o direito à saúde seja exercido em sua
integralidade. Ressalta-se, oportunamente, que a Lei nº 8.080/90 (lei do SUS) ocupa
posição de destaque para o tema.
No presente estudo, restou evidenciado que, em especial, por razões
estruturais e organizacionais do Sistema Único de Saúde (SUS), o acesso integral
ao direito à saúde, como constitucionalmente previsto, não é devidamente cumprido
pelo Estado.
A partir dessa realidade, a via judicial surge como meio hábil para que o
cidadão veja o seu direito de acesso à saúde satisfeito de maneira efetiva e eficaz,
fenômeno denominado de judicialização da saúde.
Como consequência imediata deste fenômeno da judicialização da saúde,
o Estado se vê obrigado a cumprir decisões proferidas em favor de seus autores, ao
tempo em que o Poder Judiciário se revela como instrumento legítimo para proferir
decisões que resguardem os direitos constitucionalmente previstos aos cidadãos.
Ressalta-se que embora haja legitimidade do Poder Judiciário para decidir
questões correlatas ao direito à saúde, há de haver cautela em suas determinações,
sobretudo em razão do princípio da tripartição dos poderes. Com efeito a esse
princípio, denota-se que limites devem ser estabelecidos ao Poder Judiciário, a fim
de que não se veja maculada a legitimidade e a competência dos outros Poderes,
sejam esses organizacionais, estruturais ou financeiros.
Nesse impasse, o presente estudo demonstrou que embora as ações
judiciais não sejam a porta de entrada para garantir o acesso ao direito à saúde, ou
seja, não haja a prescindibilidade do acesso à saúde pelo cidadão via judicial, o
fenômeno da judicialização demonstrou contribuir com avanços nas politicas
públicas de saúde, seja para o melhoramento e aperfeiçoamento dos serviços ou
para a ampliação da lista de medicamentos e procedimentos oferecidos pelo Estado.
24
Todavia, restou claro que embora o fenômeno da judicialização da saúde
traga benesses ao cidadão, tem-se que considerar que nenhum direito é absoluto,
de modo que todos podem ser relativizados e sopesados, na medida em que no
choque entre direito individual e coletivo deve ser levado a efeito qual deve
prevalecer no caso em concreto.
Para a solução do referido conflito constatou-se que há a necessidade de
que o sistema normativo brasileiro seja mais pragmático, isto é, deve amparar suas
decisões baseadas na realidade. Assome-se a isso o fato de que embora o Estado
deva buscar a efetivação dos princípios constitucionais, bem como o acesso à saúde
de forma integral, torna-se preciso levar em consideração a questão dos custos da
implementação desse direito, evitando, assim, decisões impossíveis de serem
concretizadas, diante da escassez dos recursos públicos.
Ademais, ficou evidenciado que os tribunais podem fazer parcerias com o
Poder Executivo, no intuito de buscar uma melhor compreensão técnica, e mesmo
realista, para resolver demandas judiciais na área da saúde, montando, por
exemplo, uma equipe de apoio com médicos e farmacêuticos para sanar dúvidas e
discutir se o objeto pleiteado é necessário ao paciente.
Por fim, frente aos conflitos que envolvem o acesso da população à
saúde, seja na seara pública ou na privada, verifica-se que existe ainda a
possibilidade de que esses sejam resolvidos por meio das soluções extrajudiciais, tal
como ocorre no Uruguai e na França, países que desenvolveram um sistema de
ombudsman médico, sistema através do qual o próprio setor se autorregula, criando
mecanismos com credibilidade para resolver o problema, evitando-se litígios.
Conclui-se, portanto, que o direito à saúde, como sendo um direito social
constitucionalmente resguardado, deve ser garantido de forma integral pelo Estado.
E em não havendo a prestação, na medida que atenda à real necessidade do
cidadão, a via judicial se apresenta como um dos meios válidos e legítimos para que
esse direito seja atendido. No entanto, tais decisões devem ser sopesadas caso a
caso, a fim de que apenas em casos excepcionais o direito individual sobressaia-se
ao coletivo, bem como devem obedecer ao que dita os princípios da eficiência e do
mínimo existencial.
REFERÊNCIAS
25
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 24 de set de 2018. ________.Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078compilado.htm>. Acesso em: 26 de set de 2018. _________. Conselho Nacional De Justiça. Resolução Nº 238 de 2016. Disponível em:<http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3191>.Acesso em: 29 de set de 2018. __________. Código de Processo Civil (2015). Código de Processo Civil Brasileiro. Brasília, DF: Senado, 2015. __________.Lei 8.080 ,de 19 de Setembro de 1990.Brasilia:DF.1990. Disponível em :<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8080.htm>. Acesso em 28 de set de 2018. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.I Jornada de Direito da Saúde. Disponível em:<http://www.cnj.jus.br/images/ENUNCIADOS_APROVADOS_NA_JORNADA_DE_DIREITO_DA_SAUDE_%20PLENRIA_15_5_14_r.pdf>.Acesso em:02 de out de 2018. DULLIUS, Karina Barreto. Aspectos da efetividade dos direitos prestacionais constitucionais. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp094425.pdf.>.Acesso em:22 de out de 2018. GALDINO, Flávio; Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. ITO, Marina. Consultório jurídico. 17 Mai. 2009.Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2009-mai-17/judicializacao-fato-ativismo-atitude-constitucionalista>.Acesso em: 20 de out de 2018. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado.19 ed.rev.atual.ampl.São Paulo.Saraiva:2015.Acesso em: 28 de out de 2018.
26
LIMA , João Paulo Kemp;de Souza, Lucas Daniel Ferreira. Princípio da eficiência como fundamento para a política pública e a efetividade do direito a saúde. Disponível em :<http://revista.univem.edu.br/emtempo/article/view/461/366>. Acesso em:3 de nov de 2018 MARGOTTA,Roberto.História ilustrada da medicina.São Paulo: Editora Manole,1998.Acesso em:04 de set de 2018. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais. Disponível em:< http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relacao_nacional_medicamentos_rename_2017.pdf.>. Acesso em: 10 de out de 2018. MUNIZ,MARIANA. ‘É preciso que STF conclua julgamento de ações sobre fornecimento de remédios’. Disponível em:<https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/stf-deve-conclur-julgamento-sobre-remedios-alto-custo-29112018>.Acesso em:03 de dez de 2018. NEGREIROS, Alessandra Troccolli Carvalho de. Judicialização da Saúde-Entendimento do Tribunal de Justiça da Paraíba. Disponível em: <http://dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/5769/3/PDF%20-%20Alessandra%20Troccoli%20Carvalho%20de%20Negreiros.pdf.>Acesso em:04 de set de 2018. OLIVEIRA, Maria dos Remedios Mendes;Delduque ,Maria Célia;et al.Judicialização da saúde: para onde caminham as produções científicas?. Disponível em: <https://www.scielosp.org/article/sdeb/2015.v39n105/525-535/>. Acesso em: 07 de nov de 2018. _________,Antonio Italo Ribeiro. O direito ao mínimo existencial. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/50902/o-minimo-existencial-e-a-concretizacao-do-principio-da-dignidade-da-pessoa-humana>.Acesso em:26 de out de 2018. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial Nº 1.657.156 - Rj (2017/0025629-7).Disponível em:< https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1641175&num_registro=201700256297&data=20180504&formato=PDF>.Acesso em:16 de out de 2018. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL .Recurso Extraordinário 657.718 Minas Gerais. Disponível em : <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2016/9/art20160929-02.pdf.>.Acesso em:14 de out de 2018.
27
________.Recurso Extraordinário 566.471 Rio Grande do Norte. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2016/9/art20160929-01.pdf>.Acesso em:12 de out de 2018. _________.Agravo Regimental Suspensão de Tutela Antecipada N°175/CEARÁ. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/sta175.pdf >. Acesso em:08 de out de 2018.
28
ANEXO
29
ANEXO A - DECLARAÇÃO DE CORREÇÃO DE PORTUGUÊS
DECLARAÇÃO DE CORREÇÃO DE PORTUGUÊS
Eu, Luíza de Marilac Veras Uchôa, declaro, para os devidos fins necessários, que
realizei a revisão de português do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado
: “JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL: controvérsias jurídicas na atuação
do Poder Judiciário nas Políticas Públicas de Saúde”, de autoria da aluna: Lara
Victória Belo Nogueira, do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário
UNINOVAFAPI, consistindo em correção gramatical, adequação do vocabulário e
inteligibilidade do texto. Declaro, ainda, ser formada em Letras com habilitação em
Português e Francês, pela Universidade Federal do Piauí (1999) bem como ser
Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (2005).
Teresina/PI, 03 de dezembro de 2018.
____________________________________
Assinatura da declarante