30
César Coll Salvador As idéias desse pensador espanhol foram usadas na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais e influenciam nossa rede de ensino 01/08/2002 19:29 Texto Cristiane Marangon e Eduardo Lima Foto: Pio Figueiroa Coll, um dos principais coordenadores da reforma educacional espanhola Biografia: professor de Psicologia Evolutiva e da Educação na Faculdade de Psicologia da Universidade de Barcelona. Foi um dos principais coordenadores da reforma educacional espanhola e consultor do MEC na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais, aqui no Brasil. Escreveu Psicologia e Currículo (Ed. Ática), Ensino, Aprendizagem e Discurso em Sala de Aula, (Ed. Artmed). O que ele diz: a preparação de um currículo precisa satisfazer todos os níveis da escola. O que importa é o que o aluno efetivamente aprende, não o conteúdo transmitido pelo professor. Um alerta: o bom funcionamento de um currículo depende não só do professor, mas também dos alunos, pais, funcionários, coordenadores e diretores.

César Coll Salvador

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: César Coll Salvador

César Coll Salvador

As idéias desse pensador espanhol foram usadas na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais e influenciam nossa rede de ensino

01/08/2002 19:29

TextoCristiane Marangon e Eduardo Lima

Foto: Pio Figueiroa

Coll, um dos principais coordenadores da reforma educacional espanhola

Biografia: professor de Psicologia Evolutiva e da Educação na Faculdade de Psicologia da Universidade de Barcelona. Foi um dos principais coordenadores da reforma educacional espanhola e consultor do MEC na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais, aqui no Brasil. Escreveu Psicologia e Currículo (Ed. Ática), Ensino, Aprendizagem e Discurso em Sala de Aula, (Ed. Artmed). 

O que ele diz: a preparação de um currículo precisa satisfazer todos os níveis da escola. O que importa é o que o aluno efetivamente aprende, não o conteúdo transmitido pelo professor. 

Um alerta: o bom funcionamento de um currículo depende não só do professor, mas também dos alunos, pais, funcionários, coordenadores e diretores. 

Logo nos primeiros debates sobre a reforma educacional brasileira, em meados dos anos 1990, ficou decidido que o modelo para as mudanças seria o implementado na Espanha sob a coordenação de César Coll Salvador, da Universidade de Barcelona. Das discussões no MEC, das quais Coll participou como assessor técnico, surgiram os Parâmetros Curriculares Nacionais. Desde então, as idéias desse pensador, que já haviam chamado a atenção de algumas escolas de São Paulo, passaram a influenciar toda a nossa rede de ensino.

A principal delas é a necessidade de um plano curricular que satisfaça, de forma articulada, todos os níveis do funcionamento de uma escola – e foi divulgada pela primeira vez no livro Psicologia e Currículo. Segundo Coll, não se pode separar o que

Page 2: César Coll Salvador

cabe ao professor – as aulas – do que é responsabilidade dos alunos – o conhecimento prévio e a atividade. A família e outras instituições que fazem parte desse universo também precisam se fazer presentes. “Para que a criança atinja os objetivos finais de cada unidade didática, temos antes de identificar os fatos, conceitos e princípios que serão propostos; os procedimentos a considerar e os valores, normas e atitudes indispensáveis”, afirma. Não é tarefa fácil. Por isso, ele destaca que, em muitos casos, os profissionais dependem de uma formação melhor antes de assumi-la. 

“Seu maior mérito é o de reunir de forma harmônica idéias consagradas de grandes teóricos”, diz Zélia Cavalcanti, que trabalha na Escola da Vila, em São Paulo, e organizou o primeiro seminário do espanhol em nosso país. Inspirado em Jean Piaget, Coll orienta todo seu pensamento numa concepção construtivista de ensino-aprendizagem. A prioridade é o que aluno aprende, não o que o professor ensina. “Ou seja, o foco principal sai dos conteúdos para a maneira de passar a informação de forma a garantir que ocorra a aprendizagem”, explica Zélia.

Em entrevistas e palestras, Coll sempre enfatiza a importância de contextualizar esse novo currículo. “Se o conteúdo trabalhado tiver relação com a vida do aluno, o êxito será maior”, ensina Sylvia Gouvêa, do Conselho Nacional de Educação. O filme Nenhum a Menos, do diretor chinês Zhang Yimou, apresenta algumas cenas bem emblemáticas. Bagunceiros e sem atenção enquanto a professora só copia a matéria no quadro-negro, os estudantes mudam de comportamento quando desafiados a resolver um problema real. Na história, ambientada na área rural da China, todos calculam quantas pilhas de tijolos são necessárias para obter o dinheiro necessário para comprar uma passagem de ônibus até a cidade. 

O novo currículo proposto por Coll contempla ainda os temas transversais, que devem estar presentes em todas as disciplinas e séries da Educação Básica. O ideal, acredita ele, é que aulas e explicações sobre saúde, sexualidade ou meio ambiente estejam totalmente integradas ao dia-a-dia. Pode parecer complexo, mas é simples. Basta colocar as conversas sobre alimentação saudável, reciclagem, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e a importância do saneamento básico, entre tantos assuntos, na pauta de todos os professores. 

CONSIDERAÇÕES SOBRE O Livro “Psicologia e Currículo”, de César Coll.

PRIMEIRA PARTE

Capítulo I

César Coll é um emérito pesquisador espanhol, com relevantes serviços educativos prestados para seu país, principalmente no tocante à formulação e implementação da reforma curricular. No Brasil, César Coll trabalhou como consultor do MEC na elaboração dos “Parâmetros Curriculares Nacionais”, a serem aprovados pelo Conselho Nacional de Educação, e serviram como marco referencial para o estabelecimento de

Page 3: César Coll Salvador

diretrizes pedagógicas do “Ensino Fundamental”. 

Os resultados de César Coll fundamentam-se principalmente nas teorias de Piaget e Vigotsky, bem como Ausebel e Bruner, e traduzem uma proposta baseada nos princípios construtivistas e psicopedagógicos, ou seja, uma interação entre a pedagogia e a psicologia, como parâmetros da ação educativa. Em seu livro “Psicologia e Currículo”, César Coll se propõe (no Capítulo 4º) a formular um plano curricular estratégico que procura abordar os conteúdos através do que é mais geral e simples ao mais particular, detalhado e complexo; do assunto que possui natureza mais concreta àquilo que é mais abstrato; o ensinar de forma psico-genética e aprender de forma histórico-crítica. 

Basicamente, o modelo de projeto curricular de Coll parte de uma discussão sobre a finalidade da educação, das relações entre aprendizagem, desenvolvimento e educação, atentando igualmente às funções do currículo em relação ao planejamento do ensino, em linhas gerais. 

Na elaboração de uma Proposta Curricular, César Coll considerou que as seguintes exigências devem ser atendidas:

1. a proposta deve ser concreta, operacional, flexível e fácil de ser utilizada, em um período razoável de tempo;

2. o projeto curricular formulado deve ser concreta, garantindo continuidade através da estruturação ordenada e coerente de cada disciplina, respeitando as diferenças de cultura locais (ou regionais), bem como os diferentes níveis ou etapas da escolarização considerada obrigatória; 

3. o modelo proposto deve ser flexível em relação às exigências epistemológicas dos conteúdos abordados (língua materna e estrangeira, matemática, Ciências, Estudos Sociais, Artes, tecnologia, educação Física, etc.). Lembrando que epistemologia significa: “estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das Ciências já construídas, e que visa determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivo delas. (...)”; e

4. a proposta deve ser baseada no modelo aberto de currículo, de modo que tenha flexibilidade suficiente de adaptação em função do acelerado ritmo de transformação dos tempos atuais, bem como se adaptar às características gerais dos alunos em questão.

Além dessas exigências, três aspectos devem ser considerados imprescindíveis:

· Relacionar o currículo a um projeto social e cultural, dentro do contexto da sociedade atual (componente sociológico). Isto eqüivale dizer que o currículo não deve ser apenas de natureza puramente técnica;

Page 4: César Coll Salvador

· Viabilizar a concepção construtivista: como se ensina e como se aprende; e

· Insistir na atenção à diversidade de capacidades, interesses e motivação dos alunos - ênfase ao conceito de Inteligências Múltiplas, que está diretamente relacionado às propostas construtivistas. 

Assim, em relação às fontes do currículo, podemos observar três principais vertentes contrastantes, mas não excludentes: os “progressistas”; os “essencialistas”; e os “sociólogos”.

Os progressistas “destacam a importância de estudar a criança a fim de descobrir seus interesses, seus problemas, seus propósitos e suas necessidades” – vertente psicopedagógica -, sendo estas informações de enorme importância para a determinação dos objetivos curriculares.

“Os essencialistas, por seu lado, consideram que os objetivos devem ser extraídos de uma análise da estrutura interna dos conteúdos de ensino, das áreas de conhecimento.” – tal vertente é geralmente formada por especialistas adeptos à linha científico-cognitivista.

A tendência sociológica, por fim, acredita que a fonte de informação principal para selecionar os objetivos curriculares encontra-se “na análise da sociedade, dos seus problemas, necessidades” imediatas e de suas características estruturais básicas. 

Para a elaboração estrutural de um currículo de ensino moderno, todas as tendências acima devem ser consideradas. Por isto, não se pode tentar compreender cada uma de maneira isolada quando se analisa um projeto curricular, pois apenas a conjugação das três vertentes que trarão importantes contribuições para a concretização de um currículo adequado às necessidades gerais dos alunos. 

Capítulo II

A elaboração de um projeto curricular pressupõe a tradução, em relação à funcionalidade, de três princípios considerados básicos: (1) ideológicos; (2) pedagógicos; e (3) psico-pedagógicos. Portanto, o currículo é um elo entre:

· a declaração dos seus princípios e objetivos gerais, bem como uma prévia prescrição de sua aplicação operacional;

· a teoria educacional e a realidade do aluno e do meio ambiente que o cerca – o que irá gerar a prática pedagógica observável no dia a dia;

Page 5: César Coll Salvador

· o planejamento educativo e a ação pedagógica;

· entre o que se prevê, ou seja, o que é prescrito, e o que realmente acontece em sala de aula. 

Segundo César Coll, em seu livro "Psicologia e Currículo":

“(...) o crescimento pessoal é o processo pelo qual o ser humano torna sua a cultura do grupo social ao qual pertence, de tal forma que, neste processo, o desenvolvimento da competência cognitiva está fortemente vinculado ao tipo de aprendizagem específicas e, em geral, ao tipo de prática dominante.” 

A finalidade primordial da educação é promover o crescimento dos seres humanos, e isto significa educá-los para um determinado tipo de sociedade. Isto pode acontecer de duas maneiras:

1. uma pessoa educada é a que se desenvolveu, que evoluiu de níveis inferiores no meio físico-social até a níveis superiores; ou

2. uma pessoa educada é a que aprendeu um conjunto de conceitos, explicações e habilidades, práticas e valores que caracterizam uma determinada cultura – e que, por isto permitem a adaptação do indivíduo no seio de tal cultura.

Cada uma dessas interpretações pressupõe uma ação pedagógica diferente e, portanto, currículos diferentes. Dentro de uma civilização tecnologicamente avançada como a nossa, a ação pedagógica deve potencializar as linhas naturais do desenvolvimento cognitivo e afetivo, mais do que a aprendizagem específica o faria (Kohlberg). 

De acordo com o enfoque cognitivo-evolutivo, o crescimento que a ação pedagógica deve potencializar (ou catalisar) é o que segue as linhas naturais do desenvolvimento, pois, numa sociedade tecnologicamente avançada, existem sempre limites para a cognição natural e informal de seus componentes. 

Segundo Kohlberg e Mayer, a psicologia do desenvolvimento – que enfatiza aprendizagens específicas - constitui o único ponto de partida para as metas educacionais, constituindo-se a única forma existente capaz de anular os efeitos reprodutores e conservadores da educação formal. Porém, cabe observar que:

“Do ponto de vista da alternativa que interpreta o crescimento educativo como resultado de aprendizagens específicas, critica-se o enfoque congnitivo-evolutivo e denuncia-se o caráter circular de seus argumentos: se as aprendizagens específicas introduzissem modificações nos universais do desenvolvimento cognitivo (as estruturas operatórias),

Page 6: César Coll Salvador

estes deixariam de ser universais; o que os define como tais é precisamente sua relativa impermeabilidade à influência de fatores ambientais específicos.”

Resumindo, a controvérsia existente na interpretação do crescimento educativo (como desenvolvimento) pode ser colocada nos seguintes termos: enquanto o enfoque cognitivo-evolutivo considera que a meta primordial da educação deve ser promover, facilitar e acelerar os processos naturais e universais do desenvolvimento, o enfoque alternativo considera que a educação deve ser orientada para a promoção das mudanças que dependam da aprendizagem. 

César Coll considera que ambas posturas contêm parte da verdade, mas não concorda com processos evolutivos e processos de aprendizagem “química puros”, vistos isoladamente. Portanto, Coll confere ênfase à diferença entre Cultura e a Educação. A Cultura engloba aspectos múltiplos: conceitos, linguagem, ideologia, costumes, tradições, valores, crenças, tipos de organização familiar, econômica, social, etc. – aspectos culturais estes que não podem ser ignorados na elaboração de um currículo. Já a Educação, tanto no sentido formal quanto informal, designa o conjunto de atividades em que um grupo propicia a seus membros a aquisição da experiência social historicamente acumulada.

O CONCEITO DE CURRÍCULO

“(...) entendemos o currículo como o projeto que preside as atividades educativas escolares, define suas intenções e proporciona guias de ação adequadas e úteis para os professores, que são diretamente responsáveis pela sua execução. Para isto, o currículo proporciona informações concretas sobre o que ensinar, quando ensinar, como ensinar e quando, como e o que avaliar. (...)”

Que papel desempenha o currículo nas atividades educativas escolares? Qual sua principal função ? A primeira função do currículo, sua razão de ser, é a de explicitar claramente o projeto, o objetivo, as intenções e o plano de ação que preside as atividades educativas escolares.

Os componentes do currículo podem agrupar-se em quatro capítulos:

1. proporcionar informações sobre o que ensinar;2. proporcionar informações sobre quando ensinar;3. proporcionar informações sobre como ensinar;4. proporcionar informações sobre o que, como e quando avaliar.

O Projeto Curricular deve igualmente levar em conta cada um dos grandes estágios do desenvolvimento cognitivo teorizado por J.Piaget:

· sensório-motor: 0-2 anos, aproximadamente;

Page 7: César Coll Salvador

· intuitivo: 2 a 4/5 anos;· pré-operatório: 4/5 a 7/8 anos;· operatório-formal (per. Das operações concretas): 7/8 a 11/14 anos.

Deve-se levar em conta o que o aluno é capaz de aprender sozinho e o que necessita da ajuda do professor. O ensino eficaz é aquele que considera o que já é significativo para o aluno, respeitando o nível de desenvolvimento do mesmo, não o deixando jamais acomodar, mas sempre o fazendo progredir em direção a novas “zonas de desenvolvimento proximal”. Se o novo material de aprendizagem se relacionar de forma substantiva e não arbitrária com o que o aluno já sabe, estaremos diante da aprendizagem significativa. Se, ao contrário, o aluno se limitar a memorizar, sem estabelecer relações com seus conhecimentos prévios, estaremos diante da aprendizagem repetitiva, memorística ou mecânica (Ausubel, Robinson, Novak). 

A aprendizagem significativa requer duas condições: (a) o conteúdo deve ser significativo, isto é, ser utilizável pelo aluno, quando necessário; e (b) o aluno deve estar motivado. Ademais, cabe distinguir entre a memorização mecânica e repetitiva, de escasso interesse, e a memorização compreensiva – que é saudável e positiva.

Aprender a aprender: o objetivo mais ambicioso da educação é o de realizar a aprendizagem útil e significativa - para quem aprende – através de um confronte de esquemas de conhecimento, que se constituem em estruturas de informações e dados. Assim, o objetivo da educação passa a ser a modificação dos esquemas de conhecimento, através da revisão, do enriquecimento, da diferenciação, da construção e reconstrução de dados, da coordenação progressiva das informações, etc. – sempre em conformidade com o modelo das estruturas cognitivas de Piaget.

Entre as questões prévias na formulação do Projeto Curricular está a “elaboração do currículo”, que poderá oscilar em dois extremos: a concepção centralizadora (fechada), em que o currículo estabelece prévia e minuciosamente os objetivos, o material didático adotado e os métodos que os professores irão utilizar; e a concepção descentralizadora (aberta), onde essas tarefas competem exclusivamente ao professor ou a uma equipe de professores (descrição maniqueísta de Wickens). César Coll dará preferência à concepção aberta de elaboração curricular, posto que ela apresenta uma maior flexibilidade, o que permite ao professor ser capaz de mudar suas estratégias no decorrer do processo educativo, mudando o plano curricular de acordo com as necessidades vigentes. 

O PROJETO CURRICULAR PARA O ENSINO FUNDAMENTAL DE CESAR COLL - capítulos III e IV

Aprender não significa, apenas, tomar conhecimento e reter na memória. A nova

Page 8: César Coll Salvador

abordagem construtivista representa uma nova metodologia de construção do conhecimento, no quadro da ação educativa e na interação do processo ensino (professor)/aprendizagem (aluno). A preocupação fundamental não é acumular conhecimento, mas sim selecionar informaçõespara saber o que fazer com elas. (gerenciá-las).

Ao tratar de configurar o caráter prático da relação ensino/aprendizagem, a idéia básica consiste em identificar: quem aprende, como se aprende, porque se aprende e para que se aprende.

Existem duas formas de aprendizagem baseadas no desenvolvimento teorizadas por Piaget: a aprendizagem repetitiva, memorística ou mecânica e a aprendizagem significativa. Na aprendizagem repetitiva, o aluno se limita a memorizar, sem saber para que serve o conhecimento. Na aprendizagem significativa, o aluno enriquece o que já sabe (conhecimento prévio) com os novos conhecimentos, garantindo não só a continuidade da aprendizagem, mas permitindo ir galgando níveis superiores de conhecimento. Esse é o enfoque cognitivo-evolutivo, a ação pedagógica que visa a potencializar as linhas naturais do desenvolvimento cognitivo e afetivo.

O QUE ENSINAR

O Projeto Curricular proposto por Cesar Coll traduz uma visão do ponto de vista do ensino e não propriamente da aprendizagem. O seu Projeto Curricular compreende quatro capítulos: 1) que ensinar; como ensinar; quando ensinar; e que, como e quando avaliar.

Assim, as atividades educativas escolares caracterizam-se por ser atividades intencionais, o que significa que tratam de responder a alguns propósitos (objetivos) e a perseguir a consecução de algumas metas (resultados). Coll cita Hameline, que propôs a expressão “intenções educacionais” para designar:

“os enunciados mais ou menos explícitos dos efeitos esperados em um prazo mais ou menos longo e com maior ou menor certeza e interesse pelos educadores, alunos, planejadores e responsáveis educativos, sem esquecer a sociedade na qual ocorre o processo educativo.”

A partir dai, Coll estabelece que uma das tarefas do Projeto Curricular é:

“proceder à análise, classificação, identificação e formulação das intenções que presidem o projeto educacional.”

Constam do Projeto:

Page 9: César Coll Salvador

- inventário e a seleção das intenções possíveis- a formulação de objetivos educacionais para guiar e planejar a ação pedagógica- a organização e sequenciação temporal das intenções- a avaliação, que consiste em verificar se a ação pedagógica corresponde às intenções.

A questão básica, diz Coll, é passar das intenções à formulação, ou seja, da formulação das intenções à formulação (enunciado) dos objetivos. Possivelmente, a mais acurada classificação das intenções educativas é a de Hamelina: 1) finalidade; 2) metas educacionais,; 3) objetivos gerais: finais e intermediários; e 4) objetivos específicos ou operacionais.

Por outro lado, Romiszowski enumera como vias de acesso à concretização das intenções educativas: 1) o conteúdo, isto é, as matérias concretas, 2) as atividades e 3) os resultados, considerando, numa especulação esquemática, três elementos: 1) o input (conteúdo), 2) o output (resultado) e 3) o processo mecanismo que vai do input ao output. Em sentido um pouco distinto, Bruner considera que os efeitos desejáveis da educação não devem dar tanta ênfase aos conhecimentos específicos, mas, sim, à aquisição de destrezas cognitivas. 

Segundo Bruner, o aluno deve ser ensinado de tal forma que, no futuro, possa continuar aprendendo sozinho, isto é, deve adquirir capacidade para identificar a informação relevante, interpretá-la, classificá-la e relacioná-la com a informação adquirida anteriormente. Para tanto, diz Bruner, sugere-se os seguintes objetivos educativos:

- desenvolver na criança um processo de colação de perguntas;- ensinar uma metodologia de pesquisa;- desenvolver a capacidade da criança para formular hipóteses e tirar conclusões;- e realizar discussões em classe, escutar os colegas e expressar suas próprias opiniões.

Um ponto importante na elaboração do Projeto Curricular é a relação ou interação entre o aluno e o conteúdo (matérias), que alguns autores chamam de “encontro”. Klafki propõe 5 critérios para a seleção de conteúdo: 

1) a importância da matéria em relação a sua representatividade; 2) sua relevância na vida atual dos alunos; 3) a influência que deverá ter na vida futura dos alunos; sua estrutura material e significativa; seu grau de adequação ao nível de interesse e de compreensão dos alunos - É difícil, porém, entender como isso poderia ser feito em se tratando de uma turma com 30 ou 40 alunos, cuja origem, o nível econômico, as vocações e os interesses bastante heterogêneos.

Para Schwab, a análise das matérias e de suas estruturas substanciais deve ser o elemento orientador do planejamento do ensino. Já para Brugelmann, inspirado em Eisner, os “currículos abertos” são os projetos de ensino que não aludem ao

Page 10: César Coll Salvador

comportamento final do aluno, limitando-se a indicar situações nas quais se realizará a aprendizagem.

Professor Elias Celso Galvêas.

IR P/A SEGUNDA PARTE DESTE TRABALHO:http://maxpages.com/elias/Psicologia_e_Curriculo_parteII

Entrevista - César CollA Reforma Curricular Brasileira

(realizada em Barcelona, em 2-6-99, pelos professoresJean Lauand e Elian Alabi Lucci. Edição e tradução: Jean Lauand)

 

JL: Inicialmente, gostaríamos de saber qual foi sua efetiva participação na elaboração dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) do Brasil e em que medida a reforma curricular brasileira teve como modelo o sistema espanhol?

 

CC: Bem, minha participação na elaboração dos PCNs foi como assessor técnico. O grupo designado pelo Ministério para a elaboração dos PCNs era um grupo muito amplo, com representantes de universidades e do professorado das diversas áreas e minha colaboração consistiu basicamente em assessorar, no que diz respeito à adoção de uma estrutura que permitisse uma certa homogeneidade dentro das propostas das diversas áreas, não em termos de conteúdos - o que, naturalmente, compete aos especialistas - mas, no que diz respeito à definição dos objetivos dos diversos conteúdos, à maneira de formulá-los, aos blocos de conteúdos, aos tipos de conteúdos procedimentais etc. e no que diz respeito à fundamentação psico-pedagógica.

Page 11: César Coll Salvador

 

JL: E ao final, ficou semelhante ao sistema espanhol?

 

CC: Não pode ser semelhante, porque as realidades são diferentes e os objetivos são diferentes: os PCNs não são um currículo prescritivo oficial, são, antes, um referencial de currículo. Já na Espanha, há o que se chama aqui "diseño curricular base" que estabelece, em nível normativo, o mínimo que deve ser ensinado para todo o Estado Espanhol e depois, cada comunidad autónoma concretiza seu currículo oficial com caráter prescritivo. Trata-se, portanto, de casos totalmente diferentes; sim, podem ter elementos comuns como têm os PCNs do Brasil e o currículo espanhol, como podem ter com outras muitas propostas curriculares do resto do mundo, na medida em que compartilham princípios psico-pedagógicos, algumas opções curriculares do construtivismo e a opção por um currículo aberto e pela importância de elaborar projetos educativos nas instituições, pela consideração de diversos tipos de conteúdo, pela ênfase na autonomia dos centros para empreender adaptações que permitam atender à diversidade de interesses... Mas todos estes são princípios que estão presentes não só nos PCNs e no currículo espanhol, mas na maioria dos países que modernizaram recentemente seus currículos.

 

JL: Para que ocorra efetivamente essa modernização, como deve ser, a seu ver, o preparo dos professores de ensino básico, secundário e médio? Principalmente num país com acentuadas diferenças como o Brasil?

Page 12: César Coll Salvador

 

CC: É o mesmo problema em todos os países: em alguns casos o problema é mais agudo; mas problemas há em todos os países. É evidente que uma das mudanças que ocorrem com os PCNs é a de repassar boa parte da responsabilidade da definição concreta dos conteúdos e do currículo, o que antes era dado pela administração educacional (federal ou estadual): agora essa responsabilidade recai sobre as equipes docentes e sobre os professores, com a finalidade de que tenham uma margem de manobra para adaptar o currículo às necessidades dos alunos. Na medida em que isto ocorre, é evidente que, neste modelo, é necessário um professor muito mais formado, muito mais capacitado, que seja capaz de assumir a autonomia que a proposta apresenta. Portanto, a formação do professorado que sempre foi uma necessidade, agora é mais do que necessária: é absolutamente imprescindível para poder pôr em prática uma ação docente de qualidade.

 

JL: E num país como o Brasil, com regiões extremamente pobres, o que o senhor sugere para a formação acelerada desse professorado?

 

CC: Do ponto de vista da política educativa geral, um governo, uma classe política e uma sociedade que implantam uma proposta desse tipo têm, naturalmente, que dar uma absoluta prioridade à formação do professorado: fazer a reforma sem essa prioridade da formação do professorado seria cair numa contradição que, espero, não venha a ocorrer no Brasil.

Page 13: César Coll Salvador

 

Já do ponto de vista técnico, parece-me bastante evidente que, assim como há uma descentralização do ponto de vista do currículo, tem que haver uma descentralização do ponto de vista dos processos e das atividades de formação: e penso que, neste caso, o ponto chave é procurar formar equipes de formadores de formadores que - descentralizadamente, nas diferentes regiões - possam assumir essa tarefa. E fazer isto, tendo em conta que o professorado necessita formar-se não só em nível teórico, geral, mas procurando soluções para poder construir um currículo adaptado para seus alunos. Claramente, o que é necessário promover é a formação com base em projetos de formação centrados em propostas didáticas ajustadas às necessidades dos alunos de cada lugar. Outra idéia que me parece muito importante é a da utilização das novas tecnologias que oferecem imensas possibilidades do ponto de vista da educação à distância e que podem ser utilizadas para a formação do pro fessorado e a elaboração de materiais multimídia: hoje, com esses recursos, estamos mais aptos a enfrentar desafios dessa magnitude do que no passado.

 

JL: Diversos educadores do Brasil e da Espanha (onde - guardadas as devidas distâncias - vocês têm uma experiência de dez anos de reforma) expressam a preocupação de que a reforma, sim, possa dar certo no ensino básico, mas que no ensino secundário e médio as coisas não funcionem (las cosas se estropeen).

 

Page 14: César Coll Salvador

CC: Não é que se estropeen; é que, nesses casos, é muito mais difícil, porque a mudança trazida pelas novas propostas é uma mudança que se nota muito menos na educação primária do que na educação secundária. Por que? Porque o princípio fundamental (que comentávamos antes) de adaptar o currículo às necessidades educativas dos alunos é algo que tem sido aceito na educação primária - talvez não, na prática, de uma maneira total, mas sim do ponto de vista do parecer geral dos docentes - já há muito tempo. Pode-se conseguir essa adaptação de modo melhor ou pior, mas todo professor primário sente-se na obrigação de adaptar o currículo às necessidades de seus alunos. Já a educação secundária - na medida em que, tradicionalmente, não era obrigatória - era proposta como seletiva, para formar os melhores, como caminho para o nível superior, universitário. Neste caso, o princípio encontra menos receptividade: os professores não foram formados para trabalhar nesse contexto. Então, logicamente, sendo a mudança muito mais profunda, as dificuldades são também muito mais profundas: há um choque com a cultura pedagógica dominante no ensino secundário e surgem resistências.

 

Também no nível técnico, é mais difícil, porque a diversidade de capacidades e interesses dos alunos é maior, na medida em que crescem em idade. Então, fica mais difícil organizar tecnicamente o ensino, mas o fato de ser mais difícil não significa que não se deva tentar: se se considera que é bom e socialmente desejável, deve-se identificar as dificuldades, analisá-las e empregar os recursos e os meios necessários para ir superando, pouco a pouco, essas dificuldades. Sempre tendo em conta que

Page 15: César Coll Salvador

uma mudança dessa natureza não se faz de um dia para o outro, nem dentro de cinco anos; é uma mudança para médio e longo prazo e sabendo que não devemos nos desesperar diante das dificuldades, dos problemas e das resistências: o que é preciso é a convicção de que é uma mudança boa, a consciência de que há dificuldades e que devemos empregar os recursos para ir caminhando em direção aos objetivos que pretendemos.

 

JL: Esta pergunta foi sugerida por um professor de matemática e, embora sob forma jocosa, pode ajudar-nos a ter uma melhor compreensão da proposta dos PCNs. Trata-se da conhecida piada científica que conta a história do ensino de matemática - ao sabor de sucessivas reformas - a partir do "problema das batatas". (dou a ler ao entrevistado uma versão espanhola do problema, cuja tradução apresentamos a seguir):

 

Ensino de 1960

Um camponês vende um saco de batatas por 15 reais. O custo de produção é 4/5 do preço de venda. Calcular o lucro.

 

Ensino tradicional de 1970

Um camponês vende um saco de batatas por 15 reais. O custo de produção é 4/5 do preço de venda, isto é, 12 reais. Calcular o lucro.

 

Ensino de 1970 - Matemática Moderna:

Um camponês troca um conjunto B de batatas por um conjunto N de notas de dinheiro. A cardinalidade de B é 100 e cada elemento sigma de N vale 1 real.

Page 16: César Coll Salvador

Desenhe cem pontos representando os elementos de M. O conjunto C dos custos de produção contém 20 pontos a menos do que M. Represente C como subconjunto de M e responda à questão: qual é a cardinalidade de L, conjunto-lucro (desenhar seus elementos em vermelho).

 

Ensino renovado de 1980

Um camponês vende um saco de batatas por 15 reais. O custo de produção é 12 reais e o lucro 3 reais. Sublinhe a palavra "batatas" e discuta com o grupo.

 

Ensino progressista de 1980

Um camponeis capitalista privilejiado seenriqueçe injustamente levando treis pau no saco de batata. Analizá us erro de otorgrafia e pontuassão e dispois fala u que ce acha dessa manera dinrequeçê...

 

Ensino com computador de 1990

Um produtor do espaço agrícola acessa on line um link de um data bank que faz um download de alta resolução do day rate da batata. Através de umhyperlink ele pode calcular o cash flow. Importe, clicando o mouse, o GIF de um saco de batatas e formate para imprimir na Laserjet.

 

Ensino do ano 2000 - PCNs

Um camponês / camponesa (de acordo com os PCNs, o professor de Matemática deve integrar a Matemática aos Temas Transversais, no caso a "1.3.4.2. Orientação Sexual: Acomodar num mesmo patamar os papéis desempenhados por homens e mulheres na construção da sociedade contemporânea, que ainda encontra barreiras ancoradas em expectativas bastante diferenciadas com relação ao papel futuro de meninos e meninas") vende um saco de batatas (aqui o trabalho deve estar integrado a outras disciplinas - como se dá a plantação de batatas - e ao tema transversal Meio Ambiente: "1.3.4.3. Meio Ambiente. A compreensão das questões ambientais pressupõe um trabalho interdisciplinar em que a Matemática está inserida. A quantificação de aspectos envolvidos em problemas ambientais favorece uma visão mais clara deles, ajudando na tomada de decisões e permitindo intervenções necessárias (reciclagem e reaproveitamento de materiais, por exemplo)" por 15 reais (Pluralidade cultural: em vez de "vende", pode-se falar em troca ou em outras possibilidades sugeridas pela Etnomatemática - cfr. PCN-Matemática 1.3.4.5) etc.

Page 17: César Coll Salvador

 

CC: (O entrevistado lê rapidamente o texto do problema e ao se dar conta de seu caráter jocoso diz:) Piadas científicas como esta, há muitas em todas as áreas e se se trata de tentar ridicularizar e ver as coisas de um ponto de vista jocoso...

 

JL: ...De modo algum, mas só tentávamos concretizar um pouco. Em outras palavras, como deve se comportar um professor de Matemática, que, além de Matemática, tem de ensinar a igualdade do homem e da mulher ante o mercado de trabalho...

 

CC: ...Eu não vejo as coisas assim. Eu diria que o bom professor de Matemática no próximo século será igual ao bom professor de Matemática dos anos 60, 70 ou 80. Sempre haverá desvios, é claro, mas o bom professor de Matemáticas ensinará "lo mismo" e ensinará com plena consciência do contexto social em que ensina...

 

JL: ...Mas isto é mais difícil com Geometria Analítica ou com Química Orgânica do que, digamos, com História...

 

CC: ...Não! Acho que não, porque o problema continua sendo o de contextualizar, o de considerar as exigências sociais e isto não se refere tanto aos conteúdos concretos - digamos, de como se formulam os problemas - mas sim, ao sentido que se dá ao ensino: que sentido deve ter o ensino de Matemática para as novas gerações? Este é o problema de fundo. E este sentido é determinado pelas necessidades sociais: para que é necessária a Matemática na educação básica e obrigatória para um aluno atualmente? Esta é a modificação de fundo; se há alguma modificação importante, decorrerá deste ponto e não do fato de adotar uma ótica de teoria dos conjuntos ou do que for... Esta é a questão de fundo, esta é a reflexão que nos falta e que não está terminada: ela foi iniciada, mas ainda não a concluímos. Será que, realmente, a Matemática que se ensina na educação básica obrigatória é a Matemática que se requer para exercer a cidadania na sociedade atual e no futuro?

 

JL: Sempre se corre o risco de fazer um trabalho fictício, postiço: "Ética, meio ambiente, temas transversais etc... e agora vamos ao que interessa: decorar a tabuada!"

 

CC: O importante, insisto, para os temas transversais não é introduzir, digamos, em nível de "letra", de redação o que é a não-discriminação entre gêneros, a igualdade de oportunidades ou uma conduta social de acordo com os princípios cívicos e democráticos nos enunciados, mas realmente situar o ensino de Matemática a serviço

Page 18: César Coll Salvador

disso... É necessário fazer uma reflexão: realmente, você e eu, que somos adultos, que temos reconhecida uma plenitude de direitos e de deveres, que nos situamos em um nível, poderíamos dizer, relativamente alto e que, portanto, é de esperar que, em nosso desempenho profissional, estejamos à altura das exigências desse nível: de que Matemática realmente necessitamos? Esta é a questão!

Há uma tendência academicista no ensino básico e obrigatório que, penso eu, neste momento é um lastro que precisa ser re-examinado. Não digo que se deva esvaziar a Matemática, mas fazer a reflexão sobre se realmente tudo aquilo que hoje faz parte dos currículos nos diferentes países é realmente o que o cidadão necessita e, portanto, aquilo que deve ser assegurado em uma formação para todos ou se, antes, é fruto de tradições academicistas, que historicamente estariam justificadas, mas, que, talvez, hoje em dia, já não estejam. E, reciprocamente: que pontos do conhecimento matemático que não estão no currículo e que deveriam estar no lugar de pontos que não são funcionais.

 

JL: Mas, deve-se ter em conta também um valor formativo específico de cada disciplina: a formação matemática, por pouco funcional que seja, propicia uma formação do modo de pensar: não se estuda Geometria só para calcular áreas, mas como formação no sentido da Academia de Platão: "Não entres, se não és geômetra!". E não é fácil perceber esse valor formativo que não se traduz em utilidade imediata...

 

CC: Estou de acordo com tudo isso que você diz, mas isto mesmo se pode aplicar - mutatis mutandis - a todos os conteúdos e não depende tanto do conteúdo, mas do modo de apropriar-se e de aprender os conteúdos: o estudo de História, de Geografia, de línguas... pode ser feito de modo a permitir o desenvolvimento de capacidades e de criar umas coordenadas mentais ou pode ser feito de um modo horroroso. Não é um argumento que se possa aplicar só à Matemática...

 

JL: ...Evidentemente, eu não me referia só à Matemática...

 

CC: ...Mas ao conjunto dos conteúdos. Portanto, partindo do pressuposto de que vamos ensinar e procurar fazer com que os alunos aprendam da melhor maneira possível, desenvolvendo sua capacidade de pensar de maneira autônoma, é necessária a reflexão sobre quais conteúdos são mais importantes nesse sentido.

 

JL: Passo a palavra ao Professor Elian para suas perguntas...

 

Page 19: César Coll Salvador

EL: Eu, que percorro o Brasil continuamente em contato com professores, tenho a impressão de que um ponto extremamente positivo da reforma é o da interdisciplinaridade. Mas os professores queixam-se de que não estão sendo devidamente preparados...

 

CC: A verdade é que isto é uma conseqüência inevitável da profundidade de mudança da proposta. Se a mudança fosse superficial, teria provocado menos inquietação e ansiedade ante a necessidade de adaptar-se à nova situação: mas isto é inevitável quando a mudança é profunda.

E voltamos ao que dizia antes: é necessário exigir coerência de quem promoveu a reforma e, portanto, que dê os recursos necessários para que o professorado possa formar-se adequadamente. E há um segundo ponto: quero dirigir aos professores uma mensagem que os tranqüilize: os professores que eram bons profissionais no antigo sistema, continuarão sendo bons profissionais no novo sistema e para os que já pressentiam que era necessário mudar, a nova proposta oferece uma orientação sobre o sentido para o qual devem encaminhar as mudanças. E, certamente, a perspectiva da ansiedade ou da insegurança não é a melhor para enfrentar uma situação nova; os professores têm que pensar que são profissionais e que devem formar-se (isto não significa que não sabem de seu ofício ou que o exerçam mal, mas, como todo profissional, devem procurar melhorar no exercício de sua profissão). E que é necessário exigir, junto aos que detêm os meios e a responsabilidade, que propiciem essa formação. E também saber esperar, porque essas mudanças não se realizam a curto prazo, mas a médio e longo prazo e é um erro pretender um retrocesso antes de se dar realmente a oportunidade para que ocorram essas mudanças.

 

EL: Ouço dos professores brasileiros que enquanto na Espanha os temas transversais são a estrutura básica, no Brasil são antes justapostos ou opcionais...

 

CC: Pelo que estou informado, isto não é totalmente correto. A verdade é que a proposta do Brasil e a nossa são ligeiramente diferentes, como comentávamos: aqui (na Espanha), faz parte do currículo prescritivo e no Brasil é um referencial. É preciso distinguir entre o que se propõe em nível teórico e o que acontece realmente em sala de aula: teoricamente, há uma integração e uma apresentação integrada dos temas transversais nas áreas clássicas do currículo, mas na prática, estamos muito longe de alcançar o nível de integração que seria desejável.

 

Não vejo propostas radicalmente diferentes; há, sim níveis diferentes e fundamentações em razões diferentes em um e outro caso, por conta da tradição do país, da situação pedagógica...

 

Page 20: César Coll Salvador

EL: O que me parece interessante na proposta é a possibilidade de dar ao jovem uma visão integrada.

 

CC: O que devemos ter em conta é que nós podemos ensinar matérias diferentes, mas na cabeça do jovem tudo o que se ensina deve-se integrar com base numa realidade que é única, como cada um deles é único. É um pouco ilusório pressupor que eles vão, por si mesmos, fazer uma integração de algo que não lhes é dado de modo integrado: as disciplinas da educação básica obrigatória, que devem estar dirigidas a oferecer-lhes instrumentos de leitura, análise, compreensão e de atuação sobre a realidade. Isto se pode conseguir, integrando as contribuições disciplinares e não separando-as e estabelecendo fronteiras entre as disciplinas.