13
semeiosis SEMIÓTICA E TRANSDISCIPLINARIDADE EM REVISTA TRANSDISCIPLINARY JOURNAL OF SEMIOTICS SETEMBRO / 2011 Semiótica e comunicação visual: o design e a publicidade em questão CHAMARELLI FILHO, Milton. Professor do Centro de Filosofia e Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Acre | [email protected] resumo Neste artigo, observamos como o conceito de individualização, relacionado aos de design e de cultura, perpassa a construção de duas peças publicitárias de perfume. Com base na semiótica peirceana, notamos que a individualização dos produtos se dá pela valorização do seu design ou dos elementos que compõem a encenação publicitária, construídos e valorizados em função dos gostos dos seus potenciais compradores. PALAVRAS-CHAVE: design; publicidade; cultura; perfume abstract In this article, we observe how the concept of individuation, related to the concepts of design and culture, permeates the construction of two advertisements of perfume. Based on Peirce’s semiotics, we analyze these advertisings and we notice that the individualization of the products is due to the appreciation of the design or elements that make up the advertising scenario, constructed and valued according to the wishes of your potential buyers. KEYWORDS: design; advertising; culture; perfume

CHAMARELLI, Milton Semiótica e comunicação visual · 3 A industrialização e o desenvolvimento da sociedade de consumo contribuíram para a homogeneização das aspirações e

  • Upload
    lamkiet

  • View
    217

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: CHAMARELLI, Milton Semiótica e comunicação visual · 3 A industrialização e o desenvolvimento da sociedade de consumo contribuíram para a homogeneização das aspirações e

semeiosis semiótica e transdisciplinaridade em revista

transdisciplinary journal of semiotics

setembro / 2011

Semiótica e comunicação visual: o design e a publicidade em questão

Chamarelli Filho, Milton. Professor do Centro de Filosofia e Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Letras

da Universidade Federal do Acre | [email protected]

resumoNeste artigo, observamos como o conceito de individualização, relacionado aos de design e de cultura, perpassa a construção de duas peças publicitárias de perfume. Com base na semiótica peirceana, notamos que a individualização dos produtos se dá pela valorização do seu design ou dos elementos que compõem a encenação publicitária, construídos e valorizados em função dos gostos dos seus potenciais compradores.

palavras-chave: design; publicidade; cultura; perfume

abstractIn this article, we observe how the concept of individuation, related to the concepts of design and culture, permeates the construction of two advertisements of perfume. Based on Peirce’s semiotics, we analyze these advertisings and we notice that the individualization of the products is due to the appreciation of the design or elements that make up the advertising scenario, constructed and valued according to the wishes of your potential buyers.

keywords: design; advertising; culture; perfume

Page 2: CHAMARELLI, Milton Semiótica e comunicação visual · 3 A industrialização e o desenvolvimento da sociedade de consumo contribuíram para a homogeneização das aspirações e

2

considerações iniciais Um dos princípios do design1 é o de que os objetos que nos

circundam comunicam pelas suas qualidades, tais como cor, forma e dimensão que, organizadas como substâncias básicas a respeito daquilo que percebemos, instruem-nos na maneira de como as concebemos, a partir da natureza sígnica que a elas adere.

Se nos informam, a partir da percepção que temos delas, é porque são significativas, logo, podemos dizer que são também representativas, pois remetem a conceitos culturalmente construídos.

Do ponto de vista de uma teoria da representação, instaura-se uma questão: os objetos projetados pelo design são potencialmente expressivos em uma cultura, o que faz com que eles transitem pelo território do simbólico. São eles, assim, informativos ou significativos, uma vez que apontam para a necessidade do homem de simbolizar por meio de formas, cores, imagens etc.

Do ponto de vista de uma teoria psicológica e social, instala-se ainda outra questão. Sendo os objetos-produtos potencialmente significativos em uma cultura, são também elementos que despertam o desejo, logo, a necessidade de posse sobre eles aumenta, na medida em que passam a ter não apenas valor simbólico, mas monetário. Por isso, não estamos falando tão somente do objeto enquanto um somatório de traços, mas de um artefato que se constitui como um item da cultura, da cultura industrial ou mesmo da indústria cultural2.

Todo artefato, no sentido que é definido pela antropologia ou pela filosofia, pode ser entendido como um “objeto produzido, no todo ou em parte, pela arte ou por qualquer atividade humana, na medida em que se distingue do objeto natural, produzido pelo acaso” (ABBAGNANO, 1998: 82), ou seja, pode assim ser compreendido como um signo da cultura em que está inserido. Nesse sentido, ele é produto de um determinado tipo de organização societária, localizada espaço-temporalmente e que se encontra em certo estágio de evolução técnica.

Como objeto de uma cultura industrial, o artefato é não apenas confeccionado pelo homem para atender às suas necessidades mais elementares de um pequeno grupo homogêneo, mas é, sobretudo, produzido para um grupo heterogêneo, constituído nas metrópoles no período pós-Revolução Industrial: a massa, originada como resultado não só dessa Revolução, mas também de uma cultura que com ela se desenvolve, a cultura industrial.

Na cultura industrial, os objetos são produzidos sem a intervenção humana, isto é, são fabricados na linha de produção, onde predomina a divisão técnica do trabalho. Desde a concepção de um determinado produto, passando pela sua produção e distribuição, até a compra pelo consumidor final, não há senão o objetivo do lucro, obtido a custo de uma total racionalização e mecanização dos processos de produção, e da neutralização dos aspectos espirituais nos quais estão envolvidos os seres humanos.

1 Ao se constituir pela técnica de conceber objetos agregando-lhes valor, o design projeta produtos, estética e funcionalmente idea-lizados, para os fins a que foram destinados, equacionando a re-lação entre materiais, forma e processo produtivo.

2 A distinção que faremos a se-guir é apenas de cunho didático.

Page 3: CHAMARELLI, Milton Semiótica e comunicação visual · 3 A industrialização e o desenvolvimento da sociedade de consumo contribuíram para a homogeneização das aspirações e

3

A industrialização e o desenvolvimento da sociedade de consumo contribuíram para a homogeneização das aspirações e dos produtos destinados a demandas com diferentes identidades. Com a cultura e os bens culturais não foi diferente, porque, se antes a obra de arte tinha por finalidade levar à reflexão, agora, após a sua difusão em cópia e disseminação — provocadas pela “reprodutibilidade técnica”, tal como ocorre com a fotografia (BENJAMIN, 1982) —, sua finalidade não é outra senão a alienação das massas, na medida em que esses bens e a própria arte passam pelo processo de reificação (LUKÁCS, 1974). Além da indústria dos bens de consumo, temos agora a indústria dos bens culturais.

Com efeito, podemos afirmar que todo objeto, nesta sociedade, paga o tributo por uma espécie de “pasteurização cultural”. Ele é produto e signo de uma cultura cujos anseios também são assimilados ao gosto comum, como um (mesmo) desejo que deve atender a diferentes identidades.

Assim, enquanto item da indústria cultural, o objeto incorpora o conceito de artefato, uma vez que é produzido na linha de montagem; coliga a ideia de um produto manufaturado, mas que é distribuído a um público paradoxalmente “único” e indistinto, e agrupa a concepção de que as “necessidades iguais sejam satisfeitas com produtos estandardizados” (ADORNO, 2009: 6).

O paradoxo da indústria cultural — e a publicidade tenta ao máximo nos fazer olvidá-lo — é transformar o objeto comum direcionado à massa, ou elemento asséptico, num artefato personalíssimo, sem fazê-lo assim parecer ao grande público. Cabe ao design a tarefa de dar ao produto-protótipo um aspecto que o diferencie dos demais, permitindo, com isso, que ele nos seduza (SUDJIC, 2010). A caracterização é a sua marca de identidade e sua credencial para fazer parte dos mundos dos objetos industrializados, comercializáveis e aprazíveis ao gosto comum.

A partir do conhecimento do design do produto-final, a publicidade constrói um discurso persuasivo sobre ele, aludindo aos seus atributos e aos traços mais proeminentes que estejam de acordo com uma espécie de “gosto comum” do consumidor, ou que possam ser e/ou parecer relevantes, se comparados aos demais artigos concorrentes. Por esse motivo, os produtos devem “individualizar”.

A individualização3 é a fórmula encontrada pela publicidade para evocar, em primeiro lugar, uma característica relevante no mundo atual: a individualidade. Esta é exaltada pelas qualidades que particularizam o objeto pelo design ou pela publicidade, ao suscitar no potencial comprador os atributos dos produtos/objetos que lhe devem atrair. Não por acaso, se pode afirmar que “as características da indústria cultural são transportadas para as características dos indivíduos” (FERREIRA, 2001: 111).

Ao mesmo tempo em que, em sua concepção, os objetos são

3 Uma das funções da marca, segundo Volli (2004: 121).

Page 4: CHAMARELLI, Milton Semiótica e comunicação visual · 3 A industrialização e o desenvolvimento da sociedade de consumo contribuíram para a homogeneização das aspirações e

4

inominados, o público que o recebe também o é4. É necessário, portanto, individualizá-los ao máximo para que o público, na figura da pessoa anônima e desejosa, identifique-se com a mensagem publicitária, com a sua promessa básica5 e com o design do produto.

A fim de verificar os aspectos de individualização de mensagens e design pela publicidade, analisaremos a seguir dois anúncios de perfume feminino: Luiza Brunet Night, da Avon Cosméticos, e Organza, da marca Givenchy. Porém, antes, comentaremos a estratégia de individualização pela linguagem e, em seguida, justificaremos a escolha das referidas peças publicitárias.

análisesNão há uma técnica propriamente dita no processo de

individualização promovido pela publicidade. Entretanto, nos anúncios aqui analisados, nota-se a recorrência de alguns elementos compositivos e dos designs dos frascos de perfumes presentes nas peças

Na linguagem publicitária, a individualização é geralmente alcançada pelo uso da função conativa, também chamada função apelativa. Descrita pelo linguista russo Roman Jakobson, a referida função da linguagem é conhecida na literatura das áreas de linguística e comunicação por ser aquela encontrada predominantemente nos textos publicitários, dada a sua função de interpelar o interlocutor.

Na publicidade, a função conativa é usada para persuadir o consumidor a conhecer um produto, comprá-lo ou acatar uma ideia. Por exemplo, podemos encontrá-la na forma de conselhos (ou ordens): “Mantenha seus cabelos no devido lugar” (anúncio de tônico capilar); para valorizar indiretamente as qualidades do produto: “Os melhores terrenos do mundo você não acha na imobiliária” (anúncio de tênis); ou para identificar no interlocutor as exigências que o distinguiriam dos demais: “Sofisticação é ter mais do que você precisa e tudo o que você deseja” (anúncio de automóvel).

Nos anúncios analisados, temos dois casos distintos de elaboração do texto publicitário, pois somente um deles é construído com o aporte da função conativa. No que diz respeito às estratégias utilizadas nas peças, podemos observar semelhanças, sobretudo se considerarmos a composição da imagem e os objetos6 nela representados.

Conforme dito anteriormente, por intermédio da concepção do design e das estratégias da publicidade, o produto deve individualizar. Ao lado do vestuário, talvez não haja outro item em nossa sociedade que esteja mais relacionado à individualização do que o perfume. Por esse motivo, nas peças aqui analisadas, a retratação de vestidos, ao lado de perfumes, é tão significativa.

Se os objetos considerados “sofisticados”, tais como os automóveis, ou de grife, como roupas, podem, apesar do preço elevado, exercer suas funções primárias como transporte e proteção do corpo, o mesmo não

4 O ardil da publicidade, por exemplo, é o de afirmar que os produtos são “únicos” e “exclusivos” para trazer à lembrança o traço artesanal. Esse recurso confere a um determinado objeto uma espé-cie de “nostalgia”, pois evoca os produtos que ainda eram feitos artesanalmente sob encomenda, com molde. Mas, na socie-dade de massa, os produtos encomendados se restringem a uma minoria abastada. Por esse motivo, os objetos devem parecer que foram feitos “individualmente”.

5 “O que ele tem de diferente, o que ele pode prometer ao consumidor” (HOFF, T.; GA-BRIELLI, l, 2004: 20).

6 “Objetos”, como um dos processos de conotação da imagem, conforme Roland Barthes (1980: 17).

Page 5: CHAMARELLI, Milton Semiótica e comunicação visual · 3 A industrialização e o desenvolvimento da sociedade de consumo contribuíram para a homogeneização das aspirações e

5

se observa com o perfume. Isso porque, este não tem outra função que não seja a emanação de um odor, o que, aliás, talvez esteja implícito na etimologia da própria palavra: per fumum (em latim) “pela fumaça”. Em francês, parfum data de 1528, quando passou a ser usado com a acepção que hoje conhecemos: “odor natural ou artificial agradável”.

As fragrâncias dos perfumes são mais ou menos fortes, masculinas ou femininas. São também classificadas como “mais tradicionais” em cítricos, amadeirados, florais e doces. Essências que, em termos olfativos, evocam odores naturais que, por sua vez, podem suscitar lembranças, sentimentos etc.

Dessa forma, podemos afirmar que os aromas exalados estão “no lugar de”, são signos para quem os sorve e, embora não representem, na forma como a semiótica compreende esse termo7, podem evocar sensações pelas qualidades primeiras de suas fragrâncias. Entram assim na categoria que Charles Sanders Peirce denominou primeiridade (firstness). Por outro lado, pelo uso que deles é feito, os perfumes podem indicar determinados aromas a partir das essências de que são compostos. Por esse motivo, pertenceriam também à categoria que Peirce denominou secundidade (secondness) e, por esse motivo, estabelecem uma relação de ‘conexão’ com os odores de onde são provenientes, como podem distinguir e individualizar quem os utiliza. Ingressam, assim, na categoria do índice. Para Peirce, o índice é:

[...] um signo ou representação que se refere a seu Objeto não tanto em virtude de uma similaridade ou analogia qualquer com ele, nem pelo fato de estar associado a caracteres gerais que esse objeto acontece ter, mas sim por estar numa conexão dinâmica (espacial, inclusive) com o Objeto [...] (CP 2.305 apud SANTAELLA, 1995: 159)

Os perfumes são então usados com a “função” de individualizar quem os utiliza pelo aroma. Vejamos como o anúncio abaixo foi construído, de forma a reforçar a ideia de individualidade.

Conviria, antes, perguntar que outros elementos da imagem permitem a sua leitura como signos plenos8, na medida em que sugerem uma compreensão mais global da publicidade. Convém indagar também em que medida esses elementos do texto publicitário compõem um quadro de estratégias de individualização que possibilitariam o reconhecimento da sua consumidora/ destinatária.

Neste trabalho, observamos as mensagens publicitárias por meio de três pontos de vista, tal como foram apresentados por Lúcia Santaella: qualitativo-icônico, singular-indicativo e convencional-simbólico, desen-volvidos com base nas três categorias peirceanas: ícone, índice e símbolo. Assim, fazemos nossas as palavras da autora:

7 Referimo-nos aqui ao fato de que os índices só funcionam como signos quando uma mente interpretadora estabelece a rela-ção, a “conexão” signo-objeto (SANTAELLA, 1994: 66).

8 Termos utilizados por Barthes em A retórica da imagem.

Page 6: CHAMARELLI, Milton Semiótica e comunicação visual · 3 A industrialização e o desenvolvimento da sociedade de consumo contribuíram para a homogeneização das aspirações e

6

Sob o ponto de vista qualitativo-icônico, são analisados os aspectos qualitativos de um produto, peça ou imagem, ou melhor, a qualidade da matéria do que é feito, suas cores, linhas, volume, dimensão, textura, luminosidade, composição, forma, design etc. [...] Sob o ponto de vista singular-indicativo, o produto peça ou imagem é analisado como algo que existe em um espaço e tempo determinados. Quais são os traços de sua identidade? [...] Sob o ponto de vista convencional-simbólico, o produto é analisado no seu caráter de tipo, quer dizer, não como algo que se apresenta na sua singularidade, mas como um tipo de produto (SANTAELLA, 2002: 70-71).

Primeiramente, todos estes referenciais teóricos nos servirão para analisar o anúncio e, em um segundo momento, tomaremos como base o design dos frascos de perfume de uma forma geral.

perfume Luiza Brunet Night

Comecemos pela mensagem linguística9 pois ela é que, no caso da referida peça, possibilita que a mensagem seja individualizada.

O anúncio acima faz uso da função conativa, uma vez que o texto publicitário dirige-se ao seu interlocutor ao sugerir a ele: “É tudo que você precisa vestir essa noite”10. Pode-se afirmar também, nos termos de Barthes (1990: 32), que a mensagem linguística ancora a imagem, ou seja, especifica um dos possíveis sentidos que a fotografia da modelo Luiza Brunet pode ter.

fig.1: Anúncio do perfume Luiza Brunet Night, da Avon Cosméticos. Fonte: revista Marie Claire, ed. 145, abril de 2003.

9 A designação feita por Barthes para identificar as mensagens verbais que fixam os sentidos das imagens. (Cf. BARTHES, 1990: 32).

10 Mas essa mensagem é não verossímil, e o artifício publicitário consiste em fazer com que a frase sugestiva seja interpretada não-literalmente, porque não se pode vestir um perfume. Temos aqui, nos termos de Paul Grice (1982), uma violação da máxima da qua-lidade, no sentido de que, do ponto de vista da compreensão do enunciado, não podemos compreendê-lo ao pé da letra, uma vez que viola o princípio dessa máxima naquilo que diz respeito ao fato de não se dizer o que [se] acredita ser falso. Nesse sentido, ele gera uma implicatura conversacional.

1

Page 7: CHAMARELLI, Milton Semiótica e comunicação visual · 3 A industrialização e o desenvolvimento da sociedade de consumo contribuíram para a homogeneização das aspirações e

7

ponto de vista qualitativo-icônicoComecemos pela cor. A cor que predomina na peça do perfume

Luiza Brunet Night é o azul (um azul noite, daí o nome do perfume), com tonalidades que vão do mais claro, presente na base do frasco, ao mais escuro, presente no vestido da modelo. O azul também é a cor do fundo, das letras localizadas na página da direita e da tampa do perfume.

O azul-noite sugere a luz que brota do escuro, semelhante à luz do frasco. O azul é passivo e suave, por isso contrai-se, ao contrário do vermelho e amarelo, que se expandem (compare, por exemplo, a peça a seguir, do perfume Givenchy).

Formas curvas indicam calidez, sensualidade e sinuosidade11, que são realçadas pelo volume do corpo da modelo. Percebe-se também que o vestido é de uma textura fina, possivelmente para realçar o corpo e dar a impressão de dinamismo e volúpia.

Há também uma tensão nos tons, sendo eles mais escuros na parte de baixo do vestido (chegando quase ao preto) e mais claros na parte superior, o que cria um efeito de complementaridade (reforçada pelos efeitos de claridade), sobretudo se notarmos que as cores bem delineadas do frasco do perfume reproduzem a relação de contraste entre a cor do fundo, mais clara, e a cor do vestido da modelo. A sugestão de um movimento provocado por uma relação de configuração entre cores e formas é “quebrada” pela sinuosidade do corpo da modelo e pela ligação do frasco com a tampa do perfume. Observemos as figuras abaixo.

A contração e o contorno do corpo indicam uma ação. Pelas figuras 2 e 3, percebe-se a sugestão entre uma contração e uma descontração, exemplificados pelo contorno do corpo da modelo em relação ao fundo da imagem, e pela parte inferior da tampa do perfume em relação à base.

ponto de vista singular-indicativoAs joias e o vestido usados pela modelo funcionam como

indicadores para uma leitura dos objetos12 que são atualmente valorizados e talvez mais apreciados pelo fato de serem usados por alguém conhecido. Não sem motivo, a tampa do perfume também leva a sua assinatura, porque remete diretamente às credenciais da pessoa que apresenta o perfume.

fig.2: Recorte da fig.1, coloca-da a 90º – corpo da modelo.

fig.3: Recorte longitudinal da fig.1– frasco de perfume.

11 Segundo Santaella, formas e cores têm grande poder de sugestão (Cf. SANTAELLA, 2002: 70).

12 Processo de conotação da imagem, segundo Barthes, em A mensagem fotográfica.

32

Page 8: CHAMARELLI, Milton Semiótica e comunicação visual · 3 A industrialização e o desenvolvimento da sociedade de consumo contribuíram para a homogeneização das aspirações e

8

As joias usadas por ela compõem o cenário de sugestão sobre a noite ou o seu brilho. Há ainda a pose de bem-estar, como se pode notar pelo aspecto do rosto, o que contribui para uma leitura ou valoração positiva do perfume ou dos efeitos que ele desperta.

ponto de vista convencional-simbólicoA tipografia utilizada é semelhante à Garamond serifada, um

formato mais tradicional, ao passo que a assinatura da modelo, na tampa do perfume, apresenta um aspecto cursivo, em contraste com a inscrição “night”, num formato mais retilíneo.

Em complementação ao apelo publicitário, o nome do perfume sugere que ele deva ser usado à noite, permitindo, com isso, que a peça explore elementos que podem ser associados a esse período, como, por exemplo, a cor13 e ao que ela suscita no imaginário feminino, tal como a ideia de sensualidade.

Com tal cenário delineado, o perfume torna-se uma síntese de representações, a partir dor signos sugeridos e elaborados pela publicidade, ou seja, pelo poder que tem de indicar elementos valorativos que podem seduzir a potencial compradora e nela despertar o desejo de comprá-lo. Assim, a publicidade individualiza pela mensagem linguística e pela imagem, ao explorar cores e formas que reforçam as ideias ou a imaginação que poderão ser “experimentadas” também pelas usuárias da nova fragrância.

Cumpre ressaltar ainda que, do ponto de vista simbólico, a presença da modelo Luiza Brunet é fundamental, visto que, na peça, está em jogo a imagem da modelo e o que ela representou/representa no mundo da moda e, com isso, o imaginário que ela evoca nas potenciais compradoras do produto anunciado.

sobre o design do perfume Luiza Brunet Night O frasco do perfume é retilíneo e a parte inferior da base da tampa

é sinuosa. O mesmo recurso também se aplica à relação entre a base de vidro do frasco e a sua parte superior. A parte de cima da tampa não é reta, mas em diagonal, oferecendo um aspecto mais dinâmico ou uma quebra de harmonia em relação à base.

A tensão que observamos entre os tons utilizados na peça é repetida no frasco do perfume. O formato de dois triângulos com bases opostas indica uma tensão que é quebrada pela sinuosidade da base da tampa ou pelo topo do frasco.

13 Talvez por esse fato o azul seja tão explorado aqui. Por ser considerada uma cor ima-terial, remete ao âmbito da sub-jetividade, na medida em que pode evocar uma lembrança, uma ideia ou imaginação.

Page 9: CHAMARELLI, Milton Semiótica e comunicação visual · 3 A industrialização e o desenvolvimento da sociedade de consumo contribuíram para a homogeneização das aspirações e

9

perfume Organza, de Givenchy

Comecemos pelo nome do perfume. Organza é um tipo de tecido fino e transparente, geralmente feito de náilon. Givenchy é uma renomada marca francesa de roupas de alta costura, criada pelo estilista e perfumista francês Hubert de Givenchy.

A mensagem linguística é construída de forma intimista, no sentido de que não há um apelo que incite diretamente a consumidora. Adota-se a “fórmula” da criação de slogans: número reduzido de palavras, com recuso à sonoridade (principalmente pelo predomínio das vogais abertas), tal como pode ser observado na frase “Quelque chose en moi d’eternel” (Algo em mim de eterno). O nome da marca

fig.4: Anúncio do perfume Organza, de Givenchy. Fonte: <http://www.mes-parfums.com/en/publicite-parfum-Organza-2705.html>.

4

Page 10: CHAMARELLI, Milton Semiótica e comunicação visual · 3 A industrialização e o desenvolvimento da sociedade de consumo contribuíram para a homogeneização das aspirações e

10

Givenchy está na parte superior, o que é relevante para o layout da página porque a encabeça. Assim, a marca está em destaque, permitindo que se ativem no leitor possíveis associações relacionadas ao anunciante: luxo, glamour, beleza, etc.

ponto de vista qualitativo-icônicoA cor predominante na peça é o bege, com tons amarelados ou de

sépia, que evoca o clássico. A luz vaporosa atrás da modelo dá a aparência de algo diáfano, criando um clima de exuberância. O próprio véu que se coloca sobre o dorso da modelo reforça essa ideia. A luminosidade etérea forma quase todo o pano de fundo e, por isso, tem um papel importante para a construção do significado pretendido.

Há o predomínio de formas retilíneas, o que é reforçado pela presença de uma porta com entalhes geométricos e do vestido longilíneo usado pela modelo. Os braços, se comparados, formam ângulos muito abertos e quase equivalentes, que sugerem leveza, como se pode perceber, principalmente, pelo braço esquerdo da modelo, que paira no ar.

ponto de vista singular-indicativo Percebemos que há uma reprodução da forma do perfume em

relação ao formato do corpo da modelo. Um remete ao outro. Logo, o perfume deve partilhar das mesmas qualidades do vestido, visto que essa duplicidade é construída porque ambos compartilham o mesmo nome, Organza, e são produtos da mesma marca.

No vestido, há também duas flores que podem indicar feminilidade, devido a alocação de ambas, próximas ao púbis da modelo.

A presença de alguns índices, tais como a luminosidade etérea, a cor bege e a porta em estilo tradicional, contribuem para a construção da ideia de algo “clássico” (aqui entendido como ‘modelar’).

Cabe notar ainda que a perna esquerda da modelo está um passo a frente, possivelmente indicando mobilidade para realçar o vestido.

ponto de vista convencional-simbólicoNa figura acima (4) e nos produtos Givenchy, o tipo gráfico usado

é o mesmo, o que garante a identidade e o reconhecimento da marca. O formato do perfume remete ao vestido e ambos aludem ao nome Givenchy, uma marca conhecida pela produção de roupas de alta costura e perfumes. Por outro lado, na peça, o nome também confere tradição aos produtos anunciados e, por isso, pode suscitar uma série de associações no imaginário feminino. Nesse sentido, o nome da marca torna-se um padrão, e é a partir dele que o anúncio evoca, na consumidora, aspectos do que seja clássico (modelar): o tipo de vestido e o perfume.

Dessa maneira, o formato do frasco copia a forma do corpo da modelo, de modo que um remete a outro, um espelha o outro. O slogan, pela sua função lacônica, sintetiza a proposta publicitária: sugere que

Page 11: CHAMARELLI, Milton Semiótica e comunicação visual · 3 A industrialização e o desenvolvimento da sociedade de consumo contribuíram para a homogeneização das aspirações e

11

os produtos sejam considerados eternos em virtude da aura que a marca Givenchy lhes fornece, ou seja, podem ser perenes para alguém que os utiliza ou utilizará.

sobre o design do perfumeO formato do perfume reproduz a sinuosidade do corpo de uma

mulher, mas também o drapeado dos tecidos. Como já notamos, um remete ao outro, talvez pelo fato de ambos serem produtos de uma mesma marca associada à alta costura e perfumes de alto preço.

Ao reproduzir a forma do corpo feminino, o frasco apresenta também um formato mais ergonômico. A tampa possui um formato floral ou, pela sua posição, talvez queira reproduzir, de alguma forma, a cabeça feminina, o esvoaçar dos cabelos.

Ao associar cores e forma a conceitos já conhecidos, o frasco acaba por personificar os valores da marca de roupas de alta costura. Logra, com isso, o êxito de acionar o conhecimento prévio que os consumidores têm da marca Givenchy para, então, serem transferidos ao perfume. Ao contrário do perfume Luiza Brunet Night, o frasco do perfume Givenchy reproduz mais do que um corpo, um vestido e, mais do que um vestido, uma marca. Como o vestido tem um lugar no imaginário dos objetos almejáveis pelas mulheres e, como o frasco, pelo seu desenho, reproduz a forma do vestido, ele passa a ser um objeto igualmente cobiçável.

considerações finais Afirmamos acima que a individualização se dá pela valorização

das qualidades que particularizam o objeto, ou seja, pelo seu design, pelos supostos atributos que, pela publicidade, devem atrair o potencial comprador. Nas duas peças aqui analisadas, não temos, de forma direta, os dois tipos de valorização a que nos referimos. No entanto, o anúncio da marca Avon é mais direcionado ao público, pelo uso que é feito da função conativa. Mas essa mensagem só “funciona” a partir da interação entre texto e imagem e pelos traços compositivos desta última: o uso das cores, das formas e dos objetos. Em conjunto com a mensagem linguística, esses elementos são direcionados a um público e ajudam a construir a própria imagem deste consumidor a quem o produto é destinado. Aqui, a exploração da imagem do produto não é enfática, afora o fato de a imagem ser comparada à pose da modelo, como já notamos. Quando muito, se podem deduzir, pela publicidade, características funcionais, tais como o tamanho e a praticidade do frasco. Todo investimento é feito então sobre a publicidade, na medida em que busca suscitar à sua potencial compradora a identificação com índices tidos como relevantes, a ponto dela se sentir atraída por eles.

Na segunda peça publicitária analisada, a mensagem linguística não busca incitar diretamente a consumidora, por isso, poderíamos chamá-la de autor-referencial: “Algo em mim de eterno”. Somos levados

Page 12: CHAMARELLI, Milton Semiótica e comunicação visual · 3 A industrialização e o desenvolvimento da sociedade de consumo contribuíram para a homogeneização das aspirações e

12

a perguntar: o que é ou se torna eterno e para quem: o uso do perfume? O uso do perfume se eterniza também pelo uso do vestido? Ou ainda é o uso da marca que, por meio de seus produtos, se pretende “eterna”?

O anúncio da marca Givenchy, ao criar uma aura para os seus produtos, o faz de forma autor-referencial, a partir das associações que julga que seu público faz da própria imagem da marca. Por esse motivo, recorre-se à imagem do vestido clássico e longo para compor o design do perfume.

Em ambos os anúncios a consumidora precisa se “ver” envolta nos elementos da encenação publicitária e deles compartilhar por meio da sua imaginação. Essa encenação começa a ser construída pelas associações sugeridas tanto pela imagem da modelo Luiza Brunet quanto pela marca Givenchy.

Assim, a necessidade, criada na maioria das vezes pela publicidade e pelo design nos leva ao objeto, com o objetivo de satisfazer as nossas vontades mais insuspeitas. Com o anseio de ser atraído pelo próprio objeto, pelo seu desenho, desejamos o design do objeto que nos (antes) deseja.

referências bibliográficas ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

ADORNO, Theodor W. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz & Terra, 2009.

BARTHES, Roland. O óbvio e obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

BENJAMIM, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In: LIMA, Luiz Costa (Org.). Teoria da cultura de massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 209-240.

FERREIRA, Giovandro Marcus. As origens recentes: os meios de comunicação pelo viés do paradigma da sociedade de massa. In: HOHLFELDT, Antônio; MARTINO, Luiz; FRANÇA, Vera (Orgs.). In: Teorias da comunicação. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 99-116.

GRICE, Herbert Paul. Lógica e conversação. In: DASCAL, Marcelo (Org.). Fundamentos metodológicos da linguística. Campinas: Edição do autor, 1982. p. 81-103.

HOFF, Tânia; GABRIELLI, Lourdes. Redação publicitária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

LUKÁCS, George. História e consciência de classe Tradução de Telma Costa.

Page 13: CHAMARELLI, Milton Semiótica e comunicação visual · 3 A industrialização e o desenvolvimento da sociedade de consumo contribuíram para a homogeneização das aspirações e

semeiosis

Porto: Escorpião, 1974.

PEIRCE, Charles S. The essential Peirce. Bloomington: Indiana University Press, 1982.

SANTAELLLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1994.

_________. Teoria geral dos signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática 1995.

_________. Semiótica aplicada. São Paulo: CENGAGE/Learning, 2002.

SUDJIC, Deyan. A linguagem das coisas. Rio de Janeiro: Intríseca, 2010.

VOLLI, Ugo. Semiótica da publicidade. A criação do texto publicitário. Tradução de Maria Luisa Jacquinet. Lisboa: Edições 70, 2004.

como citar este artigoChamarelli Filho, milton. Semiótica e comunicação visual: o design e a publicidade em questão. Semeiosis: semiótica e transdisciplinaridade em revista. [suporte eletrônico] Disponível em: <http://www.semeiosis.com.br/u/47>. Acesso em dia/mês/ano.