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Chamas do Candeeiro:
Gênero, Espaço e Tempo na Memória do
Congado.
Diário de Campo
Patrício Pereira Alves de SousaBolsista de Iniciação Científica
Geografia – Universidade Federal de Viçosa
Dra. Marisa BarlettoOrientadora
Universidade Federal de Viçosa
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Educação
Departamento de Artes e Humanidades – Curso de Geografia
Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Gênero - NIEG -
Diário de Campo confeccionado como parte das
metododologias utilizadas em atividade de pesquisa
junto à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de
São José do Triunfo.
Apoio:
Programa de Apoio a Iniciação Científica da Fundação Arthur Bernardes
- FUNARBIC -
“A lembrança da vida da gente se guarda em trechos
diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns
com os outros acho que nem não misturam. Contar
seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de
rasa importância. De cada vivimento que eu real tive,
de alegria forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo
que eu era como se fosse diferente pessoa. Sucedido
desgovernado.
Assim eu acho, assim é que eu conto.”
Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas.
Acendendo o Candeeiro
Mesmo a formalidade e o rigor que a academia nos exige não são
capazes de retirar certas noções que acumulamos em etapas
anteriores à construção de um pensamento científico-acadêmico.
Embora sejamos extremamente enriquecidos com uma experiência
científica, nossas noções não deixam de ser povoadas por
significações que formulamos ainda de quando nossos instrumentos
analíticos eram formados unicamente por ferramentas do senso
comum.
Dessa maneira, ainda que o meu entendimento dos conceitos de
relatar ou relatório tenha passado por reformulações e redefinições a
partir da análise das proposições dos mais diversos e renomados
teóricos da temática – já que o presente trabalho trata de questões
relativas à memória e, portanto, de seus instrumentos comunicantes,
como a narrativa e o relato –, ao buscar escrever este relatório não
pude abandonar a definição mais simplista que carrego do sentido de
relatar, qual seja, o de contar algo para alguém ou simplesmente:
narrar.
Acontece que esta atividade ganha contornos distintos quando se trata de
um relatório científico. Por constituir-se numa ferramenta através da qual
temos a intenção de compartilhar uma série de dados apreendidos sobre a
realidade e também análises e reflexões sobre esta realidade e estes
dados, temos de dar novo caráter à narrativa, logo, novo sentido ao termo
relatar. Este verbo neste texto tem de ganhar novas significações, não
pode mais se restringir somente ao sentido de contar algo; faz-se
necessário explicar o que é narrado, buscando dar “status científico”
àquilo sobre o que discorremos.
Problematizações aí são colocadas ao relator, sobretudo àqueles que em
suas atividades investigativas vêm trazendo justamente reflexões acerca
dos sentidos de se narrar e relatar experiências. Retornando ao
pensamento de Benjamin (1975), escolhido para epigrafar este texto,
somos obrigados a nos questionar a respeito da maneira pela qual
podemos construir um relatório de pesquisa sobre eventos memoriais sem
que caiamos no sentido simplista de informar ou noticiar algo.
Avançando um pouco mais, temos ainda de nos interrogar sobre a forma
como podemos construir uma narrativa sem que subtraiamos toda análise
psicológica e filosófica que exige uma atividade científica, mas que despovoa
ao leitor ou ao ouvinte de espaços para a imaginação e ornamentação
daquilo que está sendo narrado, suposto básico da arte de narrar. Se como
afirma Benjamin (1975), as melhores narrativas são aquelas que se
aproximam dos relatos orais, como construir uma narrativa acadêmica ou
relatórios científicos sem que se perca a poesia dos fatos na maneira como
os observamos na realidade?
Entretanto, como nos aponta Tuan (1983), embora seja dificultoso comunicar
experiências íntimas que desenvolvemos com coisas e pessoas, pela
escassez de vocabulário para expressar aquilo que só está na dimensão do
sentir e não necessariamente do racionalizar, o significado de nossas
experiências não se restringe a um território privado e impenetrável.
Podemos compartilhar nossas experiências com o outro a partir do relato de
nossa vivência, onde nosso interlocutor consiga nos compreender a partir do
reconhecimento daquilo que compartilham com nós de certa maneira.
Assim, o que busco neste diário é, pedindo licença aos
“guardiões da memória” da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário de São José do Triunfo (Viçosa, MG), transformar-me
num narrador capaz de relatar as memórias que me confiaram.
A pesquisa que aqui apresento partiu do esforço de buscar
compreender como a Festa de Nossa Senhora do Rosário,
realizada no distrito em questão, cumpre a função de manter
na memória do grupo social dela participante o processo de
constituição do espaço e tempo social daquele lugar.