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Pedro Ernesto Filho Fortaleza Banco do Nordeste do Brasil 2007 Cidadania do Repente

Cidadania do Repente - rl.art.br · De repente, uma região do Brasil sempre agredida pelos raios do sol, conhecida como Nordeste brasileiro, transformou-se em berço para aninhar

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Pedro Ernesto Filho

FortalezaBanco do Nordeste do Brasil

2007

Cidadania do Repente

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PrPrPrPrPresidente:esidente:esidente:esidente:esidente:Roberto Smith

DirDirDirDirDiretoretoretoretoretoreseseseses:Augusto Bezerra Cavalcanti Neto

Francisco de Assis Germano ArrudaJoão Emílio Gazzana

Luiz Ethewaldo de Albuquerque GuimarãesPedro Rafael Lapa

Victor Samuel Cavalcante da Ponte

Ambiente de Comunicação SocialAmbiente de Comunicação SocialAmbiente de Comunicação SocialAmbiente de Comunicação SocialAmbiente de Comunicação SocialJosé Maurício de Lima da Silva

Ambiente de Gestão da CulturaAmbiente de Gestão da CulturaAmbiente de Gestão da CulturaAmbiente de Gestão da CulturaAmbiente de Gestão da CulturaHenilton Parente Menezes

PrPrPrPrProjeto Responsabilidade Social Emprojeto Responsabilidade Social Emprojeto Responsabilidade Social Emprojeto Responsabilidade Social Emprojeto Responsabilidade Social EmpresarialesarialesarialesarialesarialEdgar Arilo Saldanha Fontenele

ÀrÀrÀrÀrÀrea de Desenvolvimento Humanoea de Desenvolvimento Humanoea de Desenvolvimento Humanoea de Desenvolvimento Humanoea de Desenvolvimento HumanoZilana Melo Ribeiro

CoorCoorCoorCoorCoordenação do Prdenação do Prdenação do Prdenação do Prdenação do Programa Cultura da Genteograma Cultura da Genteograma Cultura da Genteograma Cultura da Genteograma Cultura da GenteRosana Virgínia Gondim

Editor: Editor: Editor: Editor: Editor: Jornalista Ademir CostaReReReReRevisão: visão: visão: visão: visão: Jorge Pieiro

Ernesto Filho, Pedro.E65c Cidadania do repente / Pedro Ernesto Filho. –Fortaleza: Banco

do Nordeste do Brasil, 2007.ISBN 978-85-87062-97-0334p.1. Poesias. I. Título.

CDD: 808.81

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Agradeço a Deus a realização deste sonho, uma obra poéticaque agora dedico...

... à minha esposa Gizelda, motivo maior de minha inspiração, ea meus três filhos Pedro Wendell, Pedro Bruno e Pedro Breno, naesperança de despertar, no seu espírito, o sentimento pela poesia...

... a meus pais in memoriamin memoriamin memoriamin memoriamin memoriam Pedro Ernesto de Aquino e EfigêniaVieira de Aquino, por me prepararem para a vida com muito amor,garra e responsabilidade ... e também a todos os meus irmãos pelorespeito que têm ao dom de meu trabalho ...

... aos apologistas e todos os poetas escritores e repentistas doBrasil, pelo prestígio da arte que abasteceu meu repertório,principalmente àqueles que me deram incentivos para a produçãodo livro.

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PrPrPrPrPrefácioefácioefácioefácioefácio

Os bardos e trovadores do século VII foram os introdutores da literaturaportuguesa através do verso, o arremedo da rima, a surpresa da métrica, nasensibilidade dos jograis, abrindo emoções líricas de “pés quebrados”, o quegerou o primeiro ciclo dos “Cancioneiro da Ajuda” e, posteriormente, a parceriado poeta Gil Vicente.Nove séculos após, a delicada língua portuguesa vestia-se de “bela e cultaflor do Lácio” trazendo as raízes do verso como o original de sua procedênciano beletrismo dos poetas do século XVI, no qual Camões imortalizou OsLusíadas e até o século XX com a fantástica inspiração dos versos do mestreFernando Pessoa. Aqueles versos vieram ao Brasil unir-se aos sentimentosdos poetas Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Castro Alves e até sepasmarem na linguagem modernista do imortal Carlos Drummond deAndrade. Sempre o verso, dominado, voando, velejando, essências dos jograis.De repente, uma região do Brasil sempre agredida pelos raios do sol, conhecidacomo Nordeste brasileiro, transformou-se em berço para aninhar uma novadimensão de literatura originalíssima, tirada da sensibilidade nativa de umpovo simples, sofrido, mas ativo e altivo. Batizaram-na de “LiteraturaMatuta”. Depois “poesia do repente” e após ser acolhida com orgulho e respeito,classificada com o nome de “Literatura de Cordel”. E as bibliotecas se encheramdela e o sabor popular apaixonou-se pela sua beleza.É o verso inspirado e cantado pelos poetas populares inteligentes, a maioriadeles diplomados no autodidatismo adquirido no livro da natureza dos sertõesdo Nordeste. Eles escrevem ou decantam o amor, ternura, paixão, riso, sonhos,perdão, coragem, caridade, repente, imediato, numa imaginação fértil e logoexteriorizado em poesia como mensagem metrificada, rimada e sonorizada.Dir-se-ia que o trovador repentista é inspirado por uma força divina tamanhaa rapidez com que sua mente cria a idéia e a transforma em poema.Esta literatura do repente levada ao interior dos sertões pelos seus poetas,cantadores e violeiros, tem sido a maior escola de alfabetização e aprendizagemdos recantos aonde nunca chegou uma escola pública ou particular. Hoje estecordel ensina a ler e escrever.

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Esta obra intitulada Cidadania do Repente representa um precioso conteúdo,essência do que se poderia nomear de Literatura Brasileira Regional.O autor, Pedro Ernesto Filho, jovem advogado, profundo estudioso da poesiapopular nordestina, nasceu poeta, nasceu repentista, num recanto cearensedo sertão puro guarnecido das virtudes e emoções da natureza resistente.Tem a alma impregnada do essencial emotivo sentimental do mundonordestino. Sua mente é uma enciclopédia sertaneja. Com a rapidez com queconstrói um poema ou um mote, transmite a mensagem na mesma batida desua inspiração sem falhar na rima e metrificação.O tempo costuma selecionar seus valores culturais para situá-los no devidomomento e espaço. Este livro já se fazia necessário desde muito tempo comum marco de progressão literária nos caminhos da poesia popular e da legítimaliteratura de cordel.Nas primeiras páginas, o poeta Pedro Ernesto Filho exibe uma aula sobre ossegredos de metrificação e rima. Seguem-se quase cem títulos de temasdiversificados em versos, motes, sextilhas, decassílabos, abordando assuntossobre amor, família, infância, emoções, paz, religião, poder, política, trabalho,justiça, consciência, ética, cidadania, saudade, retratos do sertão e Deus.Uma obra que deve ser recebida pelo leitor como a primeira Crestomatiapopular da poesia nordestina e, por certo, o mais incisivo referencial de obracultural seletiva regional do cordelismo.O próprio autor, Pedro Ernesto Filho, reconhece, numa sincera autocrítica, oquanto é valiosa esta publicação, quando diz, na sua poesia de abertura:MOTE: “Se mais nada eu escreverJá estou feliz demais”.

E a Literatura regional nordestina, por certo, endossa a felicidade do autor,pela primorosa obra que vem ilustrar os caminhos da sabedoria deste Paíscultural.

GERALDO MENEZES BARBOSAEscritor. Presidente do Instituto Cultural do Vale Caririense

Juazeiro do Norte, fevereiro de 2007.

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Recado do AutorRecado do AutorRecado do AutorRecado do AutorRecado do Autor

Este livro reúne matéria que se pode apropriar à cantoria nordestina. Nãotraz muitos gêneros da arte, mas revela os principais estilos, como a sextilha,o mote em sete sílabas, o mote decassílabo e até o famoso galope à beira-mar.É por isto que recebeu o nome de Cidadania do Repente. Espera-se que estaobra venha mostrar aos leitores que a cantoria e o cordel não constituemsubliteratura; ao contrário dos que assim pensam, formam a mais bela dasartes, pois não advêm da escolaridade, mas do berço, podendo, é claro, em salade aula, ser aprimorada.Cada estrofe exposta ao longo de suas páginas segue as regras da rima, dametrificação e do ritmo que aceita a toada do cantador. É como dizem os queentendem da arte de metrificar, o bom verso popular se conhece cantando.Assim, quem ler este livro vai se deparar com temas diversos e sentir o rigorda sonoridade e da metrificação, além de provar um conteúdo de linguagemmelhorada sem perder de vista a intuição popular.É um trabalho modesto, porém criterioso e independente, feito com muitaresponsabilidade, com os olhos voltados para o engrandecimento da arte dapoesia. Pode até não atender à exigência de alguns admiradores do versorimado, mas é possível nele perceber o grau de zelo que o autor empenhou naintenção de ver a obra desfilar no rol dos livros que preenchem os anseios doleitor nordestino, incluindo-se aí a comunidade escolar.Como toda obra que se preza, Cidadania do Repente registra os mais variadosassuntos, adaptando-os às respectivas épocas, entranhando na realidade fáticao gracejo, como forma de estimular uma boa leitura.É de se notar que houve uma preferência pelo estilo chamado mote, isto porser o mais usual na cantoria e também por se destacar pelas fortes exigênciasque impõe a quem se dedica a fazer verso. Dessa forma é prudente aqui tecernossa opinião sobre este gênero tão decantado, mas sem tanta preocupação dequem o utiliza no sentido de lhe dar uma definição própria.

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Em nosso ponto de vista, na poesia popular mote é o conceito expresso naterminação de uma estrofe de dez versos onde os dois últimos já estãogarantidos. Existe o mote em sete e em dez sílabas. Em tal estilo, o autor nãopode sair do tema, nem fugir da métrica ou da rima. No contexto da estrofe,o primeiro verso rima com o quarto e o quinto, o segundo com o terceiro,enquanto o sexto e o sétimo rimam entre si ensejando o desfecho do mote, quetem sua chave preparada pelo verso oitavo, o qual, por sua vez, tem amparotoante do verso nono. Estas regras foram todas obedecidas pelo autor nestaobra que ora vem a lume. O mote é um gênero antigo, cuja criação a pesquisaainda não revelou por quem se deu. No entanto, entendemos respeitável aafirmação de que o mote decassílabo teve a influência, em suas regras, dopoeta paraibano Silvino Pirauá Lima, que criou o martelo agalopado, pois omote em dez sílabas nada mais é do que o gênero de galope com sua terminaçãojá definida. Afinal, vale ressaltar que há também o mote de uma linha, mas obom mote é o que se compõe de dois versos.

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MetrificaçãoMetrificaçãoMetrificaçãoMetrificaçãoMetrificação

Metrificar não é aumentar nem diminuir um verso, mas é lhe dar o tamanhocerto. Não pretendemos aqui fazer nenhum tratado sobre metrificação, atéporque não nos sentimos aptos para fazê-lo, mas apenas revelar nossapreocupação com esse fantasma que atormenta os poetas caprichosos. Muitossão os estudiosos do assunto que revelam seus pensamentos sobre a matéria,porém a maioria se prende aos ditames gramaticais, esquecendo, de certo modo,o avanço do povo e os costumes de cada região.A métrica e a rima são os dois elementos que dão sabor ao verso popular. Overso, em regra geral, pode ser feito com qualquer número de sílabas, masdeve obedecer, em seu conjunto, às regras da estrofe, isto é, se uma estrofecontém o primeiro verso com sete sílabas, os demais obrigatoriamente terãoeste mesmo número silábico, e assim sucessivamente.Neste breve comentário, exemplificaremos adiante apenas verso com sete ecom dez sílabas porque são estes os mais usados na poesia popular e por suavez os mais abordados no conteúdo do livro Cidadania do Repente.Para melhor compreensão, deve-se aqui conceituar verso como sendo oajuntamento de palavras, ou ainda uma só palavra, com determinado númerode sílabas e pausas obrigatórias.Por oportuno, cumpre esclarecer que para o gramático, sílabas são todos ossons distintos em que se divide uma palavra. O versejador ou metrificador,diferentemente, apenas conta por sílabas aqueles sons que lhe tocam o ouvido,assinalando a sua existência indispensável. Quanto aos sons vulgares, dalinguagem e audição comum, estes lhe passam completamente despercebidos,porque não formam sílabas e são como se não existissem.Para o gramático, a palavra representa sempre o que é precisamente e nadalhe importa o ouvido. O versejador se preocupa com o ouvido e com o modocomo a palavra lhe soa.Para conhecer como gramático e versejador se diferem é bastante o pequenoexemplo que segue. O primeiro nada omite na palavra; o outro, de tal modo,até na recitação, elide a pronúncia, que os diversos tons são absorvidos uns

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nos outros, de sorte que, só depois de escrito o vocábulo, é que se pode perceberqual a sua constituição silábica. Aqui vão as sílabas gramaticais em itálico eem seguida as sílabas poéticas nesta estrofe decassílaba, lembrando que nocaso da poética se conta até a última sílaba tônica do verso, por isto todas aslinhas contêm dez sílabas, enquanto na contagem gramatical há delas comaté 15 sílabas, confira:

Onde a flor exarasse mais perfume,onde a planta o ar puro respirasse,a disputa infiel não prosperasse,perdoar fosse o dom do bom costume,a paixão não murchasse com ciúme,arrogância perdesse a existência,onde o pássaro exibisse a inocênciasem das armas temer à pontaria- Se eu nascesse de novo pediriapra viver no país da consciência.

On - de - a - flor- e-xa - ras - se - ma-is - per- fu- me (13)On - dea - flor - e – xOn - dea - flor - e – xOn - dea - flor - e – xOn - dea - flor - e – xOn - dea - flor - e – xa - ra - sse - mais - per - fu - me (10)a - ra - sse - mais - per - fu - me (10)a - ra - sse - mais - per - fu - me (10)a - ra - sse - mais - per - fu - me (10)a - ra - sse - mais - per - fu - me (10)On - de - a - plan-ta- o - ar - pu - ro - res - pi - ras-se (13)On - dea - plan - tao - ar - pu - rOn - dea - plan - tao - ar - pu - rOn - dea - plan - tao - ar - pu - rOn - dea - plan - tao - ar - pu - rOn - dea - plan - tao - ar - pu - ro - ro - ro - ro - ro - res - pi - ra - ssees - pi - ra - ssees - pi - ra - ssees - pi - ra - ssees - pi - ra - sse (10)a - dis - pu - ta - in - fi - el - não - pros - pe – ras - se (12)a - dis - pu - tain - fi - el - não – pra - dis - pu - tain - fi - el - não – pra - dis - pu - tain - fi - el - não – pra - dis - pu - tain - fi - el - não – pra - dis - pu - tain - fi - el - não – pros - pe - ra - sseos - pe - ra - sseos - pe - ra - sseos - pe - ra - sseos - pe - ra - sse (10)per - do - ar - fos- se - o - dom - do - bom – cos - tu - me (12)per - do - ar - fo - sseo - dom - do - bom - cos - tu - me per - do - ar - fo - sseo - dom - do - bom - cos - tu - me per - do - ar - fo - sseo - dom - do - bom - cos - tu - me per - do - ar - fo - sseo - dom - do - bom - cos - tu - me per - do - ar - fo - sseo - dom - do - bom - cos - tu - me (10)a – pai – xão - não - mur - chas - se - com - ci - ú - me (11)a – pai – xão - não - mur – cha - sse - com - ci - ú - mea – pai – xão - não - mur – cha - sse - com - ci - ú - mea – pai – xão - não - mur – cha - sse - com - ci - ú - mea – pai – xão - não - mur – cha - sse - com - ci - ú - mea – pai – xão - não - mur – cha - sse - com - ci - ú - me (10)ar – ro - gân - cia- per- des- se - a - e -xis - tên-cia (12)ar - rar - rar - rar - rar - ro - gân - cia - per – de - ssea - e -xis - tên - ciao - gân - cia - per – de - ssea - e -xis - tên - ciao - gân - cia - per – de - ssea - e -xis - tên - ciao - gân - cia - per – de - ssea - e -xis - tên - ciao - gân - cia - per – de - ssea - e -xis - tên - cia (10)on - de - o - pás - sa - ro- e-xi- bis - se- a- i- no – cên - cia (15)on - deo - pá - ssa - ron - deo - pá - ssa - ron - deo - pá - ssa - ron - deo - pá - ssa - ron - deo - pá - ssa - roe-xi - bi - sseai - no - cên - ciaoe-xi - bi - sseai - no - cên - ciaoe-xi - bi - sseai - no - cên - ciaoe-xi - bi - sseai - no - cên - ciaoe-xi - bi - sseai - no - cên - cia (10)sem - das - ar - mas - te - mer - à - pon - ta – ri - a (11)sem - das - ar - mas - te - mer - à - pon - ta - ri - asem - das - ar - mas - te - mer - à - pon - ta - ri - asem - das - ar - mas - te - mer - à - pon - ta - ri - asem - das - ar - mas - te - mer - à - pon - ta - ri - asem - das - ar - mas - te - mer - à - pon - ta - ri - a (10)

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se - eu - nas - ces - se – de- no - vo - pe - di - ri – a (12)seeu – nas – ce - sse - de – no - vo - pe - di - ri – a seeu – nas – ce - sse - de – no - vo - pe - di - ri – a seeu – nas – ce - sse - de – no - vo - pe - di - ri – a seeu – nas – ce - sse - de – no - vo - pe - di - ri – a seeu – nas – ce - sse - de – no - vo - pe - di - ri – a (10)pra - vi - ver - no - pa - ís - da - cons - ci - ên - cia. (11)pra - vi - ver - no - pa - ís - da - con - sci - ên - ciapra - vi - ver - no - pa - ís - da - con - sci - ên - ciapra - vi - ver - no - pa - ís - da - con - sci - ên - ciapra - vi - ver - no - pa - ís - da - con - sci - ên - ciapra - vi - ver - no - pa - ís - da - con - sci - ên - cia. (10)

Para o principiante, é conveniente praticar o mais possível em livros deprosa e verso, para conseguir com facilidade distinguir as sílabas gramaticaisdas poéticas, e assim conseguir a metrificação justa e sonora. É lógico que obom versejador deve ter também um bom conhecimento gramatical. Paramelhor compreensão do exposto, aqui apresentamos regras gerais, princípiosindispensáveis que se não devem absolutamente desprezar nem sequer deixarde tê-las presentes.

Da contagem das sílabasDa contagem das sílabasDa contagem das sílabasDa contagem das sílabasDa contagem das sílabas

Em regra geral, uma vogal antes de outra se absorve nela, formando as duasuma sílaba só. Isto faz lembrar os ditongos, que são encontros de vogais comsemivogais em meio a palavras, fazendo com que sejam pronunciadas deuma só vez, como se de uma vogal só se tratasse.Na metrificação, os ditongos são sempre contados como tendo uma sílabafônica, o que se deflui de sua definição gramatical. Os ditongos podem sercrescentes ou decrescentes. O primeiro é a união de semivogal com vogal,enquanto o segundo se dá quando acontece o inverso. Quando no final daspalavras, os ditongos decrescentes, tanto orais como nasais, não se fundemcom a vogal seguinte. As semivogais (ou seja, o i, u ou equivalentes) agemcomo um empecilho insuperável para a fusão. Exemplo: quem constrói/alcança, estão/ali.Aqui, cabe lembrar que, por força de regionalismo, é admissível a fusão dapreposição com + vogal seguinte, porém, sempre que for possível, essa práticadeve ser evitada pelo poeta.Quando o ditongo decrescente está iniciando a palavra (ou em monossílabo),poderá acontecer a fusão com a vogal precedente, isto porque a semivogalnão constitui barreira para tanto. Exemplo: tendo oito reais, cinco ou seis.

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Com relação ao tritongo, que é a união de semivogal, vogal e semivogal, ésempre pronunciado de uma só vez e, portanto, contado como uma sílabafônica só. Exemplo: Paraguai, enxagüei.A vogal que termina uma palavra absorve-se na outra que começa a palavraseguinte; e até no meio, quando concorrem duas vogais, que podemos dizerbrandas, elas formam um único som, e por isso uma só sílaba, como, por exemplo:bondade infinita que lemos bondad’infinita; no meio da palavra: ansiedade, ogramático contará an-si-e-da-de, o poeta poderá contar an-sie-da-de.Porém esta regra tem exceções, pois sendo a vogal muito forte, a absorçãodela na seguinte provoca uma assonância, que se convém evitar, como agora:vá eu, que ficaria vaêu, e só uma, que pronunciaríamos souma. Cabe lembrarque também não é recomendável a união de três vogais pertencentes apalavras distintas, mas nessa situação há caso que a audição é que decide.Situação como esta pode ser conferida quando uma vogal (preposição) seintercala entre duas palavras em que a primeira termina com vogal e segundacom vogal se inicia.A regra não diz, mas a prática ensina que a junção da vogal final de umapalavra com a vogal inicial de outra é uma faculdade do poeta e não umaobrigação, pois quem define é o ouvido. Não poderia ser diferente, posto que,se tem essa liberdade para manejar vogais vizinhas, contidas na mesmapalavra, muito mais razão existe para fazê-lo com vogais em palavrasdiferentes, pois quem pode mais pode menos.Também se assemelha a vogal para obedecer à regra em análise a terminaçãode palavra em som nasal e o início com a consoante h.A união de duas vogais na mesma palavra para atender a metrificaçãoconstitui uma figura de linguagem chamada sinérese. A separação de vogaistambém na mesma palavra e com o mesmo fim chama-se diérese.Dentro desta regra existem as vogais de absorção mais ou menos difícil, porserem vogais mais fortes, mais duras, como sejam o o, que é mais forte que oa, o a mais que o i, o i mais que o e. Tudo isto é entrave que o poeta encontrana hora de versejar, sacrificando muitas vezes belíssimas idéias por nãopretender ferir o ouvido.

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Como se não bastasse, ainda vem o problema de que cada vogal tem diversaspronúncias, como por exemplo, o a tem duas bem distintas; o e tem quatropronúncias; no o encontramos três; enquanto o u não se modifica, é a vogalde menos substância no universo poético.

Modo de alterar o númerModo de alterar o númerModo de alterar o númerModo de alterar o númerModo de alterar o número de sílabaso de sílabaso de sílabaso de sílabaso de sílabas

Existe na gramática permissão para alterar o número de sílaba de algumaspalavras quando da necessidade de metrificar um verso. Esta licença poéticachama-se metaplasmo e consiste em acrescentar ou suprimir fonema de umtermo, ajustando a linha do poema ao número de sílaba desejado. Quandosuprime sons, ganha nomes diferentes, dependendo do local de onde se excluia sílaba, no princípio, no meio e no fim do vocábulo. No princípio, aférese; nomeio, síncope; no fim, apócope. É exemplo de aférese - inda, por ainda; desíncope - cuidoso, por cuidadoso; de apócope - mui, por muito. O inverso destaprática, isto é, o acréscimo de sílaba a uma palavra, dá-se, respectivamente,o nome de prótese, epêntese e paragoge.Os versos podem estar certos na medida, mas podem não ter melodiaagradável. Por isto é recomendável evitar as palavras de difícil encaixe, quesão as de pronunciação custosa.Evitem-se igualmente as cacofonias, intoleráveis na prosa e muito mais nosversos. Assim também os hiatos (diérese forçada). Para pôr em prática toda estateoria é indispensável habituar o ouvido à cadência dos diferentes metros,principalmente do de sete e de dez sílabas, o mais usual na poesia popular. Omelhor, para fixar o ritmo na memória, é procurar uma modalidade de cantilenapara cada espécie, obrigando as pausas e os tempos a firmemente secaracterizarem. Uma vez ajustada ao verso a toada musical, nenhum versosem medida certa escapará ao metrificador. E aqui vale lembrar a frase ditapelos admiradores do verso popular: “O bom cordel se conhece cantando”.

A vogal que inicia o versoA vogal que inicia o versoA vogal que inicia o versoA vogal que inicia o versoA vogal que inicia o verso

Existe ainda a vogal que inicia o verso na qualidade de preposição ou artigoe quase não aparece na pronúncia; no entanto, se a palavra seguinte nãoiniciar com vogal, não existe forma de como aproveitá-la na metrificação,

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senão fazê-la juntar à vogal da última palavra do verso anterior. Se assimnão se fizer, tem-se que a considerar inexistente na hora de metrificar, sobpena de ter um verso com um número de sílaba superior aos demais da mesmaestrofe. Veja o exemplo da estrofe abaixo, precisamente da linha em itálico,extraída da matéria SE EU NÃO FOSSE ADVOGADO:

Até poderei narraro que não fiz no presente,sentir o calor do versoe os turbilhões do repente,porém se tudo der certoserei feliz novamente.

Imagine o que seria da preposição e no quarto verso se a palavra seguintenão iniciasse com vogal. Nesta hipótese, ou a preposição se agregaria à últimapalavra do verso anterior, ou ter-se-ia um verso com oito sílabas numaestrofe composta de versos de apenas sete. Como não existe nenhuma regraque autorize fazer assim, com certeza teria o poeta que substituir o textopor palavra diversa que muitas vezes não seria por ele a desejável paraaquela ocasião.

PrPrPrPrProparoparoparoparoparoxítona no início ou no meio do versooxítona no início ou no meio do versooxítona no início ou no meio do versooxítona no início ou no meio do versooxítona no início ou no meio do verso

Reservamos aqui um espaço para relatar uma dificuldade que o poeta enfrentafreqüentemente na hora de versejar, e até agora desconhecemos quem já tenhasobre isto feito algum comentário pelo menos razoável. É quando uma palavraproparoxítona inicia um verso ou se entranha no seu meio dando ao ouvidoa sensação de que a linha contém o número de sílaba desejado, enquanto quematerialmente sempre tem uma sílaba a mais. Nossa opinião em situaçãocomo esta é que sejam consideradas as duas últimas sílabas da palavraproparoxítona como sendo uma única sílaba, posto que as duas se fundem emum mesmo som em decorrência da rapidez que as palavras que se avizinhamexigem. Veja o exemplo nesta estrofe de sete sílabas, principalmente napenúltima linha, que compõe o primeiro verso do mote - Político já mentiutanto / que o sertanejo aprendeu:

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Aumento dos professoresé o que promete mais,através do rádio fazpromessa aos trabalhadores;e diz que aos agricultoresmuito já favoreceu,o palavreado seusó tem mentira e espantoPolítico já mentiu tantoque o sertanejo aprendeu.

No exemplo acima, o ouvido afirma que todos os versos da estrofe contêmsete sílabas, mas se partir para a separação material, ou seja, com tendênciaagramatical, chega-se à conclusão de que o nono verso tem visualmente oitosílabas poéticas, daí ser esta uma das razões por que sustentamos aimportância da audição no estudo da métrica, e por conta própria adotamos oconceito antes firmado, ou seja, a pronúncia das duas últimas sílabas dapalavra proparoxítona no início ou meio do verso como se fosse uma só, istoquando o ouvido exigir. Portanto, assim se deve separar poeticamente assílabas do verso em referência: Po-lí-tico - já - men - tiu - tan - to.Em caso como o que ora se relata, entendemos que o poeta, ao proceder assim,está amparado legalmente na licença poética denominada apócope, que é aliberdade de supressão de sons no fim da palavra.Mas o problema da métrica não pára por aí, vêm ainda os casos em queaparece no meio das palavras a consoante muda que ocupa o lugar de umasílaba e na verdade, a rigor, não o é. Aí, sim, precisa o poeta usar de todos osmeios da arte para tornar o verso agradável e de forma que não venha asofrer crítica pelos estudiosos do assunto que, na maioria das vezes, repete-se, esquece a importância do ouvido e do regionalismo.Finalmente, fechamos este tópico com uma opinião pessoal com a qualrecomendamos ao leitor que se interessar pela arte evitar ao máximo o usode qualquer que seja a licença poética, fazendo-o somente em extremanecessidade com o fim de manter as regras da metrificação e a idéia centraldo pensamento do verso que pretende produzir.

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Divisão das rimasDivisão das rimasDivisão das rimasDivisão das rimasDivisão das rimas

Rima é a uniformidade do som na terminação de dois ou mais versos. Muitose tem discutido sobre a história da rima. Segundo os interessados no assunto,ela já existia entre os mais antigos povos da Ásia, da África e da América.Vários salmos dos hebreus são rimados, o que nos confere a liberdade de afirmara antiguidade do uso da rima e sua importância até hoje na fixação dasmensagens transmitidas, sejam oralmente, sejam por escrito.Fazendo uso de um conceito mais antigo, podemos afirmar que as rimas podemser consoantes ou toantes. Consoantes são as que se conformam perfeitamenteno som, desde a vogal ou ditongo do acento predominante até a última letra.Exemplos: mamão e irmão, sócio e negócio. Toantes são as que apenas seconformam na pausa, formadas entre palavras contendo as mesmas vogaisapós as tônicas, porém com consoantes diferentes. Exemplos: pranto e estanho,martírio e finíssimo, preço e selo, e assim por diante. De tal tipo de rima, hojeem extinção, Gregório de Matos Guerra, por exemplo, usou e abusou. Napoesia popular de classe a rima toante não encontra espaço, aliás, é o rigor darima e da métrica que embeleza o verso e atrai os leitores inteligentes.

Mérito das rimasMérito das rimasMérito das rimasMérito das rimasMérito das rimas

Nem todas as rimas têm o mesmo mérito. As em ão, ar, ado, ava, issimo, etc.são vulgares. Mas não aconselhamos o abuso das rimas difíceis, que quasesempre sacrificam a emoção.As rimas, para ter grande valor, devem ser de índole gramatical diferente.Deve-se procurar para a rima de um substantivo, um verbo; para a de umadvérbio, um adjetivo, etc., etc., de modo a evitar a pobreza e a monotonia.Os verbos, os substantivos e os adjetivos bem combinados são os vocábulosque dão as rimas mais dignas de um bom poeta. Afinal, a rima deve ser rarapara não ser corriqueira, mas não tão rebuscada que possa parecer ridícula.

Da disposição das rimasDa disposição das rimasDa disposição das rimasDa disposição das rimasDa disposição das rimas

De diferentes modos se podem dispor as rimas na estrofe. Três são os modosprincipais: rimas cruzadas, rimas em parelha, rimas misturadas. No verso

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popular as formas mais usadas são as cruzadas e as emparelhadas, a primeiraque pode também ser chamada de alternadas. Só a título de exemplo, vale apena examinar a estrofe a seguir, extraída do título as “Coisinhas do Sertão”,em que aparecem rimas alternadas e rimas emparelhadas:

Falei da força do açoiteque o vento bravo inicia,do lençol preto da noitecobrindo os olhos do dia;da mesinha de gaveta,do matuto e o cometae a sua superstição,do medo que a cobra faz.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

Mas, para bem detalhar todos os modos de disposição das rimas, necessárioseria explicar a forma de diferentes espécies de composições das estrofes. Namétrica brasileira, empregam-se tercetos, quadras, quintilhas, sextilhas,sétimas, oitavas e décimas. Porém, neste tópico, destacaremos as espécies decomposição mais cultivadas na poesia popular.

SeSeSeSeSextilhas.xtilhas.xtilhas.xtilhas.xtilhas.

Há quem diga que nas sextilhas pode-se rimar de qualquer maneira, mas napoesia popular esse estilo é diferente, pois obrigatoriamente o segundo versorima com o quarto e o sexto, enquanto os demais são livres, porém nãoesquecendo de que o primeiro verso de uma estrofe deve rimar com o últimoverso da estrofe anterior, é o que chamamos de deixa.

SétimasSétimasSétimasSétimasSétimas

Nessa espécie de composição, muito usada em desafio na cantoria, o segundoverso rima com o quarto e o sétimo, enquanto o quinto rima com o sexto,permanecendo o terceiro livre, uma vez que o primeiro está obrigado à deixada estrofe anterior. É a composição que mais se aproxima da sextilha.

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OitavOitavOitavOitavOitavasasasasas

A oitava antiga tinha rimas obrigadas, como se vê nos Lusíadas, obra deCamões. O primeiro verso rimava com o terceiro e com o quinto; o segundo,com o quarto e com o sexto; e o sétimo, com o oitavo.Na cantoria popular essa espécie de composição é muito utilizada e recebe onome de quadrão, cuja terminação se faz com a própria palavra que dánome ao estilo, rimando o primeiro verso com o segundo e o terceiro, o quartocom o quinto e o oitavo.

DécimasDécimasDécimasDécimasDécimas

Dividem-se estas estrofes em duas subestrofes, uma de quatro versos, outrade seis, ambas se completando e tornando-se interdependentes. Cabe aquiressaltar que a exemplo da estrofe antes reportada no tópico disposição dasrimas, nessa composição, as rimas podem aparecer em distribuição diferente,ora emparelhadas, ora cruzadas. Porém a rigor, em décimas, rimam assim osversos: o primeiro com o quarto e o quinto, o segundo com o terceiro, o sextoe o sétimo com o décimo, e o oitavo com o nono. Esta é a maneira clássica,elegante e muito utilizada pelo cantador. Pode aparecer em versos de setesílabas ou em versos de dez sílabas. Vejam exemplos das duas subespécies:

De sete sílabasA vaca boa e leiteiradeixa o bezerro no mato,com fome e sede o boiatorebenta os paus da porteira,uma novilha matreirase deserta do roçado,o garrotinho enjeitadonão quer saber do gomoso- O vaqueiro preguiçosobota mania no gado.

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DecassílaboQue se façam presentes no seu lara justiça, a poesia e o amor,a poesia o tornando um trovadore o amor ensinando a perdoar,a Justiça disposta pra lhe dardo DIREITO a virtude e a essênciaque os três lhe concedam a anuênciapra dispor do sabor da liberdade,inibir o terror da vaidadee combater o dragão da violência.

Da homofonia do verso e da rimaDa homofonia do verso e da rimaDa homofonia do verso e da rimaDa homofonia do verso e da rimaDa homofonia do verso e da rima

Os versos devem ter cadência com o fim de evitar repetição de sons idênticosem posição inadequada, exigindo que estes decorram de grupo de vogaisfartamente sortidas. O mesmo deve exigir-se das rimas quando se partilhamou alternam. Rimas que se acostam umas às outras ou se defrontam emvizinhança, se não oferecerem contraste ou oposição de som, fatalmenteacarretam monotonia. Isto, que na verdade, ainda se pode constatar em algunspoetas brasileiros, não deve ser imitado pelos menestréis populares, apesar denada até agora neste sentido estar registrado como fator regulamentar.Aos poetas populares brasileiros, da índole nordestina, que aqui os defendemos,tão excelentes cultores da forma poética, cabe de direito nosso louvor pelainiciativa de protestar contra o uso desagradável da rima e da métrica, comojá de há muito se protesta.No entanto, é de se lamentar que ainda existam por aí aqueles que se dizempoetas e vivem a assassinar a arte da poesia, muitas vezes ensejando aosmenos avisados um entendimento de que o verso popular não tem a grandezaque realmente possui.Finalmente, este pequeno ensaio que acabamos de apresentar, tanto nametrificação como na rima, é mero ponto de vista nosso e não tem o condãode agir como norma no mundo dos escritores, mas é uma forma de prevenirao leitor que todas essas cautelas foram preocupação do autor na produçãodeste livro Cidadania do Repente.

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SumárioSumárioSumárioSumárioSumário

Ao Leitor 25

As Coisinhas do Sertão 31

O que Falta é Investir 39

Se Eu Não Fosse Advogado 45

Ninguém Derruba um Tijolo do Casarão da Fazenda 53

Origens de um Verso 57

Não Desenhe a Natureza com Sangue dos Animais 61

Biografia em Verso 65

A Água Trouxe um Recado da Cabeceira do Rio 71

A Causa da Diabete Desafia a Medicina 79

A Falta de Paz Procede dos Corações Desumanos 87

A História do Homem está Escrita na Coragem, na Luta e no Saber 89

Agosto nos Traz o Gosto da Manga e do Bom Caju 93

Ainda Tenho Guardada Minha Carta de ABC 97

Nos Ensinos da Vida Eu Aprendi Dividir, Ser Humilde e Respeitar 101

O Nordeste Enxugou a sua Face com o Lenço Felpudo de Algodão 105

Conselho de um Cooperado 109

As Vítimas da Estiagem Merecem toda Atenção 119

Bandeira, Eu Também Conheço um Pouco de sua História 123

Cada Ser tem seu Valor Precisa é Ser Descoberto 129

Com Tudo Isso Eu Ainda Não Quero Voltar pra Ela 131

É Assim que Eu me Saio sem Causar Decepção 135

Eu Voltei Hoje Aqui pra Recordar meu Passado Vivido Nesta Escola 139

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E se Eu Tivesse Morrido Ninguém Chorava por Mim! 143

É Triste Colher o Fruto do Ódio e da Violência 147

Estas São Muitas Coisinhas que Todo Paulista Traz 151

Estou com Muita Esperança na Volta do Algodão 155

Eu Quase Botava o Pé no Diabo de uma Arataca 159

Eu Queria Saber Mais da História de Jesus 161

Gilberto Está Certamente Aplaudindo Serrador 163

Isto é Sertão ou Não É? 169

Minha Casinha é Aquela no Pé de Serra Esquisito 173

Aqui está um Pouquinho do Poeta de Vocês 177

Não Canto, mas Prestigio Quem Vive da Profissão 183

Um Dia de Feira 185

Não Precisa Explicar os seus Fracassos Mande, Agora, a Aliança que Lhe Dei 189

Oh! Mamãe, seu Carinho é Tão Sublime que o Poeta Escrever Nunca Consegue 191

Respeite Minha Humildade que eu Zelo sua Arrogância 195

Duvido é Você Achar uma Nota de Cinqüenta 199

Ser Fraterno é Trazer no Coração a Bondade por Deus Recomendada 207

O Milho é a Salvação da Família Brasileira 213

Nunca Faça do Fórum uma Bodega pra Vender por Dinheiro a Lealdade 219

O Ceará Certamente mais um Poeta Ganhou 225

Pedro Bruno e Patativa Nasceram no Mesmo Dia 229

Antes do Novo Milênio mais um Pedro Apareceu 233

Hoje Eu Vejo meu Cabelo da Cor que Papai Usava 237

A Cultura - em Decassílabo 241

Vamos Lembrar um Pouquinho o Cantador que Morreu 247

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O Pequeno Sertanejo 253

Papai que no Céu me Escuta Receba esta Saudação 259

Que a CPI Aconteça no Poder Judiciário 265

Se Não Fosse o Poeta Violeiro Quem Cantava as Belezas do Sertão 271

Só Aceito os meus Versos Criticados por Poetas Mais Sábios do que Eu 275

Na Base da Palmatória Aprendi o Bê-A-Bá 279

“O Direito” 283

Visite nossa Palhoça numa Noite de São João 287

Tire um Pouco do Pão de sua Mesa e dê ao Pobre que Pede em seu Portão 291

O Bode que o Bode Deu 295

Político já Mentiu Tanto que o Sertanejo Aprendeu 301

A História de um Povo se Escreve com Poesia, Trabalho e Liberdade 305

As Árvores Mais Resistentes Costumam Morrer de Pé 309

Em Nome de Quem Errou, Humilde Peço Perdão 311

Morrendo eu Quero Levar um Livro no Meu Caixão 313

No Final o Homem Morre Ah! Meu Deus o que Lucrou! 315

O Cigarro é Falso Amigo que Mata Covardemente 317

Quando o Grande tem Medo de Cair o Pequeno Peleja e não se Apruma 319

O Quanto o Tempo é Perverso 321

Perguntas que Fiz às Aguas 323

O Bom Cordel Deve ter Rima e Metrificação 327

Conversa com Mouco 329

Dados Biográficos do Autor 333

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AAAAAo Leitoro Leitoro Leitoro Leitoro Leitor

SE MAIS NADA EU ESCREVERSE MAIS NADA EU ESCREVERSE MAIS NADA EU ESCREVERSE MAIS NADA EU ESCREVERSE MAIS NADA EU ESCREVERJÁ ESTJÁ ESTJÁ ESTJÁ ESTJÁ ESTOU FELIZ DEMAISOU FELIZ DEMAISOU FELIZ DEMAISOU FELIZ DEMAISOU FELIZ DEMAIS

Com este mote o autor apresenta seu livro, dá uma dica deseu conteúdo, conta o esforço que fez para produzi-lo e ainda

agradece aos leitores pela preferência.

Este livro é um presentepara o qual persegui meiospara atender aos anseiosde um público independente.Tentei ser eficientemas não sei se fui capaz,se não fui tão eficazmas me esforcei para ser- Se mais nada eu escreverjá estou feliz demais.

Relata um pouco da essênciada matéria do Direito,recorda um sertão perfeitoe repudia a violência,ainda faz referênciaaos problemas sociais;arte, plantas e animaisfiz questão de ele conter- Se mais nada eu escreverjá estou feliz demais

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Nele se pode encontrarestrofe feita em dez péscom mote em sete e em deze um estilo à beira-mar,uma feira populare o mal que o cigarro faz,tudo o que um paulista trazé possível você ler- Se mais nada eu escreverjá estou feliz demais.

Matéria de educação,mensagem de sentimento,a coragem e o talentode um caboclo do sertão,tem também a discussãode Gabriel e Tomásmostrando as regras geraispara na vida vencer- Se mais nada eu escreverjá estou feliz demais.

Ele relembra os valoresque existem no amor materno,narra o estilo modernodos poetas cantadores,ainda retrata as coresdos fatos regionais,como o candidato audazage para se eleger- Se mais nada eu escreverjá estou feliz demais.

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Diz como era o ensino,enfoca o Judiciário,faz um breve comentáriosobre o neto de Galdino,enaltece o nordestinona luta do leva-e-traz,imagina os temporaisàs vésperas de acontecer - Se mais nada eu escreverjá estou feliz demais.

A cultura e sua gentedistribuída em dois blocos,a história de Marrocostraduzida no repente,o passado e o presentenos diferentes sinais,os ensinos virtuaisque a vida ajuda entender- Se mais nada eu escreverjá estou feliz demais.

Uma mensagem ao jurista,o verso como defesa,as dimensões da tristezana perda de apoligista,amor à primeira vistae as conseqüências fatais,mote dedicado aos paisé fácil de perceber- Se mais nada eu escreverjá estou feliz demais.

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Tem mensagem de gracejo,conceitua o bom cordel,revitaliza o papeldo pequeno sertanejo,narra do tempo o manejoe as curvas que ele desfaz,além de outros temas maispara o leitor escolher- Se mais nada eu escreverjá estou feliz demais.

Empenhei minha saúde,usei meu potencial,procurei ser natural,expandi minha atitude,nas artes fiz o que pude,busquei recursos mentais,precipitei minha paz,sacrifiquei meu lazer- Se mais nada eu escreverjá estou feliz demais.

Tanta noite mal dormida,tanto suor derramado,tanto tempo dedicado,tanta restrição na vida,tanta luta dividida,entre as coisas naturais,tantos projetos leaispra ver um livro nascer- Se mais nada eu escreverjá estou feliz demais.

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Explorei nova cultura,cultuei novos valores,no mundo dos escritoresimplantei minha estrutura,sem ter medo de censurafalei das coisas reais,regras não-fundamentaiseu preferi não dizer- Se mais nada eu escreverjá estou feliz demais.

Se a sorte roubar meu dotee eu não fizer mais um tema,não recitar um poemanem metrificar um mote,se o destino der um botee inibir meus ideais,eu perdendo o meu cartazpor isso não vou morrer- Se mais nada eu escreverjá estou feliz demais.

Feliz porque você temo meu livro em suas mãose divulga entre os irmãosque são poetas também,só posso é me sentir bemcom seus gestos cordiais,pelas leituras leaissó me resta agradecer- Se mais nada eu escreverjá estou feliz demais.

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As Coisinhas do SertãoAs Coisinhas do SertãoAs Coisinhas do SertãoAs Coisinhas do SertãoAs Coisinhas do Sertão

Este poema retrata a conversa firme de um camponês comum homem da cidade. Por tanto se interessar pelas belezas do

campo, o homem da rua passou a somente ouvir o que osertanejo dizia e dava expansão ao assunto sempre

interrogando: fale mais das coisinhas do sertão.

Eu conversei com um críticovivido na capital,falou do Brasil Político,do nosso mundo atuale da indústria nuclear,quando eu chamei pra falarde costume e tradição,ele disse: Isso eu não sei,e assim eu mencioneias coisinhas do sertão.

Eu falei sobre a belezade um amanhecer dourado,do lençol da naturezade manchas padronizado.Falei da barra vermelhaque parece uma centelhaenfeitando a amplidão,da nuvem ficando atrás.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

Eu falei da lua cheiasilenciosa e redondae da neve cor de areiaque desce encobrindo a onda,

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da brisa civilizadaque parece uma empregadavarrendo o que há no chão,hora leva, hora traz.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

Eu lhe disse: Isto não ésertão propriamente dito,sertão é mesmo um chalénum pé de serra esquisito,que seu dono sendo pobrejulga-se feliz e nobrepor existir uniãoe amor dos filhos aos pais.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

Eu falei sobre a caçadaem que o homem corajosotocaia de madrugadaandando silencioso;passa serras, sobe morros,seus amigos são cachorros,espingarda e munição;e seu abrigo, os vegetais.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

Eu falei sobre o vaqueiroe sua fama também,pois seu perfume é o cheiroque a ponta da rama tem;seu transporte é o cavalo;

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seu musical, o badaloe o berrar da criação;seus amigos, animais.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

E quando eu falei de adjuntos,ele disse: O que é isso?São cinqüenta homens juntosfazendo qualquer serviço;almoçam pelo roçado,contam casos do passadopara enrolar o patrão,e cada um diz o que faz.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

Falei da mulher que pisamilho pra fazer almoço,do menino sem camisa,baladeira no pescoço;do gafanhoto faminto,do sofrimento do pintonas garras do gavião,dos chãos cobertos de sais.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

Eu falei da cantoriado contador de violaque mostra sabedoriasem conteúdo de escola.Falei da mulher rendeira,da cigana rezadeira

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que faz a sua oraçãoespantando o satanás.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

Eu falei de serenata,de reisado e pescaria,do sertanejo que tratatoda mulher por Maria;se for homem chama Zé,gosta muito de café,detesta fumo pagão,só dá valor ao que faz.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

Eu falei do pé-de-bode,do reco-reco e pandeirocom que se faz um pagodeno clarão do candeeiro;rapaz exibindo notamas para pagar a cotasempre surge confusão,quando um não faz, outro faz.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

Falei do campo e estepepor onde passeia o gado,do chiar da currulepedo velhinho aposentado;do triturar do mimoso,de estórias de trancosonas debulhas de feijão,

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do candeeiro de gás.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

Falei da voz de comandono grito do comboeiro,dos animais repousandona sombra do juazeiro.Falei do caminho estreito,do bodoque que é feitode vara, cera e cordão,torto na frente e atrás.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

Falei do sol causticanteque atrasa a safra seguinte,do caboclo ignoranteque se casa antes dos vinte.Falei da rama madura,do voar da tanajuraquando promete verão,uma na frente, outra atrás.-Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

Falei da vaca velhacaquando seu bezerro esconde,o vaqueiro imita a vacapara ver se ele responde.Falei de doença e praga,lagarta que mais estragaa cultura do algodão,das estradas carroçais.

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- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

Falei da força do açoiteque o vento bravo inicia,do lençol preto da noitecobrindo os olhos do dia.Da mesinha de gaveta,do matuto e o cometae a sua superstição,do medo que a cobra faz.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

Eu falei sobre a raposanas aspas de uma arataca,do carcará que repousana cabeça de uma estaca.Falei do milho amarelo,depois fiz um paraleloentre inverno e o verão,que em duração são iguais.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

Falei do sol que desbotaa folha do vegetal,do bem-te-vi que pinotanas clinas de um animal,de farinhada e moagem,de uma antiga carroagemque tem o boi por tração,boi na frente e carro atrás.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

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Eu falei sobre o baralhoe o que suas cartas vogam,da banca e do agasalhoonde quatro homens jogam;a dama ganha dos seis,valete perde pra o reis,de tudo o sete é mandão,onze pontos vale o ás.- Ele disse: Fale maisdas coisinhas do sertão.

E disse ele: Eu não sabiaisto que você falou,mas aprender eu queriae tenso me perguntou:Como aprendeu tudo isto?Eu lhe respondi: Foi Cristoque me deu inspiração.E perguntou ele: Isto é arte?- Eu disse: E também faz partedas coisinhas do sertão.

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O Que Falta é InvestirO Que Falta é InvestirO Que Falta é InvestirO Que Falta é InvestirO Que Falta é Investir

Trabalho vencedor no concurso literário promovido pelaAssociação dos Funcionários do Banco do Nordeste, no

primeiro trimestre de 2006, em comemoração aos 20 anos deexistência daquela entidade. O tema do trabalho era “o sonho

de um Nordeste melhor”.

O Nordeste já sonha em ser felizdo início do século antepassado,quando era o seu solo disputadono poder do dinheiro e nos fuzis,mas as leis se insurgiram no paíse veio aí a feliz demarcação,mesmo assim imperou a proteçãodando área maior aos fazendeirose inibindo as vantagens dos obreiroscomo ainda perdura no sertão.

O Nordeste quer ser como Israelonde os solos não lutam por chuvisco,por exemplo, o Projeto São Franciscoquer sair das algemas do papel,para tanto é preciso ser fielàs razões ecológicas, sociais,os Estados se unirem em prol da pazinovando a labuta campesinapara que a família nordestinaultrapasse as ações artesanais.

Possui solos bastante agricultáveis,mão-de-obra dispõe em abundância,no seu raio mantém eqüidistânciaentre os pontos dos centros mais saudáveis,

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as xerófitas são plantas cultiváveis,clima seco é o alvo indicador,tem um Banco que é o seu mentorembasado na era das mudançastudo isso constrói as esperançasde um Nordeste mais rico e promissor.

Se você quer crescer e investirno Nordeste, se apresse e não vacile,pois seu PIB é maior que o do Chilee o seu clima estimula a produzir,suas áreas gigantes chegam iraos maiores distritos mundiais,os setores de software e industriaistêm destaques reais e positivos,e o governo redobra os incentivosem prol de seus índices sociais.

É produtor de bens tradicionais,fabricante de aço e automóveis,petroquímicos, além de outros bens móveis,e de produtos agroindustriais,exportador de frutas tropicaispara a mesa do povo americano,europeu, asiático, australiano;nesse ponto o progresso se enaltece,o mercado se amplia e se aquececom freqüência no seu cotidiano.

Veio ao público a MP do bemabrandando ICM e a COFINS,IPI para os bens que têm os finsde indústria e transformação também,aquisição de imóveis porém tem

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o refil da Medida Provisória,isto enseja os anseios de uma glóriade quem luta, prospera e reinveste,aliados aos sonhos do Nordesteque deseja ampliar a sua história.

Nove Estados compõem a sua área,cada qual com a sua vocação,por exemplo, Bahia e Maranhãose revelam na indústria e na pecuária,Alagoas tem farta culinária,Pernambuco em folclore é campeão,Paraíba em turismo é expressão,Ceará apresenta artesanatotudo isso é estampa do retratode um Nordeste buscando evolução.

Ao pensar no que tem o Rio Grandevem à mente as belezas de Natalque foi sede da guerra mundial,influência que ainda se expande;em Sergipe, a turismo, tem quem ande,vale apenas rever Jequitinhonha,nele todo a SUDENE se enfronhaafastando a penumbra do fracassoé o Nordeste a procura do espaçodas fortunas duráveis com que sonha.

Se houver um maior investimentopara fins de receita a médio prazo,estudando os negócios casa a casoem resposta virá o crescimento;seja em couro ou planta de ornamentodando apoio ao setor cooperativo,

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através de projeto criativoem turismo, bebida ou artesãoou qualquer que lhe seja a inversãoo Nordeste é também competitivo.

Para tudo possui infra-estruturanas mais altas reais atividades,sendo vistas em tom de afinidades:eletrônica, grãos e apicultura,têxtil, roupas, metal, floriculturae outros mais que se possam imaginar,pois aquele que queira idealizarum projeto moderno e sem porquêvá depressa e procure o BNBpara ver sua empresa despontar.

Para ter um trabalho mais perenedando às verbas destino mais fielnão se pode esquecer qual o papeldo DNOCS, da CHESF e da SUDENE,do Banco do Nordeste com o ETENEde quem tanto depende esse sucesso;para que no Nordeste haja o ingressodos recursos do F N Eé preciso saber da boa féde quem vota os Projetos no Congresso.

Com cinqüenta milhões de habitantes,quase um quinto da área brasileira,uma boa extensão via costeiraque promete lazer aos visitantes,com enormes estradas circulantes,vinte e um aeroportos na ativa,doze portos de mar em luta viva

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conservando um estilo sempre novo,dois mil municípios tem seu povoque trabalha, que sonha e incentiva.

Se o governo adotasse posiçãode punir os ladrões do INSS,caixa dois em partido não houvessee acabasse o mentor do mensalão,a propina que está de mão em mãofosse alvo de pena e relutância,no Palácio existisse sindicância,sobraria valor que só a pestee esta verba aplicada no Nordestegeraria receita em abundância.

Se das verbas que aprovam a cada diaao Nordeste chegasse meio quarto,seu lençol freático raso e fartocom certeza no solo afloraria,o roceiro do campo não saíapara inchar as vielas da cidade,como jovem que vive em orfandadesem apoio, sem carinho e sem sossego,uma vítima brutal do desempregoque perdeu sua própria identidade.

Um velhinho acordou de madrugadaassustado, sentindo um pesadelo,despertou e à mulher fez um apelopara ouvir sua história a ser contada:Eu sonhei numa sala atapetadaescutando os políticos da Naçãoque falavam de globalizaçãocom o fim de mostrar um resultado

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e o Nordeste era o grande agraciadocom o Prêmio Nobel da Produção.

Para que o Nordeste deixe a covae fique entre as potências mundiaisé bastante o governo investir maiscom ardor, sem desdém, sem contraprova;ao invés do que disse Vila Novaao gravar com a Elba o seu repente,não precisa eleger um presidentenem lhe dar de país um apelidonão precisa o Brasil ser divididopara ver o Nordeste independente.

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Se Eu Não Fosse ASe Eu Não Fosse ASe Eu Não Fosse ASe Eu Não Fosse ASe Eu Não Fosse Advogadodvogadodvogadodvogadodvogado

Trata-se de versos em sextilha, com harmonia da deixa, umverdadeiro exemplo de baionada inicial de cantoria. Nesteconjunto de estrofes, o autor manifesta sua pretensão pela

arte de improvisar e diz o que seria profissionalmente se nãotivesse optado pelo exercício da advocacia.

Se por acaso eu contasseminha história de menino,dissesse porque não sourepentista nordestino,alguém diria que eudecidi contra o destino.

O sertão foi meu ensinode tudo quanto eu queria,por isso é que aprovo a fraseque Aristóteles previa:o homem é para o que nascemas o meio influencia.

No passado eu não sabiaqual seria meu futuro,em tudo que eu inclinassenão me sentia seguro,igual um cego sem guiapalpando o preto do escuro.

Primeiro enfrentei o duroda vida de agricultor;em seguida, balconista,de livro fui vendedor,

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até aí não sabiada vocação o valor.

Fui técnico, fui locutor,fui professor bem aceito,na carreira de bancárioterminei perdendo o jeito,fui decolar minha artena ciência do direito.

Eu não sei se tenho feitotrabalho qualificado,na tribuna ou na escritame sinto realizado,mas de vez em quando escrevoum martelo agalopado.

Se eu não fosse advogadonão sei bem o que eu seria,nem engenheiro nem médico,nem soldado nem vigia,talvez encontrasse espaçono mundo da cantoria.

Se eu vivesse da poesiaera mais um sonhador,com a viola nas costaspelo sertão sofredor,subindo e descendo serracantando canções de amor.

Mas se eu fosse um cantadorbrilhava nos festivais,Geraldo tinha cuidado

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para manter seu cartaze certamente Ivanildocaprichava ainda mais.

João Amaro e Zé Moraispara angariar mais fama,todos os dias treinavamas sextilhas do programa,Zé Luís mantinha um livrona cabeceira da cama.

Talvez superasse um dramaque a justiça deprecia,revelasse o lado bomdos sonhos da cantoria,talvez fosse mais felizdo que já sou hoje em dia.

Com certeza Zé Marialutava por mais valores,Oliveira nem tivessea fama que tem em Flores,Bandeira talvez não fosseo príncipe dos cantadores.

Acho até que os trovadoresagrupavam um só partido,formavam um só universosem ideal dividido,e o sucesso dos Nonatosficava comprometido.

E o oitavão rebatidoteria divulgação,

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cantador não se orgulhavapor ir à televisão,nem poeta iniciantesofreria humilhação.

Moacir e Sebastiãonão se orgulhavam do brilho,Daudeth não se gabavapor ser bom no estribilho,nem Louro Branco seriacampeão do trocadilho.

Jonas Bezerra que é filhode Chico do Iguatu,apesar de muito jovempesquisaria Xudu,para extrair seu modelodos vates do Pajeú.

Santana do Acaraúia se tranqüilizar,quando Raimundo Nonatoprecisasse viajar,aí, sim, Nonato Costateria com quem duplar.

A história de Gasparse resgatava também,Antônio Alves não riapor tocar viola bem,nem Sílvio Granjeiro tinhaessa platéia que tem.

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Fenelon Dantas tambémcantava com mais cuidado,o poeta Lucianoseria o meu convidado,cantador sem compromissoretornaria ao roçado.

Valdir teria bom grado,Lourenço, mais humildade,os Pereiras de Umburanasse uniriam na trindade,para buscar o sucessofora de sua cidade.

Haveria liberdadesem censura e sem bitola,cantador de médio portese dedicava à escola,repentista preguiçosotalvez vendesse a viola.

O poeta Zé Violanatural do Piauí,que visita o Cearáformando platéia aqui,talvez perdesse o sucessoque ganhou no Cariri.

Fernandes do Mauritirepentista e professor,desprezou o magistériopara ser um cantador,talvez que se contentassesomente como escritor.

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Ferreira que é bom doutormas canta por diversão,talvez nem isso fizessepor uma justa razão,por não encontrar apoiona segunda profissão.

E Valdomiro Galvãonovo baião aprendia,e João Furiba que temmeio século de poesiacom certeza antecipavasua aposentadoria.

Morada Nova fariauma homenagem aos Batistas,o Nordeste ganhariao Clube dos Repentistase a Isto ÉIsto ÉIsto ÉIsto ÉIsto É publicavahistórias de apologistas.

Talvez os clubes paulistasentoassem nosso hino,deixassem a arte importadaque é seu estilo grã-finopara vir beber na fontedo folclore nordestino.

A viola de Galdinoestaria em um museu,os jornais teriam ditoque Severino morreu,e o Prêmio Nobel seriadas canções de Eliseu.

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Assim, não sei por que eunão me tornei menestrelpara duplar com Lisboa,Francinaldo e Ismael,mas, vou ver se deixo a marcanas estampas do cordel.

Talvez cumpra meu papelquando o Direito eu deixar,se ainda eu estiver lúcidovou na viola tocar,para dizer as rebarbasque alguém deixou por cantar.

Até poderei narraro que não fiz no presente,sentir o calor do versoe os turbilhões do repente,porém, se tudo der certoserei feliz novamente.

Deus me deu como presenteopções para escolher,se eu me decidir cantarnão vou mudar nem sofrerporque só me falta o pinho:o ro ro ro ro resto eu já sei festo eu já sei festo eu já sei festo eu já sei festo eu já sei fazerazerazerazerazer.

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Ninguém Derruba um TNinguém Derruba um TNinguém Derruba um TNinguém Derruba um TNinguém Derruba um Tijoloijoloijoloijoloijolodo Casarão da Fazendado Casarão da Fazendado Casarão da Fazendado Casarão da Fazendado Casarão da Fazenda

Neste trabalho, escrito em dezembro de 2000, o autordescreve a casa em que nasceu e morou por muito tempo. É

um mote de rima rara, envolvendo nomes próprios, comdetalhes de descrição, portanto, muito difícil de ser versejado,

tanto no que diz respeito ao elenco das palavras toantes comonos ajustes da metrificação.

Aquele velho aposentotem sete metros de altura,treze e meio de largura,dezoito de comprimento,o seu piso é de cimento,suas portas de encomenda,os caibros não têm emendae as linhas são de miolo- Ninguém derruba um tijolodo casarão da fazenda.

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De três vezes, construída:corredor, sala e varanda,fica à esquerda outra bandaem três cômodos dividida;uma cozinha compridaonde a luta se desvenda,não há vento que suspendanem que dê chuva de rolo- Ninguém derruba um tijolodo casarão da fazenda.

Foi a casa onde meus paissessenta anos viveram,catorze filhos nasceram,três já não existem mais;dos onze, cada um fazcom que a família entenda,pois quem sugerir a vendavai levar nome de tolo- Ninguém derruba um tijolodo casarão fazenda.

Mariqueza, Isídio e Zélia,Vanuza morreu novinha,ainda Ernesto e Toinha,Maricé, Lade e Lucélia,que no pé de rosa améliabrincavam sem reprimenda,hoje tudo vira lendapara inibir desconsolo- Ninguém derruba um tijolodo casarão da fazenda.

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Lá, Severina nasceucom Adelmo e Ladeci,Valdetário por alia sua infância viveu,Pedro Filho, que sou euescrevi esta parlendapara que o mundo aprendaque recordar é consolo- Ninguém derruba um tijolodo casarão da fazenda.

Nada está em abandono,tudo recebe bons tratos,tem na parede os retratosdo casal que foi seu dono;lá, papai dormia o sonona rede branca de renda,mamãe levava a merendade café, batata e bolo- Ninguém derruba um tijolodo casarão da fazenda.

No canto, uma vara torta,um cabresto, uma cabaçae um chapéu velho de massaguardado detrás da porta;uma mesa que suportao peso de uma moenda,que para mim vale prendaembora seja um rebolo- Ninguém derruba um tijolodo casarão da fazenda.

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A minha lembrança puxaa arapiraca copadaem que papai, da calçada,testava a sua garrucha;penetrava até a buchanaquela árvore estupenda,o chumbo fazia fendaque descobria o miolo- Ninguém derruba um tijolodo casarão da fazenda.

Três portas para o nascente,três janelas para o sul,já foi pintada de azul,mas hoje está diferente;uma calçada na frentepara evitar que ela penda,um curral que recomendamanejar gado crioulo- Ninguém derruba um tijolodo casarão da fazenda.

A colheita de algodãoguardo na minha lembrança,e aquela antiga balançaque pesava a produção;a parede do oitãojá parecia uma agenda,os pesos formavam tendade cepo e pedra de amolo- Ninguém derruba um tijolodo casarão da fazenda.

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Origens de um VOrigens de um VOrigens de um VOrigens de um VOrigens de um Versoersoersoersoerso

Estilo: GALOPE À BEIRA-MAREstilo: GALOPE À BEIRA-MAREstilo: GALOPE À BEIRA-MAREstilo: GALOPE À BEIRA-MAREstilo: GALOPE À BEIRA-MAR

O galope à beira-mar é um gênero antigo muito usado nascantorias de viola. Compõe-se de estrofes de dez versos de

onze sílabas, onde o primeiro rima com o quarto e o quinto, osegundo rima com o terceiro, enquanto que o sexto entoa como sétimo e o décimo ensejando a terminação ar, em harmonia

teórica com o oitavo e o nono que livremente rimam entre si.Foi uma criação do poeta e vaqueiro Zé Pretinho, natural de

Morada Nova, no Estado do Ceará. O galope à beira-marestá submetido à cesura, que é uma incisão entre a sexta e a

sétima sílaba de cada verso, o que praticamente o transformaem dois semiversos, de seis e cinco sílabas, respectivamente,chamados hemistíquios. Uma cesura perfeita ocorre com os

versos alexandrinos, isto é, aqueles que contêm doze sílabas.

Meu verso é nascido das coisas da serrado cantar saudoso que tem a acauãdo sol que desponta às seis da manhãtocando seus raios na face da terrada barra da noite onde o dia se encerradas coisas bonitas que tem o luarda pasta gasosa formada no ardo amplo crepúsculo, abajur da sereiadas misturas rústicas dos grãos de areiaque fica espalhada na beira do mar.

Meu verso é gerado do grão das escolhasque o pássaro pequeno acha no terreirodo verde-amarelo da flor do pereiroe da chuva que deixa as terras zarolhas

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do pé de pau d’arco que derruba as folhase no mês de agosto começa a se ornardas aves noturnas, donas de radardos fios que a aranha com cuidado tecedo povo do campo que nada conhecedas coisas bonitas da beira do mar.

Meu verso é formado do gênero da uvadas manchas necróticas das folhas do alfaceda massa cinzenta que sobe da facedas terras que sofrem ausência de chuvado pranto fingido que chora a viúvaao ver seu marido a morte carregare após a algum tempo já pensa em casare na missa de ano não está mais de lutodizendo que luto é coisa de matutopois isto acontece na beira do mar.

Meu verso é criado das tardes de solda fruta raquítica, redonda e azedada carga malfeita caindo em veredae do cantar saudoso de um rouxinoldo menino pobre pescando de anzolpuxando perdido sem nada pegardo pássaro que fica zombando do ardo grito da fera deitada na furnada brisa romântica, macia e noturnagerando ciúme na beira do mar.

Meu verso é tirado do azul do infinitodas tardes cinzentas do tempo de invernodas nuvens que fazem do espaço um cadernoformando desenho e deixando bonitodo preto da sombra e do susto do grito

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da voz da cigarra que vive a cantarda pobre andorinha que voa sem parfazendo o roceiro pensar em verãoda descarga elétrica antes do trovãocausando tumulto na beira do mar.

Meu verso é tirado do verde da matado céu estrelado, translúcido e sem manchado furo profundo onde o peba se arranchada água nascente branca como pratada pedra pequena que bate e não matao pássaro que vive no espaço a voardo cheiro das flores que há no pomardo solo argiloso que se torna duroda queda sem jeito do fruto maduroque cai mas não vai para beira do mar.

Meu verso é formado do vôo do morcegodas águas correntes da grande enxurradae da ovelha velha, magra e tosquiadaque baila na serra chamando o borregodo pobre campestre sem chance de empregoe que sua ciência é o campo explorardo vento afobado que fica a passardo luxo do rico que o pobre enciúmada maré raivosa desmanchando espumafazendo barulho na beira do mar.

Meu verso é formado da flor do algodãoda canção romântica de um sabiádo folclore artístico do meu Cearáda planta xerófila ornando o sertãodas folhas caídas rolando no chãoque vão para o lado que o vento mandar

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e do dom da abelha que vive a furtarpara fazer mel a pétala da flordepois de bemfeito dá ao caçadorque fica distante da beira do mar.

Meu verso descreve o valor de uma minaa velocidade na luz existentea vida dos índios de antigamenteos fatos reais da História Divinao grão da semente que nunca germinatalvez por excesso de raio solara luz dos planetas que estão a brilhare do arco-íris pálido igual um véuformando bordado no pano do céudistante ou bem perto da beira do mar.

Meu verso é formado da classe mais nobreda frase segura concisa e corretadas negras torturas que sofre o poetadas coisas profundas que a mente descobredo pão que não sobra na mesa do pobree do homem que imita Jesus no altarda pureza do amor que engrandece o larda vida difícil do pobre estudanteque por não ter grana padece distantesem ver as belezas da beira do mar.

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Não Desenhe a NaturNão Desenhe a NaturNão Desenhe a NaturNão Desenhe a NaturNão Desenhe a Naturezaezaezaezaezacom Sangue dos Animaiscom Sangue dos Animaiscom Sangue dos Animaiscom Sangue dos Animaiscom Sangue dos Animais

O autor neste poema buscou alcançar a natureza, exarandoum conselho muito forte para sua preservação. A todo tempo

invoca a terceira pessoa do singular, isto como forma derobustecer a mensagem no sentido de orientar e educar.

Apesar do zelo pela qualidade dos versos, o poeta não deixade lado o gracejo subjetivo, como se pode ver no momento em

que fala das ações dos animais.

Não prenda em sua gaiolaum canário cantador,não mutile um beija-flornem tire a vida de um gola,na sombra da castanholanão persiga sabiás,nas plantas não jogue gásnem polua a correnteza- Não desenhe a naturezacom sangue dos animais.

Não bote fogo em floresta,não corte planta sombria,não dissipe a matariana qual a fauna faz festa,o mundo somente prestase nele houver vegetais,as belezas naturaisgeram saúde e riqueza- Não desenhe a naturezacom sangue dos animais.

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Guarde sua moto-serrae aposente o seu machado,deixe o campo sossegado,não sugue o suor da terra;caçador, desça da serra!tire o chumbo dos bornais,as armas não use maisque Deus vê sua nobreza- Não desenhe a naturezacom sangue dos animais.

Respeite os homens de fardaque fiscalizam o IBAMA,que veste da cor de ramafazendo o papel de guarda,despreze sua espingardae abandone seus punhais,maior que seus arsenaisé o cântico da burguesa- Não desenhe a naturezacom sangue dos animais.

A natureza está viva,tem sentimentos também,não faz ataque a ninguémporque não é vingativa,porém, forçada, ela privanossos direitos vitais,aí, sim, é quando a pazcede lugar à tristeza- Não desenhe a naturezacom sangue dos animais.

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Que as firmas tenham cuidadode não poluir os ares,petróleo invadindo os maresé futuro ameaçado,só se vê peixe emborcadonas margens dos manguezais,baleia ancorar nos caisbuscando a sua defesa- Não desenhe a naturezacom sangue dos animais.

Se não fizer mais queimadas,não jogar lixos nos rios,seus filhos serão sadioscom vidas mais prolongadas,as serras arborizadase o chão com mais minerais,mais freqüências pluviaiscom fartura em sua mesa- Não desenhe a naturezacom sangue dos animais.

Hoje, o Salgadinho chorae ao transpassar Juazeiroguarda mágoa do romeiro,desabafando em Aurora,depois de lá vai emboralevando os mesmos sinais,pois já não suporta maiso hálito da impureza- Não desenhe a naturezacom sangue dos animais.

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Deixe o juriti cantar,o sagüi se divertir,a mata tosca florire a fogo-pagou voar,deixe a nascença jorrare o pavão ter seus rivais,deixe a flor cor de lilásexibir sua beleza- Não desenhe a naturezacom sangue dos animais.

Se quer ter um bom porvir:deixe o sapo coaxar,preá se multiplicare o predador competir,a abelha produzirdelícias medicinais,caranguejo andar pra tráse o cancão fazer proeza- Não desenhe a naturezacom sangue dos animais.

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Biografia em VBiografia em VBiografia em VBiografia em VBiografia em Versoersoersoersoerso

José Joaquim TJosé Joaquim TJosé Joaquim TJosé Joaquim TJosé Joaquim Teles Marreles Marreles Marreles Marreles Marrocosocosocosocosocos

Estes versos complementaram o discurso de posse do autorno Centro Cultural do Vale Caririense, em 29 de setembro

de 2005. Zé Marrocos, em quem se inspirou o poeta, épatrono da Cadeira nº 31, reservada para o escritor

homenageado. Aliás, é a principal tarefa de quem se associaàquele órgão discursar sobe a biografia de seu patrono.

No caso em referência, são doze estrofes compostasde dez versos decassílabos.

Embasado na lei da cantoria,exibindo a verdade, um dom sagrado,encarnando Gregório do passadoque deu nome à história da Bahia,apalpando o veludo da poesiacom a fé de quem vence e chega ao trono,no silêncio esperado pelo sono,em estrofes de dez, sumariamente,vou trazer para as páginas do repenteo que fez Zé Marrocos, meu patrono.

O seu pai, por João TJoão TJoão TJoão TJoão Teleseleseleseleseles se chamou,sua mãe, Conceição do Amor Divino,um casal que por força do destinona história da vida se encontrou,desse tronco, Marrocos se gerou,na cidade do Crato ele nasceu,em Barbalha, brincou, lutou, venceu,em Juazeiro foi nobre, foi famoso,por ser primo do PadrPadrPadrPadrPadre Milagre Milagre Milagre Milagre Milagrosoosoosoosooso,até hoje o sertão não esqueceu.

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Vinte e seis de novembro, ele nasceu,de oitocentos e quarenta e dois, o ano,o destino cruel minguou seu plano,sua morte precoce aconteceu,novecentos e dez, ele morreu,em catorze de agosto foi o diaJuazeiro perdeu quem mais queria,Cariri sentiu falta do talento,Ceará desbotou seu movimentoe a história ofuscou sua magia.

Fundador do colégio Ibiapina,criador do Jornal do CaririJornal do CaririJornal do CaririJornal do CaririJornal do Cariri,através de OOOOO RebateRebateRebateRebateRebate impôs aquidiscussão da cultura nordestina,professor que zelou sua doutrina,um caráter sem jaça e sem afano,poliglota invejável em todo plano,um zeloso do nosso Português,dominava Espanhol, Latim, Francês,se preciso, falava Italiano.

Na visão de famoso jornalistado VVVVVanguaranguaranguaranguaranguardadadadada também foi fundador,fez nascer o jornal LibertadorLibertadorLibertadorLibertadorLibertadorque ativou a campanha antiescravista,quando aluno, foi bom seminaristae foi daí que aflorou sua nobrezapara ao pobre emprestar sua defesaem campanha sincera e erudita,erigiu a igreja Beneditaque passava por crise em Fortaleza.

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Na campanha da pró-aboliçãofoi figura de luta e de destaque,às medidas injustas fez ataqueprocurando formar opinião,o seu nome ganhou grande escalãopelos gestos sensatos de bravura,pretendendo afogar a amargurade quem era sofrido e maltratado:cidadão exemplar para o Estado,mola mestra inibindo a escravatura.

Para ver do maltrato a extinçãoinvestiu seu brilhante tirocíniocom Rodolfo, Amaral e Patrocínioe outros mais que queriam abolição;Boa NovBoa NovBoa NovBoa NovBoa Novaaaaa, o jornal da pregação,do qual foi a figura oficial,integrante da Comissão Centralque a Província chamou de necessáriacom João Brígido, Barata e Cantuáriapara o grande momento inaugural.

Dos chamados milagrmilagrmilagrmilagrmilagres de Juazeires de Juazeires de Juazeires de Juazeires de Juazeiroooooatraiu para si o grande encargo,que a ele custou momento amargocom respaldo em jornais do mundo inteiro,a beata e seu caso romanceirodecorrido da hóstia milagrosa,que por ser uma graça duvidosachamou-se de fffffato eato eato eato eato extraorxtraorxtraorxtraorxtraordináriodináriodináriodináriodinárioensejando um debate literárioentre Paulo Machado e Mons. Feitosa.

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Foi por isto acusado de inventordeste fato que a Igreja ainda glosa,escreveu a Questão ReligiosaQuestão ReligiosaQuestão ReligiosaQuestão ReligiosaQuestão Religiosaque não foi aos alcances do leitor,porém teve um famoso defensor:foi o padre Azarias, um ativista,que foi prático, sereno e otimistacondensando as razões no livro seu,inspirado na fé quando escreveuEm Defesa de um AbolicionistaEm Defesa de um AbolicionistaEm Defesa de um AbolicionistaEm Defesa de um AbolicionistaEm Defesa de um Abolicionista.

Também fez um papel inteligenteconquistando a vontade popularjuntamente com Floro e Alencarpara ver Juazeiro independente,que do Crato foi vila antigamente,o que em julho de onze julho de onze julho de onze julho de onze julho de onze foi desfeito,Juazeiro por todos foi aceitoe elevado de vila a município,Padre Cícero, um ídolo de princípio,foi assim escolhido o seu prefeito.

Um encontro político ele marcouno salão principal de seu colégio,mas não teve o devido privilégiode fazer como quis e planejou,pois a morte na véspera o carregou,como quem disse DEUS com seus afetos:Zé Marrocos, seus sonhos são diletos!Poucos homens na terra o imitarão,durma em paz, pois cumpriu sua missão,os que ficam implementam seus projetos!

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Zé Marrocos, busquei seus ideais,dinamismo, seus sonhos, sua história,a conquista, os ataques, sua glória,seus projetos políticos-sociais,seu papel nos eventos culturaise os discursos na moda gazeteira,tudo em prol da família brasileiranuma prova de luta e afeição,isto impõe sobre mim a obrigaçãode honrar com amor sua cadeirasua cadeirasua cadeirasua cadeirasua cadeira.

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Arquivos do ICVCBiblioteca particular do autor.

ObrasARAÚJO, R. PadrPadrPadrPadrPadre Cícere Cícere Cícere Cícere Cícero de Juazeiro de Juazeiro de Juazeiro de Juazeiro de Juazeirooooo. Brasília, DF: Câmara dos Deputados,1994.______. Resgatar é prResgatar é prResgatar é prResgatar é prResgatar é precisoecisoecisoecisoeciso. Recife: Edições Bagaço, 2002.CASIMIRO, R. Antes que eu me esqueçaAntes que eu me esqueçaAntes que eu me esqueçaAntes que eu me esqueçaAntes que eu me esqueça. Fortaleza: ABC Editora, 2000. V. 1.DELLA CAVA, R. MilagrMilagrMilagrMilagrMilagre em e em e em e em e em JoaseirJoaseirJoaseirJoaseirJoaseirooooo. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1976.GIRÃO, R. Abolição do CearáAbolição do CearáAbolição do CearáAbolição do CearáAbolição do Ceará. 2. ed. Fortaleza: Imprensa Universitária doCeará, 1969.MACHADO, P. PadrPadrPadrPadrPadre Cícere Cícere Cícere Cícere Cícero, o injustiçadoo, o injustiçadoo, o injustiçadoo, o injustiçadoo, o injustiçado. Juazeiro do Norte: GráficaMascote, 1986.______. O PadrO PadrO PadrO PadrO Padre Cícere Cícere Cícere Cícere Cícero e a literatura de coro e a literatura de coro e a literatura de coro e a literatura de coro e a literatura de cordeldeldeldeldel. Fortaleza: Gráfica EditorialCearense, 1982.

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A Água TA Água TA Água TA Água TA Água Trrrrrouxe um Recadoouxe um Recadoouxe um Recadoouxe um Recadoouxe um Recadoddddda Cabeceira do Rioa Cabeceira do Rioa Cabeceira do Rioa Cabeceira do Rioa Cabeceira do Rio

Este gênero é o famoso mote em sete sílabas. Nesta ricamodalidade, o poeta está preso ao assunto e à posição

das rimas, sempre concluindo a estrofe de dez versos com afrase solicitada. No caso em tela, o mote foi escrito a pedido

do conhecidíssimo escritor Arilo Luna, que também éengenheiro civil e pesquisador da cultura popular.

Acordei de madrugadacom chuva pelos frechais,fui salvar os animaisque dormiam na baixada,lá na beira da enxurradafiz o primeiro assobio,o meu cavalo bravioveio atender ao chamado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

Por chover a noite inteiraem todo canto dá nado,desce um banhista montadonum tronco de bananeira,na folhagem da mangueirao vento causa alivio,como quem faz elogioao verde escuro do prado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

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A nuvem cor de carvãodesfia como cortina,a pastagem na campinaé fofa como um colchão,o capim solta pendãoque até parece um pavio,um roceiro pede estiopor ver seu campo embrejado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

Quando é no mês de janeiroa serra fica enfeitada,o lodo tinge a calçadae o mato invade o terreiro,a copa de um juazeiroque no verão foi sombrio,até parece um navioquando está sendo afogado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

Por ordem da naturezauma lagarta se encanta,a água da cor de Fantanão perde sua beleza,as ondas da correntezagiram como corrupio,no barro escorregadiotomba um garrote enjeitado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

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O temporal foi de um jeitoque o vento perdeu seu prumo,ninguém via mais o rumodaquele riacho estreito,a água saiu do leitobuscando novo feitiocausando sério extraviono milharal pendoado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

No zoar da cachoeiracanta um sapo, outro responde,uma lacraia se escondeentre a casca e a madeira,no gume da roçadeirao roceiro passa um fio,a cachorrinha no ciovisitando todo lado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

Uma chuva se desatao trovão dá seu gemido,um caçote é agredidopor uma serpente ingrata,um socó voa da mataatravessando o baixio,calado sem dar um pioolhando o barro alagado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

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Nas estacas da porteiraum velho estende a camisa,uma carroça deslizano topete da ladeira,um vaqueiro diz na feirao gado é gordo e vadiona pedra do meio-fiodeixa o cavalo amarrado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

No casebre do sertãoa telha fica mofada,a porta da frente inchadasó abre com empurrão,um casal entra em açãopara fazer o plantio,chama o filho forma um trioe vão os três para o roçado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

A galinha arrepiadacacareja e chama os pintosque mesmo estando famintosnão ligam pra comer nada,um gato de madrugadafugindo do calafriovê rato e não dá um miofica na cinza deitado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

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A folha recebe orvalho,o mato estreita o caminho,um gola rodeia o ninhobuscando o belo agasalho,retornando do trabalhoum sobrinho diz ao tio:terminei meu replantioe agora estou descansado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

Numa tarde de invernadao vento bravo dá coice,um roceiro esconde a foicecom medo da trovoada,uma novilha amojadapare um bezerro sadio,mas devido ao tempo frioo dono dobra o cuidado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

Menino pega saúvapensando que é pirilampo,chega o vaqueiro do campotira a perneira e a luva,o gibão depois da chuvafica pesado e macio,um novilho fugidioentra no curral forçado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

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A terra igual um pirão,barreiras desmoronadas,pedras de junta molhadasaté parecem torrão,diz um rendeiro ao patrãocom nada me contrario,plantei do milho tardiomas já estou comendo assado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

Um raio clareia o chão,uma árvore tomba ao solo,a brisa procura o colodo preto da solidão,no ribombar do trovãoo vento faz rodopioque chega causa arrepiopelas brechas do telhado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

Se já é março e não choveum matuto rouba um santoe a sua fé é de um tantoque o Redentor se comove,quando é dia dezenovediz: em São José confio!por isso mesmo é que eu criominha semente de gado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

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Um trabalhador comentacom outro, numa palhoça,no mês de julho, uma roça,Deus querendo a gente enfrenta,se nos anos de noventaeu não saí do agonio,agora eu me distancioda mísera do alugado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

Numa casinha singelaum alpendre se desmancha,um caranguejo se arranchano batente da janela,por detrás de uma cancelaberra um bode com fastio,em um terreno baldiomorre um borrego atolado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

Nascendo em Minas Geraise atravessando o Nordeste,o VVVVVelho Chicoelho Chicoelho Chicoelho Chicoelho Chico se vestede belezas naturais,resistindo a quem lhe fazameaça e desafio,para o mar fazendo enviodo que nele foi jogado- A água trouxe um recadoda cabeceira do rio.

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A Causa da DiabeteA Causa da DiabeteA Causa da DiabeteA Causa da DiabeteA Causa da DiabeteDesafia a MedicinaDesafia a MedicinaDesafia a MedicinaDesafia a MedicinaDesafia a Medicina

Diabete ou diabetes, ou ainda, o diabete ou a diabete (gênerooscilante). O autor preferiu a forma singular feminina, por

ter mais abrangência no mundo da rima e da métrica. Trata-se de mote em sete sílabas, desta vez inspirado em um tema

desafiante aos que cuidam da saúde do povo, tudo recheadocom a beleza do gracejo. Confira.

Seis anos de faculdade,estágios nos hospitais,congressos nas capitaisdiscutem tudo à vontade;a própria sociedadefaz o que a ciência ensina,mas os testes de rotinadão cento e noventa e sete- A causa da diabetedesafia a medicina.

Existe uma divisão:Tipo dois e Tipo um,Tipo dois é mais comumdevido sua expansão,difere na produçãode um pouco mais de insulina,com este o corpo amofinae o mesmo quadro reflete- A causa da diabetenão enfrenta a medicina.

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Desenvolveu-se uma tesecom entendimento raro:ao rico é remédio caro;e ao pobre, diabinese;por mais que o cliente rezenão foge da assassina,nem da dieta cretinaque a saúde compromete- A causa da diabetedesafia a medicina.

Quase catorze milhõesportadores da doença,muita gente ainda pensaser falha das previsões,outros acham que estão bonsmas têm a mesma ruína,a ciência subordinamas a cura não promete- A causa da diabetedesafia a medicina.

Eu conheço uma irmandadeacometida do mal:Miguel, Lúcia e Juvenal,Moésio, Pedro e Andrade,Margarida e Solidade,José, Isaque e Joaquina,Luiz, João e Catarina,Eduardo e Bernadete- A causa da diabetedesafia a medicina.

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O povo não quer saberde conceito científicoe entendimento pacíficosem o caso resolver;aquele que adoecercresce a pança, o braço afina,cria mancha na retinae depressão no casquete- A causa da diabetedesafia a medicina.

E chega na recepçãoapresenta a identidade,descobre logo a idade,endereço e profissão,e se tiver condiçãopaga a consulta e assina,depois que muito imaginaao médico se submete- A causa da diabetedesafia a medicina.

Com os óculos no narizchega o doutor e se senta,às vezes nem cumprimentaaquele pobre infeliz,olha o paciente e dizo mal que lhe predomina,marca a ficha e determina:volte após o dia sete- A causa da diabetedesafia a medicina.

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Numa linguagem arrojadasó produz termos bonitos:pâncreas, glicose e melitusdieta balanceada,gordura localizada,genética e hemoglobina,mas o doente terminamagro igual uma gilete- A causa da diabetedesafia a medicina.

O doutor tira a pressãoque dá uns doze por seis,manda chamar trinta e trêspara testar o pulmão,examina o coração,recomenda vitamina,pede exame de urinae a outro médico remete- A causa da diabetedesafia a medicina.

Afinal diz, camarada,se quiser mudar a vida:evite fumo e bebida,faça esteira e caminhada,de doce não coma nada,use apenas Sacarina,modere na proteína,deixe sorvete e chiclete- A causa da diabetedesafia a medicina.

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Se for especialistaa história é diferente,o médico é mais prepotentena hora da entrevista,diz logo à primeira vista:vou-lhe passar insulina,pega uma lanceta finae na ponta do dedo mete- A causa da diabetedesafia a medicina.

E sobre alimentaçãodeixa pra falar depois:duas colheres de arroze um pouquinho de feijão,meia fatia de pãopassada na margarina,um suco de tangerina,nem queijo, nem omelete- A causa da diabetedesafia a medicina.

Caso o paciente tenhauma esperança do SUS,na fila, implora a Jesuspara conseguir a senha,pede a Deus que o doutor venhaàs dez horas da matina,mas ele liga e combinaque só vem às dezessete!- A causa da diabetedesafia a medicina.

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Apelando já se estápara o pó de babaçu,chá da raspa de caju,mororó e jatobá,casca de maracujáno suco de tamarina,oiticica e quina-quinafui buscar na internet- A causa da diabetedesafia a medicina.

Só falta é morrer de fomee a família nem percebe!vê guaraná mas não bebe,vê chocolate e não come,de bolo nem lembra o nome,evita carne suína,em vez de ir à cantinaé melhor que se aquiete- A causa da diabetedesafia a medicina.

Peço ao Pai Celestialque dê mais luz aos doutores,que os grandes pesquisadoresse afastem do trivial,e que a ciência em geralelabore uma vacina,só para ver se eliminaesse mal que se repete- A causa da diabetedesafia a medicina.

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Existem males mais sériosporém passíveis de cura,e a diabete perduracom seus tremendos mistérios;ninguém descobre critérios,cientista nem opina,remédio não extermina,exame só se intromete- A causa da diabetedesafia a medicina.

Na ciência homeopáticaé grande a superstiçãofazer xixi num mamãohá quem defenda essa prática,outra medida simpáticaé ensopar de urinapedaços de cartolinae deixar que a formiga afete- A causa da diabetedesafia a medicina.

Assim, cada pacientesente o problema na pele,quer que a medicina zeleseu direito de doente;às vezes, diz em repentesem arranhar a doutrina,e a classe nobre e grã-fina,se achar por bem, interprete- A causa da diabetedesafia a medicina.

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Se alguém não compreendercom o escritor não se intrigue,pegue o telefone e liguepara tentar me vencer;mas só vai me convencerquem curar essa malsina,de maneira repentinaeu mudarei a manchete- A causa da diabetenão enfrnão enfrnão enfrnão enfrnão enfrentaentaentaentaenta a medicina.

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A Falta de Paz PrA Falta de Paz PrA Falta de Paz PrA Falta de Paz PrA Falta de Paz Procedeocedeocedeocedeocededos Corações Desumanosdos Corações Desumanosdos Corações Desumanosdos Corações Desumanosdos Corações Desumanos

Mote em sete sílabas, enfocando a grandeza da pazna vida humana. É um pouco trabalhosa sua versificação

pela raridade de rima para a palavra procede, assim como apluralização do último termo também enseja dificuldade para

o autor. Contudo, este trabalho é um bom exemplo da forçaque a chave do mote representa para o assunto em exercício.Cumpre lembrar que chave do mote é a relação poética que

encadeia seu tema, entranhando-se entre o sétimoe o nono verso da estrofe.

Caim matou seu irmãonaquele tempo passado,multiplicando o pecadoda família de Adão,pois quem não dá o perdãocontribui com os tiranosque vão destruir os planosdaquele que bem sucede- A falta de paz procededos corações desumanos.

Hoje a guerra se implantaminguando a humanidade,mistificando a verdadeexpressa na Bíblia Santa;a repressão se decantanos princípios luteranos,mas as dimensões dos danoso Criador pesa e mede- A falta de paz procededos corações desumanos.

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A desigualdade roladeixando o espírito vago,pois se uma mão faz afago,outra detona a pistola;quando uma mão dá esmola,vem outra e pratica danos;só com atos soberanosa paz com Deus se concede- A falta de paz se procededos corações desumanos.

Quem tem paz vive felizsuperando seus problemas,paz com Deus é um dos temasque a Bíblia Sagrada diz.E por que lá na Matriznão rezar seus desenganos?Lembrar seus cotidianose dizer ao mal: Arrede!- A falta de paz procededos corações desumanos.

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A História do Homem está EscritaA História do Homem está EscritaA História do Homem está EscritaA História do Homem está EscritaA História do Homem está Escritana Coragem, na Luta e no Saberna Coragem, na Luta e no Saberna Coragem, na Luta e no Saberna Coragem, na Luta e no Saberna Coragem, na Luta e no Saber

Neste poema o autor expressa a força da perseverança naluta pelo social, reunindo no texto algo parecido com sua

história. São versos decassílabos, também chamadosde heróicos, em que se pode verificar com fluência e nomomento certo a acentuação obrigatória, uma de suas

principais características.Quando o homem ainda é inocente,no decurso da vida, o mundo entende,cada dia que passa, o mesmo aprendeuma coisa das outras diferenteque somada às idéias de outra gentepode até uma guerra combater,isso prova que o homem pode sertudo o quanto na vida ele cogita- A história do homem está escritana coragem, na luta e no saber.

É o homem segredo naturalque margeia os caminhos da ciência,soerguido por sua competênciaassegura um lugar no social,faz conquista no mundo espaciale no cenário da arte dá prazer,associa a vontade ao resolvere com sua razão se capacita- A história do homem está escritana coragem, na luta e no saber.

Com coragem é que o homem vai à luta,é a luta o caminho da vitória,

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a vitória é um alvo da história,a história é respaldo da conduta,a conduta incentiva uma disputa,na disputa algo pode acontecer,pois é isto que deve protegera grandeza que a sorte requisita- A história do homem está escritana coragem, na luta e no saber.

Ter coragem não é matar alguémnem sacar da pistola ou do punhal,é buscar um lugar no socialrespeitando o valor que os outros têm,e não manchar a estrela de ninguémpara a sua brilhar e se acender;ter no palco da luta o seu lazerpara que o seu mérito se transmita- A história do homem está escritana coragem, na luta e no saber.

Da infância eu não guardo este segredo:nunca tive brinquedos de metais,meu lazer foi cuidar dos animais,pastorar passarinhos, meu brinquedo,à cidade eu não ia por ter medo,automóvel, fugia pra não ver,mas na vida lutei para vencer,porém hoje respondo a quem me grita- A história do homem está escritana coragem, na luta e no saber.

Eu não sei se na vida tive sorte:uma légua eu andava para escola,meu almoço era um pão com coca-cola,

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estudar no recreio foi meu esporte;um jumento emprestado, o meu transporte,minha festa era um livro para ler;meu cinema, a vontade de aprender;minha farda, uma roupa de mesquita- A história do homem está escritana coragem, na luta e no saber.

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Agosto nos traz o GostoAgosto nos traz o GostoAgosto nos traz o GostoAgosto nos traz o GostoAgosto nos traz o Gostoda Manga e do Bom Cajuda Manga e do Bom Cajuda Manga e do Bom Cajuda Manga e do Bom Cajuda Manga e do Bom Caju

Mote desenvolvido por solicitação do escritor Arilo Luna, queresolveu reconhecer os valores nutritivos das duas frutas:

manga e caju, enfocando o mês de agosto, por ser este operíodo em que se iniciam no Ceará as duas safras referidas, e

também pela harmonia que a palavra do mês guarda com overbo gostar, principalmente na sua função atípica de

substantivo. Este mote, que foi escrito em agosto de 2003,chegou a ser objeto de estudo em algumas escolas do Cariri.

Janeiro tem seus valores,fevereiro também tem,março e abril têm tambémcapricho nas suas cores,mês de maio é mês das flores,mês de junho é sem lundu,julho nos passa o bizudo início de agosto- Agosto nos traz o gostoda manga e do bom caju.

Manga é gostoso alimentoestando o fruto maduro,seu suco sadio e puronão exige complemento,o caju em nutrimentojá quebrou todo tabu,com Cortezano ou Pitué um grande tira-gosto- Agosto nos traz o gostoda manga e do bom caju.

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Caju, fruta cobiçada,rica em vitamina C,manga no complexo Bé por todos procurada,são farras da passaradadesde o campina ao jacu,do pardal ao sanhaçucada qual canta disposto- Agosto nos traz o gostoda manga e do bom caju.

Ceará, terra da luz,possui solo agricultável,mão-de-obra favorávelpara a safra dos cajus,manga também se produzde Crato até Iguatu,Barro e Caririaçu,gerando emprego e imposto- Agosto nos traz o gostoda manga e do bom caju.

Vê-se um cajueiro torto:parece casa na roça,se veste de casca grossafingindo que está morto,sua sombra dá conforto,a castanha dá tutu;a manga enfrenta o chuchuno sabor e no composto- Agosto nos traz o gostoda manga e do bom caju.

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Manga e caju, certo dia,a convite do mamão,falavam de nutriçãonum congresso que havia;com inveja, a melanciaensejou um sururu,a pitomba e o umburevelaram seu desgosto- Agosto nos traz o gostoda manga e do bom caju.

Um menino enfrenta brigana disputa de castanha,cai uma manga, ele apanhachupa que mela a barriga,num cajueiro se abrigacolhe que enche o baú,abocanha um caju cruque chega salpica o rosto- Agosto nos traz agostoda manga e do bom caju.

Eu, na feira, como mangasmangasmangasmangasmangasespada, rosa ou jasmimse tu mangares de mimeu já sei porque tu mangasmangasmangasmangasmangas,não tens pano para as mangasmangasmangasmangasmangasnem mangasmangasmangasmangasmangas para o zebu,mangado vais ficar tupor estar do lado oposto- Agosto nos traz o gostoda manga e do bom caju.

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A região nordestinausando seus atributosnão sabe qual dos dois frutosa preferência domina,dizem até que Petrolinaexporta para o Peru,e a bacia do Trussupode transformar-se em posto- Agosto nos traz o gostoda manga e do bom caju.

Da mesma família são:espécie anacardiáceanão precisam de faláciapara ocupar posição,o caju tem proporçãono doce do Tambaú,da manga, o caroço nulembra um coração exposto- Agosto nos traz o gostoda manga e do bom caju.

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Ainda TAinda TAinda TAinda TAinda Tenho Guarenho Guarenho Guarenho Guarenho Guardadadadadadadadadadaminha Carta de ABCminha Carta de ABCminha Carta de ABCminha Carta de ABCminha Carta de ABC

O autor foi menino do campo, estudou em escola rural e nasprimeiras escolas públicas de sua cidade. Talvez por isto, ele

guarda na memória as coisas que marcaram seu passado.Conservou por muito tempo todo material escolar que passou

por suas mãos, resolvendo, em seguida, eliminar uma partedesse acervo que não poderia mais ser mantida em face da ação

do próprio tempo. Porém mantém ainda em seu poder muitascoisas que causam sensação forte a quem delas tomar

conhecimento. Só para dar um exemplo, o autor dispõe ainda desua Carta de ABC e de sua Tabuada, ambas em perfeito estado

de conservação. Foi revendo todo esse material que o autorescreveu o mote a seguir. É um trabalho constituído por rimasraras, também chamadas preciosas, no qual se pode perceber o

cuidado rigoroso do poeta no sentido de não repetir palavras.

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Ela me faz recordara minha infância primeira,Maria Gomes Pereiraprofessora do lugar,que me mandava estudare eu não sabia o porquê,pois criança não prevêdo futuro quase nada- Ainda tenho guardadaminha Carta de ABC.

Suas laudas têm clareza,não possui palavra omissa,no final, diz que a preguiçaé a chave da pobreza,conserva ainda a belezapois quem observa vêque entre os sinais A e Znão há letra amarrotada- Ainda tenho guardadaminha Carta de ABC.

Até já mudou de corpor ação que o tempo faz,porém conserva os sinaisque expressam o seu valor,na história de doutorintegra um só dossiê,se alguém perguntar, cadê?Também mostro a taboada- Ainda tenho guardadaminha Carta de ABC.

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Com dez folhas dá abrigoa todas letras maiúsculas;logo em seguida, as minúsculasfeitas num formato antigo,porém conservo comigopara mostrar a você;a capa um pouco fumê,por dentro, bem conservada- Ainda tenho guardadaminha Carta de ABC.

Uma caneta luxentadigna de ir ao museu,que Crisantina me deuem dezembro de setenta,de preta ficou cinzentae o bico parece um tê,mas quem botar tinta vêriscar sem fazer zoada- Ainda tenho guardadaminha Carta de ABC.

Olho tudo e me comovopor força das emoções,o livro Minhas Liçõesainda está quase novo;aquela Cartilha o Povo,alguém, querendo, inda lê,tem formato de carnêe a capa é toda ilustrada- Ainda tenho guardadaminha Carta de ABC.

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Aquela prova bonitaem folhas grandes de almaço,abaixo da nota, um traça;na borda, um laço de fita,hoje parece esquisita,mas faz bem a quem revê,nem por troca de cachêeu a deixo abandonada- Ainda tenho guardadaminha Carta de ABC.

Meu livro de matemáticado autor Marcius Brandão,Programa de Admissãoque tornou-me a vida prática,também guardei a gramáticaque hoje me faz mercê,pois a aula da tevêdeixa uma dúvida danada- Ainda tenho guardadaminha Carta de ABC.

Pode alguém mangar de mimporque tenho conservadoo caderno do ditadoe as notas do boletim,todo poeta é assimde louco possui um quê,muito mais doido é vocêque não se lembra de nada- Ainda tenho guardadaminha Carta de ABC.

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Nos Ensinos da VNos Ensinos da VNos Ensinos da VNos Ensinos da VNos Ensinos da Vida eu Aprida eu Aprida eu Aprida eu Aprida eu AprendiendiendiendiendiDividirDividirDividirDividirDividir, ser Humilde e Respeitar, ser Humilde e Respeitar, ser Humilde e Respeitar, ser Humilde e Respeitar, ser Humilde e Respeitar

A solidariedade é a idéia principal deste mote decassílabo.A primeira pessoa do singular dirige o poema, fazendo da vida

um campo de aprendizagem. O autor vê este trabalhocomo um dos principais marcos desta coletânea, tanto pela

beleza de seu conteúdo, como pelas exigências contidasna rima e na métrica, sem perder de vista a obrigatoriedade

de acentuação dos versos.

Transformei minha vida em uma escolacom o fim de tirar ensinamento,apoiar quem está no sofrimento,dar um pão a quem clama por esmola,se um pássaro está preso na gaiolafaço um jeito pra o dono libertar,falar pouco, ouvir mais e perdoar,foi difícil, porém eu consegui- Nos ensinos da vida eu aprendidividir, ser humilde e respeitar.

Eu descobri que os brutos têm valorese obedecem às leis da natureza,se os mosquitos procuram a impurezaas abelhas no campo buscam flores;que os tatus, evitando os caçadores,só à noite preferem caminhar,se algum dia os traí para matardessas coisas que fiz me arrependi- Nos ensinos da vida eu aprendidividir, ser humilde e respeitar.

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Aos enfermos fazer uma visitae só entrar no lugar onde me cabe,ensinar um poema a quem não sabe,abrandar os ouvidos de quem grita,repartir com alguém que necessitao suor que meu rosto derramar;e na igreja, na hora de rezar,agradeço ao Senhor porque nasci- Nos ensinos da vida eu aprendidividir, ser humilde e respeitar.

Se o homem adviesse do macacocomo diz a conquista da ciêncianão detinha o poder da inteligênciapra crescer nas derrotas do mais fraco,não queimava as florestas com cavaco,condenava a idéia de emboscar,quando ouvisse falar em seqüestrarrespondia: esse lema eu nunca vi-Nos ensinos da vida eu aprendidividir, ser humilde e respeitar.

Ser honesto, ser simples, ser sereno,discutir sem maldade e sem rancore sem causar aos outros dissabor,respeitando as idéias do pequeno;não fazer do poder negro terrenoonde os outros não podem trafegar,a virtude só deve prosperarquando o homem fizer tudo isso aí- Nos ensinos da vida eu aprendidividir, ser humilde e respeitar.

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Quando alguém o tratar com agressãonão precisa perder a paciência,fique firme e condene a violênciaque será vencedor na discussão;é bastante ter Deus no coraçãopara ver seu rival se ajoelhar,disso aí não se deve duvidarpois, na Bíblia Sagrada, hoje, eu li- Nos ensinos da vida eu aprendidividir, ser humilde e respeitar.

Dedicar seu respeito ao ancião,dar apoio à criança abandonada,criticar a sentença prolatadarespeitando os limites da razão,a quem erra, prestar uma lição,dar a mão para alguém se levantarou comida a quem quer se alimentar,foi fazendo essas coisas que eu cresci- Nos ensinos da vida eu aprendidividir, seu humilde e respeitar.

Dizer SIM, demonstrando ser capaz,dizer NÃO, sem ferir quem pede ajuda,aderir ao saber de quem estudae conhecer que os direitos são iguais,perguntar aos que sabem algo mais,agregar-se a quem quer colaborar,da cobiça e do ódio se afastar,isto sim, é verdade, eu já senti- Nos ensinos da vida eu aprendidividir, ser humilde e respeitar.

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Da verdade, não fique entre os omissos,ame a paz e defenda a sua terra,reze mais, pregue amor, condene a guerra,emprestando a Jesus os seus serviços;dando exemplo ao honrar seus compromissossem querer a ninguém se apresentar,não se canse na vida de ajudar,foram estes os conselhos que ouvi- Nos ensinos da vida eu aprendidividir, ser humilde e respeitar.

Pôr um basta nos atos de arrogância,envergar-se aos ditames da ciência,alinhar-se ao poder da consciência,dar desprezo ao orgulho e à ganância,não medir conseqüência nem distânciapara ver um doente se curar,quando ouvir um tristonho, consolar,pois assim foi que eu sempre procedi- Nos ensinos da vida eu aprendidividir, ser humilde e respeitar.

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O NorO NorO NorO NorO Nordeste Enxugou a sua Facedeste Enxugou a sua Facedeste Enxugou a sua Facedeste Enxugou a sua Facedeste Enxugou a sua Facecom o Lenço Felpudo de Algodãocom o Lenço Felpudo de Algodãocom o Lenço Felpudo de Algodãocom o Lenço Felpudo de Algodãocom o Lenço Felpudo de Algodão

Como dito em outras passagens, o autor foi técnico agrícola doBanco do Nordeste. Como profissional da espécie colaborou

com a agência de Brejo Santo, inclusive, no ano 1984, quandoo Nordeste sacudia a poeira de vários anos de seca sucessivos.A safra de algodão em toda região do Cariri, naquele ano, foide uma dimensão assustadora, tendo Brejo Santo despertado

para comemorar com diversas atrações a VI Semana doAlgodão. Foi nesta ocasião que, a pedido da administração daagência do BNB daquela cidade, com apoio das autoridades e

comércio local, este trabalho veio a lume, sendo publicado emforma de folheto de cordel e distribuído com muito sucesso

entre as pessoas que compareceram ao evento. É, sem dúvida,mais um exemplo de mote decassílabo, com os rigores da rima

e da métrica, característica peculiar de quem o fez.

Muitos anos de seca se passaramtransformando o sertão numa miséria,o roceiro enfrentou parada séria,muitos deles, do campo, se mudaram,os produtos agrícolas se ausentaramretirando do povo a condição,mas as chuvas voltaram ao nosso chãoordenando que a fome se afastasse- O Nordeste enxugou a sua facecom o lenço felpudo de algodão.

Até mesmo os pequenos passarinhoscomponentes da banda matinalsem abrigo da sombra vegetaldesertavam, deixando os filhotinhos

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que de fome morriam nos seus ninhosou seriam jantar do gavião,mas o inverno chegou na regiãoretirando o sertão daquele impasse- O Nordeste enxugou a sua facecom o lenço felpudo de algodão.

Mergulhada no mundo de tristezalamentava a criança desnutridavendo a hora perder a própria vidapor faltar alimento em sua mesa,o desgaste que teve a naturezanão se pode estimar com precisão,porém Deus, dando a sua proteção,pôs a mão pra que tudo melhorasse- O Nordeste enxugou a sua facecom o lenço felpudo de algodão.

Só se viam famintos na cidade,os açudes sem água para o gado,era triste falar do resultadodos efeitos daquela crueldade;o rebanho caiu para metade,o menino chorava sem ter pão,com lamúria berrava a criaçãodesejando que o campo se enfolhasse- O Nordeste enxugou a sua facecom o lenço felpudo de algodão.

Com as safras agrícolas deste anoacabou-se a história de PROAGRO,não se vê, no sertão, mais gado magro,o roceiro saiu do desenganoe até mesmo o governo criou plano

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de aumentar as receitas da Naçãocom impostos que vêm da produçãoque há dez anos não tinha quem pagasse- O Nordeste enxugou a sua facecom o lenço felpudo de algodão.

De alegria o roceiro agora pula,sua casa está rica de mobília,já comprou roupa nova pra famíliae uma moto pra dar a seu caçula;se há três anos vendeu a sua mula;nesta safra, comprou jeep e fuscão,pintou prédios e fez “renovação”formulando convite a toda classe- O Nordeste enxugou a sua facecom o lenço felpudo de algodão.

Quem deixou seu torrão está voltandopra viver no lugar em que nasceuesquecendo as torturas que sofreupor ver tudo na terra prosperando;quem noivou, há um ano, está casandoe é, às vezes, com filha de patrão,no casório faz festa e diversão,poucos meses depois, um bebê nasce- O Nordeste enxugou a sua facecom o lenço felpudo de algodão.

No Nordeste, uma voz com simpatiadava anúncio das chuvas no sertãotraduzindo a miséria do “Bolsão”em fartura, em progresso, em alegria;Brejo Santo na sua economiatambém teve expressiva evolução

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por exemplo, D-10 e caminhão,em abril, já não tinha quem contasse- O Nordeste enxugou a facecom o lenço felpudo de algodão.

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Conselho de um CooperadoConselho de um CooperadoConselho de um CooperadoConselho de um CooperadoConselho de um Cooperado

Este trabalho foi o campeão no concurso literário promovidopelo ICVC – Instituto Cultural do Vale Caririense, em

parceria com o SESC, conferindo ao autor o 1º lugar com otroféu PALCO – Prêmio Anual de Literatura de CordelEdição 2004. Trata-se de uma história imaginada com a

intenção de tão-somente concorrer ao certame, estilizada emsextilha com obediência às regras da deixa. Na poesia popular

e na cantoria, deixa é a obrigatoriedade que tem o poeta deiniciar a estrofe seguinte rimando com o último verso da

estrofe anterior.

Gabriel era um senhorda fazenda Solidade,no município de talde talde talde talde tal,a três léguas da cidade,e era muito conhecidopor sua comunidade.

Zelava a propriedadecom muito jeito e carinho,era pai de quatro filhos:José, João, Pedro e Chiquinhoque não aceitavam o paiir para a roça sozinho.

Era de um lugar vizinhosua esposa Gabriela,tudo o quanto ele faziaera de acordo com ela,e a união do casaltornava a vida mais bela.

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Gabriel e Gabrielatrabalhavam com cuidado,logo nas primeiras chuvasplantavam bem seu roçado,e sempre no final do anoera bom o resultado.

Seu terreno era exploradocom arroz, milho e feijão,banana, coco e castanha,mandioca e algodão,e a técnica que ele usavaelevava a produção.

Gabriel tinha razãode achar que o tempo era ingrato,pois gastava para daràs suas lavouras trato,mas na hora de vendero produto era barato.

Vivia assim no maltratoa padecer ano a ano,a família trabalhavaunida no mesmo plano,mas na época da colheitacaía no mesmo engano.

Chiquinho disse a seu manoagora vou controlaro custo com as lavouraspara ver quanto vai dar,e saber se no finalo saldo vai compensar.

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E puderam constataras perdas de capitais.E José perguntou ao painão sei por que seu Tomásplanta menos que o senhore no fim o lucro é mais?

Gabriela estava atrásquando ouviu a indagação,à noite, ficou pensandona dita comparaçãoe convidou esposo e filhospara vasta discussão.

E disse: Tenho razãode ficar preocupada.Tomás tem a mesma terrae a nossa é mais cultivada,hoje Tomás está rico,nós não possuímos nada.

Gabriel disse à cambadao Tomás vou visitar,como quem não estou querendomas algo vou perguntare eu afirmo com certezade que ele não vai negar.

Logo após o sol raiar,selou seu burro Folguedoe saiu antes do café,Tomás até teve medoe falou: Qual o motivovocê por aqui tão cedo?

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Conte a mim logo o segredo,pois sei que você não nega.Gabriel disse sorrindoeu vim até à bodegae aproveitei esse ensejopara rever o colega.

Seu Tomás disse: Colega,venha logo se sentar.Mandou Helena fazerum café para tomar;botou fogo num cigarroe começou a conversar.

Falaram da paz no lare da alta da gasolina,de experiências de inverno,novena, festa juninae da discriminaçãoda região nordestina.

Gabriel disse: Imaginacomo é grande a inflação,pois eu fui ontem ao mercadocomprar carne de leitão,para pagar quatro quilosvendi trinta de algodão.

É uma grande ilusãotrabalhar na incerteza;de que serve inverno bome uma produção belezapara no ato da vendanão cobrir nem a despesa.

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Eu já pensei com nobrezaem deixar de trabalhar,vender meu taco de terrae uma bodega botar,pois lutando para os outrosnão quero continuar.

Vou vender o meu pomar,a terra, o gado e o abrigo;vou ser atravessador,fingindo que sou seu amigo,fazer com outras pessoaso que fizeram comigo.

E Tomás disse: Meu amigo,vou dar-lhe uma sugestão,visite a Cooperativae explique a situação,depois preencha a propostapedindo sua admissão.

Gabriel disse: Vou não,lá não conheço ninguém,a minha leitura é pouca,meu patrimônio é tambéme o mundo só valorizaquem muita riqueza tem.

Tomás disse: Pense bem,lá a coisa é diferente;dentro da Cooperativavocê se sente mais gente,tudo o que você procuraconsegue ligeiramente.

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Lá é simples o ambientee todos lhe dão atenção,o gerente é bom amigoe presta orientação,você tem bons resultadosquando entrega a produção.

A Revenda tem fogãoa preço extraordinário,rede, balança, chinelase produto agropecuário,além de uma infinidadedo âmbito veterinário.

Caso seja necessárioo técnico vai ao roçado,ensina escolher os solose espaçamento adequadopara que sua lavouradê um melhor resultado.

Cada sócio é respeitadonão há discriminação,a sua presença é válidana hora da votação,aí você pode e devedar a sua opinião.

Recebe o seu algodãoe deixa classificado,depois industrializa,procura melhor mercadoe o que se chama retornodevolve ao associado.

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Gabriel mais animadochegando disse à mulher:Passe o ferro em minha calça,numa camisa qualquerque eu vou à Cooperativa,amanhã, se Deus quiser!

O sol não saiu, sequer,ele foi-se associar.Associou-se e entãocomeçou logo operare a partir daí as coisasprocuraram seu lugar.

E começou a entregartoda sua produção.Os seus negócios são feitosnaquela repartição.Gabriel diz que não quermais conversa com patrão.

Depois de um certo tempãoque é sócio credenciado,Gabriel comprou mais terra,trinta cabeças de gado,forrageira, moto-bombae um trator bem equipado.

Cercou de arame farpadoa sua propriedade,melhorou sua pastagem,comprou casa na cidade,construiu grande barragem,hoje tem água à vontade.

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Do seu retorno, a metadeinvestiu num caminhão.Hoje, ajuda seus vizinhostransportarem a produção,faz tudo para não verum pobre na sujeição.

Por ser ele um cidadãode palavra positiva,organizou uma campanhacom a sua comitivapara integralizar quotasna sua Cooperativa.

Com isso a Cooperativatirou grande resultado,aumentou ligeiramenteseu quadro de associado;Gabriel tornou-se um sóciomuito mais acreditado.

Tirou grande resultadoaquela jurisdição.Lá não há mais corretore ninguém fala em patrão,quem produz já sabe ondeentregar a produção.

Lá as escolas já estãopregando sociedade;o clima cooperativotomou conta da cidade,servindo de grande exemplopara toda a humanidade.

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Certo dia na cidadeGabriel viu seu Tomás,Tomás quando o avistouquase não conhece mais,pois nem parecia aquelede poucos tempos atrás.

Gabriel disse: Tomás,grande amigo você tem,o que você fez comigoestou pagando a alguém,informando-o para serum cooperado também.

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As Vítimas da EstiagemAs Vítimas da EstiagemAs Vítimas da EstiagemAs Vítimas da EstiagemAs Vítimas da EstiagemMerMerMerMerMerecem toda Atençãoecem toda Atençãoecem toda Atençãoecem toda Atençãoecem toda Atenção

O autor, que é advogado, em defesa escrita a um auto deinfração lavrado por Fiscal do Trabalho contra uma agência

do BNB, no desenrolar de sua contestação, após osfundamentos jurídicos aplicáveis ao caso concreto, tentou

sensibilizar o julgador com os versos sob referência, alegandotarefas inadiáveis em face da imediata execução do Programa

de Emergência destinado às vítimas da seca. Isso ocorreuem 15 de junho de 1998.

Nobre e douto julgador!use a lei e o bom senso,pense da forma que eu pensopara Deus ver seu valor,não queira manchar a corda sábia legislação,arquive esta autuaçãopara manter sua imagem- As vítimas da estiagemmerecem toda atenção.

Não se lembrou o fiscalque seu pão, que é de sobradepende da mão-de-obrado trabalhador rural,que por fator naturalpassa fome e precisão,os calos de sua mãorevelam sua coragem- As vítimas da estiagemmerecem todo atenção.

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Se o próprio país reparteas suas verbas legítimaspara socorrer as vítimasdeste Sertão baluarte,também faça a sua parterasgando a falsa infração,pois tal contribuiçãosó vai lhe trazer vantagem- As vítimas da estiagemmerecem toda atenção.

O problema é cultural,Vossa Senhoria sabeque onde a verdade cabechega o bem e sai o mal,infelizmente o fiscalnão teve esta educaçãoe preferiu lançar mãodo rigor da arbitragem- As vítimas da estiagemmerecem toda atenção.

O Plano de Emergênciafoi uma idéia feliz,como o próprio nome dizrequer cuidado e urgência,por isso é que esta agênciapriorizou essa açãocontratando operaçãode poço, açude e barragem- As vítimas da estiagemmerecem toda atenção.

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É uma verdade ocultamultar quem quer progredir,é querer contribuircom o mundo da insulta,não é aplicando multaque se faz uma Nação,mas é estendendo a mãoàqueles que lutam e agem- As vítimas da estiagemmerecem todo atenção.

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Bandeira, Eu TBandeira, Eu TBandeira, Eu TBandeira, Eu TBandeira, Eu Também Conheçoambém Conheçoambém Conheçoambém Conheçoambém Conheçoum pouco de sua Históriaum pouco de sua Históriaum pouco de sua Históriaum pouco de sua Históriaum pouco de sua História

Por ocasião dos 50 anos de viola do poeta Pedro Bandeira,em praça pública, em Juazeiro do Norte, no dia 1º de maio

de 2005. É uma verdadeira viagem pela vida artísticado poeta aniversariante.

Eu era ainda meninoe no sítio em que eu moravaPedro Bandeira cantavaas ilusões do destino,a sua voz era um sinode acústica vibratória,de sua idéia finórianinguém calculava o preço- Bandeira, eu também conheçoum pouco de sua história.

Pra Terta e Zé Bastiãofez festa no Posto Velho,lá cantou o evangelhono repente e no baião,parecia uma missãoa massa aglomeratória,na toada oscilatóriasó se ouvia o estremeço- Bandeira, eu também conheçoum pouco de sua história.

No Barro, se fez dupladocom o vate Daniel Gomes,foi Chico Inácio um dos nomes

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que ele enfrentou no passado;cantou por cachê pesado,também por verba irrisória;a sextilha introdutóriaexibia sem tropeço- Bandeira, eu também conheçoum pouco de sua história.

É filho da Boa Vistade São José de Piranhas,enfrentou serra e montanhasbuscando sua conquista,na vida de repentistasó teve fama e vitória,toda sua trajetóriaacompanhei do começo- Bandeira, eu também conheçoum pouco de sua história.

Fez da viola uma asapara alcançar seu sucesso,hoje canta na Progresso,já teve auditório em casa;seu improviso se embasana musa preparatória,e na vida peremptóriao seu dom é recomeço- Bandeira, eu também conheçoum pouco de sua história.

Animou renovação,fez a missa do vaqueiro,sobre a vida do romeiroescreveu livro e canção,

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com Luiz, rei do baião,cantou a arte acessória,a política transitóriae o sertão pelo avesso- Bandeira, eu também conheçoum pouco de sua história.

Um gênio da poesia,um cidadão renomado,professor, advogado,vivido em teologia,se é mestre em cantoriaé melhor na oratória,e a sua declamatóriasempre que eu escuto, cresço- Bandeira, eu também conheçoum pouco de sua história.

Cultuando o som do pinhono Cariri se instalou,por muito tempo duploucom Alexandre Sobrinho,do rádio teve o carinhopor sua fama notória,e assim a neve da glóriaprocurou seu endereço- Bandeira, eu também conheçoum pouco de sua história.

No calor de sua famapoetas se desencontram,“Quando as Violas se Encontram”foi seu primeiro programa;os poemas que declama

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têm coisa satisfatória,em cada eliminatóriao seu rival vira gesso- Bandeira, eu também conheçoum pouco de sua história.

Neto do velho Galdino,tem três irmãos cantadoresque também defendem as coresdo pavilhão nordestino,entrou no mundo grã-finomas não perdeu da memóriaa sua origem simplóriacheia de tanto arremesso- Bandeira, eu também conheçoum pouco de sua história.

Pela década de sessentagravou Viola de Ouro,um sucesso duradouroque ainda hoje se ostenta,a primeira ferramentada carreira ondulatória,parcela da somatóriadesse seu sucesso espesso- Bandeira, eu também conheçoum pouco de sua história.

Pedro - a conta já perdeude quantos troféus ganhou,quantos poemas gravou,quantos cordéis escreveu,os livros que ele já leusão de cifra elevatória,

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sua índole meritóriamerece ter nosso apreço- Bandeira, eu também conheçoum pouco de sua história.

Em festival e refregaou mesmo em pé de parededos ouvintes mata a sedequando na viola pega,cantando deixa o coleganuma dúvida vexatória,verdadeira palmatóriapara cantador travesso- Bandeira, eu também conheçoum pouco de sua história.

É campeão de troféu,todo o Brasil percorreu,com Geraldo ele escreveu“Bandeira Canta no Céu”,nunca tirou o chapéupara a turma da vanglória,quando canta a pré-históriaouço e me rejuvenesço- Bandeira, eu também conheçoum pouco de sua história.

Rimou para o Presidente,em Portugal fez jornada,lá cantou na embaixadaem estilo diferente,para o Papa fez repenteem toada suasória,sua magia sensória

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não merece desapreço- Bandeira, eu também conheçoum pouco de sua história.

Foi príncipe dos cantadorespor ser poeta brilhante,foi altivo e atuanteno rol dos vereadores,implantou os seus valoresna cultura exibitória,por sua persuasóriaeste mote eu lhe ofereço- Bandeira, eu também conheçoum pouco de sua história.

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Cada Ser tem seu VCada Ser tem seu VCada Ser tem seu VCada Ser tem seu VCada Ser tem seu ValoraloraloraloralorPrPrPrPrPrecisa é ser Descobertoecisa é ser Descobertoecisa é ser Descobertoecisa é ser Descobertoecisa é ser Descoberto

Enquanto se engraxavam seus sapatos, o autor observavaum sanfoneiro que tocava na calçada de uma bodega,

na cidade de Iguatu. Um público pequeno o rodeava isto foi suficiente para a criação desse mote, que se

desenvolve em sete sílabas.

O pequeno sanfoneirocom arte desafinadaque de calçada em calçadavive a ganhar seu dinheiro,não é Alcimar Monteironem Gonzagão, nem Roberto,porém deixou boquiabertoo povo do interior- Cada ser tem seu valorprecisa é ser descoberto.

O sertanejo frustradovítima da sociedade,somente vai à cidadequando se vê obrigado,falando pouco e erradoporque vive no deserto,mas se houvesse escola pertotalvez que fosse um doutor- Cada ser tem seu valorprecisa é ser descoberto.

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A prostituta de bartem na consciência um farne,negocia a própria carnea fim de se alimentar,o bom conceito de um larfoi pela sorte encoberto,talvez que até desse certose tivesse havido amor- Cada ser tem seu valorprecisa é ser descoberto.

O bom vaqueiro vorazno mato faz reboliço,desenvolvendo um serviçoque acadêmico não faz;coveiro é útil demaisquando um túmulo está aberto,rico não se torna espertopara fazer o favor- Cada ser tem seu valorprecisa é ser descoberto.

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Com TCom TCom TCom TCom Tudo Isso Eu Aindaudo Isso Eu Aindaudo Isso Eu Aindaudo Isso Eu Aindaudo Isso Eu AindaNão QuerNão QuerNão QuerNão QuerNão Quero Vo Vo Vo Vo Voltar pra Elaoltar pra Elaoltar pra Elaoltar pra Elaoltar pra Ela

O poeta, em face de sua sensibilidade, canta o que vê, o quesente e o que os outros pedem. Na última situação, precisa elese colocar no lugar de quem faz o pedido e trazer para os seus

sentimentos a dor de quem padece, com a conotação de quesomente a poesia é capaz de fazer. Talvez seja esta a mais

sublime qualidade de um menestrel. O mote em referência foiescrito por solicitação de um amigo do autor, cujo nome não

há necessidade de revelar.

Ela possui boa altura,olhos pretos, cor morena,boca bem-feita e pequena,bom estilo de cintura;quem a vê sorrindo juranão ter outra assim tão bela,e dizem que essa donzelaé calma, atraente e linda- Com tudo isso eu aindanão quero voltar pra ela.

Recebi recentementediversas fotografias,faz mais ou menos dez diasque ganhei dela um presente;ontem, recebi urgenteuma carta sem seqüela,vinha assim escrito nela:“nosso amor nunca se finda”- Com tudo isso eu aindanão quero voltar pra ela.

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Ela é filha de doutor,fala mais de um idioma,ontem recebeu diplomade um curso superior;ninguém calcula o valordos apartamentos dela,a sua nave amarelatanto é nova como linda- Com tudo isso eu aindanão quero voltar pra ela.

Seu belíssimo apogeutem ar condicionado,um helicóptero encostadoque seu pai lhe ofereceu,e no domingo quando eudesço em sua passarela,ela fica na janelaaguardando a minha vinda- Com tudo isso eu aindanão quero voltar pra ela.

Não passeia de motoca,deixou de ir a seresta,nunca mais freqüentou festanem dá valor a fofoca;e quando eu passo ela tocanuma guitarra singela,numa sinfonia belacom várias canções me brinda- Com tudo isso eu aindanão quero voltar pra ela.

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Em várias localidadeso seu pai possui fazendas,ninguém imagina as rendasde suas propriedades,tem cinema em dez cidades,clubes em Venezuela,a declaração revelacem casas dentro de Olinda- Com tudo isso eu aindanão quero voltar pra ela.

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É Assim que Eu me SaioÉ Assim que Eu me SaioÉ Assim que Eu me SaioÉ Assim que Eu me SaioÉ Assim que Eu me Saiosem Causar Decepçãosem Causar Decepçãosem Causar Decepçãosem Causar Decepçãosem Causar Decepção

Era julho de 1996, na agência do Banco do Nordeste de Juazeiro doNorte, quando os colegas bancários se reuniam para homenagear

os aniversariantes do mês. No início da reunião, fizeram menção àpresença do autor e anunciaram aos convidados que ele declamariaum poema. Sem ter nada preparado para aquele momento, o autor

se reservou em uma mesa ao lado e rabiscou os versos abaixo(mote em sete sílabas) que foram apresentados no encerramento da

sessão sob os mais acalorados aplausos, talvez porque finalizouenfocando os nomes dos colegas que se faziam presentes.

Eu fui pegue de surpresaa pedido de um amigo,meu Deus o que é que eu digopra fazer minha defesa,ficar calado é tristeza,besteira não tem perdão;Deus me dê inspiraçãopra ver se me descontraio- E assim rimando me saiosem causar decepção.

Em vez de falar da guerraprefiro pensar na paz,porque é a paz que trazfelicidade pra terra,quando um homem humilde errase vale da oração,em busca do seu perdãoreza as novenas de maio- É assim que eu me saiosem causar decepção.

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Se falar de economiapreciso lembrar a crise,é bom que se economizepra ter o pão todo dia,quem vive de euforiapode sofrer precisão,nas malhas da inflaçãovocês caem, eu também caio- É assim que eu me saiosem causar decepção.

Se falar sobre o progressolembro sua conseqüênciae o avanço da ciênciainibindo o seu sucesso,o povo perde o acessoao emprego e profissão,a máquina ganha expansãoe o homem perde seu raio- É assim que eu me saiosem causar decepção.

Se falar de informáticalembro a tecnologiaque mostra a economiaantes da crise asiática,os números da matemáticaapurando a inflação,o que implica o Japãono governo paraguaio- É assim que eu me saiosem causar decepção.

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Falando da passaradalembro o gola, o bem-te-vi,o campina, o juritie a codorniz que é rajada,a rolinha aperreadafugindo do gavião,a viana e o cancãoimitando o papagaio- É assim que eu me saiosem causar decepção.

Falando sobre juristano penal, tem Sousa Gama,Hugo Machado tem famana área tributarista,no Direito TrabalhistaCarrion tem posição,sobre a ConstituiçãoIves Gandra e Ney Sampaio- É assim que eu me saiosem causar decepção.

Lembrando a literatura:Euclides fez Os Sertões,Os Lusíadas de Camõesorgulham nossa cultura,Azevedo é arte puraque brotou do Maranhão,foi o Casa de Pensãoromance de seu ensaio- É assim que eu me saiosem causar decepção.

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Se falar de folcloristavou lembrar de João Bandeira,Elói Teles, Biu Pereira,Mainá, Cascudo e Batista,Patativa está na listados primeiros do sertão,integram a mesma missãoRomão Filgueira Sampaio- É assim que eu me saiosem causar decepção.

Falando de violeirolembro Oliveira e Diniz,Ivanildo e Zé Luiz,Geraldo e Sílvio Grangeiro,e o Pinto do Monteiroque já partiu num caixãoquem entende a profissãoquando lembra dá desmaio- É assim que eu me saiosem causar decepção.

E se falar de bancáriopreciso lembrar vocês,Nivaldo, Ambrósio e Inês,Dina, Ione e Perbuário;quem mais reclamam saláriosão Marcos, Carmem e João,e aliás, todos sãofrutos do mesmo balaio- É assim que eu me saiosem causar decepção.

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Eu VEu VEu VEu VEu Voltei Hoje aqui pra Recoroltei Hoje aqui pra Recoroltei Hoje aqui pra Recoroltei Hoje aqui pra Recoroltei Hoje aqui pra Recordardardardardarmeu Passado Vmeu Passado Vmeu Passado Vmeu Passado Vmeu Passado Vivido Nesta Escolaivido Nesta Escolaivido Nesta Escolaivido Nesta Escolaivido Nesta Escola

Este mote decassílabo foi produzido por ocasião do encontrodos ex-alunos, na Escola Agrotécnica Federal do Crato,

no dia 23 de julho de 1990. Com muita intimidade com a arteda versificação, o poeta lembrou os professores do seu tempo e,

num gesto de brincadeira, abordou as tradicionaisocorrências do regime de internato.

Vim aqui hoje dia vinte e trêspra rever os colegas e os meus mestresque puderam me dar em seis semestresprofissão pra servir ao camponês;sei que hoje não é a última vezque se encontra toda essa corriola,num prazer tão vibrante e sem bitolacada um sua história quer contar- Eu voltei hoje aqui pra recordarmeu passado vivido nesta escola.

Edivan lecionava agricultura,Zé do Vale foi mestre em Português,e Química foi a matéria de Astrez,Bonato ensinava Física pura,Agamenon integrava a estrutura,Alberto orientava jogar bola,Jorge Ney dirigia a corriola,P.A.O - eram Zélia e João Elmar- Eu voltei hoje aqui pra recordarmeu passado vivido nesta escola.

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Eu recordo bastante o alvoroçopra passar no portão fora de hora,a fila da qual nunca fiquei foradisputando a bandeja do almoço,uma enxada Tupy do cabo grossoque deixou minhas mãos igual a sola,e o peso de uma antiga padiolaque às vezes fugi pra não pegar- Eu voltei hoje aqui pra recordarmeu passado vivido nesta escola.

Eu recordo o estudo obrigatórioquando ainda Gustavo era vigiaque chamar toda a turma, à noite, iapra que fosse estudar no refeitório;pelas grades do velho dormitórioparecíamos pardais numa gaiola,lembro a sopa ligado igual à colaque aos sábados servia de jantar- Eu voltei hoje aqui pra recordarmeu passado vivido nesta escola.

Quando eu ia à cidade passearesperava carona para ir,sem ter casa na rua pra dormir,sem dinheiro no bolso pra voltar,no “pé-dois” era o jeito me arriscare minha arma era um pau de castanhola,preparava a conversa na cacholapra Pereira deixar a gente entrar- Eu voltei hoje aqui pra recordarmeu passado vivido nesta escola.

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Lembro um dia quando eu me desloqueipra na fila pegar a minha sopa,um colega quebrou meu guarda-roupapra comer a merenda que guardei;outro dia, na horta, eu encontreiescondidas banana e graviola,quando eu vi, conheci pela sacolaquem andou malinando no pomar- Eu votei hoje aqui pra recordarmeu passado vivido nesta escola.

Há dez anos deixei este lugarpra na prática medir o meu estudo,com coragem, esforço e conteúdo,encontrei um lugar pra trabalhar;os valores que pude conquistarresultaram da luta que inda rola,esta escola, sem dúvida, foi a mola,a verdade ninguém pode negar- Eu voltei hoje aqui pra recordarmeu passado vivido nesta escola.

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E se Eu TE se Eu TE se Eu TE se Eu TE se Eu Tivesse Morridoivesse Morridoivesse Morridoivesse Morridoivesse MorridoNinguém ChoravNinguém ChoravNinguém ChoravNinguém ChoravNinguém Chorava por Mim!a por Mim!a por Mim!a por Mim!a por Mim!

O autor sonhou perdido nas matas, enfrentando as maisdifíceis situações, porém superando todas elas. No sonho,

percebeu que não havia preocupação por parte de ninguém epor isto, ao acordar-se, escreveu este mote em sete sílabas, oque ocorreu em setembro de 1980. Aliás, situação como esta

somente em sonho poderia acontecer.

Já me vi pelo sertãosem saber onde eu estava,comendo, quando encontravafrutas tombadas no chão;só escutava o trovãoe o assobio do soim,num campo de gergelimestive a noite perdido- E se eu tivesse morridoninguém chorava por mim.

Sofri de uma fera ingrataperseguição numa gruta,tive que enfrentar a lutacom meu punhal cor de prata;depois de uma hora exataeu consegui lhe dar fim,e cansado, fiz: Atchim!!!aí voltou meu sentido- E se eu tivesse morridoninguém chorava por mim!

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Cheguei a um riacho cheio,sem fazer das águas caso,pensando que fosse rasotentei passar pelo meio;a onda me fez de esteioa um tronco de beijamim,pelos seus galhos enfimfui bastante protegido- E se eu tivesse morridoninguém chorava por mim!

Cansado de andar a pée ao penetrar num roçado,peguei um burro peiado,fiz dele um transporte, até;era um burro canindé,velhaco, brabo e ruim,deu pulo até que no fimdeixou-me ao solo estendido- E se eu tivesse morridoninguém chorava por mim!

Senti na minha chinelaespinhos de arapiraca,uma cobra jararacapegou na minha canela;eu que sou curado delanada tive de ruim,um besouro de cupimpenetrou no meu ouvido- E se eu tivesse morridoninguém chorava por mim!

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Lá encontrei muito gadoque pastava na campina,um touro da ponta finavoltou-se para o meu lado;era um novilho malhadopintado de surubim;eu me deitei no capime ele se deu por vencido- E se eu tivesse morridoninguém chorava por mim!

Segui nova direçãoe cheguei a uma bodega,um cão quase que me pegaquando abri um cancelão;um pistoleiro e ladrãoatirou pra me dar fim,com coragem, sem motim,defendi-me do bandido- E se eu tivesse morridoninguém chorava por mim!

De tanta angústia e maltrato,às doze horas do dia,sofri tremenda agoniae dormi dentro do mato;fui visto por um beatoque voltava de um jardim,deu-me dois chás de alecrimsem doce, com comprimido- E se eu tivesse morridoninguém chorava por mim!

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Cheguei numa moradiae cumprimentei os presentes,perguntei por meus parentese assim alguém respondia:Vi alguns com alegriaontem à noite em um festim,contou tintim por tintimdo que tinha acontecido- E se eu tivesse morridoninguém chorava por mim!

Vizinho fez diversãoque até ficou na memória,meus tios contavam estóriado tempo de Lampião;até mesmo o meu irmãonão guardou seu bandolim,só mamãe dizia assim:Perdi meu filho querido- E se eu tivesse morridoninguém chorava por mim!

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É TÉ TÉ TÉ TÉ Triste Colher o Frutoriste Colher o Frutoriste Colher o Frutoriste Colher o Frutoriste Colher o Frutodo Ódio e da Vdo Ódio e da Vdo Ódio e da Vdo Ódio e da Vdo Ódio e da Violênciaiolênciaiolênciaiolênciaiolência

Versos em sete sílabas, os mais usados na literatura popularbrasileira. Aqui, eles se apresentam construindo o mote emdestaque produzido em maio de 1990, cujo teor descreve as

mais freqüentes e variadas formas de violência.

De intrigas e de questãoa história é sempre triste,no trânsito é só onde existea maior aberração;caixão atrás de caixãoé saldo da imprudência,depois vem a conseqüênciaem forma de choro e luto- É triste colher o frutodo ódio e da violência.

Quando uma nesga de terraé motivo de uma intriga,surge a semente da briganos solos férteis da guerra;às vezes, quem menos erraé vítima da inclemência,respaldo da incidênciada garrucha do matuto- É triste colher o frutodo ódio e da violência.

Diz certo dispositivoque quem pratica homicídiocumpre fora do presídio

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seu processo inquisitivo,é verdadeiro incentivoque o leva à reincidência;sem lei, sem jurisprudência,tem-se o crime por produto- É triste colher o frutodo ódio e da violência.

Das famosas capitaisem cada esquina, um assalto,pistola é quem fala alto,seqüestro ocorre demais;às vezes, policiaispraticando diligência,usando da prepotênciaagem com aspecto bruto- É triste colher o frutodo ódio e da violência.

Tantas nações guerreando,quem quiser provar escutebomba estourando em Beirute,Iraque e Irã brigando;é sangue se derramandopor disputa e concorrênciaretrato da indecênciade um povo mesquinho e bruto- É triste colher o frutodo ódio e da violência.

A violência não estásó na mira da pistola,também nos bancos da escolana hora do beabá,

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quando a criança não dáa lição, por inocência,o mestre sem paciênciabate no seu cocuruto- É triste colher o frutodo ódio e da violência.

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Estas São Muitas CoisinhasEstas São Muitas CoisinhasEstas São Muitas CoisinhasEstas São Muitas CoisinhasEstas São Muitas CoisinhasQue TQue TQue TQue TQue Todo Paulista Todo Paulista Todo Paulista Todo Paulista Todo Paulista Trazrazrazrazraz

Mote escrito em março de 1976, quando era de costume opaulista ao retornar à sua terra natal trazer objetos que

chamavam à atenção. Aqui, para o personagem destetrabalho, paulista não era somente quem voltava de São

Paulo, mas todo cidadão jovem que viesse de qualquer outralocalidade, pois, independentemente de onde viesse ele, os

costumes eram os mesmos, isto é, traziam sempre as mesmascoisas e conservavam os mesmos hábitos.

Um rádio, uma radiola,muito disco nordestino,seis calças boca de sinoe uma capanga de sola,isqueiro tipo pistola,dez camisas desiguaisdessas com desenho atráse, na frente, azul de listrinhas- Estas são muitas coisinhasque todo paulista traz.

Sapatos salto-amazona,um conjunto de xadrez,um perfume japonêse um blusão grosso de lona;um cinto da fivelonacom rebites de metais,um presente pra seus pais,para os manos e as maninhas- Estas são muitas coisinhasque todo paulista traz.

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Um chinelão transviado,pulseirinha de corrente,relógio marca Orientede mostrador numerado,um par de meias bordado,isqueiro movido a gás,óculos escuros demaise gírias abusadinhas- Estas são muitas coisinhasque todo paulista traz.

Um corta-unha, um chaveiro,uma camisa de meia,uma carteirinha feiae uma caneta-tinteiro,um restinho de dinheiroque não dá pra voltar mais,um palavreado audazpra conquistar as mocinhas- Estas são muitas coisinhasque todo paulista traz.

Fotografias que tirado local onde trabalha,um trancelim com medalhae um anel cor de safira;papo cheio de mentirada região de Goiás;com sua chegada faztertúlia e outras festinhas- Estas são muitas coisinhasque todo paulista traz.

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Gravador novo com selo,duas malas de vaqueta,uma capa quase pretatoda forrada de pêlo;para tratar do cabelodiversos materiais,shampoo tem até demais,sabonetes, três caixinhas- Estas são muitas coisinhasque todo paulista traz.

Uma gravata de trançacom um broche da cor de ouro,porta-cigarros de couroele traz como lembrança,mais um jogo de aliançacomprovado que é rapaz,cumprindo um trato que faznoiva uma das vizinhas- Estas são muitas coisinhasque todo paulista traz.

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Estou com Muita EsperançaEstou com Muita EsperançaEstou com Muita EsperançaEstou com Muita EsperançaEstou com Muita Esperançana Vna Vna Vna Vna Volta do Algodãoolta do Algodãoolta do Algodãoolta do Algodãoolta do Algodão

Este trabalho é um mote em sete sílabas, vencedor noconcurso literário promovido pela Rádio Boa Esperançada cidade do Barro, Estado do Ceará, em agosto de 2003.

O autor recebeu como prêmio o belíssimo troféu DespertaDespertaDespertaDespertaDespertaCaririCaririCaririCaririCariri, uma homenagem aos dezessete anos do programa

sertanejo de produção e apresentação do renomado radialistaVicente Alexandre. O mote foi disponibilizado pelo

apresentador do programa, que recebeu inúmeros envelopespara análise e classificação.

Em certo tempo passadono lençol eu dava nó,catava algodão mocóalmoçando no roçado,dali voltava agachadono peso da condução,jogava o lençol no chãoque estremecia a balança- Estou com muita esperançana volta do algodão.

Quando esse tempo voltaro sertão vai ter fartura,emprego na agriculturae casa para morar,o rendeiro vai pagartudo o que deve ao patrão,na mesa vai sobrar pão,no campo vai ter festança- Estou com muita esperançana volta do algodão.

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Lá no sítio onde eu moravatodo mundo tinha planos,rapaz com vinte e dois anosdecidia e se casava,no mês de julho compravacadeira, mesa e fogão,cama, coberta e colchãoe um bom jogo de aliança- Estou com muita esperançana volta do algodão.

Sei que a tecnologiavai acabar com o bicudo,a FUNCEME em seu estudovai prever com primazia,BNB financiaos custos da produção,e no final é o sertãoque vai viver na bonança- Estou com muita esperançana volta do algodão.

O médio vai enricare o pequeno também cresce,o comércio se aquecee a indústria vai voltar,o Barro vai aumentara sua arrecadação,roceiro faz transaçãosem precisar de fiança- Estou com muita esperançana volta do algodão.

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Cresce a demanda dos bensda lavra do agricultor,o pequeno produtorvai receber parabéns;quero ver os armazénscercados de caminhão,do humilde cidadãoresgatada a confiança- Estou com muita esperançana volta do algodão.

Existe terra abundantee mão-de-obra favorável,no céu, um DEUS formidávelque manda chuva bastante;só se aguarda o grande instantedos líderes da regiãocumprirem sua missãoem vez de tanta lambança- Estou com muita esperançana volta do algodão.

Algodão sempre é usadono tecido do uniforme,na rede que você dormee no arraçoar do gado,no produto refinadode sua alimentação,por isso tenho razãode dizer com segurança- Estou com muita esperançana volta do algodão.

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As cooperativas crescemcumprindo bem seus negócios,valorizando seus sóciosda forma que eles merecem,se hoje os pobres padecem,amanhã, não sofrerão;seus custeios pagarãosem ninguém fazer cobrança- Estou com muita esperançana volta do algodão.

Com algodão novamentemelhora todo setor,até mesmo o eleitorfica mais independente,o cidadão conscientepode impor sua intenção,jovem volta ao seu torrãoque deixou quando criança- Estou com muita esperançana volta do algodão.

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Eu Quase BotavEu Quase BotavEu Quase BotavEu Quase BotavEu Quase Botava o Péa o Péa o Péa o Péa o Péno Diabo de uma Aratacano Diabo de uma Aratacano Diabo de uma Aratacano Diabo de uma Aratacano Diabo de uma Arataca

O autor, antes de ser advogado, foi técnico agrícola e comotal prestou seus serviços ao Banco do Nordeste. Em umade suas missões, isto em outubro de 1985, ele fiscalizava

o imóvel rural de propriedade de um cidadão de bem, chamadoVicente, no município de Mauriti, Estado do Ceará, quando

pelas veredas que o levavam a uma área desmatada,confrontou-se com uma armadilha que, por pouco, não foi por

ela vitimado. Diante do ocorrido, ali mesmo, emocionado,ele narrou este mote, que é mais um exemplo patente

de versos em sete sílabas.

Foi na fazenda Balanço,na terra de seu Vicente,eu atrás, ele na frente,num riacho estreito e manso,eu subi por um avançoquando avistei a bruacaamarrada numa estaca,Deus me ajudou, eu dei fé- Eu quase botava o péno diabo de uma arataca.

Numa fiscalizaçãoem vinte e oito de outubro,a verdade eu não encubronão tinha almoçado, não;o sol da cor de latãobarbado igual uma jaca,esterco seco de vacacobria aquele mundé

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- Eu quase botava o péno diabo de uma arataca.

Foi um dia de canseira,na areia eu me atolei,pra chegar lá eu passeiseis cancelas de madeira;era um segunda-feirae eu estava de ressaca,do carro amassei a placanum tronco de catolé- Eu quase botava o péno diabo de uma arataca.

Passava do meio-dia,faltava nuvem no céu,eu esqueci meu chapéue o sol quente que tremia,eu procurava e não viaa sombra de uma barraca,num galho de arapiracaacertei um pontapé- Eu quase botava o péno diabo de uma arataca.

Não foi pra fazer o mal,pois seu Vicente é pacato,armou pra pegar um gatomas quase pega um fiscal,talvez saísse em jornalonde a manchete destaca,ou mesmo de forma opacanas páginas da ISTO É- Eu quase botava o péno diabo de uma arataca.

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Eu Queria Saber MaisEu Queria Saber MaisEu Queria Saber MaisEu Queria Saber MaisEu Queria Saber Maisda História de Jesusda História de Jesusda História de Jesusda História de Jesusda História de Jesus

Numa reunião natalina de colegas do Banco do Nordeste, naagência de Brejo Santo, em dezembro de 1986, onde cada um

dos participantes manifestava seu espírito religioso. Chegandoa vez do autor, à época, técnico agrícola (TA), ele assim se

manifestou desenvolvendo este mote de sete sílabas.

Maria de Nazaré,filha de Ana e Joaquim,numa jornada sem fimcom seu esposo José,em Deus consagrando féalta noite deu à luzem cama de areiúsna presença de animais-Eu queria saber maisda história de Jesus.

Numa gruta de cipósonde nasceu o menino,os Anjos cantaram hino,pastores ouviram a voz,as nuvens foram os lençóis,a lua serviu de luz,ovelha, galo e perusderam os primeiros sinais-Eu queria saber maisda história de Jesus.

Trinta e três anos viveu,andou peregrinamente,

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dando saúde a doente,causando inveja a judeu,pra salvar o povo seuao sofrimento fez jus,morreu pregado na cruzdefendendo amor e paz-Eu queria saber maisda história de Jesus.

Infelizmente o T.Anão sabe religião,só entende de algodãoe de mourão de sabiá,do borrego quando estáno bico dos urubus,do milho que dá cuscusque a mulher do campo faz-Eu queria saber maisda história de Jesus.

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Cantoria sem GilbertoCantoria sem GilbertoCantoria sem GilbertoCantoria sem GilbertoCantoria sem Gilberto

Gilberto está Certamente Aplaudindo Serrador*Gilberto está Certamente Aplaudindo Serrador*Gilberto está Certamente Aplaudindo Serrador*Gilberto está Certamente Aplaudindo Serrador*Gilberto está Certamente Aplaudindo Serrador*

Gilberto foi um apologista amigo do autor, que faleceu emacidente automobilístico perto da cidade do Barro, onde

morava. Este mote foi escrito logo após a tragédia edisponibilizado para a família do saudoso homenageado, cujo

nome completo era Gilberto Leite de Aquino.

Não vou lembrar de Gilbertocomerciante ou político,mas como um ouvinte e críticoimparcial e liberto,que sempre estava por pertodas festas de cantadorvibrando e dando valorà cultura e ao repente- Gilberto está certamenteaplaudindo Serrador.

A tragédia que se deunão vale a pena narrarpois isto não vai sanara falta de quem morreu,pois se o folclore perdeuum grande admirador,não tem sentido se oporàquilo que Deus consente- Gilberto está certamenteaplaudindo Serrador.

* Serrador foi um grande cantador do passado.

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Para Inácio e Aderaldo,Daniel e Josué,ele conta como éo programa de Geraldo;que Paulo, Horácio e Genaldoformam um trio de valorque está defendendo a cordas cantorias da gente- Gilberto está certamenteaplaudindo Serrador.

Escutando canhotinho,Xudu, Bandeira e Faustino,Odilon e Severino,Milanês, Pinto e Marinho,quando Expedito Sobrinhono papel de locutoravisa a Deus Criador:::::há um ouvinte exigente!- Gilberto está certamenteaplaudindo Serrador.

Apologista fiele registrador dos fatos,tinha respeito aos Nonatos,Ivanildo e Ismael;da Cultura de Cordelfoi grande pesquisador,profundo conhecedordos monstros de antigamente- Gilberto está certamenteaplaudindo Serrador.

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Sempre gostou de escutaras rádios da Paraíba,as façanhas de Furibagostava de comentar;dos festivais do lugarfoi um patrocinador,criticava cantadorquando embuchava o repente- Gilberto está certamenteaplaudindo Serrador

Tudo sobre violeirotêm seus arquivos de rimas,histórias de Louro e Dimas,disco de Sílvio Grangeiro;dos festivais de Monteirotem fitas de gravador,folheto de toda autor,livro de toda serpente- Gilberto está certamenteaplaudindo Serrador.

O público da poesiavive reclamando a faltade uma voz vibrante e altaque louvava e aplaudiaas festas de cantorianas Cuncas, no Batedor,Cajazeiras, Antenore Aurora freqüentemente,- Gilberto está certamenteaplaudindo Serrador.

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Como um bom apologistanão gostava de poemas,preferia escutar temasna linha socialista,via Otacílio Batistacomo um grande trovador,quando ouvia Beija-Florrecordava Zé Vicente- Gilberto está certamenteaplaudindo Serrador.

Carnaval não freqüentava,futebol não pretendia,mas a festa de poesiadificilmente faltava;mote bonito ele davasobre ciência e amor,pediu baião gemedor,trocadilho e rojão quente- Gilberto está certamenteaplaudindo Serrador.

Não trocava uma pelejapor regue, bolero ou roqueporque gostava do toqueda viola sertaneja,no momento da bandejafoi bom colaborador,organizava o setorpara se sentar na frente- Gilberto está certamenteaguardando Serrador.

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Na Calçada de Dezinhose ainda houver cantoriavai faltar a companhiade quem defendia o pinho;Zé Vital irá sozinhosob o silêncio da dor,se Antônio Machado fora mesma tristeza sente- Gilberto está certamenteaplaudindo Serrador.

Como serão doravanteas cantorias seguintes!o que dirão aos ouvintesMarcelo e seu João Vilante,Juveniano perantedividirá o clamor,as marcas do dissaboro povo guarda na mente- Gilberto está certamenteaplaudindo Serrador.

Jesus, lá no céu, por certo,num festival que faziacom certeza pretendiamostrar valor encoberto,mandou convidar Gilbertopara ser coordenador,como é lei do Redentor:Dona Helânia, se contente!!!- Gilberto está certamenteaplaudindo Serrador.

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Isto é Sertão ou Não É?Isto é Sertão ou Não É?Isto é Sertão ou Não É?Isto é Sertão ou Não É?Isto é Sertão ou Não É?

Com estes versos, o autor mais uma vez lembra o sertão.Com rimas ora cruzadas, ora emparelhadas, numa só

terminação como se fosse um mote. É uma interrogação,respondendo as afirmativas ditas nos versos anteriores.

Meu verso é bom e se ligano voar do passarinho,na passada da formigaque segue devagarinho,na brisa tranqüila e mansa,no vento que sopra e dançaigualmente um vulto em pé,na chuva que molha a terra,na neve que cobre a serra- Isto é sertão ou não é?

Uma casinha malfeitade palha, barro e madeiraque o dono pra ver se ajeitafaz um quintal na traseira;na frente falta uma porta,uma janelinha tortada qual só quem fez dá fé;no terreiro, um porco fuçae um cabrito escaramuça- Isto é sertão ou não é?

Um galo velho a cantarcomo quem conhece a hora,um cachorro procuraronde uma raposa mora,pássaro que faz seu rancho

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de folha seca e garranchoentre os galhos de inharé,o pulo falso do gatotentando pegar um rato- Isto é sertão ou não é?

Uma cabra no chiqueiroseparada do cabrito,uma roupa de vaqueiropendurada no cambito,uma velhinha caducaque guarda numa cumbucarapadura do café,uma briga de vizinhonuma beira de caminho- Isto é sertão ou não é?

Milho entocado em paiol,feijão guardado em garrafa,peixe pescado de anzol,de landuá ou tarrafa,um velhinho aposentadoque para comprar fiadochama carnê de carnée diz para o bodegueiroquando recebe dinheiro- Isto é sertão ou não é?

Folha que cai por completoe o vento soprando, junta;um caboclo analfabetoque tudo o que vê pergunta,o sertanejo inda moçoque faz um cigarro grosso

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chamando papel - papé,um carro puxado a boique só vem por onde foi- Isto é sertão ou não é?

Água que desce no riobrilhosa igualmente a prata,vento que sopra macioacariciando a mata;a lua, no céu, bem alta;a chuva que nunca faltano dia de São José;certos vestígios da onçaque pisa calada e sonsa- Isto é sertão ou não é?

Um pássaro que está presonuma gaiola pequena,o clarão de um fogo acesonuma noite de novena,um homem soltando fogopara vê-lo subir logoquebra a flecha bem no pé;toca fogo, o mesmo saisem saber aonde cai- Isto é sertão ou não é?

A vizinha que descobreque as outras têm um xodó,certo sanfoneiro pobreressacado de um forró,o clarão da lua cheia,o velho que se aperreiaquando lhe falta o rapé,

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o rangido da cancelaquando alguém passa por ela- Isto é sertão ou não é?

Um bangalô todo prontocom portas pra todo lado,às cinco horas em pontoum rádio fica ligado,através do qual se escutaa rima bela e matutado poeta de Assaré.Quem do sertão for amigodiga do jeito que eu digo:- ISTO É SERTÃO OU NÃO É?

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Minha Casinha é AMinha Casinha é AMinha Casinha é AMinha Casinha é AMinha Casinha é Aquelaquelaquelaquelaquelano Pé de Serra Esquisitono Pé de Serra Esquisitono Pé de Serra Esquisitono Pé de Serra Esquisitono Pé de Serra Esquisito

Este mote, escrito em 1993, é exemplo forte de metrificação napoesia popular. No decorrer dos versos, o autor descreve a

vida simples do roceiro, demonstrando seus costumes e oespírito de solidariedade que povoa a família sertaneja.

Você que passa na estradadoente, com fome e sede,não tem lençol nem tem rede,procure minha morada;lá ninguém ouve zoadanem discussão nem atrito,perseguição e conflitopassam bem distante dela- Minha casinha é aquelano pé de serra esquisito.

Lá não tem televisão,a luz elétrica é a lua,só anda gente da ruano tempo de eleição,lá se faz renovaçãocom reza, graça e bendito,homem não pensa em delito,mulher não fala em novela- Minha casinha é aquelano pé de serra esquisito.

O teto é feito de palha,só tem telha no capote,a geladeira é um pote,o gás butano, a fornalha;

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uma cerca é a muralha,o cadeado, um cambito;a campainha é um grito;o portão, uma cancela,- Minha casinha é aquelano pé de serra esquisito.

Quando quiser um “socorro”vá por um caminho estreitoe siga o lado direitologo que passar o morro;se encontrar um cachorronão tem que ficar aflito,só basta dar um apitoque vou tirando a tramela- Minha casinha é aquelano pé de serra esquisito.

Que seja fora de horaou sol quente como brasa,você dizendo ô de casa,eu lhe respondo ô de fora,querendo você demorano lugar onde eu habito,não tem piso de granito,mas tem feijão na panela- Minha casinha é aquelano pé de serra esquisito.

A água se traz do rioem ancoreta e cabaças,são mais de trezentas braçasentre a casa e o baixio;no mês de junho faz frio

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que a neve cobre o infinito,parecendo um manuscritoque Deus escreveu na tela- Minha casinha é aquelano pé de serra esquisito.

Lá a gente pode tero azul do horizonte,devido o topo do monteo sol demora a nascer,da calçada dá pra versapo engolindo mosquito,cabra chamando o cabritopara estar na sombra dela- Minha casinha é aquelano pé de serra esquisito

No oitão tem um quintalque até protege a cozinha,dois chiqueiros de galinhabem pertinho do curral;para amarrar animal,um pé de árvore bonito;no frechal tem um cambitopara enganchar sua sela- Minha casinha é aquelano pé de serra esquisito.

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AAAAAqui Está um Pouquinhoqui Está um Pouquinhoqui Está um Pouquinhoqui Está um Pouquinhoqui Está um Pouquinhodo Poeta de Vdo Poeta de Vdo Poeta de Vdo Poeta de Vdo Poeta de Vocêsocêsocêsocêsocês

Com este trabalho, o autor busca mostrar como acontece umacantoria no sertão. Começa em sextilhas, demonstrando as

expectativas de festas da espécie, e termina por pedir aoscontadores um mote em sete sílabas, fazendo uma referência

ao comportamento da platéia. O conteúdo do mote é umretrato fiel da estrutura psicológica de um poeta popular.

Eu sempre gostei das farraslá da minha freguesia,em torno de cinco léguasa toda festança eu ia,porém dava mais valoràs festas de cantoria.

Sabendo que um certo diana casa de Damiãouma dupla de poetasde renome no sertãocomplementava a festinhade sua Renovação.

Pus a sela no alazão,vesti meu terno de linho,lá da ponta da calçadagritei chamando o vizinho,pois era noite de escuro,não quis viajar sozinho.

Foi depressa que o vizinhoriscou sua montaria,

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saímos quase às seis horasquando já morria o dia,ansiosos pra chegarmosna casa da cantoria.

Apesar da hora friaeu já estava cansado,chegamos às nove e meia,o povo tinha rezadoe a festa de cantoriajá havia começado.

Damião muito apressadonos recebeu no terreiro,amarrou nossos cavalosnuma estaca de pereiroe nos chamou para ouvirtoadas de violeiro.

A bandeja com dinheiro,muito aplauso no salão,uns pediam gemedeira,outros, poema e canção,não faltava quem pedisseagalopado e mourão.

Depois cantaram quadrãoe um martelo malcriado;um dos poetas paroue com o seu pinho emborcadopediu que a platéia desseum mote metrificado.

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Eu fiquei emocionadocom o gesto que ele fez,depressa arranjei palavrassem pensar mais de uma vez,ajeitei meu colarinho:AQUI ESTÁ UM POUQUINHODO POETA DE VOCÊS.

Percebi que o povo fezum gesto bom para mim,dizendo o mote tem métricae a rima não é ruim,e a dupla de cantadorcomeçou fazendo assim:

Simples como o sertanejoque mora em cima da serrae vive explorando a terrasem façanha e sem gracejo,e que admira o manejode uma estrofe feita em seisque faz lembrar Milanês,Daniel e Canhotinho- Aqui está um pouquinhodo poeta de vocês.

Que marca sua presençaem festa de cantoria,que conhece e prestigiatradição, costume e crença,que faz verso, escreve e pensa,em tudo que Jesus fez,que visita todo mêsa cova do “Meu Padrinho”

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- Aqui está um pouquinhodo poeta de vocês.

Que se senta a uma mesae em estilo nobre e brevesem pensar, ligeiro escreveseus poemas de tristeza,agradece à naturezao presente que lhe fez,dela se tornou freguêse dono do seu carinho- Aqui está um pouquinhodo poeta de vocês.

Que aos domingos se aprontacom terno de linho grosso,põe um terço no pescoçopra rezar de ponta a ponta,em noite de lua contaestória de camponês,depois bota o piscinêspara enxergar de pertinho- Aqui está um pouquinhodo poeta de vocês.

Vive da luta roceirae acredita na fartura,nunca tirou da cinturasua faca jardineira;e quando é dia de feiragasta o que ganhou no mês,e das compras que ele fezficou devendo um restinho- Aqui está um pouquinhodo poeta de vocês.

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Conhece toda madeira:cedro, angico e mororó,umburana e pau-mocó,carnaúba e aroeira;para encabar roçadeirafrei-jorge vale por três,maniçoba mata rês,bom para batente é pinho- Aqui está um pouquinhodo poeta de vocês.

Aprecia a passarada:campina, sofreu e gola,o canário na gaiolaé preso sem fazer nada;numa solidão danadavivem os urubus-reis,a codorniz é pedrêse se faz morta no ninho- Aqui está um pouquinhodo poeta de vocês.

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Não Canto, mas PrNão Canto, mas PrNão Canto, mas PrNão Canto, mas PrNão Canto, mas PrestigioestigioestigioestigioestigioQuem VQuem VQuem VQuem VQuem Vive da Prive da Prive da Prive da Prive da Profissãoofissãoofissãoofissãoofissão

Nos versos a seguir o autor demonstra a admiraçãoque tem pela arte de improvisar, escolhendo para tanto

um mote em sete sílabas, no qual ilustra a vontadeque tinha de se decidir pela cantoria.

Acho que a sorte não quisque eu cumprisse o meu destinode duplar com Severino,Louro Branco e Zé Luís,Sílvio, Oliveira e Dinize Lourinaldo, seu irmão,com Moacir e Sebastião,poetas de fama e brio- Não canto, mas prestigioquem vive da profissão.

No tempo da infância minhaque tanto prazer me trouxe,de uma lata de doceeu fiz uma violinha,e nos bancos da escolinhafiz a primeira canção,e ao lado do meu irmãojá brincava desafio- Não canto, mas prestigioquem vive da profissão.

Ninguém de casa queria,por isso eu nunca canteimas mesmo assim eu marquei

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a primeira cantoria,o papai quis nesse diadestruir meu violão,para evitar confusãopedi apoio a meu tio- Não canto, mas prestigioquem vive da profissão.

Se na vida eu sou bancáriobacharelado em Direito,não me sinto satisfeitopor não me faltar salário,talvez, fosse necessárioeu mudar de profissãoe usasse essa vocaçãopra cantar tudo o que crio- Não canto, mas prestigioquem vive da profissão.

Quando eu estou dirigindosó escuto cantoria,e o fantasma da poesiameu pensamento invadindo;faço cada verso lindode tamanha dimensão,o vento faz o refrãodas canções que eu assobio- Não canto, mas prestigioquem vive da profissão.

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Um Dia de FeiraUm Dia de FeiraUm Dia de FeiraUm Dia de FeiraUm Dia de Feira

A feira popular é um evento comum nas cidades do interior.Assim sendo, não poderia ficar de fora da visão do poeta. Poristo é que aqui se apresenta em sextilhas, com versos de sete

sílabas, presos aos rigores da deixa.

Se você nunca assistiua feira em nosso sertão,vista a roupa, apanhe um ônibus,pegue a mochila na mão,bote uns trocados no bolsoe desfrute dessa opção.

Venha ver banca de pão,queijo branco como seixo,animais soltos na rua,carroça rangendo o eixo,matuto dando mordidana testa do quebra-queixo.

Rural dá defeito em eixoe o povo termina a pé,um rapaz guarda a peixeiranuma banca de café,um eleitor perguntando:a Prefeitura aonde é!?

Esmola pra São Josépede um velho aposentado,uma morena caminhareclamando do calçado,convida a colega e saiprocurando o namorado.

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Num tamborete sentadohá um falso professora quem as moças perguntamsobre viagem e amor,e uma vitrola tocandoum disco de cantador.

Diz um certo vendedor:não posso vender fiado,o freguês baixa a cabeçasai triste e desconfiado,procurando quem lhe pagueum serviço adiantado.

Um morador revoltadopergunta pelo patrão,a mulher diz ao marido:compre café e sabão,e um cabra aposta um realno jogo do cinturão.

Numa casca de mamãouma mulher se escorrega,um bêbado convida outropara beber na bodega,dá topada no batenteque seu sapato desprega.

Um homem sai da bodegavendendo um couro de bode,um chapeado se abaixapega um saco e diz que pode,um velho prova a farinhaque chega mela o bigode.

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Bola de chiclete explodena boca de uma criança,um meninote do sítiocome pão que cresce a pança,e um rapaz troca o relógioem um jogo de aliança.

Um velho conta lambançado tempo em que foi vaqueiro,um cabra desconhecidoencomprida o converseirocom três redes no pescoçomandando botar dinheiro.

Despede-se um cachaceirono momento de ir embora,chega na calçada e volta,bota um pé dentro, outro fora,dizendo que se esqueceudos alforjes e da espora.

Uma velha se acocorapra comprar uma panela,emborca e bate de bandae escuta o tinido dela,paga tirando um dinheiroenrolado na flanela.

Numa burrinha amarelavai mais um feirante embora,pára ao chegar no correioe pergunta a uma senhorase tem carta para alguémlá do sítio onde ele mora.

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Um bêbado que vai emboraperde a feira no caminho,fica caído na estradae o burro chega sozinho,e a mulher manda encontrá-lono outro dia bem cedinho.

Venha sentir o carinhode uma feira popular,onde tudo o que acontecenão é possível narrar,somente presenciandovocê pode acreditar.

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Não PrNão PrNão PrNão PrNão Precisa Explicar os seus Fracassos,ecisa Explicar os seus Fracassos,ecisa Explicar os seus Fracassos,ecisa Explicar os seus Fracassos,ecisa Explicar os seus Fracassos,Mande, Agora, a Aliança que Lhe DeiMande, Agora, a Aliança que Lhe DeiMande, Agora, a Aliança que Lhe DeiMande, Agora, a Aliança que Lhe DeiMande, Agora, a Aliança que Lhe Dei

Novamente o autor se manifesta a pedido de alguéme verseja este mote. Desta vez em decassílabo, um dos mais

sofisticados que compõem esta obra literária. O tema centralé o sentimento inflamado respondendo às ações conflituosas,

trazendo para a arte o tom do desabafo, o queé comum no verso popular.

Fui buscá-la na classe da pobreza,dei-lhe grande destaque socialpra depois padecer um grande maloriundo de um gesto de fraqueza,pois não são seus recursos de belezaque me fazem burlar a minha lei,outro amor de valor já encontreique merece o calor de meus abraços- Não precisa explicar os seus fracassosmande, agora, a aliança que lhe dei.

Não precisa negar que me traiunem dizer que foi péssima a excursão,que durante a viagem de aviãonão flertou pra ninguém e nem sorriu,nem contar com quem foi que assistiuao Programa de Sílvio e Show do Rei,o retrato que um dia lhe entregueise rasgou, por favor, queime os pedaços- Não precisa explicar os seus fracassosmande, agora, a aliança que lhe dei.

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E não precisa dizer que foi à praiapra somente rever a velha Olinda,e que no ônibus durante a sua vindaevitou um boêmio em sua laia,que vestiu seu biquíni e minissaianão me venha negar, porque já sei,a promessa de amor que lhe faleicom seu jeito infiel virou bagaços- Não precisa explicar seus fracassosmande, agora, a aliança que lhe dei.

Não precisa dizer que é só amigoesse jovem com quem você passeia,alegando que após às dez e meiana cidade em que mora tem perigo;a blusinha que mostra o seu umbigonão precisa dizer: Eu já rasguei,uma jovem leal já arranjeique completa o vigor dos meus espaços- Não precisa explicar os seus fracassosmande, agora, a aliança que lhe dei.

Não pretenda fazer de mim otárioem dizer que na festa não dançou,não bebeu, não brincou, não namoroue o que fez não merece comentário;no retrato que pôs em meu armáriominhas armas de fogo eu detonei,seus presentes que eu tinha arrebenteipor vinganças a seus atos tão escassos- Não precisa explicar os seus fracassosmande, agora, a aliança que lhe dei.

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Oh! Mamãe, seu Carinho é Tão SublimeOh! Mamãe, seu Carinho é Tão SublimeOh! Mamãe, seu Carinho é Tão SublimeOh! Mamãe, seu Carinho é Tão SublimeOh! Mamãe, seu Carinho é Tão Sublimeque o Poeta Escrque o Poeta Escrque o Poeta Escrque o Poeta Escrque o Poeta Escreeeeever Nunca Conseguever Nunca Conseguever Nunca Conseguever Nunca Conseguever Nunca Consegue

Uma homenagem às mães, prestada em forma de versos. Éum decassílabo sofisticado, com rimas raras e termos

harmoniosos, sem repetição de palavras. Sua beleza estáexatamente em fazer, achando que não está fazendo, com

arremate na chave do mote, que é a expressão poéticaestreitada nas linhas sétima e oitava. A iniciativa de escrever

este trabalho se deu a pedido de uma escola do Cariri porocasião das comemorações alusivas ao dia das mães.

Considero o poeta um ser diletoque transformo o que pensa nos poemas,mas carinho materno é um dos temasque o autor ao narrar deixa incompleto,a poesia não mede aquele afetonem que ao mar da cultura ele se apegue,dá início, desiste e não prossegueque este amor com palavras não se exprime- Oh! mamãe, seu carinho é tão sublimeque o poeta escrever nunca consegue!

Sendo a mãe bem velhinha age tão fortecomo as forças que tem a juventude;sendo jovem, também, tem a virtudede pensar para o filho a melhor sorte,rica ou pobre qualquer que seja o porteé constante ao dever que lhe é entregue,a doutrina de vida que ela seguetem um pouco de DEUS no seu regime- Oh! mamãe, seu carinho é tão sublimeque o poeta escrever nunca consegue!

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Quando rude, melhor que quaisquer sábios,interpreta os mistérios da bonança;quando sábia, tem jeito de criançacom sorriso emergindo nos seus lábios,são seus gestos isentos de ressábios,nada contra eu conheço quem lhe alegue;quando brava, intimida quem persegue;quando fraca, com choro, evita o crime- Oh! mamãe, seu carinho é tão sublimeque o poeta escrever nunca consegue.

Mãe é símbolo de amor e de coragem,de bravura, de força e de vitória,não se esgota o dizer de sua história,por ser fonte maior de aprendizagem;quem quiser lhe render uma homenagemque de logo se inspire e se encarregue,e que a musa divina não se neguee do pequeno poeta se aproxime- Oh! mamãe, seu carinho é tão sublimeque o poeta escrever nunca consegue.

A poesia é um dom inesgotável,quanto mais se explora, é que ela vem,mas falar sobre mãe nunca se tema mensagem perfeita e formidável,muitas vezes se torna inexplicávele é preciso que o amor à arte agregue,ou à índole do verso se deleguecomo forma de agir no mesmo time- Oh! mamãe, seu carinho é tão sublimeque o poeta escrever nunca consegue.

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Quem não lembra a história de Maria,que é mãe de Jesus, filho de Deus,pra livrá-lo das garras dos judeus,enfrentou aventura e travessia,intempérie, sol quente, noite fria,foi seu único transporte um lerdo jegue,este exemplo é justo que se preguepara que o seu dom se legitime- Oh! mamãe, seu carinho é tão sublimeque o poeta escrever nunca consegue.

Sejam elas mães pobres do roçado,ou mães ricas que moram em capitais,no amor todas elas são iguaisporque têm coração iluminado,sempre encontram conselho abençoadopara que o seu filho se sossegue,caso ele se forme e não se empregueela diz: pense em Deus, não desanime- Oh! mamãe, seu carinho é tão sublimeque o poeta escrever nunca consegue.

Uma mãe não quer ver filho sofrertudo faz para vê-lo em harmonia,ofertar-lhe grandeza e alegriapara ela é a forma do prazer,se seu filho um delito cometerou então em mau vício se escorreguenão pretende que o filho se entreguenem tampouco que a justiça o intime- Oh! mamãe, seu carinho é tão sublimeque o poeta escrever nunca consegue.

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Respeite Minha HumildadeRespeite Minha HumildadeRespeite Minha HumildadeRespeite Minha HumildadeRespeite Minha Humildadeque eu Zelo sua Arrque eu Zelo sua Arrque eu Zelo sua Arrque eu Zelo sua Arrque eu Zelo sua Arrogânciaogânciaogânciaogânciaogância

Mote produzido pelo autor deste livro após ligeira discussãoprofissional com um colega advogado. Naquele momento, foi

preciso alterar a voz para mostrar que a humildade é a maissublime qualidade do ser humano e por isto precisa ser

preservada. A partir da segunda estrofe, observa-se que emcada parelha de verso está uma resposta fortalecida e com

requinte de adversidade, como se pretendesse demonstrar quetolerância tem limite. Apesar disto, a beleza da arte encobre a

discórdia e faz surgir o bem-estar para o leitor. É mais umtrabalho em sete sílabas com a égide da técnica recomendável.

Não me podendo atendernão vá ficar irritado,diga-me um nãonãonãonãonão educadoque eu sei bem compreender,não pense em se abastecerde ódio e ignorância,que sua preponderânciavai cair pela metade- Respeite minha humildadeque eu zelo sua arrogância.

Se arrebentar o meu pinhodilapido o seu piano,se desbotar o meu panoateio fogo em seu linho,se estreitar meu caminhoencurto sua distância,se criticar minha infânciatombo sua mocidade

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- Respeite minha humildadeque eu zelo sua arrogância.

Se destruir meu legumequeimo a sua produção,se atacar-me a tradiçãominimizo o seu costume,se derramar meu perfumeacabo sua fragrância,se roubar minha importânciafurto sua quantidade- Respeite minha humildadeque eu zelo sua arrogância.

Se criticar meu gracejoeu enfeio a sua história,se negar a minha glóriaatropelo o seu ensejo,se inibir meu desejoeu impeço a sua ânsia,se me fizer sindicânciade você conto a verdade- Respeite minha humildadeque eu zelo sua arrogância,

Se soltar o meu graúnaeu liberto o seu canário,se destruir meu armárioempeno sua coluna,se tolher minha fortunareduzo sua abundância,se tirar-me a vigilânciaprivo sua liberdade- Respeite minha humildadeque eu zelo sua arrogância.

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Se secar o meu açudedesmancho sua barragem,se impedir-me a coragemperturbo sua saúde,se minguar minha virtudepersigo sua ganância,se manchar minha elegânciaeu lhe estrago a vaidade- Respeite minha vaidadeque eu zelo sua arrogância.

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Duvido é VDuvido é VDuvido é VDuvido é VDuvido é Você Aocê Aocê Aocê Aocê Acharcharcharcharcharuma Nota de Cinqüentauma Nota de Cinqüentauma Nota de Cinqüentauma Nota de Cinqüentauma Nota de Cinqüenta

Mote escrito quando o autor presenciava um final de feirana cidade do Barro, sua terra natal. Um gari dizia baixinho

para o outro: tanto papel e não se acha uma notinhade dinheiro. Foi o bastante para inspirar o mote, que se

estendeu pela imaginação dos mais diferentes meiose possíveis acontecimentos.

Quando é no final da feirao varredor junta o lixo:alpargata sem rabicho,borracha de baladeira,pedaço de pão-carteira,grade velha lamacenta,tampa de caixa cinzentatudo se pode encontrar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

Papel de embrulho amassadocaixa de botão vazia,semente de melancia,cordão velho esfarrapado,taco de arame envergado,embalagem gordurenta,vaso de guardar pimentaque ninguém pode tocar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

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Embalagem de palito,um solado de sapato,restolho de carbonato,um papel de pirulito,um pescoço de apito,uma sardinha rancenta,uma meia fedorentaque até faz nojo pegar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

Uma ponta de cigarro,um pedaço de sabão,um elástico de calção,tampa amassada de jarro,um balde sujo de barro,uma lata barulhenta,e um bêbado onde se sentasó deixa raiva e azar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

Cabresto de japonesa,dobradiça enferrujada,panela suja quebrada,um pano velho de mesa;e para causar surpresaum cabo de ferramenta,um menino ainda inventade soltar nota e puxar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

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Ainda durante a feira,acha-se um chapéu de palha,uma fita, uma medalha,um pedaço de ponteira,um bocal de lapiseirana lixeira se apresenta,uma lona poeirentaprecisa a gente evitar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

Se for depois de um forró:não falta copo quebrado,caco de vidro amolado,resto de fumo boró,na calçada é cuspe só,que quase ninguém agüenta,uma velha ciumentacaçando com quem brigar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

No recreio de uma escola:uma caneta se acha,pode-se encontrar borrachae uma banda de sacola,um tubo seco de cola,uma farda fubazenta,uma prova fraudulentaque alguém levou pra pescar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

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Se for durante uma missa:pode achar terço ou rosário,uma foto do vigárioe um jornal sobre injustiça,taco de vela roliça,um copo de água benta,ou mesmo uma vestimentaque o padre deixou no altar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

No dia de uma eleição:no chão não falta retrato,bilhete de candidatorolando de mão em mão,de quando em quando, prisão,não falta gente detenta,uma réplica violentanão falta quem queira dar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

E quando um bingo termina:no chão, sobrando cautelas,o povo tropeça nelas,que chega arranha a botina,só se vê em cada esquinaum transporte em marcha lenta,um caminha, outro se senta,não falta grito no ar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

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Quando termina um leilão:nas bancas ficam fiapos,retalhos de guardanapos,ossos perdidos no chão,pedaços de papelão,um litro seco de menta,a mesa grande e nojentamelando quem se encostar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

Descendo numa avenida:pode até achar um pente,um pedaço de corrente,uma passagem vencida,um tubo de inseticida,uma tampa rabugentaou algo que ornamentamas não compensa apanhar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

Numa noite de São João:no reflexo da fogueira,você pode achar roqueirae tabocas de foguetão,esqueleto de balãoque em pé não se sustenta,chuvinha velha areentaque não presta pra soltar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

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Se for na pista também:quando chofer se agacha,se de cinqüenta não achaimagine uma de cem;se for na estação de tremonde o povão mais freqüenta,pode ter cartaz do pentapara a vidraça enfeitar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

Se for no aeroporto:na subida da escada,não falta gente educada,luxo, higiene e conforto;talvez um besouro mortoque cai quando a luz esquenta,enquanto morre atormentaquem chega ali pra voar,- Duvido é você acharUma noite de cinqüenta.

E durante um carnaval:no chão não faltam latinhas,bandeirolas, figurinhas,litro de colonial,briga com policialalgum folião enfrenta,quando a confusão aumentavai preso pra se acalmar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

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Se for numa reuniãoem prol da comunidade,vem um líder da cidade,vão roceiros do sertão,falando mal do patrãoum morador se lamentae diz que não se aposentaporque não pode gastar- Duvido é você acharuma nota de cinqüenta.

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Ser Fraterno é TSer Fraterno é TSer Fraterno é TSer Fraterno é TSer Fraterno é Trazer no Coraçãorazer no Coraçãorazer no Coraçãorazer no Coraçãorazer no Coraçãoa Bondade por Deus Recomendadaa Bondade por Deus Recomendadaa Bondade por Deus Recomendadaa Bondade por Deus Recomendadaa Bondade por Deus Recomendada

Mote decassílabo inspirado na campanha da fraternidadedesenvolvida pela igreja no ano de 2006, cujo tema

foi o deficiente físico. É mais um martelo preso às normasda rima e da metrificação.

Meditar e viver em harmonia,estar sempre em defesa do irmão,emprestar seu apoio em oraçãoaos que penam sem ver a luz do dia,amoldar-se aos conselhos de Maria,ler na Bíblia a palavra abençoada,ao sentir uma mão pobre estiradaofertar-lhe remédio, roupa e pão- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada.

Dar apoio às idéias da igrejae bom exemplo às pessoas da comuna,transformar sua fé numa colunaem que o mísero se arrime e se proteja,onde quer que um deficiente estejadê a ele atenção regozijada,ao enfermo que dorme na calçadase puder dê lençol, cama e colchão- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada.

Superar tentações materiais,respeitar o que diz seu semelhante,evitar, da pobreza, estar distante,enxergar que as pessoas são iguais,

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ofertar para quem precisar mais,decidir sem paixão inominada;de uma pobre criança abandonada,se a lei permitir, faça adoção- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada.

Se for um governante reconheçao que deve fazer pelos doentes,por aqueles que são deficientescom o fim de que a vida prevaleça;que o Poder de Chefia amadureçaa missão que lhe foi determinada,aplicar uma verba destinadanão é dom, nem favor, nem compaixão- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada.

A igreja num gesto cristalinofaz o povo pensar mais conscientee se envolver na história de quem senteum martírio oriundo do destino,sob à luz da palavra do Divinovamos dar nossa ajuda acaloradapara aquele que vive a escaladade uma sina maldita sem razão- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada.

As pessoas que têm deficiêncianão alcançam os direitos sociais,promover seus talentos pessoaisé dever do Estado e da Ciência,talvez falte o rigor da consciência

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de quem deve enfrentar essa jornada,se o governo fez pouco ou quase nadadeve agora rever essa questão- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada.

Esgotar os extremos das açõesque a Igreja católica recomenda,evitar preconceito e reprimendadando asa aos motivos de inclusões,estreitar as possíveis relaçõesentre a própria família vitimada,porque esta atitude idolatradapõe um fim no que gera a exclusão- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada.

Qualquer uma pessoa que é felizpoderá vir a ser deficiente,precisar de muleta, chapa e lente,de cadeira, bengala e raio-X,sabiamente a Igreja agora quisem campanha oportuna e planejada,deflagrando de forma organizadagrande apoio a quem sofre esta opressão- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada.

Que os Direitos Humanos façam maispor quem é dependente da cadeira,que é vítima dos males da cegueiramas enxerga o lençol branco da paz,reconhece o favor que alguém lhe faze retribui em palavra adocicada,

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contra certa visão desembaçadaque não vê as virtudes do perdão- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada

O que falta é justiça socialpara aqueles que são deficientes,já passaram diversos presidentese o problema perdura crucial,sem apoio no campo cultural,no trabalho e na escola organizada;inexiste igualdade aveludadano turismo, saúde e diversão- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada

Devem todos cumprir o bom papelencarando de frente o seu dever,perguntar para alguém lhe respondersem ficar na patente de revel,demonstrar na campanha ser fielreservando a Jesus a fé sagrada;ao mais simples, noção civilizada,e ao mais fraco prestar-lhe proteção- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada

Hoje existem no rol dos imperfeitosvinte e sete milhões de brasileiros,que apesar de não terem companheirospelo dom da Igreja são aceitos,seus caminhos de pedras tão estreitospodem ser convertidos numa estradase for esta campanha cultuada

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com amor, compromisso e devoção- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada

A campanha que ora se introduzvem do lema que envolve moço e velho,que São Marcos versou no Evangelhode um milagre da lavra de Jesus,vendo um homem portando lepra e pusnuma sala pequena abandonada,fez curar sua mão atrofiadaenvolvendo-o no rol da multidão- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada

Pela arte de ver-julgar-agira campanha baseia a problemática,dissecando a história e a temáticados que ainda procuram resistir,certamente denúncia vai surgirna palavra de Deus alicerçada,vai-se ver atitude criticadatransmitindo do Mestre uma lição- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada.

Essa gente de um mundo sem clareiraque não teve a beleza a seu alcancepede ao povo que hoje lhe dê chancede provar da dinâmica brasileira,ver a terra, enfronhar-se na bandeirae escutar a cantiga patriada,cuja letra é de Duque de Estrada,e Manuel deu-lhe o ritmo de canção

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- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada.

Nos diversos locais do continenteé preciso mudar de consciência,pois a guerra somada à violênciatodo dia produz deficiente,porém mais da metade dessa gentevive em área sofrida e desgarradaque por ter estrutura inadequadadas pessoas não muda a condição.- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada.

Para que investir na vaidadecom o fim de buscar boa aparência,afastando de alguém a convivênciapor motivo de cor, raça ou idade,procurando botar por trás da gradequem não tem uma vida afortunada,se a terra sisuda e escaldadanos espera na mesma posição- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada.

Para que tanto grito e tanta vozcom aqueles que são subordinados,do sistema traídos, maltratados,porém seres humanos como nós,a história de bravos e de heróis,não será por Jesus apreciadacom certeza será consideradaa bondade que fez como cristão- Ser fraterno é trazer no coraçãoa bondade por DEUS recomendada.

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O Milho é a SalvO Milho é a SalvO Milho é a SalvO Milho é a SalvO Milho é a Salvaçãoaçãoaçãoaçãoaçãoda Família Brasileirada Família Brasileirada Família Brasileirada Família Brasileirada Família Brasileira

Matéria impressa em folheto de cordel que foi lançadono município de Nova Olinda - Estado do Ceará, em maio

de 2003, por ocasião da Festa do Milho, na presençade autoridades e com apoio da Academia dos Cordelistasdo Crato. É, portanto, uma matéria educativa, recheada

de gracejo e riquíssima de rima e métrica. O mote foiescolhido pela comissão organizadora do evento.

Do cultivoDo cultivoDo cultivoDo cultivoDo cultivoDo MILHO eu quero exaltara lavoura em abundânciae a sua grande importânciano processo alimentar,é fácil de cultivar:seu plantio é em fileira,se lavrado em capoeiraa limpa se faz de mão- O milho é a salvaçãoda família brasileira.

Porém é muito exigente:prefere terreno humosoem solo argilo-arenosotambém produz fartamente,e na escolha da sementenão é bom fazer asneira,uma espécie verdadeiraresiste mais ao verão- O milho é a salvaçãoda família brasileira.

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Em semelhança ao arroz,é da família Gramíneae plantado em curvilíneaum pé só produz por dois,noventa dias depoisjá pode vender na feiraem espiga assada inteiraou cozida em caldeirão- O milho é a salvaçãoda família brasileira.

É necessário que eu digasem façanha e sem excessocomo acontece o processoque forma os grãos de uma espiga,tem a boneca uma ligano topo da cabeleirapara atrair a poeiradecorrente do pendão- O milho é a salvaçãoda família brasileira.

Um pé de milho envergadopela rama do feijãoaté parece um cristãonuma igreja ajoelhado;plantio consorciadopreenche toda clareira,alternância de carreirajá se tornou tradição- O milho é a salvaçãoda família brasileira.

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Feijão só não tem valor,mas misturado com pãotorna-se alimentaçãonutritiva e de sabor,o feijão velho se forcozinhado a tarde inteiramexido na cuscuzeiradá pra fazer capitão- O milho é a salvaçãoda família brasileira.

Se a palha tem nutriçãopara o rebanho bovino,o sabugo grosso ou finotambém tem sua função;o colmo gera invençãoque serve de brincadeira,com isso a prole campeiradesenvolve o artesão- O milho é a salvaçãoda família brasileira.

O milho deixa restolhopara nutrir animalque ministrado com salafasta mosca e piolho,se for botado de molhoé bom pra vaca leiteira,passado na forrageirasupera qualquer ração- O milho é a salvaçãoda família brasileira.

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SubprSubprSubprSubprSubprodutosodutosodutosodutosodutosO milho dá mucunzá,que seja doce ou salgado,óleo e bolo temperado,xerém, pipoca, aluá,sorvete, mingau, fubá,pamonha que chega cheira!dá canjica de primeiraque é rica alimentação- O milho é a salvaçãoda família brasileira.

Pão se come com buchada,com rapadura, com leite,com garapa, com azeite,com queijo, com carne assada,com café, com panelada,com galinha capoeira,com mel, com chá de cidreira,com coalhada e requeijão- O milho é a salvaçãoda família brasileira.

Parecido com beijus,é produto farto e nobre,na mesa de rico ou pobreganha o nome de cuscuz;podem-se fazer angusde diferente maneira:desde que tenha a peneira,o moinho ou o pilão- O milho é a salvaçãoda família brasileira.

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Angu – para preparar:só basta o milho moere para a massa reterna bacia peneirar,em água quente botar;aí deve a cozinheira:mexer com pá de madeira,pondo sal com a outra mão- O milho é a salvaçãoda família brasileira.

O pequeno agricultorque se alimenta de milhotodo ano faz um filho,toda noite tem amor;diferente de doutorque só quer mesa estrangeira,perde a noite com besteirano pé da televisão- O milho é a salvaçãoda família brasileira.

Da festaDa festaDa festaDa festaDa festaPor isso é que Nova Olindadesde o ano de noventano sítio Angico sustentaessa tradição bem-vinda,promove uma festa lindana zona caririeira,mostrando a arte roceiracomo a melhor solução- O milho é a salvaçãoda família brasileira.

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Do milho valorizaros aspectos nutritivos,um dos tais objetivosdesta festa popular,além disso, resgatara culinária caseira,de forma que a hoteleirasofra contraposição- O milho é a salvaçãoda família brasileira.

Mostrar criatividadeda rainha sertanejaque com moinho e bandejafaz alimento à vontade,promover fraternidadenuma época de canseira,dar à arte pioneiramaior valorização- O milho é a salvaçãoda família brasileira.

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Nunca Faça do Fórum uma BodegaNunca Faça do Fórum uma BodegaNunca Faça do Fórum uma BodegaNunca Faça do Fórum uma BodegaNunca Faça do Fórum uma Bodegapra Vpra Vpra Vpra Vpra Vender por Dinheirender por Dinheirender por Dinheirender por Dinheirender por Dinheiro a Lealdadeo a Lealdadeo a Lealdadeo a Lealdadeo a Lealdade

Foi com este nobre decassílabo que o poeta, em nomeda turma, concluiu seu discurso na Aula da Saudade. Era dia28 de julho de 1990, quando se formava em Direito. Entre ogracejo e a poesia, o autor fez alusão ao papel do advogado

na sociedade, enfatizou os princípios da vida forensee lembrou, em versos, o nome de todos os colegas.

Não entenda a derrota como sustovalorize o que fez nos dez semestres,quem recorda os conselhos de seus mestresaprendeu ser herói, ser bom, ser justo;cada qual que se sinta mais robustodefendendo o prazer da liberdade,pra tirar quem está detrás da gradenão deturpe o trabalho do colega- Nunca faça do Fórum uma bodegapra vender por dinheiro a lealdade.

Você pode estudar um civilistacomo Clóvis, Washington, Levenhagem,ter na mente a ciência e a coragemde Hungria, famoso penalista;aprender os brocardos de Batista,com Damásio ter grande afinidade,mas se não possuir fidelidadeseu sucesso nos males se escorrega- Nunca faça do Fórum uma bodegapra vender por dinheiro a lealdade.

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De que serve vestir a beca preta,paletó alinhado e calçar “sândalo”,pra no Fórum chegar, causar escândaloe ganhar pseudônimo de “Cruzeta”;não se apóie no papel e na canetapra fazer o perfil da falsidade,pois Direito requer dignidade,de fazê-lo a justiça se encarrega- Nunca faça do Fórum uma bodegapra vender por dinheiro a lealdade.

De que serve falar com elegânciaimitando juristas do passado,conhecer o papel do magistradoquando passa de entrância para entrância,entender os degraus de cada instância,ter visão do princípio da igualdade,pra depois praticar barbaridadesucumbindo a missão a que se apega- Nunca faça do Fórum uma bodegapra vender por dinheiro a lealdade.

Não prometa vitória a seu clientese o direito que assiste é duvidoso,isto pode torná-lo furiosoe lhe causar um terror futuramente,não ingresse nos autos tão-somentepelos custos de sua atividade,não derreta o verniz da imunidade,pois dinheiro mal ganho o cão carrega- Nunca faça do Fórum uma bodegapra vender por dinheiro a lealdade.

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Zele bem pelo dom de seus direitos,tenha em mente o valor da profissão,que lhe impõe desafios e a missãode lutar contra o mal dos preconceitos,observe da ética os seus preceitose peça em troca o rigor da igualdade,se preciso exibir a identidadefaça isto que o ego se sossega- Nunca faça do Fórum uma bodegapra vender por dinheiro a lealdade.

Não oferte presente a julgadornem se envolva em esquema da pesada,produzindo amizade censuradapara ter decisão em seu favor,estes fatos da lei alteram a core a justiça enfraquecem na metade,e o causídico perante a sociedadese arrepende, se humilha e se entrega- Nunca faça do Fórum uma bodegapra vender por dinheiro a lealdade.

E se quer presidir a OABna campanha não minta, nem prometa,não mantenha projeto na gavetasem saber explicar o seu porquê,pois a regra jurídica não prevêa conduta em redor da má vontade,não invista o valor da anuidadeem despesa que à Ordem nada agrega- Nunca faça do Fórum uma bodegapra vender por dinheiro a lealdade.

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Há colega que forja diligência,que faz carga dos autos, não devolve,quando a parte reclama, ele resolve,engendrar boletim de ocorrência,diz que à Ordem enviou correspondênciapara impor sua falsa idoneidade,denegrindo a papel da entidade,sem sustância e vigor no que alega- Nunca faça do Fórum uma bodegapra vender por dinheiro a lealdade.

Esse mote eu dedico pra Vicente,pra Tadeu, pra Murilo e Terezinha,Vandecléia, Auricélia, Socorrinha,para Irene que é “nobre” e competente,pra Ronaldo José, grande escreventee Alexandre que tem simplicidade,Raimundo Rebouças, autoridade,que no barco das leis também navega- Nunca faça do Fórum uma bodegapra vender por dinheiro a lealdade.

Também quero adotar esse critériopara Neide, Deon, Zuza e Gondim,Raniere, Romão, Nádia Rolim,Rosângela, Assis Borges e Rogério;para Carlos Batista, um moço sério,e Fátima possui habilidade,saibam todos que quando há verdadea justiça demora, mais não nega- Nunca faça do Fórum uma bodegapra vender por dinheiro a lealdade.

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Para Cícero que é nosso oradore decora parágrafos e artigos,por ser ele um amigo entre os amigoseu prefiro chamá-lo de “Trator”,e Raimundo Luís que é defensordos anões com quem tem grande amizade;Zé Francisco, não pense na vaidadepois ao luxo o Direito não delega- Nunca faça do Fórum uma bodegapra vender por dinheiro a lealdade.

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O Ceará CertamenteO Ceará CertamenteO Ceará CertamenteO Ceará CertamenteO Ceará Certamentemais um Poeta Ganhoumais um Poeta Ganhoumais um Poeta Ganhoumais um Poeta Ganhoumais um Poeta Ganhou

Por ocasião do primeiro aniversário de seu primeiro filho,Pedro Wendell, no dia 08 de abril de 1994, em sua residência

na cidade de Juazeiro do Norte. É um mote em sete sílabas dedifícil achado em face do tempo do verbo que o encerra.

Dia oito, quinta-feirade abril de noventa e três,entre às quinze e dezesseisde uma tarde alvissareira;nos braços de uma enfermeirao Pedro Wendell chorou,a família se alegroue o mundo ficou contente- O Ceará certamentemais um poeta ganhou.

O mundo demonstrou teruma esperança moderna,a sua vovó maternaquando o assistiu nascerviu-se obrigada a dizera alguém que duvidou,enganada eu não estouporque conheço a corrente- O Ceará certamentemais um poeta ganhou.

O pai conhece e pesquisaa cultura de cordel,apologista fiel,

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rima, escreve e improvisa;a mãe não é poetisamas com poeta casou,porque sempre apreciouo verso que sai da mente- O Ceará certamentemais um poeta ganhou.

Vou botar para estudar,dar bons livros, boa escola,mas se quiser a violatambém não posso negar,pois se nasceu pra cantaré porque Deus consagroue negar o que Deus dooué contra o ego da gente- O Ceará certamentemais um poeta ganhou.

No primeiro ano de idadeJá revela inteligência,manifestando a tendênciade ser um Drummond de Andrade;não fala, mas tem vontadede dizer o que pensou,parece que ele herdouo dom de fazer repente!- O Ceará certamentemais um poeta ganhou.

Wendell, o Brasil esperaser você independentee bastante diferentedos líderes de nossa era,

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esses corações de feraque tanto o povo apoiou,procure ser como eu soupara manter a semente- O Ceará certamentemais um poeta ganhou.

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PedrPedrPedrPedrPedro Bruno e Patativo Bruno e Patativo Bruno e Patativo Bruno e Patativo Bruno e PatativaaaaaNasceram no Mesmo DiaNasceram no Mesmo DiaNasceram no Mesmo DiaNasceram no Mesmo DiaNasceram no Mesmo Dia

No terceiro aniversário de seu segundo filho, Pedro Bruno,o autor o homenageou com este mote que é também umasaudação ao poeta Patativa do Assaré, por ambos terem

nascido no mesmo dia e mês. Antes mesmo da festinhade Bruno, realizada em 05 de março de 1999, no Juazeiro

do Norte, o autor se deslocou até a cidade do poeta maior e,na solenidade de seu aniversário, declamou o poema

e entregou-lhe uma cópia. Patativa agradeceu, fez um brevecomentário, sorriu e o guardou.

Os méritos de cada umo tempo dirá depois,porque existe entre os doisalguma coisa em comum,porém não há em nenhummaldade nem ironia,a Deusa da poesianesta data grita viva!!- Pedro Bruno e Patativanasceram no mesmo dia.

No dia cinco do três,conferi pelos papéis,UMUMUMUMUM é da década de dez,OUTROOUTROOUTROOUTROOUTRO de noventa e seis;UMUMUMUMUM poeta e camponêspregando a democracia,OUTROOUTROOUTROOUTROOUTRO esperança irradiae promete a mesma assertiva- Pedro Bruno e Patativanasceram no mesmo dia.

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Claro que não são iguais,mas trazem coincidênciaspor força das exigênciasdas regras zodiacais,UMUMUMUMUM conhecido demaisno mundo da cantoria,o OUTROOUTROOUTROOUTROOUTRO já prestigiaesta arte criativa- Pedro Bruno e Patativanasceram no mesmo dia.

AMBOSAMBOSAMBOSAMBOSAMBOS em Jesus têm fé,descendem de um povo ordeiro,UMUMUMUMUM filho de Juazeiro,o OUTROOUTROOUTROOUTROOUTRO do Assaré.UMUMUMUMUM que já famoso é,tem seis livros de poesia;o OUTROOUTROOUTROOUTROOUTRO a vida iniciae já mostra uma idéia altiva- Pedro Bruno e Patativanasceram no mesmo dia.

São filhos do Ceará,UMUMUMUMUM de arte conhecida,escreveu “Triste Partida”,“Vaca Estrela” e “Boi Fubá”;“Cante Lá que Eu Canto Cá”,também de sua autoria;o OUTROOUTROOUTROOUTROOUTRO se nada criaé porque a infância priva- Pedro Bruno e Patativanasceram no mesmo dia.

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No tocante ao seu valorse enquadram na mesma lista,se UMUMUMUMUM é vate e artista,OUTROOUTROOUTROOUTROOUTRO é filho de escritor,que só não é cantadorporque seguiu noutra via,mas se quisesse viviada viola lenitiva- Pedro Bruno e Patativanasceram no mesmo dia.

Ao povo pobre e campônioconsagram sempre o seu voto,UMUMUMUMUM de São Pedro é devoto,o OUTROOUTROOUTROOUTROOUTRO é de Santo Antônio,Patativa é patrimônioque a natureza aprecia,Bruno de logo anunciaa sua iniciativa- Pedro Bruno e Patativanasceram no mesmo dia.

DOISDOISDOISDOISDOIS corações de esperançapor quem a bondade chama,UMUMUMUMUM por ter prestígio e famaé estudado na França,o OUTROOUTROOUTROOUTROOUTRO ainda criançacom seu gesto contagia,como quem se credenciapara a mesma alternativa- Pedro Bruno e Patativanasceram no mesmo dia.

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Antes do Novo MilênioAntes do Novo MilênioAntes do Novo MilênioAntes do Novo MilênioAntes do Novo MilênioMais um PedrMais um PedrMais um PedrMais um PedrMais um Pedro Aparo Aparo Aparo Aparo Apareceueceueceueceueceu

Com esses versos o autor homenageou seu terceiro filho, PedroBrenno. Era seu quarto aniversário, na cidade do Barro,

oportunidade em que lembrou o seu nascimento, o batizado eas festinhas dos anos anteriores. Brenno já cobrava do pai os

seus versos, alegando que Wendell e Bruno já tinham seuspoemas. Ele nasceu em 12 de dezembro de 2000. Trata-se de

mote em sete sílabas com rima raríssima no seu primeiroverso, portanto, difícil de ser manejado.

De tudo ainda me lembronaquela tarde de anil,no fim do ano dois mildepois do mês de novembro,era doze de dezembroquando o menino nasceu,gritou um parente meu:esse aí vai ser um gênio- Antes do novo milêniomais um Pedro apareceu.

Nem tão branco, nem moreno,mais de três quilos, seu peso,nem raquítico, nem obeso,nem tão grande, nem pequeno,o nome de Pedro Brennofoi seu pai quem escolheu,a mãe depressa escreveupara incluir no convênio- Antes do novo milêniomais um Pedro apareceu.

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Foi Pedro Wendell, o primeiro,que do casal veio ao mundo,Pedro Bruno, por segundo,cedeu lugar ao terceiro,ao ganhar o derradeironosso lar se enalteceu,como a flor que recebeumoléculas de oxigênio- Antes do novo milêniomais um Pedro apareceu.

Houve no seu batizadosolenidade bonita,seus padrinhos, Moura e Rita,um casal civilizado;o povo foi convidadopara o primeiro ano seu,outra festinha se deuquando alcançou um biênio- Antes do novo milêniomais um Pedro apareceu.

É um sagitarianodo segundo decanato,se for um poeta natodarei apoio a seu plano,igual a Castro, o baiano,que muito bem escreveue o Brasil não esqueceuos versos do supergênio- Antes do novo milêniomais um Pedro apareceu.

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Com quatro anos de idadeno Barro faz outra festa,sua presença modestacativa muita amizade,quando sai deixa saudadepara quem o conheceu,muitos votos recebeuna festa do quatriênio- Antes do novo milêniomais um Pedro apareceu.

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Hoje eu VHoje eu VHoje eu VHoje eu VHoje eu Vejo meu Cabeloejo meu Cabeloejo meu Cabeloejo meu Cabeloejo meu Cabeloda Cor que Papai Usavda Cor que Papai Usavda Cor que Papai Usavda Cor que Papai Usavda Cor que Papai Usavaaaaa

Mote em sete sílabas apresentado pelo autor na abertura desua palestra no 2º Seminário do Verso Popular promovido

pela Academia dos Cordelistas do Crato, no auditório do SESCdaquela cidade, em novembro de 2004. Naquela ocasião, oautor falava sobre a evolução histórica da cantoria e, por

coincidir aquela data com o Dia dos Pais, ele iniciou dizendo:

Oh! Deus eu digo obrigadopelo tempo que vivi,as coisa que aprendime deixam realizado,a saudade do passadoquando criança eu brincavae no roçado trabalhavano carrapicho e no pelo- Hoje eu vejo o meu cabeloda cor que papai usava.

Marcas dos anos setentaconservo em minha lembrança,eu era ainda criançameu pai beirava os sessenta,hoje ultrapasso os quarentae o reumatismo me trava,a barba da cor de favae a trunfa parece gelo- Hoje eu vejo o meu cabeloda cor que papai usava.

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Tudo o que papai faziaprocuro fazer também,pois minha lembrança temas frases que ele dizia,sua fisionomiaquando da roça chegava,dos exemplos que pregavatentei guardar um modelo- Hoje eu vejo o meu cabeloda cor que papai usava.

Destemido e respeitado,disposto, firme e sereno,alto, franzino e morenoe o corpo um pouco envergado,quando me via “enraivado”este conselho me dava:honra com sangue não lavajustiça requer apelo- Hoje eu vejo o meu cabeloda cor que papai usava.

Todo domingo ia à missa,no trabalho era freqüente;nos negócios, consciente,não soube o que foi preguiça,condenava a injustiça,o mais fraco ele apoiava,aquele herói que me amavaah! se eu pudesse revê-lo!- Hoje eu vejo o meu cabeloda cor que papai usava.

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Foi pobre, mas fez históriano mundo da consciência,durante sua existêncialutou por minha vitória,hoje guardo na memóriao que ele me ensinava,e muito me orientavapara evitar desmantelo- Hoje eu vejo o meu cabeloda cor que papai usava.

O tempo leva a infância,o brinquedo, a inocência,consome a adolescênciadestruindo a elegância,momento que foi fragrânciaque antes me consolavatornou a vida uma escravana mágica do atropelo- Hoje eu vejo o meu cabeloda cor que papai usava.

Gostava de cantoriasó andava bem trajado,quando mandava um recadoo bodegueiro atendia,negócio que ele fazianem com reza desmanchava,papel que ele assinavanão precisava de selo- Hoje vejo meu cabeloda cor que papai usava.

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Naquele tempo passado“kacheet” era comprimido,o MODEBRA era um partido,bossa nova era um ditado,um bolero bem dançadotodo mundo admirava,paulista quando chegavao povo queria vê-lo- Hoje vejo meu cabeloda cor que papai usava.

Foi-se o tempo de menino,veio a era de adultopara enfrentar o insultodas ilusões do ensino,a promessa do destinonão foi a que eu esperava,no leito da sorte bravacada sonho, um pesadelo- Hoje vejo meu cabeloda cor que papai usava.

Lembro a tarde empardecida,na penumbra do oitãoonde eu jogava o piãonuma fruta adormecida,aquela calça compridaque no domingo eu usava,quando tirava, dobravae guardava com muito zelo- Hoje vejo meu cabeloda cor que papai usava.

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A Cultura - em DecassílaboA Cultura - em DecassílaboA Cultura - em DecassílaboA Cultura - em DecassílaboA Cultura - em Decassílabo

Trabalho produzido por ocasião da instalação do CentroCultural BNB Cariri, em Juazeiro do Norte. Não chegou a

ser apresentado na solenidade de inauguração em face daexigüidade do tempo para manifestação dos oradores

escalados. Trata-se de poema pautado em 12 estrofes deversos decassílabos, obedecendo a deixa. Diz-se decassílaboporque cada verso contém dez sílabas poéticas, e obedece a

deixa porque o primeiro verso de cada estrofe começa rimandocom a última palavra do derradeiro verso da estrofe anterior.A deixa foi criada pelo poeta paraibano, da Serra do Teixeira,

Silvino Pirauá Lima.

A cultura é um lance da pujançaque se soma de um povo para um povo,é essência que sai de um mundo novointegrando o vigor da esperança,tem a seiva do caule da bonançaque a raiz principal do tempo apura,interage o astral da criaturaquando a prática do dom é ostensivanão conheço nação que sobrevivase seu povo negar sua cultura.

A viola, o reisado, a escultura,o repente, o aboio, a vaquejada,carnaval, futebol e caipirada,embolada, cordel, xilogravura,tudo isto é o forte de quem jurae acredita no estro do destino,dança e música são sangue do ensino,agitado a vapor do instrumento,que se injeta nas veias do sustentoda cultura do povo nordestino.

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Como simples poeta, assim defino:A cultura é hábito, aptidões,que o homem através das geraçõesacumula em função do próprio tino,no decurso do tempo paulatinodesse dom só o homem é portador,criador, detentor e transmissor,que entrelaça os demais nesse complexo,como forma de unir num só reflexo,as memórias voláteis de um valor.

O recém ao nascer é sucessorde uma gama pesada de influência,no dormir, no vestir, na convivência,vai unindo o costume, a seu rigor,quanto mais se integra, ganha cordo espaço da órbita ambiental,adquire o seu hábito social,com padrões que aspiram o dom da lógica,não é esta a herança biológica,porém, sim, uma dádiva cultural.

Mas o homem por ser racionalse dispõe ampliar seu horizontese adquire através de novas fontesmais costume e mais crença artesanal;sem perder a herança naturalvai mudando o padrão cotidiano,convertendo seu sonho em novo planoe os que ganham também são doadores,é a troca completa de valoresna mistura geral do ser humano.

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No Brasil, nosso povo tem seu panoretalhado em mistura de três raças,pelo índio, autor da pesca e caças,pelo branco europeu-italiano,e a presença do negro africanonos primórdios da colonizaçãoque com luta braçal fez nosso chãoexpandir o setor canavieiro,os três juntos tornaram o brasileiroum produto da miscigenação.

A cultura possui forma e funçãoque se adaptam aos grupos que se inovam,conservando elementos que aprovampara a vida a simbólica construção,ajustando o papel do cidadãoaos valores centrais da existência,definindo por sua consciênciaque a ciência decorre da cultura,e o que for para o homem a gente juraser pedaço vital dessa ciência.

Há quem queira expandir inteligênciae no seu ponto de vista separara cultura erudita e popular,porém isto não gera consistência,ambas, juntas, imperam resistênciae se consomem no palco de emoção,o que há é a pluralizaçãoentre o verso, o discurso e o forróafinal, a cultura é uma sóe não permite fazer separação.

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É o bumba-meu-boi no Maranhão,o calango no Rio de Janeiro,capoeira está mais no chão mineiro,cururu no São Paulo é tradição,frevo é dança de rua e de salãoe o maracatu é pernambucano,o maxixe é o tango alagoano,São Gonçalo tem vez no Ceará,cada dança é cultura quando estámelhorando o astral do ser humano.

O provérbio e ditado luteranoservem até de conselho para o povo,frase feita traduz um mundo novo,adivinho deseja ser profano;o folclore discreto e puritanotange as lendas que chegam ao Ceará,Curupira, Caipora, Boitatá,Pererê, Pastoreio e Bruxa Vivacertamente inspiraram Patativaquando fez Vaca Estrela e Boi Fubá.

É por isto que hoje aqui se estádando espaço aos artistas do país,não precisa de vários Caririsnem pensar em ter mais de um Ceará,para que a sanfona e o ganzávoltem a ter sua antiga intimidade,e a rabeca chorosa deixe a gradepara vir se casar com o violão,e o antigo profeta do sertãorenovar seu cartão de identidade.

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Vamos ter sem rigor de vaidadedifusão da cultura universal,formação de platéia regionalsem perder da ciência a qualidade,livro e arte em beleza e quantidadeque atendem ao querer do brasileiro,cinco andares na terra do romeiro,um espaço saudável e atraente,todo dia uma agenda diferentepara o público que ama Juazeiro.

Nas saudades de Jackson do Pandeiro,nos estilos deixados por Gonzaga,a guitarra importada não apagao aboio estridente do vaqueiro;no cantar do poeta violeiroa poesia mantém sua bandeira;na toada dos bilros da rendeira,nos verbetes poéticos de Gilberto,o Nordeste tem tudo pra dar certona missão da cultura brasileira.

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VVVVVamos Lembrar um Pouquinhoamos Lembrar um Pouquinhoamos Lembrar um Pouquinhoamos Lembrar um Pouquinhoamos Lembrar um Pouquinhoo Cantador que Morro Cantador que Morro Cantador que Morro Cantador que Morro Cantador que Morreueueueueu

Em homenagem ao saudoso Chico Inácio, por ocasião doFestival de Viola do Barro, realizado em 21 de novembro de

2001, no clube social daquela cidade. Francisco InácioBarbosa, ou Chico Inácio, como era mais conhecido, foi um

cantador do município do Barro, cidade natal do autor.Repentista simples e de pouca leitura, mas de enorme talento

para improvisar. Na data do festival, fazia pouco tempo deseu falecimento e a platéia nem a família do cantador

esperava a homenagem, que foi por demais bem aceita eemocionante. Neste festival, o autor presidia a mesa

julgadora e os cantadores desenvolveram material por eleproduzido (sextilhas, motes e gêneros diversos).

Do folclore não se someseu belo estilo de glosa,Francisco Inácio Barbosafoi seu verdadeiro nome,Cobra Preta, o cognomeque ele próprio escolheu,o povo inteiro acolheucomo gesto de carinho- Vamos lembrar um pouquinhoo cantador que morreu.

Seus versos faziam riscono céu do seu pensamento,usava em seu instrumentoa foto de São Francisco;se nunca gravou um discoou nenhum livro escreveu,

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mas enquanto aqui viveufez papel de passarinho- Vamos lembrar um pouquinhoo cantador que morreu.

Percorreu todo sertãoa galope de animal,não precisou de jornal,de rádio ou televisão;em cada canto de oitãoseu repente estremeceu,com humildade aprendeuter Jesus no seu caminho- Vamos lembrar um pouquinhoo cantador que morreu.

Cantador pobre e campôniocuja perda se lamenta,morreu beirando os oitentano distrito Santo Antônio,não construiu patrimôniomas sua fama valeu,nunca estudou no Liceumas foi mestre ao som do pinho- Vamos lembrar um pouquinhoo cantador que morreu.

Um poeta sem escola,sem apoio, sem leitura,mas detentor da culturaque a lei divina controla,devia sua violaser exposta em um museu,de formas que o nome seu

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nunca fosse ao descaminho- Vamos lembrar um pouquinhoo cantador que morreu.

Conhecido na ribeiracomo gênio trovador,ele apoiou cantadorno princípio de carreira,duplou com Pedro Bandeiraquando Pedro apareceu,depois que Pedro cresceuInácio ficou sozinho- Vamos lembrar um pouquinhoo cantador que morreu.

Chico, poeta de linhaque a todo mundo agradava,a duas deusas amava:a viola e Teresinha,por Teresinha ele tinhaos caprichos de Romeu,com a viola venceuas pedras do seu caminho- Vamos lembrar um pouquinhoo cantador que morreu.

Por taça, fama e troféunão demonstrou ter cobiça,no cenário da justiçanão foi autor nem foi réu,e por isso ganhou o céuda forma que mereceu,em seu teste debateucom Expedito Sobrinho

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- Vamos lembrar um pouquinhoo cantador que morreu.

Manifestou sua fécantando em renovação,enfrentou Chico Galvãona calçada de SeuNé,ainda recordo atémotes que a platéia deu,lá estavam TiElizeu,Zé Feitosa e Francisquinho- Vamos lembrar um pouquinhoo cantador que morreu.

O sertão e a cidadeunidos num só capítuloa Inácio deram o títulode gestor da humildade,Zé de Neco tem saudadedo colega que perdeu,o folclore entristeceue a musa chorou baixinho- Vamos lembrar um pouquinhoo cantador que morreu.

No reino divino morabrilhando em suas refregas,reencontrando colegascom quem já fez dupla outrora;no município de Aurorafoi lá onde ele nasceu,no Santo Antônio viveuquase o seu tempo todinho- Vamos lembrar um pouquinhoo cantador que morreu.

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Encontrou lá Danielseu parceiro do passadopor quem foi apresentadoa Galdino e Zé Miguel,deu notícia de Ismaelcom quem tanto concorreu,das festas que promoveuna Timbaúba e Brejinho- Vamos lembrar um pouquinhoo cantador que morreu.

Cantou na noite primeiracom Silvino pirauá,deu trabalho a seu xaráInácio da Catingueira,e Severino Ferreiraassim que o viu conheceupara se livrar cedeusua vaga a Zé Pretinho- Vamos lembrar um pouquinhoo cantador que morreu.

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O Pequeno SertanejoO Pequeno SertanejoO Pequeno SertanejoO Pequeno SertanejoO Pequeno Sertanejo

Estrofes em sextilha fazendo alusão ao pequeno agricultor,em face de sua coragem e simplicidade que o norteiam.

Como se pode observar, o primeiro, terceiro e quinto versossão livres, enquanto o segundo rima com o quarto e o sexto.

Para dar mais espontaneidade ao assunto, o autor não optoupelo uso da deixa, que seria a rima entre o último verso da

estrofe anterior com o primeiro da estrofe subseqüente.Vejam também que os versos são todos de sete sílabas,

os mais usados na poesia popular.

Pode até ser um costumepara atender um desejo,ou porque nasci poetaque narro tudo o que vejo,principalmente o que envolveo pequeno sertanejo.

Por toda parte em que eu andosempre gosto de narraras crendices e os costumese a tradição popular,depois transformo em poesiapara o povo apreciar.

Há certo tempo eu andeiconhecendo o meu sertão,visitei pessoas pobresde deserta região,conversei com um senhorconhecido por Simão.

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Iniciando a conversaseu Simão permaneciacom medo de responderaquilo que eu lhe dizia,mas depois, perdendo o medo,disse tudo o que queria.

Num papo aberto e sadiodeixei Simão à vontade,fizemos comparaçãodo sertão com a cidade,entre as classes rica e pobredentro da sociedade.

Em linguajar sertanejopapo vai e papo vem,entre pergunta e respostaeu me saía muito bem,senti depois os problemasque o pobre roceiro tem.

Senti como vive o riconas camadas sociais,como permanece o pobreno mundo dos animaise as diferenças dos meiosque os tornam desiguais.

Senti o mundo modernodesfazendo a tradição,orgulho, luxo e vaidadetransformando a geração,mulher decorar novelasestá sendo obrigação.

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Hoje em dia, a bicicletafaz às vezes do cavalo,uma despedida é tchau,festa dançante é embalo,a lambada toma espaçodas danças de São Gonçalo.

Mas eu deixo isso de lado,falo da vida roceirado pequeno sertanejono seu mundo de canseiraque ainda faz um sorrisovivendo desta maneira:

Sua festa é pescaria;seu lazer, uma caçada;a sua roupa de missacostuma ser bem guardadae geralmente é aquelaque é menos remendada.

Seu guarda-roupa é o torno;sua poltrona, o batente;sua morada, um casebrefaltando a porta da frente;sua alegria, um sorrisodo seu caçula inocente.

São suas medidas métricaslégua, palma, vara e braça,o seu lanche é rapadura;o seu filtro, uma cabaça,seu sabonete é sabãode pinhão, sebo e potassa.

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A sua sociedadeé um simples sindicato;seu cinturão, uma tira;currolepe, seu sapato;seu medicamento é cháde folha e raiz do mato.

O seu tema de palestraé praga na plantação,ou a escassez de dinheiro,inverno, seca e verão,é estória de Trancososua maior diversão.

Seu transporte é um jumento,seu telefone, um recado;seu isqueiro, artifíciofeito de chifre enroladoque quando está em açãofaz fogo pra todo lado.

Seus nomes civilizadossão Chico, Zeca e Luzia,seu colar é um rosáriocom medalha de Maria,um colchão feito de palhaé sua cama macia.

A toada de vaqueiroé seu fabuloso hino,é seu papel higiênicoum pedaço de pau fino;seu sanitário, uma moita,e a descarga é um suíno.

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Sua leitura, a cartilha;sua luz, um candeeiro;seu butano, uma fornalha;fumaça é seu mosqueteiro,só um cachorro pé-duroé seu fiel companheiro.

Seu cinema é o relâmpago;a discoteca, um trovão,sua capanga é um saco;seu lenço, as costas da mão;seu amigo, um corretorpra comprar a produção.

Seu cinzeiro é a orelha,seu alpendre é a latada;seu despertador, os pássarosque contam na madrugada;sua dormida, uma redeestreita, suja e rasgada.

Seu passatempo, um cigarro;café forte é seu agrado;seu guarda-chuva, as palmeirasdos aceiros do roçado,o seu relógio é o solquando pende para um lado.

Este homem de chapéue de alpargatas de pneusfaz do problema incentivopara os compromissos seus,porque maior do que tudoé a fé que tem em DEUS.

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Torna-se um visionáriorevestido de esperança,mostra por sua figuraum gesto de confiançaé dá em troca de orgulhoum sorriso de criança.

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Papai que no Céu me EscutaPapai que no Céu me EscutaPapai que no Céu me EscutaPapai que no Céu me EscutaPapai que no Céu me EscutaReceba esta SaudaçãoReceba esta SaudaçãoReceba esta SaudaçãoReceba esta SaudaçãoReceba esta Saudação

Mote criado e versejado no dia 10.08.2000, dia dos pais, quandoo autor visitava o túmulo de seu genitor. Ali mesmo idealizou os

versos e ao chegar em casa assim discorreu no papel.

Na passagem de seu diasua história recordei,o seu túmulo visiteie rezei uma Ave Maria,a sua matéria eu viana minha imaginação,fiz uma avaliaçãoda sua nobre conduta- Papai que no céu me escutareceba esta saudação.

Sem me afastar do critériodos conselhos de Jesus,pousei meus joelhos nusno solo do cemitério,depois rezei um mistérioa título de oração,pela minha formaçãoagradeci sua luta- Papai que no céu me escutareceba esta saudação.

Foi bravo enquanto viveu,no roçado trabalhou,catorze filhos criou,com oitenta e seis morreu;

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eu herdei o nome seupor força de tradição,hoje tenho obrigaçãode honrar sua labuta- Papai que no céu me escutareceba esta saudação.

Seu comportamento exatoconservo em minha lembrança,seu nome foi a herançaque me fez feliz e grato;ontem, zelei seu retratona sala do casarão,também guardei seu bastãoque lhe serviu de batuta- Papai que no céu me escutareceba esta saudação.

Sua história é uma agendaque nem o tempo consome,se alguém criticar seu nome,na terra, tem quem defenda,quero que o Senhor entendaminha manifestação,seu gesto de cidadãotoda família executa- Papai que no céu me escutareceba esta saudação.

O casarão da ladeiraainda está conservado,o curral foi melhoradocom dois mourões de madeira,ainda acendo a fogueira

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de São Pedro e de São João,da nossa Renovaçãoa vizinhança desfruta- Papai que no céu me escutareceba esta saudação.

Exemplos bons e perfeitosdeixou para os descendentes,conselhos bons e decentesforam por todos aceitos,os seus negócios direitosme serviram de lição,do teor desta cançãovou lhe mandar a minuta- Papai que no céu me escutareceba esta saudação.

Depois que o Senhor morreutudo mudou na fazenda,houve redução de renda,muita seca aconteceu,o bicudo apareceue acabou com o algodão,o que ia em caminhãohoje sai numa mucuta- Papai que no céu me escutareceba esta saudação.

Na terra em que trabalhavaeu fiz tudo o quanto pudeconstruí aquele açudeque o Senhor tanto esperava,onde escuridão reinavatem hoje iluminação,

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também fiz um cacimbãoao lado esquerdo da gruta- Papai que no céu me escutareceba esta saudação.

Meu mestre, meu defensor,meu patrono, meu amigo,que sempre esteve comigona alegria e na dor,desde o dia em que o Senhorpartiu naquele caixão,minha sofrida feiçãonunca mais viveu enxuta- Papai que no céu me escutareceba esta saudação.

Papai, ainda não seise aí vive conformadoe se recebeu o recadoque por mamãe eu mandei.Quando mãe disse: eu cheguei!Qual foi a sua emoção?Se sua satisfaçãose tornou absoluta- Papai que no céu me escutareceba esta saudação.

Com seus irmãos naturaisdeve estar muito feliz:José Ernesto e Luiz,Dondom, Venância e Tomaz;Raimundo, em Minas Gerais,manda recomendação,diz que deixou seu torrão

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por causa da seca bruta- Papai que no céu me escutareceba esta saudação.

Deve estar com o Divinoe com seu irmão Apolônio,seus amigos: Zé Antônio,Joaquim Hermes, Celestino,Pompílio, Elizeu, Firmino,Manoel Américo e João,Nem e Joda Bastiãoforam da mesma disputa- Papai que no céu me escutareceba esta saudação.

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Que a CPI AQue a CPI AQue a CPI AQue a CPI AQue a CPI Aconteça no Poder Judiciárioconteça no Poder Judiciárioconteça no Poder Judiciárioconteça no Poder Judiciárioconteça no Poder Judiciário

Por ocasião do debate sobre o Poder Judiciário, na abertura doCurso de Pós Graduação de Direito Processual Civil, no dia 12

de junho de 1999, no auditório do Hotel Verdes Vales, emJuazeiro do Norte, Estado do Ceará. Na época, o assunto

estava em alta e a revolta da população, principalmente dosoperadores do Direito, era quase geral, porque o advogado não

tinha acesso ao interior das secretarias, eram atendidos poruma pequena brecha de vidro onde só comportava um de cada

vez. Hoje a situação não é mais tão assim, pois já existemmuitas secretarias que oferecem atendimento saudável ao

advogado, assim como é satisfatório o desempenho do julgadore seu tratamento com quem o procura.

Narrando o que o povo diz,manifesto minha idéiapara alcance da platéiaculta, pacata e feliz;se houver algum juizsaiba ouvir o meu glossário,e com este documentáriopeço que não se aborreça- Que a CPI aconteçano Poder Judiciário.

Por ele ser guardiãodo direito socialdeve ser imparcialna hora da decisão,não sofrer submissãonem redução de salário,fazer com que o plenárioa ordem restabeleça

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- Que a CPI aconteçano Poder Judiciário.

É uma organizaçãolivre e sistematizada,autêntica e preordenadaao desate da função,protegendo o cidadãodo litígio temerário,trabalhista ou tributárioque porventura apareça- Que a CPI aconteçano Poder Judiciário.

Mas, essa jurisdiçãotem que ser fiscalizada,e para ser respeitadarequer mais dedicação,fugir da corrupçãonão pensar em numerário,de forma que do operárioa justiça não se esqueça- Que a CPI aconteçano Poder Judiciário.

Se o Poder Executivo,cumprindo sua missão,sofre fiscalizaçãodo Órgão Legislativo;um controle externo ativono momento é necessário,pra que a lei suba ao calvárioe a tal prepotência desça- Que a CPI aconteçano Poder Judiciário.

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Para acabar com o esquemamontado nos Tribunais,que as leis constitucionaisretornem à força suprema,que o magistrado temaao fazer uso do erário,que gasto desnecessáriopor aí não permaneça- Que a CPI aconteçano Poder Judiciário.

Que se estude nova formapara o uso do dinheiro,um Fórum feito em janeirojá precisar de reforma;o povo não se conformacom este gesto precário,que no âmbito do plenárioa justiça não pereça- Que a CPI aconteçano Poder Judiciário.

Que haja mais consciênciano deslinde da períciae que os membros da polícianão pratiquem violência,que saia da insolvênciao sistema carcerário,que o homem presidiáriono xadrez não apodreça-Que a CPI aconteçano Poder Judiciário.

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Que das lides mais robustasou das demandas pequenasnasçam decisões serenas,decentes, legais e justas;e que os valores das custassigam o seu itinerário,que o seu público usuáriodos serviços se forneça- Que a CPI aconteçano Poder Judiciário.

Que a Corte maior evitesuborno e desfundamento,e ao fazer seu regimentouse decisões de elitesem decotar o limitedo poder discricionário;que o pobre Direito Agráriorenasça, prospere e cresça- Que a CPI aconteçano Poder Judiciário.

Que oficial de justiçacom o mandado na mãonão fique a fazer leilãoensejando a injustiça,que juiz deixe a preguiçae passe a cumprir horário,tire os autos do armárioe a cada prazo obedeça- Que a CPI aconteçano Poder Judiciário.

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Que não só as burguesiasusar da justiça venham,que os advogados tenhamacesso às secretarias,não fiquem como vigiaspelo vidro refratário,chamando um funcionárioque só balança a cabeça- Que a CPI aconteçano Poder Judiciário.

Do Direito eu não sei nadamas transformo a sorte em prêmio,faço o papel de boêmionos finais de madrugada,não na guitarra afinada,mas no mundo literário,em livro e dicionárioaté que alguém reconheça- Que a CPI aconteçano Poder Judiciário.

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Se Não Fosse o Poeta VSe Não Fosse o Poeta VSe Não Fosse o Poeta VSe Não Fosse o Poeta VSe Não Fosse o Poeta VioleirioleirioleirioleirioleiroooooQuem CantavQuem CantavQuem CantavQuem CantavQuem Cantava as Belezas do Sertãoa as Belezas do Sertãoa as Belezas do Sertãoa as Belezas do Sertãoa as Belezas do Sertão

O autor é admirador número um da cantoria. Conhece amaioria dos cantadores de viola do Brasil e é amigo de quasetodos eles. Como reconhecimento da importância da arte nadivulgação dos fatos, escreveu, no meado de 1990, este mote

decassílabo, onde congrega nome de vários repentistas. É umtrabalho de forma interrogativa que exige muita habilidade

na metrificação, por atrelar nos versos muitos nomespróprios e estes, por sua vez, não podem ser substituídos.

Quem falava da lua cor de prataclareando uma casa de fazendae do sereno que cai e molha a rendaque protege o painel verde da mata,do matuto batendo em uma lataimitando Luís, rei do baião,e do pretume da sombra do oitãoinvadindo uma banda do terreiro- Se não fosse o poeta violeiroquem cantava as belezas do sertão?

Quem cantava uma tarde no Nordesteonde as nuvens se mostram de cor parda,e o mormaço sutil desbota a fardaque a ciranda da serra ainda veste,um trovão no poente, outro no lestepondo fim na história do verão,e o sol quando finge entrar no chãoapagando do dia o candeeiro- Se não fosse o poeta violeiroquem cantava as belezas do sertão?.

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Quem cuidava das causas da saúdese não fosse o doutor em medicina,quem plantava na terra nordestinase não fosse o roceiro pobre e rude,quem pregava a doutrina da virtudese não fosse o vigário capelão,quem julgava o direito na questãose faltasse o juiz, um conselheiro- Se não fosse o poeta violeiroquem cantava as belezas do sertão?

Se não fossem Cícero Mariano,João de Lima e Valfrido Gabriel,Zé Viola, Lisboa e João Abel,Chico Maia, Zuzinha e Adriano,Valdir Teles e João Paraibano,Zé Francisco, Jocélio, irmãos Galvão,José Teles, Moacir, Sebastião,Zé de Neco e Gustavo Marinheiro- Se não fosse o poeta violeiroquem cantava as belezas do sertão?

Se não fossem Ivanildo Vilanova,Fenelon, nos sertões da Paraíba,Louro Branco, Evaristo e João Furiba;Zé Vicente é valor que se renova,Alexandre Sobrinho é uma provado prestígio que tem a profissão,e Geraldo é cultura e tradiçãoquando dupla com Sílvio, em Juazeiro- Se não fosse o poeta violeiroquem cantava as belezas do sertão?

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Sem o Jorge Macedo e Jocival,Chico Guedes, Benone e Zé Maria,Gerson Carlos, um astro da poesia,Otacílio Batista e Lourival,Oliveira tem fama nacional,Severino Feitosa é campeão,João Amaro e Chico Ivo também sãodos estilos do velho Panageiro- Se não fosse o poeta violeiroquem cantava as belezas do sertão?

Sem Francisco Genésio, José Montee Zé Cardoso, Apolônio e Abdias,Diniz, Edesel, Sebastião Dias,com Raimundo Mulato é bom que conte,Eliseu Ventania é uma fontede repente, poesia e de canção,sem Daudete Bandeira, Pedro e João,e Francisco que é bom cancioneiro- Se não fosse o poeta violeiroquem cantava as belezas do sertão?

Sem Cícero Saraiva e sem Ripino,Chico Inácio, Rogério e Jamaci,Zé Luís, Lourinaldo, Valdeci,e Bê Caboclo, Audísio e Virgulino,João Lourenço, Heleno Severinoe Diassis, Zé Nasário, AzulãoEdmilson Ferreira e Abraão,Messias, Adail, Chico Monteiro- Se não fosse o poeta violeiroquem cantava as belezas do sertão?

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Se não fossem Viana de Oliveira,Pedro de Alcântara, Horácio Netoe Zequinha Bernardo sem afeto,Chico Duda, Ismael, Paulo Pereira;Anselmo Rodrigues é da fileira;e os Nonatos conquistam inspiração,Zé Piaba, Domingos e Cancão,Valério, Joaquim, Nelson Ribeiro- Se não fosse o poeta violeiroquem cantava as belezas do sertão?

Sem Hernanes, Chico Alves, Zé Pereira,Zé Ari, Beija Flor, Chico Sobrinho;e Raimundo Caetano ao som do pinhoaté lembra Romano de Teixeira;e Dedé Laurentino, Assis Vieiraalém de outros que aí também estão,pois, Antônio Ferreira tem razão:É doutor, mas também canta em terreiro- Se não fosse o poeta violeiroquem cantava as belezas do sertão?

Se não fosse o labor do jornalistade notícias ninguém tirava frutos,quem fazia intercâmbio dos produtosse não fosse o gigante motorista,se faltasse o doutor economistaquem cuidava de juros e inflação,quem guiava os destinos da Naçãose faltasse o congresso brasileiro- Se não fosse o poeta violeiroquem cantava as belezas do sertão?

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Só ASó ASó ASó ASó Aceito os meus Vceito os meus Vceito os meus Vceito os meus Vceito os meus Versos Criticadosersos Criticadosersos Criticadosersos Criticadosersos Criticadospor Poetas Mais Sábios do que Eupor Poetas Mais Sábios do que Eupor Poetas Mais Sábios do que Eupor Poetas Mais Sábios do que Eupor Poetas Mais Sábios do que Eu

Neste mote decassílabo, o autor demonstra comose desenvolve um desafio de bom nível entre dois cantadores.

O desafio na cantoria pode surgir nas diversas modalidades,como, por exemplo, no mourão, no martelo e na sextilha,

mas também pode nascer de um mote, na maioria das vezes,a pedido da platéia.

Se você é poeta de uma eliteque conhece a semântica da mensageme eufemismo é figura de linguageme que apóstrofo é letra que se omite,metáfora é figura que permitedar ao nome um sentido além do seu,se essas coisas estudou e conheceupode vir que permito seus recados- Só aceito os meus versos criticadospor poetas mais sábios do que eu.

Se você é profundo na gramáticatem talento em regência concordância,produz versos com métrica e elegânciaconservando os princípios da temática,tem idéia moderna, própria e prática,utiliza o sistema de Liceue não conta os autores que já leusendo assim eu respeito os seus mandados- Só aceito os meus versos criticadospor poetas mais sábios do que eu.

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Se do mundo da arte já conheceo valor que possui a música lenta,quem foi ídolo nos anos setentae ganhar disco de ouro quem merece,quem cresceu sob a luz da CBS,quais as músicas de Erasmo e de Alceu,quantas cópias Roberto já vendeu,quantos shows Gonzagão deixou gravados- Só aceito os meus versos criticadospor poetas mais sábios do que eu.

Se das letras conhece o campo inteiro,sabe tudo da escola do Classismo,o segredo maior do Seiscentismoe o que diz o poeta condoreiro,e quem narrou o Reduto Conselheiro,quais as obras autênticas de Abreu,Os Lusíadas, quem foi que escreveue os Escravos por quem foram lembrados- Só aceito os meus versos criticadospor poetas mais sábios do que eu.

Se você da ciência tem noçãoe vê o milho no rol dos volumososque se dá nos terrenos argilosos,é gramínea, monóica e tem pendão,e devido essa tal separaçãona boneca se encontra o gineceue são os polens que caem do androceuque constroem seus grãos adocicados- Só aceitos os meus versos criticadospor poetas mais sábios do que eu.

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Se você aos acordes da violaderrotou Lourinaldo e Oliveira,já foi mestre de Vila e de Bandeiracom repentes tirados da cachola,teve Louro e Diniz em sua escolae até mesmo Xudu, que faleceu,censurou os poemas de Eliseu,pode vir que copio os seus traslados- Só aceito os meus versos criticadospor poetas mais sábios do que eu.

Se você aprendeu com perfeiçãoque o rádio foi arte de Marconie que Graham Bell inventou o telefone,que Dumont é o pai da aviaçãoe inspirou-se no vôo de um balão,invenção do Pastor Bartolomeu,Gutemberg, o primeiro que escreveucom os sinais que até hoje são usados- Só aceito os meus versos criticadospor poetas mais sábios do que eu.

Se você estudou toda Nação,sabe bem como a greve se inicia,os problemas da nossa economiae os motivos que geram a inflação,e se a guerra do Golfo é a razãode subirem o petróleo e o pneu,ou se foi o poder que se perdeuexplicando os seus planos mal traçados- Só aceito os versos criticadospor poetas mais sábios do que eu.

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Se aprendeu que Getúlio do passadofoi gaúcho e lutou por seu lugar,teve grande tendência militare foi polícia e depois advogado,na política chegou a deputadoe foi no dia do Índio que nasceu,quando foi presidente faleceu,seus mistérios não foram revelados- Só aceito meus versos criticadospor poetas mais sábios do que eu.

Não estou criticando quem constrói,uma crítica fiel é importante,mas se for infundada é inconstantee por si só não se encampa e se destrói,quem critica sem base se corróie se esquece de tudo que aprendeunem aprende jamais o que esqueceupor ficar no perfil dos derrotados- Só aceito meus versos criticadospor poetas mais sábios do que eu.

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Na Base da PalmatóriaNa Base da PalmatóriaNa Base da PalmatóriaNa Base da PalmatóriaNa Base da PalmatóriaAprAprAprAprAprendi o BÊ-A-BÁendi o BÊ-A-BÁendi o BÊ-A-BÁendi o BÊ-A-BÁendi o BÊ-A-BÁ

Este mote, em si, é objeto de um belíssimo cordel de autoria dapoetisa Anilda Figueiredo, da Academia dos Cordelistas do

Crato. Foi, portanto, por ocasião do lançamento daquelefolheto que o autor despertou para produzir estes versos

em prol do mesmo mote, isto porque ele estudou no regime emque a palmatória era o móvel que não poderia faltar

na sala de aula.

Vou contar o meu enredona escola do passado,o estudo era forçadosob o fantasma do medo,apanhava em cada dedocom porrete de cajá,fiz daquele blablabláestrada da minha glória- Na base da palmatóriaaprendi o bê-a-bá.

No sábado era argumentopara estudar tabuada,quem não soubesse de nadaenfrentava o sofrimento,aquele constrangimentoninguém mais esquecerá,aqui, ali, acolá,há quem conte a mesma história- Na base da palmatóriaaprendi o bê-a-bá.

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Quando uma letra eu erravaa professora dizia:eu sabia que um dianum descuido eu te pegava!a palmatória baixavaque só se escutava o plá,em casa pedia um chápara ativar a memória- Na base da palmatóriaaprendi o bê-a-bá.

Numa mesa de madeirapor alunos rodeada,a professora “enraivada”fez a pergunta primeira,me deu uma tremedeiraque derrubou meu crachá,troquei o zê no agápor causa da vexatória- Na base da palmatóriaaprendi o bê-a-bá.

No município do Barrona escola Timbaúba:com bancos de carnaúba,uma mesinha e um jarro,lá, aprendi que o cigarroé nocivo e mata já,descobri que o Cearápossui tradição notória- Na base da palmatóriaaprendi o bê-a-bá.

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Maria Gomes Pereiraera a minha professora,que por ser educadoranão queria brincadeira,nos dias de sexta-feirachegava e dizia: Olá!“se preparem e venham cáque não tem escapatória”- Na base da palmatóriaaprendi o bê-a-bá.

Começava ao meio diaaté as cinco da tarde,quando eu lembro, a pele arde,recordar eu nem queria,pois quando à escola eu iao meu lanche era fubá,levava em meu patuáesperança da vitória- Na base da palmatóriaaprendi o bê-a-bá.

Com Hino Nacionala aula se iniciava,todo mundo se portavade forma racional,numa cantilena igualquando se dizia: jáera sonora de fáa toada obrigatória- Na base da palmatóriaaprendi o bê-a-bá.

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Era um caderno somentepara se fazer ditado,ou então cobrir trasladoou copiar novamente,tudo só para que a gentelembrasse da letra Ae descobrisse onde estáo segredo da finória- Na base da palmatóriaaprendi o bê-a-bá.

Eu estudei desse jeitoe com tudo isso aprendi,com esforço descobrique aquele estilo era aceito,se me formei em Direitotudo começou de lá,pois, isso foi e seráluz da minha trajetória- Na base da palmatóriaaprendi o bê-a-bá.

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“O Dir“O Dir“O Dir“O Dir“O Direito”eito”eito”eito”eito”

Este é um trabalho que o autor elaborou quando cursava oprimeiro semestre de sua faculdade, na Universidade Regional

do Cariri, na disciplina “Introdução ao Estudo do Direito”.Surpreendeu o professor da matéria pela iniciativa de fazê-lo

em verso, recebendo a nota máxima, não somente peloconteúdo, mas também pelo rigor da métrica e da rima.

1. 1. 1. 1. 1. AAAAAcepções da palavra Dircepções da palavra Dircepções da palavra Dircepções da palavra Dircepções da palavra DireitoeitoeitoeitoeitoEm diversas razões é empregado:Direito no âmbito objetivoobjetivoobjetivoobjetivoobjetivo,noutro assunto, porém, subjetivosubjetivosubjetivosubjetivosubjetivo,pelos sábios, passou a ser chamado.De JustiçaJustiçaJustiçaJustiçaJustiça, este nome lhe foi dado,CientíficoCientíficoCientíficoCientíficoCientífico lhe expressa uma verdade,vendo os lados da criminalidadeexpondo os fenômenos mais jurídicosdos fatos sociais, quando verídicosrespeitando o teor da lealdade.

2. 2. 2. 2. 2. Definição do DirDefinição do DirDefinição do DirDefinição do DirDefinição do DireitoeitoeitoeitoeitoDe autores conheço uma porção;todos eles firmaram seu conceito,a respeito da arte do Direitoeu também tenho a minha opinião;e com esta leal definiçãoque custou muito estudo e paciência,considero o DirDirDirDirDireitoeitoeitoeitoeito uma ciênciade vínculo comum bilateral,de conduta humana universalque procura o valor da convivência.

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3. 3. 3. 3. 3. NaturNaturNaturNaturNatureza cultural do Direza cultural do Direza cultural do Direza cultural do Direza cultural do DireitoeitoeitoeitoeitoOs homens se apegam à natureza,nela inserem poder de sua mente,transformando-a num mundo diferentesob um prisma de ordem e de grandeza.A cultura se veste de belezadefinindo uma explicação causal;é o DirDirDirDirDireitoeitoeitoeitoeito de ordem cultural,comparando o errado com o perfeito;há também quem afirme que o DirDirDirDirDireitoeitoeitoeitoeitoé de ordem histórico-cultural.

4. 4. 4. 4. 4. DirDirDirDirDireito e Sociedadeeito e Sociedadeeito e Sociedadeeito e Sociedadeeito e SociedadeO homem não vive com os demaissem a forma ou costume do Direito;assim como não pode ser aceitoviver fora dos grupos sociais.Sociedade e Direito são iguaisnos valores, no preceito e na idade;são as bases da ordem e da verdade,conservando princípios sempre novos,consultando lições dos mesmos povos,dando alma e sentido à humanidade.

5. 5. 5. 5. 5. Conceito de SociedadeConceito de SociedadeConceito de SociedadeConceito de SociedadeConceito de SociedadeSociedade em sentido de nação,sinônimo de grupo social,Sociedade humana ou animal,são conceitos que alguns autores dão.Indivíduos que, pela interação,permanecem, em grupo, entrelaçados.Povo rico de níveis elevados,grupo unido em defesa de um problema,respeitando o valor de um mesmo emblemaem espaços que são determinados.

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6. 6. 6. 6. 6. ContrContrContrContrControle Socialole Socialole Socialole Socialole SocialTudo está resumido numa lutade valores, de normas, de razões,pela qual os conflitos e tensõesaderem aos padrões de uma conduta.Isto ocorre num clima de disputa,lapidando os modelos culturais,quem buscar interesses pessoaispode até padecer uma sanção;eficácia, lei, ordem e proteçãoformam suas funções fundamentais.

7. 7. 7. 7. 7. Regras técnicas e Normas éticasRegras técnicas e Normas éticasRegras técnicas e Normas éticasRegras técnicas e Normas éticasRegras técnicas e Normas éticasRegras técnicas, sinal de execuçãosobre os meios usados para um fim;Normas éticas explicam-se assim,com respeito aos fins próprios de uma ação;ambas têm sua classificação,zelando o princípio de harmonia;no conceito da Sociologia:É conjunto que cumpre uma vontadeno Direito espelhando uma verdade,em sentido legal de autonomia.

8. 8. 8. 8. 8. Norma jurídicaNorma jurídicaNorma jurídicaNorma jurídicaNorma jurídicaÉ uma regra que tem comportamentoe que impõe nos deveres da verdade,atribui um ideal de faculdadecom a força formal do pensamento;que estuda o possível acatamentode uma prática que mostra seu efeito.Julgo ser o sentido mais perfeitoque define a história claramente,é a forma legal mais abrangenteque traduz a ciência do DIREITO.

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VVVVVisite nossa Palhoçaisite nossa Palhoçaisite nossa Palhoçaisite nossa Palhoçaisite nossa Palhoçanuma Noite de São Joãonuma Noite de São Joãonuma Noite de São Joãonuma Noite de São Joãonuma Noite de São João

Aqui se mostra como acontece o tradicional São João da Roçano sertão. Apesar da euforia junina, o autor manteve o

capricho com a rima e a metrificação, numa demonstraçãosincera de que a arte de fazer verso tem regra própria e não

deve em momento nenhum a mesma ser burlada, masmantida rigorosamente com o fim de incentivar a evolução do

repente e da literatura do povo.

Quem não conhece roqueirae não se sentou em calçada,nem comeu batata assadana quentura da fogueira,nunca dançou na poeirasob à luz de um lampião,nem sequer tem a noçãodo que é festa na roça- Visite nossa palhoçanuma noite de São João.

Venha beber e dançar,conhecer a brincadeirada faca na bananeiraquando a moça quer casar;na bacia, o rosto olhar,dizer adivinhação,apreciar o balãocortando uma nuvem grossa- Visite nossa palhoçanuma noite de São João.

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Tomar fogueira vizinha,gracejar com voz ativa,soltar bomba e gritar viva!na fumaça da chuvinha,beber cana e caipirinhapreparada com limão,esbanjar sua emoção,pois São João é festa nossa- Visite nossa palhoçanuma noite de São João.

Um ancião desabafafalando do seu passado,depois que fala um bocadobota água na garrafa,balança, tampa e abafa,deixa enterrada no chão,se aumentar uma porçãoé sinal que chuva empossa- Visite nossa palhoçanuma noite de São João.

O dono da casa, atento,enfeita os paus da latada,é a sanfona afinadao principal instrumento,a hora do casamentoé a melhor atração,o padre faz um sermão,os noivos vêm na carroça- Visite nossa palhoçanuma noite de São João.

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À meia noite o som párae tem início a quadrilha,foguetão no espaço brilhaque até deixa a noite clara,um matuto se declarapara a filha do patrão,se a resposta for um NÃOo cabra fica na fossa- Visite nossa palhoçanuma noite de São João.

Criança esquece da redenas explosões dos festejos,nas ilusões dos gracejosaguardente mata a sede,bomba batendo em paredeque chega abala o oitão,grita um ébrio no salãocomigo não tem quem possa- Visite nossa palhoçanuma noite de São João.

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TTTTTiririririre um Pouco do Pão de sua Mesae um Pouco do Pão de sua Mesae um Pouco do Pão de sua Mesae um Pouco do Pão de sua Mesae um Pouco do Pão de sua Mesae dê ao Pobre dê ao Pobre dê ao Pobre dê ao Pobre dê ao Pobre que Pede em seu Portãoe que Pede em seu Portãoe que Pede em seu Portãoe que Pede em seu Portãoe que Pede em seu Portão

Mote produzido e declamado pelo autor na comemoraçãonatalina, organizada pelos funcionários do Banco do Nordeste,

agência de Juazeiro do Norte, em dezembro de 2002.É mais um decassílabo com os critérios de rima e métrica

eleitos pelo autor.

As pessoas sem lar, sem vez, sem voz,pelas ruas andando esmolambadas,sem destino, dormindo nas calçadas,sem parede, sem cama e sem lençóis,são também seres vivos como nósque esperam as ajudas de um irmão,se a elas estendermos nossa mãoDeus no céu reconhece esta nobreza- Tire um pouco do pão de sua mesae dê ao pobre que pede em seu portão.

É comum encontrar-se corriolade crianças jogadas pelas ruasdesnutridas, descalças, seminuas,sem remédio, sem teto e sem escola,com a mão estirada pedem esmolapara ouvir das pessoas sempre um NÃO,a miséria estampada na feiçãoregistrando o tamanho da pobreza- Tire um pouco do pão da sua mesae dê ao pobre que pede em seu portão.

O mendigo que tem por moradiao recanto sombrio de uma praça,

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nunca escuta um bom-dia de quem passamas recebe piadas de um vigia,mas o próprio vigia deveriacompreender que aquele cidadão,se afastasse os descasos da nação,talvez fosse gerente de uma empresa- Tire um pouco do pão de sua mesae dê ao pobre que pede em seu portão.

Se um alguém uma esmola lhe pediamas você desse alguém desconfiavae até mesmo a esmola lhe negavacertamente por que não o conhecia,pois a mão que conduz uma baciatambém pode pegar um mosquetão,se não faz é porque seu coraçãotem a força de Deus por natureza- Tire um pouco do pão de sua mesae dê ao pobre quer pede em seu portão.

E você, meu colega advogado,um escravo da luta e da ciência,também preste um pouquinho de assistênciaao mendigo faminto e desprezado;e você, promotor ou magistrado,não decida por força de emoção,não se envolva na toga da missão,dê ao pobre o direito de defesa- Tire um pouco do pão de sua mesa e dê ao pobre que pede em seu portão.

Lideranças políticas federaisnão confundam o prprprprpreçoeçoeçoeçoeço com o vvvvvaloraloraloraloralor,,,,,saibam bem que a grandeza do amor

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vem no gesto de quem pratica a paz,as medidas se dizem sociaismas não trazem a devida soluçãopara o pobre que dorme sem colchãoenvolvido no manto da tristeza- Tire um pouco do chão de sua mesae dê ao pobre que pede em seu portão.

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O Bode que o Bode DeuO Bode que o Bode DeuO Bode que o Bode DeuO Bode que o Bode DeuO Bode que o Bode Deu

Tudo começou por uma matéria na internet, onde senoticiava a existência de uma ação de indenização por danosmorais ajuizada na décima primeira vara de Recife por uma

empresa internacional contra uma churrascaria da capitalpernambucana. O motivo da ação foi porque o

estabelecimento comercial colocou em seu nome expressãosimilar a daquela empresa com o acréscimo da palavra bode,

isto porque a carne do caprino era o cardápio tradicionaldaquele estabelecimento. Obrigado, através de liminar,

a retirar o nome dado à churrascaria, seu proprietário colocouna placa o dizer popular: Deu bode. Daí, a pedido de alguns

colegas, em tom de brincadeira, o autor desenvolveu em setesílabas este trabalho que pode também ser chamado de mote,

apesar de a terminação ser apenas de uma linha.Camões já fazia mote de um verso só.

Vou ver se digo em repentequal o conceito de bode,não é só barba e bigodeque deixa o bode decente,tem o bode inteligenteque discursar aprendeu,com carranca de judeué o rei no seu batente,direi oportunamente- O bode que o bode deu.

Bonito é ver um fulejofulejofulejofulejofulejoeufórico no seu prazer,subir na cabra e descersaciando seu desejo,é um filme sertanejo

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que no nordeste cresceu,e só o bodejado seufaz a cabra enlouquecer,lá na frente eu vou dizer- O bode que o bode deu.

Um bode novo é cabrito,fulejofulejofulejofulejofulejo é bode pequeno,bode de raça quer feno,pé-duro come palito,um bode gordo é bonitoe se o dono não vendeu,com dois anos que nasceuse chama pai de chiqueirovou dizer por derradeiro- O bode que o bode deu.

Dele não se perde nada:a carne é boa no prato,sua pele dá sapato,do fato se faz buchada,seu berro é uma toadaque o nordeste conheceu,seu crânio é peça em museuseu chifre dá artifíciovou dizer desde o inicio- O bode que o bode deuO bode que o bode deuO bode que o bode deuO bode que o bode deuO bode que o bode deu.

Veja o sinônimo de bode:é encrenca, é confusão,pode ser menstruação,é sujeito de bigode;chamar de bode se podeum homem que enrouqueceu,

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depois não digam que eusou o bode expiatóriomas vou provar que é notório- O bode que o bode deu.

Na décima primeira varada comarca de Recife,bode que só dava bifegerou uma questão rara,eu não sei se a lei amparao que o autor requereu,não sei se o réu respondeue nem qual foi o seu rebateresta aguardar o desate- Do bode que o bode deu.

Mc foi que causoua questão sob notícia,pois, o bode sem malíciano seu nome o colocou,depois que analisouaté já se arrependeu,constrangimento sofreucom presença de meirinho,vamos ver mais um pouquinho- O bode que o bode deu.

Uma empresa de renomeda rede internacionalentendeu ser ilegalo bode imitar seu nome,temendo que o bode tomeo seu brilhante apogeu,o julgador concedeu

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em caráter liminaro réu teve que tirar- O bode que o bode deu.

A própria churrascariasó por gracejo e pagodena placa botou – “Deu Bode”redobrando a ironia,provando que a freguesiagostou do que aconteceu,quem o caso conheceutem prazer de freqüentarpara ouvir e perguntar- O bode que o bode deu.O bode que o bode deu.O bode que o bode deu.O bode que o bode deu.O bode que o bode deu.

McDonald’s pedealém da proibiçãoverba de indenizaçãocujo valor não se mede;pra ver se o juiz concededramatiza o que ocorreu,acórdãos não transcreveuporque não há semelhante,é um caso hilariante- O bode que o bode deu.

É caso desconhecidoque me chama a atençãodiante a desproporçãoentre autor e promovido.Quem será mesmo o vencido?Ninguém inda respondeu.Dizia um parente meu:“Corda só quebra no fraco”

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Bode, prepare o sovaco!- O bode que o bode deu.

É esse o caso primeiroque se encampou por aqui,o próprio INPIINPIINPIINPIINPIlevou ao Rio de Janeiro;o bode do tabuleirona metrópole apareceu,o que só engrandeceuo seu nome no mercado,vai ser esse o resultado- O bode que o bode deu.

Tem bode da ponta fina,ciumento e elegante,que quando vê sua amantebanha o rosto com urina.Agrobode em Petrolinao progresso promoveu,Cabaceiras tem museue a festa do Bode-Rei,assim, acho que narrei- O bode que o bode deu.

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Político já Mentiu TPolítico já Mentiu TPolítico já Mentiu TPolítico já Mentiu TPolítico já Mentiu TantoantoantoantoantoQue o Sertanejo AprQue o Sertanejo AprQue o Sertanejo AprQue o Sertanejo AprQue o Sertanejo Aprendeuendeuendeuendeuendeu

O achado deste mote está envolvido no gracejo, pois em cada verso háde forma subjetiva o que na realidade acontece nas campanhas dointerior. O primeiro verso do mote pede uma rapidez maior em seupronunciamento, isto porque se inicia com palavra proparoxítona,consoante se fez menção quando se falou de metrificação no iníciodesta coletânea.

Para ganhar eleiçãoa nível municipalpolítico em zona ruralfez muita reunião;energia e cacimbão,isso tudo prometeu,mas depois que se elegeunão foi mais naquele canto- Político já mentiu tantoque o sertanejo aprendeu.

Aumento dos professoresé o que promete mais,através do rádio fazpromessa aos trabalhadores;e diz que aos agricultoresmuito já favoreceu,o palavreado seusó tem mentira e espanto- Político já mentiu tantoque o sertanejo aprendeu.

Diz ele: ganhando, eu mudoo sistema social;

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promete escola, hospital,emprego e bolsa de estudo;quando ganha esquece tudoaquilo que prometeu,quem o voto a ele deusoluça de raiva e pranto- Político já mentiu tantoque o sertanejo aprendeu.

Mas o matuto de agoracom ninguém se compromete;se pedem votos, promete;se dão um número, decora.Mas quando é chegada a horatudo o que disse, esqueceu,e o voto que ele exerceufoi verdadeiro quebranto- Político já mentiu tantoque o sertanejo aprendeu.

Matuto já vai à praça,dá ao político atenção,vai à sua habitaçãopalestra e bebe cachaça,ainda almoça de graçadiz sorrindo: o voto é seu,para comprar um pneupede ainda não sei quanto- Político já mentiu tantoque o sertanejo aprendeu.

Matuto pede ao prefeitoremédio, roupa e sapatos,vai aos outros candidatos,

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procede do mesmo jeito;chegando o dia do pleitoesquece o que recebeu,afinal nada valeu,tudo é farsa por enquanto- Político já mentiu tantoque até sertanejo aprendeu.

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A História de um Povo se EscrA História de um Povo se EscrA História de um Povo se EscrA História de um Povo se EscrA História de um Povo se Escreeeeevevevevevecom Poesia, Tcom Poesia, Tcom Poesia, Tcom Poesia, Tcom Poesia, Trabalho e Liberrabalho e Liberrabalho e Liberrabalho e Liberrabalho e Liberdadedadedadedadedade

Mote dado por um desconhecido (dizendo-se bancário do BBde Jaguaribe), no Clube de Brejo Santo, em fevereiro de 1985.

Da conversa com aquele cidadão, várias estrofes foramglosadas, porém muitas se perderam, tornando-se possível

salvar apenas as duas que seguem.

Quem conhece a história do roceiro?Homem simples, sofrido, da mão grossa,o seu clube de festa é uma roça,seu amigo, um cachorro perdigueiro;sem apoio, sem luxo, sem dinheiro,trabalhando pra o povo da cidade,sua casa só tem necessidade,na bodega, não sabe quanto deve- A história de um povo se escrevecom poesia, trabalho e liberdade.

Quem conhece a criança abandonada?Pele suja, sem roupa e pé no chão,a miséria estampada na feiçãosob os riscos da fusca madrugada,sem escola, sem pão e sem ter nada,sem apoio de qualquer autoridade,sua cama é o lixo da cidade,seu lençol é o pó da branca neve- A história de um povo se escrevecom poesia, trabalho e liberdade.

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A História de um Povo se EscrA História de um Povo se EscrA História de um Povo se EscrA História de um Povo se EscrA História de um Povo se Escreeeeevevevevevecom Poesia, Tcom Poesia, Tcom Poesia, Tcom Poesia, Tcom Poesia, Trabalho e Liberrabalho e Liberrabalho e Liberrabalho e Liberrabalho e Liberdadedadedadedadedade

Mote dado por um desconhecido (dizendo-se bancário do BBde Jaguaribe), no Clube de Brejo Santo, em fevereiro de 1985.

Da conversa com aquele cidadão, várias estrofes foramglosadas, porém muitas se perderam, tornando-se possível

salvar apenas as duas que seguem.

Quem conhece a história do roceiro?Homem simples, sofrido, da mão grossa,o seu clube de festa é uma roça,seu amigo, um cachorro perdigueiro;sem apoio, sem luxo, sem dinheiro,trabalhando pra o povo da cidade,sua casa só tem necessidade,na bodega, não sabe quanto deve- A história de um povo se escrevecom poesia, trabalho e liberdade.

Quem conhece a criança abandonada?Pele suja, sem roupa e pé no chão,a miséria estampada na feiçãosob os riscos da fusca madrugada,sem escola, sem pão e sem ter nada,sem apoio de qualquer autoridade,sua cama é o lixo da cidade,seu lençol é o pó da branca neve- A história de um povo se escrevecom poesia, trabalho e liberdade.

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As ÁrvorAs ÁrvorAs ÁrvorAs ÁrvorAs Árvores Mais Resistenteses Mais Resistenteses Mais Resistenteses Mais Resistenteses Mais ResistentesCostumam MorrCostumam MorrCostumam MorrCostumam MorrCostumam Morrer de Péer de Péer de Péer de Péer de Pé

Mote produzido por ocasião da missa de trinta dias rezadaem sufrágio da alma da genitora do autor, em 08.06.1998.

Ele escreveu os versos, mas as emoções não deixaram que osdeclamasse naquele momento. Trata-se de ligeira referência à

vida simples e religiosa de sua inesquecível mãe EfigêniaVieira de Aquino, exemplo de esperança, que morreu semperder sua lucidez. É, portanto, um decassílabo que busca

valorizar a árvore da vida.

Buscou se apoiar no arcodo carisma e da bonança,da pedra da esperançafez seu verdadeiro marco,sua vida foi um barconos oceanos da sé,defendeu a paz atédeixar os sobreviventes- As árvores mais resistentescostumam morrer de pé.

O seu passado eu contemplocom forças das emoções,no mundo das oraçõesfoi defensora do templo,sua vida foi exemploaos seguidores da fé,hoje sua história élida por seus descendentes- As árvores mais resistentescostumam morrer de pé.

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Foi forte seu coração,nos últimos dias de vidasua voz foi suprimidamas seu pensamento não,demonstrava na feiçãoas graças do Nazaré,e que agradecia atéas visitas dos parentes- As árvores mais resistentescostumam morrer de pé.

Se alguém fizesse um alardepor lhe faltar o sustentoe ela escutasse o lamentosobre aquele inverno tarde,ela aconselhava, aguardeo dia de São José,pois aquele Santo éprotetor dos penitentes- As árvores mais resistentescostumam morrer de pé.

Ante qualquer imprevistosua história sobressai,reencontrou com meu paie hoje está dizendo a Cristoque a roupa escura que vistopreta da cor de cafénão é mais tristeza, é fé,fruto de suas sementes- As árvores mais resistentescostumam morrer de pé.

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Em Nome de Quem ErrEm Nome de Quem ErrEm Nome de Quem ErrEm Nome de Quem ErrEm Nome de Quem Errou,ou,ou,ou,ou,Humilde Peço PerHumilde Peço PerHumilde Peço PerHumilde Peço PerHumilde Peço Perdãodãodãodãodão

Apenas duas estrofes se salvaram de um trabalho longo que oautor narrou após uma reunião em sua comunidade, quando

um dos participantes tentava se sair jogando a culpa emoutro membro do grupo. Com bastante sutileza, os versos

mostram a fertilidade da poesia popular e seu leque dealcance no mundo da literatura, comprovando a subjetividade

dos temas que podem por meio dela se proliferar.

Oh! Pátria que tanto louvo!Votei pensando em lhe darum governante exemplarpara organizar seu povo;perdi meu voto de novonas promessas de eleição,a minha nobre intençãoum demagogo roubou,- Em nome de quem errouhumilde peço perdão.

Autoridade sublimeque me pôs detrás da gradetambém prive a liberdadedo maior autor do crime;tire-me deste regimee dê a outro esta prisão,se fiz uso do canhãocertamente alguém armou,- Em nome de quem errouhumilde peço perdão.

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MorrMorrMorrMorrMorrendo eu Querendo eu Querendo eu Querendo eu Querendo eu Quero Leo Leo Leo Leo Levvvvvarararararum Livrum Livrum Livrum Livrum Livro no Meu Caixãoo no Meu Caixãoo no Meu Caixãoo no Meu Caixãoo no Meu Caixão

Nestes versos, o autor demonstra o amor que tem pelaliteratura, revelando-o com aquela conotação multiplicadora

e própria do poeta popular.

Não me interessa o autor,porém sendo de poesiapode ser de Zé Maria,de Gilvan ou Zé Nestor,ou de qualquer cantadorque defenda a profissão,seja de Sebastião,João Bandeira ou Zé Gaspar- Morrendo eu quero levarum livro no meu caixão.

Pouco interessa o volume,só importa o conteúdo,pois deve falar de tudo:amor, paixão e ciúme,tradição, crença e costume,despedida e saudação,se for de religiãovai servir pra eu rezar- Morrendo eu quero levarum livro no meu caixão.

Seja dos livros jocosos,mas que não tragam discursosde quem desviou recursosdos destinos preciosos.

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Se for de nomes vultososque defenderam a Nação,quero tê-lo em minha mãopara no céu divulgar- Morrendo eu quero levarum livro no meu caixão.

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No Final o Homem MorrNo Final o Homem MorrNo Final o Homem MorrNo Final o Homem MorrNo Final o Homem MorreeeeeAh! Meu Deus o que LucrAh! Meu Deus o que LucrAh! Meu Deus o que LucrAh! Meu Deus o que LucrAh! Meu Deus o que Lucrou!ou!ou!ou!ou!

Mote produzido em um final de expediente, na cidade deMombaça, no Estado do Ceará, por volta de 1983, a pedido de

um colega chamado Batista. Ele também é poeta e improvisouvárias estrofes, porém não conseguiu resgatá-las. Trata-se de

mote um tanto difícil de fazer por reunir em suas linhasverbos interdependentes em tempos distintos, no caso, morre

(presente do indicativo) e lucrou (pretérito perfeito).

O homem nasce criança,seu passatempo é brinquedo,de tudo o que vê tem medoe usa o choro por vingança,quando jovem, brinca e dança,depois de velho, cansou;recordando o que passouao rosário ele recorre- No final o homem morreah! meu Deus o que lucrou!

Enobrecendo a históriao homem luta e se forma,mesmo assim não se conforma,quer mais fama, quer mais glória,depois que tem a vitórianão pensa em quem derrotou,a fortuna que ganhouda morte nunca o socorre- No final o homem morreah! meu Deus o que lucrou!

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Por exemplo, um generalmanda, prende, “pinta o sete”,todo dia ele é manchetede matérias de jornal;no âmbito nacionalseu prestígio se espalhou,se um público dominou,mas da morte ele não corre- No final o homem morreah! meu Deus o que lucrou!

O Pedro Álvares Cabralnavegou, descobriu terra,quase deixava uma guerrapra Nação de Portugal;Tiradentes foi leal,por isso alguém o matou,um feriado deixoupara o povo beber porre-No final o homem morreah! meu Deus o que lucrou!

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O CigarrO CigarrO CigarrO CigarrO Cigarro é Falso Amigoo é Falso Amigoo é Falso Amigoo é Falso Amigoo é Falso Amigoque Mata Covque Mata Covque Mata Covque Mata Covque Mata Covararararardementedementedementedementedemente

Mote escrito ao observar um fumante no ambiente detrabalho. Como não poderia deixar de ser, o autor imprensou

entre a métrica e a rima os males que o cigarro faz,formulando um conselho e invocando para o texto a segunda

pessoa do singular, o que dificulta um pouco a versificaçãopela obrigatoriedade que se tem de guardar a coerência com o

respectivo pronome possessivo, bem como manter aconcordância pessoal dos verbos.

Cilíndrico e meio comprido,com nicotina no centro,cheio de fumo por dentro,de papel todo envolvido,um pedaço coloridopara embelezar a gente,quem o vê fisicamenteaté não crê no que digo- O cigarro é falso amigoque mata covardemente.

Se vais a festa, ela vaiguardado sobre o teu peito,por ele ser muito aceitoda tua boca não sai,e se às vezes a teu paitu ofertas de presente,o pobre inocentementerecebe aquele inimigo- O cigarro é falso amigoque mata covardemente.

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Ele fica em tua mãobordando a tua desgraçae transformando em fumaçao dinheiro do teu pão,depreciando a feição,poluindo a tua mente,implantando uma sementeque produzirá castigo- O cigarro é falso amigoque mata covardemente.

Esse povo que te induza não deixar o cigarronão tolera o teu pigarroquando tu escarras pus,mas Deus, o pai de Jesus,quer te ver livre e contente,a sociedade sentemas não te diz do perigo- O cigarro é falso amigoque mata covardemente.

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Quando o Grande tem Medo de CairQuando o Grande tem Medo de CairQuando o Grande tem Medo de CairQuando o Grande tem Medo de CairQuando o Grande tem Medo de Cairo Pequeno Peleja e não se Aprumao Pequeno Peleja e não se Aprumao Pequeno Peleja e não se Aprumao Pequeno Peleja e não se Aprumao Pequeno Peleja e não se Apruma

Três estrofes que foram resgatadas de um longo trabalhoproduzido em maio de 1984, após ouvir o sermão

de um padre do interior. É um decassílabo de rima rara,bem cadenciado, que traz com ênfase a acentuaçãoobrigatória. O sentido figurado dos versos é talvez

o que mais embeleza seu conteúdo.

É o homem explorando o seu irmãopra viver num mundão de mordomias,ter status, prestígio e regalias,mandar mais nos poderes da Nação;sobem juros, galopa a inflação,e o pequeno sem ter vantagem alguma,como um réu que procura e não arrumaum buraco na grade pra sair- Quando o grande tem medo de cairo pequeno peleja e não se apruma.

Vê-se um rico e famoso fazendeiro,dedicado à lavoura e criação,quando vê alto preço da raçãobaixa logo o salário do vaqueiro,quando chegam janeiro e fevereiroas pastagens no campo formam rumae o coitado vaqueiro fica numailusão de que o ganho vai subir- Quando o grande tem medo de cairo pequeno peleja e não se apruma.

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É assim que entendem os empresáriosquando vêem aumentar o combustívelpra manterem da empresa o mesmo nívelcriam regras que afetam os operários,se algum deles ganhar uns três salários,depressa, eles querem que outro assuma,e o novato ligeiro se acostumaganhar pouco, sofrer e produzir- Quando o grande tem medo de cairo pequeno peleja e não se apruma.

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O Quanto o TO Quanto o TO Quanto o TO Quanto o TO Quanto o Tempo é Perversoempo é Perversoempo é Perversoempo é Perversoempo é Perverso

Versos espontâneos sobre a ação do tempo, compostosem sextilhas com obediência da deixa, mantendo o rigor

da rima e da metrificação.

O tempo é como ilusãose passa sem ninguém ver,com suas mãos abstratasnos atira no sofrer,tirando toda alegriasem o dono perceber.

Quem nasce tem que sofreresta tal fatalidade,o tempo tira a infânciae os dias da mocidade,depois que maltrata entreganas mãos cruéis da saudade

Vida de tranqüilidadee de brinquedos colossais,nosso tempo de infânciae nossos dias joviaissão maravilhas da vidaque o tempo leva e não traz.

Quem já foi e não é maisdisposto, forte e amado,medita consigo e dizmeu Deus o tempo é culpado,e somente a recordaçãoé foto do meu passado.

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O tempo é mesmo malvado,pega às vezes quem é forte,primeiro tira a coragem,tira a saúde e a sorte,depois termina jogandonas buraqueiras da morte.

Quando eu deixar de ser fortenão vou botar culpa nele,o tempo de mim não zombaeu apenas zombo dele,nem ele passa por mimsou eu quem passo por ele.

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PerPerPerPerPerguntas que fiz às Aguasguntas que fiz às Aguasguntas que fiz às Aguasguntas que fiz às Aguasguntas que fiz às Aguas

Com este poema, composto de dez estrofes em terminaçãodiversa, o autor descreveu uma imaginária conversa com aságuas em movimento, o que aconteceu quando observava àsmargens do rio Salgado o despenhadeiro provocado pela cheia.Fez isto em versos de sete sílabas, com rimas ora alternadas,

ora emparelhadas, sem perder de vista os rigores da metrificação.

Água, só você respondeesta série de pergunta:Em qual lugar é que escondeas impurezas que junta?Leva para os oceanos?Ou por precauções dos danosutiliza na viagem?Leva paus, cerca e caniço!Água, nem precisa dissopara exibir sua coragem.

Diga-me se é por maldadeque faz erosão na terra,por que despreza a cidadepara conhecer a serra?Por que você não conservaisso tudo que reserva?Só faz ir e nunca vem?Quem toca em você se molha,medita, delira e olhasem você olhar ninguém.

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Vejo pelo seu espelhoa penumbra da paisageme o rosto do sol vermelhodedicando uma mensagem;o que viu pelas alturas?E por que as nuvens escurascobrem céu pra ninguém ver?Se no espaço não há nadabanco, degraus nem escada,e o que fez para descer.

Seu ruído é um consolopara abrandar arrogâncias,levando tudo de roloe sem distinguir substâncias;dá vida a quem é mais forte,dos fracos provoca a mortecom ações inconscientes!Mistura flores com folhas,por que não faz as escolhasdas espécies diferentes?

Água que ironiza as ondasna força das cachoeiras!Faz suas curvas redondasno limite das barreiras!É a sua direçãoo leito estreito do chão,e o seu destino é o além,por que mostra essa vaidade?Diga se sente saudadedos lugares de onde vem.

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Diga se vem de distantee se tem destino certo,que viu de mais importantena solidão do deserto?Diga se sofre processoquando utiliza o excessoe tira a vida de alguém;por que você não descobrequando desabriga um pobredestruindo o que ele tem?

É para exaltar o maresse seu zoar romântico?Pretende se misturarcom as ondas fortes do Atlântico?Gosta mais de climas frios?Diga se conhece os riosMississipi e Tietê,diga também se percebequando um ser humano bebeum pouquinho de você.

Você nunca se aborrececom a presença de peixinhos?Quando o perigo aparecepor que não livra os bichinhos?O seu Deus é Oxalá?Ou é o mestre Jeováo grande profeta seu?Ou não professa ninguém?Diga se gosta de alguémou se vive só como eu.

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Gosta mais das terras baixas,nunca sobe, sempre desce!Zombando, despreza as faixasque a natureza oferece!Responda como se sentequando alguém rebeldementeprende você com parede,diga qual é o prazerde ser útil e até sercontrário de seca e sede.

Senti que você não gostade dizer o que não sei,tive o nada de respostado tudo que perguntei,não quis ouvir meu estilopra se dedicar àquiloque é inútil ao que é seu,fracassou com seus orgulhos!será que folha e vasculhostêm mais valor do que eu?

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O Bom CorO Bom CorO Bom CorO Bom CorO Bom Cordel dedel dedel dedel dedel deve terve terve terve terve terRima e MetrificaçãoRima e MetrificaçãoRima e MetrificaçãoRima e MetrificaçãoRima e Metrificação

Estas estrofes integram o cordel coletivo lançado pelaAcademia dos Cordelistas do Crato, com o fim de enaltecer a

arte popular, intitulado Tradição e Luta. Cada colega daquelacasa improvisou seus versos em motes diferentes, porém todos

alusivos à grandeza da literatura do povo.

Cordel tem que ser versadoter cadência e ser completo,mantendo em seu objetoas raízes do passado,onde o autor com cuidadoexpresse a sua emoção,tirando da inspiraçãoo que o povo quer saber- O bom cordel deve terrima e metrificação.

Graças à força do estudodo grande mestre Hugolino,dando ao cordel um destinode nobreza e conteúdo;hoje, cordel não é tudoque se pendura em cordão,precisa ter oração,ser bom de cantar e ler- O bom cordel deve terrima e metrificação.

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Conversa com MoucoConversa com MoucoConversa com MoucoConversa com MoucoConversa com Mouco

Como se pode conferir na sua leitura, este trabalho reúneestrofes em oito pés com a mesma terminação, nas quais o

primeiro e terceiro versos são livres, o segundo rima com oquarto e o oitavo, enquanto o quinto, o sexto e o sétimo

rimam entre si. Aqui se adotou a linguagem cabocla, semqualquer preocupação gramatical, porém conservando as

exigências da rima e da métrica, fatores indispensáveis naconstrução do bom verso popular. É um poema imaginado efigura nesta coletânea como pequeno exemplo de que dessa

forma é também possível versejar sem fugir do estilo que asregras impõem à arte.

Bom dia Siô Cazuza,vamo conversá um pouco,eu trouxe pra lhe vendêsete jerimum caboco.Tudo qui eu lhe diziaseu Cazuza não ouviae somente repetia- Fale arto qui eu sou mouco...

Aproveite, seu Cazuza,qui meu tempo é muito pouco,vendo também melancia,tomate, batata e coco.Seu Cazuza nada ouvia,como quem se aborrecia,dava um tossido e dizia- Fale arto qui eu sou mouco...

Peguei o saco de frutae encostei no pé de um toco,e disse por dez real

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eu não vou lhe vortá troco,não se assombre da quantia,seu Cazuza nada ouvia,novamente repetia- Fale arto qui eu sou mouco...

As fruta foi produzidana roça de Zé Tinoco,eu troquei numa cangaia,num facão e num piçoco;e lhe vendê eu queria,Cazuza não me ouviae a merma coisa dizia- Fale arto qui eu sou mouco...

Falei sero, seu Cazuzade raiva tô quage louco,de tanto falá gritanoda garganta já tô rouco,Cazuza não me ouvia,um cigarro ele acendiae novamente repetia- Fale arto qui sou mouco...

Eu lhe disse, seu Cazuza,vou findá lhe dano um soco,eu sei qui a sua idadedevo respeitá um pouco,Cazuza não me ouviase levantava e saíae outa vez me dizia- Fale arto qui eu sou mouco...

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Parece qui esse véiotá pensano qui eu sou louco,pra me vingá dessa raivade tudo eu dizia um pouco,Cazuza apena sorria,pruquê ele não ouviaos nome qui eu dizia:- Eita desgraçado mouco...

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Dados Biográficos do AutorDados Biográficos do AutorDados Biográficos do AutorDados Biográficos do AutorDados Biográficos do Autor

PEDRO ERNESTPEDRO ERNESTPEDRO ERNESTPEDRO ERNESTPEDRO ERNESTO FILHOO FILHOO FILHOO FILHOO FILHO é natural do município do Barro, Estado do Ceará.Filho de Pedro Ernesto de Aquino e Efigênia Vieira de Aquino, o mais novo deuma família de 14 irmãos. Menino do campo, nascido no sítio Timbaúba, ondeviveu sua infância e desenvolveu por algum tempo a atividade rural. Alifoi alfabetizado, continuando sua escolaridade na sede do município,principalmente no Grupo Justino Alves Feitosa e Ginásio Santo Antônio.Fez o curso de técnico em agropecuária na Escola Agrotécnica Federal doCrato. É advogado, bacharelado pela Universidade Regional do Cariri. Comopoeta, é autor de vários títulos, com mais de 20 (vinte) cordéis publicados. Écitado e divulgado em revistas culturais, congressos, jornais, antologias eprogramas radiofônicos do gênero poético. Foi vencedor em vários certamesliterários, merecendo destaque: “O Prêmio Anual de Literatura de Cordel”promovido pelo SESC de Juazeiro do Norte (2005), e “O sonho de um Nordestemelhor” (2006), este promovido pela AFBNB. Prestou serviços à Organizaçãodas Cooperativas do Ceará – OCEC e ao Banco do Estado do Ceará – BEC.Atualmente, é advogado do quadro jurídico do Banco do Nordeste do Brasil S/A. Pedro Ernesto é membro da Academia dos Cordelistas do Crato, ocupandoa cadeira nº 15. Por indicação, concorreu e conseguiu ingressar no ICVC –Instituto Cultural do Vale Caririense, ocupando a cadeira nº 31. É casadocom Gizelda Tavares, pai de três filhos e reside na cidade de Juazeiro doNorte-CE.

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