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CIDADE-SHOPPING-CIDADE: O OLHAR SOBRE O BOULEVARD SHOPPING DE FEIRA DE SANTANA, BAHIA, COMO CIDADE. Maristela dos Santos Pinho, Mestranda em Desenho, Cultura e Interatividade, Universidade Estadual de Feira de Santana, [email protected] Nadia Virginia Barbosa Carneiro, Professora Titular, Universidade Estadual de Feira de Santana, n[email protected] Lysie dos Reis Oliveira, Professora Adjunto, Universidade do Estado da Bahia, lysie60@hotmail.com RESUMO Este artigo tem como objetivo realizar uma análise da implantação do Boulevard Shopping no espaço urbano de Feira de Santana e discutir o (re)desenho por ele provocado no meio ambiente construído desta cidade; compreender em que medida o shopping vem se tornando uma continuidade do espaço urbano como cidade-shopping-cidade. O shopping é compreendido neste estudo como um simulacro do ambiente citadino, que sofre as mesmas influências da cidade de caráter comercial que o abriga. Construído sobre uma imagem e de um estereótipo de espaço que vai oferecer o que a cidade não oferece aos transeuntes – segurança, conforto, estacionamento, modernidades – torna-se a “cidade perfeita e tranquila,” e vem confirmar que Feira de Santana, com a sua presença, inclui-se no âmbito da modernidade que tanto almejou. PALAVRAS-CHAVE: Desenho urbano; cidade; Boulevard Shopping de Feira de Santana. 1. INTRODUÇÃO Segundo os pressupostos da pós-modernidade, o shopping intenciona ser, na atual realidade das cidades brasileiras, um simulacro de cidade. Sugere-se que diferentes fenômenos sociais, como a violência urbana, o niilismo, a efemeridade das relações sociais, III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR 2142

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CIDADE-SHOPPING-CIDADE: O OLHAR SOBRE O BOULEVARD

SHOPPING DE FEIRA DE SANTANA, BAHIA, COMO CIDADE.

Maristela dos Santos Pinho, Mestranda em Desenho, Cultura e Interatividade,

Universidade Estadual de Feira de Santana, [email protected]

Nadia Virginia Barbosa Carneiro, Professora Titular, Universidade Estadual de Feira

de Santana, [email protected]

Lysie dos Reis Oliveira, Professora Adjunto, Universidade do Estado da Bahia,

[email protected]

RESUMO

Este artigo tem como objetivo realizar uma análise da implantação do Boulevard Shopping no

espaço urbano de Feira de Santana e discutir o (re)desenho por ele provocado no meio

ambiente construído desta cidade; compreender em que medida o shopping vem se tornando

uma continuidade do espaço urbano como cidade-shopping-cidade. O shopping é

compreendido neste estudo como um simulacro do ambiente citadino, que sofre as mesmas

influências da cidade de caráter comercial que o abriga. Construído sobre uma imagem e de

um estereótipo de espaço que vai oferecer o que a cidade não oferece aos transeuntes –

segurança, conforto, estacionamento, modernidades – torna-se a “cidade perfeita e tranquila,”

e vem confirmar que Feira de Santana, com a sua presença, inclui-se no âmbito da

modernidade que tanto almejou.

PALAVRAS-CHAVE: Desenho urbano; cidade; Boulevard Shopping de Feira de Santana.

1. INTRODUÇÃO

Segundo os pressupostos da pós-modernidade, o shopping intenciona ser, na atual

realidade das cidades brasileiras, um simulacro de cidade. Sugere-se que diferentes

fenômenos sociais, como a violência urbana, o niilismo, a efemeridade das relações sociais,

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aliados ao modelo do capitalismo atual, são propulsores do costume/hábito de ver os

corredores do shopping como ruas, as vitrines como fachadas, o conjunto de lojas que vendem

comida como “praça” de alimentação, enfim, considera-se que há muitas analogias entre o

estar no ambiente citadino e o atual modelo de utilização do shopping como extensão de uma

cidade.

Esse tema tem sua relevância quando se aproxima da história da cidade de Feira de

Santana. Marcada como cenário de grandes movimentações comerciais, foi sendo

naturalmente reconhecida como o território do estado em que a pujança comercial afirmava-

lhe o nome de batismo. Feira tem um papel fundamental no entendimento da história da

Bahia, e desde o seu surgimento, almeja se tornar uma cidade moderna. Mas, aspectos de sua

cultura, especialmente na sua vertente sertaneja, vêm sendo apagados ou relegados ao

esquecimento.

Pode-se pensar que a cidade negligencia suas memórias, em nome da "modernidade".

Segundo Falcão (2003), a modernidade chega a Feira de Santana para omitir a memória de

um povo que precisava acompanhar a mudança já existente em grandes cidades no país. Com

isso, Feira segue esse pensamento, perdendo elementos que são considerados como belos na

memória social da cidade, como as grandes construções arquitetônicas de estilo eclético,

algumas edificações conservadas, outras modificadas ou deterioradas, para dar espaço a novos

prédios comerciais ou a espaços vazios de estacionamento rotativo.

A instalação do Boulevard Shopping gerou mudanças na cidade. Mas, segundo os

moradores de Feira, é o progresso que chega à cidade, sendo bem visto e aceito por todos.

Afinal, Feira de Santana, cuja alcunha é “princesa do sertão”, não escaparia dessa coroação

trazida pela implantação do shopping, que vem sendo apropriado pela população como o

único lazer da cidade. Lembre-se que esse não é uma opção de lazer pontual, quase todo o

Brasil passa por isso.

O estudo do Boulevard Shopping de Feira de Santana, ainda é escasso na

comunidade científica feirense, inclusive na investigação das influências no desenho urbano

da cidade. É imprescindível todo e qualquer estudo sobre Feira de Santana, pois nos remete a

uma melhor compreensão de todo um contexto histórico em que a cidade oferece. São poucas

as pesquisas sobre a cidade e por muito tempo, os acadêmicos utilizaram de Rollie Poppino

(1968) única referência, restando somente às fontes dos jornais e arquivo público. Por isso, a

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importância de pesquisar Feira, não apenas a cidade em que eu nasci; não apenas a segunda

maior cidade do Estado da Bahia, mas aquela que hoje representa uma das grandes cidades

comerciais brasileiras e que continua a crescer.

O método utilizado para compreensão da pesquisa foi a Semiótica peirciana, que

segundo Santaella (1983) é uma teoria sígnica do conhecimento. Também faço uso à leitura

de Lynch (2010), que permite a compreensão de como as pessoas criam imagens mentais

através da observação, percepção, deslocamento e uso do espaço urbano.

2. BREVE HISTÓRIA SOBRE FEIRA DE SANTANA, A CIDADE COMERCIAL.

Nascida do comércio, Feira de Santana localiza-se na Bahia, a 109 km de Salvador.

Teve seu povoamento iniciado a partir da venda do gado e da feira livre, uma feira realizada

as segundas-feiras em torno das capelas de Santa Ana e de São Domingos, construídas pelo

casal Domingos Barbosa de Araújo e Ana Brandão em sua fazenda Sant’Anna dos Olhos

d'Água, onde se passava os tropeiros, que faziam suas rotas comerciais no alto sertão da

Bahia, comercializando os produtos oriundos da região.

Segundo Andrade (1990), este casal havia adquirido as terras dos descendentes do

português João Peixoto Veigas, os primeiros povoadores dessas terras. A partir das passadas

dos tropeiros para o descanso que também se apropria do tempo para comercializar seus

produtos, assim, foi surgindo o povoado e as casas de pedra. A cidade continuou a crescer

muito, triplicando a sua população e consequentemente, passa a ter todos os problemas e

necessidades que uma cidade do seu porte precisa. Sua condição de cidade para o comércio é

logo absorvida por muitos, o que vai resultar no seu desenvolvimento e investimentos

direcionados a construção de estradas de chão para o transporte das boiadas e de trem para o

acesso a outras regiões nos anos de 1856 a 1858. Esse discurso é apresentado por e Poppino

(1968), pesquisador estrangeiro que por muitos anos foi autor de único trabalho mais

específico sofre Feira.

Com o crescimento da cidade, do comércio e da população, vai despertar nas

autoridades e políticos da cidade, atentos à condição de Feira para o comércio, a importância

de construção de estradas que desse acesso a outras regiões para a realização desse comércio,

gerando assim um investimento maior para o desenvolvimento da urbe junto com o comércio

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entre os anos de 1837 a 1858, surgem estradas de passagem de boiadas (Feira/Morro do

Chapéu e Salvador/Feira), que permitisse o acesso a outras regiões. São os ideários de

modernidade que chega a cidade com a construção de estradas.

Hoje, a cidade de Feira de Santana, a segunda maior do estado da Bahia, conta com

uma população de aproximadamente 600.000 mil habitantes e encontra-se num dos principais

entroncamentos de rodovias do Nordeste brasileiro, servindo de ponto de encontro de três

rodovias federais e três rodovias estaduais as BR 324, 101 e 116.

2. METÁFORAS DO SHOPPING CIDADE E DA CIDADE SHOPPING.

Figura1: Desenho (projeto) do novo Boulevard Shopping de Feira de Santana, previstas para 2011. Fonte: Boulevard Shopping de Feira de Santana.

O Shopping Iguatemi de Feira de Santana chega a Feira de Santana para concretizar

seu sonho de modernidade e confirmar que a cidade é um grande pólo comercial, atualmente,

um dos maiores no país. O Shopping apresenta um ambiente citadino. Traz para a cidade lojas

multinacionais, que também passam a fazer parte do centro comercial de Feira de Santana.

Essas lojas e as praças de alimentação vêm conferindo à cidade o status de moderna.

Os shoppings foram introduzidos no Brasil na década de 70, precisamente na cidade

de São Paulo, pelo empresário Alfredo Matias, considerando uma inspiração no modelo

americano de consumo. “Ir ao shopping, comprar ou simplesmente passear, passaram a serem

símbolos de uma nova sociedade que centrava na dimensão das compras o elemento

revolucionário do shopping.” (SOUZA; SANTANA; TOSCA, 2005, p. 74).

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No Brasil, o shopping é um empreendimento que ganha espaço. Fonte do

capitalismo, o shopping surgiu para o consumo de bens e serviços. Na Bahia, o shopping

center regional vai aparecer em 1975 com a instalação do Shopping Center Iguatemi de

Salvador. Segundo Nacelice Freitas (1998) esse fato vai acontecer devido aos investimentos

que Salvador vai realizar com a implantação do CIA e COPEC. Assim como Feira de Santana,

que ganha um shopping center de grande porte após a instalação do Centro Industrial Subaé –

CIS. “Outro aspecto que deve ser lembrado está no projeto em fase de implantação com o

Shopping Center Iguatemi, que, talvez não justificasse a sua presença em Feira de Santana, se

caso aqui não estivesse presente um centro industrial importante.” (FREITAS, 1998, p. 168).

Foto 1: Av. Principal do Boulevard Shopping. Maristela Pinho, 2010.

Os shoppings centers são lugares de lazer e de tranquilidade para quem os frequenta,

e para outros, apenas um local que permite realizar suas atividades diárias, como acesso a

pequenas lojas (pagamento de contas, compra rápida, etc.), mas, odiando, desprezando esse

espaço, sem ver nele um lugar de entretenimento. Na realidade, o shopping center estava

integrado a uma nova visão do mercado, incorporando a conceitos de utilidade, lazer,

entretenimento e agregando valor ao produto a ser consumido por uma população cada vez

mais voltada para a dimensão de compras. Enfim, englobando em um mesmo local o consumo

e o lazer com tranquilidade, segurança e conforto. Essa posição também é percebida por Paco

Underhill (2004):

O aumento cada vez maior dos espaços de lazer nos shoppings é um indício

de que eles são importantes do ponto de vista econômico. O raciocínio é

simples: quando há mais diversão, mais tempo as pessoas passam dentro dos

shoppings. (...) Se essas pessoas comprarem alguma coisa, será muito bom;

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se comprarem e comerem, será melhor ainda; se elas comprarem, comerem e

se divertirem, será perfeito. (UNDERHILL, 2004, p. 110).

Este comentário de Underhill nos mostra que, no decorrer dos anos, desde a sua

criação até o momento, o shopping vem mudando. O que antes era apenas um local de

compras passou a ser um local de lazer sem deixar de lado, as estratégias para o consumo, de

uma maneira cada vez mais atraente e sedutora para o cliente. Essa afirmação é coerente

quando as lojas de grande porte, as chamadas “âncoras”, “carro chefe” são sempre

introduzidas, a fim de manter a frequência de consumidores e visitantes. Se não se compra,

que se consuma no entretenimento (cinema, praça de alimentação, etc.) ou, como muitos sem

poder aquisitivo, limitando-se ao passeio e admiração às vitrines.

Kevin Lynch (2010) irá apontar cinco elementos básicos para se olhar a cidade: as

vias, que permite a ligação entre um ponto e outro; os limites, que são representados pela

fronteira; os pontos nodais, que são os pontos marcantes pelo nosso olhar e que nos direciona

ao andar pela cidade; os cruzamentos e os bairros. Todos eles são elementos utilizados por

nós, no nosso dia a dia para melhor transitar pelo espaço urbano e perceber a cidade, pois,

para Lynch “Acima de tudo, se o ambiente for visivelmente organizado e nitidamente

identificado, o cidadão poderá impregná-lo de seus próprios significados e relações. Então se

tornará um verdadeiro lugar, notável e inconfundível (LYNCH, 2010, p. 101–102), pois “a

cidade também é extremamente visível.” (Ob. citada, p. 103).

O shopping é uma cidade planejada que busca atingir a perfeição, a atração cada vez

maior de um número de pessoas, sempre localizado em bairros distantes do centro da cidade,

em áreas que se possa evitar congestionamento no trânsito. Ele é também direcionado a uma

classe social alta. A partir das entrevistas e conversas informais realizadas com os sujeitos

pesquisados, muitos alegam, aqueles que moram longe do shopping e vão pouco ao shopping,

pelo transtorno na demora dos ônibus e da distância do shopping. Esse comentário é feito por

todos os entrevistados que vão ao shopping de ônibus. O próprio Undehill faz essa suposição.

Se você ainda precisa de provas à natureza entorpecente e insular dos

shoppings suburbanos, pense nisso: eles quase nunca podem ser acessados

via transporte público. “Se você não tem um carro para chegar até aqui”, eles

parecem dizer, “ é melhor que não venha” (UNDERHILL, 2004, p. 51).

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O shopping é construído a partir de um simulacro de cidade perfeita, tranquila

(sempre tem uma praça e um banco em volta dela para se ler, conversar ou observar as

pessoas que transitam pelas ruas, distraídos, relaxados, quase à vontade); segura, pois as

pessoas sentem-se protegidas, felizes, sem violência. A segurança está ali, em toda a parte,

sem que nem a notemos. Essa imagem é projetada no desenho da figura 1, o desenho do

projeto da nova praça de alimentação do Boulevard Shopping, uma área de entretenimento.

Para Feira de Santana, os shoppings substituem a rua, a praça, o parque, a praia, que não se

tem. Um lugar de balada dos jovens, como único espaço de lazer da cidade.

Analisando o discurso de Baudrillard (1981), a simulada cidade shopping Boulevard

confirma esse pensamento quando procura ansiosamente pela super-modernidade, a partir de

conceitos e imagens construídas em cima da perfeição, mesmo que essa perfeição seja

manipulada constantemente. E conquista um lugar de excelência para se viver, o que vai

provocar um aglomerado de pessoas, principalmente jovens, pois os espaços oferecidos são

perfeitos (lan house, cinema, comida rápida, shows, vídeo games, etc.). Segundo ainda este

autor, simulacro e simulação são coisas diferentes, porém caminham juntas.

Dissimular é fingir não ter o que se tem. Simular é fingir ter o que não se

tem. O primeiro refere-se a uma presença, o segundo a uma ausência. Mas é

mais complicado, pois simular não é fingir: <<Aquele que finge uma doença

pode simplesmente meter-se na cama e fazer crer que está doente. Aquele

que simula uma doença determina em si próprio alguns dos respectivos

sintomas.>> (Littré). Logo fingir, ou dissimular, deixam intacto o princípio

da realidade: a diferença continua a ser clara, está apenas disfarçada,

enquanto que a simulação põe em causa a diferença do <<verdadeiro>> e do

<<falso>>, do <<real>> e do <<imaginário>> (BAUDRILLARD, 1981, p.

9-10).

No olhar sobre o shopping como cidade,vemos os corredores como ruas, limpa,

bonita, sem sinaleira, trânsito, mas se contrapõe com a multidão aglomerada, carros em busca

de vaga no estacionamento. São as deficiências da infraestrutura das ruas também presente no

shopping cidade; as vitrines, fachadas agradáveis de olhar, apresentam o consumo que

almejamos no nosso dia a dia, o estar belo nas medidas perfeitas que a sociedade moderna

impõe. A imagem citadina do shopping é tranquila, sem violência (uma sensação imaginária),

sem roubo, furto, agressão. Não esperamos nenhum tipo de violência no ambiente no

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shopping cidade, mas elas existem e ocorrem, às vezes, sem percebermos, como em toda

cidade brasileira.

Foto 2: Pça. de alimentação na Av. Mª Quitéria, centro comercial de Feira de Santana. Maristela Pinho, 2011.

Foto 3: Pça. de alimentação na Av. Sampaio, centro comercial de Feira de Santana. Maristela Pinho, 2011.

Enquanto o Boulevard Shopping se apropria da imagem citadina, Feira de Santana se

apropria da imagem do shopping na área central da cidade, em espaços abertos onde a praça

de alimentação ocupa áreas que são, para muitos, área de lazer de entretenimento, como os

quiosques das avenidas Getúlio Vargas, Sampaio e Maria Quitéria, e em outros locais do

centro da cidade e bairros (fotos 2 e 3). Lugares onde as pessoas se encontram para

lancharem, beberem e conversarem, como mostra a imagem da foto 1. Esses lugares se

concentram uma grande parte de jovens, não apenas para conversar, mas para distrair-se nas

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rodas dos skates, pois os quiosques da Avenida Getúlio Vargas têm uma pista apropriada para

isso.

Essa apropriação do espaço de shopping que a cidade de Feira conquista, é mostrado

nas lojas multinacionais e nacionais que conquistam seus espaços não mais apenas no

shopping Center, mas também no centro da cidade de Feira de Santana, que aos poucos, vem

buscando a imagem do shopping em sua área comercial. Essas lojas de grande porte que

chegam a Feira de Santana em seu primeiro momento no shopping são, geralmente, carros

chefes em espaços de Shopping Center do país e no mundo inteiro. São lojas de âncoras,

como a C & A, Riachuelo, Marisa, o Hipermercado Bom Preço que chega ao comércio de

Feira com a marca Todo Dia.

O shopping vai se tornar para os feirenses e moradores de cidades vizinhas, o local

de lazer mais procurado. Esse, talvez seja o contraste que Feira apresenta uma cidade

moderna, mas sem opções de lazer, limitado no espaço do Shopping Boulevard. A cidade

ganha forma e cor quando pessoas passam a “morar” no shopping, chegando pela manhã e

encerrando o dia realizando compras no hipermercado.

A cidade shopping se redesenha utilizando-se do método que é a leitura do mundo

através da boa imagem, onde o mesmo atua como mediador entre o novo e o velho

interagindo no cenário espacial. A semiótica faz a imagem do seu universo (vidente e o

visível), parte daí a importância de se buscar a imagem manipulada que vai para a cidade

shopping; a imagem do tudo se pode, tudo é arrumado, sem problemas, produzido sempre no

bem-estar.

O Boulevard Shopping, em onze anos de existência, reflete suas mudanças nos vários

redesenhos sucedidos na redução do estacionamento para a chegada de grandes lojas

multinacional, adaptando seus espaços á pós-modernidade. Exatamente nesta época (2011),

ele está em processo de reformas. À cidade quase perfeita, que se adaptam as exigências do

mundo atual, onde tudo ou quase tudo se encontra, com tranquilidade e comodidade. A partir

daqueles que circulam por esse espaço, compreender a inserção urbana do Boulevard

Shopping de Feira de Santana, que se comportando como um simulacro de cidade;

identificando os desenhos internos realizados por seus frequentadores que lhe dão alma. Essa

é a cidade que a sociedade pós-moderna almeja, onde tudo se encontra, sem gastos do tempo,

algo muito valioso para o homem moderno.

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Para compreender essa cidade e o seu desenho inclusive o desenho das pessoas que

transitam por ela, visitam, trabalha, moram, amam, odeiam, preciso estar atenta sobre o olhar

que tenho que realizar sobre ela. Mas como se apropriar da visão que a nossa sociedade como

um todo vê a construção do Boulevard Shopping para a cidade de Feira de Santana? Segundo

o pensamento de Merleau-Ponty (2006, p. 20) para perceber, antes é preciso sentir, pois,

Tudo que eu vejo está, por princípio, ao meu alcance, pelo menos ao alcance do meu olhar, edificado sobre o plano do "eu posso". Cada um destes planos está completo. O mundo visível e o dos meus projectos motores são partes totais do mesmo Ser.

Portanto, o corpo (ser) é o responsável pela formação da consciência intelectual. Ele

também dirá que para perceber é preciso primeiro sentir, pois, a percepção chega antes do

saber e o corpo faz parte da percepção e "(...) o sujeito que percebe está diante do mundo

como o cientista diante de suas experiências." (Obra citada, p. 50).

Atentando-me à maneira de ver as coisas, sabendo buscar a visão do outro sobre o

que eu observo, pesquiso e compreendendo o que o outro tem a me dizer. Pessoas que

transitam despreocupadas com os carros, sinaleiras, assaltos, sol, chuva, vagas em

estacionamento; tomando um sorvete, comendo pipoca e olhando as vitrines das lojas,

absorvidos pela tranquilidade e segurança que os shoppings centers oferecem.

(...) a cidade contemporânea (...) com características de espaço fechado e

interno como ocorre com os shoppings centers. (...) Essa mudança de hábitos

não é casual, mas define as características das nossas cidades que convivem

com a prática de criar espaços, porque falta lugar. (...) a cidade se adapta ás

necessidades de um cotidiano instável, mas sofre suas consequências

(FERRARA, 2000, p. 178).

Mas como toda cidade moderna, os problemas existem. O que antes era uma

vantagem e considerado um dos pontos importantes para se ir ao shopping, hoje se torna um

dos grandes problemas dos dirigentes de shopping Center: o estacionamento, um problema

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também enfrentado nas ruas das cidades modernas.

Foto 4: Carro fora da área permitida de estacionamento do Boulevard Shopping. Maristela Pinho, 2009.

Observando as fotos 4 e 5, de uma área do estacionamento do Boulevard Shopping

reduzido para a chegada de novas lojas, vemos carros estacionados em área não permitida,

decorrente da falta de vaga. O discurso em defesa dos shoppings pode ser apreendido em

Dinah Pinto (2001):

Um dos grandes benefícios proporcionados pelos shoppings centers é o estacionamento de automóveis, pois se torna cada dia mais difícil estacionar nas ruas, e é difícil, senão impossível, andar de ônibus com compras relativamente grandes. O automóvel deixou, a muito tempo, de ser um veículo pertencente exclusivamente à elite, mas uma necessidade, hoje também alcançada pela classe média (PINTO, 2001, p.7).

Foto 5: Área alugada para estacionamento pelo Boulevard Shopping. Maristela Pinho, 2011.

O tempo passou a ser muito importante para a sociedade moderna e pós-moderna. Os

shoppings center tem esse ponto aos seu favor. Quase tudo se encontra nos shopping de

maneira confortável, agradável e segura. “O que o homem hoje mais busca é administrar bem

a sua vida, isso significa administrar o tempo, o dinheiro e o lazer. Esses três itens se encontra

no shopping center”. (PINTO, 2001, p. 9). Além de se ter uma grande economia de tempo,

pois se encontra no mesmo local os mais diferentes ramos de negócio.

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

A implantação do Boulevard Shopping na cidade de Feira de Santana vai confortar o

desejo da elite feirense. A cidade se submete a novos redesenhos, conseqüências ao

desenvolvimento da cidade e o shopping corresponderá ao sonho da imagem moderna.

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A idéia de cidade-shopping-cidade se une a cidade "ideal" ou "perfeita," pudesse

existir no território do shopping, no entanto, se trata de uma cidade-shopping, essa cidade

parece reproduzir os mesmos problemas urbanos de toda cidade moderna, como a violência,

medo e insegurança, espaços reduzidos, dificuldades para estacionamento, problemas urbanos

de infraestrutura, etc. Também percebo que a ideia de cidade-shopping-cidade parece se

confirmar com a incorporação do desenho do shopping, traduzido na presença de lojas

multinacionais e de grife no urbano comercial de Feira de Santana. São as diretrizes de um

projeto de fazer uma Feira de Santana moderna em detrimento de tantos aspectos culturais

que são apagados e relegados ao esquecimento. Talvez possa dizer que o shopping hoje é o

lazer da cidade, algo limitado para uma cidade que tem todos os problemas de uma metrópole

e deixa para trás tudo que há de bom em uma cidade interiorana.

Compreendo que, o que vem sendo a representação do Boulevard Shopping para a

cidade de Feira de Santana, uma cidade interiorana, construída e sustentada pelo estereótipo

do comércio. Feira de Santana busca a modernidade e a "alcança," a partir do crescimento

acelerado e desordenado que ela vem passando. A cidade cresce e ganha ares de metrópole. O

Boulevard Shopping vai firmar essa modernidade, no momento em que um empreendimento

de grande porte, chega à cidade e vai, com a sua edificação glamorosa, confirmar que Feira de

Santana é uma cidade moderna como tanto almejou.

Feira de Santana cresceu e muito. De comércio de gado a feira livre e hoje, um

grande polo comercial no país. Com o risco de perder suas origens e sua memória com o

crescimento da cidade, um desejado alcançado pela elite do século passado. Novos desenhos e

redesenhos urbanos vão surgindo e muitos se destacando e dando margem ao

desenvolvimento da cidade, um deles é o Boulevard Shopping de Feira de Santana. Este,

talvez seja o mais procurado espaço de lazer para uma cidade que enfrenta todas as facilidades

de uma metrópole, que busca, desde a fundação, atingir essa modernidade, mas, ainda

mantém traços interioranos, como a ausência de espaços púbicos de lazer.

A partir dos conceitos apresentados, sustentáculo para uma pesquisa que permite

construir conhecimento a partir da observação do desenho e da singularidade da paisagem

urbana do Bolevard Shopping; exercitar as diversas possibilidades de leitura do desenho e do

ambiente urbano dentro de um contexto social e cultural, tendo o shopping, um simulacro de

cidade que se firma para todos como a cidade ideal e moderna, que nos oferta a perfeição

almejada. Aquela que sonhamos viver, ser feliz, morrer.

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