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Cinco previsões para um Brasil sem publicidade infantil por Joel Pinheiro da Fonseca, quinta-feira, 24 de julho de 2014 Share on email Share on favorites Share on facebookShare on twitter Apesar de meus melhores esforços, nossos legisladores proibiram toda publicidade voltada às crianças. Mães e pais comemoraram a novidade. E agora que as propagandas infantis sumirão da TV e dos supermercados, o que podemos esperar desse admirável mundo novo? Seguem cinco humildes previsões deste pai que vos escreve. 1. Marcas estabelecidas aumentam a vantagem sobre alternativas A principal função da publicidade é fazer com que um produto seja conhecido e lembrado. Mesmo esfregando-os na nossa cara todos os dias, as marcas têm muita dificuldade em conquistar nosso imaginário e nosso inconsciente. As estabelecidas, que já são reconhecidas, têm uma vantagem de largada contra marcas e produtos novos, ainda desconhecidos. Para esses, uma campanha intensa de marketing é um

Cinco Previsões Para Um Brasil Sem Publicidade Infantil

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Artigo. Publicidade infantil. Marketing.

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Cinco previses para um Brasil sem publicidade infantil

porJoel Pinheiro da Fonseca, quinta-feira, 24 de julho de 2014

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Apesar de meus melhores esforos, nossos legisladoresproibiramtoda publicidade voltada s crianas. Mes e pais comemoraram a novidade. E agora que as propagandas infantis sumiro da TV e dos supermercados, o que podemos esperar desse admirvel mundo novo? Seguem cinco humildes previses deste pai que vos escreve.1. Marcas estabelecidas aumentam a vantagem sobre alternativasA principal funo da publicidade fazer com que um produto seja conhecido e lembrado.Mesmo esfregando-os na nossa cara todos os dias, as marcas tm muita dificuldade em conquistar nosso imaginrio e nosso inconsciente. As estabelecidas, que j so reconhecidas, tm uma vantagem de largada contra marcas e produtos novos, ainda desconhecidos. Para esses, uma campanha intensa de marketing um dos nicos meios de ser notado, de garantir um pequeno lugar ao sol em meio selva densa.Com a nova lei, quem est entrando tem um desafio muito maior para vencer o anonimato. A lei no abole todo e qualquer marketing: a caixa na loja de brinquedo, o boca-a-boca, a propaganda para jovens que atinge tambm as aspiraes da criana (que quer ascender para aquele universo) esses e outros continuam existindo. Ela no abole, mas dificulta. Um canal importante de acesso ao consumidor ser cortado definitivamente.2. Aumento de brinquedos licenciados, bonequinhos de filme etc.Um filme dosVingadores, mesmo sem qualquer merchandising interno, ele prprio uma propaganda longa-metragem dos brinquedos dosVingadores. Idem para um episdio deBob Esponjaou daPeppa Pig. Se a propaganda tradicional foi banida, essa propaganda indireta continua a existir. Assim, o uso licenciado de personagens famosos deve crescer, em oposio ao de produtos no-relacionados a filmes, com personagens sem existncia fora daquele brinquedo. Ao mesmo tempo, agora que a propaganda foi proibida, aumenta o incentivo para se criar filmes e programas baseados em brinquedos preexistentes: mais filmes da Lego, dosComandos em Ao, daBarbieetc.Isso refora uma tendncia existente: cada vez mais produtos licenciados. Se na minha infncia a Lego vendia navios piratas e bases espaciais genricas, agora Lego Piratas do CaribeeLego Star Wars. E os prprios homenzinhos do Lego viraram personagens de filmes.S fiquei sabendo do graciosoRobo Fishpor causa da publicidade. Nunca o compramos, mas um produto simptico e que apostou pesado na publicidade televisiva. Sem nenhum vnculo com personagens famosos, e por no ser muito escandaloso ou chamativo em si mesmo, dificilmente seria visto no fosse a publicidade voltada criana. Peixinhos de um eventualNemo 2tero melhores chances.3. Gordura, acar e sal continuaro campees da garotadaAno passado, no lanamento do documentrioMuito Alm do Peso, assisti a um bate-papo do qual participava o Frei Betto. Lembro de ele dizer que as crianas desejavamjunk foodpor causa da propaganda intensiva. Quem dera! Se assim fosse, a soluo da obesidade infantil era trivial: bastava lanar propaganda de brcolis e espinafre que o problema estava resolvido. Por acaso os agricultores do Brasil no querem vender?No mundo real, o paladar infantil (e, de maneira geral, humano) tem forte preferncia por comidas gordurosas e com muito sal ou acar, independentemente de qualquer propaganda. Somos o resultado da evoluo: no meio ancestral, cada caloria era preciosa e a fome uma ameaa constante. Hoje em dia enfrentamos o desafio contrrio: a abundncia de calorias fceis e a escassez de atividade fsica. , em comparao com a fome, umbom problema, mas nossos instintos no foram moldados para lidar com ele.A luta das grandes empresas no para convencer seu filho a comer gordura, sal ou acar. Isso a natureza j faz. A luta fazer com que ele escolha o produto A e no o B. Se brcolis fosse igualmente desejvel, nossos personagens favoritos fariam fila para estampar sua embalagem. Coisa que, alis, existe, fruto da demanda de pais por comidas mais saudveis para seus filhos.Tendo em vista essa demanda (e querendo melhorar a prpria imagem), empresas de entretenimento licenciam seus personagens para produtos saudveis: cenourinhas do Bob Esponja e a tradicional espinafre do Popeye. Aqui no Brasil, a grande produtora comercial de contedo infantil a Maurcio de Souza Produes faz o mesmo, por exemplo, com as mas. Ou fazia. Mesmo com muito esforo, no fcil. A cenoura do Bob Esponja, por exemplo, saiu do mercado. uma luta constante ensinar as crianas a comerem legumes, mesmo quando associados a seus personagens favoritos. Para baixo todo santo ajuda. A Coca-Colanem fazpropaganda para crianas com menos de 12 anos, e me diga: por acaso a molecada no pede refri?No mais, a guloseima pouco saudvel tambm faz parte da vida. Pobres das nossas crianas, no conhecero o Kinder Ovo, o brinquedo do McLanche Feliz e ser que a sanha dos legisladores chegar a tanto? o brinquedo no ovo de Pscoa.4. Menos revistas, horrios, canais e produes para as crianasSem publicidade voltada s crianas, publicaes, canais de TV e horrios de programao dedicados a elas perdem uma importante fonte de financiamento. Com isso, teremos uma diminuio no leque de opes, e aquelas que perdurarem tero menos recursos para investir (comprando novos contedos, se atualizando, financiando iniciativas).Com menor demanda, a produo de contedo voltado s crianas tambm sofrer. Provavelmente, ela ficar cada vez mais atrelada a investimentos estatais, seguindo critrios de pedagogos, culturlogos e outros profissionais que, por louvveis que sejam, no so experts do gosto infantil.Por isso que as melhores e mais populares produes infantis vm justamente do pas onde elas so mais comercializadas: os EUA. Disney, Pixar, Warner Bros., Hanna-Barbera, Cartoon Network Studios, Nickelodeon. Todas elas produzem e se desenvolvem num meio bastante livre de produtos licenciados (inclusive alimentcios) e propaganda.No me levem a mal. Volta e meia vemos produes europeias adorveis. No Brasil tambm, as leis de incentivo e as boas intenes do origem a produtos plenamente aceitveis, comoPeixonauta. Mas os desenhos que cativam a imaginao infantil e marcam histria tm vindo quase sempre de pessoas e empresas que trabalham sob as leis impiedosas do mercado. Em geral so americanos, e quando um europeu entra na jogada porque adota posturas de marketing e licenciamento to agressivas quanto as de qualquer corporao dos EUA (como a finlandesa Rovio, criadora doAngry Birds, ou a dinamarquesa Lego).5. O consumismo infantil seguir intactoOs meninos voltam da escola e vo direto brincar com os amigos da vizinhana. Entre seus brinquedos favoritos, pio, carrinho de rolem e fantoches de pano. Na hora do lanche, todos ansiosos para descobrir novas frutas do cerrado. Nas histrias, personagens do nosso folclore como caipora, curupira e saci. Sem videogame, sem gordura trans, sem armas, sem violncia, sem competitividade.Nenhum de ns criar seus filhos num mundo assim.Sorry.Com ou sem propaganda, o consumismo infantil permanecer. A criana tem pouco controle sobre seus desejos. Por isso gasta-se tanto com publicidade para elas. Comidas gordurosas e com muito sal ou muito acar atraem muito mais do que legumes. Caubis e super-heris atraem mais do que ambientalistas e filsofos. Brinquedos novos, modernos e cheios de apetrechos e jogos eletrnicos atraem mais do que os artefatos nostlgicos de geraes passadas.Ser pai e me continuar igual. O efeito da propaganda na vida infantil quase incuo. Quem tem filho sabe. O filho v o produto, s vezes se interessa, s vezes no. s vezes pede, s vezes faz manha. No geral, espera a propaganda passar se distraindo com algum brinquedo. s vezes decora a musiquinha sem nem dar bola pro produto. Os pais escolhem o que dar ou no. A influncia dos amigos, essa sim sentida com mais fora; ningum quer ser o nico da turma totalmente fora da moda. Crianas continuaro fazendo birra, manha e choro.As crianas aprendem a lidar com a publicidade. No d para abolir tendncias biolgicas e culturais fortes com uma canetada. O que d para fazer ver que tipos de educao e formao ajudam a lidar com os muitos apelos e tentaes do mundo e que tambm tm seu lado bom: para muitos, algumas doses de prazer mais do que compensam decises sub-timas do ponto de vista da sade.Quem cresceu nos anos 1990, como eu, viveu essa realidade de forma muito mais agressiva. A nova lei, mais do que proteger as crianas, protege a conscincia de pais ansiosos. E j prevejo:ela no ser o bastante.

Joel Pinheiro da Fonseca mestre em filosofia, editor da revistaDicta&Contradictae escreve no blogAd Hominem.

http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1906