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ALDECINO JOSÉ FERREIRA DE OLIVEIRA CIRURGIA INTERDIGITAL E REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL DA PESSOA ATINGIDA PELA HANSENÍASE: UM ESTUDO DE CASOS UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO (UCDB) MESTRADO EM PSICOLOGIA CAMPO GRANDE-MS 2007

CIRURGIA INTERDIGITAL E REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL … · evidente na fala dos entrevistados, fazendo-os migrar do seu lugar de origem, como forma de esconder-se da sociedade, ou

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ALDECINO JOSÉ FERREIRA DE OLIVEIRA

CIRURGIA INTERDIGITAL E REABILITAÇÃO

PSICOSSOCIAL DA PESSOA ATINGIDA PELA

HANSENÍASE: UM ESTUDO DE CASOS

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO (UCDB)MESTRADO EM PSICOLOGIA

CAMPO GRANDE-MS

2007

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ALDECINO JOSÉ FERREIRA DE OLIVEIRA

CIRURGIA INTERDIGITAL E REABILITAÇÃO

PSICOSSOCIAL DA PESSOA ATINGIDA PELA

HANSENÍASE: UM ESTUDO DE CASOS

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade Católica Dom Bosco, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia, área de concentração: Psicologia da Saúde, sob a orientação do Profa. Dra. Sônia Grubits.

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO (UCDB)MESTRADO EM PSICOLOGIA

CAMPO GRANDE-MS

2007

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Ficha Catalográfica

Oliveira, Aldecino José Ferreira deO48c Cirurgia interdigital e reabilitação psicossocial da pessoa atingida pela

hanseníase: um estudo de caso / Aldecino José Ferreira de Oliveira; orientação Sonia Grubits. 2007

110 f. + anexo

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica Dom Bosco, Campo. Grande, Mestrado em psicologia, 2007.

Inclui bibliografia

1. Hanseníase – Reabilitação psicossocial 2. Cirurgia interdigital 3. Saúde mental - Dissertação. Título II. Grubits, Sonia

CDD-616.998

Bibliotecária responsável: Clélia T. Nakahata Bezerra CRB 1/757

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A dissertação apresentada por ALDECINO JOSÉ FERREIRA DE OLIVEIRA, intitulada “CIRURGIA INTERDIGITAL E REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL DA PESSOA ATINGIDA PELA HANSENÍASE: UM ESTUDO DE CASOS”, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em PSICOLOGIA à Banca Examinadora da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), foi ................................................ .

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________Profa. Dra. Sônia Grubits (orientadora/UCDB)

____________________________________________Prof. Dr. Sergio Luiz Saboya Arruda (UNICAMP)

____________________________________________Profa. Dra. Regina Célia Ciriano Calil (UCDB)

Campo Grande-MS, / /2007.

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Este trabalho é dedicado aos meus familiares, aos meus avós e ao meu irmão Valdinez (in memoriam) e a todas as pessoas vitimadas pela hanseníase, bem como àquelas que dedicam suas vidas a aliviá-las do preconceito.

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AGRADECIMENTOS

Ao Deus Amor, autor do bem-estar, por me conduzir com liberdade nos caminhos da

vida dos homens e mulheres de bem.

À minha esposa, Ioneide da Silva Mendes, por me apoiar neste projeto e me fazer

conhecer outros sentidos do existir.

Aos meus filhos, Khalil e Ilanna, pela compreensão da minha distância no período de

elaboração deste trabalho.

À minha filha, Maria Clara, pelo seu sorriso madrugador.

Aos meus pais, Tomé e Izaura, pela confiança em mim depositada.

À professora, Dra. Sônia Grubits, pelo apoio nesta tarefa de busca de maior

conhecimento meu.

Ao amigo, Elimar Bezerra, pela troca de idéias saudáveis e inovadoras de velhos

significados.

Aos meus irmãos, pelo silêncio e apoio frente às minhas dificuldades.

Ao meu cunhado, Anderson Barbosa e à minha irmã Mara, que me acolheram em seu

lar, com todo carinho, dedicação e respeito.

Às minhas amigas, Pamela Staliano, Michele Arantes e Kelce Nayra pelo aconchego

da amizade sincera.

À Faculdade FIRB/FAAO, que patrocinou meus estudos de mestrado.

Ao Dr. Willian Jonh Woods e equipe, pela cooperação na pesquisa.

Aos participantes, Apolo e Anorato, como entrevistados desta pesquisa.

À natureza, por não se cansar de minha presença.

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Meu tempo e a Hanseníase

Não me considero uma pessoa velha ou antiga!Mas sou do tempo em que lepra era LepraE a pessoa por ela atingida era Leproso (a).Tempo em que a “prevenção” da doençaEra o desprezo e o isolamento compulsórioE seu tratamento: Sulfona e Talidomida.Também sou do áureo em queLepra não é mais Lepra é Hanseníase.Tempo em que a pessoa por ela vitimadaNão é mais leproso, é hanseniano.Agora, o meu tempo é o da prevençãoCom gente bonita da televisão,Exibindo a cura “sem seqüelas” até. Tempo em que a Doença se discute com amigos!Meu tempo agora é o da grande utopia De Vilachás e Bacuraus...Meu País está limpo!!!Não há mais leprosos, morféticos, nem hansenianos...Só muitas pessoas atingidas pela Hanseníase...

Aldecino José

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RESUMO

O objetivo dessa pesquisa foi realizar um estudo de casos para analisar e verificar as contribuições da cirurgia interdigital – do primeiro espaço interósseo da mão – para a reabilitação psicossocial da pessoa atingida pela hanseníase. O estudo foi realizado com dois pacientes do ambulatório de dermatologia do Hospital de Base de Rio branco, que se submeteram à cirurgia supracitada. Pretendeu-se conhecer e compreender aspectos referentes às relações socioculturais estabelecidas na representação do ser doente de hanseníase. O procedimento envolveu a realização de entrevista semidirigida. As repostas dos entrevistados foram gravadas para posterior transcrição e análise. Na transcrição, levou-se em conta a fala original dos entrevistados, respeitando-se sua estrutura original e regionalismos. Suas idéias sobre hanseníase; saúde e doença; depressão do primeiro espaço interósseo; e a cirurgia reparadora da depressão interdigital foram analisadas. A análise desses dados coletados nas entrevistas foi baseada na análise da fala. A estigmatização social a partir do diagnóstico ficou evidente na fala dos entrevistados, fazendo-os migrar do seu lugar de origem, como forma de esconder-se da sociedade, ou ainda, temer ser descoberto como portador da doença, mediante o estigma da depressão interdigital. A descrença na cura da doença se mostrou evidente nas seqüelas deixadas nos entrevistados. A cirurgia de reabilitação da depressão do primeiro espaço interrósseo ficou evidente como um recurso coadjuvante cirúrgico para a reabilitação física e psicossocial da pessoa atingida pela hanseníase, uma vez que reabilita o corpo estigmatizado e permite que a mesma se sinta mais livre para ambular entre aqueles que não foram atingidos por ela, restaurando, em conseqüência disso, sua auto-estima.

Palavras-chave: Hanseníase. Reabilitação psicossocial. Cirurgia interdigital.

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ABSTRACT

The goal of this research was to make a case study, in order to analyze the contributions of the interdigital surgery – of the first hand interbone space – for the hanseniase patient´s psychosocial rehabilitation. The study was made with two patients of the Hospital de Base dermatology ambulatory, in Rio Branco, who submitted to the surgery mentioned above. The intention was to know and understand the aspects related to the social and cultural relations established in the representation of the hanseniase affected one. The procedure involved a semidirected interview. The interviewers’ answers were recorded for later transcription and analysis. For the transcription, the original speeches were considered, in respect for the regionalisms and original structure. Their ideas about hanseniase, health, disease, depression in the first interbone space and the interdigital repair surgery were analyzed. The analysis was based mainly in the interviewers’ speeches. The social process of stigma after the diagnosis became evident in their stories, as they had to migrate from their original homes as a way of hiding themselves from society, or yet, the fear they felt of their condition becoming public. The incredulity in the cure was evident. The rehabilitation of the first interbone space surgery is certainly a psychosocial surgical resource for the person afflicted by hanseniase, as it rehabs the body in stigma and allows the patient to walk freely among health ones, restoring this way, their self-esteem.

Keywords: Hanseníase. Psicossocial Whitewashing. Interdigital Surgery.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 -Mapa do Estado do Acre – divisão geográfica................................31

FIGURA 2 -O autor, filho de ribeirinhos do Rio Embira - Acre...........................32

FIGURA 3 -Pesquisador em travessia do Rio Acre........................................... 34

FIGURA 4 -Distribuição do coeficiente de prevalência de hanseníase (por 10

mil hab.)......................................................................................................35

FIGURA 5 -Mão hansênica com depressão interdigital.....................................43

FIGURA 6 -Área do primeiro espaço interdigital a ser enxertada......................47

FIGURA 7 -Retirada do material gorduroso a ser enxertado.............................47

FIGURA 8 -Área receptora sendo preparada para receber o enxerto...............48

FIGURA 9 -Instalação do implante no espaço interdigital receptor................... 48

FIGURA 10 -Pós-operatório imediato.................................................................49

FIGURA 11 -Mão de um dos entrevistados - operada em 2002........................49

FIGURA 12 -Mão do entrevistado (foto anterior) hoje – 2007........................... 50

FIGURA 13 -Hospital Souza Araújo – antigo leprosário – Rio Branco, AC....... 53

FIGURA 14 -Hospital de Base de Rio Banco.....................................................60

FIGURA 15 -Ambulatório de atendimento das pessoas atingidas pela

hanseníase em Rio Branco........................................................................61

FIGURA 16 -Casa de um dos entrevistados, em um bairro de Rio Branco.......78

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SUMÁRIO

1INTRODUÇÃO..................................................................................................12

2ENTENDENDO CORPOREIDADE, SAÚDE E DOENÇA................................16

2.1O SER HUMANO: O QUE É?........................................................................17

2.2O SER HUMANO, UM FENÔMENO CORPÓREO.......................................17

2.3SAÚDE E DOENÇA NA SOCIEDADE..........................................................22

2.4SOCIALIZAÇÃO DO CONCEITO SAÚDE E DOENÇA................................ 25

3OLHARES SOBRE A HANSENÍASE...............................................................28

3.1HANSENÍASE: UMA DOENÇA SOCIOPOLÍTICA........................................29

3.2O ESTADO DO ACRE E A HANSENÍASE....................................................30

3.2.1Como se caracteriza o Estado do Acre......................................................30

3.2.2Da hanseníase no Acre: um pouco de história.......................................... 32

3.3HANSENÍASE E ESTÍGMA...........................................................................37

3.4HANSENÍASE E REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL.....................................41

4A CIRURGIA DO PRIMEIRO ESPAÇO INTERÓSSEO DA MÃO................... 45

5OBJETIVOS E MÉTODO.................................................................................55

5.1 Objetivo geral................................................................................................56

5.1.1Objetivos específicos..................................................................................57

5.2FUNDAMENTAÇÃO DO MÉTODO...............................................................57

5.3LOCAL DA PESQUISA..................................................................................60

5.4DOS PARTICIPANTES.................................................................................61

5.5CRITÉRIOS DE ESCOLHA DOS PARTICIPANTES.................................... 62

5.6INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS...................................................62

5.7ANÁLISE DOS DADOS.................................................................................63

5.8PRECEITOS ÉTICOS DA PESQUISA..........................................................65

6DISCUSSÃO DOS RESULTADOS..................................................................66

7CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................81

REFERÊNCIAS..................................................................................................85

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APÊNDICES.......................................................................................................92

ANEXOS...........................................................................................................108

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1INTRODUÇÃO

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Esta pesquisa é fruto do interesse de saber mais sobre a hanseníase, que já vem de

longa data, mais precisamente de 1983, quando iniciamos contato com as pessoas do Hospital

Colônia Ernane Agrícola, em Cruzeiro do Sul, Acre, por meio do trabalho pastoral

desenvolvido pela diocese daquele município, da qual nós éramos membros ativos. O contato

com a psicologia da saúde nos permitiu a oportunidade de fazer este aprofundamento, por

meio de um estudo mais rigoroso da doença hanseníase, com o qual esperamos contribuir

para a atenuação do sofrimento daqueles que, seqüelados por ela, sofrem as dificuldades da

ressocialização.

Durante os nove anos que permanecemos naquela cidade, tivemos contato regular com

pessoas acometidas pela Lepra (como ainda era chamada a hanseníase) naquela comunidade,

tendo em vista o pouco tempo da implantação do projeto de troca da nomenclatura da doença

causada pelo Microbacterium leprae.

O contato com as pessoas daquela comunidade não só nos colocou a par da doença,

como também nos fez conhecer seres humanos buscando o enfrentamento de situações

adversas incomuns, em relação a outras pessoas consideradas normais, ou seja, aquelas

vivendo sem a hanseníase, nas demais comunidades, as quais também visitamos.

Em 1997, quando graduando em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco,

em Campo Grande, MS, foi-nos sugerido, como local de estágio em psicologia clínica, o

Hospital São Julião, na mesma cidade, centro de referência nacional no tratamento da

hanseníase. Aceita a sugestão, cumprimos ali uma carga horária de cerca de 380 horas/aula.

Nos anos 1999-2000, voltamos ao Hospital São Julião, então como psicólogo

voluntário, sendo admitido como membro da Equipe Multiprofissional de Reabilitação da

pessoa atingida pela hanseníase, que recorre aos cuidados profissionais existentes naquela

entidade hospitalar.

O contato com os pacientes, suas histórias e dificuldades de enfrentamento da doença

e em decorrência dela, o enfrentamento da sociedade da qual provinham, nos fez perceber a

Hanseníase como uma doença estigmatizante, não somente por suas características mutilantes,

mas também pelo peso cultural, fruto do sentido teológico gerado em torno dessa “doença

bíblica” e de sua história social.

Foi neste trabalho, com pessoas acometidas pela hanseníase, que tivemos contato com

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a teoria da cirurgia do primeiro espaço interósseo, como facilitador na reabilitação

psicossocial das vítimas da hanseníase portadoras dessa debilidade.

De volta ao Estado do Acre, em 2002, deparamo-nos com uma realidade de endemia

em hanseníase, levando o Estado, com um índice de 6.11/10.000 habitantes, a engrossar a

realidade endêmica do país, com o seu mais alto índice: 4.2/10.000 (dados de 2000), segundo

o Ministério da Saúde (BRASIL, 2002).

Em decorrência do índice de casos da doença no país e da ineficácia da metodologia

de tratamento anterior ao Poliquimioterapia, a “Lepra” deixou em suas vítimas fortes

seqüelas, tais como: mutilações; cegueira; mãos em garra; a depressão do primeiro espaço

interósseo da mão, fenômenos que, aliados a fatores culturais, tais como a desinformação e o

preconceito, dificultam o reingresso da pessoa vitimada pela hanseníase à sociedade.

Como forma de facilitar a vida das pessoas seqüeladas, as equipes de reabilitação vêm

desenvolvendo um trabalho sob a orientação do Ministério da Saúde, por meio de cirurgias

dos membros afetados, numa tentativa de recapacitá-las ao trabalho ou, ao menos, devolver-

lhes o mínimo de motilidade para que sejam o mais independentes possível.

Das cirurgias acima mencionadas, vale destacar a do enxerto com gordura abdominal

do primeiro espaço interósseo da mão hansênica, que se propõe a corrigir a depressão desse

espaço decorrente do acometimento do nervo ulnar, que, para a sociedade de áreas endêmicas,

como é o caso de Estado do Acre, é um sinal de porte da doença. Também, minimizar as

rejeições das pessoas que passaram por esse tipo de enfermidade e que ainda portam, em seus

corpos, seus sinais.

Um fato que chamou atenção foi que, apesar da cirurgia do primeiro espaço interósseo

da mão hansênica ser mencionada na literatura (VIRMOND; GÓES, 1997), como forma de

contribuir para reabilitação psicossocial do ex-portador da hanseníase, nenhum trabalho foi

publicado na área da Psicologia, que focasse esta técnica cirúrgica como um recurso

psicológico de reabilitação da pessoa atingida pela hanseníase.

A lacuna entre teoria e prática em torno da contribuição psicossocial da cirurgia

reabilitatória de enxerto do primeiro espaço interósseo da mão hansênica, utilizando gordura

abdominal – técnica que é desenvolvida pela equipe de reabilitação do Hospital de Base de

Rio Branco – aliada a pouca pesquisa em torno do tema Reabilitação Psicossocial da pessoa

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atingida pela hanseníase, exige estudo mais aprofundado que venha confirmar ou refutar tal

hipótese de contribuição psicológica para a reinserção da pessoa atingida pela hanseníase ao

meio social.

Para uma melhor compreensão do tema tratado neste trabalho, os mesmos ficaram

assim distribuídos:

Nesse capítulo um, tratamos do interesse e dos motivos que nos levaram à hanseníase

como tema desta pesquisa.

No capítulo dois, Entendendo Corporeidade, Saúde e Doença, procuramos abordar

este tema, sob a luz do pensamento de alguns autores, buscando refletir sobre a necessidade

de se ter a uma visão holística do ser humano, como forma de minimizar a distância entre os

conceitos de saúde e doença, hoje presente na Psicologia e na medicina tradicional cartesiana.

No capítulo três, Olhares sobre a Hanseníase, dedicamo-nos a esclarecer o conceito

da hanseníase, enquanto doença infecto-contagiosa; o histórico endêmico da mesma no Brasil

e no Acre; o estigma da doença; a depressão do primeiro espaço interósseo da mão, como

sinal de porte da doença; a representação social dessa depressão em áreas endêmicas; e a

cirurgia de reparação do primeiro espaço interósseo da mão, como coadjuvante da reabilitação

psicossocial da pessoa atingida pela hanseníase.

No capítulo quatro, Procedimentos e métodos, apresentamos, além dos objetivos da

pesquisa, o método escolhido para direcioná-la; a escolha dos participantes e os demais

procedimentos adotados para torná-la viável.

O capítulo cinco, Análise dos dados, como o título já diz, é feita a confrontação dos

dados da pesquisa com diversos autores referenciados nela, procurando demonstrar a validade

ou não da cirurgia do primeiro espaço interósseo da mão como um instrumento de validade

psicológica na reabilitação da pessoa atingida pela hanseníase. Nas considerações finais

destacamos alguns pontos considerados durante as discussões do nosso trabalho, levando-se

em conta os objetivos propostos no mesmo, tentando respondê-los.

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2ENTENDENDO CORPOREIDADE, SAÚDE E DOENÇA

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O ser humano é, dentre os seres, o único que busca uma explicação para sua

existência. Nesta busca se apega, destrói, ama e constrói caminhos que o levem mais perto

daquilo que julga ser sua verdade original. Em torno dessa busca, vai construindo seus

saberes, suas filosofias e suas religiões na tentativa de explicar e justificar aquilo que não lhe

convém como verdade de si. Dentre suas verdades, uma que mais lhe incomoda, deste a

antiguidade, é a sua fragilidade frente às intempéries e doenças que lhe ameaçam a vida e, na

atualidade, o medo da solidão que lhe ameaça a segurança social, como é o caso daquelas

pessoas atingidas pela hanseníase.

2.1 O SER HUMANO: O QUE É?

“Conhece-te a ti mesmo”, dizia Sócrates (470-399 a.C.) (BENOIT, 1996, p. 6), e esta

ordem se transformou na mais árdua tarefa que curiosos, filósofos, religiosos e cientistas, ao

longo dos milênios, tentam cumprir sem, no entanto, chegar a uma definição única,

sistematizada, que determine o conhecimento deste ser. Devido à sua dimensionalidade,

quanto mais se busca explicar, mais complexo se torna compreendê-lo, ficando como resposta

à pergunta antropológica de Mondin (1981, p. 54), “O Homem, quem é ele?”.

Definindo o homem, Ferreira, A. (2001) diz ser este um indivíduo da espécie animal

que apresenta o maior grau de complexidade na escala evolutiva. Definição não

esclarecedora, devido à sua estreiteza dimensional. Mondin (1981) caracteriza o homem como

superior a todos os demais seres criados ou evoluídos pela sua alma (Psiché) intelectiva, capaz

de inteligir o inteligível e dar sentido e motilidade à inércia do ser cognoscitivo, criando ao

seu redor, por meio desta inteligência, uma realidade intelectual além dos seus sentidos.

2.2 O SER HUMANO, UM FENÔMENO CORPÓREO

Compreender o fenômeno ser humano tem sido tarefa árdua da filosofia e das ciências,

no decorrer dos milênios dos quais a história humana nos dá conta. A respeito de si mesmo, o

ser humano, hoje, sabe muito pouco ou quase nada como queria o velho filósofo Sócrates,

mencionado por Benoit (1996). Para Mondin (1981), uma definição que mais se aproxima de

sua realidade filosófica é: O ser humano é um fenômeno corpóreo e sua corporeidade é a

única realidade observável a todo aquele que se dispõe a compreendê-lo.

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É comum, nos dias atuais, ouvirmos falar em fenômenos e atribuí-los a fatos que

ocorrem ao nosso redor, os quais, de acordo com a forma que são por nós percebidos,

recebem classificação em: fenômeno meteorológico (chuva, frio, raio...), químico-físico (gás,

calor, eletricidade) fenômeno humano (riso, alegria, raiva, inteligência etc.). Na visão

filosófica de Aristóteles (384–322 a.C.), segundo Benoit (1996), o ser humano, por suas

dimensões intelectivas e materialidade, é considerado um fenômeno psicossomático. A

psicossomaticidade humana, a qual se refere Aristóteles, é resultado da junção do soma

(corpo) mais pshiqué, num processo de integralidade do ser, diferindo da visão dicotômica de

Cartesius que vê estas duas dimensões humanas dissociadas uma da outra.

A somaticidade, para Mondin (1981), é condição sine qua non do existir, do viver, do

conhecer, do desejar, do fazer, do ter, ou seja, o corpo é elemento essencial do homem porque

sem ele não pode se alimentar, não pode se reproduzir, não pode aprender, não pode se

comunicar, não pode se divertir. É mediante seu corpo que o homem se torna um ser social.

O corpo, segundo Jolivet (1976), é o elemento pelo qual a forma humana se manifesta;

é também o elo entre a imaterialidade e a realidade material, inteligível, segundo a cultura

axiológica de cada povo, e, de acordo com Moscovici (1978), segundo a representação social

de cada época, sobre tal fenômeno.

Foucault (1986) revela que, na época clássica, houve a descoberta do corpo como

objeto e como alvo do poder. Objeto do poder porque ele poderia ser manipulado, modelado,

treinado; e alvo porque ele poderia se tornar hábil e economicamente viável como força de

produção.

Na antigüidade grega, segundo Chauí (1997), a sobrepujança da valorização do corpo

se manifestava pelo culto ao atleta olímpico vencedor, que recebia as regalias do Estado e os

louros, sob a ovação da platéia de homens nus.

Em Esparta, ainda segundo Chauí (1997), as atividades corporais (hoje a educação

física) recebiam lugar de destaque na educação dos jovens e era de tal modo, exacerbado, que

os espartanos chegaram ao ponto de sacrificar aqueles que nascessem com algum defeito

físico. Por outro lado, o corpo, nas camadas mais pobres da população, era preparado para

atividades bélicas, e o feminino, submetido a exercícios físicos, com a finalidade de terem

bons partos de belos exemplares.

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Com o advento do Cristianismo, segundo Chauí (1997), o corpo é, por um lado,

glorificado no sacrifício eucarístico (o Corpo de Cristo), em outro, é amaldiçoado, devido a

ter na sua feitura o pecado original, fonte de toda dor e inclinações ao mal, tese defendida por

Santo Agostinho (354-430 d.C.), seguidor das filosofias platônica e maniqueísta que dividem

o homem e o mundo em bom e mau.

Highwater (1992) está de acordo com a idéia de que a adesão da cultura cristã

ocidental à filosofia maniqueísta, como justificativa de um mundo dual, fez da Idade Média a

idade das trevas para o corpo, supervalorizando a ascese como instrumento de santificação da

alma, fosse através de jejum, açoite ou mesmo a fogueira. Sacrifícios esses destinados à

purificação daqueles considerados como concupiscentes.

Romero (1995 apud ZULIN, 2004) acredita que, com o Iluminismo, as idéias sobre o

corpo humano foram aos poucos se modificando e o homem corpóreo, gradualmente,

ganhando autonomia sobre seu espaço. Inicialmente, teve o modelo de elaboração da idéia de

corpo fornecido pela principal ciência, a mecânica, e, como conseqüência, o corpo foi

pensado como máquina. Posteriormente, com o desenvolvimento das chamadas ciências da

vida, o corpo passou a ser visto como organismo dotado de funções próprias, capaz de realizar

a mais importante das funções: a sobrevivência.

De acordo com Foucault (1986), as sociedades ocidentais foram as únicas que, para

produzir discursos sobre o corpo, desenvolveram o que ele chama de “ciência corporal”, ou

seja, o conhecimento sobre o corpo, baseado em discursos ideológicos, tais como os da

medicina, da demografia, da pedagogia, fazendo do culto ao corpo um dos rituais mais

importantes para livrá-lo de qualquer conduta que pudesse comprometer a sociedade.

Em decorrência da ideologia judaico-cristã, o corpo ambulou entre o puro e o impuro,

entre o permitido e proibido, entre a lei e o crime, requerendo para sua exposição sanções

seríssimas, principalmente se este corpo é feminino, e com intenções de dele se tirar prazer.

A ideologia científico-cartesiana, reportando-se à filosofia de Platão, na relação ao

corpo e à alma, segundo Mondin (1981), abriu espaço para uma ciência crescente do século

XVII, a Medicina, que, utilizando a proposição de que a alma é capaz de sobreviver sem o

corpo por não se comporem da mesma matéria, este poderia ser objeto de estudo dos

cientistas, sem o risco de violação da alma.

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Chauí (1989) acredita que um estudo do corpo, como forma de justificar a existência

produtiva e reprodutiva frente à sociedade capitalista, tornou-se possível com o Positivismo

de Augusto Comte (1789-1857), que, vendo o corpo como um simples objeto de produção ou

consumo, justifica a ideologia da Medicina de que o mesmo pode e deve ser manipulado, de

acordo com o objetivo a que se disponha a pesquisa.

O estudo do corpo humano pelas ciências biológicas, pela fisiologia, e anatomia,

colocadas a serviço da Medicina, criaram a cisão do homem em várias partes em

conseqüência disto, a necessidade de um estudo sistemático das mesmas. Este sistema de

estudo formou o grupo de especialistas em “gente”, ou melhor, em “pedaços” de gente, já que

cada um se tornou responsável por desvendar os segredos de cada órgão ou membro

componente de uma pessoa.

Lepargneur (1994) acredita que esta visão cartesiana do corpo trouxe para a sociedade

a sensação do poder do homem sobre as intempéries e sobre a própria vida, gerando a crença

de que “se algo vier a acontecer de forma a danificar alguma ‘peça’ do meu corpo, a medicina

conserta”.

Por meio desse pensamento ingênuo, ou arrogante, da superação da natureza pela

tecnologia, a sociedade começou a incentivar a beleza das formas corpóreas e a denegrir tudo

aquilo que não se enquadrasse nos padrões de saúde que a tecnologia e a Ciência pudessem

oferecer. Ou seja, a ilusão de um corpo imaculado.

Moreira (1995) responsabiliza a ideologia médico-cartesiana pelos preconceitos em

relação àqueles com defeitos físicos congênitos ou por doença deformante, como é o caso da

hanseníase, o Vitiligo, dentre outras. O crédito concebido pela população em relação ao saber

médico, cooperou de forma substancial para o olhar pós-moderno do corpo.

Ainda segundo Moreira (1995), o olhar pós-moderno do corpo exacerba de tal modo a

boa forma corpórea que a preocupação de uma pessoa com a própria celulite ou gordura

localizada, que já foram sinais de saúde e beleza, em tempos antigos, hoje pode ser causa de

insônia para aqueles que primam pela estética.

Para Romero (1995 apud ZULIN, 2004), o corpo não é uma entidade natural, mas um

fenômeno resultante da cultura. Nas sociedades capitalistas, carrega uma funcionalidade que o

atrela aos dispositivos de controle e disciplina, ao mesmo tempo em que é apresentado

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associado à sexualidade e a beleza é dotada de perigo, na medida em que é embalado,

maquiado e despontencializado.

O fenômeno da corporeificação mercadológica, segundo Medina (1990), merece

reflexões mais aprofundadas por parte de todos aqueles que se preocupam com os novos

rumos da sociedade. É preciso descobrir que, por trás da busca de um corpo “bonito e

saudável”, estão presentes os interesses de um sistema adoecido, neurótico, cuja meta é o

lucro a qualquer custo, e o que é pior, o lucro para alguns poucos ao preço da alienação dos

demais.

Medina (1990) acredita ser necessário desmistificar certos modelos de corpo,

propostos ideologicamente pela sociedade, e esta desmistificação deve ser acompanhada de

outra que avance em direção a uma visão mais revolucionária do corpo. Revolucionária no

sentido de vê-lo com o devido respeito pelo ser que é em si mesmo e não como algo que deva

ser modelado constantemente segundo uma ideologia estática.

Segundo o mesmo autor, o corpo não pode continuar sendo visto, como um simples

objeto de produção e consumo, nem também ser visto como uma máquina cujo mau

funcionamento corresponda a uma avaria em um mecanismo específico que deve ser

reparado, através de mecanismos físicos ou químicos dispostos no mercado biomédico.

De acordo com Leloup (2004), o corpo humano precisa ser entendido como um

sistema bioenergético, dialógico, transcendental, porque o corpo é o próprio homem e, como

tal, não pode ser somente um objeto, mas sim o sujeito, o produtor e o criador da sua história,

cujos registros inscrevem em si mesmo.

Em relação ao processo de socialização, Lepargneur (1994) diz que, no

desenvolvimento social, cada indivíduo forma, aos poucos, uma imagem do próprio corpo,

não sem conotações emotivas de narcisismo ou repulsa, e compartilha o fruto da imagem

cultural que seu meio social lhe transmite a respeito da realidade dos corpos. É o meio social

quem determina os tipos de atributos morais e axiológicos que o ser humano deve ter. E são

estes mesmos atributos que formarão o conceito de normalidade desse homem socializado.

Chammé (1996) relata que modelos de saúde são sucessivamente propostos, e os

modelos corporais, que os acompanham, são constantemente permeados por uma visão

alarmista sobre os riscos, implicando tanto na aquisição de cuidados quanto a preconceitos

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sobre o cultivo da saúde, cuja finalidade é a de fornecer a manutenção de uma condição

saudável da vida. Daí, a adoção de condutas básicas para preservar o estado de saúde.

Acreditamos que os critérios de saúde e doença, que o homem estabeleceu ao longo de

sua historia, tenham base em fatores como estes supracitados, sob múltiplos enfoques

advindos da religião, da ciência médica ou mesmo da cultura popular. E, ainda que, sob este

mesmo enfoque, se dê tanto a identificação de novas doenças quanto o processamento do

medo da ocorrência delas, enquanto condição de risco ao bem estar da vida da comunidade

saudável.

2.3 SAÚDE E DOENÇA NA SOCIEDADE

Ao longo da história, a saúde, “[...] bem estar físico, social e emocional e não somente

a ausência de doença e enfermidade” (FERREIRA, F., 1982. p, 327), tem sido a grande

preocupação do homem, por representar para si e para a sua comunidade a sobrevivência sua

e de sua espécie, levando-o a organizar formas de prevenir e combater a doenças que possam

vir a ameaçar esta segurança.

Fontes (1995) lembra que, na cultura ocidental, a ênfase sobre os fatores ambientais e

sociais sobre a qualidade de vida dos indivíduos, era dada segundo o corpus Hipocraticum,

que referendava ser a saúde o resultado da harmonia entre os hábitos físicos e mentais e a

inter-relação destes com o meio ambiente. Entretanto, com o advento da filosofia Baconiana,

do domínio da natureza pelo homem, e da fragmentação do homem pela mecânica, sob a

filosofia cartesiana, o conceito de saúde e doença passou a ser associado a um mesmo corpo

como coisas do ser (do ente).

A adesão, pela medicina, do modelo mecanicista – cartesiano, de ver o corpo humano

como uma máquina, segundo Fontes (1995), contribuiu decisivamente para as especializações

desta ciência e também para uma nova forma de ver o ser humano, agora fragmentado em

partes específicas do conhecimento médico e não mais na sua globalidade, impedindo os

médicos de compreenderem muitas das mais importantes enfermidades, principalmente as de

nuanças psicossomáticas.

Pessini e Barchifontaine (2002) acreditam que a forma de ver o homem a partir de um

ponto de vista biologista, centrado na doença, segundo a hegemonia médica, e na utilização

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intensiva de tecnologias, em detrimento de uma visão holística do ser humano, capaz de

produzir o próprio adoecimento e também a própria cura, é também um legado do

cartesianismo à medicina tradicional curativa.

Avaliando a interação médico-paciente, Leloup (2004) acredita que a mesma deve se

dar numa relação empática para que o fenômeno do adoecer seja visto como algo inerente ao

ser, no seu processo interacional com o ambiente. Pois, somente por meio de uma visão

holística do ser humano e também do seu ambiente é possível conduzir aquele que adoece de

volta ao centro de si mesmo. Este fato, segundo o autor, cabe àquele que se dispõe a cuidar do

ser - o terapeuta - fazer em parceria com aquele que procura seu auxilio.

Este olhar global na relação médico-paciente permitiria estabelecer uma parceria de

saberes na busca de um equilíbrio entre o Ser-paciente e o Ser-ativo, primando pela pessoa e

não pela doença que ela possa portar.

O modelo judaico-cristão de conceber o Homem, junto com o cartesianismo, de

acordo com Lepargneur (1994), parece ser a base da medicina ocidental: que busca ver, na

pessoa que procura seus cuidados, a doença ou o corpo doente, e como tal, ser por ela

cuidado, recondicionado ou reabilitado às condições normais de saúde por ela concebidos.

Dispondo de vasta tecnologia de “reparo e reposição”, o médico, muitas vezes, deixa

de lado o diálogo, recurso essencial na interação terapeuta-paciente numa relação de cuidado

e cura (FONTES, 1995).

O modelo terapêutico oriental, segundo Leloup (2004), diferencia-se do ocidental por

procurar ver o homem como fenômeno psicofísico, um ser positivo no qual circula a energia

cósmica, entendendo, como saúde, o equilíbrio dessa energia, e, o seu desequilíbrio, o que se

entende por doença.

Segundo essa visão terapêutica deste autor, todo Ser (paciente), trás em si mesmo o

pêndulo estabilizador de sua energia vital. Ao terapeuta (aquele que cuida), cabe cuidar de se

conhecer e conhecer suficientemente seu paciente, quando em desequilíbrio (doente), para que

o mesmo possa retornar ao seu centro de equilíbrio, condição essencial de saúde do Ser.

No Ocidente, a hegemonia da medicina sobre os demais sistemas terapêuticos, delega

o cuidado da saúde, pela própria pessoa que adoece, ao médico, proibindo a automedicação

como forma de dizer que somente ela, a medicina moderna, é capaz de responder à sociedade

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sobre o que é bom e saudável e também ao que é mau e doença, rompendo com os saberes

culturais a respeito do adoecimento e da cura.

O pensamento de supremacia da medicina trouxe à sociedade prejuízos tais como não

poder contar com a ajuda de outro profissional, quando na ausência deste, como é comum no

interior dos países em desenvolvimento, ficando a população à mercê da precariedade dos

sistemas de saúde de seus governos.

Pessini e Barchifontaine (2002) acreditam que existe um equívoco no conceito de

saúde pregado pelo modelo médico vigente, em focar a doença, em detrimento da saúde do

paciente. Esses autores são da opinião que, para mudar esta concepção, há de se aderir a um

novo modelo de se fazer medicina, regido por um olhar mais crítico das condições

socioeconômica, ambientais e psicológicas daquele que adoece.

A saúde é resultado das condições de alimentação habitação, educação, renda meio ambiente, trabalho, transporte, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviço de saúde. E assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2002, p. 26).

Para Fontes (1995), os processos de hegemonia do capitalismo, junto com o modelo

tradicional biomédico da saúde doença, geraram, por meio de suas ideologias, a alienação da

massa a eles submetida, criando o sentimento de mega-valia na relação com quem sustenta o

poder, fazendo-o esquecer que o homem, e não o capital, é o senhor de si. No entanto, rever

esta situação e atribuir poder ao homem, como agente, e não mais como um “eterno” paciente

é o grande desafio para a nova educação da saúde.

A alienação gerada pelas elites, através da desinformação, segundo Fontes (1995),

criou em torno da saúde/doença o mito da tecnologia médica como a resolução dos seus

problemas no enfrentamento das desigualdades sociais. A saúde passou também a ser status

social, sendo comum, em conversas informais, a menção do tipo de planos de saúde do qual a

pessoa dispõe e o nome do “seu médico” nas unidades básicas de saúde ou hospitais

conveniados pelo Sistema Único de Saúde.

Comentando a alienação social em relação à saúde tecnologizada, Fontes (1995) é de

acordo que ela reforça os interesses econômicos de uma medicina urbana de alta qualidade

que os profissionais da medicina compartilham como os outros membros das classes média e

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superior. Desvia a orientação do médico da atenção primaria que salienta as contradições das

classes dominantes e mostra a todos os que nela se envolvem que os problemas de saúde e

doença só poderão ser resolvidos mediante uma modificação profunda, social e política.

Na opinião de Leloup (1998), a hierarquização do saber médico ditada pela hegemonia

da medicina curativa, vem, ao longo dos anos, transformando o médico terapeuta (aquele que

cuida do ser) em apenas um medicalizador ou cirurgião, afastando-o cada vez mais das

massas populacionais das periferias.

O uso da medicina como meio de hierarquização não só cria um fosso ainda maior

entre os que dispõem de condições econômicas, como também revelam os efeitos das

políticas públicas, que primam pelos números de atendimentos em seus postos de saúde, em

detrimento do bem estar físico e emocional da população, muitas vezes desconhecedora de

seus direitos, no se que refere a uma assistência de saúde com qualidade.

No que se refere à hanseníase, foco central de nossa pesquisa, podemos apontar a

pessoa por ela atingida como uma das vítimas dessa política que relega ao sistema público seu

cuidado, mesmo que o paciente goze de um plano de saúde, porque a sua doença é de caráter

epidemiológico das classes mais desfavorecidas, ficando o Sistema Único de Saúde como

responsável por sua cura e, no caso de pessoas estigmatizadas, por sua ressocialização.

2.4 SOCIALIZAÇÃO DO CONCEITO SAÚDE E DOENÇA

Um conceito surge e se estabelece como cultura a partir da vivência de um fenômeno

pela população de um determinado lugar e do valor que a mesma lhe atribui. De acordo com

Helman (2002), no ocidente, o conceito de saúde e de doença teria evoluído sob o olhar

teologal de bem e mau, puro e impuro e ou pecado e graça. Desse olhar, também dependeria a

aceitação, pela sociedade, de uma doença ou da saúde.

Com o desenvolvimento social, velhos conceitos evoluíram para um novo olhar sob os

quais uma doença, tida como perigosa em uma época, pode ser transformada em algo simples

e de fácil aceitação em outra, como foi e o é a tuberculose.

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O olhar social sobre uma doença pode também classificá-la como de cunho privado,

ou de cunho público, diferenciando-se pelo tipo de cobertura assistencial que o cidadão possa

dispor para seu cuidado (HELMAN, 2002).

De acordo com Fontes (1995), a dualidade assistencial ao cidadão portador de uma

doença criou um novo olhar mitificado sobre saúde pública e saúde privada, onde a primeira,

vista como de pouca qualidade, se responsabilizaria pela população de baixa renda e, a

segunda, pela população de renda superior.

Segundo Scliar (2002), esta dicotomia deixa entrever a fragilidade ou a alienação dos

planos particulares de saúde, quando estes não se dispõem a cobrir os gastos assistenciais a

pacientes portadoras de doenças crônicas ou terminais e transplantes, relegando o cuidado

destas pessoas e procedimentos à saúde pública, fazendo com que seja necessário um

investimento maior, pelos governos, em tecnologias para atender, com a qualidade devida,

esta clientela. Políticas de investimentos em tecnologias como esta relegam a saúde primária a

segundo plano, impedindo-a de atingir seu objetivo: a educação do cidadão para o

enfrentamento da doença e manutenção do estado sócio-ambiental propícios à saúde integral,

tanto seu quanto da comunidade em que está inserido.

Helman (2002) acredita que, sendo a doença e a saúde concebidas sob o olhar cultural,

o adoecer também é um fato cultural que se constrói sob valores estruturados no indivíduo,

segundo a sociedade na qual ele se desenvolve, podendo ser entendida como o desequilíbrio

relacional pessoa-pessoa, pessoa-natureza ou ainda, pessoa-divindade. Um distúrbio em

qualquer uma dessas relações pode se manifestar por meio de sintomas físicos ou emocionais,

estando o significado de ambos dependente de como o indivíduo social o concebe, o que varia

de indivíduo para indivíduo e de cultura para cultura.

O processo de um indivíduo definir alguém como doente pode ter, como base, suas

percepções individuais ou as percepções dos outros ou ainda ambos os casos. Essa definição

implica não só experiências fisiológicas, mas também uma série de experiências subjetivas,

defendida pela psicologia social como representações sociais, o que justificaria a Organização

Mundial de Saúde (1947 apud HELMAN, 2002, p. 183) dizer ser saúde “[...] um estado

completo de bem estar físico, mental e social e não simplesmente a ausência de doença ou

enfermidade”.

A forma como o Ser-paciente se percebe pode ser o ponto de partida, tanto para seu

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adoecimento, quanto para sua cura e bem estar social. “Fora desse olhar do si - mesmo como

o ponto alto do seu existir, só pode existir o medo e a depressão, pontos fundamentais da

depressão humana” (LELOUP, 2004, p. 28).

Ainda de acordo Helman (2002), conceitos de malignidade e/ou de benignidade são

fatos antropológicos da visão do homem, criado e regido por Deus, que, segundo sua crença,

usa a doença como forma de purificação e/ou castigo para o corpo pecador. E, sendo o

homem uma criatura divina, quando em estado de não merecimento das benesses do Criador,

Este permite que o maligno o atinja em seu corpo com doenças malignas que não têm cura,

como a AIDS ou de difícil cura como os cânceres e a hanseníase. Dependendo também desta

concepção, a aceitação do “doente” na comunidade dos “saudáveis” ou a sua marginalização.

Leloup (1998), analisando o fenômeno do adoecimento humano, diz que, sendo o

homem fruto da socialização cultural na interação com o ambiente, seu adoecimento

corresponde, em primeiro lugar, ao desequilíbrio emocional o qual impede o equilíbrio

espiritual, gerando distúrbios psicossomáticos, fazendo-se necessário um espaço sócio-

ambiental e cultural que ofereça segurança para que o mesmo possa gozar de sanidade

biopsicossocial.

A reflexão do autor citado anteriormente nos faz refletir, também, sobre o processo de

socialização do conceito de hanseníase enquanto doença infecto-contagiosa ao longo dos

milênios de sua história, onde sociedade e indivíduo por ela acometido não partilham dessa

sanidade. Em conseqüência dessa não sanidade social, a marginalização ou o isolamento

compulsório do sujeito acometido por esta doença pode ter aceitação “natural”, tanto da

sociedade em relação a este, como dele em relação à comunidade, fato presente na história das

pessoas vítimas da hanseníase, como veremos a seguir.

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3OLHARES SOBRE A HANSENÍASE

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Iniciando esse capítulo, podemos dizer que hanseníase, hoje, é um termo de vários

significados, dependendo, para tanto, da concepção de quem o vê, por referir-se a uma doença

que mutila e estigmatiza tanto físico como psicologicamente. Tem gerado, ao longo do tempo,

um rastro histórico de dor e sofrimento e, também, histórias fabulosas de superação pelas

pessoas por ela acometidas.

3.1 HANSENÍASE: UMA DOENÇA SOCIOPOLÍTICA

A hanseníase, de acordo Talhari e Neves (1997), é uma doença infecto-contagiosa de

evolução crônica, que tem como agente etiológico o Microbacterium leprae, ou bacilo de

Hansen, transmitida através do contato interpessoal íntimo e prolongado com doentes

acometidos das formas contagiantes Virchowiana ou Dimorfa, admitindo-se um período

médio de incubação de dois a sete anos, variando de acordo com a oscilação da imunidade do

sujeito infectado, podendo causar complicações clínicas bastante variadas.

Moreno (2002) é de acordo que o exato mecanismo de transmissão da hanseníase não

é ainda conhecido, mas acredita-se que se dê entre o portador de alguma forma bacilífera da

doença e a pessoa sadia ou susceptível, pelo contato intimo e prolongado, por meio das

secreções uronasais e inoculação cutânea.

A hanseníase, hoje, após resistir por milhares de anos aos mais variados tratamentos,

tem cura. Seu tratamento é simples, relativamente rápido, não interrompe as atividades

cotidianas e os medicamentos são obtidos gratuitamente nos hospitais públicos espalhados por

todo o País. E “[...] sua transmissão cessa logo após o início do tratamento, que na primeira

dose é capaz de eliminar as cepas viáveis do bacilo de Hansen em mais de 95% da carga

bacilar do indivíduo” (MORENO, 2002, p. 28).

Jopling e McDougall (1991), analisando a extensão da endemia hansênica no planeta,

afirmam que, no início da década de 1990, esta afecção atingia cerca de 11,5 milhões de

infectados distribuídos por todo o planeta sul, com maiores concentrações no sudeste asiático,

África, pacífico sul, América, mediterrâneo ocidental e Europa, destacando-se a Índia e o

Brasil como os países com maior incidência.

Martelli (2002) afirma que, na virada do milênio, limiar da eliminação da hanseníase,

de acordo com campanhas da Organização Mundial de Saúde, atingir-se-á a cifra de menos

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uma pessoa atingida pela doença para cada dez mil habitantes, índice considerado satisfatório

para se considerar a doença como eliminada como problema de saúde pública a nível mundial.

Dos 122 países considerados endêmicos para a Organização Mundial de Saúde, na década de

1980, 24 países postergaram para 2005 a eliminação global da hanseníase.

De acordo com o World Health Organization (2005), eram 13 os países considerados

endêmicos em todo o mundo, dentre os quais o Brasil detinha a maior prevalência: 4,6 casos

por 10.000 habitantes, superando a Índia com 3,2 casos por 10.000 habitantes e era o único

país da América endêmico para a hanseníase, com detecção de 49.206 novos casos, dos quais

4.092, em crianças. E também, o responsável por 80% dos casos de hanseníase no continente

americano.

Esses dados nos colocam a par da situação do descaso ou ineficiência dos mecanismos

usados pelos governos brasileiros, através do Ministério da Saúde, para combater com

eficácia e endemia hansênica no país.

3.2 O ESTADO DO ACRE E A HANSENÍASE

Como doença endêmica, a hanseníase tem, como uma de suas características, ser uma

doença que melhor se desenvolve em áreas de abundante pobreza, áreas em que o saneamento

básico é precário e a educação sanitária é também deficitária. Estas são características

marcantes em todos os estados do norte do Brasil, portanto, um berço genuíno para a

proliferação da doença.

Devido à região amazônica se caracterizar pelas grandes distâncias entre seus

povoados e municípios e ainda ser o transporte fluvial e o aéreo os mais usados pelos povos

amazônicos, o acesso ao tratamento pelas pessoas atingidas pela hanseníase é sempre uma

dificuldade a mais para o combate e controle da doença no Estado do Acre.

3.2.1 Como se caracteriza o Estado do Acre

Geograficamente, o Estado do Acre está localizado na Região Norte do Brasil. De

clima equatorial, amazônico. Composto por 22 municípios, distribuídos em uma área de

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152.581,388 km2. População estimada, em 2005, em 669.736 habitantes, correspondente a

uma densidade demográfica de 4,38 habitantes/km2. Sua economia se baseia na pecuária e no

extrativismo florestal e é, hoje, modelo de desenvolvimento auto-sustentável, por meio do

manejo florestal para os demais Estados da região. O estado politicamente se divide em dois

grandes vales: Acre-Purus e vale do Juruá e estes dois em veles regionais de acordo com os

rios que banham tais regiões (FIGURA 1).

FIGURA 1 - Mapa do Estado do Acre – divisão geográfica.Fonte: Acre (2007).

A divisão do Acre em vales tem o propósito de melhor integrar e desenvolver o

Estado, uma vez que estes rios funcionam como “estradas d’água”, permitindo o

deslocamento dos ribeirinhos com suas produções aos portos dos municípios e também o

acesso dos órgãos do governo às comunidades mais distantes (FIGURA 2).

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FIGURA 2 - O autor, filho de ribeirinhos do Rio Embira - Acre.Fonte: Aldecino José Ferreira de Oliveira, 2007.

3.2.2 Da hanseníase no Acre: um pouco de história

Moreno (2002), em sua dissertação de mestrado, diz que a hanseníase se instalou no

Estado do Acre no início do século XX, advinda com as correntes migratórias do ciclo da

borracha. “Se instalou” não quer dizer que os primeiros casos ou o primeiro caso tenham

acontecido nesta época, mas sim que os registros oficiais demonstram os fatos somente a

partir desse momento histórico. Instalou-se quer dizer surgiu e logo se constituiu agravo de

saúde pública significativo. No entanto, relatos não oficiais apontam a chegada da hanseníase

com a primeira leva de migrantes nordestinos no final do século XIX.

Em 1928, o território do Acre já contava com dois dispensários para combater a

“lepra”. Sendo um em Cruzeiro do Sul e outro em Rio Banco, além de um abrigo em Sena

Madureira. Antes dos dispensários, porém, em Rio Branco, os doentes eram alojados perto da

cadeia pública e partilhavam da mesma comida dos presos. O que deixa claro o tipo de

tratamento desumanizado dispensado a essas pessoas atingidas pela hanseníase, como se as

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mesmas fossem culpadas pela doença que os carcomiam, ou ainda, como se partilhassem do

mesmo crime daqueles detentos na cadeia pública.

Foi nos anos 1920 do século XX que a hanseníase passou a ter relevância como um

problema de saúde pública, visto não haver menção no relatório do sanitarista Carlos Chagas

(1911-1913), após estar no Território do Acre, quando ressaltou o impaludismo como a

grande endemia dominante no mesmo.

Em 1929, Hugo Carneiro alertava a administração do Território do Acre para uma

política que primasse por combater, com seriedade e afinco, as endemias ali existentes.

(MORENO, 2002).

Silva (2000 apud MORENO, 2002), revela que, em 1933, havia 60 casos de “lepra” no

Juruá e três em Tarauacá. No município de Sena Madureira, esse número subia para 76 os

casos registrados da doença, ignorando-se o número de casos de pessoas isoladas em

choupanas localizadas às margens dos rios, tais como o Acre, Purus, Yaco, Envira, dentre

outros, desassistidos por diligências especiais, devido às precariedades do departamento de

saúde do território. No entanto, conhecia-se 234 casos para uma população de 100.000

habitantes, equivalendo a uma prevalência de 2,34 casos por 10.000 habitantes, na época.

Acredita-se, ainda, que a hanseníase, talvez devido a fatores como precariedade de

recursos tecnológicos e falta de uma política eficaz que priorizasse o seu combate e

prevenção, fez do Acre um dos Estados de maior prevalência na história da saúde pública do

país. No ano de 2002, o Ministério da Saúde anunciava um registro de ocorrência de 11.315

casos notificados entre 1932 a 2001 (BRASIL, 2002).

Em 1979, no Acre, teve início em todos os municípios, o processo de controle da

hanseníase por meio campanhas que divulgavam a nova nomenclatura adotada pelo ministério

da saúde numa tentativa de descaracterizar a lepra como uma doença maligna e minimizar os

efeitos preconceituais, por ela gerados, ao longo dos anos de sua história (ACRE, 2002).

Em 1987 foi realizada uma limpeza nos arquivos de caso de hanseníase, atendidos sob

a velha sistemática de tratamento, passando-se a adotar, desde então, a metodologia da

Poliquimioterapia, de acordo com as orientações da Organização Mundial de Saúde.

Para que houvesse uma nova adequação ao sistema Poliquimioterapia, se fez

necessário dar alta ao pacientes em tratamento. A partir de 1990 todos os casos da de pessoas

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acometidas pela hanseníase já eram atendidos de acordo com essa sistemática, inclusive a

população ribeirinha (BRASIL, 2004).

É importante aqui ressaltar que devido às condições históricas da colonização do Acre,

grande parte de sua população se localiza nos seringais, colônias ou em reservas extrativistas,

vivendo em casa simples, na sua maioria, edificadas nas margens dos rios ou dos Igarapés,

longe dos centros urbanos, o que dificulta ainda mais se combater, profilaticamente, a

hanseníase (FIGURA 3).

FIGURA 3 - Pesquisador em travessia do Rio Acre.Fonte: Aldecino José Ferreira de Oliveira, 2007.

Oliveira e Gomes (2000), analisando a política de combate das doenças endêmicas no

Brasil dizem que, em relação à hanseníase, o país vem sofrendo baixas, uma após outra, no

que diz respeito a cumprir as metas de eliminação, segundo as exigências da Organização

Mundial de Saúde durante a 44º Assembléia Mundial de Saúde, realizada em Genebra no ano

de 1991, onde os países endêmicos, considerados endêmicos para hanseníase, assumiram o

compromisso de eliminá-la como doença endêmica até o ano de 2000.

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Chegado o final do milênio, o objetivo de eliminação da doença foi dado como não

cumprido, sendo criada então uma nova data para este fato, 2005. O ano de 2005, no entanto,

trouxe informe insatisfatório para o Ministério da Saúde e para a Organização Mundial de

Saúde, no que diz respeito ao cumprimento de tal meta, sendo necessário postergá-la para

2010 (FIGURA 4).

FIGURA 4 - Distribuição do coeficiente de prevalência de hanseníase (por 10 mil hab.).Fonte: Sistema Nacional de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde (2005 apud FERREIRA, E., 2007).

O não alcance das metas estabelecidas frente à Organização Mundial de Saúde fez o

Brasil passar a ser o país com maior prevalência da doença no mundo, superando a Índia, país

que detinha este título. Também se tornou o único país do continente americano a apresentar

índices endêmicos da doença (2,10 casos por 10.000 mil habitantes) (ORGANIZAÇÃO

MUNDIAL DA SAÚDE, 2005).

No Estado do Acre, em 2004, segundo informes do Ministério da Saúde, estavam

registrados, até dezembro, um total de 310 casos de hanseníase, dos quais 214 se encontravam

em processo de tratamento com o Poliquimioterapia e 67 já possuíam tempo suficiente para

receber alta por cura (BRASIL, 2005a).

O coeficiente de prevalência neste ano (2004), no estado foi de 5,05 casos por 10.000

habitantes. Índice cinco vezes a meta da Organização Mundial de Saúde, <1/10.000

habitantes.

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Campanhas de prevenção e detecção de novos casos da doença, promovidas pelo MS,

em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde, corroboraram para que o Estado fechasse o

ano de 2005 com uma prevalência de 3,48 casos por 10.000 habitantes. O que demonstra o

empenho da equipe de saúde responsável pelo controle da doença no estado.

No processo de combate e controle da hanseníase no Acre, um fato que chama a

atenção é o grande número de detecção de casos da doença em crianças. Fato que se atribui às

precariedades econômicas da maioria da população, e também à dificuldade de acesso à zona

rural pelas equipes de saúde, o que dificulta e/ou atrasa o diagnóstico e o início do tratamento.

Este atraso pode gerar seqüelas a essas pequenas vítimas da doença.

Dados do Ministério da Saúde, afirmam que, nos últimos cinco anos (2000-2005), no

Acre, em média 34 crianças foram diagnosticadas com hanseníase a cada ano. Para cada 100

adultos diagnosticados em 2004, 11 diagnósticos eram de criança, o que caracterizou o

Estado, para o Ministério da Saúde, como uma área de nível endêmico muito elevado

(BRASIL, 2005a).

Esses números sugerem que, na maioria das vezes, essas crianças convivem com

alguém que tem a doença, mas que ainda não está em tratamento, uma vez que, como já foi

mencionado anteriormente, ao iniciar o tratamento a pessoa deixa de transmitir a doença.

É importante aqui ressaltar que a grande prevalência de casos de hanseníase no Estado

do Acre em anos anteriores a 1998, se deve, não só, ao grande número de novos casos

detectados, mas também, ao fato da falta de atualização dos dados referentes a pacientes que

tiveram alta por cura e/ou abandonaram o tratamento, mas continuaram com o registro ativo

como portadores da doença.

Do ano de 1998 a 2002, quando o sistema de atualização dos dados foi incorporado ao

programa de redução da hanseníase, a prevalência no estado apresentou uma redução

acentuada de 51,5%, com um leve aumento em 2002. A redução apresentada no final do

período foi de 46,5%, reduzindo-se quase à metade o número de casos ativos da doença no

estado (BRASIL, 2005d).

Atualmente, campanhas de esclarecimento em torno da doença têm sido desenvolvidas

pela Secretaria de Estado de Saúde, mesmo assim, o estado fechou o ano de 2005 com uma

prevalência de 4,40 casos por 10.000 habitantes (BRASIL, 2006). Índices que caracterizam,

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sem dúvida alguma, a hanseníase como um problema sério para a saúde humana e para o

estado.

3.3 HANSENÍASE E ESTÍGMA

A hanseníase é uma doença que se diferencia das demais pelo seu caráter

biopsicossocial, pois, quando um indivíduo a contrai, junto com a enfermidade, ele contrai

também o estigma, o qual se expressa na caracterização que a sociedade, historicamente tem

feito dessa doença. No ocidente, de acordo com Maciel (2004), as crenças judaico-cristãs

foram os grandes veículos de estigmatização da pessoa atingida pela hanseníase, por meio do

conceito de impuro para aquele ou aquela que portasse em seu corpo tal enfermidade.

Quando nos referimos ao estigma, há também a necessidade de nos referirmos ao

preconceito, causa primeira daquele. Porque a estigmatização só é possível a partir da

existência deste.

Mezan (1998, p. 226) caracterizando preconceito, diz ser este “O conjunto de crenças,

atitudes e comportamentos que consiste em atribuir a qualquer membro de determinado grupo

humano uma característica negativa, pelo simples fato de pertencer àquele grupo”. Segundo o

autor, a característica em questão é vista como essencial definidora da natureza do grupo, e,

portanto adere indistintamente a todos os indivíduos que o compõem.

Jones (1973 apud MIRANDA, 1999), referindo-se ao preconceito, diz ser este um

juízo prévio e negativo dos componentes de uma raça ou religião, ou dos ocupantes de

qualquer outro papel social significativo e mantido, apesar dos fatos que o contradizem. Deste

juízo exagerado atribui-se a todos os membros de um grupo minoritário, certos traços físicos

ou certas características culturais que se observam em diferentes membros desse grupo.

Romero-Salazar (1995), comentando o estigma afirma que este pode ser descrito como

um processo mediante o qual se restringe o papel social do indivíduo a partir do diagnóstico.

Esta restrição que pode processar-se, tanto pela sociedade em relação ao paciente, quanto por

ele em relação a esta, relega-o a uma segregação compulsiva inserindo-o em uma categoria

não humana, como se ele ou ela, fosse o culpado de sua enfermidade.

Os elementos constitutivos da representação sobre a doença geram o sentimento de

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menor valia frente à comunidade dos “saudáveis” e agrega-lhe a obrigação de isolar-se da

sociedade e da família para não contamina-las.

O indivíduo, ao receber o diagnóstico como doente de hanseníase, manifesta um desequilíbrio identitário traduzido em situação de crise. Ao se reconhecer nesta situação, busca, nos recursos do seu referencial de mundo, uma estratégia de identidade metamorfoseada, algo meio transicional, ao mesmo tempo negando-a, rejeitando-a sob certa medida, com o passar do tempo, com uma tendência à aceitação e, finalmente, uma adaptação a esta nova identidade, portanto, entendida como aceitação, como se transformasse a sua identidade. Dessa forma, esconde a sua real situação de saúde, devido ao preconceito e ao estigma muito irraigado na sociedade (MIRANDA 1999, p. 44).

O comportamento paranóico gerado pelo estigma, leva a pessoa atingida pela

hanseníase, se já portadora de deformidades, a se isolar como um todo na tentativa de ocultar

sua doença. Quando já curada, mas com pequenas deformidades, esta procura escondê-las na

tentativa de que o outro não venha a vê-la como “diferente”. Isto porque no dizer de Bacurau,

conhecido ativista e fundador do Movimento de Reabilitação da Pessoa Atingida pela

Hanseníase (MORHAN),

[...] contrair a hanseníase não é apenas contrair uma doença que agride os nervos periféricos, contraímos também uma nova identidade, cujo peso, estigmatizante, foge às dimensões psicossociais. De fato, não dá para descrever o que sentimos quando alguém nos chama de leproso, hanseniano ou nos trata como tal. Nada dói mais do que ser tratado como algo que dá nojo, que causa piedade, que desperta medo (NUNES, 1978, p. 2).

Referindo-se à Identidade, Grubits e Darrault-Harris (2004, p. 184) diz que ela

[...] serve igualmente para designar o princípio da permanência, que permite ao indivíduo continuar o “mesmo”, de “persistir no seu ser”, ao longo de sua existência narrativa, malgrado as mudanças que ele provoca, sofre ou aquelas que podem ocorrer de forma mais inesperada e repentina.

Na visão de Bakirtizief (2001), a cultura do isolamento compulsório, criada a partir da

sugestão de Gerhard Herik Armauer Hansen, na Noruega do século XIX, e adotada como

forma de conter o avanço da doença, levou governos de vários países a perseguir, prender e

isolar em leprosários, aqueles diagnosticados como portador da doença, acreditando-se que,

desta forma, se erradicaria o “mal” de Hansen e suas fontes de transmissão, já que não havia

um tratamento eficaz do mesmo.

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Opromolla (2000) é de acordo que com as medidas de reclusão e isolamento do doente

de hanseníase, previa-se a redução da doença em um pequeno espaço de tempo, e que esta se

extinguiria no início dos anos 1950. O que se viu, porém, foi a falência desse modelo pela não

eficácia de seus objetivos. Entretanto, a cultura de que a pessoa vitimada pela hanseníase deve

viver isolada, discriminada e marginalizada, não só permaneceu, como foi reforçada por este

modelo de “prevenção”.

No processo de desenvolvimento cultural, a sociedade, na visão de Moscovici (1978),

vai construindo modelos de representação para aquilo que se faça presente ao seu redor ou ao

seu imaginário. E, de acordo com a representação que a sociedade estabelece em torno de um

objeto cultural, neste caso, a hanseníase, ele pode vir a ser aceito como bom ou como ruim, e

maléfico para o grupo que com ele mantenha contato.

[...] uma representação fala tanto quanto mostra, comunica tanto quanto exprime. No final das contas, ela produz e determina os comportamentos, pois define simultaneamente a natureza dos estímulos que nos cercam e nos provocam, e o significado das respostas a dar-lhes. Em poucas palavras, a representação social é uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos (MOSCOVICI, 1978, p. 26).

A visão de Moscovici (1978) é compartilhada por Minayo (2000), pois segundo ela o

investigador social quando investiga um fenômeno social deve levar em conta suas

representações, pois elas expressam nas categorias de pensamento sobre uma determinada

realidade cultural, explicando-as e justificando-as a partir de uma crítica. Ou seja, um

elemento só passa a ser tido como representante social a partir do momento em que é

convencionado pela cultura dentro de um parâmetro axiológico, medido e avaliado pelo

elemento tempo.

Ainda sobre as representações sociais, Bourdieu (1972 apud MINAYO; SANCHES,

1993, p. 244), diz que “[...] cada agente, ainda que não saiba ou que não queira é produtor e

reprodutor do sentido objetivo porque suas ações são o produto de um modo de agir do qual

ele é o produto imediato, nem tem o domínio completo”.

Goffman (1988) compreende que um comportamento é caracterizado pelas

representações sociais, criadas pelos elementos de uma região, por meio de seus signos

ímpares a respeito de determinados elementos novos ou mesmo já existente em outras

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culturas, explicita, de forma singular, a dinâmica dos elementos da comunicação humana em

constante criação e ressignificação de seus significados e significantes.

Do ponto de vista expresso por Minayo e Sanches (1993) e Goffman (1988), cada

elemento da sociedade é, de fato, um representante desta, e, enquanto parte sua, é também

construtor ou reestruturador da mesma, dando a ela a face com a qual se apresenta em cada

época. Sendo também cada época a síntese dialética de outra, agora cristalizada nos elementos

que representa.

No caso da hanseníase, as pessoas, ao longo da história, foram se aculturando à doença

e criando suas representações em torno da mesma, baseadas em suas características

deformantes do corpo por ela acometido, e, com o tempo, nas regiões endêmicas, passou-se a

se fazer uma “leitura” dos corpos em processo de aproximação, como uma forma de prevenir

o contato com pessoas “doentes”.

Contrastando com essa forma de prevenção “natural”, os acometidos e estigmatizados

passaram a esconder seus corpos dentro de um grupo que não lhes oferecesse perigo de

exclusão. Para isso, criaram-se os bairros em torno dos hospitais-colônia. Zulin (2004)

comprova este fato em sua pesquisa “Viver próximo do hospital e distante da doença: um

estudo de casos com ex-portadores do mal de Hansen”.

Nas relações sociais, quando nos apresentamos a alguém, apresentamos em primeiro

plano o nosso corpo, por meio da mão que cumprimenta. Para uma pessoa estigmatizada pela

hanseníase, a mão hansênica perde sua função de enlace afetivo para tornar-se fator de

exclusão mediante leitura corpóreo-social que aquele ou aquela que cumprimenta possa fazer

(CLARO, 1995).

Fatores como estes, descritos acima, têm fundamental importância ao serem

observados quando se propõe a eliminação hanseníase através da cura pela Poliquimioterapia,

hoje dispostos em todas as unidades básicas de saúde, como a forma mais rápida e eficaz de

tratamento e cura da doença hanseníase.

A cura pelo Poliquimioterapia é uma realidade inconteste. No entanto, quando se fala

em cura no sentido global, holístico, como quer a Organização Mundial de Saúde

(DUERKSEN, 1997), essa globalidade ou holisticidade ainda não pode ser tida como real

porque, em se tratando da hanseníase, o estigma e o preconceito permanecem, indo além do

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tratamento poliquimoterápico porque não são partes físicas da doença que se cura com

remédio.

O que é biofísico da doença, podemos curar com um tratamento medicamentoso, mas

aquilo que é cultural na doença, o estigma e o preconceito, somente a cultura pode curar, por

meio da construção de novas representações relativas a tal fenômeno, fazendo-se necessários

meios que facilitem a reabilitação biopsicossocial das vítimas da hanseníase.

3.4 HANSENÍASE E REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL

O processo do adoecimento, de acordo com Seraceno (2001), é um fenômeno que

influi no equilíbrio psicossocial do ser humano por impedir ou limitar seu trânsito no meio

social ao qual está inserindo.

No caso da hanseníase, Romero-Salazar (1995), analisando o fenômeno adoecimento

por hanseníase, é da opinião que, por se tratar de uma doença milenar carregada de muitos

preconceitos, frutos do processo de socialização da mesma, a descoberta desta enfermidade

pelo sujeito pode despertar nele fantasias de mutilações, alterações somáticas e de abandono,

desagregando sua estrutura psicológica, o que pode ser para a pessoa, por ela atingida, um

impedimento para a procura, precoce, de tratamento ou mesmo do seu abandono.

O cuidado do ser vitimado pela hanseníase, para Bakirtizief (1994), requer, dentre

outras coisas, sua reestruturação psicológica para que possa reorganizar a consciência de si,

tanto na relação consigo mesmo quanto na sua relação com o outro. O outro pessoa e o outro

social, que vê e é visto com os olhos de quem porta a doença.

Embora ao longo dos anos o tratamento da hanseníase venha sofrendo uma melhora

substancial, tanto no que diz respeito ao seu aspecto medicamentoso, quanto ao processo de

tecnologia cirúrgica para correção de deformidades de membros afetados, quando se fala em

tratamento em hanseníase, dois conceitos não devem ficar ausentes: o de reabilitação e o de

prevenção de incapacidades, para não corrermos o risco de tornarmos deficientes naquilo que

se quer corrigir.

Virmond e Vieth (1997) acreditam existir uma deficiência na política de combate à

hanseníase, porque os modelos de prevenção se limitam à detecção e à cura da doença,

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deixando em segundo plano o fator prevenção de incapacidades e/ou a reabilitação das

pessoas em que nela levou mais tempo para ser detectada.

Em relação à prevenção de incapacidades e reabilitação, o Ministério da Saúde

(BRASIL, 1998) sugere um modelo a ser seguido pelos centros de tratamento e reabilitação

das pessoas atingidas pela hanseníase, da qual citamos seus conceitos básicos, na íntegra, a

seguir:

Prevenção de incapacidades em hanseníase.

• Prevenção de incapacidades em hanseníase, medidas visando evitar a ocorrência de danos físicos, emocionais espirituais e sócio-econômicos. No caso de danos já existentes, a prevenção significa medidas visando evitar as complicações.

Reabilitação em hanseníase

• Reabilitação em hanseníase é um processo que visa corrigir e/ou compensar danos físicos, emocionais, espirituais e sócio-econômicos, considerando a capacidade e necessidade de cada indivíduo, adaptando-o à sua realidade.

Objetivo geral da prevenção de incapacidades em hanseníase.

• Proporcional ao paciente, durante o tratamento e após a alta, a manutenção ou melhora, de sua condição física, socioeconômica e espiritual, presente no momento do diagnóstico da hanseníase.

Prevenção de incapacidades no tratamento da hanseníase.

• A prevenção de incapacidades (PI); é parte integrada das ações de controle em hanseníase e deve fazer parte de todos os treinamentos e supervisões evitando assim a criação de programas de PI isolados. É uma atividade que precisa ser realizada por todos os profissionais responsáveis pelo atendimento ao paciente e pela comunidade (BRASIL, 1988 apud VIRMOND; VIETH, 1997, p. 359).

A prevenção de incapacidades está ligada ao fator tempo, e o tempo da doença tem

curso ininterrupto até o início do tratamento (FIGURA 5). Isso, no que diz respeito ao fator

fisiológico, podendo ser progressivo em relação ao fator psicológico e social, quando o

portador da doença não é bem orientado por profissionais capacitados.

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FIGURA 5 - Mão hansênica com depressão interdigital.Fonte: Aldecino José Ferreira de Oliveira, 2007.

O diagnóstico em hanseníase deve ser o resultado de um trabalho multiprofissional

para que a vítima dessa doença não se torne também uma vítima do sistema político de saúde

pública, agravando ainda mais sua condição de adoecido.

Necessitamos melhor institucionalizar a prevenção, treinar mais e melhor as equipes de saúde. As ciências correlatas, particularmente a Psicologia e a Assistência Social, devem engajar-se nesta luta para uma melhor compreensão do pensar do paciente, frente a suas incapacidades ou deformidades. Mais do que isto, devemos estudar o que se fazer no interregno entre o não existir das incapacidades e o seu surgimento, uma vez que esta é a realidade: não podemos assegurar a todos os pacientes que eles não venham a desenvolver algum tipo de incapacidade, devido à Hanseniase. O potencial existe e não temos condições, com os conhecimentos atualmente disponíveis de prever o futuro (VIRMOND; VIETH, 1997, p. 362).

Prever o futuro, é ainda impossível, como nos dizem os autores, mas, prevenirmos

possíveis acontecimentos que desfavoreçam condições de reestruturação do bem-estar

biopsicossocial da pessoa atingida pela hanseníase, pode ser possível, se as pessoas

envolvidas neste processo estiverem capacitadas, tanto tecnológica como humanamente para

acolher e facilitar sua adesão ao tratamento e, após este, reconduzí-la ao seu recanto na

sociedade.

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Referindo-se à reabilitação, Duerksen (1997, p. 17) recorre à definição feita pela

Organização Mundial de Saúde, para dizer ser esta “[...] a restauração física e mental, na

medida do possível, de todos os pacientes tratados de modo que possam retomar seu lugar na

família e na sociedade”.

Em uma equipe multiprofissional de reabilitação o trabalho de todos os envolvidos é

de fundamental importância para a pessoa que se reabilita.

Nesta equipe, cabe ao psicólogo levar o paciente a desenvolver mecanismos de

aceitação da atual condição, em seus aspectos positivos ou negativos; ensiná-lo a tolerar a dor

proveniente de sua realidade; ampliar sua visão em rlação às possibilidades permitidas pela

nova situação e adaptar sua condição para a realização de situações produtivas.

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4A CIRURGIA DO PRIMEIRO ESPAÇO INTERÓSSEO DA MÃO

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A respeito da cirurgia do primeiro espaço interósseo da mão, como codjuvante

reabilitacional da pessoa atingida pela hanseníase, a literatura se mostrou incipiente em nossa

pesquisa, resultando em apenas alguns artigos citados em revistas médicas.

Relativo ao seu processo histórico, temos, como referência da realização da mesma, o

trabalho de Reginato e Belda (1964), no qual os autores relatam o emprego de retalhos

dermogordurosos, como um dos novos métodos para a restauração plástica do contorno do

dorso da mão modificada pela amiotrofia leprosa dos interósseos.

Em 1968, os mesmos autores chamaram a atenção para o problema da incapacidade

nos pacientes de lepra, decorrentes das amiotrofias, e relataram a experiência do Serviço de

Reabilitação do departamento de Profilaxia da Lepra na correção de tais deformidades ao

emprego de enxertos dérmicos, enxertos dermogordurosos, fascia lata e silicones

(REGINATO; BELDA, 1968).

Virmond e Góes (1997) falam do emprego do silicone como recurso de reparação do

primeiro espaço interósseo da mão da pessoa atingida pela hanseníase.

Em Rio Branco, a cirurgia reparadora do primeiro espaço interósseo da mão é uma

opção usada pela pessoa portadora da deformidade, e também um recurso de reabilitação

psicossocial que a equipe de reabilitação recorre para ajudar a pessoa acometida a se inserir,

de forma apercebida, no grupo das pessoas ditas saudáveis.

O uso do enxerto gorduroso para preenchimento do primeiro espaço interdigital,

segundo Woods, Marques e Renzo (1999), é uma técnica cirúrgica que consiste em retirada de

enxerto gorduroso da região umbilical (FIGURAS 6-11). Este procedimento é feito sob

anestesia local. Anestesiado o paciente, faz-se uma incisão tranversal de aproximadamente

cinco cm no abdômen, na região para umbilical. Retira-se, aproximadamente, 10 ml de tecido

gorduroso, conforme a necessidade da área receptora, e fecha-se a incisão por planos. O

enxerto, que é isolado em soro fisiológico, é cuidadosamente preparado e retirado todo o

tecido conjuntivo. Em seguida, com bloqueio anestésico, faz-se uma incisão de quatro cm na

linha interseção entre a face volar e palmar, na prega interdigital do primeiro espaço, e

disseca-se o espaço subcutâneo, onde se coloca, com uma pinça, o lipoenxerto. Sutura-se o

subcutâneo e a pele.

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FIGURA 6 - Área do primeiro espaço interdigital a ser enxertada.Fonte: Woods, Marques e Renzo (1999).

FIGURA 7 - Retirada do material gorduroso a ser enxertado.Fonte: Woods, Marques e Renzo (1999).

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FIGURA 8 - Área receptora sendo preparada para receber o enxerto.Fonte: Woods, Marques e Renzo (1999).

FIGURA 9 - Instalação do implante no espaço interdigital receptor.Fonte: Woods, Marques e Renzo (1999).

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FIGURA 10 - Pós-operatório imediato.Fonte: Woods, Marques e Renzo (1999).

FIGURA 11 - Mão de um dos entrevistados - operada em 2002.Fonte: Woods, Marques e Renzo (1999).

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Segundo a equipe responsável por este procedimento no Acre, de mais de 30 cirurgias

realizadas, apenas uma apresentou infecção no pós-operatório, o que caracteriza este

procedimento como seguro para aquelas pessoas que a ela se submetem.

Em sua experiência cirúrgica, Virmond e Góes (1997) ressaltam a importância dessa

cirurgia porque ela restaura a mão de uma deformidade (FIGURA 12) que, em áreas

endêmicas, pode causar complicações psicossociais na pessoa que a porta porque,

[...] ainda que esta deformidade não resulte em diminuição da função da mão, ela acarreta severas dificuldades na área psicossocial dos pacientes, principalmente em países endêmicos para a hanseníase, como é o caso do Brasil, nos quais a presença desta deformidade está intimamente relacionada à doença estigmatizando seu portador (VIRMOND; GÓES, 1997, p. 246).

FIGURA 12 - Mão do entrevistado (foto anterior) hoje – 2007.Fonte: Aldecino José Ferreira de Oliveira, 2007.

Duerksen (2000) diz que, no momento em que o mundo se prepara para eliminação da

hanseníase como endemia até o final de 2005 – fato que não se realizou – faz-se necessário

pensar em processos reabilitacionais que possam ir além da reabilitação física da pessoa

vitimada pela hanseníase porque, segundo ele, esta é uma doença que atinge, não somente o

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portador da enfermidade, mas também, a família e até mesmo o bairro ou a comunidade onde

este cidadão acometido habita. Justifica sua afirmação com um estudo realizado em Bauru,

SP, no Bairro da Judia, o qual demonstrou que 35% dos pacientes com hanseníase têm

incapacidades sociais graves e suas famílias sofrem dez vezes mais problemas de

discriminação.

Quando falamos em reabilitação, no sentido de saúde, é normal pensarmos o lado

fisiológico de dar novamente habilidade funcional a um membro lesionado devido um

acidente ou uma doença, porque reabilitação é um termo ligado à prática da medicina. No

entanto, quando se refere às doenças estigmatizantes, como a hanseníase, o termo reabilitar

deve ser visto na sua máxima integralidade para, assim também, ser visto como um processo

de reconstituição da cidadania daquele ou daquela que, por causa de sua enfermidade, haja

perdido, além da habilidade física, as habilidades psicológicas e sociais.

No processo de reabilitação o psicólogo da saúde tem papel fundamental, primando

por auxiliar o paciente na busca do equilíbrio entre o que pensa e o que sente, para que o

mesmo venha a alcançar um “[...] estado constante de ajustamento emocional, com gosto pela

vida e capacidade de auto-realização e de autocrítica objetiva e não meramente um estado de

ausência de distúrbios mentais”, que Cabral e Nick (1992, p. 283) descrevem como sendo

saúde mental.

A técnica cirúrgica, como coadjuvante na recuperação da auto-imagem, parece-nos ser

o resultado de um longo trabalho de pessoas dedicadas à recuperação da pessoa atingida pela

hanseníase. Mas ela, sozinha, não terá seu efeito idealizado por seus autores se não houver

uma conscientização da população que essas pessoas, vítimas da hanseníase, não têm culpa de

haver adoecido.

Opromolla (2000) ressalta que, só após anos do emprego da política do isolamento

compulsório da pessoa vitimada pela hanseníase, as autoridades brasileiras ligadas à saúde

pública, perceberam sua ineficácia na eliminação da doença e tomaram a decisão de trocar

este sistema pela educação da população. Para tanto, campanhas de esclarecimento foram

impetradas com o intuito de prepará-la para uma nova forma de ver a doença.

Como primeiro passo rumo a essa nova fase do combate à Lepra, em 1967, o

Departamento de Dermatologia Sanitária de São Paulo, representado pelo professor Abrão

Rosenberg, conseguiu modificar, oficialmente naquele estado, a designação da doença,

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substituindo o termo Lepra por hanseníase, pois segundo acreditava-se, isso auxiliaria na sua

desistigmatização (OPROMOLLA; MARTELLI, 2005).

Essa medida proposta pelo professor Abrão Rosenberg e adotada pelo Departamento

de Dermatologia Sanitária de São Paulo, foi encampada pelo Ministério da Saúde sob o

Decreto n. 76.078, de 4 de agosto de 1975, e, gradativamente, essa nova terminologia também

foi sendo aceita pelos demais serviços médicos, e em 29 de março de 1995, por intermédio da

Lei n. 9.010, tornou-se obrigatório o uso da terminologia hanseníase em substituição ao termo

Lepra (OPROMOLLA; MARTELLI, 2005).

Segundo Opromolla (2000), a substituição da nomenclatura da doença não elevou os

níveis de aceitação da pessoa vitimada pela hanseníase da forma esperada pelos seus

idealizadores, devido ao fato de não levarem em conta a questão cultural da doença.

Avaliando esse fato, a representação social da doença hanseníase trinta anos após o

decreto, Oliveira et al. (2003), coloca em dúvida a eficácia do Decreto n. 76.078/1975, pelo

fato de 45,1% da população de sua pesquisa “A representação social da hanseníase trinta anos

após a substituição da terminologia ‘lepra’ no Brasil”, ainda se refere à doença como lepra e

não como hanseníase, como propõe tal decreto.

A abertura dos leprosários ou hospitais colônia, segundo a visão de Zulin (2004),

colaborou para um tipo secundário de isolamento, agora não do “leproso”, mas do

“hanseniano”, a criação dos bairros periféricos aos hospitais, pelos egressos do mesmo, com

uma forma de proteger-se entre os iguais.

O morar perto do hospital, referendado por Zulin (2004), também é um fato no

município de Rio Branco, onde há uma maior concentração de pessoas atingidas pela

hanseníase, nos bairros em torno do Hospital Souza Araújo (FIGURA 13). Este fato, Régis

(1983) justifica por dois fatores: primeiro, pelo hospital encontrar-se a alguns quilômetros da

cidade quando da sua construção, no tempo do isolamento compulsório, e, o segundo, pelo

acolhimento dado pelas pessoas habilitadas a lidar com a doença e o preconceito àqueles que

recebiam alta e ou que casavam durante o tempo de tratamento.

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FIGURA 13 - Hospital Souza Araújo – antigo leprosário – Rio Branco, AC.Fonte: Aldecino José Ferreira de Oliveira, 2007.

O modelo político de combate à hanseníase, centrado no reducionismo biomédico foge

à proposta de reabilitação psicossocial da Organização Mundial de Saúde, porque, segundo

Girolamo (1989 apud PITTA, 2001), não tem como base o conjunto de atividades capazes de

maximizar oportunidades de recuperação de indivíduos e minimizar os efeitos desabilitantes

da cronificação das doenças, por meio do desenvolvimento de insumos individuais, familiares

e comunitários.

Nesta proposta de reabilitação psicossocial citada acima, a psicologia da saúde, por

meio do seu profissional, como já foi dito anteriormente, tem papel fundamental na formação

da consciência de maior valia da pessoa segregada compulsoriamente, pois, segundo Valentim

Jr. e Vicente (2001), quando as pessoas acreditam que elas são impotentes para controlar o

que acontece com elas tornam-se passivas e restritas em suas habilidades de enfrentamento.

Por outro lado, quando os resultados são controláveis, o aprendizado da desesperança é

evitado, e, ao invés disso, tentativas para vencer situações adversas são realizadas. Assim

sendo, o psicólogo, utilizando seus conhecimentos e técnicas, deve, sob uma visão holística,

impetrar esforços para que a reabilitação psicossocial da pessoa vitimada pela hanseníase não

seja apenas mais uma falácia política, mas uma realidade na reconstrução da cidadania desses

indivíduos.

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A respeito desta reconstrução, Leloup (2004) é de acordo de não ser a mesma possível

sem um olhar que envolva o ser humano nas diferentes dimensões – corpo, alma, espírito. Isto

porque os cuidados da alma (Psiché), não dispensam que se leve em consideração a dimensão

antológica e espiritual do homem.

Ainda em referência à reabilitação, somos concordes que, para o sistema de

reabilitação psicossocial da pessoa vitimada pela hanseníase e outras doenças estigmatizantes

seja realmente eficaz, deve se fundamentar em um enfoque multidimensional do ser humano,

que favoreça uma prática menos fragmentada, tanto da medicina quanto da psicologia e da

espiritualidade, pois a reabilitação psicossocial “[...] engloba a todos os profissionais e a todos

os atores do processo de saúde-doença, ou seja, todos os usuários, todas as famílias dos

usuários e finalmente a família inteira” (SERACENO, 2001, p. 14). Isto é, a reabilitação deve

ser um compromisso da comunidade geral com seus membros que hajam perdido a habilidade

de convívio, ou que este convívio fora negado por esta mesma comunidade sob uma alegação

que a “justifique”.

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5OBJETIVOS E MÉTODO

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Neste capítulo, fazemos referência ao método, por meio do qual procedemos para

chegar aos resultados finais da nossa pesquisa. Nesse processo, referendamos Turato (2003, p.

245), que nos lembra que, “[...] em uma pesquisa qualitativa as características gerais de seus

métodos são diversos” estando, pois, o pesquisador livre para a escolha e adequação daquele

que mais lhe convir na busca da verdade do fenômeno que se propõe investigar.

Sabemos que em uma pesquisa as técnicas de investigação são indispensáveis para se

chegar a resultados satisfatórios sobre o conhecimento do fenômeno investigado. Mas não é

somente com as técnicas e um bom método que se constrói uma boa pesquisa. Além dessas

duas ferramentas, faz-se necessária também boa criatividade e capacidade de percepção para

aquele que investiga perceber nuances daquilo que se investiga.

Em se tratando de uma pesquisa que visa compreender aspectos psicológicos contidos

nos mecanismos de reabilitação da pessoa atingida pela hanseníase, os mecanismos, a

criatividade e a percepção do investigador, aliados ao respeito à cultura das pessoas

entrevistadas, são, ao nosso modo de ver, fundamentais para a escuta daquilo que se pretende

revelar a respeito do elemento investigado.

Os elementos considerados subjetivos, resultantes da nossa interação com os

investigados, foram considerados dados substanciais, e por nós analisados com bastante

cuidado para não incorrermos em erro de fazermos afirmações baseadas apenas em

suposições abstratas. Para tanto, norteamo-nos naquilo que vimos, ouvimos e transcrevemos

dos nossos colaboradores desta pesquisa.

5.1 Objetivo geral

Identificar contribuições da cirurgia reparadora do primeiro espaço interósseo da mão

para a reabilitação psicossocial da pessoa atingida pela hanseníase.

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5.1.1 Objetivos específicos

Discutir os efeitos psicológicos da cirurgia reparadora do primeiro espaço interósseo

da mão na pessoa vitimada pela hanseníase.

Identificar representações sociais da depressão interóssea na pessoa vitimada pela

hanseníase.

Compreender o fenômeno estigma na depressão do primeiro espaço interósseo da mão,

nas relações sociais da pessoa vitimada apela hanseníase.

Contribuir para um maior conhecimento sobre a reabilitação psicossocial da pessoa

atingida pela hanseníase.

5.2 FUNDAMENTAÇÃO DO MÉTODO

Em função da subjetividade e complexidade das informações que se pretendeu analisar

no estudo das contribuições psicológicas da cirurgia reparadora do primeiro espaço interósseo

(coxim da mão) para a reabilitação psicossocial da pessoa atingida pela hanseníase, optamos

pelo método qualitativo de pesquisa. Porque, assim como Claro (1995), acreditamos que o

emprego dessa abordagem metodológica nos permite lidar melhor com dados de natureza

subjetiva, tais como os que se referem às atitudes, valores, aspirações, crenças e motivações

dos entrevistados.

A abordagem qualitativa nos permite, também, descrever e explorar os fenômenos

pesquisados em um cenário natural, isto é, no local onde os mesmos se manifestam, ou seja, o

local de convívio social daquele ou daqueles que os vivenciam.

O emprego da pesquisa qualitativa, segundo Minayo (1994), justifica-se por seu

objetivo chegar mais próximo do fenômeno, conforme as diferentes ênfases dadas às culturas,

às linguagens e às formas de expressão dos indivíduos compostos de objetividades e

subjetividades as quais formatam de acordo com a significação ou resignificação do seu

mundo cultural, representado na comunidade de acordo com a sua emocionalidade frente aos

fenômenos que a eles se lhes apresentam.

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Demo (1994) diz que, para se pesquisar questões subjetivas do sujeito, a avaliação

qualitativa é uma necessidade inadiável, simplesmente porque não se pode negar a dimensão

qualitativa da realidade. Por meio dela, é possível entrar na riqueza do mundo subjetivo e dos

significados atribuídos pelo sujeito. Para Minayo (1994), sem a pesquisa qualitativa os

conceitos teóricos correm o risco de não serem suficientemente precisos, pois podem

apresentar relações incongruentes e interpretações inapropriadas.

Turato (2003, p. 25) exige que o pesquisador do ser humano seja “[...] alguém capaz

de pensar porque ele não disporá de experimentos padronizados, questionários fechados,

escalas válidas e todos os instrumentos científicos que podem ser aplicados por qualquer leigo

treinado”. Ou seja, aquele que opta pela pesquisa qualitativa como método de sua

investigação deve estar apto a descobrir seus próprios caminhos e também ser criativo, porque

a subjetividade de um fato pode muito bem se esconder na objetividade de um ato do sujeito

pesquisado fazendo com que os resultados da investigação tomem rumos diferentes daqueles

hipotetizados anteriormente pelo pesquisador em seu projeto de pesquisa.

Considerando subjetividade, Rey (2002) diz ser ela o sistema de significações e

sentidos objetivos em que se organiza a vida psíquica do sujeito e da sociedade, pois a

subjetividade não é uma organização intrapsíquica, que se esgota no indivíduo, mas um

sistema aberto e em desenvolvimento que se caracteriza também a constituição dos processos

sociais.

Ainda segundo Rey (2002, p. 74-75), a pesquisa qualitativa

[...] é um processo permanente de produção, em que os resultados são momentos parciais que se integram constantemente com as novas perguntas e abrem caminhos à produção de conhecimentos.

[...] a pesquisa qualitativa é valiosa não só pelo conhecimento que produz sobre o estudado, mas também pelas novas ondas de sentido que permite descobrir em relação ao objeto estudado.

Pesquisar qualitativamente significa estar aberto ao novo humano-social daquele que

se pesquisa e também do si mesmo enquanto pesquisador. Neste processo o pesquisador deve

estar atento a não excluir, por qualquer que seja o motivo, um fato ou um aspecto da

subjetividade sob pena de excluir a essência de sua pesquisa, relegando-a a mera

superficialidade, com isso invalidando o processo qualitativo da mesma.

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A flexibilidade, versatilidade e a complexidade da subjetividade, de acordo com Rey

(2002), permitem que o ser humano seja capaz de gerar permanentemente processos culturais

que, bruscamente, modificam seu modo de vida, levando-o por sua vez à reconstituição da

subjetividade, tanto social quanto individual, vinculando, seja subjetivamente se

objetivamente o sujeito pesquisador ao sujeito pesquisado.

Em razão da intenção do objetivo da pesquisa, optamos, para sua análise, pelo Método

do Estudo de Caso por “[...] tratar-se de um meio de organizar dados sociais preservando o

caráter unitário do objeto social estudado” (GOOD; HAT, 1969, p. 422). E, pelo mesmo nos

permitir investigar um fenômeno contemporâneo, tal como o é o processo reabilitacional da

pessoa atingida pela hanseníase, tendo como meio a cirurgia reparada do primeiro espaço

interósseo, dentro de um contexto da vida real.

O estudo de caso, segundo Bressan (2000), tem sua validade em pesquisa qualitativa

por facilitar a compreensão do objeto pesquisado, mesmo quando a fronteira entre o

fenômeno e o contexto não é claramente evidente, e também, por este método ter como

objetivo não a quantificação ou enumeração, mas ao invés disto a descrição, classificação, o

desenvolvimento teórico e o teste limitado da teoria.

O estudo de caso, segundo Hoffmann (2002), é um dos tipos de pesquisa qualitativa

que vem ganhando crescente aceitação por ser uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma

unidade que se analisa profundamente.

Ainda segundo a autora, o estudo de caso pode ser caracterizado como um estudo de

uma entidade bem definida, como um programa, uma instituição, um sistema educativo, uma

pessoa ou uma unidade social.

O estudo de caso como recurso de pesquisa visa conhecer o “como” e os “porquês” do

objeto pesquisado, evidenciando a sua unidade e identidade própria. Dessa forma é

considerado como uma investigação que se assume como particularística, debruçando-se

sobre uma situação específica, procurando descobrir o que há de mais essencial e

característico.

Tratando-se de uma pesquisa com tempo limitado, o estudo de caso foi por nós

escolhido por acharmos ser o mais apropriado uma vez que o mesmo nos possibilita que um

aspecto de um problema, a cirurgia do primeiro espaço interósseo, seja estudado como em

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maior profundidade, uma vez que o número de pessoas investigada é também limitado e por

ser um instrumento que nos possibilita uma maior interação sem, no entanto intervir sobre a

situação, mas dá-la a conhecer tal como ela surge no processo de investigação.

5.3 LOCAL DA PESQUISA

A pesquisa foi realizada com pacientes do ambulatório de dermatologia do Hospital de

Base de Rio Branco, AC, (FIGURA 14), setor responsável pelo atendimento, triagem e

diagnóstico das pessoas atingidas pela hanseníase na cidade de Rio Branco, cuja estrutura de

atendimento de dermatologia conta com uma equipe de reabilitação da pessoa atingida pela

hanseníase, composta por três médicos, sendo um oftalmologista, uma dermatologista e uma

ortopedista; um fisioterapeuta (no momento da pesquisa o mesmo estava licenciado já há

algum tempo), seis enfermeiros, oito técnicos de enfermagem, habilitados para o cuidado

padrão da doença, um geógrafo e duas digitadoras.

FIGURA 14 - Hospital de Base de Rio Banco.Fonte: Aldecino José Ferreira de Oliveira, 2007.

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Até o momento dessa pesquisa, um profissional da psicologia ainda não compunha a

equipe de reabilitação, muito embora saibamos da existência desse profissional no complexo

de saúde do qual é parte a unidade de atendimento à pessoa atingida pela hanseníase.

5.4 DOS PARTICIPANTES

Por se tratar de um estudo de caso, esta pesquisa teve como participantes dois

pacientes do ambulatório de dermatologia do Hospital de Base de Rio Branco, que passaram

por intervenção cirúrgica do primeiro espaço interósseo da mão, realizadas por médicos da

equipe de reabilitação da pessoa atingida pela hanseníase, do já referido hospital, com o

intuito de não só corrigir deformidades oriundas da doença, mas também cooperar para sua

melhor ressocialização (FIGURA 15).

FIGURA 15 - Ambulatório de atendimento das pessoas atingidas pela hanseníase em Rio Branco.Fonte: Aldecino José Ferreira de Oliveira, 2007.

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5.5 CRITÉRIOS DE ESCOLHA DOS PARTICIPANTES

O processo de escolha dos participantes da pesquisa obedeceu aos seguintes critérios:

que a pessoa haja sido submetida ao processo cirúrgico do primeiro espaço interósseo da mão,

ter sido usado gordura do próprio paciente como material de preenchimento da cavidade

interdigital ao invés de próteses de silicone; que mantivesse algum tipo de vínculo com a

equipe de reabilitação do hospital; que morasse em Rio Branco e que aceitasse participar da

pesquisa, exigências que refinaram muito nossa escolha para apenas duas pessoas, devido ao

fato de as demais não residirem na cidade ou não terem endereço determinado.

5.6 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

Como material de coleta de dados, foi utilizada uma entrevista semi-estruturada

(APÊNDICE A), onde o investigador pôde solicitar aos respondentes a apresentação de fatos

e de suas opiniões a eles relacionados.

A escolha da entrevista semi-estruturada para formalizar o início da coleta de dados se

deve a, de acordo com Triviños (1987, p.146), ser este um dos principais recursos que o

investigador pode se utilizar como técnica de coleta de informação:

Podemos entender por entrevista semi-estruturada, em geral, aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar da elaboração do conteúdo da pesquisa.

A entrevista semi-estruturada, segundo Bressan (2000), permite que o investigador

tenha, ao seu dispor, um roteiro para orientá-lo durante todo o processo de realização do

estudo, além de lhe direcionar a identificação dos dados a serem coletados, bem como à

definição das estratégias para sua análise.

As entrevistas são fonte essencial de evidências para o estudo de caso, uma vez que os

estudos de caso em pesquisa social lidam geralmente com atividades de pessoas e grupos.

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Para coleta dos dados necessários a esta pesquisa, em primeiro lugar, entramos em

contato com a gerência da Equipe de Reabilitação da Pessoa Atingida pela Hanseníase,

representada pelo Dr. William Jonh Wood, que nos deu permissão, acesso aos prontuários dos

ex-pacientes e colaboração na seleção daqueles que correspondessem aos critérios estipulados

no projeto de pesquisa por nós apresentado. Posteriormente à seleção dos candidatos à

pesquisa, foi enviada ao endereço dos mesmos uma carta-modelo (ANEXO A), convidando-

os para uma reunião onde foi combinado o local da entrevista.

De acordo com os prontuários, quatro pessoas estavam de acordo com os critérios:

haver feito a cirurgia do primeiro espaço interósseo e morar na cidade de Rio Branco. Os

demais moravam em outros municípios ou tinham endereços indeterminados, não sendo

possível contato. Das quatro pessoas contatadas, uma se negou a participar, e outra, o material

usado no enxerto fora próteses de silicone, restando-nos apenas dois senhores que, com

satisfação, dispuseram-se a cooperar nesta pesquisa, tendo como local das entrevistas a

residência dos mesmos, segundo exigência sua.

Para maior fidedignidade às respostas dos entrevistados, fez-se a gravação em fita K-7

para posterior transcrição e análise dos dados.

A transcrição do conteúdo das entrevistas foi feita no mesmo dia em que elas

ocorreram, procurando-se ser o mais fiel possível aos dados dos entrevistados. Para tanto,

procuramos na transcrição preservar sua fala como ela realmente é, sem intervir

gramaticalmente sobre a mesma.

5.7 ANÁLISE DOS DADOS

Para análise dos dados, a análise da fala foi a metodologia escolhida, por estar mais de

acordo com a metodologia proposta, e, também, por acharmos que melhor se adequa aos

objetivos desta pesquisa. Ela nos permite compreender o modo de funcionamento, nos

princípios de organização, e as formas de produção social do sentido. Pois, segundo Granjer

(1982 apud MINAYO; SANCHES, 1993), a realidade social é qualitativa, vivenciada

enquanto experiência em nível de linguagem que o grupo codifica e decodifica, por meio de

um sentido simbólico e subjetivo, construídos através do tempo cultural do mesmo.

A fala como expressão humana, segundo o autor, permite a quem ouve visualizar e

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interagir com o nível mais profundo daquele que a emite, o nível dos significados, motivos,

aspirações atitudes, crenças e valores que, que se expressa através da linguagem comum da

vida cotidiana.

Minayo e Sanches (1993, p. 244) argumentam que o material primordial da

investigação qualitativa é a palavra que expressa a fala cotidiana, seja nas relações afetivas e

técnicas, seja nos discursos intelectuais, burocráticos e políticos:

A fala torna-se reveladora de condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um deles), e, ao mesmo tempo, possui a magia de transmitir, através de um porta-voz (o entrevistado), representações de grupos determinados em condições históricas, sócio-econômicas e culturais específicas [...] Checar o que é dito com o que é feito, com o que é celebrado e/ou está cristalizado. Desta forma, uma análise qualitativa completa interpreta a fala cotidiana dentro de um quadro de referência, onde a ação e a ação objetivada nas instituições permitem ultrapassar a mensagem manifesta e atingir os significados latentes.

Por meio da análise da fala dos entrevistados, buscamos compreender o real

significado da expressão subjetiva dos entrevistados, de acordo como o fenômeno hanseníase

se manifesta a eles e também o que a eles representa.

Pois, segundo Minayo (1994), o sentido de uma palavra, de uma expressão ou de uma

proposição não existe em si mesmo, mas expressa posições ideológicas em jogo.

Pesquisar qualitativamente um fenômeno, segundo Saab (2006, p. 78), requer do

pesquisador estar aberto a escutar o entrevistado, em todas as dimensões que sua fala possa

levá-lo, através do fio de sua história de vida:

A história de vida permite flexibilidade, uma vez que combina questionamento e exploração, num contexto de diálogo, em que as informações dadas são determinadas pelo olhar do participante sobre sua própria vida, e não somente pelo referencial do pesquisador. É, também, um meio de aquisição de relatos mais espontâneos dos sentimentos e vivências, memorizados pelo participante selecionado para a pesquisa.

Segundo Bakhtin (1986), as palavras são tecidas pelos fios de material ideológico e

servem de trama a todas as relações sociais. No caso da hanseníase, segundo Nunes (1978), a

fala tem como apoio o imaginário popular das deformidades e da “punição” do doente com o

isolamento da família e também a pecha de “leproso”.

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Analisar a fala da pessoa entrevistada nos ajuda não só a compreender a importância

dos métodos reabilitacionais e preventivos dispostos pelo Sistema Nacional de Saúde, como

auxílio na reabilitação física da pessoa atingida pela hanseníase, mas, também, avaliar a

dimensão de sua importância para outra dimensão da reabilitação: a psicossocial daqueles

pacientes que recorreram à cirurgia de enxerto do primeiro espaço interósseo como forma de

reabilitar-se ou se prevenir do preconceito culturalmente estabelecido contra o portador da

doença. Aqueles aspectos positivos dos mesmos.

5.8 PRECEITOS ÉTICOS DA PESQUISA

Destacamos que a pesquisa foi feita em consonância com a equipe multidisciplinar de

reabilitação do Hospital de Base de Rio Branco, AC, e se submeteu aos critérios da Resolução

n. 196, 10 outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde – CONEP (BRASIL, 1996), e da

Resolução n. 016, de 20 de dezembro de 2000, do Conselho Federal de Psicologia – CFP

(BRASIL, 2000) e, ainda, haver sido submetida ao Comitê de Ética para a Pesquisa da UCDB

para sua aprovação, sendo considerado aprovado sem restrições (ANEXO B).

Para o resguardo e a segurança dos direitos dos participantes da pesquisa e

cumprimento dos deveres do pesquisador em relação a estes, um Termo de Consentimento

Livre Esclarecido foi assinado por ambos, pesquisador e entrevistado, no ato da entrevista

(APÊNDICE B).

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6DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

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Esta pesquisa com dois pacientes objetivou analisar, por meio da fala de ex-pacientes

de hanseníase do Departamento de Dermatologia do Hospital de Base de Rio Branco, AC, a

contribuição do método cirúrgico de reparação de deformidades deixadas como seqüela em

seus corpos – no caso em discussão, o enxerto do primeiro espaço interrósseo da mão – para a

reabilitação psicossocial da pessoa atingida pela hanseníase.

Para este entendimento, fizemos uma reflexão mediante a análise de suas falas,

respondendo questões onde abordamos aspectos socioculturais da doença, tais como: estigma,

cura, relação inter e intrapessoal antes e após passar pela cirurgia (APÊNDICE C).

Para melhor entendimento do que nos propusemos nesta análise, é importante, antes de

iniciarmos nossa discussão dos resultados, informarmos sobre as características dos

entrevistados, aos quais nos referiremos por meio um nome fictício para protegermos a

identidade dos mesmos, evitando-se, assim, possíveis constrangimentos de serem

identificados.

O primeiro entrevistado, doravante, será reportado pelo nome de Anorato e o segundo,

por Apolo.

Anorato tem 59 anos, do sexo masculino, é natural de Boca do Acre, Amazonas,

proveniente da zona rural, onde nasceu e foi criado. Quanto à sua etnia, disse ser filho de

índio com cearense. Em relação à sua escolaridade, disse que cursou o ensino fundamental

sem, no entanto, concluí-lo. É funcionário público, trabalhando como vigia noturno. Casou-se

uma única vez e quando ficou viúvo não buscou outra mulher, preferindo dedicar-se à criação

de seus três filhos. A respeito de sua religiosidade, disse que congrega a fé católica, embora

não se considere um praticante assíduo. Interrogado a respeito da doença, disse que a

constituiu nos anos 1990 enquanto trabalhava em uma distribuidora de gás. Fez tratamento

clínico no Hospital de Base de Rio Branco, à base do Poliquimioterapia. Recebeu alta por

cura. Disse que após a alta não quis voltar para sua cidade de origem, preferindo Rio Branco

por esta ter maiores condições de sobrevivência. Quanto à cirurgia de reparação do primeiro

espaço interrósseo da mão também que também foi feita naquele hospital no final dos anos

1990, com o intuito de levantar o afundamento da “chave” da mão porque as pessoas ficavam

olhando.

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Apolo tem 39 anos, é do sexo masculino, também natural de Boca do Acre,

Amazonas. Em relação à sua etnia o mesmo diz ser mulato. Embora já tenha tido vários

relacionamentos, hoje convive em união estável. É pai de quatro filhos. Em relação a trabalho,

o mesmo disse que já trabalhou em vários seguimentos: foi regatão no rio Purús, merceeiro

em Rio Branco e atualmente é taxista. Procedente da zona urbana, embora provenha de

família católica, atualmente congrega uma Igreja Evangélica. Contraiu hanseníase nos anos

1980, quando tinha entre 14 e 15 anos. Disse que não sabe, ao certo, como pegou a doença,

mas que em função disso mudou-se para Rio Branco, AC, onde fez tratamento no Hospital de

Base de Rio Branco. Recebeu alta por cura da doença no final de 1990. Alegou que após a

alta preferiu ficar em Rio Branco devido a negócios que possuía nessa cidade. Ficar seqüelado

pela doença foi a causa que o levou a fazer a cirurgia de reparação do primeiro espaço

interósseo, também no Hospital de Base, com o intuito de recompor o primeiro espaço

interdigital e assim fugir do olhar dos curiosos, hoje se acha uma pessoa normal.

De acordo com as informações dadas acima, podemos perceber que os entrevistados

são pessoas de uma educação simples que fazem uso de uma linguagem simples, utilizando

muito regionalismo lingüístico.

No decorrer da discussão, por vezes, outros termos surgirão em relação ao primeiro

espaço interósseo da mão, também conhecido por primeiro espaço interdigital na linguagem

médica, tais como: coxim da mão, chave da mão, e também em relação ao nome da doença

pela qual foram acometidos: hansenia ou hansemia ou ainda ansenia, uso freqüente na

linguagem regional dos entrevistados.

Para a análise, foi solicitado aos dois entrevistados citados acima que respondessem

algumas perguntas onde, por meio de suas respostas, pudéssemos justificar a importância de

uma pessoa seqüelada pela hanseníase se submeter a tal procedimento cirúrgico.

Nesse intuito, na análise das entrevistas, proposta pelo método escolhido, visando

suster os objetivos da pesquisa já mencionados, levamos em conta aspectos contidos na visão

dos pacientes em relação à saúde e doença, o significado da nomenclatura Lepra e

Hanseníase, buscando identificar possíveis causas para seu isolamento da sociedade não

hansênica quando do saber-se portador da doença.

Outro aspecto que destacamos nesta análise é a auto-imagem corpórea dos

entrevistados após o diagnóstico da doença e sua reação frente à sociedade, sob um olhar

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representativo do preconceito e do estigma mencionados por Miranda (1999), decorrentes de

estereótipos firmados em um passado recente, quando a evidencia das seqüelas faciais ou

corporais causavam horror nas pessoas.

O foco de nossa pesquisa, no entanto, volta-se de forma especial para a cirurgia do

primeiro espaço interósseo da mão, buscando uma justificativa real para tal procedimento

cirúrgico e verificar sua validade psicológica para a reabilitação psicossocial da pessoa

atingida pela hanseníase após sua cura clínica.

Nossa análise partiu do pressuposto que uma sociedade ou um indivíduo constrói

conhecimentos sobre um determinado ser, no caso aqui, a doença hanseníase, a partir de

experiências por ele ou ela vivificadas e significadas mediante o valor emocional que o

mesmo possa ter para quem o vivencia. No caso em foco, a representação social da hanseníase

deve-se ao histórico bíblico-milenar responsável por caracterizar a doença como maligna e a

pessoa por ela atingida, como alguém desprovido de bênçãos. Justificando esse pensamento,

Maciel (2004) afirma que existe uma associação entre o estigma criado e a cultura judáico-

cristã, que vê a pessoa atingida pela hanseníase como herdeiros do estigma bíblico. Segundo a

autora, não se encontram registros nas culturas muçulmanas que induzam uma segregação

obrigatória às vítimas da hanseníase.

O conhecimento que tecemos sobre determinado objeto depende do poder mítico que o

mesmo possa exercer no ideário popular que regula a aceitabilidade ou rechaço. No processo

de desenvolvimento do conhecimento da sociedade sobre a hanseníase a deformidade das

pessoas acometidas por tal doença foi a base valorativa para atribuir conceitos e também

preconceitos sobre aqueles que vieram a ser por ela atingidos.

Ser atingido pela hanseníase é para a pessoa e sua família causa de tristeza e vergonha

como relatam os entrevistados:

[...] Meu pai e minha mãe ficaram muito abalados. Meus irmãos não sentiram tanto devido a minha ausência em casa. Mas meu pai e minha mãe ficaram muito abalados. (Apolo)

[...] Aí meu Deus! Ave Maria, quando ela me disse eu fiquei apavorado. Eu achei que eu ia lá prá quela colônia, lá né, Souza Araújo (antigo leprosário de Rio Branco). O que é doente, o que não tem mais né, vai tudo prá lá. Lá é chei, vai num sei quantos prá lá. Ai eu achava que ia pra lá, eu não sabia. Eu fiquei com medo porque eu não sabia. Eu achava que lá, quando

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aparecesse a doença na gente, eles tirava a gente da família da gente e jogava prá lá, né. [...]. (Anorato)

A hanseníase por ser considerada uma doença de cunho deformante, criou no

imaginário popular uma representação de malignidade hoje ainda existente em torno da lepra,

como era conhecida pelo povo brasileiro antes do Decreto n. 76.078/1975, que instituiu o

nome “hanseníase” como substitutivo da “lepra”.

Toda nova nomenclatura, como elemento cultural, requer um tempo para ser absorvida

e significada socialmente. Com o novo termo, hanseníase, não foi diferente para sociedade em

geral e nem para aqueles que fazem parte de sua história.

Na entrevista por nós analisada, foi verificada certa dúvida na fala dos entrevistados,

em relação ao significado da doença, quando perguntados sobre que tipo de doença os havia

acometido:

Hanseníase, eu não sei, mas eu acho que a diferença, pra mim a diferença é que a Lepra é aquela que cai dedo, abre ferida e a hanseníase só, tá aquela que só aparece as mancha e, né. Eu acho que é assim, minha visão é essa. (Anorato)

Não, hoje a hanseníase substitui a chamada lepra, né. Pra mim não tem diferença, tudo é a mesma coisa, né. (Apolo)

Embora seja possível percebermos um lampejo de evolução na resignificação do

conceito da Lepra como doença deformante e mutilante, para hanseníase como uma doença

que só deixa manchas, na fala de Anorato dá para percebermos que a antiga representação da

doença permanece. Um pouco esmaecida, mas com grande significado, demonstrando que

aquilo pode ser politicamente correto para a política da saúde, na visão de Miranda (1999),

não o é para quem foi acometido pela doença e carrega em seu corpo as marcas da mesma.

[...] eu vim embora pra cá porque eu me isolava, a gente se sente discriminado. Hoje tem um nome mais social, antigamente não, era nome mais feio. Era chamada de lepra. (Apolo)

Helman (2002) acredita que o processo do adoecimento é decorrente não somente de

fatores biofísicos, mas também de fatores culturais, os quais atribuem a tal fenômeno um

valor já historicamente socializado. Para nossos entrevistados, perceber-se doente é fator que

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propicia sentimento de menos valia, como se a doença tirasse deles a importância e o valor

como pessoa.

Doença para mim é uma coisa muito complicada, a pessoa tá doente e não pode trabalhar. Ninguém vai lhe dar serviço porque tá doente. Passar necessidade e não tem de onde tirar dinheiro, aí então doença prá mim, prá mim, eu acho uma coisa muito difícil. (Anorato)

Doença pra mim é uma coisa muito triste, é uma coisa que tira a vida da pessoa. Pode ser o câncer, a AIDS, tudo é doença, né? (Apolo)

Se por um lado a doença se apresenta como algo complexo e de difícil enfrentamento,

a saúde é vista como algo bom e um tanto mágico, associado ao trabalho e oportunidade de

sucesso e felicidade:

Saúde pra mim seria muito importante porque você tando com saúde você tem tudo, né? Você trabalha cê faz um esforço, embora, embora que não tenha, cê traz, cê tá com saúde tá sempre com alegria que ce tem saúde. Então tendo a saúde tem tudo, não é verdade? (Anorato)

Apolo: A saúde é a melhor coisa que tem né. É você ter coragem para trabalhar, assumir seus compromissos, seus atos e viver em harmonia, né. Se você tem a saúde, tem tudo, né? (Apolo)

No seu acometimento a uma pessoa, a hanseníase traz consigo, além de outras coisas,

o desajuste emocional, remetendo a pessoa atingida ao seu arcabouço cultural para daí

projetar sua resposta emocional sobre si mesmo e sobre a sociedade. Erikson (1976 apud

MIRANDA, 1999) acredita que, nesse processo, pode ser reconhecida a existência de um tipo

de distúrbio central em portadores de graves conflitos que dá a eles um sentimento de

confusão no íntimo delas próprias.

A hanseníase, enquanto doença estigmatizante, remete, já no seu diagnóstico, a pessoa

por ela atingida, a uma nova categoria – a dos estigmatizados – fazendo com que seu portador

se desvalorize e, em função disso, assuma uma nova identidade.

Miranda (1999) é de acordo que, após o diagnóstico, há um confronto entre as imagens

e significados que o termo lepra representa. Segundo ela, o doente de hanseníase passa a

captar e perceber, por meio de seus órgãos sensório-motores, a sua passagem de uma

realidade social para outra onde o seu status social pode significar excluído de acordo com o

preconceito estabelecido pela cultura do grupo.

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Este fato referendado pela autora é possível ser observado na fala dos entrevistados

quando perguntados se seus sentimentos haviam mudado após o diagnóstico:

Eu fiquei apavorado mesmo, não vou mentir, ainda hoje eu tenho um pouco de apavoramento. Eu vivia muito triste [...]. A minha família por parte da mulher, a sogra se afastou, sorte a minha esposa nunca me abandonou. Nunca, né, é assim. (Anorato)

Claro que minha vida mudou. A partir do momento que eu soube que tava, que havia contraído essa doença. Na época eu saí da minha cidade e vim aqui para Rio Branco, justamente para isso mesmo porque eu tava começando a viver, né, 15/16 anos tava começando a viver, né? Tava me preparando pra vida. Tava estudando, tava indo bem no estudo. Foi um impacto muito grande tanto é que eu tive de mudar de lugar, que mudar de cidade, mudar de moradia. Vim embora pra cá por conta dessa doença. (Apolo)

Em relação aos estigmas da doença, por se tratar de uma representação subjetiva da

mesma, parecem ganhar objetividade somente após o diagnóstico.

De acordo com Romero-Salazar (1995), a pessoa seqüelada procura esconder suas

marcas como uma forma também de esconder um tipo de culpa, não de haver contraído a

doença, mas sim de estar circulando no meio dos saudáveis.

Esse fato citado acima se dá porque, segundo este autor, na medida em que o estigma

seja invisível e conhecido só pelo indivíduo que o possui, será mais fácil manter o seu segredo

ante aos demais. Em alguns casos ele ou ela pode decidir que informação vai ocultar sobre sua

pessoa. Às vezes é aquela pessoa mais próxima de si, a quem pode querer ocultar com mais

cuidado a sua afecção.

Quando perguntados se, de alguma forma, nossos entrevistados procuravam esconder

as marcas da doença deixadas em seus corpos, como forma de se prevenir da sua identificação

como portador da doença, ambos os foram unânimes em relatar que, de certa forma

procuravam ocultá-las quando se encontravam em um meio social ameaçador da identificação

de suas identidades:

Não, procuro não, nem procurei porque eu já tenho várias cirurgias feita aqui (mostra os locais das cirurgias). Ai as pessoas perguntam o que foi isso rapaz? Ai eu respondo: foi uma cirurgia e por isso passou. (Anorato)

Não, na época eu procurava que a gente se sente rejeitado, discriminado,

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eu procurava esconder minha mão, antes de fazer cirurgia, né? após a cirurgia não, ela ficou normal, muito pouco visível, só se as pessoas forem muito curiosas para notarem a diferença, mas a partir da hora em que fiz a cirurgia, melhorou muito. Me deu um novo animo de vida e eu parei, tirei aquilo da minha cabeça, de ficar me escondendo, de estar escondendo a minha mão, desse certo tipo de coisa que é coisa besta, né, coisa pequena que a gente põe na cabeça, mas com a cirurgia veio. Me ajudou muito a melhorar psicologicamente. (Apolo)

O material pesquisado não deixou claro para nós o porquê da dúvida daqueles que

foram acometidos pela doença, em relação à sua cura mesmo depois de tantas campanhas de

esclarecimento do Ministério da Saúde. Esse fato pode ser verificado na fala dos entrevistados

quando perguntados se acreditavam no tratamento. Póliquimioterápico, hoje dispostos em

todos os hospitais e unidades básicas de saúde do Sistema Único de Saúde, como um meio

seguro de se combater a hanseníase por meio de sua cura, suas respostas deixaram entrever

um misto de dúvida por parte de Anorato e de certeza por parte de Apolo:

Cura, eu acho que o remédio deve ser o mesmo. Cura. Bom, de cura pode não curar, mas pelo menos miniza, miniza, né? Porque e, eu não sei se cura né? Porque muitos parceiros meu que eu encontro, conversando assim eles dizem que a hansenia não cura, ela controla, mas não cura, né? Pode de uma hora pra outra rebentar de novo, mas pelo meno minizar, miniza. (Anorato)

Acho que sim, porque se for aquele mesmo tratamento que foi feito, que eu fui um dos beneficiados que naquela época fiz o tratamento, se for aquele mesmo tipo de tratamento, com certeza que sim, que eu fui curado, graças a Deus. (Apolo)

Essa dúvida sobre a cura da hanseníase através da medicação disposta para seu

tratamento pelo Ministério da Saúde parece estar associada a uma expectativa na cura da

doença sem seqüelas, o que corresponde à isenção de estigma, como podemos entrever na fala

de Anorato quando interrogado sobre se acredita estar curado:

Bem, eu acho que não to não. Não to porque eu tenho uma dormência nessa mão (direita) e de vez em quando ela remexe isso aqui oi (monstra a mão direita),quer dizer, de outras partes eu não sinto nada mas aqui, da mão, tenho 16 anos que fiz o tratamento.

De acordo com Romero-Salazar (1995), quando uma pessoa contrai uma enfermidade

já constituída de uma representação social, ela passa a representar um papel próprio da

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identificação doença/paciente dificultando a sua socialização. Esse fato só seria facilitado pelo

ocultamento do estigma que a representa. Isto porque,

[...] sendo as representações configurações mentais aprendidas por via da socialização, introduz valores e regras de conduta. Cada sociedade seleciona os atributos que constituirão o conceito de normalidade, e, por oposição, define a noção de desvio. Assim, qualquer elemento que não coincida com as definições culturalmente postuladas se converte em um perigo. Tal é o caso de algumas enfermidades como a hanseníase que, em sua visão estereotipada, causa deformidades no corpo; porque sendo este uma representação da sociedade, não só como processo exclusivamente biológico, seus significados no plano fisiológico vêm a representar fenômenos sociológicos (ROMERO-SALAZAR, 1995, p. 357).

Como a pesquisa aqui analisada tem também, em seu foco, a representação social da

depressão do primeiro espaço interósseo, quisemos saber o seu significado para os

entrevistados, que para nós são os representantes máximos da cultura regional da doença.

Suas respostas deixaram evidentes a os “valores” sociais subjetivos no imaginário popular os

quais exigem uma resposta de menos valia por parte daqueles acometidos por tal doença:

Não, porque acho que eles num prestavam atenção. Pois é, num prestavam atenção, também não dizia, não mostrava nada, né? Ai foram saber no dia em que eu fui me internar. Tinha receio que podia perceber, né? Escondia porque eu vivia com a mão sempre trabalhando e não deixava a mão em posição pra ninguém olhar né, e nem ver a falha da mão. Eu sempre ficava a vontade e eu sempre deixava a mão meio escondida, né. (Anorato)

O olhar do outro para quem porta a hanseníase é fundamental para situá-lo no

perímetro de aceitação social de sua pessoa e também lhe comunica o nível de identificação

com o grupo “sadio” e com o de “doentes”, a partir do qual o indivíduo pode ou não

desenvolver seu processo de reabilitação e reinserção psicossocial (MIRANDA, 1999).

O sentimento de pertença a um determinado grupo social, com no caso em estudo, o

grupo marginal das pessoas atingidas pela hanseníase, segundo Goffman (1988) é causa do

fortalecimento da identidade deteriorada, mediante seu estigma, e não de sua recuperação.

A reestruturação da identidade, porém, segundo Zulin (2004), dar-se-ia a partir de uma

nova identificação com o grupo anterior, o qual, para sua aceitação, exige do estigmatizado

sua reestruturação corpórea.

Minayo (1994) acredita que nossa atuação no meio social é a reprodução de uma

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ideologia. No caso aqui proposto, a ideologia do corpo sem mácula, idealizado pelo

cristianismo e pela cultura pós-moderna, exige daqueles ou daquelas que tiveram seus corpos

maculados pela doença, no caso em questão a hanseníase, reparar-se para, só então, decidir

pela sua aceitação, no meio dos sadios.

Sob esse olhar da perfeição corpórea nascem as cirurgias de reparação de

deformidades das quais destacamos esta, foco da nossa pesquisa, a de preenchimento da

depressão do primeiro espaço interósseo da mão, utilizando como material básico, a gordura

abdominal do próprio paciente.

Virmond e Góes (1997) sugerem que cirurgia de preenchimento da depressão do

primeiro espaço interósseo da mão hansênica, mesmo que não represente recuperação de

motilidades da mão, pode colaborar como suporte para a recuperação da identidade social

daqueles que foram acometidos pela hanseníase.

A sugestão dos autores acima pode ser exemplificada na fala dos dois entrevistados

quando interrogados “porque quis fazer a cirurgia” ao que responderam:

Porque eu achava feio, né, achava baixadinho, né, aquela coisa baixa, eu achava feio. Ele (o médico) disse que tinha possibilidade de encher e eu disse: tá bom e eu enchi. Eu achava feio, coisa esquisita, eu esticava a mão assim e ficava olhando, essa outra eu fazia assim, e não aparecia (a depressão). Ai eu olhava para essa outra e dizia: Meu Deus, como é que pode? Eu mostrei pra ele (o médico) e ele disse, não, a gente enche. (Anorato)

O que me levou a fazer essa cirurgia foi justamente para corrigir o defeito que essa doença deixou, né, e o incentivo do Dr. W foi muito grande pra mim fazer essa cirurgia, que ele me garantiu que ficaria perfeito, que ficaria cem por cento, que as pessoas curiosas não iriam nem sentir, não iriam nem notar nada, não iam sentir nada e iam achar que aquilo era um sonho que tinha visto e que tavam vendo a coisa perfeita, normal como era anteriormente. Então eu fiz justamente para isso, para corrigir o defeito que a doença deixou e não deu outra, a cirurgia foi perfeita, correu tudo bem. [...] Então foi feito para corrigir, né, essa falha que a doença deixou na minha mão. (Apolo)

Se a deformidade corpórea colabora com a mitificação da doença hanseníase na

relação bilateral; sociedade e estigmatizado, a cirurgia de preenchimento interdigital da mão

hansênica, colabora para a ressignificação subjetiva do corpo e da pessoa permitindo-lhe

experimentar um novo existir relacional consigo mesmo:

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Não, não, me senti melhor, me senti melhor, muito melhor, fiquei mais tranqüilo. Fiquei porque ai eu fechava a mão e via que estava normal como a outra, né? A minha pretensão é que eu fechava a mão e não ficava igual a outra. Fechava a mão e ficava o buraco. Agora tá igual. Não tá bem igual mais normalizou, né? Escondia a mão um pouco mais que a outra, escondia a mão um pouco mais que a outra, porque às vezes eu tinha cisma. Eu digo não, não pode tá vendo assim não! (Anorato)

Rapaz, houve, porque eu me senti o que era anteriormente, não para mim mas pelas pessoas verem as coisas dessa maneira, apesar de nesse meio haver dado uma parada no tempo e achar que eu devia ter evoluído na minha vida profissional ou moral, isso ai não, mais eu acho que voltou, eu voltei à minha infância, eu voltei a ser o Apolo, a pessoa que eu era a uns dezesseis anos atrás. (Apolo)

A ressignificação da identidade corpórea permite uma aproximação mais desinibida da

sociedade estigmatizadora por parte do estigmatizado, devolvendo-lhe a segurança de ambular

de forma tranqüila entre aqueles que antes significavam ameaça à sua condição de curado da

doença:

Não, eu fiquei mais à vontade que antes. Eu andava no ônibus e não mostrava a mão assim, eu não pegava, agora eu pego a mão no ônibus, fico folgado, tranqüilo, quer dizer que eu fiquei mais à vontade, né? Antes eu tinha medo do pessoal olhar e ficar, né, por que... agora não, pego, boto a mão, tranqüilo, não to nem ai. (Anorato)

Como estou te falando, né, pessoas que teimavam em desconfiar que eu era uma vítima dessa doença, da hanseníase e de outros defeitos físicos, essas possibilidades foram afastadas depois que eu fiz essa cirurgia. (Apolo)

Na procura de uma justificação para se recorrer a uma cirurgia “tão simples” e suas

grandes contribuições motoras para a mão hansênica, Duerksen (1997) nos lembra que,

embora a cirurgia do primeiro espaço interósseo não tenha grande valor motor pode, no

entanto, ser de grande valia para a ressocialização da pessoa atingida pela hanseníase porque,

como diz Romero-Salazar (1995), ajuda a esconder os sinais da doença do olhar da outra

pessoa que os observa.

Quando analisamos a fala dos entrevistados, podemos dizer que a história das pessoas

atingidas pela hanseníase foi escrita em seus corpos e mentes por meio de suas marcas,

isolamento e sentimentos de menor valia que os impulsiona a se esconder dentro do seu

significado social historicamente construindo.

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A cirurgia de reparação acena uma nova chance da pessoa estigmatizada, reviver, de

reencontrar o sentido da vida, possibilitando ser, a reabilitação corpórea da pessoa atingida

pela hanseníase, não só um coadjuvante para a sua reinserção na sociedade, mas sim uma

reabilitação psicossocial, como podemos ver na fala de ambos os entrevistado sobre se os

mesmos acreditam na contribuição da mesma para a reabilitação psicossocial da pessoa da

pessoa atingida pela hanseníase:

Eu acredito que sim, porque pelo menos o defeito que tem ela encobre, né, cobriu esse defeito, já não vai ter mais. A vergonha que a pessoa tem, aquele preconceito da pessoa mangar, né, já não vai ter mais também. Ai esse negócio de andar com a mão escondida já não vai mais ter. vai andar liberto. Então eu acho que tá bom, ficou ótimo. É uma forma de trazer a pessoa a pessoa de volta para o estado normal. É como se diz, uma nova vida. Se você tem uma mancha no teu corpo, você não tem nada, você já fica sobressaltado com aquela mancha, ai alguém vai chegar e dizer: poxa, que mancha é essa, que mancha é essa? Onde foi que tu arrumou isso? Esse é que era meu problema, porque isso é uma marca, é um sinal para sempre da hansenia. (Anorato)

Sem dúvida. Não tem nem como a pessoa que foi vítima e recebeu esse benefício, que recebeu essa cirurgia, não tem nem como a pessoa negara um fato desse, uma descoberta dessa. Isso aí é uma coisa que nós não temos como pagar uma cirurgia dessa que foi feita de graça, sem honorário, sem pagamento nenhum, entendeu? Foi coisa mandada por Deus mesmo. (Apolo)

Virmond e Vieth (1997) são de acordo que o processo de reabilitação não deve ser

relegado ao término do tratamento, e sim que o mesmo deve iniciar já no diagnóstico por

meio da prevenção das incapacidades e prevenir incapacidades não se limita apenas ás

limitações corpóreas, que a enfermidade passa acarretar à pessoa vitimada pela doença.

Segundo Duerksen (1997), equipe de reabilitação deve estar atenta às “deformidades”

psíquicas, embutidas no diagnóstico de hanseníase, principalmente em regiões endêmicas,

onde os estigmas da doença ganham significado através da leitura cultural da doença.

Corrigir pequenos defeitos por meio cirúrgico pode ter não só significado preventivo

de novos sofrimentos, mas também apagar os antigos:

Eu me sinto muito mais tranqüilo, antes eu era assim mais isolado, sempre mais afastado das pessoas, né, eu ia para a escola, mas num me debarava muito, e agora não. De três anos prá cá, quatro anos prá cá, eu perdi toda cerimônia, graças a Deus. (Anorato)

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Como eu to falando, eu me sinto ter voltado ao passado, a mais de vinte anos atras e hoje sou um homem, posso lhe dizer que eu, de peito aberto, eu não escondo nada, não preciso ter medo, amigo meu, amiga minha me disse: rapaz tu é um cara feliz rapaz. Encontrei com um amigo lá em Brasiléia, conversando com ele, com um boliviano, ele é engenheiro do departamento de caminhos (estradas e rodagens), ele tem só um braço, tem só uma mão. Ele disse: rapaz você é um homem feliz, você é, pare de falar, você tem que se ajoelhar e agradecer a Deus, você é um homem perfeito. Então eu me sinto um homem feliz, um homem feliz. Eu me sinto como se nada disso tivesse acontecido. Um homem tranqüilo. (Apolo)

No processo de socialização, o ser humano está em constante busca de significados do

seu existir e do existir do outro. Nesta busca, necessita encontrar um meio de atuação no qual

possa se fazer notado, avaliado e valorizado. Para tanto, recorre ao potencial de encantamento

do outro social através do eu social. Somos atores a procura de “máscaras” com as quais

possamos melhor representar papéis que nos identifiquem como pessoa, e não só pessoa

física, mas também, pessoa socializada (FIGURA 16).

FIGURA 16 - Casa de um dos entrevistados, em um bairro de Rio Branco.Fonte: Aldecino José Ferreira de Oliveira, 2007.

Leloup (1998) acredita que o ser humano no seu processo de personificação

historifica-se, mediante os acontecimentos que seu corpo vivência.

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A corporeificação dos acontecimentos vivenciados abre espaços para a significação

das marcas, signos ou estigmas mediante representações sociais construídas pela cultura em

torno destes, mesmo que estas representações não se constituam em um dado pronto e

totalmente acabado, mas algo flexível e variavel, de acordo com o interesse de quem possa

dele se utilizar para dominar determinada situação, tal como o bem estar emocional de outrem

(MIRANDA, 1999).

Avaliando a resposta dos entrevistados percebemos as significações em torno do

estigma hanseníase ganham corpo social mediante comportamentos de aceitação ou de

rejeição daquele que vivencia o estigma, com nos diz Anorato e Apolo, quando perguntamos

o que representava para eles a depressão do primeiro espaço interósseo da mão:

Me representava tanta coisa, eu achava que isso não ia ter cura. Eu achava que com esse defeito ninguém ia me aceitar. Até pra fazer um próprio um próprio negócio ninguém ia concordar comigo. Eu tava trabalhando, o cara vir e me dar as contas, né? Tudo isso eu pensava. Não pensava o que era bom mas, o que era ruim eu pensava tudo. Não ia me aceitar, né? Tudo que fosse fazer, quando visse aquilo já não ia me aceitar mais, já tava, né? E assim eu vivia sempre isolado antes de fazer a cirurgia. Sempre eu tava isolado. Depois não, depois eu me soltei (rir). Depois da cirurgia eu melhorei bastante. Ai fiquei mais, mais tranqüilo porque sei que agora não tem mais perigo, só se for, porque ninguém vê, né? (Anorato)

Rapaz, negativamente muitas coisas, eu me olhava no espelho, eu fazia comparações, você chega a pensar, as vezes até em fazer coisas piores, se você não for muito apegado com Deus, se você não se concentrar muito em Deus, se não ouvir as pessoas de bem que realmente tem coisas boas para lhe falar, você... não que eu ia ser um príncipe, não que eu ia ser um Pelé no futebol, que eu ia ser um Aírton Sena na Formula 1, que eu ia ser um Silvio Santos, bem sucedido financeiramente, mas não é isso, é que você nunca imagina que não vai acontecer com você. (Apolo)

Encerrando nossa entrevista, quisemos saber de nossos interlocutores se os mesmos

recomendariam a cirurgia de reabilitação para outras pessoas os mesmos foram unânimes em

responder que sim, e nos dão os motivos, com pode ser visto na fala dos mesmos:

Recomendaria. Porque se tiver esse defeito e tiver coragem e possibilidade de fazer, faça porque lhe ajuda muito, né, acaba com o defeito que tem na mão, acaba. Se você tem um preconceito de mostrar sua mão, você já vai perder com esse preconceito de tá com a mão escondida, né? Então eu aconselho que faça. Quem tiver coragem de fazer, faça, porque isso não prejudica ninguém. É uma cirurgia de duas horas de tratamento de serviço. Você sai dali e vai embora prá casa. Que vá pro hospital, mas vai andando,

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não vai depender de maca, não vai depender de nada, num dói nem coisa niuma. Uma coisa que não faz medo a ninguém é fazer uma cirurgia da mão. E o benefício que ela vai ajudar também é muito importante, porque cê vai, tira a baixa, vai perder a vergonha, perder tudo,. Pronto, acabou. Pra mim eu não tenho medo não. (Anorato)

Com certeza, porque é a melhor coisa que já foi feita nessa área aí, essa descoberta. As pessoas que não fizeram, que tem, que ficaram com seqüela, tem que procurar ajuda, procurar mesmo, procurar o mais rápido possível e fazer essa cirurgia porque, eu tenho que agradecer a Deus por existir essas pessoas de bem, como Dr. W. que realizou essa cirurgia e eu sou um homem feliz, graças a Deus eu me sinto um homem realizado e oro muito pelo Dr. W e a equipe dele. Nas minhas orações sempre eu incluo ele porque é uma pessoa que merece um prêmio, um prêmio Nobel, porque é uma pessoa que prega o amor, prega a paz e só faz o que é bom para as pessoas que necessitam. (Apolo)

Não podemos dizer que a cirurgia de reparação do primeiro espaço interósseo da mão

hansênica tenha um fim em si mesma, mas, depois da análise da fala dos entrevistados,

Anorato e Apolo, concordamos com Virmond e Vieth (1997) e Duerksen (1997), quando

dizem que, embora não colabore para a recuperação da motilidade dos membros afetados, ela

se caracteriza como um meio reabilitacional que não deve ser descartado porque colabora com

a reabilitação da identidade ego-corpórea, tendo em vista os benefícios psicossociais que a

mesma pode trazer àqueles que a ela são submetidos.

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7CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Como foi dito no início desta pesquisa, o interesse pelo tema nasceu da necessidade de

compreender a cirurgia interdigital como dos mecanismos que podem cooperar para a

reabilitação psicossocial da pessoa atingida pela hanseníase.

O governo, como podemos ver na bibliografia consultada, já impetrou vários recursos

na tentativa de minorar a endemia hansênica no Brasil, no entanto, o que pode se perceber é

que tais tentativas não surtiram o efeito desejado, sendo a data de sua eliminação adiada por

várias vezes e a meta de eliminação da doença prorrogada, agora para 2010, quando se espera

alcançar uma prevalência de menos de uma pessoa infectada por 10 mil habitantes.

Cremos estarmos próximos de atingir a meta da Organização Mundial da Saúde e do

Ministério da Saúde do Brasil, porém, no nosso modo de ver os acontecimentos em torno do

tema, acreditamos que esse acontecimento que se anuncia só será fato quando os políticos de

saúde pública voltada para o combate da doença hanseníase trouxerem, em seu bojo, a

preocupação com a reabilitação psicossocial daqueles que, acometidos e estigmatizados pela

doença, ainda amargam o isolamento. Não mais o compulsório, mas o compulsivo social

representado pela negação de se comunicar o nome da enfermidade que se porta, por medo da

rejeição.

No Acre, Estado onde esta pesquisa foi processada, é visível o desconforto social em

torno da doença, não da enfermidade em si, mas da expressão subjetiva do seu nome, o que

expressa o preconceito em relação à pessoa atingida pela hanseníase.

Ao fazer esta pesquisa, mais precisamente na relação do entrevistador com o

entrevistado, pudemos perceber o desconforto da família quando da nossa presença, como se

fôssemos um invasor a ameaçar redescobrir um objeto já há muito tempo sepultado. Esta

desconfiança ficou mais clara quando um dos entrevistados, marcou por três vezes a data e o

local da nossa entrevista e não o encontrei, sendo possível somente quando escolheu um lugar

público, longe de seus familiares.

Percebemos também que, embora o segundo entrevistado (Apolo) tenha comentado

várias vezes ser um homem curado e livre, procurava se esconder no volume de sua voz

quando pronunciava o nome hanseníase, fosse em relação a ela consigo mesmo, fosse na

relação doença com outra situação social.

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Essa forma de se ocultar ao nosso olhar colabora para que o estigma da doença não

atinja um esmaecimento necessário para a libertação da pessoa estigmatizada, do preconceito

milenarmente construindo em torno dessa afecção.

A luta pela reabilitação tem sido uma constante no Estado do Acre, exemplo disso

temos, in memoriam, a figura de Bacurau, um dos mentores e fundadores do Movimento de

Reabilitação do “Hanseniano” hoje, Movimento de Reabilitação da Pessoa Atingida pela

Hanseníase; a nova nomenclatura politicamente correta.

Mas não é somente Bacurau que merece ser lembrando, o médico Oftalmologista e

Hansenologista, Dr. William Jonh Woods, é destaque no projeto de eliminação da doença.

A figura da equipe de reabilitação da pessoa atingida pela hanseníase ficou evidente

nas menções feitas pelos participantes da pesquisa, nas quais se percebe sua dedicação a seus

pacientes, fator preponderante na reabilitação da pessoa marginalizada.

No início desde trabalho, colocamos como causas que nos levaram a fazer esta

pesquisa a capacidade de enfrentamento da doença e do seu preconceito por aqueles por ela

atingidos.

A análise dos dados colhidos junto aos entrevistados deixou evidente a resiliência das

pessoas acometidas em enfrentar a doença, enquanto afecção. No entanto, o enfrentamento do

preconceito ficou evidenciado como a maior dificuldade a ser vencida por aqueles que

contraem a hanseníase.

O preconceito é de difícil enfrentamento porque é invisível e se esconde no interior

das pessoas que dão a ele a roupagem e o mascaram da maneira que mais lhes convêm,

deixando a pessoa estigmatizada à mercê da dúvida de quando este “monstro” possa vir a

mostrar suas garras. Em outras palavras, poderíamos dizer que o preconceito é, parafraseando

Anorato, a verdadeira “lepra” que, por mais esforços se tenha impetrado para combatê-lo,

ainda se mantém vivo no seio da sociedade.

As mudanças da nomenclatura como forma de combater o preconceito, parecem-nos

mais uma forma de camuflar o problema, porque não combate suas formas de manifestações

nem previne que as pessoas, acometidas pela lepra – antes de 1975, pela hanseníase, após o

Decreto n. 76.078/1975, sejam ou não discriminados pela sociedade onde vivem.

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Após a avaliação dos dados coletados em nossa pesquisa, ficou claro, para nós, a

importância de se fazer cirurgias que reparem seqüelas corporais deixadas pela hanseníase,

quando do seu atraso do início do tratamento, por vezes decorrentes do receio do diagnóstico

pela pessoa acometida, ou ainda, pela falta de habilidade de alguns médicos em fazê-los com

perícia.

A cirurgia do primeiro espaço interósseo ou interdigital da mão hansênica, da qual

tratamos nesta pesquisa, é mais um mecanismo, dentre tantos outros dispostos pela medicina à

sociedade, que podem ser usados como coadjuvantes na reabilitação da pessoa atingida pela

hanseníase.

Acreditamos que sua validade se fundamenta não no seu poder de camuflagem da

doença, mas sim porque, ao mesmo tempo em que retira do corpo da pessoa, um estigma,

repõe em seu ego uma força de liberdade psíquica, fazendo-o ganhar confiança para enfrentar

o “mundo hostil”, com “tranqüilidade” como disse Anorato, sem medo de ser visto o que

realmente não é: uma pessoa “leprosa”.

Finalizando, gostaria de recomendar àqueles que pretendam pesquisar sobre

hanseníase, que o façam com dedicação e ética na relação com as pessoas atingidas pela

mesma. São seres humanos que merecem toda nossa admiração e respeito, pela coragem e

dignidade no enfrentamento da vida com hanseníase.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A - Instrumento de coleta de dados

ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

Dados pessoais

Nome: ...........................................................................................................................................

Idade: ............... Sexo: ...........................................................................................

Filiação: ........................................................................................................................................

Naturalidade: ................................................................................................................................

Grupo étnico: ................................................................................................................................

Escolaridade: ................................................................................................................................

Estado civil: [ ] casado (a) [ ] solteiro (a) [ ] união estável[ ] divorciado [ ] outros

Profissão: ......................................................................................................................................

Procedência: [ ] zona urbana [ ] zona rural

Religião:........................................................................................................................................

Saúde e doença

1) O que é doença para você?

2) O que é saúde para você?

3) Que tipo de doença você teve? Lepra ou hanseníase? Existe diferença entre as duas? Descreva-as.

4) Como descobriu que estava com hanseníase? O que sentiu quando soube que era esta doença?

5) Seus sentimentos em relação a você mesmo(a) mudaram após o diagnóstico? Em que circunstâncias?

6) Como você acredita que adquiriu a hanseníase? Por castigo, fatalidade ou qualquer pessoa está sujeita a adquiri-la?

7) Quanto a estas marcas deixadas pela hanseníase, você procura escondê-las? De que maneira?

8) Como sua família recebeu o diagnóstico como sua doença sendo hanseníase?

9) Na sua família existe mais alguém com hanseníase? Ou que tenha tido esta doença?

10) O que já ouviu sobre a hanseníase? Acredita ou não? Por quê?

11) Que tipo de tratamento você recebeu? Como era este tratamento?

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12) Você acredita que o tipo de tratamento recebido nas Unidades Básicas de Saúde, o Poliquimioterapia, cura a hanseníase?

13) Você acha que só a medicação resolve os problemas gerados pela hanseníase?

14) Você acredita que está curado da hanseníase?

Relacionamento social

15) Você faz parte de algum clube/associação?

16) Tem muitos amigos? Como é seu relacionamento com eles?

17) No seu grupo de amigos existe alguém que teve hanseníase?

18) Quais os critérios que você usa para estabelecer amizade com alguém?

19) Seus amigos lhe chamam por algum apelido que possa reportar alguma ligação sua com a hanseníase? Qual? Por quê?

20) Encontra ou já encontrou alguma dificuldade social em exercer seu trabalho pelo fato de ser uma pessoa vitimada pela hanseníase? Quais?

21) De alguma forma a depressão do primeiro espaço interósseo da mão dificultou sua relação com a sociedade ou seu grupo de trabalho?

22) O que ajudou a superá-las?

23) Ser uma pessoa vitimada pela hanseníase facilita ou dificulta sua relação social? Em que? Por quê?

24) Você acha que só o fato de estar curado é suficiente para a ressocialização da pessoa atingida pela hanseníase?

Cirurgia reparadora

25) Quando você fez a cirurgia reparadora?

26) O que o (a) levou a fazer esta cirurgia?

27) Houve alguma modificação no seu comportamento, na sua relação consigo mesmo após fazer a cirurgia? Como assim?

28) Sua relação social modificou em algum aspecto após a cirurgia? Em que? Por quê?

29) Você acredita que esta cirurgia contribui para a reabilitação psicossocial da pessoa vitimada pela Hanseníase? Em que? Por quê?

30) Como você se sente hoje depois de haver passado pela cirurgia em relação ao antes de fazê-la?

31) O que representava para você a depressão do primeiro espaço interósseo da mão?

32) Você recomendaria a cirurgia para outras pessoas? Por quê?

33) O que essa depressão significa para a sociedade aqui?

34) Depois da cirurgia melhorou a sua relação no trabalho, com os seus?

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APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO

Eu, Aldecino José Ferreira de Oliveira, mestrando em Psicologia – Área de concentração: Comportamento Social e Psicologia da Saúde, da Universidade Católica Dom Bosco, estarei realizando entrevistas com a finalidade de coletar dados para o trabalho científico de conclusão deste programa, o qual objetiva pesquisar as contribuições da cirurgia de reparação do primeiro espaço interósseo da mão [coxim da mão] para a reabilitação psicossocial da pessoa atingida pala hanseníase; Avaliar qualitativamente os efeitos psicológicos da cirurgia reparadora do primeiro espaço interósseo da mão na pessoa vitimada pela Hanseníase; Analisar representações sociais da depressão interóssea da mão a pessoa vitimada pela Hanseníase e compreender o fenômeno estigma da depressão do primeiro espaço interósseo da mão nas relações sociais da pessoa vitimada apela Hanseníase.

Estas entrevistas abordam temas como: dados pessoais, histórico da naturalidade, saúde/doença, escolaridade, religiosidade, ocupação, relacionamento familiar, relacionamento intimo, relacionamento social, hábitos, participação em orientações preventivas, conceitos relacionados ao corpo, cirurgia, reabilitação, serão gravadas em fita K-7, as quais ficarão de posse do entrevistador para posterior transcrição.

Ao entrevistado não haverá nenhuma bonificação [pagamento] e nenhum ônus [prejuízo], será assegurado o seu direito ao sigilo e anonimato, que para tal transcreveremos apenas as iniciais do seu nome como identificação. Fica também livre de responder quando questionado ou desistir, quando quiser, sem que isso lhe venha gerar qualquer tipo de prejuízo ou represália de ordem física, moral ou funcional, para dirimir qualquer dúvida sobre a importância e seriedade deste trabalho, dispomos deste trabalho o contato do pesquisador e de sua orientadora, bem como o da universidade para que havendo alguma questão, sinta-se a vontade para contatar a quem melhor lhe convir.

Pesquisador: Aldecino José Ferreira de Oliveira. Telefone: (68) 3229-2454.Orientadora: Dr.ª Sônia Grubits. Telefone: (67) 3312-3605.Universidade Católica Dom Bosco. Telefone: (67) 3312-3300.Contando com sua compreensão deste já agradeço tão prestimosa colaboração.

Eu, ........................................................................................., portador do CPF ........................ SSP ......, ciente dos termos supracitados, aceito minha inclusão na pesquisa.

Rio Branco, AC: ........../ ........../...............

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APÊNDICE C - Transcrição das entrevistas semi-estruturadas

ENTREVISTA 1

Dados pessoais

Nome: Anorato

Idade: 59 anos

Sexo: masculino

Filiação: R. M. F. e E. R. O

Naturalidade: Boca do Acre, AM

Grupo étnico: índio com cearense

Escolaridade: ensino fundamental incompleto

Estado civil: viúvo

Profissão: funcionário público

Procedência: zona rural

Religião: católica

Saúde e doença

Pesquisador: O que é doença para você?

Anorato: Doença para mim é uma coisa muito complicada, a pessoa tá doente e não pode trabalhar. Ninguém vai lhe dar serviço porque tá doente. Passa necessidade e não tem de onde tirar dinheiro, aí então doença prá mim, prá mim, eu acho uma coisa muito difícil.

Pesquisador: O que é saúde para você?

Anorato: Saúde pra mim seria muito importante porque você tando com saúde você tem tudo, né? Você trabalha cê faz um esforço, embora, embora que não tenha, cê traz, cê tá com saúde tá sempre com alegria que cê tem saúde. Então tendo a saúde tem tudo, não é verdade?

Pesquisador: Que tipo de doença você teve? Lepra ou hanseníase? Existe diferença entre as duas? Descreva-as.

Anorato: Hanseníase, eu não sei, mas eu acho que a diferença, pra mim a diferença é que a Lepra é aquela que cai dedo, abre ferida e a hanseníase só, tá aquela que só aparece as mancha e, né. Eu que é assim, minha visão é essa.

Pesquisador: Como descobriu que estava com hanseníase? O que sentiu quando soube que era esta doença?

Anorato: Rapaz eu descobri o seguinte, eu tava, primero eu tomei u’as maguaça por aqui e fui trabalhar. Na época eu trabalhava na [...] lá eu comecei a olhar e vi umas manchas assim [faz um gesto representando a manch], ai eu fui no Hospital de Base. Não, a minha esposa marcou uma consulta no INANPS, ainda tinha INANPS na época, ai eu fui lá, ai o médico me mandou para o Hospital de Base fazer uma consulta, mas não disse o que era, ai passei lá e a moça me disse: já encerrou, só amanhã, o senhor vêm que nós vamos fazer o exame, eu fui e ai fiz o exame, ai deu a doença.

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Anorato: 2 – Aí meu Deus! Ave Maria, quando ela me disse eu fiquei apavorado. Eu achei que eu ia lá prá quela colônia, lá né, Souza Araújo [antigo leprosário de Rio Branco]. O que é doente, o que não tem mais, né vai tudo prá lá. Lá é chei, vai num sei quantos prá lá. Ai eu achava que ia pra lá, eu não sabia. Eu fiquei com medo porque eu não sabia. Eu achava que lá, quando aparecesse a doença na gente, eles tirava a gente da família da gente e jogava prá lá, né. Ai a moça disse: não, não se apavore com isso não, você vai te sua vida normal com sua família. Só se a sua família tiver preconceito, se não tiver não tem perigo e agora que não tem mesmo, você vai começar o tratamento e não vai passar pra ninguém. Ai foi como me conformou um pouco mais. Mas eu fiquei apavorado mesmo, não vou mentir, ainda hoje eu tenho um pouco de apavoramento. A minha família por parte da mulher, a sogra se afastou, sorte a minha esposa nunca me abandonou. Nunca, né, é assim.

Pesquisador: Seus sentimentos em relação a você mesmo (a) mudaram após o diagnóstico? Em que circunstâncias?

Anorato: É, mudaram porque eu vivia muito triste, mas ai eles me aconselhavam que não, Dr. W foi um mesmo que não, volte a trabaiar, você vai trabaiar normal. Não diga pra ninguém, qualquer coisa você vem aqui que eu lhe dou um atestado. Você pode trabalhar, não tem perigo de você perder o emprego, né, e ficar sem, não, cê continua trabalhando. Isso ai é coisa que todo mundo pode pegar, não é só você nem outro, qualquer um pode. Então eu disse tá bom, ai eu me aconformei mais um pouco.

Pesquisador: Como você acredita que adquiriu a hanseníase? Por castigo, fatalidade ou qualquer pessoa está sujeita a adquiri-la?

Anorato: Ai eu num sei, ainda num entrou na minha cabeça como foi que eu adquiri essa doença, num imagino como foi que apareceu. Num imagino não.

Pesquisador: Quanto a estas marcas deixadas pela hanseníase, você procura escondê-las? De que maneira?

Anorato: Não, procuro não, nem procurei porque eu já tenho várias cirurgias feita aqui [mostra os locais das cirurgias]. Ai as pessoas perguntam o que foi isso rapaz? Ai eu respondo: foi uma cirurgia e por isso passou.

Pesquisador: Como sua família recebeu o diagnóstico como sua doença sendo hanseníase?

Anorato: Receberam muito bem, não acharam né, só fizeram brigar com eu, tem que ter um tratamento fixo, né, direitinho, pra, né, bom. A minha família que vivia comigo diariamente, a mulher, os filhos, só tem que fazer o tratamento direitinho.

Pesquisador: Na sua família existe mais alguém com hanseníase? Ou que tenha tido esta doença?

Anorato: Não, que eu saiba não. Que eu conheça, não.

Pesquisador: O que já ouviu sobre a hanseníase? Acredita ou não? Por quê?

Anorato: Rapaz, eu nem sei, se não tiver tratamento fica aleijado. Isso ai eu sempre vejo aquele pessoal que faz tratamento no rádio, na televisão, que a hansenia se não tiver um tratamento, vai ficar motilizado. Na televisão passa isso direto, no rádio sempre passa. Dos companheiros sempre é o seguinte, quando a gente tá conversando, quem tem a hansenia não pode pegar sol, não pode andar muito, serviço nium não pode fazer que fica logo com as mãos dormentes [sorri] quando convesso com eles sempre é assim.

Anorato: 2 – Eu acredito porque eu não tenho firmeza nessa mão. Porque se fosse só pela história dos outros eu num acreditava, mas se pegar um terçado [facão], e for roçar, ele voa lá longe.

Pesquisador: Que tipo de tratamento você recebeu? Como era este tratamento?

Anorato: Foi só aqueles comprimidos mesmo [refere-se ao Poliquimioterapia] fiz a coisa e eu de 30 em 30 dias eu ia lá tomar o remédio trazia pra casa e de mês em mês eu ia lá tomar o remédio, aqueles que eles dão lá e outros pra tomar em casa.

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Pesquisador: Você acredita que o tipo de tratamento recebido nas Unidades Básicas de Saúde, o Poliquimioterapia, cura a hanseníase?

Anorato: Cura, eu acho que o remédio deve ser o mesmo. Cura. Bom, de cura pode não curar mas pelo menos miniza, miniza, né? Porque e, eu não sei se cura né? Porque muitos parceiros meu que eu encontro, conversando assim eles dizem que a hansenia não cura, ela controla, mas não cura, né? Pode de uma hora pra outra rebentar de novo, mas pelo meno minizar, minizar.

Pesquisador: Você acha que só a medicação resolve os problemas gerados pela hanseníase?

Anorato: Resolve si. Não e necessário outro acompanhamento, porque e necessário outro acompanhamento, porque quando a gente vai tomar o remédio já tem a orientação lá com eles. Eu acho que resolve.

Pesquisador: Você acredita que está curado da hanseníase?

Anorato: Bem, eu acho que não to não. Não to porque eu tenho uma dormência nessa mão [refere-se a mão direita]e de vez em quando ela remexe isso aqui oi [monstra a mão direita], quer dizer, de outras partes eu não sinto nada mas aqui, da mão, tenho 16 anos que fiz o tratamento.

Relacionamento social

Pesquisador: Você faz parte de algum clube/associação?

Anorato: Não porque não procurei, porque se eu for me associar num clube eu vou ter que pagar, né? Ai eu posso ficar desempregado. Eu nunca procurei não.

Pesquisador: Tem muitos amigos? Como é seu relacionamento com eles?

Anorato: Amigos eu tenho muitos. Viche, quandoa gente se encontra é a maior da convessa. Uns sabe, outros não [refere-se à doença]. Num contei, nunca contei, nunca entrei em detalhe e eu também não achei que fosse conveniente. Alguns sabe, outros não. Quem sabe num teve diferença.

Pesquisador: No seu grupo de amigos existe alguém que teve hanseníase?

Anorato: Não que eu saiba, não tem não. São todos sadios. [Quando perguntado se entre os que tiveram hanseníase tem algum amigo], tem, tem muitos. Quando vou lá na sede do Mohan, viche, lá tem muitos. Todos são gente boa.

Pesquisador: Quais os critérios que você usa para estabelecer amizade com alguém?

Anorato: O comportamento, o tratamento com as pessoas, saber tratar, convessar direito.

Pesquisador: Seus amigos lhe chamam por algum apelido que possa reportar alguma ligação sua com a hanseníase? Qual? Por quê?

Anorato: Não, me tratam pelo nome normal mesmo, não tem nenhum apelido.

Pesquisador: Encontra ou já encontrou alguma dificuldade social em exercer seu trabalho pelo fato de ser uma pessoa vitimada pela hanseníase? Quais?

Anorato: Também não, graças a Deus, até agora não. Nunca, nunca.

Pesquisador: De alguma forma a depressão do primeiro espaço interósseo da mão dificultou sua relação com a sociedade ou seu grupo de trabalho?

Anorato: Não, não dificultou porque eles num, porque acho que eles num prestavam atenção. Ai num dero fé, só foram saber quando fiquei internado e ai eu faltei, e ai me perguntaram por que e ai eu disse que ia encher [refere-se a fazer o enxerto interdigital], e foi quando eles ficaram sabendo. Pois é, num prestavam atenção, também não dizia, não mostrava nada, né? Ai foram saber no dia em que eu fui me internar. Tinha receio que podia perceber, né? Escondia porque eu vivia com a mão sempre trabalhando e não deixava a mão em posição pra ninguém olhar né, e nem ver a falha da mão. Eu sempre ficava a vontade e eu sempre deixava a mão meio escondida, né.

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Pesquisador: Para você, o que significa o afundamento (depressão) do primeiro espaço interdigital?

Anorato: Não sei, assim, a carne funda. E porque o pessoal é muito preconceituoso, se elas verem eles, cê tá com a doença da Lepra, não sei o quê, que afundou a chave da mão, né e ai a gente já fica mei assim, desconfiado, né [ri].

Pesquisador: O que ajudou a superá-las?

Anorato: [Sem resposta].

Pesquisador: Ser uma pessoa vitimada pela hanseníase facilita ou dificulta sua relação social? Em que? Por quê?

Anorato: Não, pra mim não dificulta não, pra mim é a mesma coisa. Não tive ganho, socialmente, to tendo alguma vantagem porque algumas coisas eu não conseguia e agora eu tenho, é, depois da hansênia.

Pesquisador: Você acha que só o fato de estar curado é suficiente para a ressocialização da pessoa atingida pela hanseníase?

Anorato: Não, eu acho que tando curado é suficiente. É porque se não tivesse feito o tratamento teria sido pior, né, talvez hoje eu tava sem pé, tava isolado, né. Se eu não, procurei logo o médico e fui fazer meu tratamento, né. Eu acho que foi muito importante.

Cirurgia reparadora

Pesquisador: Quando você fez a cirurgia reparadora?

Anorato: Rapaz eu não lembro, mas já faz anos, já faz dias, acho que já faz mais de dez, já faz doze anos já.

Pesquisador: O que o (a) levou a fazer esta cirurgia?

Anorato: É porque eu mostrei pra ele [o médico] ai eu falei: isso aqui tá, né, baixou a chave da minha mão né, como é que faz? - isso a gente enche! Ai foi marcou a dia, né. Eu ia, foi lá na fundação [refere-se à Fundação Acreana de Saúde – FUNDACRE], ai eu fui e num levei o meu cartão, ai num me internaro. Eu voltei ai, eu fui lá de novo e já fumos direto com eles e me levaram e me internaram e fizeram a cirurgia.

Pesquisador: Porque quis fazer a cirurgia?

Anorato: Porque eu achava feio, né, achava baixadinho, né, aquela coisa baixa, eu achava feio. Ele [o médico] disse que tinha possibilidade de encher e eu disse: tá bom e eu enchi. Eu achava feio, coisa esquisita, eu esticava a mão assim e ficava olhando, essa outra eu fazia assim, e não aparecia [a depressão]. Ai eu olhava para essa outra e dizia: Meu Deus, como é que pode? Eu mostrei pra ele [o médico] e ele disse, não, a gente enche.

Pesquisador: Houve alguma modificação no seu comportamento, na sua relação consigo mesmo após fazer a cirurgia? Como assim?

Anorato: Não, não, me senti melhor, me sente melhor, muito melhor, fiquei mais tranqüilo. Fiquei porque ai eu fechava a mão e via que estava normal como a outra, né? A minha pretensão é que eu fechava a mão e não ficava igual a outra. Fechava a mão e ficava o buraco. Agora tá igual. Não tá bem igual mais normalizou, né? Escondia a mão um pouco mais que a outra, escondia a mão um pouco mais que a outra, porque às vezes eu tinha cisma. Eu digo não, não pode tá vendo assim não!

Pesquisador: Sua relação social modificou em algum aspecto após a cirurgia? Em que? Por quê?

Anorato: Não, eu fiquei mais à vontade que antes. Eu andava no ônibus e não mostrava a mão assim, eu não pegava, agora eu pego a mão no ônibus, fico folgado, tranqüilo, quer dizer que eu fiquei mais à vontade, né? Antes eu tinha medo do pessoal olhar e ficar, né, por que... agora não, pego, boto a mão, tranqüilo, não to nem ai.

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Pesquisador: Você acredita que esta cirurgia contribui para a reabilitação psicossocial da pessoa vitimada pela hanseníase? Em que? Por quê?

Anorato: Eu acredito que sim, porque pelo menos o defeito que tem ela encobre, né, cobriu esse defeito, já não vai ter mais. A vergonha que a pessoa tem, aquele preconceito da pessoa mangar, né, já não vai ter mais também. Ai esse negócio de andar com a mão escondida já não vai mais ter. vai andar liberto. Então eu acho que tá bom, ficou ótimo. É uma forma de trazer a pessoa a pessoa de volta para o estado normal. É como se diz, uma nova vida. Se você tem uma mancha no teu corpo, você não tem nada, você já fica sobressaltado com aquela mancha, ai alguém vai chegar e dizer: poxa, que mancha é essa, que mancha é essa? Onde foi que tu arrumou isso? Esse é que era meu problema, porque isso é uma marca, é um sinal para sempre da hansenia.

Pesquisador: Como você se sente hoje depois de haver passado pela cirurgia em relação ao antes de fazê-la?

Anorato: Eu me sinto muito mais tranqüilo, antes eu era assim mais isolado, sempre mais afastado das pessoas, né, eu ia para a escola, mas num me debarava muito, e agora não. De três anos prá cá, quatro anos prá cá, eu perdi toda cerimônia, graças a Deus.

Pesquisador: O que representava para você a depressão do primeiro espaço interósseo da mão?

Anorato: Me representava tanta coisa, eu achava que isso não ia ter cura. Eu achava que com esse defeito ninguém ia me aceitar. Até pra fazer um próprio um próprio negócio ninguém ia concordar comigo. Eu tava trabalhando, o cara vir e me dar as contas, né? Tudo isso eu pensava. Não pensava o que era bom mas, o que era ruim eu pensava tudo. Não ia me aceitar, né? Tudo que fosse fazer, quando visse aquilo já não ia me aceitar mais, já tava, né? E assim eu vivia sempre isolado antes de fazer a cirurgia. Sempre eu tava isolado. Depois não, depois eu me soltei [rir]. Depois da cirurgia eu melhorei bastante. Ai fiquei mais, mais tranqüilo porque sei que agora não tem mais perigo, só se for, porque ninguém vê, né?

Pesquisador: Você recomendaria a cirurgia para outras pessoas? Por quê?

Anorato: Recomendaria. Porque se tiver esse defeito e tiver coragem e possibilidade de fazer, faça porque lhe ajuda muito, né, acaba com o defeito que tem na mão, acaba. Se você tem um preconceito de mostrar sua mão, você já vai perder com esse preconceito de tá com a mão escondida, né? Então eu aconselho que faça. Quem tiver coragem de fazer, faça, porque isso não prejudica ninguém. É uma cirurgia de duas horas de tratamento de serviço. Você sai dali e vai embora prá casa. Que vá pro hospital, mas vai andando, não vai depender de maca, não vai depender de nada, num dói nem coisa niuma. Uma coisa que não faz medo a ninguém é fazer uma cirurgia da mão. E o benefício que ela vai ajudar também é muito importante, porque cê vai, tira a baixa, vai perder a vergonha, perder tudo,. Pronto, acabou. Pra mim eu não tenho medo não.

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ENTREVISTA 2

Dados pessoais

Nome: Apolo

Idade: 40 anos

Sexo: masculino

Filiação: F. F. S. e F.S.C

Naturalidade: Boca do Acre, AM

Grupo étnico: mulato

Escolaridade: ensino fundamental incompleto

Estado civil: união estável

Profissão: taxista

Procedência: zona rural

Religião: protestante

Saúde e doença

Pesquisador: O que é doença para você?

Apolo: Doença é, no caso da minha, foi uma doença que apareceu, né. Estava acostumado a tomar muito banho no rio e depois sentar na calçada quente. Pessoas que me conhecem claro que acham que foi um dos motivos d’eu ter pego essa doença por na minha infância eu fiz extravagancia, de tomar banho e sentar na calçada quente. Esse tipo de coisa que nós fez quando a gente é criança, então DOENÇA pra mim é uma coisa muito triste, é uma coisa que tira a vida da pessoa. Pode ser o câncer, a AIDS, tudo é doença, né?

Pesquisador: O que é saúde para você?

Apolo: A saúde é a melhor coisa que tem, né. É você ter coragem para trabalhar, assumir seus compromissos, seus atos e viver em harmonia, né. Se você tem a saúde, tem tudo, né?

Pesquisador: Que tipo de doença você teve? Lepra ou hanseníase? Existe diferença entre as duas? Descreva-as.

Apolo: Não, hoje a hanseníase substitui a Chamada lepra, né/ Pra mim não tem diferença, tudo é a mesma coisa, né.

Pesquisador: Como descobriu que estava com hanseníase? O que sentiu quando soube que era esta doença?

Apolo: 1. Eu, até meus 14/15 anos, jogava muita bola em um campinho atras da casa em Boca do Acre, ai apareceu um ferimento no meu pé esquerdo e o ferimento não sarava e eu não podia nem calçar sapato no lado do pé esquerdo e era uma dor dormente, uma dormença que incomodava e não cicatrizava, não cicatrizava, quando magoava ela não chegava a sangrar, minava sangue mas não chegava a sangrar e minha mãe um dia disconfiou e um amigo meu também na sala de aula. Uma vez eu escrevendo disse: Z. tua mão tá diferente da outra, tá mais magra. E aqui acolá me dava um tremor na minha mão direita, né. Eu com meus 14/15 anos, inexperiente... um dia minha mãe me levou para fazer um exame no posto de saúde e ficou constatado que eu tinha contraído, infelizmente, eu tinha contraído essa doença.

Apolo: 2 – De imediato, é, porque tem pessoas que as vezes fala que essa doença é hereditária, é

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uma doença que passa de um parente para outro. Meu avô morreu com essa doença mas minha família é uma família muito grande, então foram os dois únicos casos que foi constatado até hoje, o do meu avô e o meu. Eu fiquei muito abalado, né? Eu fiquei muito abalado, eu gostava muito de esporte, gostava muito de jogar bola, gostava muito de estudar, isso ai me deprimiu muito e seis meses depois eu vim embora para Rio Branco. Minha mãe ficou muito chocada, muito magoada. Eu vim embora pra cá porque eu me isolava, a gente se sente discriminado. Hoje tem um nome mais social, antigamente não, era nome mais feio. Era Chamada de lepra. Então nessa época eu vim embora para Rio Branco, prá terminar meus estudos aqui porque eu fiquei com abalo psicológico, fiquei com vergonha dos meus amigos. Eu vim pra cá onde ninguém me conhecia, poucas pessoas que moravam aqui que eram parentes, vim pra casa de parentes, de uma irmã e fiz meu tratamento aqui com o Dr. W. e a Dra. L., então eu fiz meu tratamento aqui e fui levando as vida, tocando a vida, né? Claro que minha vida mudou. A partir do momento que eu soube que tava, que havia contraído essa doença.. se não houvesse ocorrido o que ocorreu eu teria me formado e ser alguém, seguir uma carreira de advogado, de professor, seguir uma carreira, e isso me fez mudar minha trajetória de vida.

Pesquisador: Seus sentimentos em relação a você mesmo (a) mudaram após o diagnóstico? Em que circunstâncias?

Apolo: Rapaz, em várias circunstâncias, porque a gente tem que planejar várias coisas na vida. Infelizmente existe o preconceito, existe as pessoas que discrimina, passam a lhe ver diferente, como se você fosse uma coisa que tivesse estragando, apodrecendo, pessoa que lhe faltam com o respeito, eu nunca, particularmente, eu nunca me senti discriminado, assim na minha presença, só que eu sei que na minha ausência, eu já, inclusive eu perdi relacionamento pelo fato. A pessoa nem sabia se eu era uma vítima da hanseníase, eu não cheguei nem ao ponto de expor, de explicar, a pessoa desconfiou. Na época eu não tinha feito a cirurgia na mão. Na época a pessoa se desinteressou, viu o defeito e se afastou de mim. Então tudo isso traz um problema psicológico pra você, trauma, né?

Pesquisador: Como você acredita que adquiriu a hanseníase? Por castigo, fatalidade ou qualquer pessoa está sujeita a adquiri-la?

Apolo: Rapaz, é o que te falei, as pessoas costumam dizer que isso é hereditário. Não pelo fato de meu avô ter sido vítima dessa doença, ter morrido por causa dessa doença, a doença pegou ele com certa idade, na época não tinha o tratamento que tem hoje, nos anos oitenta, no começo dos anos oitenta não tinha esse tratamento que tem hoje, né, então eu não sei se é por ai ou se foi por eu fazer extravagancia na minha infância de pegar muito sol, e outros fatores, de não me resguardar e ter pego, infelizmente essa, de ter sido vítima dessa doença.

Pesquisador: Quanto a estas marcas deixadas pela hanseníase, você procura escondê-las? De que maneira?

Apolo: Não, na época eu procurava, que a gente se sente rejeitado, discriminado, eu procurava esconder minha mão, antes de fazer cirurgia, né? após a cirurgia não, ela ficou normal, muito pouco visível, só se as pessoas forem muito curiosas para notarem a diferença, mas a partir da hora em que fiz a cirurgia, melhorou muito. Me deu um novo animo de vida e eu parei, tirei aquilo da minha cabeça, de ficar me escondendo, de estar escondendo a minha mão, desse certo tipo de coisa que é coisa besta, né, coisa pequena que a gente põe na cabeça, mas com a cirurgia veio, me ajudou muito a melhorar psicologicamente.

Pesquisador: Como sua família recebeu o diagnóstico como sua doença sendo hanseníase?

Apolo: Meu pai e minha mãe ficaram muito abalados, meu contato com meus irmãos na infância foi pouco porque eu era um filho que ajudava muito meu pai a criar os outros. Trabalhei muito viajando com ele, viajando no rio, na embarcação, fazendo movimento na beira do Rio Purús e Yaco, como regatão. Parava muito pouco em casa. Depois conheci uma família e trabalhei dez anos com essa família. Meus irmãos não sentiram tanto devido a minha ausência em casa. Mas meu pai e minha mãe ficaram muita abalados.

Pesquisador: Na sua família existe mais alguém com hanseníase? Ou que tenha tido esta doença?

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Apolo: Meu avô que morreu com a doença.

Pesquisador: O que já ouviu sobre a hanseníase? Acredita ou não? Por quê?

Apolo: A hanseníase ela existe, eu acredito, já ouvi falar muito. Já vi documentário, já vi muitos cartazes e graças a deus que existe pessoas de bem como o Dr., W. e a Dra. R e L. que me escolheram para fazer essa cirurgia que me deixou outra pessoa. Graças s Deus existe estas pessoas de bem, de bom coração, de coração grande. A ciência evoluiu muito e eu agradeço muito, em primeiro lugar a Deus e essas pessoas. D lado torto dessa doença já ouvi muitas coisas, como o Bacurau, uma das vítima fatais dessa doença. Muitas vidas foram dizimadas, muitas pessoas perderam suas vidas enfrentando essa doença. Pessoas do hospital da BR [Souza Araújo] e o Hospital de Base. São coisas que me deixaram muito chocado, né, pessoas que não tiveram a felicidade de alcançar o tratamento que existe hoje.

Pesquisador: Que tipo de tratamento você recebeu? Como era este tratamento?

Apolo: O tratamento era a base de um comprimido chamado Dapisona e era complementado com um coquetel. Na época eu era feirante do mercado novo e as pessoas me perguntavam muito se eu estava me bronzeando em alguma praia. Era uma espécie de coquetel que eu tomava e a reação era imediata. Ficava com a pele muito bronzeada e com esse coquetel, esse tratamento que eu alcancei a cura dessa doença, de 88 a 90.

Pesquisador: Você acredita que o tipo de tratamento recebido nas Unidades Básicas de Saúde, o Poliquimioterapia, cura a hanseníase?

Apolo: Acho que sim, porque se for aquele mesmo tratamento que foi feito, que eu fui um dos beneficiados que naquela época fiz o tratamento, se for aquele mesmo tipo de tratamento, com certeza que sim, que eu fui curado, graças a Deus.

Pesquisador: Você acha que só a medicação resolve os problemas gerados pela hanseníase?

Apolo: Eu acho o seguinte: quem deveria responder isso era a ciência, mas eu como fui um paciente, certo, na época fui um paciente e eu consegui êxito no tratamento. Eu acho que com certeza. O Dr. W. é uma pessoa muito ligada aos pacientes. A Dr. L., as enfermeiras, a Dra. R., então tudo isso ai influencia no tratamento.

Pesquisador: Você acredita que está curado da hanseníase?

Apolo: Rapaz, com certeza, com toda garantia e fé em Deus, eu me sinto um homem curado. Isso para mim já passou, eu nem me sinto ter sido uma vítima dessa doença.

Relacionamento social

Pesquisador: Você faz parte de algum clube/associação?

Apolo: Não, faço parte da categoria dos taxistas como taxista, mas eu, devido meu tempo ser pouco e minha ocupação ser grande, porque faço a linha de Brasileia, meu tempo é muito curto. Já fui convidado várias vezes mas o tempo é pouco.

Pesquisador: Tem muitos amigos? Como é seu relacionamento com eles?

Apolo: Rapaz, dizem que os amigos mesmo da gente é Deus e o pai e a mãe, mas eu procuro fazer boas amizades, deixar essas coisas de picuinha de lado porque se você for levar tudo a sério você realmente não tem amigos, só inimigos. Então eu acho que as pessoas me tem assim como uma liderança aqui no meu setor de trabalho, me acho que tenho boas amizades, inclusive já me pediram até que me lançasse candidato ao sindicato dos taxistas, eu não tenho pretensões.

Pesquisador: No seu grupo de amigos existe alguém que teve hanseníase?

Apolo: Não, se tem, existe pessoas que tiveram a felicidade de contrair a doença mas não deixou marca, não deixa seqüela, então essas pessoas jamais vão chegar e dizer que tiveram essa doença.

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Então os que tem ficam pra eles, com eles mesmos. Nunca cheguei a saber de nenhum caso não.

Pesquisador: Quais os critérios que você usa para estabelecer amizade com alguém?

Apolo: Meu critério é a sinceridade, não tenho interesse financeiro porque como o Dr. Me conheceu lá no mercado, eu era um homem realizado, bem sucedido, vendia muito, meu ponto era um ponto pequeno mas vendia muito, vendia para deputado, vendia para secretário, vendia para vice-governador. Na época existiam poucos mercados grandes em Rio Branco. Naquele tempo eu cresci muito. Quando os mercados grandes surgiram eu vim perder o que tinha. Muitos motivos influenciaram, inclusive o motivo dessa minha doença influenciou no rendimento do meu trabalho, ai com os mercados grandes, ficou difícil de trabalhar e eu tive que mudar de setor, tive que mudar de opção. Hoje trabalho na praça, trabalhei muito tempo no carro dos outros, hoje to no meu próprio carro. Eu, prá mim se aproximar de um amigo é pela sinceridade. Eu não tenho interesse pessoal não.

Pesquisador: Seus amigos lhe chamam por algum apelido que possa reportar alguma ligação sua com a hanseníase? Qual? Por quê?

Apolo: Não, graças a deus num vi nenhum tipo de comentário não.

Pesquisador: Encontra ou já encontrou alguma dificuldade social em exercer seu trabalho pelo fato de ser uma pessoa vitimada pela hanseníase? Quais?

Apolo: Graças a Deus não, sempre fui competente, tudo que sempre me dispus a fazer, fiz com sucesso, graças a Deus. Hoje não, atualmente com certeza não.

Pesquisador: De alguma forma a depressão do primeiro espaço interósseo da mão dificultou sua relação com a sociedade ou seu grupo de trabalho?

Apolo: Na época eu saí da minha cidade e vim aqui para Rio Branco, justamente para isso mesmo porque eu tava começando a viver, né, 15/16 anos tava começando a viver, né? Tava me preparando pra vida. Tava estudando, tava indo bem no estudo. Foi um impacto muito grande tanto é que eu tive de mudar de lugar, que mudar de cidade, mudar de moradia. Vim embora pra cá por conta dessa doença.

Pesquisador: O que ajudou a superá-las?

Apolo: O que me ajudou a superar foi, em primeiro lugar, Deus e em segundo lugar, minha força de vontade de me superar, de vencer e, graças a Deus, me sinto um vitorioso, um vencedor porque pras pessoas eu não me interessa o que elas pensam não, o que interessa em primeiro lugar pra Deus e pra minha mãe, que hoje é viva, ela sabe da minha fibra, da minha valentia de ter superado isso e graças a Deus, primeiro lugar, Deus e minha força de vontade de ter superado isso aí.

Pesquisador: Ser uma pessoa vitimada pela hanseníase facilita ou dificulta sua relação social? Em que? Por quê?

Apolo: Rapaz, dificulta, com certeza dificulta e muito, né, porque você sabe como é que as pessoas são, preconceituosas, são maliciosas, e é uma coisa que não tem nem como explicar porque isso, no caso eu, é muito difícil. Você sabe como são as coisas, as pessoas hoje e sempre, sempre foi sempre foi assim, sempre teve interesse no meio, a partir do momento em vários relacionamentos que eu tive no passado, a pessoa não chegou nem a saber que eu tive, que eu tinha sido uma vítima da hanseníase, ela já no segundo encontro a pessoa já nem foi mais. Isso é pra você vê como é que são, como as pessoas são. é o preconceito que as pessoas tem.

Pesquisador: Você acha que só o fato de estar curado é suficiente para a ressocialização da pessoa atingida pela hanseníase?

Apolo: Com certeza. Embora deixe marca, seqüela e que as pessoas notem, veja, não interessa, o importante é a gente amar-se a si próprio, a si mesmo e os outros são os outros, não importa o que os outros vão pensar. O importante é você erguer a cabeça e tocar a vida pra frente. É muito importante a pessoa lutar e conseguir o objetivo, a cura. Ser amigo do Dr. W. pra mim é tão importante quanto ser amigo do governador. Pra mim o Dr. W é uma pessoa que jamais vou esquecer. Isso ai ajuda muito. Isso ai estimula muito as pessoas, né? Uma pessoa humilde, uma pessoa culta como o Dr. W. que onde

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me vê ele para o carro pra lhe cumprimentar, para falar com você. Isso é uma alegria muito grande, entendeu? É coisa que não tem dinheiro que pague.

Cirurgia reparadora

Pesquisador: Quando você fez a cirurgia reparadora?

Apolo: Muitas pessoas na época em que eu fiz essa cirurgia não entenderam o que estava acontecendo, outras ficaram curiosas e perguntavam o que tinha acontecido, se eu tinha quebrado o braço e eu falei que não, que era uma cirurgia que é para altiar, que eu tinha tido um problema na mão, tinha atrofiado, que tinha feito uma cirurgia de reparo, um enchimento. Na época veio muita especulação. Naquela época muita gente ficou sabendo através da televisão a do rádio, da equipe médica que tava aqui pra fazer aquele tipo de cirurgia. São pessoas curiosas que investigaram esse lado. Foi de 96 a 98.

Pesquisador: O que o (a) levou a fazer esta cirurgia?

Apolo: O que me levou a fazer essa cirurgia foi justamente para corrigir o defeito que essa doença deixou, né, e o incentivo do Dr. W foi muito grande pra mim fazer essa cirurgia, que ele me garantiu que ficaria perfeito, que ficaria cem por cento, que as pessoas curiosas não iriam nem sentir, não iriam nem notar nada, não iam sentir nada e iam achar que aquilo era um sonho que tinha visto e que tavam vendo a coisa perfeita, normal como era anteriormente. Então eu fiz justamente para isso, para corrigir o defeito que a doença deixou e não deu outra, a cirurgia foi perfeita, correu tudo bem. Na época eles fizeram um a avaliação das carnes das minhas nádegas e preferiram tirar daqui do abdome, da lateral, né. O Dr. W. ficou encantado com a cirurgia que diz ele que ficou perfeito. Então foi feito para corrigir, né, essa falha que a doença deixou na minha mão.

Pesquisador: Houve alguma modificação no seu comportamento, na sua relação consigo mesmo após fazer a cirurgia? Como assim?

Apolo: Rapaz, houve, porque eu me senti o que era anteriormente, não para mim mas pelas pessoas verem as coisas dessa maneira, apesar de nesse meio haver dado uma parada no tempo e achar que eu devia ter evoluído na minha vida profissional ou moral, isso ai não, mais eu acho que voltou, eu voltei à minha infância, eu voltei a ser o J., a pessoa que eu era a uns dezesseis anos atras.

Pesquisador: Sua relação social modificou em algum aspecto após a cirurgia? Em que? Por quê?

Apolo: Como estou te falando, né, pessoas que teimavam em desconfiar que eu era uma vítima dessa doença, da hanseníase e de outros defeitos físicos, essas possibilidades foram afastadas depois que eu fiz essa cirurgia.

Pesquisador: Você acredita que esta cirurgia contribui para a reabilitação psicossocial da pessoa vitimada pela Hanseníase? Em que? Por quê?

Apolo: Sem dúvida. Não tem nem como a pessoa que foi vítima e recebeu esse benefício, que recebeu essa cirurgia, não tem nem como a pessoa negara um fato desse, uma descoberta dessa. Isso aí é uma coisa que nós não temos como pagar uma cirurgia dessa que foi feita de graça, sem honorário, sem pagamento nenhum, entendeu? Foi coisa mandada por Deus mesmo.

Pesquisador: Como você se sente hoje depois de haver passado pela cirurgia em relação ao antes de fazê-la?

Apolo: Como eu to falando, eu me sinto ter voltado ao passado, a mais de vinte anos atras e hoje sou um homem, posso lhe dizer que eu, de peito aberto, eu não escondo nada, não preciso ter medo, amigo meu, amiga minha me disse: rapaz tu é um cara feliz rapaz. Encontrei com um amigo lá em Brasiléia, conversando com ele, com um boliviano, ele é engenheiro do departamento de caminhos [estradas e rodagens], ele tem só um braço, tem só uma mão. Ele disse: rapaz você é um homem feliz, você é, pare de falar, você tem que se ajoelhar e agradecer a Deus, você é um homem perfeito. Então eu me sinto um homem feliz, um homem feliz. Eu me sinto como se nada disso tivesse acontecido.

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Um homem tranqüilo.

Pesquisador: O que representava para você a depressão do primeiro espaço interósseo da mão?

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Apolo: Rapaz, negativamente muitas coisas, eu me olhava no espelho, eu fazia comparações, você chega a pensar, s vezes até em fazer coisas piores, se você não for muito apegado com Deus, se você não se concentrar muito em Deus, se não ouvir as pessoas de bem que realmente tem coisas boas para lhe falar, você... não que eu ia ser um príncipe, não que eu ia ser um Pelé no futebol, que eu ia ser um Aírton Sena na Formula 1, que eu ia ser um Silvio Santos, bem sucedido financeiramente, mas não é isso, é que você nunca imagina que não vai acontecer com você.

Pesquisador: Você recomendaria a cirurgia para outras pessoas? Por quê?

Apolo: Com certeza, porque é a melhor coisa que já foi feita nessa área aí, essa descoberta. As pessoas que não fizeram, que tem, que ficaram com seqüela, tem que procurar ajuda, procurar mesmo, procurar o mais rápido possível e fazer essa cirurgia porque, eu tenho que agradecer a Deus por existir essas pessoas de bem, como Dr. W que realizou essa cirurgia e eu sou um homem feliz, graças a Deus eu me sinto um homem realizado e oro muito pelo Dr. W e a equipe dele. Nas minhas orações sempre eu incluo ele porque é uma pessoa que merece um prêmio, um prêmio Nobel, porque é uma pessoa que prega o amor, prega a paz e só faz o que é bom para as pessoas que necessitam.

Pesquisador: O que essa depressão significa para a sociedade aqui?

Apolo: Rapaz, para a sociedade, a sociedade, eles visam é o momento das pessoas, é o momento financeiro, de saúde, de interesse pessoal, você vê que as pessoas que hoje estão prostradas em um leito de hospital, que seja outro tipo de doença, são esquecidas pelos seus próprios familiares, então, as pessoas têm que orar e todo dia orar quando o dia amanhece pra não ser vítima desse tipo de doença ou qualquer outo tipo de doença entrar em sua vida. É muito deprimente, é muito complicado, muito triste. Hoje não, hoje eu me sinto uma pessoa curada, graças a Deus, mas no momento é difícil.

Pesquisador: Depois da cirurgia melhorou a sua relação no trabalho, com os seus?

Apolo: Melhorou mil por cento. Voltou o que era antes e eu pretendo fazer mais uma cirurgia, um reparo de uma outra parte que não dava pra ser feito as duas ao mesmo tempo, na época.

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ANEXOS

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ANEXO A – Solicitação de participação na pesquisa

CARTA CONVITE

Ilmo. Sr. (a). ............................................................................................................................. em virtude do sucesso do seu tratamento cirúrgico vimos, por meio desta, solicitar sua participação em uma pesquisa sociopsicológica com a finalidade de demonstrar a eficácia desta cirurgia para a reabilitação social da pessoa atingida pela hanseníase, a qual será processada pelo mestrando em Psicologia social e da Saúde, pela Universidade Católica Dom Bosco, de Campo Grande, MS, com a nossa colaboração. Para maiores esclarecimentos pedimos sua presença em uma reunião a se realizar no dia ...... /..... /..... às ....... horas, local .........................................................................

Ciente do seu atendimento a esta nossa solicitação, desde já agradecemos com votos de boa saúde.

Atenciosamente,

............................................................Dr.Willian John Woods

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ANEXO B - Declaração do Comitê de Ética

DECLARAÇÃO

Declaramos, para fins de direito, que o projeto "Hanseníase e reabilitação: a mão é um caminho", de responsabilidade de Aldecino José Ferreira de Oliveira após análise do Comitê de Ética em Pesquisa, da Universidade Católica Dom Bosco-CEPIT JCUB e encaminhamento para a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP, foi considerado aprovado sem restrições.

Campo Grande, 01 de junho de 2006.

Regina Stela Andreoli de Almeida Presidente do CEPIUCDB

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