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Envelhecimento feliz Nesta edição Integram esta edição semanal, além deste corpo principal, os seguintes cadernos: ECONOMIA, REVISTA E e EMPREGO e ainda EXPRESSO BPI GOLF CUP OS MELHORES VINHOS e ESPECIAL BACALHAU Fundador: Francisco Pinto Balsemão 17 de dezembro de 2016 2303 €3,20 Diretor: Pedro Santos Guerreiro Diretor-Executivo: Martim Silva Diretores-Adjuntos: Nicolau Santos, João Vieira Pereira e Miguel Cadete Diretor de Arte: Marco Grieco www.expresso.pt Expresso 24h “JORNAL EUROPEU DO ANO” HOJE REIS DE PORTUGAL LIVRO 7 €5,90 (cont.) CARTÃO EXPRESSO DIGITAL | Semanário | Diário | Conteúdos Exclusivos Já disponível Venda exclusiva nas lojas FNAC Mais informação em expresso.pt Não perca o Expresso Diário Use o código que está na capa da Revista E para ler o Expresso Diário de segunda a sábado no seu smartphone , tablet ou computador, sem pagar mais por isso. Pressão pela venda do Novo Banco As necessidades de capital do Novo Banco estão a levar o Banco de Portugal e Sérgio Monteiro a tentar fechar a venda ainda este ano, embo- ra já se admita que o prazo possa derrapar. A atrasar as negociações está a análise por parte das autoridades so- bre a capacidade dos candi- datos (Apollo/Centerbridge, Lone Star e China Minsheng Group) para injetar dinheiro no ex-BES. PR com os sem- -abrigo no Natal No dia de Natal, Marcelo Re- belo de Sousa quer almoçar entre os sem-abrigo. Belém ainda está a preparar o pro- grama. Nos próximos dias, na agenda presidencial, haverá lugar para várias visitas de carácter social. Frederico Lourenço por Tolentino Mendonça A vida e a obra do 30º vencedor do Prémio Pessoa são encaradas pelo cronista da revista do Expresso como “uma espécie de milagre”. R26 Expresso à sexta Devido à quadra natalícia, a próxima edição do Expresso estará nas bancas no dia 23. Num ano, Portugal deu emprego a 36 refugiados P23 Vitória amarga de Assad em Alepo P26 Primeira-dama do vinho adora castas nacionais R56 Ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, confessa em entrevista ao Expresso não ser fã dos rankings de escolas P4 “Ministério voltou a ter nos sindicatos um parceiro” Ranking das Escolas 69% das secundárias conseguiram média de 10 ou mais nos exames P6a8 FOTO NUNO BOTELHO Governo trava privados no Hospital de Cascais Ministro pondera novo concurso ou gestão pelo SNS. Mas Marcelo já recebeu garantia de Costa de que as PPP na Saúde são para manter P15 PSD negoceia apoio a Cristas > Partido ainda admite ter nome para Lisboa, mas está pronto para falar com o CDS > Líder de Lisboa desvaloriza desafio do seu “vice” para presidente do PSD ser candidato > Passos “papa-quilómetros” junto das bases > Relvas prepara o “senhor que se segue” P16eÚLTIMA FOOTBALL LEAKS NÉLIO, O PORTUGUÊS À FRENTE DA DOYEN COMO FUNCIONA A MISTERIOSA EMPRESA NEGÓCIOS DA TURQUIA AO CAZAQUISTÃO Investigação de consórcio internacional revela tudo sobre a empresa que tem um português à frente e anda às avessas com o Sporting P36a39 Imóvel que a PJ acredita ter sido oferecido por Lalanda e Castro foi doado por ex-presidente do INEM aos filhos Escritura feita em 2003 entre os dois arguidos por corrupção num inquérito-crime sobre a venda de plasma sanguíneo ao Estado referia que tinham sido pagos 300 mil euros, mas não foram encontrados registos das transferências nas contas de Cunha Ribeiro e do ex-adminis- trador da Octapharma. P3 Cunha Ribeiro desfez-se de duplex antes de ser detido MP investiga falsificação de documentos na Comporta Ex-autarca de Alcácer do Sal, arquitetos e administrador da Herdade são suspeitos P21 Salário mínimo: patrões fazem proposta conjunta Quatro confederações entregaram ontem ao Governo proposta com medidas até 2020 P12 © Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 2084636 - [email protected] - 82.154.118.204 (17-12-16 18:05)

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Envelhecimento feliz

Nesta edição

Integram esta edição semanal, além deste corpo principal, os seguintes cadernos: ECONOMIA, REVISTA E e EMPREGOe ainda EXPRESSO BPI GOLF CUPOS MELHORES VINHOS e ESPECIAL BACALHAU

Fundador: Francisco Pinto Balsemão 17 de dezembro de 20162303 €3,20

Diretor: Pedro Santos Guerreiro

Diretor-Executivo: Martim SilvaDiretores-Adjuntos: Nicolau Santos,João Vieira Pereira e Miguel Cadete

Diretor de Arte: Marco Grieco

www.expresso.ptExpresso

24h

“JORNAL EUROPEU DO ANO”

HOJE REIS DE PORTUGALLIVRO 7 €5,90 (cont.)

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Pressão pela venda do Novo BancoAs necessidades de capital do Novo Banco estão a levar o Banco de Portugal e Sérgio Monteiro a tentar fechar a venda ainda este ano, embo-ra já se admita que o prazo possa derrapar. A atrasar as negociações está a análise por parte das autoridades so-bre a capacidade dos candi-datos (Apollo/Centerbridge, Lone Star e China Minsheng Group) para injetar dinheiro no ex-BES.

PR com os sem- -abrigo no NatalNo dia de Natal, Marcelo Re-belo de Sousa quer almoçar entre os sem-abrigo. Belém ainda está a preparar o pro-grama. Nos próximos dias, na agenda presidencial, haverá lugar para várias visitas de carácter social.

Frederico Lourenço por Tolentino Mendonça

A vida e a obra do 30º vencedor do

Prémio Pessoa são encaradas pelo cronista da revista do Expresso

como “uma espécie de

milagre”. R26

Expresso à sextaDevido à quadra natalícia, a próxima edição do Expresso estará nas bancas no dia 23.

Num ano, Portugal deu emprego a 36 refugiados P23

Vitória amarga de Assad em Alepo P26

Primeira-dama do vinho adora castas nacionais R56

Ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, confessa em entrevista ao Expresso não ser fã dos rankings de escolas P4

“Ministério voltou a ter nos sindicatos um parceiro”

Ranking das Escolas 69% das secundárias conseguiram média de 10 ou mais nos exames P6a8

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Governo trava privados no Hospital de Cascais

Ministro pondera novo concurso ou gestão pelo SNS. Mas Marcelo já recebeu garantia de Costa de que as PPP na Saúde são para manter P15

PSD negoceia apoio a Cristas> Partido ainda admite ter nome para Lisboa, mas está pronto para falar com o CDS > Líder de Lisboa desvaloriza desafio do seu “vice” para presidente do PSD ser candidato > Passos “papa-quilómetros” junto das bases > Relvas prepara o “senhor que se segue” P16eÚLTIMA

FO OTBALL LEAKS

NÉLIO, O PORTUGUÊS À FRENTE DA DOYENCOMO FUNCIONA A MISTERIOSA EMPRESANEGÓCIOS DA TURQUIA AO CAZAQUISTÃO

Investigação de consórcio internacional revela tudo sobre a empresa que tem um português à frente e anda às avessas com o Sporting P36a39

Imóvel que a PJ acredita ter sido oferecido por Lalanda e Castro foi doado por ex-presidente do INEM aos filhos

Escritura feita em 2003 entre os dois arguidos por corrupção num inquérito-crime sobre a venda de plasma sanguíneo ao Estado referia que tinham sido pagos 300 mil euros, mas não foram encontrados registos das transferências nas contas de Cunha Ribeiro e do ex-adminis-trador da Octapharma. P3

Cunha Ribeiro desfez-se de duplex antes de ser detido

MP investiga falsificação de documentos na Comporta

Ex-autarca de Alcácer do Sal, arquitetos e administrador da Herdade são suspeitos P21

Salário mínimo: patrões fazem proposta conjunta

Quatro confederações entregaram ontem ao Governo proposta com medidas até 2020 P12

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Expresso, 17 de dezembro de 201602 PRIMEIRO CADERNO

Ricardo [email protected]

Descodificador por Rui Gustavo

Os filhos do embaixador fugiram? Os gémeos Haider e Ridha Ali, filhos do embaixador do Iraque, confessaram ter agredido um jovem português em Ponte de Sor e agora saíram do país com a garantia de que voltarão

1 Os gémeos iraquianos não podiam ter saído do país?

Podiam. Apesar de terem confessado as agressões a um jovem de Ponte de Sor, não foram constituídos arguidos porque gozam, para já, de imunidade diplomática. O Ministério Público pediu o levantamento deste estatuto para os poder interrogar e constituir arguidos, mas a embaixada do Iraque negou e protelou uma decisão definitiva e ainda está dentro de um novo prazo de 20 dias que o Ministério dos Negócios Estrangeiros lhe deu para dizer se levanta ou não a imunidade de Haider e Ridha Ali, 17 anos, filhos do embaixador do Iraque, Ibrahim Al-Jaafari. Como não são arguidos não têm qualquer medida de coação e podem movimentar-se livremente. Até para a Turquia.

2 Haider e Ridha Ali saíram às escondidas de Portugal?

Não. Quer o Ministério dos Negócios Estrangeiros quer o advogado do jovem agredido afirmaram que foram informados verbalmente pelo embaixador de que a família iria estar ausente de Portugal até 7 de janeiro, como fazem todos os anos desde que chegaram ao país. O aviso não era obrigatório e indicia, em princípio, que os gémeos não se estão a preparar para fugir e não mais voltar, evitando deste modo um possível julgamento pelas agressões a Ruben Cavaco — o jovem de 15 anos que ficou em estado de coma durante vários dias depois das agressões que terão ocorrido durante um desentendimento numa noite de copos.

3 O MP podia ter feito alguma coisa para evitar que saíssem do país?

Não. Apesar de no aeroporto de Lisboa os inspetores do SEF que identificaram os gémeos terem perguntado ao Ministério Público se havia algum impedimento à sua saída, a verdade é que a Justiça não podia proibir a viagem para a Turquia. Os dois jovens não são arguidos no processo porque gozam de imunidade diplomática e não estão sujeitos às habituais medidas de coação, como o Termo de Identidade e Residência ou apresentações à polícia. Podem viajar para onde quiserem e também só voltam se o desejarem.

4 Se decidirem não voltar, podem ser julgados?

Depende. Se a imunidade diplomática não for levantada, não podem ser acusados nem julgados. Se o Estado iraquiano decidir fazer a vontade a Portugal e levantar o estatuto de diplomata aos dois jovens, serão julgados normalmente, como qualquer cidadão que viva em Portugal. Se decidirem não voltar, serão julgados à revelia, já que Portugal não tem acordo de extradição com a Turquia, onde estão agora; ou com o Iraque, de onde são naturais. Na entrevista à SIC em que admitiram as agressões, Haider e Ridha garantiram que não iriam fugir e que estavam disponíveis para colaborar com a Justiça. Só não disseram que recusavam perder a imunidade diplomática.

O Cartoon de António Communication In Action

ALTOSAntónio GuterresSecretário-geral eleito da ONU

O português jurou esta semana a Carta das Nações Unidas, no último passo antes de assumir formalmen-te e para os próximos cinco anos a liderança da Organização das Na-ções Unidas. Nunca um português tinha tido um cargo tão elevado na diplomacia mundial. Por isso mes-mo, a redação do Expresso elegeu-o esta semana como a figura nacional mais marcante desde ano de 2016.

Cristiano RonaldoFutebolista

Recebeu esta semana a sua quarta Bola de Ouro, que elege o melhor futebolista mundial do último ano, batendo largamente o argentino Messi e o francês Griezmann. Para se ter uma noção do nível a que Ro-naldo já chegou, basta lembrar que os (poucos) outros portugueses que conseguiram equivalente distinção internacional nunca o repetiram.

Isabel MoreiraDeputada do PS

Teve esta semana uma intervenção particularmente dura e assertiva no Parlamento denunciando o regi-me angolano de José Eduardo dos Santos (o ativista Luaty Beirão esta-va presente nas galerias): “Angola é uma ditadura brutal, cleptocrática, sem liberdade, corrupta”. Fez muito bem. E conseguiu aplausos e apoio vindos de bancadas da esquerda à di-reita do hemiciclo.

Luís Miguel CintraAtor e encenador

Encerra este sábado, ao fim de 43 anos, o Teatro da Cornucópia, companhia dirigida desde o pri-meiro dia por Luís Miguel Cintra. Ao longo deste período, a compa-nhia realizou 126 criações e formou alguns dos mais significativos ato-res nacionais. Fica a referência e homenagem.

E BAIXOSLuís Cunha RibeiroEx-presidente do INEM

Foi esta semana detido e consti-tuído arguido (tal como o admi-nistrador da multinacional Octa-pharma Lalanda e Castro) no âm-bito de um processo de corrup-ção relacionado com o negócio do plasma humano em Portugal.

Rui RioEx-autarca do Porto

Depois de ter sinalizado a sua dis-posição para vir a tentar uma cor-rida à liderança do PSD, avançou esta semana com a ideia da criação de um imposto que servisse para ajudar a pagar a dívida portugue-sa. Mas a iniciativa teve pouco im-pacto e ainda menor apoio.

Martim [email protected]

RICARDO COSTA ESCREVE NO EXPRESSO DIÁRIO ÀS TERÇAS E QUINTAS-FEIRAS

É irónico que o CDS tenha encontrado um trampolim nas autárquicas em que o PSD não parece ter rumo

tárquica, como o CDS, tenha encon-trado nessas eleições a oportunidade de afirmar a sua líder e, em simultâ-neo, o PSD tenha ficado de pés e mãos atados com o relógio a passar. Neste ponto, tal como tinha acontecido com a candidatura falhada de Seara, o líder nacional tem responsabilidade.

Colocar o futuro da liderança do PSD nas mãos do resultado autár-quico nacional e, em particular, no que acontecer em Lisboa é errado. Mas a política está cheia destas coisas, sobretudo quando há pouco a servir de ‘compensação’. Esse é o principal erro da atual direção, que não perce-beu que é difícil manter um discurso limitado quando se está na oposição.

Não se trata de largar o eixo dívida/orçamento/crise, longe disso. Trata--se, isso sim, de alargar o espectro de preocupações. É neste quadro que as autárquicas ganham importância para quem está na oposição e não pode perder oportunidades de ouro, como a de Lisboa. Agora, a oportunidade é uma escapatória.

Portas, Assunção Cristas fez bem em candidatar-se, apesar dos riscos que uma eleição local apresenta para um líder nacional. Mas o risco de Cristas pode ser largamente compensado se tiver uma votação que fique bem aci-ma do habitual do CDS e, sobretudo, da que o partido teve em Lisboa em 2001, com os 7,5% de... Paulo Portas.

A muitos meses das eleições, a es-tratégia de Assunção Cristas já está a colher frutos, com o PSD a ter dificul-dade em encontrar um candidato que seja eleitoralmente mais seguro do que a líder centrista e a chegar à evidência de que só uma coligação dos dois par-tidos é que pode ameaçar seriamente a gestão socialista da Câmara.

Há um enorme exagero no peso que comentadores e até estruturas do PSD estão a colocar às costas de Pedro Pas-sos Coelho nas autárquicas. O partido parte de um resultado muito baixo em 2013, e a inversão da tendência não depende do líder nacional, nem as duas coisas devem estar tão liga-das. Basta ver, por exemplo, como em sentido contrário António José Seguro teve um resultado histórico nas mes-mas autárquicas para acabar por ser devorado pela máquina partidária.

É muito irónico e significativo que um partido com fraca presença au-

PSD e ao CDS. Medina não foi a votos como cabeça de lista, tinha pouca no-toriedade e precisava de tempo e de espaço para se afirmar. Pois teve todo o tempo e espaço para o fazer e ficou quase sozinho a dar voltas à pista...

O CDS percebeu bem a situação e, sobretudo, a hesitação do seu parcei-ro natural e fez avançar a nova líder. Com a difícil tarefa de suceder a Paulo

O PSD começou por desistir da Câmara de Lisboa quando decidiu candidatar às últi-mas eleições Fernando Seara.

Apesar de ser um autarca muito ex-periente, ninguém acreditou que Se-ara se estivesse a apresentar a algu-ma coisa que não fosse uma derrota honrosa. Com essa decisão, o partido abdicou de levar um candidato que ganhasse experiência, conhecimento e notoriedade a tempo das autárqui-cas de 2017.

Essa ‘desistência’ foi um absurdo, porque era evidente que Fernando Medina acabaria por assumir a lide-rança da maior Câmara do país, o que abriria uma oportunidade eleitoral ao

O PSD e a batalha de Lisboa

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 PRIMEIRO CADERNO 03

Pedro Santos [email protected]

PEDRO SANTOS GUERREIRO ESCREVE NO EXPRESSO DIÁRIO ÀS SEGUNDAS E QUARTAS-FEIRAS

Que estas suspeitas de corrupção em negócios do Estado com privados sejam com compra e venda de sangue, que

chegaram a implicar que sangue de dadores fosse pela pia abaixo, torna o caso especialmente repugnante. Não é um pormenor. Se o capital não tem pátria e o dinheiro não tem cor, a corrupção não tem dor.

Estarrecemos, pois. A operação desencadeada esta semana, que levou à constituição de arguidos, a buscas e à detenção de Luís Cunha Ribeiro em Portugal e de Lalanda e Castro na Alemanha, onde aguarda resposta ao pedido de extradição, tem demasiados pontos em comum com outros casos. A quantidade de negócios suspeitos na Saúde ao longo dos anos e a constatação do número de políticos que operam em e com empresas do sector, mesmo não tendo um grama curricular de especialização, sabem pouco de Saúde o que hão de saber muito em negócios; a antiguidade dos atos (o contrato original sob investigação foi negociado em 2000); as inconsequências das inspeções do Estado, que mesmo quando apuram irregularidades, apontam-nos quando o mal está consumado; as provas que “desaparecem”, numa bruma opaca de gavetas transparentemente vazias; e os mecanismos punitivos dentro do Estado para quem se mete no caminho, com processos disciplinares, afastamentos, congelamentos de salários e carreiras a quem não estende a mão e aponta o dedo.

Há mais: os personagens parecem ser mais ou menos sempre os mesmos. O caso de Lalanda e Castro é o mais visível, ele que agora está a ser investigado em três processos, a ‘Operação Marquês’ de Sócrates, o caso dos Vistos Gold de Miguel Macedo, a investigação O- (que os investigadores chamam de “ó negativo”, lapso comum para um grupo sanguíneo que mais corretamente se chama “zero negativo”). O que acontece é que estas investigações são filhas umas das outras (O-, ‘Marquês’, Vistos Gold, ‘Monte Branco’, ‘Furacão’ são todas ramos do mesmo tronco). Não são sempre os mesmos, a capilaridade dos seus negócios suspeitos é que é vertiginosa.

Luís Cunha Ribeiro é uma alta personalidade do mundo da Saúde, foi tudo e mais alguma coisa, e é suspeito de ter tido casas, carros e viagens ao dispor, e de ter recebido dinheiro de fornecedores, em contas em Portugal e offshore. Se for verdade, não pode tê-lo feito sozinho. Nem sem a implicação do poder político. Aliás: por que é que a Octapharma teve um contrato de quase monopólio no sangue tão longo e sucessivamente renovado? Aliás, cadê o contrato?

Há uma prévia desilusão em quem é experiente em ouvir grande estrídulo no início destas operações. Há muita parra e pouca uva nos dentes dos leões que saem sendeiros. E porquê? Porque crimes de corrupção são muito complexos — e porque as leis dificultam a vida da investigação. O crime vai compensando: muito sangue, pouco suor, nenhumas lágrimas.

Do mal, o-

OS OUTROS TRÊS ARGUIDOS

PAULO FARINHA ALVESAdvogado da PLMJ, o maior escritório de advocacia do país. Foi constituído arguido por indícios de branqueamento de capitais. Já depois de saírem notícias no verão de que decorria uma investigação, estava a prestar apoio jurídico a Lalanda e Castro para executar uma alegada dívida de 40 mil euros que Cunha Ribeiro teria ao administrador da Octapharma por falta de pagamento de rendas do andar do edifício Heron Castilho, em Lisboa, onde viveu entre 2004 e 2011.

LUÍS BARROS FIGUEIREDOA sociedade de que este advogado faz parte serviu de sede de uma das empresas de Lalanda e Castro, a Intelligent Life Solutions SA. Barros Figueiredo colaborava com a Octapharma, prestando apoio jurídico na área dos concursos públicos. No seu escritório foram encontrados, durante as buscas da ‘Operação Marquês’, documentos relacionados com a companhia offshore Ruby Capital Corporation, que serviu para alegadamente simular pagamentos de renda de Cunha Ribeiro a Lalanda.

ELSA MORGADODirigente da Associação Portuguesa de Hemofilia, é suspeita de corrupção. Fez parte do júri do concurso público lançado em 2000 para o fornecimento de plasma aos hospitais do Serviço Nacional de Saúde e que deu uma posição de monopólio à Octapharma.

Investigação Lalanda vendeu casa a ex-presidente do INEM mas PJ não acha o rasto do dinheiro

Cunha Ribeiro doou duplex aos filhos para evitar arresto

Micael Pereira

Os contornos da com-pra e venda de um apartamento de luxo no Porto entre Paulo de Lalanda e Castro, adminis-trador da multina-cional farmacêuti-ca Octapharma, e

Luís Cunha Ribeiro, ex-presidente do INEM e da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa, são um dos indícios mais fortes para terem levado o Ministério Público (MP) e a PJ a promover esta semana a detenção de ambos e a constituí-los arguidos por corrupção num alegado esquema de favorecimento para a obtenção de uma posição de monopólio no merca-do de plasma humano em Portugal. Batizado ‘Operação O Negativo’, o in-quérito-crime investiga o modo como a Octapharma ganhou um concurso público lançado em 2000, e cujo júri era presidido por Cunha Ribeiro, con-seguindo com isso faturar quase €150 milhões no fornecimento de plasma sanguíneo a todo o Serviço Nacional de Saúde. Os termos dessa adjudi-cação vigoraram entre 2001 e 2008, até ser lançado um novo concurso de âmbito nacional.

O duplex de 230 metros quadrados, construído no topo de um prédio na Alameda Eça de Queiroz, foi compra-do a 20 de junho de 2003 por Cunha Ribeiro a uma empresa de Lalanda e Castro, a Convida — Investimentos Imobiliários e Turísticos. O valor re-gistado na escritura, a que o Expres-so teve acesso, foi de €300 mil, mas, apesar de a Convida ter declarado no documento que recebeu o paga-mento, a PJ não encontrou sinais das transferência entre as partes depois de ter vasculhado as contas bancá-rias dos dois arguidos, incluindo os movimentos das várias empresas do administrador da Octapharma.

A suspeita é de que foi uma venda simulada, para esconder o facto de Lalanda ter alegadamente oferecido o apartamento como compensação de atos corruptos cometidos por aquele médico quando era diretor de serviço do Hospital de São João, cargo que ocupou entre 2000 e 2003 e que fez com que ficasse à frente do júri do concurso para o fornecimento de plas-ma aos hospitais públicos.

Já a 14 de setembro deste ano, Cunha Ribeiro doou o duplex aos dois filhos, de acordo com documentação obtida pelo Expresso. A PJ acredita que a doação foi uma tentativa do médico para evitar o arresto do imóvel pelas autoridades, depois de o “Correio da Manhã” ter publicado um artigo, a 20 de agosto, em que revelava que o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa tinha em curso um processo-crime sobre as re-lações entre ele e Lalanda e Castro. A notícia acrescentava que o património de ambos estava a ser investigado e já mencionava o facto de o administra-dor da Octapharma ter vendido a casa da Alameda Eça de Queiroz a Cunha Ribeiro. A doação não impediu que o imóvel acabasse por ser arrestado esta semana pelo MP.

Rendas pagas por offshore

Além do duplex no Porto, houve um outro apartamento que o DIAP de Lisboa e a PJ incluíram no pacote de alegadas vantagens materiais recebi-das por Cunha Ribeiro. Trata-se de um andar no edifício Heron Casti-lho, na rua Braamcamp, em Lisboa, onde também morava José Sócrates. E aqui é preciso fazer um parênte-ses: o ex-primeiro-ministro trabalhou

efetuados em nome de Cunha Ribeiro tinham origem numa conta na Suíça titulada por uma companhia offsho-re com sede nas Ilhas Virgens Britâ-nicas, a Ruby Capital Corporation, cujo beneficiário final era Lalanda e Castro. Ou seja, o senhorio estava alegadamente a pagar a si próprio a renda do inquilino. Por sua vez, a Ruby Capital recebia dinheiro de outra con-ta, titulada pela Octa AG e ligada à Octapharma.

A Ruby Capital tinha conta no Banque Privée BCP desde 2004. A sua existência foi detetada nas bus-cas da ‘Operação Marquês’, quan-do foi encontrado um cheque de €150 mil endossado à Ruby Capital. Em março de 2015, Rosário Teixei-ra, o procurador que coordena a investigação desse caso, pediu os movimentos bancários da conta da offshore ao MP suíço, que os enviou no mês seguinte. Os €150 mil teriam como finalidade o pagamento de su-bornos a políticos em Tripoli, como contrapartida pelo facto de Lalanda e Castro ter ganho um contrato de €4 milhões com o Estado líbio para o tratamento médico em Portugal de cidadãos líbios.

De acordo com uma fonte próxima de Lalanda e Castro, o agora ex-ad-ministrador da Octapharma — que se demitiu na sequência da sua detenção na Alemanha — pediu ao MP em agos-to para ser ouvido voluntariamente. O ex-patrão de Sócrates conhece Cunha Ribeiro desde o tempo em que foi seu aluno na Faculdade de Medicina do Porto. Esse deve ser um dos argumen-tos, a construção de uma amizade, usados pelo médico no interrogatório que lhe têm estado a fazer — e que na sexta-feira já ia em quatro dias.

[email protected]

Luís Cunha Ribeiro (em baixo) comprou um duplex a Lalanda e Castro em 2003 no topo de um prédio (na foto) no Porto

OPERAÇÃO O NEGATIVO

como consultor de Lalanda e Castro na Octapharma de janeiro de 2013 a novembro de 2014, a troco de um salário de €12.500, até ser detido por corrupção no âmbito da ‘Operação Marquês’. Sócrates reportava dire-tamente a Lalanda e Castro e viria a estabelecer, em 2014, um segundo contrato de trabalho com uma das empresas pessoais do administrador, no valor de €12.500 por mês. Para o MP, foi apenas uma simulação para camuflar pagamentos corruptos, e Lalanda foi constituído arguido por estar a lavar dinheiro para o antigo chefe de governo.

O imóvel da Heron Castilho que Cunha Ribeiro passou a ocupar em 2004, quando assumiu a presidência do INEM, é propriedade da Convida. Foi feito um contrato de arrendamen-to entre a empresa e o médico, no valor de €1500 por mês, mas a inves-tigação descobriu que os pagamentos

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Expresso, 17 de dezembro de 201604 PRIMEIRO CADERNO

“Não tenho o ímpeto de deixar uma marca na Educação”

Texto Isabel Leiria Fotos Nuno Botelho

O encontro foi marcado para a Escola Secundária Josefa de Óbidos, do outro lado da rua da Presidência do Conse-lho de Ministros, de onde Tiago Bran-dão Rodrigues haveria de sair para uma breve conversa com o Expresso a propósito dos últimos resultados nos testes internacionais e da reivin-dicação dos méritos, dos rankings hoje publicados, da relação com os sindi-catos e da prometida vinculação de mais professores. Antes da entrevista, houve tempo para um jogo de matra-quilhos — o ministro joga “mais ou menos” na avaliação da dupla Rodrigo/Miguel, alunos do 5º e do 6º ano — e para uns toques artísticos de cabeça de um ministro que recusa a ideia de que a exposição pública o incomoda, mas que está visivelmente mais à vontade nas muitas visitas que faz às escolas.

PP AssimPquePforamPconhecidosPosPúl-timosPePbastantePpositivosPresultadosPdosPalunosPportuguesesPnosPestudosPinternacionaisPdoPTIMSSPePdoPPISA,PatuaisPePantigosPresponsáveisPpolíti-cosPreclamaramPaPsuaPquota-partePdePmérito.PNaPsuaPopinião,PaPquePsePdeveuPestaPmelhoria?

R Há uma primeira mensagem, pro-vavelmente a mais importante, que é a de que o sistema educativo português no seu todo está de parabéns. Pode-mos congratular-nos com os nossos estudantes, os nossos docentes, os di-retores das nossas escolas, pela forma como as nossas famílias olham para o sistema educativo e para a educação dos seus, com o papel das autarquias. O PISA (Programme for Internatio-nal Students Assessment) é feito pela OCDE, uma organização que nos é muito próxima, que tem a capacidade de pensar como é que evoluem os vá-rios sistemas educativos e com quem nos queremos articular. A anterior tu-tela tinha-se desviado dessa parceria.

PP EmPquePsentido? R Por exemplo em relação às reco-

mendações que a OCDE vai fazendo aos seus Estados-membros e às políti-cas que levam a um sistema educativo mais coerente. A OCDE acredita no valor das competências como algo de central para as gerações que estamos agora a formar. Nos últimos quatro anos não teve Portugal como parceiro nesta matéria. É um diálogo que já retomámos. A OCDE também nos diz para adiar o mais possível o momento de separação dos estudantes por vias diferentes, para criar programas espe-cíficos para os que têm mais dificulda-des. É o que estamos a fazer.

PP MasPvoltandoPaosPresultados,Pcon-cedePquePforamPfrutoPdePpolíticasPde-senvolvidasPporPgovernosPdiferentes?

R São o resultado de vários fatores que foram desencadeados por vários governos. Mas há governos que des-taco, como os que na década passada puseram em prática ferramentas que foram imprescindíveis para chegar a estes resultados. Estou a falar de coisas como a valorização e do alarga-mento do pré-escolar. Não nos pode-mos esquecer que esta é uma geração (os alunos de 15 anos que participam no PISA) que, pela primeira vez, teve um acesso generalizado à educação pré-escolar, que é um preditor de per-cursos educativos de qualidade. Desta-co também o Plano Nacional da Leitu-ra, o Plano de Ação da Matemática, o Ciência Viva que completou agora 20 anos, iniciativas como os Territórios Educativos de Intervenção Prioritá-ria. Tudo isto levou a uma progressão muito consistente dos resultados e que colocaram o país, pela primeira vez, acima da média da OCDE nas três literacias avaliadas (leitura, ma-temática e científica). E em que os melhores melhoraram, mas também os que tinham resultados muito maus.

PP NãoPincluiPnenhumaPdasPmedidasPtomadasPpeloPex-ministroPNunoPCrato,PmuitasPdelas,Paliás,PrevertidasPporPsiPentretanto.PNãoPtemePquePosPresul-tadosPdosPpróximosPtestesPpossamPpiorarPporPterPalteradoPpolíticasPquePparecemPterPdadoPresultado,PouPpeloPmenosPquePnãoPosPprejudicaram?

R O próximo PISA realiza-se daqui a dois anos. Os resultados das políticas do governo PSD/CDS irão ter um refle-xo muito mais marcado nesse estudo. Porque muitas das políticas adotadas entre 2011 e 2015 não tiveram nenhum tipo de reflexo no percurso dos estu-dantes que fizeram o PISA em 2015, que não foram sujeitos à avaliação ex-terna no 4º e no 6º ano ou às novas metas curriculares. E não nos podemos esquecer que no TIMSS (Trends in International Mathematics and Scien-ce Study, feito por alunos do 4º ano) houve um retrocesso a ciências.

PP MasPcomoPexplicaPquePessesPmes-mosPalunosPtenhamPmelhoradoPaPMa-temáticaPePpioradoPaPCiênciasPentrePoPTIMSSPdeP2011PePoPdeP2015?

R O sistema educativo tem vindo a melhorar de forma coesa e progressi-va. Por fatores que já falámos, como a frequência do pré-escolar, do aumento da literacia das famílias e aposta na educação e formação de adultos. E é natural que essa evolução se reflita no 1º ciclo. Obviamente que houve também um investimento na Mate-mática. Mas vejo essa evolução como

natural, porque resulta de todos os outros fatores. O que me preocupa é que a ciências tenha havido agora uma reversão importante, que nos deve preocupar a todos, mas que foi de certa forma escamoteada. E podemos até voltar ao PISA. Temos melhores resultados na literacia científica, mas o relatório também nos diz que baixou a predisposição dos alunos de 15 anos para pensar nas ciências como uma ferramenta fundamental

PP ElegeuPcomoPprioridadePaPreduçãoPdasPtaxasPdePchumbos.PHáPquemPoPacu-sePdePpressionarPasPescolasPaPbaixaremPosPníveisPdePinsucessoPaPtodoPoPcusto,PdePformaPartificial.PComoPrespondePaPestaPcrítica?

Tiago Brandão Rodrigues Ministro da Educação

parceiros veremos onde, como e a que velocidade podemos reduzir esse limi-te. O nosso compromisso é começar esse esforço no próximo ano.

PP EstãoPaPdecorrerPasPnegociaçõesPcomPosPsindicatosPparaPaPrevisãoPdasPregrasPdePvinculaçãoPaosPquadros.PAPpropostaPinicialPprevêPaPintegraçãoPautomáticaPdePquemPacumuleP20PanosPdePserviço.PÉPumaPpropostaPcompatívelPcomPoPanúncioPdoPGovernoPdePreduzirPaoPmáximoPaPprecariedadePdePquemPtrabalhaPparaPoPEstado?

R Em primeiro lugar, gostaria de su-blinhar que voltámos à normalidade. O Ministério da Educação volta a ter nos sindicatos — como tem nas asso-ciações de diretores, nas de professo-res, nas sociedades científicas — um parceiro para encontrar soluções.

PP MasPachaPquePéPumaPbasePdePtraba-lhoPrazoável?

R Existe um compromisso do Gover-no, em sentido lato, em atuar para diminuir todos os vínculos precários na Administração Pública. O que es-tamos a fazer é sentar à mesa com os sindicatos e discutir como podemos trabalhar para valorizar a condição docente e de todos os funcionários não docentes. A premissa nas negociações é sempre a mesma: o ponto de parti-da não é coincidente e trabalharemos para que o ponto de chegada seja o mais coincidente possível. Estamos a trabalhar para que um grupo alargado de docentes possa efetivamente ser vinculado.

PP OPanteriorPGoverno,PporPviaPdaPnor-ma-travãoP(vinculaçãoPaoPfimPdePcin-coPcontratosPanuais,PconsecutivosPePcompletos)PePdosPconcursosPnormais,PintegrouPnosPquadrosPmaisPdePquatroPmilPprofessores.PTemPalgumaPprevisãoPparaPoPseuPmandato?

R Não seria avisado da minha parte estar a discutir um processo negocial quando ele está a acontecer.

R O sucesso é indubitavelmente um desígnio e tem de ser um desiderato das nossas escolas. Por outro lado é dito por todos — pela academia e por quem trabalha nas escolas — que os chumbos não são positivos: têm um custo anímico, social e financeiro im-portante. Mas nós vamos lutar contra o insucesso escolar sem nunca pôr em causa a exigência. As nossas comuni-dades educativas nunca permitirão pôr isso em causa e os resultados do PISA mostram-no.

PP PediuPàsPescolasPparaPdefiniremPelasPprópriasPosPseusPplanosPdePpromoçãoPdePsucesso.PGarante-lhesPosPmeiosPparaPosPporemPemPprática?

R Há verbas comunitárias para esses programas e estamos a dar instrumen-tos às escolas para poderem trabalhar. Como é o caso das tutorias, em que os alunos com dificuldades não são segregados, continuam nas turmas de origem, de onde nunca deviam ter saído, e têm o apoio de tutores, que estão a receber formação específica.

PP AsPescolasPmaisPsobrelotadasPtam-bémPpedemPaPreduçãoPdoPlimitePmá-ximoPdePalunosPporPturma.PAPmedidaPestáPprometidaPnoPprogramaPdoPGo-verno.PMasPentretantoPencomendouPumPestudoPparaPavaliarPosPimpactosPpedagógicosPePfinanceiros.PSePaPmedi-daPforPcaraPePineficaz,PoPquePfaz?

R O anterior governo aumentou esse limite e essa mudança é identificada por todas as comunidades educativas como algo que é importante corrigir. Este ano já permitimos mais desdo-bramentos de turma nas línguas e nas ciências experimentais, de forma a que os professores possam trabalhar com grupos mais pequenos. O núme-ro médio das nossas turmas em Por-tugal é de 21,4 alunos. Mas também sabemos que há escolas em grandes centros urbanos que efetivamente estão no limite. Com este estudo e um debate no Parlamento e com os

“MUITASPDASPPOLÍTICASPADOTADASPPENTREP2011PEP2015PNÃOPTIVERAMPNENHUMPTIPOPPDEPREFLEXOPNOSPRESULTADOSPPDOPPISAPDOPPANOPPASSADO”

“FAZERPPARTEPDESTEPGOVERNOPPÉPUMPPRIVILÉGIO.PFAZERPPARTEPDESTAPSOLUÇÃOPPARLAMENTARPPÉPUMPGRANDEPDESAFIO”

RANKING DAS ESCOLAS EXPRESSO/SIC >>

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Educação: o seu melhor investimento.Ano letivo inscrições abertas

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 05 PRIMEIRO CADERNO

PP Goste-sePouPnãoPdaPpublicaçãoPdosPrankings,PoPquePéPfactoPéPquePtodosPosPanosPsePrepetemPnoPfundoPdaPtabelaPescolasPondePosPalunosPnãoPvãoPalémPdosP7,P8PvaloresP(numaPescalaPatéP20).POsPrankingsPnãoPdeviamPservirPparaPassinalarPessesPestabelecimentosPePgarantirPmaisPapoios?PP

R A primeira coisa que quero dizer é que o Ministério da Educação não faz rankings, nem faz seriação das escolas. Uma listagem de escolas em sentido abstrato não tem muito signi-ficado. Tenho de dizer que não sou fã dos rankings.

PP MasPnãoPéPimportantePterPaPinfor-maçãoPsobrePcadaPuma?

R Saber se uma escola está na posi-

ção 300 ou 500 não é importante. Mas como sabemos que a comuni-cação social vai fazer essas listas, a nossa preocupação é aumentar o número de variáveis de contexto e de elementos que possam valorizar outros estudos. Mas também temos de entender que se houvesse um ranking para o trabalho de inclusão ou do contributo para a mobilidade social muitas dessas escolas deixa-riam de estar no fim da lista, por-que fazem um trabalho fantástico. O Expresso alguma vez se perguntou quais as que trabalham melhor essas questões, quais é que dão uma edu-cação mais humanista, quais as que conseguiram mais atletas as nível a internacional?

PP MasPessesPdadosPnãoPestãoPdisponí-veis.PAtéPháPpoucoPtempoPapenasPhaviaPasPmédiasPnosPexamesPnacionais.

R Por isso não podemos analisar da mesma forma aquilo que é diferen-te. Comparar escolas onde a propina mensal é de 500 euros com escolas situadas em meios socioeconómicos complexos não tem nenhum sentido. O importante é alargamos a gama do que queremos valorizar na escola é isso que estamos a fazer.

PP QuePbalançoPfazPdestePprimeiroPanoPàPfrentePdoPMinistérioPdaPEducação?

R Claramente positivo.

PP OPquePdestacaPcomoPmaisPpositivo? R Várias dimensões. Mais do que tudo

é um compromisso de vida que assumi, não uma aventura. Fazer parte deste Governo é um privilégio; fazer parte desta solução parlamentar é um gran-de desafio. E cada momento de desafio foi acrescentando algo à atuação, não a diminuiu. Ter a capacidade de co-nhecer com minúcia muitas das nossas comunidades educativas, experiênci-as como hoje tive e outras bem mais institucionais que tenho nas escolas, fazem-me acreditar cada vez mais que são elas que têm a chave do sucesso do nosso sistema, obviamente coad-juvadas por quem toma as decisões. Conhecer as nossas escolas, os nossos docentes, o compromisso dos nossos estudantes, tudo isto teve ao longo deste ano a capacidade de despertar

um compromisso cada vez maior com aquilo que estou a fazer.

PP AoPlongoPdestePanoPforamPmuitasPvezesPosPseusPsecretáriosPdePEstadoPaPdarPaPcaraPpelasPopçõesPpolíticas,PaPjustificarPasPmedidasPnaPtelevisãoPePnosPjornais.PIncomoda-oPaPexposiçãoPpúblicaPquePvemPcomPoPcargo?

R Não. Mas este é um trabalho mara-toniano. E como numa boa equipa cada um vai assumindo as suas posições e os seus momentos. Eu tinha outra vida (enquanto investigador em Cambrid-ge) que teve um ponto de inflexão que começou numa campanha eleitoral de combate político, continuou no Parla-mento no combate político e acontece agora no Governo no projeto político ao qual pertenço. Estou coadjuvado por uma equipa em que confio e que nas questões de especialidade muitas vezes assume a liderança que tem de assumir.

PP QuePmarcaPquerPdeixar? R Não tenho nenhum ímpeto de dei-

xar uma marca identitária no sistema educativo para que no dia de amanhã haja um período que possa ter associ-ado o meu nome. Se puder trabalhar para a promoção do sucesso escolar e garantir que a escolaridade obriga-tória seja efetivamente cumprida sei que vou poder olhar para trás com o mesmo orgulho como olho para as etapas anteriores da minha vida.

[email protected]

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O ministro é um apaixonado por desporto. Praticou karaté e andebol. E assegura que quando era mais novo conseguia dar mais de cem toques de cabeça.

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Expresso, 17 de dezembro de 201606 PRIMEIRO CADERNO

ESCOLAS QUE MAIS PROMOVERAM O SUCESSOIndicador calculado pelo ME, média dos últimos 3 anos.

Públicas191.640

EXAMES NACIONAISProvas em 1ª fase, só alunos internos

Privadas28.854

Total

220.494

12,1010,67

14,68

EXAMESMédias nacionais

PúblicasPrivadas

NOTAS INTERNASMédias nacionais

PúblicasPrivadas

13,55

AS DEZ ESCOLAS COM AS MÉDIAS MAIS ELEVADAS DE 2016Mínimo de 100 provas.

Mais alta

12,26Arruda dos Vinhos

MÉDIAS POR CONCELHOS

Mais baixa

6,55Pampilhosa da Serra

RESULTADOS

Chumbos no 12º ano (2015)

30%

Notas 20 em exame (de 19,5 a 20 valores)

1869

1 3 Esc. Básica e Sec. D. Filipa de Lencastre Lisboa 553 12,702 2 Esc. Sec. Infanta D. Maria Coimbra 785 12,633 4 Esc. Básica e Sec. Clara de Resende Porto 536 12,434 1 Esc. Sec. do Restelo Lisboa 811 12,405 7 Esc. Sec. Garcia de Orta Porto 849 12,376 29 Esc. Sec. Alves Martins Viseu 1853 12,377 9 Esc. Sec. José Falcão Coimbra 686 12,348 6 Esc. Sec. de José Gomes Ferreira Lisboa 951 12,339 36 Esc. Sec. de Porto de Mós Porto de Mós 199 12,2710 64 Esc. Sec. Nuno Álvares Castelo Branco 644 12,21

PÚBLICAS

1 1 Colégio N. Sra. do Rosário Porto 492 15,202 5 Colégio St. Peter’s School Palmela 193 14,843 16 Salesianos do Estoril — Escola Cascais 396 14,504 7 Colégio D. Diogo de Sousa Braga 598 14,505 4 Colégio S. João de Brito Lisboa 367 14,406 12 Colégio Oficinas de S. José Lisboa 658 14,347 3 Colégio Luso-Francês Porto 285 14,338 15 Colégio Valsassina Lisboa 238 14,189 - Colégio Terras de Stª Maria Sta. Mª da Feira 122 14,1410 24 Colégio Maristas de Carcavelos Cascais 404 14,06

PRIVADAS

Esc. Básica e Sec. de Vila Cova Barcelos 84 53,6% 21,8%Colégio N. Sra. do Rosário Porto 363 87,1% 19,6%Colégio da Rainha Stª Isabel Coimbra 277 83,8% 18,2%Esc. Básica e Sec. de Arga e Lima, Lanheses Viana do Castelo 122 43,4% 17,0%Colégio St. Peter’s School Palmela 160 70,0% 15,8%Colégio das Terras de Stª. Maria Sta. Mª da Feira 66 87,9% 15,3%Colégio Luso-Francês Porto 235 77,9% 15,1%Esc. Sec. de Arganil Arganil 166 45,2% 14,5%Colégio de S. Miguel de Fátima Ourém 227 55,9% 14,0%Colégio Novo da Maia Maia 106 77,4% 13,8%Esc. Sec. de Porto de Mós Porto de Mós 180 56,7% 13,4%Esc. Básica e Sec. Joaquim Inácio da Cruz Sobral Sobral de Mte. Agraço 123 41,5% 13,3%Colégio Amor de Deus Cascais 284 57,4% 13,3%Colégio Marista de Carcavelos Cascais 310 71,3% 13,2%Externato Marista de Lisboa Lisboa 359 71,6% 12,9%Colégio CEBES Porto 89 47,2% 12,8%Colégio D. Diogo de Sousa Braga 414 78,5% 12,6%Colégio Valsassina Lisboa 202 68,3% 12,6%Esc. Sec. Henrique Medina Esposende 591 45,9% 12,5%Instituto de Ciências Educativas Odivelas 155 52,3% 12,3%Esc. Sec. de Póvoa de Lanhoso Póvoa de Lanhoso 360 39,4% 12,1%Colégio de N. Sra. da Bonança Vila Nova de Gaia 89 52,8% 12,1%Colégio Guadalupe Seixal 86 58,1% 12,0%

PROVAS MÉDIACONCELHO2016 | 15

PROVAS MÉDIACONCELHO2016 | 15

ALUNOS NA AMOSTRA

PERCURSOS COM SUCESSOCONCELHO

DIFERENÇA PARA A MÉDIA NACIONAL*

ESCOLAS PÚBLICAS ESCOLAS PRIVADAS

RapazesRaparigas

Rapazes Raparigas

10,9510,73

13,44

RAPAZES VS. RAPARIGASMédia de exame

Notas internas

13,90

FONTE: JÚRI NACIONAL DE EXAMES E EXPRESSO * DIFERENÇA ENTRE A % DE PERCURSOS DE SUCESSO DA ESCOLA E A MÉDIA NACIONAL DE PERCURSOS DE SUCESSO ENTRE ALUNOS COM NÍVEL SEMELHANTE.

AS ESCOLAS SOMBREADAS SÃO AS QUE COINCIDEM NO TOPO DOS DOIS INDICADORES: NÃO SÓ TÊM AS MELHORES MÉDIAS COMO FORAM AS QUE MAIS MELHORARAM O PERCURSO DOS SEUS ALUNOS

Quando os últimos são os primeiros

Isabel Leiria

Qual é a melhor es-cola? A que con-segue apresentar as médias mais altas nos exa-mes nacionais? Ou aquela onde,

independentemente da clas-sificação final, os alunos mais progrediram ao longo do ciclo de ensino, comparando com os colegas que anos antes apre-sentavam nível semelhante? O Ministério da Educação acredi-ta, e não está só nesta opinião, que o trabalho feito pela se-gunda escola merece bastante mais destaque. E o facto é que se os estabelecimentos de ensi-no fossem ordenados por este indicador, calculado este ano pela primeira vez pela tutela para o secundário, as habituais listas absolutamente domina-das pelos privados mudavam de figura. Não de forma radical, já que são vários os colégios que se repetem numa e nou-tra, numa confirmação do seu mérito próprio, como é o caso do Nossa Senhora do Rosário (Porto), o campeão indiscutível dos últimos anos. Mas outros estabelecimentos de ensino condenados ao ‘anonimato’ do

meio da tabela brilham tam-bém nesta nova ordenação.

O Ministério de Tiago Bran-dão Rodrigues não se tornou um súbito adepto dos rankin-gs, mas decidiu este ano dar uma ajuda para os melhorar e facultou este novo indicador “mais justo”. De acordo com este critério, a escola número 1 do país não é privada, mas pú-blica; não fica em Lisboa, Porto ou Coimbra, mas em Barcelos. Os seus alunos não são ricos e os seus pais não têm grandes habilitações. A média nos exa-mes fica-se pelos 11,8 valores. Então o que tem a Escola Bá-sica e Secundária de Vila Cova de especial? Foi aquela que, no conjunto dos últimos três anos, mais ajudou os alunos a ter su-cesso quando comparados com os colegas de nível semelhante nas restantes escolas do país.

As secundárias de Arga e Lima (Viana do Castelo), Ar-ganil, Porto de Mós, Sobral de Monte Agraço, Henrique Me-dina (Esposende) ou de Póvoa de Lanhoso são outras que se destacam. E que não tinham qualquer hipótese de apare-cer nos lugares cimeiros num ranking que apenas usasse as médias nos exames. O caso de Póvoa do Lanhoso é o exemplo máximo: ordenada apenas pe-

las notas surge em 408º lugar no ranking do Expresso (esco-las onde se realizou um míni-mo de 100 provas). Ordenado pela promoção do sucesso salta para um honroso 21º. Apesar de apenas 39% dos seus alu-nos terem percursos limpos no secundário, a média nacional para estudantes que partiram com o mesmo nível é de 27%.

Comparar o comparável

O Ministério chama-lhe indica-dor de “percursos de sucesso” e considera-o o “mais robusto” de que dispõe para “analisar o sucesso escolar dos alunos nas escolas públicas e privadas”. Isto porque combina avalia-ção interna e externa: quantos alunos fizeram o secundário limpo, sem chumbarem no 10º e no 11º, e tiveram positiva nos dois exames do 12º e porque “compara o comparável”. Ou seja, a percentagem de sucesso numa escola não é comparada com a média nacional de todos os alunos, mas com o que acon-teceu com os colegas do país que, três anos antes, no final do 9º, tinham um nível escolar semelhante.

Por outras palavras: o valor de sucesso obtido numa escola que só receba alunos com notas

altas vai ser comparado com o valor registado nas que recebe-ram uma população semelhan-te em termos de notas. Quem tiver a tentação de chumbar os jovens que podem manchar a fotografia nos anos de exames passa a sair-se mal nestas lis-tas. E os últimos podem ser os primeiros, desde que os seus alunos melhorem.

Identificar primeiro e per-ceber depois o que é que estas escolas fazem para promover mais percursos de sucesso do que seria de esperar — olhando para as suas semelhantes — é uma das várias análises possí-veis e que permitem ir além da visão mais redutora que sempre foi apontada aos rankings. Este indicador também está dispo-nível para o 3º ciclo do básico. Mas há mais. A partir dos dados que têm sido disponibilizados em cada vez maior número pela 5 de Outubro, é possível saber

que escolas, ano após ano, têm melhores resultados do que aquilo que o contexto em que se inserem permitiria esperar. Ou quais as que levam os alu-nos a melhorar nos exames do secundário face ao que tinham conseguido nos do 9º ano.

Uma das escolas que se sai muito bem em todos estes in-dicadores é a Secundária de Arganil, no distrito de Coim-bra. Nem sempre foi assim, recorda Fernando Antunes, subdiretor do agrupamento. “Há uns três, quatro anos co-meçámos a entrar no top 100. Mas foi um trabalho que co-meçámos a fazer há 10 anos”, revela. Nessa altura a tendên-cia era para aceitar o que se considerava incontornável, o “peso da interioridade”, das baixas habilitações dos pais, do nível socioeconómico. Mas Fernando Antunes não acei-tava baixar os braços. “Olhava

Exames e notas O Ministério da Educação disponibilizou um novo indicador que mostra as escolas que mais promoveram o sucesso. E é uma pública, de Barcelos, que mais se destaca. As listas completas estão em expresso.pt

RANKING DAS ESCOLAS EXPRESSO/SIC >>

para os concelhos à volta e via que Tábua, por exemplo, tinha melhores notas que nós. E não há outra forma de dizer isto: começámos a trabalhar para os exames. Formámos equi-pas com o que considerávamos ser os melhores professores e passaram a dar sempre as dis-ciplinas sujeitas a exame, nos cursos gerais. Reforçámos os apoios aos alunos. No final do ano há dias para tirar dúvidas.”

Mas não são só as escolas públicas que têm o exclusivo do mérito. Entre as privadas, ainda que escolham os seus alu-nos e contem, regra geral, com populações mais privilegiadas, também há as que “maximi-zam em alto grau o potencial de jovens que, em média, eram já bastante bons”, reconhece o Ministério numa explicação a estes dados. É o caso de co-légios como o St. Peter’s (Pal-mela), o Terras de Santa Maria

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 07 PRIMEIRO CADERNO

Inglês com a melhor médiaNOTAS Foi na disciplina de Inglês que os alunos con-seguiram a melhor mé-dia de exame em 2015/16, com 13,18 valores. Pelo contrário, com a média mais baixa ficou História A (9,49). Francês está também no fundo da lista, com uma média negativa (9,81), pior que Filosofia (10,71). Português A ficou nos 10,82, abaixo dos 11,17 de Matemática A.

Dados traduzem contrastes sociaisDESIGUALDADE Um dos indicadores do Ministé-rio da Educação é sobre o apoio da ação social esco-lar (ASE) nas escolas. Os contrastes são claros. As escolas de Resende, em Viseu, têm 84% dos alu-nos a receber apoio. Já as de Esmoriz (Ovar) apa-recem no outro extremo, com 1,3% dos alunos nessa situação.

41é o número de notas entre 19,5 e 20 valores que a Secundária Alves Martins em Viseu conseguiu nos exames, tornando-se a secundária com mais ‘vintes’.

RECORDISTAS

Colégio Novo da Maia (Porto)4,31 de média 1ª posição no ranking das escolas com 50 ou mais provas

Escola D. Manuel I (Beja)3,75 de média Escola pública com a média mais alta nos exames do 9º

Colégio do Vale (Almada)25,9% acima da média Escola privada que mais promoveu o sucesso ao longo do 3º ciclo, comparando com a média nacional de alunos que há três anos estavam no mesmo nível

EB nº 2 de Pampilhosa (Mealhada)21,3% acima da média Escola pública que mais se destacou no indicador de promoção do sucesso, calculado pelo Ministério

O ranking do ensino básico, elaborado pelo Expresso a partir das médias nas escolas onde se realizaram pelo me-nos 50 provas, traz este ano uma surpresa: é em Beja que fica a escola pública com me-lhores resultados nos exames nacionais do 9º ano. Com uma média de 3,75 (escala de 1 a 5), a Escola Secundária com 3º ciclo D. Manuel I apenas foi ultrapassada por estabeleci-mentos privados — 31 ao todo. O resultado surpreende não só por esta se situar no interior do país, normalmente arreda-do dos primeiros lugares, mas também pela evolução regista-da nos últimos anos: entre 2013 e 2016 melhorou 308 posições nestas listas.

Os resultados são fruto de medidas aplicadas para promo-ver o sucesso escolar, especial-mente nos níveis mais baixos de escolaridade, explica a di-retora do agrupamento, Maria José Chagas. “Temos de come-çar a trabalhar desde cedo e não apenas quando sentimos dificuldades. Por isso desen-volvemos um plano de acom-panhamento aos alunos do 1º e 2º ciclo, assente em apoios e tutorias.”

O Gabinete de Apoio aos Exa-mes, a existência de um corpo docente estável (os professores acompanham as turmas do 7º ao 12º) e o interesse e motiva-ção dos alunos e famílias per-mitiram também fazer frente aos desafios de um agrupamen-to com grande diversidade e cerca de 2600 alunos, acres-centa Manuel Covas Lima, pro-fessor de Matemática.

No total das 1055 escolas

Beja tem a escola pública com os melhores resultadosMetade das escolas teve média positiva nos exames do 9º ano. A escola D. Manuel I, em Beja, lidera as públicas

consideradas, quase metade (46%) teve média negativa (abaixo dos 3 valores) nos exames, com a Básica Pintor Almada Negreiros (Lisboa) e a Secundária Seomara da Costa Primo (Amadora) no fundo da lista.

Olhar para as origens

Uma crítica recorrente aos rankings é o facto de cria-rem uma seriação de esco-las em função dos resultados dos exames, sem considerar o seu contexto e evolução. Foi por isso que o Ministé-rio da Educação (ME) criou um indicador (promoção do sucesso) que combina as avaliações interna e externa, para medir a percentagem de alunos que concluíram o 9º ano sem chumbos no 3º ciclo e com positiva nas duas provas nacionais, Português e Matemática.

Em quase 80% das escolas (845) mais de metade dos alu-nos chumbaram pelo menos uma vez ao longo do 3º ciclo ou tiveram negativa nas pro-vas nacionais. Um resultado que contrasta com os 16 esta-belecimentos de ensino onde pelo menos 90% dos estudan-tes nunca chumbaram no 3º ciclo, nos quais se inclui uma escola pública, a Secundária Infanta D. Maria, em Coim-bra: nos últimos dois anos le-tivos, uma média de 91% dos alunos concluíram o 3º ciclo sem retenções.

Mas não é suficiente olhar para dentro, é preciso com-parar os estudantes de um es-tabelecimento de ensino com os alunos do resto do país que entraram no 7º ano com o mesmo nível escolar, não es-quecendo assim o seu contex-to social e económico. “Levar em conta o nível dos alunos

que a escola recebe à entrada do 3º ciclo (...) é mais justo para a escola e não incentiva a seleção de alunos”, defende o ME no portal InfoEscolas, onde podem ser consultados estes e outros dados de con-texto e progressão.

A Escola Básica nº 2 da Pam-pilhosa, na Mealhada, é um bom exemplo. Apesar de estar no meio dos rankings que con-sideram apenas as médias nos exames, é a segunda escola do país (e a primeira pública) onde os alunos agora no 9º ano mais evoluíram ao longo do ciclo. Ou seja, a percentagem de percur-sos de sucesso está 21,3% acima da média nacional, calculada para alunos que tinham um ní-vel semelhante três anos antes. O diretor do agrupamento da Mealhada, Fernando Trindade, destaca o mérito das “equipas pedagógicas, alunos e famílias” para os resultados.

A “promoção do sucesso” permite assim esbater o fosso entre público e privado. Se se olhar apenas para o resulta-do dos exames não é possível encontrar uma única escola pública no top 20. Com este indicador, são oito as públicas no topo da lista.

Maria João [email protected]

Ensino Básico Em quase 80% das escolas mais de metade dos alunos chumbaram pelo menos uma vez no 3º ciclo ou tiveram negativa nos exames

METODOLOGIA 2016

OS DADOS DO MINISTÉRIO Desde 2001 que, todos os anos, o Ministério da Educação (ME) disponibiliza as bases de dados do Júri Nacional de Exames com as classificações internas e externas, obtidas por todos os alunos que realizaram exames na 1ª fase, em cada uma das escolas portuguesas, em território nacional e no estrangeiro. Em 2015/16, e com a extinção das provas nacionais no 4º e no 6º, apenas se realizaram exames obrigatórios no 9º e no secundário (11º e 12º anos). De há uns anos a esta parte, o Ministério também começou a disponibilizar alguns indicadores de contexto (só para as escolas públicas do continente), como a percentagem de alunos subsidiados pela ação social escolar, as habilitações dos pais, número de docentes nos quadros ou taxas de retenção. Estes dados permitem perceber o contexto, mais ou menos favorável, em que as escolas trabalham.No portal infoescolas encontra ainda outros indicadores que permitem aferir a progressão dos resultados, nomeadamente o novo indicador de promoção do sucesso, inflação de notas,

taxas de retenção ou a evolução por disciplina.

A ANÁLISE DO EXPRESSOÉ a partir destas bases de dados que o Expresso e outros órgãos de comunicação social constroem os rankings. Cada um estabelece os seus critérios e é por isso que as posições das escolas não são coincidentes, No caso do ranking do Expresso, são tidas em conta apenas as notas nos exames obtidas pelos alunos internos (que frequentaram as aulas durante todo o ano) nas secundárias onde se realizaram 100 ou mais provas. No caso do básico, o limite mínimo é 50. É que não tem o mesmo valor uma escola que apresenta uma média alta fruto dos resultados de meia dúzia de alunos e outra onde se realizaram centenas ou milhares de provas. No site pode consultar as listas incluindo todas as escolas (sem limite de provas), ordená-las dentro do mesmo concelho, distrito, natureza institucional ou de acordo com o novo indicador de promoção de sucesso calculado pelo Ministério e ainda aceder a alguns dados de caracterização e notas por disciplina.

69% das secundárias conseguiram médias

de 10 ou mais valores. A hegemonia dos

colégios nos rankings acentuou-se

FOTO JOSÉ CARLOS CARVALHO

RANKING DAS ESCOLAS EXPRESSO/SIC >>

(Feira), o Luso-Francês (Por-to), o D. Diogo de Sousa (Bra-ga), Maristas de Carcavelos ou o Valsassina (Lisboa). Todos eles se repetem nos rankin-gs das médias absolutas e da promoção do sucesso — estão assinalados nas listas em baixo.

O recorde de Viseu

Este ano, 69% das secundárias conseguiram médias nos exa-mes nacionais de 10 ou mais valores, tal como em 2015. O que se acentuou ainda mais foi a hegemonia dos colégios priva-dos nos primeiros lugares deste ranking que olha apenas para as notas externas. Em 2013 havia 20 estabelecimentos públicos no top 50. De então para cá, o número reduziu primeiro para 16, depois para 13 e este ano resumem-se a nove. Na lista do Expresso (escolas onde se rea-lizaram mais de 100 provas), o Filipa de Lencastre, em Lisboa, estreia-se como número um.

Outra novidade é o apareci-mento de duas escolas do in-terior no top 10 das públicas: a Secundária Alves Martins, em Viseu, e que detém tam-bém o recorde da secundária onde mais alunos (41) têm no-tas entre 19,5 e 20 valores nos exames; e a Secundária Nuno Álvares, em Castelo Branco.

Num país inclinado para o litoral, destaque também para o distrito de Viseu que, graças ao bom desempenho de escolas na capital, mas também nos municípios de Sátão, Man-gualde, Vila Nova de Paiva e Penalva do Castelo apresenta a melhor média a nível distrital. No 9º ano, foi a cidade de Beja a surpreender, com a Escola D. Manuel I a apresentar a mé-dia mais alta a Matemática e a Português.

Mas nem só de surpresas po-sitivas se fazem os rankings. Há quem os critique porque estig-matizam escolas que têm uma tarefa particularmente difícil em virtude do meio em que se inserem e das populações que recebem. Estabelecimentos em que a prioridade não é de certeza levar os alunos ao topo dos rankings, mas aprenderem o mínimo exigível. A questão é saber se todos se devem re-signarem às dificuldades ou se estas escolas que se repetem no fim da tabela não deviam merecer mesmo uma atenção especial da 5 de Outubro.

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Expresso, 17 de dezembro de 201608 PRIMEIRO CADERNO

A PÚBLICA COM A MÉDIA MAIS ALTA

EscolaFilipa de Lencastre

Pela primeira vez nos últimos anos, a Escola Secundária D. Filipa de Lencastre é a pública com melhor média nos exames nacionais do secundário (12,7 valores). Um resultado que a diretora do agrupamento vê com pouca surpresa: “Já sabíamos que tínhamos bons resultados.” A escola localizada no Arco do Cego tem galgado posições no ranking do Expresso (que considera apenas as escolas com mais de 100 provas), ficando este ano em 32º lugar, apenas atrás de estabelecimentos privados. Apesar de ficar satisfeita com os resultados, Laura Medeiros não os sobrevaloriza. “Os exames são consequência de um ano inteiro. Não trabalhamos para e pelos exames.” É por isso que procuram transmitir um conjunto de competências “para a vida”, saindo dos livros e das salas de aula através de atividades curriculares e extracurriculares: desportivas (esgrima, xadrez, entre outras), solidárias ou especializadas (como os clube de robótica ou o programa Job Shadowing, que leva os alunos a serem a ‘sombra’ de um profissional durante um dia). Mas os professores do Filipa têm parte do trabalho facilitado: a escola é a terceira do país onde as mães têm mais anos de escolaridade (uma média de 15,25 anos) e apenas 5,7% dos estudantes estão abrangidos pela ação social escolar, uma das percentagens mais baixas do país. M.J.B.

A PRIVADA COM A MÉDIA MAIS ALTA

Colégio do Rosário

À medida que os anos vão passando, o Colégio Nossa Senhora do Rosário (Porto) vai somando vitórias. Em cinco dos últimos sete anos, a escola privada da Avenida da Boavista conseguiu a média mais alta nos exames nacionais do secundário, de acordo com o ranking do Expresso, que ordena os estabelecimentos onde se realizaram 100 ou mais provas. A fórmula para este sucesso? A qualidade e continuidade dos professores, o empenho dos alunos e as fasquias de excelência, explica a irmã Teresa Nogueira, diretora do colégio. Sem ter testes de seleção de alunos, são os €500 de mensalidade que assumem essa função. O contexto socioeconómico favorável dos estudantes não pode ser deixado de parte na análise dos resultados. Mas professores e alunos não se acomodam àquilo que já têm. A escola tem um bom indicador de promoção do sucesso no secundário: 19,6% acima da média nacional, calculada para os estudantes que à entrada do secundário tinham um nível semelhante. Mas nem tudo são rosas no colégio da congregação Sagrado Coração de Maria: os professores das cinco turmas do secundário estiveram entre aqueles que deram notas de classificação interna que mais se afastaram dos resultados que os alunos obtiveram nos exames nacionais. M.J.B.

O triunfo do campo sobre a cidade

Isabel Paulo

Quando, há 16 anos, Alberto Rodrigues foi convidado a diri-gir a Escola Básica e Secundária de Vila Cova, em Barcelos, as médias andavam no fundo das ta-belas nacionais. O

então professor de Educação Física deste agrupamento localizado a 10 quilómetros de Barcelos, no campo, perguntou aos pais e alunos se que-riam estar entre as boas escolas ou entre as más. Escolheram o lado do pão que tem a manteiga, começando a subir nas listas.

E foi sem espanto que receberam este ano o título de melhor escola pú-blica no índice da promoção do su-cesso, com uma diferença de 21,8% em relação à média nacional. Alberto Rodrigues não gosta de falar de es-tratégias de sucesso, numa escola em “cada aluno é um aluno”. Ao todo são 700 e a atitude incutida nos jovens é a de que não se inibam de abordar o di-retor e os professores nos corredores.

Na EB2/3 de Vila Cova há mais de 10 anos que a grande aposta gira em torno dos livros. “Um bom leitor é um bom aluno”, diz o diretor que depres-sa percebeu que se não fosse a escola a facultá-los poucos teriam um livro à cabeceira.

Num contexto social de baixa es-colaridade dos pais (a maioria tem menos do 9º ano), muitas mães são operárias têxteis e os pais empregados na construção civil. Mais de metade dos alunos do básico e do secundário são apoiados pela ação social escolar.

Numa geração virada para as novas tecnologias, Alberto Rodrigues optou por inovar, dotando a biblioteca de e-readers, com capacidade até mil

livros, que podem ser requisitados e levados para casa. Portáteis e tele-móveis não são proibidos nas aulas. “São a roupagem deles”, admite o professor, contando que o projeto de Escola Virtual já valeu ao agrupamen-to um prémio de €15 mil da Fundação Calouste Gulbenkian e €20 mil do Montepio, destinados à instalação da Sala do Futuro, que rompe com o modelo tradicional de carteiras ali-nhadas, em que o professor debita e o aluno ouve ou não.

“As aulas têm de ser interativas e o professor um orientador dos saberes, transmitindo mais do que conteú-dos formas de os pesquisarem, hoje a chave da sobrevivência profissio-nal”, afiança Paulo Faria, professor de Português, crítico de salas que não mudam há 200 anos, apesar das re-novações da Parque Escolar. “Falta mudar o paradigma, tirar partido dos tablets”, diz, referindo que acaba as aulas com um quiz em suporte digital que lhe permite saber o que os alunos retiveram da matéria. Fátima Ponte, 16 anos, aluna do 11º, sonha ser profi-ler criminal, anda a ler “Inferno”, de Dan Brown, ao qual acedeu através da rede Pinterest da escola, antes de ver o filme nas férias. Pedro Lopes, colega de turma, aprecia na escola a facilida-de com que tira dúvidas em rede com os professores e colegas. “São aulas fora da sala”, diz o candidato a Enge-nheiro Informático “se tiver médias”, explica o filho de uma operária têxtil e de um trabalhador da construção civil emigrado na Córsega.

Entre a serra e o rio

No agrupamento de Arga e Lima, o segundo público no pódio do índice de promoção do sucesso, 17% acima da média do país, voltou a não sur-preender o diretor Agostinho Gomes, acostumado à fama de bons alunos da

escola da pacata freguesia de Lanhe-ses, no concelho de Viana de Castelo.

Mais conservador do que o líder da escola de Vila Cova, o professor que trocou o ensino de História pela dire-ção há 27 anos não admite telemóveis nas salas, nem teme as críticas de o seu ensino ser “à moda antiga”. Aos repa-ros responde com resultados: taxas de retenção muito baixas (de 3% no 10º ano) e 60% dos cerca de 170 alunos do secundário a ingressarem no ensino superior no curso de primeira opção. Não tem fórmulas mágicas, até porque acredita que “na mesma fornada nem todos os pães saem iguais”, mas reco-nhece que ajuda conhecer pelo nome boa parte dos alunos e ter um quadro estável de docentes. Outro dos seus lemas incentiva todos os professores a ensinarem português, sejam de Física, Matemática ou Biologia.

Dentro dos muros do agrupamento partilham o mesmo recreio 560 alu-nos, do pré-escolar ao 12º ano, des-mentindo “os temores infundados” de pais e avós que não viam com bons olhos o convívio entre miúdos e graú-

dos. “Respeitar para ser respeitado é a cartilha repetida desde pequeni-nos”, lembra Agostinho Gomes, orgu-lhoso dos raros casos de indisciplina numa escola “humanizada, asseada, ajardinada” a dez quilómetros de Pon-te de Lima. À volta há a quietude do vale, delimitado pela Serra de Arga e o rio Lima . “A ausência de distrações acaba por ser uma vantagem sobre as escolas das cidades”, afiança, embora os mil habitantes de Lanheses, como os das aldeias em redor, vivam longe do paraíso. “O meio é pobre, os ca-sais jovens auferem salários baixos, muitos estão desempregados ou rece-bem subsídios de reinserção social”, sublinha.

O apoio da autarquia

Para compensar a falta de recursos dos pais, há anos que os mais novos recebem mochilas com livros, incen-tivam-se os mais velhos a levar livros da biblioteca e a frequentar oficinas de treino de Física e Matemática. Na es-cola que acolhe alunos de três fregue-sias próximas, o transporte escolar “é eficaz” e o horário letivo, das 8h30 às 17 horas, “favorável” à aprendizagem.

“Alguns pais queriam que os filhos ficassem aqui ainda mais tempo, mas nestas idades o convívio familiar é essencial, tal como as atividades ex-tracurriculares”, refere Agostinho Gomes. A menos de 20 quilómetros da marítima Viana, na EB 2/3 de Agra Lima privilegiam-se os desportos náuticos, com a Câmara a subsidiar o acesso às piscinas das crianças do 1º ciclo, enquanto os alunos do 2º e 3º ciclo praticam sem custos vela, remo ou surf. Visitas de estudo e viagens a Lisboa, Madrid, Paris ou Roma são também estimuladas, pagas com re-ceitas da escola. “É bom incentivá-los a sair do buraco”, conclui o diretor.

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A escola Vila Cova disponibilizou

e-readers com capacidade

para mil livros aos alunos

FOTO RUI DUARTE SILVA

Secundário A escola de Vila Cova (Barcelos) lidera o ranking da promoção do sucesso. A aposta nas tecnologias e a proximidade com os professores leva os alunos a chegar mais longe do que os pais

RANKING DAS ESCOLAS EXPRESSO/SIC

O SUCESSO ESCOLAR NÃO TEM FÓRMULA CERTA. NUMA DAS ESCOLAS REINA O DIGITAL, NOUTRA AINDA PREVALECE O MÉTODO ANTIGO

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 09 PRIMEIRO CADERNO

MiguelSousaTavares

da burocracia, que levem os espanhóis a desejar ir-se em-bora daqui. Em vez disso, ofe-receram-lhes, de mão beijada, o Banif. Litigamos contra eles em Londres e convidamos-los a servirem-se dos despojos aqui.

3 Não consigo perceber como é que um ministro das Fi-nanças (aparentemente,

Teixeira dos Santos, do gover-no Sócrates), não cura de saber como é que estão a ser financi-adas as empresas públicas ou, sabendo-o, deixa andar. Mas também não consigo entender como é que Maria Luís Albu-querque — que, ao que vi escrito à época e nunca desmentido, terá sido uma das administra-doras de EP que assinaram contratos swap — ainda se per-mite chegar-se à frente e dar sentenças condenatórias sobre estes temas. É verdade que ela negociou várias revisões destes contratos, com isso permitindo baixar a factura final. Mas a sua recusa em chegar a um acordo com o Santander, por pior que fosse, pode vir a custar-nos um brutal custo acrescido, entre juros acumulados, despesas judiciais e honorários dos ad-vogados que têm patrocinado as nossas sucessivas derrotas nos tribunais ingleses. Se a isso se juntar o custo do financia-mento de 1100 milhões ao Banif e depois mais o custo de 2500 milhões da sua falência, o custo da resolução do BES, que irá ficar próximo do total injectado (4900 milhões), o custo equi-valente da recapitalização da Caixa, que ela deixou tranquila-mente ir acumulando prejuízos

administradores e o nome dos advogados que os assessoraram fossem tornados públicos. Para que os primeiros nunca mais pudessem gerir coisa pública e os segundos nunca mais fossem contratados pelo Estado.

2 A taxa de juro dos swaps em posse do Santander-Totta e sobre os quais se mantém o

litígio com o Estado português varia actualmente entre os 30 e os 92%. É pura e simples pira-taria. É uma exploração ignóbil da imbecilidade e incompetên-cia. No mínimo exigível, o Es-tado português deveria fazer a vida num inferno ao Santander. Admito que não poderia chegar ao ponto de lhe retirar a licença bancária, mas, até chegar aí, há um sem-número de coisas que podem ser feitas, no domínio da inspecção, da fiscalização,

ídos pelas nossas queridas EP — onde o Governo vai repor todas as regalias em uso antes da troi-ka. Mas ficámos a saber tam-bém que, além dos “precários” da Função Pública, o Governo pretende igualmente integrar de pleno todos os excedentári-os em regime de mobilidade. É uma excelente notícia para os beneficiários, é. E é uma grande medida eleitoral, pois que este é um eleitorado disputado por toda a esquerda. Infelizmente, porém, é uma medida que vai agravar de forma permanente a despesa fixa do Estado. Fora do perímetro de segurança dos protegidos pelo Estado, a factu-ra não pára de se agravar. Cada vez mais riqueza do país, captu-rada por uma factura fiscal cada vez maior, serve para sustentar os protegidos do Estado.

6 Segundo as contas de Cé-sar das Neves, a governação dos inimigos da dívida — os

actuais — acrescentou-a, num ano, em 14.000 milhões. Jeró-nimo de Sousa tem uma solução mágica no bolso: “O problema da dívida resolve-se reestrutu-rando-a”. Elementar, meu caro Jerónimo (e BE)! Problema primeiro: com quem? Com os “sinistros especuladores”, os ricos alemães sentados em cima da nossa dívida, vivendo dos ju-ros que pagamos? Falso. Saberá Jerónimo quem são os deten-tores da dívida portuguesa? Saberá que hoje a sua maioria são bancos portugueses a quem os governos quase obrigaram a comprar dívida pública? Fa-mílias e cidadãos nacionais que confiaram no Estado e lhes en-

1 Continuo sem con-s e g u i r e n t e n d e r como é que um ad-ministrador de uma empresa pública, minimamente sério, competente e inteli-

gente, assina contratos swap como aqueles que tantas EP e autarquias assinaram. Os swaps eram contratos de seguro con-tra a subida das taxas de juro nos empréstimos contraídos: se os juros desatassem a subir, as EP estavam seguras contra essa subida mediante o prémio de seguro pago. Se os juros su-bissem, o banco que tinha ce-lebrado o swap poderia ou não perder dinheiro, dependendo de a subida ultrapassar ou não o prémio do seguro que lhe ha-viam pago; se a taxa não subisse ou descesse, o banco ganharia sempre, pois que havia cobra-do um prémio pela assunção de um risco que, afinal, não se verificara. Isto seria o normal de um contrato deste tipo. Ago-ra, o que é impensável é que lá no meio houvesse uma cláusula que permitisse ao banco ganhar, e muito mais, no caso de as ta-xas de juro, em vez de subirem, descerem. É como se eu cele-brasse um contrato com uma seguradora para me garantir contra um incêndio em minha casa e, por cada ano que a casa não ardesse, o meu prémio de seguro disparasse. Não porque a casa tivesse ardido, mas justa-mente pelo contrário.

Até consigo admitir que os ad-ministradores não tivessem an-tecipado a descida das taxas de juro do BCE e dos mercados — embora, se fossem mesmo com-petentes, o devessem ter feito. Mas o que não consigo admitir é que tenham assinados contratos para garantir um risco que, a não verificar-se, significaria um negócio ruinoso. E que, para cúmulo, tenham aceite como fó-rum competente para eventuais litígios, o tribunal de Londres, que não há ninguém no mundo empresarial que desconheça ser o fórum privilegiado da banca e dos grandes interesses financei-ros. É mais do que incompetên-cia, é imbecilidade e irresponsa-bilidade criminosa na gestão de dinheiros públicos. E também não consigo entender como é que esses grandes escritórios da advocacia de negócios, que sempre assessoram o Estado e as EP, tenham deixado passar estes contratos como normais. No mínimo dos mínimos, se-ria exigível que o nome destes

É melhor não saber

Como pode pretender renegociar uma dívida um devedor que simultaneamente precisa de mais dinheiro emprestado e não pára de se endividar cada vez mais?

ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO

e deslizar para o abismo, tudo somado, é bem possível que Ma-ria Luís Albuquerque tenha sido o governante que mais caro saiu aos contribuintes portugueses em mais de 40 anos de demo-cracia. No lugar dela, eu já teria desaparecido para Vanuatu.

4 Vamos ter, pois, mais 1700 milhões a pagar ao San-tander. Por nada, rigoro-

samente por nada, e a troco de nada: roubo, puro e simples. E lá se vai a meta do défice para o ano que vem, pois que aqui não é de contar outra vez com a benevolência que Bruxelas, farta das nossas discussões so-bre o défice, teve em relação aos 4,9 milhões a injectar na Caixa e que entendeu não ser uma ajuda pública (será o quê, então?). Se o leitor, tal como eu, não conseguia entender como é que o Governo de António Cos-ta — que apanhou com o Banif e a Caixa e vai apanhar com a factura do Novo Banco e dos swaps — e que todas as semanas compromete mais dinheiros pú-blicos para manter de pé o acor-do que lhe permite governar, consegue mesmo assim baixar o défice, o milagre é, afinal, fácil de explicar: os descalabros não entram para o défice, são chu-tados silenciosamente para a dívida. Mas, obviamente, vamos pagar tudo isto e com juros.

5 Na mesma semana em que ficámos a saber que os swaps nos vão custar 1700

milhões, ficámos também a sa-ber também que ainda há mais 2500 milhões de produtos fi-nanceiros de “alto risco” contra-

tregaram as suas poupanças? A Caixa Geral de Aposentações, a quem uma alteração estatutária introduzida pelo anterior gover-no impôs a compra de dívida pública? Qual o custo interno, financeiro e social, de reestrutu-rarmos unilateralmente a nossa dívida? E, depois de o fazermos, quem nos quererá voltar a em-prestar dinheiro, uma vez que todos os anos precisamos de pedir mais emprestado? Como pode pretender renegociar uma dívida um devedor que simulta-neamente precisa de mais di-nheiro emprestado e não pára de se endividar? Como resol-ver o problema da dívida sem resolver primeiro o do défice, e como resolver este se todas as semanas o PCP, o Bloco e o Governo PS, para fins eleitorais, inventam novas despesas para o acrescentar? Não perguntem, não queiram saber.

P.S. — Donald Trump nomeou para o equivalente ao Ministério do Am-biente um troglodita que nega as alterações climáticas e acha que a própria Agência do Ambiente dos EUA é uma excrescência. Os au-tarcas da Ria Formosa elegeram para os representar no Polis da Ria o presidente da Câmara de Olhão, líder dos clandestinos e ele próprio ligado a uma construção clandestina no que deve ser Reserva Natural e domínio público. É a raposa a tomar conta do galinheiro. O populismo não tem cor politica, como o de-monstra a nossa esquerda Trump.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

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Expresso, 17 de dezembro de 201610 PRIMEIRO CADERNO

Nuno Ribeiro da Silva Professor do ISEG e ex-secretário de Estado da Energia

“Ainda não sabemos se há mesmo petróleo no Algarve”

Textos Virgílio Azevedo Fotos José Carlos

Carvalho

O debate sobre a rescisão dos contratos de prospeção de pe-tróleo no Algarve com a Port-fuel e a Repsol/Partex decidido pelo Governo, “tem estado a ser conduzido de forma mui-to emocional”, diz Ribeiro da Silva, porque Portugal deve co-nhecer todos os seus recursos minerais, incluindo o petróleo e o gás, “independentemente do uso que lhes vai dar”.

PP PortugalPdevePconhecerPasPreservasPdePtodosPosPseusPre-cursosPminerais,PincluindoPoPpetróleoPePoPgásPnatural?P

R Obviamente. E é relevante conhecer os recursos que tem também no mar, porque Por-tugal é muito maior no mar do que em terra. E porque a ambição do país na valoriza-ção da plataforma continental e das águas territoriais passa por uma afirmação da sobera-nia, que inclui o conhecimento dos recursos que tem, indepen-dentemente do uso que lhes vai dar. Fiz parte do processo de candidatura de Portugal na ONU à extensão da plataforma continental para 350 milhas. E a fundamentação desta can-

ENTREVISTA

didatura passa pela contigui-dade de recursos biológicos e sobretudo minerais. Há coisas que podemos vir a conhecer que nos desagradam e outras que não nos interessam, mas o negacionismo é a pior opção.

PP NosPcombustíveisPfósseis,Pde-vemPserPasPempresasPpetrolífe-rasPaPfazerPessePlevantamento?

R Sim, porque é uma área com tecnologias muito sofisticadas, que diminuem o risco de erro nos furos feitos em sítios com menos probabilidade de su-cesso, onde se podem perder centenas de milhões de euros. Um entidade pública não tem conhecimento, competência técnica ou recursos para inves-tir nesta área de enorme risco. Mesmo países com poderosas companhias petrolíferas esta-tais — Arábia Saudita, Venezue-la ou Angola — com “distritos” petrolíferos já conhecidos e com casos de sucesso, recor-rem a empresas de topo para a prospeção de petróleo e gás.

PP OPEstadoParrisca-sePaPirPaPtri-bunalPePterPdePpagarPindemni-zaçõesPàsPempresasPcomPquemPrescindiuPagoraPosPcontratos?

R Não conheço o pormenor dos contratos. Foram feitos ao abrigo de uma legislação que eu criei quando estive à fren-

te da Secretaria de Estado da Energia. Se foram atribuídos direitos aos concessionários e agora há um quadro de sus-pensão unilateral, terá de haver certamente uma justificação.

PP OPBEPquerPaPlegislaçãoPatua-lizadaPpelosPprincípiosPdoPcom-batePàsPalteraçõesPclimáticas.P

R Não sei o que é que isso quer dizer. Esta questão tem estado a ser conduzida de uma forma muito emocional e muito pouco iluminada. A tecnologia levada ao exagero é negativa e há coi-sas que são boas num contexto e disparatadas noutro contex-to. É por isso que existem os estudos de impacte ambiental, a Agência Portuguesa do Am-biente, etc. Eu próprio, quan-do fui secretário de Estado da Energia, proibi a construção da barragem de Foz Coa sem saber que havia gravuras ru-pestres, porque eram maiores os prejuízos do que os ganhos resultantes da sua construção, com o que se destruía e inun-dava na região demarcada do Vinho do Porto. Não se pode é ser negacionista nestas situa-ções. O caricato disto é que vejo os títulos das notícias a dize-rem “Ponto final à exploração de petróleo e gás no Algarve”. Ora ainda não sabemos neste momento se há uma molécula

de hidrocarboneto no Algarve, onshore ou offshore.

PP OPpaísPpodePviverPsemPpetró-leoPePgásPnatural?

R Em 2015, só o petróleo con-tribuiu para mais de 55% da satisfação das nossas necessida-des energéticas. Se juntarmos o gás passamos para cerca de três quartos. E a eletricidade, em boa parte de origem renovável, repre-senta apenas 22% do consumo de energia final. Estou de acordo que não podemos continuar a queimar combustíveis fósseis e sou grande defensor das energias renováveis. A mobilidade elétrica está a fazer o seu caminho no sector dos transportes, mas va-mos andar décadas a necessitar ainda de combustíveis fósseis. A mudança para as renováveis vai acontecer, mas será morosa.

PP EPsePfossePdescobertoPpetró-leoPemPPortugal?

R Seria uma boa notícia desco-brir recursos fósseis no país e se a exploração fosse rentável. Mas há outros valores à frente e há sempre um crivo de análise do impacte ambiental. Se for descoberto petróleo na praia de Albufeira ou na Ria Formosa, tenho as maiores dúvidas que se possam instalar aí unidades de prospeção e extração.

[email protected]

PERFIL

Presidente do conselho geral da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), Nuno Ribeiro da Silva é também membro do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS) e presidente da Endesa Generación Portugal. O professor catedrático convidado do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), onde dá aulas na disciplina de Economia da Energia, lidera ainda o Conselho Estratégico Nacional do Ambiente da CIP. Entre 1986 e 1996 foi secretário de Estado da Energia e da Juventude nos governos de Cavaco. Silva e deputado do PSD.

PRÉMIO A CAMINHO DO PRÉMIO NOBEL DA PAZ

“O PM e o Presidente pertencem a partidos diferentes, mas estão ambos aqui: mais do que as palavras, a sua linguagem corporal mostra como estão unidos”António GuterresSecretário-geral da ONU eleito

PRÉMIO PORQUÉ NO CONTINUAS CALLADO?

“Não seria salutar se criássemos um imposto consignado ao pagamento dos juros da dívida pública?”Rui RioEx-presidente da Câmara do Porto

PRÉMIO SERVIÇO (LITERALMENTE) PÚBLICO

“Nos serviços secretos todos sabiam das ilegalidades”Jorge Silva CarvalhoEx-expião do SIS

PRÉMIO LÚCIFER, JÁ FOSTE!

“Desejo-lhes um bom Natal e que nos possamos reencontrar logo em janeiro esperando que possamos ser visitados pelos três reis magos”Pedro Passos CoelhoLíder do PSD, explicando aos jornalistas que trocou o diabo pelos reis magos

PRÉMIO BEM QUE DESCONFIÁVAMOS

“Não governámos no passado a olhar para as sondagens; hoje não fazemos oposição a olhar para as sondagens”Pedro Passos CoelhoLíder do PSD

PRÉMIO UFF, É QUE ESTÁVAMOS PREOCUPADOS CONSIGO

“Não, por amor de Deus, porque é que haveria de sair zangado?”António DominguesEx-presidente da CGD, sobre a sua demissão

Helena Pereira e Cristina Figueiredo

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NO FIM ERA O VERBO

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 11 PRIMEIRO CADERNO

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Expresso, 17 de dezembro de 201612 PRIMEIRO CADERNO

FRASES

“A lei diz que o salário mínimo é definido pelo Governo ouvida a Concertação Social e não pela Concertação Social ouvido o Governo”Vieira da SilvaMinistro da Segurança Social

“Era bom que houvesse em Portugal um acordo, por exemplo, até 2020, isto é, para além do termo da legislatura. Vamos ver se é possível”Marcelo Rebelo de SousaPresidente da República

Adriano Nobre e Rosa Pedroso Lima

Os patrões entregaram, ontem ao fim do dia, uma proposta conjunta que será levada à pró-xima reunião da Concertação Social, marcada para segunda--feira. As quatro confederações comprometem-se em matérias como a fiscalidade, a formação profissional e a economia por um período que decorre entre 2017 e 2020. Em contrapar-tida, querem que o Governo acerte com os parceiros soci-ais o valor do salário mínimo nacional a decretar a partir de janeiro. A proposta dos patrões é de €540, argumentando que esse é o valor previsto no úl-timo acordo assinado com o Governo sobre a matéria, em janeiro deste ano. Há, porém, margem para negociar.

É o primeiro sinal de que pode ser desbloqueado o en-tendimento sobre o valor do salário mínimo a fixar a partir de janeiro. O Governo tinha pedido propostas a patrões e sindicatos para um novo acor-do alargado de concertação e de médio prazo. Por seu lado, os parceiros reclamaram que qualquer entendimento teria de ‘devolver’ a negociação do salário mínimo à Concertação, depois de PS e Bloco terem fixado o valor a pagar aos tra-balhadores até 2019.

Intensas negociações de bastidores e várias rondas de negociações entre as quatro Confederações Patronais — da Indústria, do Comércio, do Turismo e da Agricultura — permitiram, ontem, chegar a uma proposta conjunta. Não terá sido fácil dirimir as dife-renças que afastam os patrões dos vários sectores, mas a tan-to do lado da Presidência da República como do Governo, o Expresso apurou que fo-ram feitas várias diligências no sentido de aproximar os representantes patronais. O Governo aceitou, também, es-tender o prazo da entrega das propostas (fixado inicialmen-te para a passada sexta-feira) para que fosse alcançado um entendimento.

Da proposta dos patrões constam matérias como a competitividade económica, o financiamento à economia, o empreendedorismo, mas também aspetos de fiscalida-de e de justiça económica. A

Patrões fazem proposta alargada

SALÁRIO MÍNIMO

Governo recebeu, ontem, proposta de acordo até 2020 que inclui SMN, impostos e competitividade

ideia é garantir “estabilidade fiscal, laboral e legislativa” por forma a permitir o crescimen-to económico e aumentar a competitividade das empre-sas nacionais. Um recado aos partidos da esquerda parla-mentar, que ainda esta sema-na insistem na necessidade de reverter algumas das normais laborais aprovadas durante o Governo de Passos e Portas.

O Governo vai insistir em tentar um acordo se a reuni-ão de segunda-feira não for conclusiva, admitindo que as negociações prossigam ainda em janeiro. Fonte do MSSST lembra que “o acordo alcan-çado para o aumento do SMN em 2016 foi assinado a 22 de janeiro deste ano”.

Enquanto se aguardam de-senvolvimentos sobre possí-veis acordos na Concertação Social, o Parlamento discutiu — e chumbou — esta sexta-fei-ra o projeto de resolução do PCP que propunha o aumento do salário mínimo nacional para 600 euros já em janeiro de 2017. A proposta dos co-

munistas teve os votos favorá-veis das bancadas do PCP, do BE, dos Verdes e do PAN, mas acabou rejeitada pelos votos contra de PS, PSD e CDS.

Partidos debatem sem críticas à concertação

Apesar das divergências que têm pautado a relação entre PS, PCP e Bloco nesta ma-téria, o debate decorreu de forma serena entre os parcei-ros da maioria parlamentar. E acabou por ser sobretudo o confronto entre esquerda e direita a marcar a sessão. Mais uma vez.

Primeiro porque o PSD — que também apresentou on-tem um projeto de resolução, que defendia, entre outras ma-térias, a atualização do salário mínimo, sem valores concre-tos, ligada ao “crescimento, competitividade e emprego” e que foi chumbado pela esquer-da — defendeu que o acordo já fechado entre PS e Bloco para aumentar o salário mínimo para 557 euros em janeiro des-

valoriza a Concertação Social. Depois, porque o CDS consi-derou “totalmente incoerente e hipócrita” que os socialistas defendam o aumento do salá-rio mínimo e chumbem a pro-posta do PCP nesse sentido.

Foi o suficiente para que a esquerda fizesse da divergên-cia a união possível: porque, defenderam, foi o acordo en-tre PS, BE e PCP que permitiu inverter a lógica de empobre-cimento dos trabalhadores; e porque a criação de acordos políticos sobre o salário míni-mo não significa a desvalori-zação da Concertação Social. “O que acontece é que as con-federações patronais aplicam o veto a tudo o que signifique melhoria de salários e comba-te à pobreza. E a Assembleia da República não pode ficar confortável com esse veto”, sintetizou Rita Rato.

O sincronismo à esquerda le-vou também a que PCP e Bloco de Esquerda não tenham tro-cado qualquer tipo de crítica no plenário de ontem. O Bloco saudou, mesmo, pela voz de

Jorge Costa, a proposta comu-nista, votou a favor por enten-der que “seria justo e exigível a atualização para 600 euros”, mas recordou também que, atendendo às circunstâncias atuais, “o acordo que o Blo-co assinou com PS é a melhor garantia de que o salário mí-nimo vai mesmo ter uma atu-alização para 557 euros já em janeiro”.

Um argumentário parcial-mente replicado pelo PS, que se manteve fiel à ideia de que, tendo em conta as restrições orçamentais do país, o aumen-to do salário mínimo até aos 600 euros só é exequível de forma faseada, até ao fim da legislatura. Por isso chumbou a proposta do PCP, reiterando o compromisso assumido com o Bloco — que é “para cum-prir” e “inadiável”, segundo o deputado socialista José Rui Cruz — de aumentar o salário mínimo para 557 euros no pró-ximo ano. “É com essa perspe-tiva que o Governo vai para a concertação”, sentenciou.

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Vieira da Silva e António Costa podem prolongar negociações até janeiro FOTO LUÍS BARRA

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 13 PRIMEIRO CADERNO

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Expresso, 17 de dezembro de 201614 PRIMEIRO CADERNO

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 15 PRIMEIRO CADERNO

TC: Hospital de Braga gera poupanças para o Estado

O grupo Mello Saúde está a gerar poupanças para o Estado com a administração do Hospital de Braga. O relatório final do Tribunal de Contas (TdC) sobre a execução do contrato de gestão da unidade “revelou o melhor desempenho em 2015, face a 29 hospitais analisados, nos custos operacionais por doente-padrão”, justificando que “esta eficiência decorre dos elevados índices de produtividade dos recursos humanos”.No documento a que o Expresso teve acesso, os auditores afirmam que “cada profissional médico atendeu 96 doentes-padrão, sendo o segundo melhor indicador de produtividade do grupo só ultrapassado pelo Hospital Garcia de Orta, em Almada, com 103”. Este empenho permitiu “o aumento da oferta de cuidados de saúde à população: as consultas externas aumentaram cerca de 99% entre 2009 e 2015 e a atividade do internamento e ambulatório, médico e cirúrgico, mais do que duplicou face às previsões iniciais”. Apesar dos resultados positivos e escrutinados — “a monitorização dos parâmetros de desempenho nos aspetos de qualidade e segurança dos cuidados prestados é mais exaustiva e exigente do que a praticada nas unidades hospitalares de gestão pública” — , o hospital não satisfaz todas as necessidades da população. A falha traduz-se “no aumento das listas de espera e dos tempos de espera para consultas e cirurgias”. V.L.A. e João Vieira Pereira

Costa deu garantias a MarceloPresidente da República não aceita fim das PPP na Saúde. O primeiro-ministro disse-lhe que manutenção dos privados não está em causa

Marcelo Rebelo de Sousa con-sidera que, por muita falta de dinheiro que haja, não se pode afrontar o sector privado na Saúde e, se necessário, assu-miria o braço de ferro com o Governo pela manutenção das

parcerias público-privadas. Não será preciso. Ao que o Expresso apurou, o primeiro--ministro sempre tem dito ao Presidente da República não estar em causa acabar com as PPP na Saúde e a decisão de abrir um novo concurso para o hospital de Cascais é esperada em Belém como certa.

A convicção na Presidência é que perante as três hipóte-ses que o Governo tinha ao seu dispor — renovar o atual con-trato com privados, devolver o hospital ao Serviço Nacional de Saúde, ou não renovar o atual contrato de parceria mas abrir concurso para uma nova PPP — vai prevalecer a última. “O primeiro-ministro sempre

disse ao Presidente que não irá acabar com as PPP”, garantem fontes oficiais ao Expresso.

PR faz checkup ao sector

Marcelo deu uma ajuda ao Governo ao adiar, de outu-bro até agora, as audiências que todas as ordens do sector lhe pediram para dar eco aos problemas relacionados com o financiamento da Saúde. O Presidente evitou engrossar a polémica enquanto esteve em aberto o Orçamento do Estado para o próximo ano. E só on-tem, quando o OE já está fecha-do, é que recebeu em Belém os bastonários das seis Ordens — Enfermeiros, Farmacêuticos,

Médicos, Dentistas, Nutricio-nistas, e Psicólogos — numa au-diência conjunta pensada para ser uma espécie de checkup ao sector.

A reunião ocorreu preci-samente na semana em que voltaram a surgir protestos e notícias sobre carências em vários serviços hospitalares, nomeadamente em centros de Saúde do Algarve onde surgi-ram médicos a dar consultas de chapéu de chuva, e também no serviço de ginecologia e obste-trícia do Hospital de Coimbra, onde responsáveis da Ordem dos Médicos referiram uma situação “grave”, próxima da “rutura”. Quando promulgou a lei das 35h na Função Pública,

o Presidente avisou que se esta lei viesse a implicar mais despe-sa pública, enviaria o diploma para o Tribunal Constitucional e essa será uma das razões para Marcelo só ter querido este me-eting do sector em Belém quan-do já não é possível engordar a despesa na Saúde.

Outra coisa é aceitar cortes na participação de privados no setor. Isso teria frontal opo-sição do Presidente. Marcelo espera que o Governo ouça as conclusões da entidade das Finanças que avaliou as PPP/Saúde do ponto de vista orça-mental e concluiu com nota positiva para estas parcerias.

Ângela [email protected]

Helena Pereira e Vera Lúcia Arreigoso

A primeira das parcerias pú-blico-privadas da Saúde com o contrato a terminar nesta legis-latura não vai ser renovada. A gestão do Hospital de Cascais pela Lusíadas Saúde não be-neficiará de um novo acordo: “Já temos uma decisão tomada. Não haverá negociação direta, e até 31 de dezembro o grupo que tem a gestão clínica será formalmente informado”, re-velou ao Expresso o ministro da Saúde numa entrevista que será publicada na íntegra na próxima semana. Mas Adalber-to Campos Fernandes garante que o destino de Cascais ainda não está decidido: pondera se devolverá o controlo da unidade ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), como gostariam o BE e PCP, ou se abre um novo con-curso internacional, como es-pera o Presidente da República.

“Estão em cima da mesa a reintegração da gestão clínica para o SNS e o lançamento do concurso público internacional com condições e cadernos de encargos que revisitem o mo-delo e tirem maiores benefícios para o Estado. A seu tempo to-maremos a decisão”, limita-se a dizer o governante.

Entre as razões para não man-ter a Lusíadas Saúde, da brasi-leira AMIL com participação da norte-americana UnitedHealth Group, está o relatório da Uni-dade Técnica de Acompanha-mento de Projetos (UTAP), que conclui que a gestão privada só continuaria a gerar poupan-ças para os cofres públicos se o contrato não fosse alterado, como é desejo do Governo. “O estudo faz uma análise de cus-to-efetividade e de custo-bene-fício para o Estado e conclui que há vantagens no modelo, contudo dez anos depois de o concurso ter sido lançado e de as condições clínicas terem mudado tanto, não serviria o interesse público nem sequer a transparência se não houvesse uma reapreciação”, justifica o ministro. Assim sendo, foi pe-dido à UTAP para “aprofundar o custo alternativo em função das opções para fazer as ava-liações técnicas e políticas em relação às duas opções”, diz.

Apesar de a negociação direta estar “completamente descar-tada” em Cascais, o ministro garante que não foi aberto um precedente para as restantes parcerias público-privadas (PPP) nos hospitais de Braga,

Ministro não renova PPP de Cascais e admite gestão pública... ou concurso

GOVERNO

Adalberto Campos Fernandes recusa negociação direta. Lusíadas serão formalmente informados dentro de dias

cujo acordo tem de ter anali-sado pelo Executivo até 31 de agosto do próximo ano, Vila Franca de Xira e Loures. “A de-cisão é sempre política porque é do Governo, mas será baseada nos critérios de análise técni-ca, no perímetro da legislatura — portanto, só para Cascais e Braga (Vila Franca e Loures só terminam os contratos em 2019 e 2020, respetivamente) — e caso a caso”, garante Adalberto Campos Fernandes.

Relatório das Finanças decisivo

Outra das garantias é a de res-peitar o que foi prometido ain-da durante o período eleitoral. “No programa do Governo está escrito que a decisão sobre as PPP da Saúde seria objeto de uma decisão política que seria sempre suportada numa avali-ação técnica sólida e para nós seria fundamental a avaliação da UTAP do Ministério das Fi-nanças, quer pela sua profun-didade quer por ser a entidade técnica que na dupla tutela tem a competência para o fazer. E

vamos também cumprir as nos-sas obrigações decorrentes dos prazos contratuais”.

A gestão de uma unidade hos-pitalar por uma entidade priva-da até hoje só mudou de mãos uma vez, também com um Go-verno liderado pelos socialistas. Aconteceu em 2008 quando o então primeiro-ministro José Sócrates afastou o Grupo Mello Saúde (atualmente a liderar o Hospital de Vila Franca de Xira) da administração do Hospital Amadora-Sintra ao fim de 12 anos, devolvendo-a ao SNS.

No Orçamento do Estado para 2017 as parcerias com pri-vados no sector da Saúde são as únicas que vão ter custos maio-res, mais €17 milhões atingindo os €448 milhões. Os encargos são contestados à esquerda. “Estamos todos de acordo, até os partidos à direita, sobre a ne-cessidade de introduzir maior eficiência e racionalidade eco-nómica no sistema e fazer com que os cidadãos tenham acesso aos melhores cuidados nas con-dições técnicas e económicas favoráveis para o Estado. O que está em causa é saber se nas PPP

a variabilidade da despesa resul-ta de esforço financeiro puro ou de mais atividade”, explica. E a resposta correta é: “Na Saúde essa variabilidade é documenta-da pela ampliação da atividade.”

O BE tem insistido no último ano na necessidade de acabar com as PPP na Saúde, matéria que não consta do acordo ce-lebrado com o PS. Na semana passada, a coordenadora do BE, Catarina Martins, subiu o tom, afirmando que a proteção do SNS “exige coragem políti-ca, necessária para acabar com as parcerias público-privadas da gestão da saúde, cujo pra-zo acaba durante esta legisla-tura”. “Nem renovação nem abertura de novos concursos”, acrescenta, em declarações ao Expresso, o deputado Moisés Ferreira. Frisando que a ges-tão privada preocupa-se mais “em garantir taxas de renta-bilidade”, acrescenta que dis-cutir poupanças com privados é “uma discussão perniciosa”, pois essas poupanças podem ter reflexo ao nível dos cuida-dos de saúde prestados.

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Adalberto Campos Fernandes explica que as parcerias da Saúde são as únicas que vão custar mais em 2017 devido à maior atividade FOTO NUNO BOTELHO

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Expresso, 17 de dezembro de 201616 PRIMEIRO CADERNO

AÇORES

MADEIRA

VIANADO CASTELO

FARO

BEJA

ÉVORASETÚBAL

LISBOA

CASTELOBRANCO

GUARDA

BRAGANÇA

BRAGA

LEIRIA

COIMBRA

AVEIRO

VISEU

VILAREAL

PORTO

PORTALEGRESANTARÉM

PSD

Filipe Santos Costa

A lista de pu-tativos can-d i d a t o s à presidência do PSD vai engrossando (ver texto ao lado), assim como as no-

tícias da agitação no partido. Com Passos Coelho sob críti-cas internas, pressionado pelas autárquicas, pelas sondagens, pelos comentadores, pelos três partidos à sua esquerda e pelo ex-parceiro à sua direita, e até pela (má) relação com Marcelo Rebelo de Sousa.

Igual a si próprio, aparen-temente imperturbável, Pas-sos pede ao partido o mesmo sangue frio. “Não governámos no passado a olhar para as sondagens, hoje não fazemos oposição a olhar para as son-dagens”, disse aos deputados esta quinta-feira. Passos não se desvia. Nem do seu guião nem do seu percurso pelas ba-ses do partido, com as quais tem tentado reforçar a ligação desde que foi empurrado para a oposição. Conforme se vão ouvindo os recados vindos de cima, mais importante é para Passos rodear-se dos de baixo. O “circuito da carne assada”, que o catapultou para a lide-rança, é outra vez o terreno que conta.

“A força dele está no contac-to com as pessoas. O partido gosta dele, reconhece o traba-lho que ele fez e a vitória elei-toral. Quem fala no pós-Passos não percebe isso. Está a des-prezar a ligação com as bases, mas também a sua experiência e capacidade política”, asse-gura um responsável próximo de Passos que testemunha a

boa receção que este tem pelo partido. Há quem diga que é do Natal: os almoços e jantares com concelhias e distritais são sempre pano de fundo para a política em dezembro. Os homens de Passos contrari-am essa ideia — não é fruta da época nem é novidade: desde que saiu do Governo o líder do PSD tem mantido uma agen-da intensa pelo país, junto do partido e da “sociedade civil”, juram. Com números.

Do início do ano até ao final de novembro, o presidente do PSD percorreu 31.582 qui-lómetros pelos caminhos de Portugal, esteve em todos os distritos mais do que uma vez, foi às duas regiões autónomas, visitou 78 concelhos, partici-pando em 247 iniciativas par-tidárias de Norte a Sul. Foram quase três mil quilómetros por mês na estrada, com a maioria das deslocações a concentrar--se nos distritos do Litoral — Lisboa (63), Porto (30), Leiria (10), Coimbra (9), Braga (9) e Aveiro (8) — mas também com atenção ao Interior, onde se destaca a atenção a Vila Real (10 deslocações) e Viseu (8).

Mais números: só no fim de semana passada, entre um jantar de Natal em Alijó e um almoço de apresentação do candidato autárquico em Re-sende, Passos teve à sua volta “um total de mais de mil pes-soas”, garante um colaborador do líder social-democrata.

Há vida além dos números

Tudo isto para concluir o quê? Do ponto de vista de Passos Coelho, os dados desmentem a “perceção” de que o ex-pri-meiro-ministro será um ho-mem isolado. O facto de ter arrancado na semana passada o novo Conselho Estratégico

do PSD, composto por 25 per-sonalidades de várias áreas, na sua maioria independen-tes, também serve como sinal de que o partido não perdeu capacidade de recrutamento. “Pelo contrário. O entusias-mo que encontrei em relação aos convites que fiz foi sem-pre muito grande”, garante o social-democrata José Matos Correia, coordenador deste grupo de reflexão.

Outra perceção que Passos quer contrariar é a de que só tem discurso sobre contas pú-blicas e previsões do falhanço do Governo. Essa é uma parte essencial da sua mensagem, até porque compara o desem-penho deste Governo com o seu, mas há vida além da eco-nomia e finanças nos discursos do líder da oposição, garan-tem.

Veja-se a agenda de Passos em dezembro. Ontem, no Por-to, numa conferência sobre a UE, falou da “certeza de que haverá uma nova crise” na Europa, para a qual o Go-verno não está a preparar o país; quinta-feira, no jantar de Natal dos deputados, acusou o Governo de “comportar-se como um pirómano” ao falar de renegociação da dívida quando “os mercados andam agitados”; na véspera, noutro jantar de Natal, em Frontei-ra, ironizou com a nomeação do ex-ministro Paulo Mace-do para presidente da Caixa e atacou o desinvestimento do Executivo no Serviço Na-cional de Saúde. Dias antes, em Resende, falou da necessi-

dade de valorizar os recursos do Interior para combater a “hemorragia de gente”; e em Alijó defendeu uma descen-tralização “mais ambiciosa”. Um outro jantar de Natal, em Braga, foi palco para acusar o Governo de dizer coisas “in-congruentes” para “satisfazer clientelas”; num debate em Lisboa elogiou os “resultados muitíssimo bons" revelados pelos testes PISA, relativos aos anos em que Nuno Cra-to era ministro da Educação; também em Lisboa esteve numa conferência em que reafirmou o seu projeto para o país e para a liderança do PSD; num almoço em Chaves assumiu o legado político de Sá Carneiro e apontou o dedo ao Governo pelas políticas “pouco realistas” que estão a prejudicar o crescimento. Pelo meio, fez render o imbróglio da Caixa Geral de Depósitos.

“Não andamos à espera do Diabo, não [nos] faltam inicia-tivas, propostas, contactos com o partido e com a sociedade civil. Há vida além das perce-ções”, comenta uma fonte pró-xima de Passos. Apesar disso, na direção social-democrata há quem admita que o Governo “tem sido mais eficaz a passar a mensagem, porque procura dar só boas notícias, tem mais meios e tem uma frente parla-mentar alargada”. Mas acredi-tam que o tempo joga a favor de Passos, pois a “propaganda” do PS acabará por tropeçar na realidade.

Exemplo? A Saúde, o prato principal do discurso de Pas-sos nesta quarta-feira à noite. “Muita conversa, muita pro-paganda, que afinal iria haver recursos, que iam contratar tudo o que era preciso, que não ia faltar nada, nós é que andávamos a desmantelar o Serviço Nacional de Saúde. Já chamaram o ex-ministro que estava a ‘desmantelar o SNS’ para tratar da Caixa, ainda não nomearam o Nuno Crato para coisa nenhuma, ainda não chegaram lá”, ironizou. Passos também ainda não “chegou lá”, mas está na estrada.

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Criticado por elites e comentadores, cercado pelas sondagens, pressionado pelas autárquicas, Passos apoia-se na ligação às bases

O líder que fez mais de 30 mil km não vai largar a estrada

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Passos Coelho deve ser candidato à Câmara municipal de Lisboa?

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16,5

VER FICHA TÉCNICA NA PÁGINA 20

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No último ano, o líder fez 247 deslocações pelo país, em 18 concelhos e 2 regiões autónomas

AS VOLTAS DE PASSOS

FONTE: PSD

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 17 PRIMEIRO CADERNO

PSD

Passos Coelho sabe que a sua força vem do contacto com as bases. E voltou a apostar no “circuito da carne assada”

FOTO RUI DUARTE SILVA

AUTÁRQUICAS

Guerra aberta em Lisboa

Rodrigo Gonçalves, o vice-presidente da concelhia do PSD-Lisboa que desafiou Passos Coelho a candidatar-se à câmara da capital, é um peso pesado na máquina do partido: controla um dos maiores sindicatos de voto do PSD em Lisboa, decisivo para eleger dirigentes locais mas também com grande peso nas diretas para a presidência do partido. O repto feito na quinta-feira à noite reacendeu a guerra interna por causa da principal autarquia do país e deixou um sinal vermelho a Passos. Os sinais de abertura do PSD para negociar um eventual apoio a Assunção Cristas, fizeram estalar o verniz, dividindo a concelhia. Ao que o Expresso apurou, o líder, Mauro Xavier, que tem moderado a sua oposição a um acordo com o CDS, discorda da posição do seu número dois. O repto de Rodrigo Gonçalves, num jantar do movimento Lisboa Sempre, com mais de mil pessoas, foi aplaudido por diversos críticos de Passos — entre eles, Ângelo Correia, Francisco Moita Flores ou Pedro Rodrigues, o promotor do grupo Portugal Não Pode Esperar. Também se via na sala gente próxima de Rui Rio. Mauro Xavier demarcou-se: “Os militantes do PSD são livres de ter opiniões individuais, e aquele jantar não era da concelhia de Lisboa”, disse ao Expresso. Miguel Pinto Luz, presidente da distrital, que estava no jantar, desautorizou na hora o repto a Passos: subiu ao palco para dizer que este é “candidato, sim, mas a primeiro-ministro”. F.S.C.

PSD vive clima de intriga. Há alinhamentos que já se percebem e quem espere para ver

Relvas aposta em Montenegro, que está com Passos, que se afastou de Marco, que...

Rui Rio deu o tiro de partida, mas no núcleo duro de Pedro Passos Coelho há quem ironi-ze que foi um tiro na água. Tão cedo Passos não terá quem lhe dispute a chefia do partido. As autárquicas daqui a nove meses desaconselham perturbações do calendário, uma antecipação, em clima pré-eleitoral, poderia virar-se contra o partido e, nesta fase, “só serviria para Passos re-forçar a sua posição”, acreditam os críticos. Rio, aliás, colocou o seu horizonte em 2018. Mas es-perar não significa estar parado.

“Isto exige paciência”, avisa um barão social-democrata apostado numa mudança inter-na. Esta é a fase em que aspiran-tes à liderança fazem prova de vida. O ex-autarca do Porto foi o único a fazê-lo em público, mas todos o fazem nos bastidores. Rio, como Paulo Rangel ou Luís Montenegro, aproveita todas as oportunidades para alargar contactos dentro do partido, em almoços, jantares, apresenta-ções de candidatos e tudo o que permita tecer uma rede.

Há alinhamentos que já se per-cebem e há quem espere para ver. Há quem aposte na queda de Passos logo a seguir às au-tárquicas — é o cenário de Rio e dos seus apoiantes: o desafio do vice-presidente da concelhia de Lisboa para que Passos se candidate à capital (ver ao lado) insere-se numa estratégia de desgaste que será mais acen-tuada logo que fiquem fechadas as escolhas autárquicas. Mas há quem prefira que o atual líder vá até às legislativas, para o tira-tei-mas com António Costa. “Passos tem de ir a eleições para gastar as vidas todas: se ganhar, ótimo, de perder, fica arrumado”, diz um influente social-democrata.

Relvas & Montenegro

Miguel Relvas, peça-chave na ca-minhada de Pedro Passos Coelho para a presidência do PSD, há muito que se afastou do atual líder e aposta em Luís Monte-negro, o líder parlamentar. Tem feito por Montenegro algo pare-cido com o que fez por Passos: apresentá-lo a quem interessa — desde empresários a diplomatas —, promovê-lo como “o senhor que se segue”. Um trabalho dis-creto, mas nada secreto. Luís Marques Mendes também man-tém uma relação próxima com o líder parlamentar e em privado não esconde que gostaria de o ver como presidente do PSD. Até Marcelo Rebelo de Sousa, que se-gue a par e passo a vida do PSD, elogiou numa cerimónia pública as “qualidades invulgares” de Montenegro, a quem prognosti-cou “muitos sucessos políticos”.

No entanto, a aposta no líder parlamentar tem uma implica-ção: sendo um dos rostos mais visíveis da equipa de Passos, nunca se apresentará contra o atual presidente. A sua lealda-de com Passos é inquestionável, garante quem o acompanha de perto. Defende que o ex-PM tem toda a legitimidade para voltar a ir a votos contra Costa e nunca lhe regateou apoio. Mas a partir do verão de 2017 Montenegro deixará de ser o segundo rosto do PSD. Não pode voltar a can-didatar-se a líder parlamentar, o que significa que terá menos palco, mas mais liberdade. Calha bem. O seu tempo é depois de Passos sair de cena.

Relvas sabe disso e também não tem pressa de empurrar o atual líder borda fora. Para já, basta-lhe que Montenegro seja olhado como possível sucessor.

Já é. Está nas listas de putativos candidatos, ao lado de Rio, de ex-candidatos como Rangel e Aguiar Branco, e de ex-líderes, como Santana Lopes e Marques Mendes, que, segundo Morais Sarmento, podem ter a tentação de voltar. (Mendes jura que não, Santana não jura nada.)

Apesar do clima de intriga, quem conhece bem o partido admite que as bases ainda não viraram as costas ao ex-PM. Há cansaço em relação ao seu es-tilo, preocupação com as más sondagens e alarme com as au-tárquicas, mas “mesmo quem critica Passos está-lhe reconhe-cido, porque ele governou em circunstâncias muito difíceis, ganhou as eleições e foi afastado

do Governo”, diz um líder distri-tal. “Quem não percebe isto não percebe o PSD”, conclui.

Marco com todos

E se há alguém que percebe o PSD é Marco António Costa, que sucedeu a Relvas no papel de “homem do aparelho”. Conti-nua a ser o melhor operacional de Passos no terreno, apesar

do afastamento entre ambos desde que o PSD voltou à opo-sição. Continuam a falar muito, mas o homem do Porto ficou fora da gestão das autárquicas e é muitas vezes surpreendido pela agenda do líder. Tem sido notória a atividade “a solo” de Marco António Costa — marca presença em ações da JSD, que continua a ser um dos grandes músculos eleitorais do partido, e por estes dias tem uma sucessão de contactos com entidades do distrito do Porto, desde o bispo a ordens profissionais, ao lado do presidente da distrital, homem de sua confiança.

Embora já não tenha a relação que teve no passado com Pas-sos, Marco António será decisivo

para o líder caso este seja desa-fiado em 2018. Depois disso, logo se verá. “MAC” mantém boas relações com Rio, fala bastante com Relvas e Mendes, almoça regularmente com Rangel, con-vidou há tempos Montenegro (e Relvas) para jantar em sua casa, numa aproximação tática entre dois dirigentes que eram vistos como potenciais rivais.

Marco António costuma dizer que é preciso saber “para que lado a bola pincha” — é isso que está a tentar perceber, para se manter no jogo. “Isto é o PSD no seu melhor, todos a ver como é que se safam”, dizia esta se-mana ao Expresso um passista desiludido. Que também anda a ver como é que se safa. F.S.C.

É a fase em que aspirantes à liderança fazem prova de vida. Só Rio o fez em público

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Expresso, 17 de dezembro de 201618 PRIMEIRO CADERNO

EUROPA

A eurodeputada do PS e uma das conselheiras de António Costa em assuntos económi-cos, Maria João Rodrigues, tem reservas e preocupações sobre o Acordo de Comércio entre a União Europeia e o Canadá. Defende que não são suficien-tes para bloquear o chamado CETA, mas ainda assim votou contra este Acordo na comis-são parlamentar do Emprego e dos Assuntos Sociais.

A eurodeputada explica que o fez porque seguiu a orienta-ção da coordenadora do Gru-po dos Socialistas e Democra-tas, Jutta Steinruck. “Estava numa situação de substituição da coordenadora de emprego, uma alemã, que não pôde es-tar presente e que me pediu para a substituir”, afirmou ao Expresso, adiantado que — apesar de também ter direito a voto — “teve de votar como ela votaria”. Ao mesmo tempo, também considera “útil” que a comissão “tenha exprimido re-servas através de uma opinião” que é desfavorável ao CETA. As preocupações estão relacio-nadas com uma possível dimi-nuição dos padrões sociais e de emprego na UE por causa do entendimento comercial com os canadianos, e que, segun-do a deputada, devem ser tidas em conta quando o assunto for levado a plenário, no início de fevereiro.

Nessa altura, Maria João Ro-drigues deverá mudar o sentido do voto, até porque a delegação portuguesa do PS em Bruxelas e também o Governo têm uma posição favorável ao Acordo de Comércio com o Canadá. Antó-nio Costa tem defendido que o CETA é “um acordo claramente positivo” e um “bom exemplo de como a União Europeia pode ser útil para ajudar a uma glo-balização mais regulada”. Em outubro, o CETA esteve perto de cair por terra por causa da opo-sição do governo regional belga da Valónia. Nessa altura, o pri-meiro-ministro argumentou, em Bruxelas, que o entendimento com os canadianos permitia “re-forçar os padrões de proteção social, de proteção ambiental e de saúde pública”.

O Acordo com o Canadá aca-bou por ter a luz verde dos bel-gas, e seguir em frente, mas em fevereiro será discutido no Par-lamento Europeu, que também terá de dar o seu “consentimen-to”. “O grupo (dos socialistas e democratas) está divido, mas a posição predominante é viabili-zar”, diz Maria João Rodrigues, acrescentando que a posição “pessoal” está alinhada com a dos socialistas portugueses. A opinião da Comissão Par-lamentar de Emprego não é vinculativa e por isso, justifica, deve ser “relativizada”.

A socialista foi esta semana reeleita vice-presidente do Grupo dos Socialistas e Demo-cratas no Parlamento Europeu, passando a ter “funções de coordenação geral do grupo”, o que inclui também conduzir “a orientação do voto” da bancada dos socialistas em plenário.

Susana Frexes Correspondente em Bruxelas

[email protected]

Socialista ‘fura’ voto de Costa

Maria João Rodrigues votou contra Acordo de Comércio com Canadá que Costa considera “claramente positivo”

A SAGA DA BIBLIOTECA

^^ ^Caetano^doou^os^livros^^à^Universidade^Gama^Filho.^Em^1977,^a^UGF^pagou^^o^transporte^da^biblioteca^que^funcionou^como^um^seguro^de^vida^para^Caetano

^^ ^Em^2010,^a^família^Gama^cedeu^a^exploração^da^UGF^^a^Márcio^Costa^que^vendeu^^a^sua^posição,^em^2012,^ao^pastor^batista^Adenor^Santos

^^ ^A^UGF^foi^descredenciada^em^2014.^Encerra,^deixando^milhares^de^alunos^^em^apuros

^^ ^O^Real^Gabinete^Português^de^Leitura^e^a^Biblioteca^Nacional^do^Brasil^disponibilizam-se^^para^guardar^o^acervo^

^^ ^O^Tribunal^de^Justiça^do^Rio^de^Janeiro^autorizou^^a^transferência^da^biblioteca^para^o^Real^Gabinete^Português^de^Leitura^^a^2^de^dezembro

Manuela Goucha Soares

Os 17.963 títulos e 21.506 vo-lumes da biblioteca do último chefe de Governo do Estado Novo estão finalmente a salvo, e em breve acessíveis a quem os quiser consultar no Real Ga-binete Português de Leitura do Rio de Janeiro. Para este desfecho foram decisivas as diligências de Marcelo Rebe-lo de Sousa, já que o atual PR promoveu uma reunião com as autoridades judiciais bra-sileiras no decurso da viagem oficial ao Brasil para assistir à abertura dos Jogos Olímpicos, em agosto último.

A transferência do valioso acervo foi autorizada no passa-do dia 2 pelo juiz da 7ª vara do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O despacho do magis-trado Fernando Viana [o mes-mo juiz que tem o processo de recuperação judicial do grupo Oi] põe fim a uma complexa e delicada saga, que começa com a queda da ditadura portugue-sa e a ida de Caetano para o exílio, passa pela falência de uma Universidade com a in-tervenção de um pastor batista pelo meio, e acaba nas mãos da justiça brasileira e da diplo-macia portuguesa. O PR disse ao Expresso que gostaria que “os livros viessem para Portu-gal” mas, não sendo possível, “o Real Gabinete Português de Leitura é o sítio adequado”para estarem.

O despacho do juiz Fernando Viana, a que o Expresso teve acesso, não respeita a grafia portuguesa no apelido do PR, mas menciona a reunião reali-

Marcelo ajuda a salvar livros de Marcello Caetano no Brasil

PATRIMÓNIO

Justiça já autorizou a transferência da biblioteca para o Real Gabinete Português de Leiturazada a 4 de agosto “no Palácio São Clemente, sede do Con-sulado de Portugal”, onde o “Presidente da República de Portugal, Dr. Marcelo Rebelo de Souza, externou o interesse de seu país na guarda e con-servação do acervo, através do Real Gabinete Português de Leitura, sediado no Brasil”. Esta decisão judicial refere ainda que o acervo está num “local inadequado, com risco de perecimento se não for de-vidamente conservado, o que torna imperiosa a adoção de so-lução adequada e urgente para preservar os referidos bens”, e determina que o Plano Nacio-nal de Recuperação de Obras Raras seja informado no senti-do de apurar a importância do “acervo, inclusive para identifi-cação das obras de importância científica”.

Obras raras e valiosas

A paixão pelos livros que to-dos conhecemos ao Presidente Marcelo terá contribuído para o seu empenho na preservação da biblioteca, o único bem que Caetano quis recuperar no exí-lio no Rio de Janeiro. Acresce lembrar que o PR conhecia este acervo desde muito jovem: Cae-tano foi padrinho de casamen-to dos pais do PR, as famílias eram amigas e visitas de casa, e os dois filhos mais novos de Caetano, Ana Maria e Miguel, são padrinhos de batismo de António Rebelo de Sousa, ir-mão mais novo do PR.

Se não tivesse ocorrido o 25 de Abril de 1974, Caetano teria doado a biblioteca que tanto es-timava à Faculdade de Direito de Lisboa, onde foi aluno e pro-

fessor. A revolução determina a sua expulsão do corpo docente e a partida para o exílio no Bra-sil, depois de ter estado deti-do em prisão domiciliária na Madeira. Aterrou no aeroporto de Viracopos [São Paulo], por exigência das autoridades bra-sileiras, sem passaporte e sem dinheiro; sabemos que dormiu uma noite no hotel Hilton em São Paulo, que a conta foi paga por um amigo, e que passou al-

guns dias em casa de outro ami-go. Como era um catedrático de renome internacional recebeu um convite para dar aulas na Universidade de São Paulo.

Optou por ir viver para o Rio de Janeiro — onde tinha mais contactos no meio académico e intelectual — e, a 26 de maio de 1974, recolheu-se no Mostei-ro de São Bento nesta cidade. Quatro dias mais tarde, Luís Gama Filho fez-lhe uma pro-posta irrecusável para ir dar au-las na universidade privada que fundara em 1939, no bairro da Piedade, um subúrbio carioca. O pagamento incluía um salá-rio de 10 mil cruzeiros (1500 dólares ao câmbio de 1974), um apartamento alugado num bom bairro do Rio de Janeiro e um automóvel com motorista.

Caetano tinha 67 anos e agarrou a oportunidade com as duas mãos porque queria trabalhar e ser financeiramen-te independente. Apresentou--se na UGF a 1 de junho, e co-meçou a dar aulas e a orientar mestrados e doutoramentos, sentindo de imediato a falta da biblioteca, um dos seus instru-mentos de trabalho, que come-çara a construir muito jovem.

Os livros chegaram ao Rio em junho de 1977, e foram o único bem que quis ter consigo no exílio. Como não tinha dinheiro para pagar o frete marítimo, doou à Universidade Gama Fi-lho a biblioteca que tem várias obras raras; é o caso de uma edição de 1731 das “Memórias de D. João I” e cinco volumes das “Ordenações e Leys do Reyno de Portugal confirmadas e estabelecidas por D. João V”. A doação funcionou como um seguro de vida, já que perdera o

direito à reforma com a queda da ditadura; o instrumento de doação foi assinado a 8 de abril de 1976 e, através dele, Caetano garantiu que a UGF lhe pagaria o ordenado até ao fim da vida, se a falta de saúde o impedisse de trabalhar. Morreu no ativo em outubro de 1980.

Nem em sonhos Marcello ima-ginou que a então maior univer-sidade privada do Brasil iria ser vendida e, depois, falir e fechar. Os edifícios e recheio permane-ceram na posse dos herdeiros do fundador, que apenas cederam a exploração da UGF; este dado pode decidir na justiça quem é o proprietário do acervo. Em 2014, Paulo Gama disse ao Ex-presso que a biblioteca é “mo-ralmente de Portugal”, porque os “imóveis da universidade são nossos”. Na opinião de Roberto Rolando Júnior, advogado da família Gama, “a biblioteca per-tence juridicamente a Galileo ADM /A, a antiga mantenedora da UGF que faliu. Isto não impe-de que alguma solução seja dada sobre a propriedade”, mas o pro-cesso de falência vai demorar.

Miguel Caetano, filho de Marcello, está “muito satisfeito com a transferência dos livros para o Real Gabinete”, mas considera que a biblioteca per-tence ao “património da UGF”, ou seja, à família Gama. Só eles poderão no futuro, quando re-cuperarem a tutela do recheio da universidade, decidir se ven-dem os livros ao Estado portu-guês ou ao Real Gabinete por um preço simbólico. O Real Ga-binete foi fundado em 1837 e é a mais completa biblioteca de obras de autores portugueses fora de Portugal.

[email protected]

O juiz Fernando Viana, o cônsul Nuno de Mello Bello, PR,

e representantes do Real Gabinete Português de Leitura

(da esquerda para a direita) na entrega dos álbuns

pessoais de Caetano ao Real Gabinete

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P IONE IRO QUE NOS INSP IRA A DESAF IAR ,

CONSTANTEMENTE, AS CONVENÇÕES DA ALTA

RELOJOARIA.

Expresso, 17 de dezembro de 2016 19 PRIMEIRO CADERNO

O QUE ESTÁ EM CAUSA

1 O combate à precariedade nos quadros do Estado foi um dos temas incluídos

no acordo entre PS, BE, PCP e Verdes que suportou o Governo liderado por António Costa. O objetivo foi já incluído no Orçamento do Estado para 2016, com a promessa de que seria feito um diagnóstico ao número de situações de trabalhadores precários na Administração Pública.

2 O diagnóstico deveria ter sido divulgado até final de outubro de 2016, mas

o Governo ainda não apresentou as conclusões aos parceiros e à maioria parlamentar. Para justificar este atraso, invocou a necessidade de reavaliar todas as situações identificadas. Centeno garantiu esta semana que o relatório será divulgado “brevemente”.

3 O plano previsto apontava para que, depois de conhecido o diagnóstico, o modelo

de integração dos precários nos quadros do Estado fosse divulgado até março de 2017 e que até outubro se iniciassem formalmente os mecanismos para efetivar a integração dos precários. Até ao momento não existe qualquer indicação de que estes prazos possam ser alterados.

Adriano Nobre

“Ninguém fica para trás”. O tí-tulo do manifesto resume em apenas quatro palavras o ca-derno de encargos para a nova batalha da associação Precári-os Inflexíveis: pressionar o Go-verno a integrar nos quadros da Função Pública não apenas uma parte, mas todos os casos de precariedade identificados no levantamento já feito pelo executivo. O movimento é ofi-cialmente lançado este sábado e será acompanhado por uma petição e pela divulgação de uma plataforma digital (preca-riosdoestado.net) para a par-tilha de denúncias e recolha de informações sobre casos de precariedade na Administração Pública.

O objetivo é garantir que os critérios que o Governo está a preparar para a integração de precários nos quadros do Esta-do — que deverá arrancar em 2017 — não prejudiquem alguns dos trabalhadores que se encon-tram nestas condições. O mode-lo final a adotar pelo Executivo ainda não é conhecido, Mário Centeno reiterou esta semana que será conhecido “brevemen-

Manifesto pressiona Governo a integrar todos os precários

FUNÇÃO PÚBLICA

Associação Precários Inflexíveis e BE contestam critérios de admissão nos quadros do Estadolevantamento e depois não cor-rigir todas as situações significa que se trata o assunto apenas pela rama”, defende.

O Governo reiterou esta se-mana, pela voz da secretária do Estado da Administração e do Emprego Público, Carolina Fer-ra, que o atraso na divulgação do relatório se devia à necessi-dade de reavaliar o documento, para fazer “uma caracterização” mais fina de todas as situações de precariedade identificadas no Estado. Uma “matéria comple-xa”, por ser preciso perceber em concreto não apenas quem tem contratos precários, mas sim quem os tem de forma ilegal. “Não vamos eliminar a possibili-dade de haver contratos a termo ou prestação de serviços. Essas figuras têm é de ser usadas para os fins previstos”, exemplificou.

Mas este trabalho que o Go-verno ainda tem em curso susci-ta reservas junto dos Precários Inflexíveis. E também no Bloco e Esquerda, que mantém negocia-ções com o Governo para definir a forma como a correção da pre-cariedade no Estado será feita. “O critério do horário completo para integrar os professores não faz sentido. E o critério de inte-grar apenas professores com

mais de 20 anos de descontos é inaceitável”, exemplifica o depu-tado bloquista José Soeiro, ga-rantindo que o BE vai lutar pela retirada destes pressupostos do projeto final e que continuará a lutar para que os critérios de correção “não deixem ninguém de fora”. “Não pode haver dis-paridade de critérios entre os vários ministério na correção da precariedade”, junta Adriano Campos.

Concurso ou tribunal arbitral?

Dados da Direção-Geral da Ad-ministração e do Emprego Pú-blico apontam para que existam cerca de 110 mil trabalhadores da Administração Pública em re-gime precário. Parte substancial com contratos a prazo, falsos recibos verdes, contratados em outsourcing ou falsos estágios, a que acrescem ainda a existência de falsas bolsas e contratos de Emprego Inserção ou subcon-tratados. Neste contexto, outro ponto que suscita dúvidas é a forma como decorrerá, na práti-ca, o processo de integração nos quadros do Estado. Através de concurso público, como ocorreu na última regularização deste

te”, mas os Precários Inflexíveis decidiram antecipar-se.

Os sucessivos atrasos na di-vulgação do relatório sobre a precariedade no Estado, que o Governo prometera divulgar em outubro, lançaram o primeiro alerta na associação. E os “sinais preocupantes” sobre a possi-bilidade de alguns casos, nos sectores da educação ou da saú-de, por exemplo, poderem não ser abrangidos na integração de todos precários que preencham necessidades permanentes na Administração Pública servi-ram de gatilho ao manifesto e à petição.

“Se o próprio Estado assume que contribuiu para a contrata-ção de precários de forma enca-potada, não faz sentido integrar alguns e não todos”, resume Adriano Campos, membro da direção dos Precários Inflexíveis.

Apesar de saudar o facto de “fi-nalmente um Governo enfrentar o problema da precariedade no Estado, o que é um passo de gi-gante”, o dirigente associativo assume o receio de que o im-passe atual resulte de “pressão política” para que esse processo “seja limitado nalguns sectores”. Algo que, diz, “seria incompre-ensível”. “Fazer este trabalho de

tipo nos quadros do Estado, em 1997, durante o primeiro Gover-no de Guterres? Ou através de tribunal arbitral, como ocorreu em 2008 em Lisboa, quando a Câmara integrou os precários que preenchiam necessidades permanentes da autarquia?

Os Precários Inflexíveis te-mem que a abertura de um concurso público possa colocar em risco a garantia de que os precários terão prioridade na ocupação de cargos que já de-sempenham “nalguns casos há décadas”. Mas José Soeiro diz que nas negociações que o Bloco tem mantido com o Governo há sinais de que o método de inte-gração “fará uma valorização do histórico dos trabalhadores”. Fontes próximas às negociações que antecederam o acordo es-tabelecido entre Governo, PS, BE e PCP para a integração dos precários nos quadros do Estado garantem também ao Expresso que essas situações serão devi-damente salvaguardadas, para impedir “que se corrija um erro com outro erro”. Ou seja, im-pedir que a regularização dos trabalhadores precários redun-de num despedimento e na sua substituição por outras pessoas.

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Expresso, 17 de dezembro de 201620 PRIMEIRO CADERNO

Gente

Chefe Maduro Que Miguel Poiares Maduro é um homem de vários talentos, já se sabia — em-bora, manifestamente, a política não seja um deles. O ex-ministro--adjunto de Passos Coelho é um intelectual respeitado, com uma sólida carreira académica inter-nacional e, entre outros hobbies, é um entusiasta da culinária. Na se-mana que vem, dá mais um passo nessa paixão pela cozinha, e logo num dos palcos mais prestigiados de Lisboa. Poiares Maduro será chefe por uma noite no Eleven, na primeira edição da iniciativa “chefs improváveis”, com a qual o restaurante com uma estrela Michelin espera surpreender os comensais. No menu, preparado a quatro mãos com Joachim Koer-per, o ex-governante assegura duas propostas: a entrada (“falso ovo de queijo e gema com trufa”) e a so-bremesa (“fondant de marmelada com sorvete de marmelo e mous-se de requeijão”). Gente faz votos sinceros para que Miguel Poiares Maduro seja mais bem sucedido na culinária do que foi na governação.

Menina e moça Assunção Cristas estreou-se como pre-sidente do CDS no tradicional

jantar de Natal dos centristas de Lisboa. Já em pré-campanha para a câmara da capital, Cris-tas assinalou que é colega de Fernando Medina nas páginas do “Correio da Manhã”. Com um pormenor que, segundo a líder do CDS, vinca as diferenças entre ambos: a coluna assina-da semanalmente por Medina chama-se “Cais das Colunas”, a de Assunção chama-se “Meni-na e Moça” — o que, na leitura de Cristas, representa a aposta do atual autarca na “pedra” e a prioridade da candidata de di-reita “nas pessoas”. Gente pode revelar que há outra diferença:

no PS ninguém se refere a Me-dina como “Cais das Colunas”, mas no CDS já há quem fale de Cristas como “a menina e moça”.

Más companhias No CDS há quem ainda não tenha engolido a decisão de Assunção Cristas passar a ser colunista do “Cor-reio da Manhã”. Por muitos be-nefícios eleitorais que a montra do jornal e da televisão possa vir a trazer junto do eleitorado mais popular, há muita gente no CDS que não esquece que o “Correio da Manhã” moveu uma perseguição implacável a Paulo Portas por causa da velha histó-

ria dos submarinos. Portas e os seus mais próximos, pelo menos, não esquecem. A adesão de Cris-tas ao “team CM” pode vir a ter custos que a jovem presidente não ponderou...

Troca de cassetes Mário Centeno esteve na quarta-feira na Comissão de Trabalho para discutir com os deputados a re-qualificação da Função Pública. Mas a sessão ficou marcada pelo facto de não ser ainda conhecido o documento mais importante para debater um dos assuntos do momento: as situações de traba-lho precário no Estado, que ser-virá de base à integração destes trabalhadores nos quadros da Administração Central. Todos os partidos pediram urgência ao ministro na apresentação desse levantamento, mas houve dois que foram particularmente in-sistentes ao longo de toda a au-dição: PSD e CDS. Ao ponto de a deputada comunista Rita Rato ter aproveitado uma das suas intervenções para desabafar: “O PCP é muitas vezes acusado de ter uma cassete. Mas nesta comissão estamos a assistir ao PSD e ao CDS com a cassete do relatório. Porque não têm mais nada para dizer sobre o emprego público.” Faltou o relatório, mas sobraram sorrisos amarelos.

Salvos pela sirene Na mesma sala do Parlamento — mas no dia anterior e para outro tema —, os deputados assistiram ao regresso “emocionado” de Manuela Fer-reira Leite à casa da democracia. A antiga ministra das Finanças

A PROVA Tudo apontava neste sentido, mas faltava a demonstra-ção cabal. Ei-la em fotografia, que os olhos não nos deixam mentir: o Presidente não chega ao ponto, como dizia Santana Lopes, de le-var o Governo ao colo, mas é um facto indesmentível que lhe dá bo-leia. A cooperação institucional segue em velocidade de cruzeiro. Com cada qual en su sitio, pois claro FOTO MARCOS BORGA

À boleia de Marcelofoi chamada no âmbito da Co-missão Parlamentar de Inquérito à recapitalização da CGD e não escondeu as saudades que tinha da Assembleia da República. A audição propriamente dita de-correu sem grandes sobressaltos: Ferreira Leite satisfez todas as curiosidades dos deputados sobre o período em que teve a tutela do banco público, entre 2002 e 2004, e ficou evidente que os problemas mais sérios da CGD começaram anos depois. Mas a meio da ses-são houve um momento insólito, quando uma sirene começou a tocar e forçou a interrupção mo-mentânea dos trabalhos. Terá sido uma “disfuncionalidade cognitiva temporária” do sistema de segu-rança da AR? Ou um teste para eventuais salvamentos em futuras audições que estejam a correr me-nos bem nesta CPI?

RECORDE

145CONDECORAÇÕES ENTREGUES POR MARCELO EM NOVE MESES, MAIS DO DOBRO QUE SAMPAIO OU CAVACO EM IGUAL PERÍODO

Sobe, sobe, PS sobe

mandato como secretário--geral do PCP (foi reeleito no congresso realizado no pri-meiro fim de semana de de-zembro), já que é ultrapassado (por uma escassa décima) por Assunção Cristas no ranking dos líderes partidários.

Numa altura em que se suce-

dem as notícias de desconfor-to interno com a liderança de Passos Coelho e de nomes de sociais-democratas a mostra-rem-se predispostos a disputar a presidência do partido, o ex--primeiro-ministro sofre uma erosão de 2,2% no seu saldo de popularidade (ainda assim o

Cristina Figueiredo

A subida tem sido paulatina mas a cada estudo de opinião da Eu-rosondagem para Expresso e SIC o PS vem somando inten-ções de voto. O de dezembro não é exceção e o partido lidera-do por António Costa conquista mais 1% em relação ao mês an-terior e distancia-se novamente do seu adversário mais direto, o PSD — que prossegue a ten-dência inversa e volta a perder (0,4%) pontos, ficando sobre a marca psicológica dos 30%. O PS está agora com 38%, quase mais seis do que os que efeti-vamente obteve nas urnas a 4 de outubro de 2015. E na que pode começar a ser interpre-tada como uma marcha lenta rumo a uma maioria absoluta que lhe possibilitaria dispen-sar acordos de Governo vê os seus principais parceiros par-lamentares a ficarem para trás: com efeito, tanto o BE como o PCP registam menos intenções de voto do que em novembro (respetivamente menos 0,6% e menos 0,5%). Já o PAN sobe significativamente (são só mais 0,5%, mas esse é um valor que ganha outro peso num partido que há um mês tinha).

O estado da arte partidária replica-se, desta vez, nos seus líderes: o primeiro-ministro é o único a consolidar a sua popularidade, com mais 1,3% de saldo positivo do que há um mês. Catarina Martins e Jeró-nimo de Sousa perdem exa-tamente o mesmo número de pontos junto dos inquiridos: 1,9%. Jerónimo não começa da melhor maneira o seu quarto

SONDAGEM

O partido do Governo continua a somar votos. E maioria vê a atuação de Marcelo como adequada

terceiro melhor do ranking dos líderes partidários).

De notar também a ligeira perda (-0,2%) de Marcelo Re-belo de Sousa. O facto só é mais significativo por ocorrer pelo segundo mês consecutivo, a fa-zer pensar se o estado de graça do Presidente da República es-

tará (ainda que muito discreta-mente, uma vez que continua com um estratosférico saldo de quase 57% positivos) a che-gar ao fim. A dúvida dissipa-se quando se pede aos inquiridos que pormenorizem a avaliação da atuação presidencial. Uma indiscutível maioria (62,2%) en-

tende que o inquilino de Belém está a exercer adequadamen-te os seus poderes e 7,6% até acham que ele poderia fazer mais. Só 16,6% pensam que Marcelo se está a exceder na forma como vem exercendo as competências de Presidente.

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FICHA TÉCNICAESTUDO DE OPINIÃO EFETUADO PELA EUROSONDAGEM S.A. PARA O EXPRESSO E SIC, DE 7 A 14 DE DEZEMBRO DE 2016. ENTREVISTAS TELEFÓNICAS, REALIZADAS POR ENTREVISTADORES SELECIONADOS E SUPERVISIONADOS. O UNIVERSO É A POPULAÇÃO COM 18 ANOS OU MAIS, RESIDENTE EM PORTUGAL CONTINENTAL E HABITANDO LARES COM TELEFONE DA REDE FIXA. A AMOSTRA FOI ESTRATIFICADA POR REGIÃO: NORTE (20,2%) — A.M. DO PORTO (13,6%); CENTRO (29,9%) — A.M. DE LISBOA (26,4%) E SUL (9,9%), NUM TOTAL DE 1016 ENTREVISTAS VALIDADAS. FORAM EFETUADAS 1168 TENTATIVAS DE ENTREVISTAS E, DESTAS, 152 (13%) NÃO ACEITARAM COLABORAR NESTE ESTUDO. A ESCOLHA DO LAR FOI ALEATÓRIA NAS LISTAS TELEFÓNICAS E O ENTREVISTADO, EM CADA AGREGADO FAMILIAR, O ELEMENTO QUE FEZ ANOS HÁ MENOS TEMPO, E DESTA FORMA RESULTOU, EM TERMOS DE SEXO: FEMININO — 51,2%; MASCULINO — 48,8% E NO QUE CONCERNE À FAIXA ETÁRIA DOS 18 AOS 30 ANOS — 17,7%; DOS 31 AOS 59 — 50,7%; COM 60 ANOS OU MAIS — 31,6%. O ERRO MÁXIMO DA AMOSTRA É DE 3,07%, PARA UM GRAU DE PROBABILIDADE DE 95%. UM EXEMPLAR DESTE ESTUDO DE OPINIÃO ESTÁ DEPOSITADO NA ENTIDADE REGULADORA PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL.

RESULTADOS GLOBAIS: PS 29,9%; PSD 23,6%; BE 7,2%; CDU 6,1%; CDS 5,3%; PAN 1,3%; OUTROS 5,3%; NS/NR 21,3%

INTENÇÃO DE VOTO

PSD

30%

+1 ponto percentualEM RELAÇÃO

À ÚLTIMA SONDAGEM

-0,4 pontos percentuaisEM RELAÇÃO

À ÚLTIMA SONDAGEM

PS

38%

CDU

7,7%CDS

6,8%PAN 1,6%

-0,6 pts -0,5 pts +0,2 pts -0,2 pts

+0,5 ptsBE

9,1%OUTRO PARTIDO BRANCO/NULO

6,8%

VARIAÇÃO EM RELAÇÃO AO ÚLTIMO BARÓMETRO

POPULARIDADE

ASSUNÇÃO CRISTASA LÍDER DO CDS/PPSALDO

+10,4 PONTOS

POSITIVA 32,5%NEGATIVA 22,1%

VARIAÇÃO -0,9 pontos

CATARINA MARTINS COORDENADORA DO BESALDO

+8,8 PONTOS

POSITIVA 29,5%NEGATIVA 20,7%

VARIAÇÃO -1,9 pontos

JERÓNIMO DE SOUSA LÍDER DA CDUSALDO

+10,3 PONTOS

POSITIVA 35,4%NEGATIVA 25,1%

VARIAÇÃO -1,9 pontos

PASSOS COELHO LÍDER DO PSDSALDO

+14,6 PONTOS

POSITIVA 40,4%NEGATIVA 25,8%

VARIAÇÃO -2,2 pontos

ANTÓNIO COSTA PRIMEIRO-MINISTRO E LÍDER DO PSSALDO

+31,9 PONTOS

POSITIVA 45,3%NEGATIVA 13,4%

VARIAÇÃO +1,3 pontos

MARCELO REBELO DE SOUSA PRESIDENTE DA REPÚBLICA

SALDO

+56,8 PONTOS

POSITIVA 68%NEGATIVA 11,2%

VARIAÇÃO -0,2 pontos

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 PRIMEIRO CADERNO 21

REN até 2 de outubro de 2014Totaliza 55.348 hectares (mas não integra a área da Reserva Natural do Estuário do Sado). Num concelho com 1500 km2, a REN corresponde a 37% do território. Integra faixas de proteção do litoral (leitos, margens e sapais), áreas de proteção e recarga de aquíferos e zonas de prevenção de riscos naturais, como cheias

REN publicada a 3 de outubro de 2014Totaliza 25.924 hectares, ou seja, menos 53% que a anterior. Contudo, como passou a integrar parte da RNES, o corte real é muito superior, atingindo mais de 68%. Exclui dunas, áreas de recargas de aquíferos e quase toda a área do plano urbanístico de Brejos da Carregueira

RESERVA ECOLÓGICA NACIONAL (REN) DE ALCÁCER DO SAL

FONTE: DGT/CCDRALENTEJO/DR

NÚMEROS

420milhões de euros é o valor da avaliação da Herdade da Comporta, que passou da falida Rioforte para o Novo Banco e que aguarda compradores

1milhão de euros é quanto pode custar uma casa na Herdade da Comporta numa pesquisa em sites de imobiliário online. À venda estão também lotes de terreno onde se garante poder construir casas até 1500 m2

200é o número pelo qual se pode multiplicar o valor de um terreno que passa de rural a urbano depois de desafetado da REN

FACTOS

REDE NATURA 2000Rede ecológica definida para assegurar a conservação das espécies e habitats mais ameaçados na Europa. O sítio Comporta-Galé visa proteger uma planta, a Armeria Rouyana, classificada como um “endemismo lusitano vulnerável”. A sua presença não foi considerada na aprovação do plano de pormenor de Brejos da Carregueira

REDE ECOLÓGICA NACIONALEstruturas biofísicas criadas legalmente em 1983 pelo arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles para proteger áreas que salvaguardam bens e serviços ambientais, como dunas, sapais, aquíferos ou solos ameaçados pela erosão ou por cheias. Em 2012 foi aprovado um diploma que estabeleceu novas orientações estratégicas para a REN, cujos critérios geram controvérsia

HERDADE DA COMPORTAA maior propriedade privada em Portugal com uma área de 12.500 hectares. Estende-se pelos concelhos de Alcácer e Grândola. Adquirida pela família Espírito Santo em 1955, foi nacionalizada em 1975 e devolvida aos privados em 1991. Os projetos turísticos começam a ser desenhados em 2003 e a transformar uma área até então predominantemente agrícola

Alcácer do SalComporta

Brejos daCarregueira

10 KM

N

Rio Sado

Alcácer do SalComporta

LimiteHerdade da Comporta

Brejos daCarregueira

Carla Tomás e Rui Gustavo

Operações urbanís-ticas autorizadas pela Câmara de Alcácer do Sal na Herdade da Com-porta, entre 2004 e 2012, consideradas ilegais pela inspe-ção do Ambiente

são agora alvo de um processo-crime. O MP de Setúbal está a investigar alegadas falsificações de documentos relacionados com o licenciamento de casas, anexos e piscinas junto de uma das praias que mais atrai a high society nacional e estrangeira.

O processo, aberto na sequência do relatório da Inspeção-Geral do Am-biente e Ordenamento do Território (IGAMAOT), deu origem a quatro inquéritos, confirma a Procuradoria--Geral da República. Entre os argui-dos está o ex-presidente da Câmara de Alcácer do Sal, Pedro Paredes, uma ex-vereadora do urbanismo, um arquiteto da autarquia e outro “civil” e o administrador da Herdade da Comporta, Carlos Beirão da Veiga.

Pedro Paredes, que presidiu à au-tarquia entre 2004 e 2013, recusa comentar: “Estou em black out e só prestarei declarações aos juízes.” Adianta que se afastou da vida públi-ca e que se dedica, como arquiteto, a fazer “casas lindas no Alentejo”. Não diz se alguma delas é na Comporta.

Carlos Beirão da Veiga esclarece que a sua “condição de arguido não tem qualquer relação com as obras realizadas” na casa que possui, “há 25 anos”, na Comporta, que cumpriram “a legislação aplicável”. Porém, o re-latório da IGAMAOT levanta dúvidas quanto a essa legalidade, explican-do que Beirão da Veiga apresentou, em 2004, um projeto para “obras de melhoria de condições mínimas de habitabilidade”, acabando por obter licença da Câmara para transformar três edificações que totalizavam 150 m2, num conjunto de blocos que so-mam 400 m2, em áreas de Rede Eco-lógica Nacional (REN) e Rede Natura 2000, para o qual obteve licença de utilização em 2007. Cruzando in-formação documental e fotografias aéreas do local (tiradas entre 1987 e 2012), os inspetores concluíram que as “obras foram executadas à revelia da lei”, duas sem qualquer licença.

Este não é caso único naquilo que a inspeção descreve como “consolida-ção de situações ilegais” na Herdade da Comporta. A inspeção, de 2013, detetou 140 operações urbanísticas suspeitas em Brejos da Carregueira

Justiça investiga crime na Comporta

SO CIEDADE AMBIENTE

Ministério Público Antigo presidente da Câmara, dois arquitetos e gestor da Herdade da Comporta são suspeitos de falsificação de documentos

e concluiu que apenas três respeitam as normas legais. Entre as restantes, 26 foram aprovadas ilegalmente pela Câmara violando a REN, e 109 foram concretizadas “à revelia dos proje-tos aprovados” ou sem aprovação camarária.

Os inspetores verificaram “uma expansão urbanística assente numa matriz de génese ilegal que, num pe-ríodo de 18 anos (1995-2012) mais do que triplicou a área impermeabiliza-da”, violando a REN e a Rede Natura 2000, sendo notória a “promoção ilegal de edificações de raiz por par-te de particulares sobretudo entre

2004 e 2012, sem que o município exercesse o controlo devido”.

Em 2012, a Câmara fez aprovar o Plano de Pormenor de Brejos da Carregueira que “permitiu quadru-plicar o perímetro urbano de 22 para 81 hectares”. Para tal contou com a “anuência” da Comissão de Coorde-nação de Desenvolvimento do Ter-ritório do Alentejo (CCDRA), con-trariando as diretrizes de contenção da expansão urbana decretada pelo plano regional. Nesse mesmo ano, co-meça a ser elaborada a redefinição da REN, aprovada em outubro de 2014 pela CCDRA, eliminando mais de

68% da área de proteção ecológica.Para Francisco Ferreira, dirigen-

te da ZERO, “é um escândalo esta redução da REN, que revela o que a comunidade ambientalista já temia: a municipalização da REN”. A pro-posta de redefinição foi feita pela Câmara e aprovada pela CCDRA sem ter em conta o parecer necessário do Instituto de Conservação da Na-tureza e das Florestas (ICNF) sobre os valores ecológicos a ter em conta.

A redução da REN é aprovada me-nos de um mês depois de o então mi-nistro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, com base no relatório da

A maior propriedade privada do país pertencia

à falida Rioforte e está agora nas mãos do Novo Banco

FOTO LUÍS BARRA

IGAMAOT, assinar um despacho de-terminando que a Câmara de Alcácer anule licenças e levante contraor-denações. O ministro ordena ainda que a CCDRA reveja a proposta de redução da REN, seguindo as orien-tações do ICNF para a delimitação de dunas costeiras e fósseis. Moreira da Silva manda o inspetor-geral enviar o relatório para o MP com vista a “im-pugnação de atos administrativos” e ao apuramento de responsabilidade criminal.

Moreira da Silva afirma agora que “até ao final do mandato” procurou “assegurar a reposição da legalida-de”. O último passo, dado em setem-bro de 2015, foi chamar a Comissão Nacional do Território para avaliar a aplicação do regime de REN aprova-do em 2014. Isto porque há um dife-rendo entre várias entidades quanto à interpretação das orientações es-tratégicas para as REN. De um lado estão a CCDRA e a Agência Portu-guesa do Ambiente que concordam com a redução da área protegida. E do outro estão a IGAMAOT e o ICNF, para os quais as dunas não podem desaparecer da REN.

Passou um ano e nada aconteceu. O gabinete do atual ministro, João Ma-tos Fernandes, informa que o ICNF aguarda esclarecimentos da CCDRA e que “a Comissão do Território está a avaliar a aplicação das orientações estratégicas para a REN”. Uma fonte do processo lembra que “a anulabili-dade dos atos administrativo já pres-creveu, tendo em conta que a REN está em vigor há dois anos”. Porém, o esclarecimento dos critérios apli-cados nas orientações estratégicas pode “evitar futuras situações como esta e a do concelho de Grândola, onde desapareceram quase dois ter-ços da REN”. No caso de Grândola “a REN perdeu 76% de área”, sublinha Francisco Ferreira. A ZERO defende que “o ministro do Ambiente revogue ou anule rapidamente os despachos que levaram à enorme redução des-tas áreas em ambos os municípios”.

O atual presidente de Alcácer, Ví-tor Proença, defende que a redução “da REN cumpriu escrupulosamente as opções estratégicas”. O autarca argumenta ainda que, na sequência do relatório da IGAMAOT, “foram levantados vários processos de con-traordenação e declarada a nulidade em quatro casos”, entretanto impug-nados judicialmente.

A aprovação da REN em 2014 levou ao arquivamento do processo no Tri-bunal Administrativo de Beja. Falta ver o que acontece com o processo--crime em curso.

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Expresso, 17 de dezembro de 201622 PRIMEIRO CADERNO

NÚMEROS

501milhões de euros é o custo da nova linha Évora-Caia, segundo as contas da IP, de fevereiro deste ano. A comparticipação da UE deverá ser de €267 milhões. Para os 9 km do ramal de Estremoz previam-se €20,2 milhões (4% do valor global)

97km será o comprimento da ligação de Évora à fronteira espanhola. A obra de peso será o troço de 79 km, a construir de raiz, entre a futura estação de Évora Norte e Elvas. Os restantes 18 km serão em via já existente: os 9 km iniciais do ramal de Estremoz (para o qual se admite agora um trajeto alternativo); os 9 km finais usando a ligação Elvas-Caia

Um choque político muito amortecido

Se no diálogo da Câmara com a IP houve sempre ao longo dos meses um claro antagonismo de pontos de vista, já no plano político as coisas têm sido muito em low profile. Tanto na relação do poder local com o central como na discussão entre as forças políticas da cidade. A explicação é simples. Por um lado, a autarquia eborense tem hoje canais e facilidades de acesso ao Executivo que nunca existiram entre qualquer outra câmara comunista e um Governo. Recorde-se que o deputado do PCP por Évora é o seu líder parlamentar, João Oliveira. Os novos tempos da esquerda explicam o primado da discrição dos gabinetes sobre os choques frontais na praça pública. Por outro lado, a oposição em Évora (socialista) não pode chamar muito a atenção — eventualmente cobrando um alegada “menor firmeza” de Carlos Pinto de Sá, tese que o autarca

recusa, aliás — para um problema que, em última instância, só depende do Governo (socialista). Com as autárquicas de 2017 já no horizonte, uma figura de proa do PS em Évora dizia há semanas ao Expresso: “Ainda não percebi a demora [do Governo] em tomar uma decisão.” Tal indefinição seria um “fardo” para o candidato do PS (e um trunfo que o PCP saberia jogar na hora certa). Há agora um sinal de mudança de agulha sobre o traçado. Será o fim da linha? Certamente que não. É ainda prematuro antecipar qual será a solução final. Mas, para já, todos ganham tempo, o que em política é um bem precioso. E a próxima paragem desta discussão é observar quem se empenhará mais em querer capitalizar eleitoralmente o ganho de um possível traçado alternativo: se a Câmara (PCP), se o PS/Évora (imputando o mérito ao Executivo de António Costa). P.P.

Paulo Paixão

Após 10 meses de desavenças sobre o traçado da linha fer-roviária de mercadorias en-tre Sines e Caia, a Câmara de Évora e o Governo, através da empresa pública Infraestrutu-ras de Portugal (IP), chegaram esta semana a um princípio de entendimento. Ainda não é a estação final que os eborenses desejam para resolver o proble-ma, mas pode ser um primeiro apeadeiro para lá chegar.

Desde fevereiro, quando a po-lémica rebentou, que tanto os órgãos municipais como forças vivas locais (moradores e a as-sociação de empresários) têm contestado o traçado escolhido pela IP para atravessar Évo-ra. A opção recaiu no antigo ramal de Estremoz, que passa por entre a malha urbana. Os eborenses, na sua grande maio-ria, recusam esse trajeto, prefe-rindo uma linha mais exterior, que poderá reaproveitar parte do antigo ramal de Reguengos de Monsaraz (ver infografia).

A IP sugeriu há cerca de cin-co semanas alterações ao pro-jeto inicial. Mas apenas como medidas de mitigação (por exemplo, trocando o fecho de ruas ao trânsito e a criação de passadeiras aéreas pedonais pela instalação de passagens de nível), nunca abdicando do antigo ramal de Estremoz.

Mantinha-se o braço de ferro até que nesta segunda-feira o presidente da Câmara de Évo-ra, o comunista Carlos Pinto de Sá, foi informado pelo Governo de que a empresa gestora da rede ferroviária (herdeira da Refer) pondera a escolha de outro itinerário.

“A IP está a fazer um estudo prévio e um estudo de impac-te ambiental para o traçado atual e para a alternativa, para depois tomar uma decisão”, adiantou ao Expresso uma fonte do Ministério do Equi-pamento e das Infraestruturas (liderado por Pedro Marques), que tutela a IP.

Além da oposição ao percur-so inicial (a proposta vem do Governo PSD/CDS), uma se-gunda reivindicação faz a una-nimidade dos partidos políticos com assento no município de Évora (PCP, PS, PSD e Bloco de Esquerda), de movimentos de cidadãos e de empresários: terá de haver um terminal lo-gístico junto à cidade. A ideia é permitir à indústria instalada (de que o cluster aeronáutico liderado pela Embraer é o caso mais emblemático) exportar a produção. Tal infraestrutura, que o projeto da IP não con-templa, serviria também para atrair novos investimentos. Apesar de discordâncias sobre pontos-chave, os eborenses consideram que o eixo ferro-viário de Sines a Caia (o cha-mado corredor internacional sul, uma linha transeuropeia) é “estruturante” e de “grande importância para e economia do país”.

Évora não quer comboios por linhas tortas

TRANSPORTES

Traçado inicial, com comboios de 750 metros a cada 14 minutos, iria dividir a cidade. Ante a contestação geral, a IP recua e admite um traçado alternativo

“Se o projeto inicial da IP avançasse, não só cortaria Évora como ficaríamos a ver passar os comboios”, dizia recentemente ao Expresso o presidente da Câmara, Carlos Pinto de Sá.

A antiga linha de Estremoz teve passageiros até 1990. Depois disso, e durante duas décadas, apenas houve trans-porte avulso de mercadorias. Há meses foi lançada a ideia de um futuro transporte de passa-geiros, de Évora a Badajoz. Mas nunca houve da parte da IP ou Governo qualquer compromis-so nesse sentido.

O troço contestado em Évora

bordeja algumas casas. Para lá da linha, na zona nascente da cidade, vivem cerca de 1700 pessoas, em casas dispersas e nos bairros de Santa Luzia, Santo António, 25 de Abril, Co-menda e Caeira.

Já contando os residentes pela sua proximidade aos car-ris, são cerca de 1400 pessoas num raio de 100 metros a par-tir da linha, quase 3800 a 200 metros e cerca de seis milhares a 300 metros, segundo dados compilados por José Manuel Caetano, professor universitá-rio e rosto do Movimento de Ci-dadãos Évora Unida. Uma peti-ção deste grupo, que se opõe ao

uso do ramal de Estremoz, fora já assinada na quinta-feira por 1473 pessoas.

Mas o uso do antigo ramal de Reguengos de Monsaraz (im-plicando depois um novo troço, de meia dúzia de quilómetros, em direção à futura estação de Évora Norte), tem também opositores entre os moradores dos bairros de Santa Luzia e da Caeira.

Os adversários do projeto ini-cial da IP queixam-se da “perda de segurança e de qualidade de vida” que o aproveitamento do ramal de Estremoz acarre-tará. Defendem que porá em causa “a integridade da área

Troço da antiga linha de Estremoz, entre a malha urbana de Évora, no qual se prevê que passem as mercadorias chegadas ao porto de Sines FOTO JOSÉ CARIA

urbana da cidade” e afetará a mobilidade, ao “comprometer ou eliminar acessos”, entre o centro e a periferia. E alertam para o perigo de passarem pela cidade “mercadorias perigo-sas” oriundas do porto de Si-nes (a IP garantiu, entretanto, que tudo será transportado em “contentores”).

Sobretudo desde que os comboios deixaram de cir-cular regularmente, a cidade foi crescendo para o exterior. Rotinas do vaivém quotidiano seriam agora cortadas por uma via férrea de grande utilização. Apesar de em meados do mês passado, representantes da IP terem afirmado que o tráfego máximo seria de sete comboios diários em cada sentido (14 no total, portanto), documentação da própria empresa põe em xe-que tal garantia.

Com efeito, em 12 de feve-reiro, quando apresentou o “Plano de Investimento em In-fraestruturas, Ferrovia 2020”, a IP abriu o jogo sobre as metas para a linha de Sines a Caia: “Trará um aumento da capa-cidade diária da saída de Sines (...) para 51 comboios de 750 metros” (correspondendo a “um acréscimo de capacidade de duas vezes e meia a atual”).

Ora, se haverá 51 comboios a sair, outros tantos terão de voltar ao porto. Serão, portan-to, 102. O que a dividir por 24 horas dá um comboio a circular por Évora a cada 14 minutos.

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Bairro do Poçoentre Vinhas

Nossa Senhorada Saúde

Ramal de Reguengos de Monsaraz(proposta alternativa)

Linha atual

Ramal de Estremoz(proposta da IP)

Reguengos

Estaçãode Évora

Bairroda Comenda

Bairro25 de Abril

Bairrode Sto. António

Bairroda Caeira

Bairrode Sta. Luzia

ÉVORA(centro histórico)

200 M

N

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 23 PRIMEIRO CADERNO

BREVES

Exército admite falhas nos ComandosINSPEÇÃO O relatório da Ins-peção Técnica Extraordiná-ria ao 127º Curso de Coman-dos, que custou a vida a dois instruendos, admite “falhas” nas “provas de classificação e seleção” e no “sistema clínico de apoio”. Por isso, o Exército decidiu que “os próximos cursos de coman-dos se mantêm suspensos”, pelo menos até janeiro de 2017. O Ministério Público está a investigar as circuns-tâncias das mortes de Hugo Sousa e Dylan da Silva e já constituiu sete arguidos.

Pedrosa acusada de abuso de poder

CRIME A ex-diretora da Casa Fernando Pessoa é acusa-do pelo Ministério Público de abuso de poder por ter, alegadamente, atribuído trabalhos à empresa Abo-ve Bellow, propriedade de Gilson Lopes, com quem a arguida manteria uma rela-ção de união de facto. O MP acusou ainda a ex-direto-ra-executiva Carmo Mota. Inês Pedrosa considera a acusação “uma aberração”.

7200 não querem tema do aborto no 5º anoEDUCAÇÃO Mais de 7200 pessoas já assinaram uma petição online contra a introdução do tema da interrupção voluntária da gravidez (IVG) nas aulas de educação sexual a partir do 5º ano de escolaridade. A proposta pode ser lida no referencial da Educação para a Saúde, que o Minis-tério da Educação abriu à consulta pública até segun-da-feira, dia 19. Além des-ta indicação, o documen-to prevê a introdução de outros temas de educação sexual no pré-escolar.

1000euros brutos por mês vão ser pagos aos médicos que optem por zonas onde faltam cuidados. Os incentivos foram aprovados na quinta-feira e incluem ainda dois dias extras de férias, 11 dias contínuos nas paragens escolares dos filhos, prioridade na colocação dos cônjuges e 15 dias para formação.

O CUSTO DOS ÚLTIMOS 30 DIAS DE VIDA É BRUTAL. NUNCA FIZEMOS ESSE ESTUDO EM PORTUGAL PORQUE INCOMODAManuel Luís Capelas Presidente da Associação de Cuidados Paliativos, ao “I”

NÚMERO

720foi o total de pessoas recolocadas em Portugal no âmbito do programa de apoio aos refugiados, desde 17 de dezembro de 2015

142pessoas desistiram de permanecer em Portugal, de acordo com a última informação disponibilizada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras

50novos refugiados deverão chegar ao país ainda este mês e novas entradas são esperadas logo para o início do próximo ano, segundo o gabinete do ministro-adjunto

INTEGRAÇÃO

Falar para estudar ou trabalhar

Na base do Programa de Recolocação de pessoas refugiadas aplicado por Portugal, descentralização é a palavra-chave. Por isso, “é ao nível local que a integração acontece, com o apoio e os recursos existentes em cada território”, como explica a porta-voz do gabinete do ministro-adjunto, Eduardo Cabrita, responsável no Governo por esse delicado dossiê. Para que a integração aconteça, a aprendizagem da língua é o passo inicial. Só depois é possível pensar na participação das crianças e jovens no sistema de ensino e na conquista de um posto de trabalho pelos adultos. Mas, a seis meses de os primeiros recolocados verem acabar o programa de apoio, já se pensa num plano de transição. Articulado entre o Instituto de Segurança Social, o Alto Comissariado para as Migrações, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e as diversas entidades de acolhimento, caberá a estas últimas definir planos individuais e familiares, tentando ajudar a concretizar projetos de vida, com o objetivo de autonomizar estas pessoas das instituições que as receberam. Mas para 142 pessoas nada disso será necessário. Este é o total dos refugiados que preferiram sair de Portugal.

Christiana Martins e Raquel Moleiro

“Caros amigos, muitíssimo obrigado pelo magnífico livro, que muito apreciei. Com os me-lhores cumprimentos, António Guterres”. O cartão manuscrito chegou a Alfeizerão esta quin-ta-feira e no remetente não dei-xa margem para dúvidas: “2 UN Plaza New York, USA.” Daud al--Anazy é o destinatário do car-tão. Iraquiano, refugiado, tem 25 anos, perdeu tudo e é em Alfeizerão que procura novo rumo. Mas, para já, conseguiu o que muitos portugueses não conseguem: emprego, escrever um livro e receber os parabéns do novo secretário-geral das Nações Unidas.

Faz hoje um ano que chega-ram a Portugal as primeiras pessoas ao abrigo do Progra-ma de Recolocação de Refu-giados. Já foram acolhidas 720, das quais 512 adultos e 208 crianças. Ainda este mês chegam mais 50 pessoas. Che-gam cansadas, traumatizadas, sem nada a não ser memórias. Daud é o nome e o rosto de um destes números de que se fa-zem as estatísticas. Chegou a Lisboa a 17 de dezembro de 2015 e é um dos 36 adultos que conseguiram emprego. Mas Daud não consegue fazer pla-nos para o futuro. O passado toma conta de tudo.

Conversar com ele não é fácil. O idioma é um obstáculo, mas é o olhar perdido num ponto distante o principal entrave. No dia em que recebeu o Expresso na Casa do Pão de Ló, em Alfei-zerão, onde trabalha, foi ainda mais difícil tirá-lo do silêncio em que costuma cair: recebera a notícia da morte de um tio no Iraque. Do pai, irmãs e sobri-nhos que ficaram em Mossul não sabe nada há cinco meses. Mas confessa: “Apesar de tu-

Daud veio de Mossul ensinar Alfeizerão a gostar de baklava

REFUGIAD OS

Num ano, 36 dos 512 refugiados adultos recebidos por Portugal conseguiram empregodo, vir foi muito bom para mim.”

Na verdade, quem faz a liga-ção entre Daud e o novo mundo que o recebeu é Helena Lopes Franco. Começou por ser a pro-fessora de português dos re-fugiados levados para Alfeize-rão, ao abrigo de um protocolo com a União das Misericórdias. Dona da Casa do Pão de Ló, continua a ser sua professora mas tornou-se também a sua patroa e hoje são muito mais do que isso, são amigos e coau-tores do livro que visa dar uma história concreta aos refugi-ados que chegam a Portugal. “De Mossul a Alfeizerão em 6000 Palavras” é uma edição de autor e conta passo a passo a luta do iraquiano para sair da sua cidade natal e chegar à Europa. Foi esse o livro que encantou António Guterres.

“Os refugiados não passam de números e imagens na te-levisão. São estatísticas de mortes. Mas quando conhece-mos histórias como a de Daud, fazem-nos abalar”, diz Hele-na. Daud, que já teve um táxi e um café em Mossul, atende às mesas. De aparência latina, com brilhantes olhos azuis, não causa espanto nos clientes até começar a falar. Aí perguntam--lhe: “De onde vem?” Quando descobrem, as reações variam, embora a maioria tenha sido positiva, garante Helena. Hou-ve quem pedisse para aprender árabe e “um senhor da Nazaré comprou o livro e depois trouxe a família para o conhecer”.

Daud recebe um salário de

530 euros. Por isso, deixou de ter direito aos 150 euros men-sais, do total de seis mil euros por 18 meses do programa de recolocação. Pode reaver al-gum deste dinheiro mediante a apresentação de faturas, como fez em relação ao tratamen-to dos dentes. E vai tentar fa-zer o mesmo com a carta de condução que está a tirar. O gabinete do ministro-adjun-to explica que “nos casos em que o beneficiário mantenha uma relação laboral dentro do período acordado para a inte-gração, igual ou superior ao valor do Rendimento Mínimo Mensal Garantido, o pagamen-to da prestação deverá cessar e reverter a favor de uma bolsa a ser criada pela entidade de acolhimento que a utilizará em benefício do processo de inte-gração do beneficiário”.

Concluído o programa, “os refugiados têm direito aos apoios sociais existentes, como qualquer cidadão português”. Quanto aos 36 refugiados que conseguiram emprego, apesar de o número poder parecer re-duzido, a avaliação da tutela é positiva. “Apesar de os pri-meiros refugiados terem che-gado em dezembro de 2015, só a partir de março de 2016 é que as chegadas começaram a ser mais frequentes”, explica a porta-voz de Eduardo Cabrita.

O jovem iraquiano nada sabe do futuro, apenas que não quer regressar a Mossul. Dorme mal e não consegue responder à dúvida que mais o inquieta: “O que vou fazer quando acabar o programa? Há portugueses a sair do país à procura de emprego...” Entretanto, faz baklavas, doce típico do Médio Oriente, no forno onde se cozi-nha o pão de ló. E ouve Helena dizer que o nome dela ficaria bem à filha que um dia Daud poderá ter.

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O iraquiano Daud não pensa no futuro e só quer saber o que aconteceu à família em Mossul FOTO JOSÉ CARLOS CARVALHO

Governo considera positivo o número de refugiados que estão a trabalhar, tendo em conta condicionantes como a língua

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Expresso, 17 de dezembro de 201624 PRIMEIRO CADERNO

MariaFilomenaMónica

Os leitores não vão acre-ditar, mas juro que é verdade. Estava eu a tentar escrever esta cró-

nica, quando recebi a notícia de que Frederico Lourenço tinha ganho o Prémio Pessoa. Não te-nho competência para avaliar o rigor com que traduziu a Bíblia,

muito menos para entrar em debates teológicos, mas de uma coisa estou certa: a sua publica-ção é um marco fundamental na cultura portuguesa. O presente volume (parabéns à Quetzal) é o primeiro de seis que disponi-bilizarão em língua portuguesa a tradução integral da Bíblia

Grega, dando a conhecer os 27 livros do Novo e os 53 do Anti-go Testamento. Note-se que, ao longo dos tempos, o Vaticano desencorajou a leitura da Bíblia em qualquer língua que não de-rivasse da do latim da “Vulgata”. Só em 1943 Pio XII admitiu a tradução a partir das línguas originais e só em 1965 Paulo VI promulgaria o documento ‘Dei Verbum’. Ainda o tentei ler, mas não fui capaz. Em vez disso, re-fugiei-me no delicioso “Good Book”, de D. Plotz (2009).

Frederico Lourenço preten-deu dar a conhecer o texto bíbli-co “de forma não doutrinária, não confessional e não apolo-gética”. Ao contrário da Bíblia dos Capuchinhos, que anda cá por casa, e na qual está aposto o imprimatur de D. António, car-deal-patriarca de Lisboa, com

data de 1/10/1982, a obra de Lou-renço não tem o imprimatur da Igreja. Parte das críticas à nova tradução — a do padre Mário Sousa, a de Frei Herculano Al-ves e sobretudo a do padre Por-tocarrero de Almada — denotam a irritação causada pelo facto de a obra ser fruto do trabalho individual (o que é dito) e por não ter solicitado o imprimatur (o que não é dito).

Tendo em conta os telhados de vidro na divulgação da doutrina, a Igreja Católica deveria estar

caladinha. Depois de ter passado 14 anos metida num colégio de freiras, tudo quanto fiquei a sa-ber sobre a Bíblia foi que servira de fonte ao missal que eu usava, o “Missal Quotidiano e Vesperal” de Dom Gaspar Lefebvre (não, não é da autoria do famoso mon-senhor). Sendo eu uma rapariga, pensava-se que o ambiente que me rodeava deveria chegar e sobrar para fazer de mim uma católica exemplar. Mas não che-gou nem sobrou. Pouco tempo depois de terminada a escolari-dade secundária, abandonava a religião onde fora criada.

Em 1971, quando cheguei a Oxford, arranjei dois amigos judeus (não praticantes) que, para me irritarem, passavam o tempo a fazer-me perguntas so-bre a Bíblia. A mais longa sessão debruçou-se sobre a virginda-

de de Maria. Na altura, pensei que estavam a brincar. Verifico agora, pela Bíblia de Louren-ço (pág. 28/9) que, de todas as profecias citadas no Evangelho, a discussão sobre o tipo de rela-ções sexuais entre José e Maria será a que “terá feito correr mais tinta, pois é nela que assenta a crença cristã na virgindade de Maria”. Muitos exegetas mo-dernos defendem, na realidade, ter existido um mal-entendido linguístico: a palavra almá, utili-zada no texto original de Isaías, não significaria virgem. Quem quiser aprofundar a questão, não tem mais do que comprar a Bíblia de Frederico Lourenço.

Maria Filomena Mónica escreve de acordo com a antiga ortografia

A Bíblia de Frederico Lourenço

Tendo em conta os telhados de vidro, a Igreja Católica deveria estar caladinha

SEGREDOS REVELADOS

^^ anti-inflamatórios^para^a^pele,^^por^exemplo^para^a^psoríase

^^ ingredientes^de^sabonetes^^e^de^cosméticos^

^^ tintas^e^soluções^antiqueda^de^cabelo

^^ gotas^para^os^olhos

^^ antifúngicos^para^micoses^

^^ detergentes^à^base^de^limão^

^^ antidepressivos,^como^^o^citalopram^

^^ antisséticos^para^cosméticos

^^ protetor^solar

^^ cafeína,^aspartame,^pimenta^^e^citrinos

^^ repelentes^com^DEET

^^ anti-histamínicos^e^anti-inflamatórios,^como^ibuprofeno

^^ pesticidas^veterinários

Vera Lúcia Arreigoso

O telemóvel é um poderoso instru-mento de comunicação. Liga-nos aos outros e liga-se a nós próprios, armazenando informações pessoais sobre quase tudo. Além de regis-tar chamadas e mensagens, sabe-se agora que do lado de fora armazena dados sobre o que o utilizador come, o sabonete que usa, as viagens que fez ou até os remédios que toma. Como? Basta tocar-lhe.

A ‘assinatura química’ é feita atra-vés da pele, pela transpiração ou so-mente pelo contacto. As moléculas das substâncias no organismo e em redor do utilizador são transferidas para o telemóvel quando lhe toca com as mãos ou com o rosto. E o rasto não se apaga facilmente.

Segundo o estudo publicado na re-vista da Academia Nacional de Ciên-cias dos EUA, as pequenas moléculas (metabólitos) podem permanecer na superfície do telefone durante muito tempo e mesmo quando o utilizador já não está em contacto com esses produtos. Por exemplo, o protetor solar ou o repelente de mosquitos aplicados meses antes durante as férias.

A equipa da Universidade da Ca-lifórnia, liderada pelo químico ho-landês Pieter Dorrestein, analisou 39 telefones e traçou um perfil dos donos a partir do rasto de moléculas

Telemóveis revelam (quase) tudo sobre nósRasto deixado através da pele mostra alimentação, higiene, viagens e até doenças. Técnica já é usada pela PJ

encontrado, sobretudo na parte de trás. Com espetrometria de massa de alta resolução, descobriram quem pintava o cabelo, hidratava a pele, tinha irritação nos olhos, passava muito tempo ao ar livre ou tinha ani-mais domésticos.

A utilização de detergentes com li-mão e de maquilhagem e o consumo de café, adoçante, citrinos e até de pimenta também foram desvenda-dos. Situações associadas à saúde não passaram igualmente desperce-bidas. No exterior dos telefones es-tavam registados anti-inflamatórios cutâneos, por exemplo para a pso-ríase; antidepressivos, antifúngicos para o pé de atleta ou a candidíase; anti-histamínicos para alergias ou anti-inflamatórios.

A transferência de metabólitos para objetos já era conhecida mas foi agora pormenorizadamente estuda-da. O telemóvel foi escolhido pela am-pla utilização no mundo moderno.

Os investigadores acreditam que a ‘assinatura química’ pode ser mais uma opção para várias áreas: foren-se, defesa, toxicologia, ambiente e até medicina, permitindo avaliar a resposta ao tratamento sem méto-dos invasivos. Falta uma ampla base de dados com as moléculas e a respe-tiva associação ao quotidiano.

Em Portugal a técnica é conhecida e utilizada. “Temos uma Rede Naci-onal de Espetrometria de Massa e uma plataforma do tipo descrito no

artigo científico e metodologias para estudos de metabolómica”, explica Conceição Oliveira, responsável pelo Laboratório de Espetrometria de Massa do Centro de Química Estru-tural do Instituto Superior Técnico.

Do doping à cirurgia

Análise de doping, de contaminan-tes de rios e de águas, de pesticidas ou o controlo de medicamentos são

algumas das aplicações. Conceição Oliveira dá outro exemplo: “Em Me-dicina há espetrómetros que durante a cirurgia identificam se os tecidos são ou não cancerígenos.”

Na rede nacional estão os equi-pamentos e as metodologias mais complexas e a quem as restantes entidades requerem serviços. A Ju-diciária, a ASAE e até hospitais, por exemplo, têm aparelhos só para tes-tes mais comuns.

“Na Polícia Judiciária (PJ) anali-samos moléculas e químicos e, num plano mais micro, identificamos tin-tas, por exemplo tintas de seguran-ça de notas. Para a espetrometria de alta resolução temos protocolos com as faculdades de Ciências de Lisboa e de Farmácia do Porto ou com o Instituto Superior Técnico, por exemplo para identificar fibras”, afirma Carlos Farinha, diretor do Laboratório de Polícia Científica da PJ.

O investigador explica que já se recorre ao estudo da ‘assinatura química’. “É utilizado para uma abordagem o mais ampla possível, alargando ao máximo o espectro de recolha e de comparação para ter-mos mais alternativas”. Na opinião de Carlos Farinha, “o desafio é alar-gar os campos de possibilidades, por exemplo estamos a fazer um estudo para procurar elementos químicos e biológicos nas impressões digitais para datação”. Ou seja, “se conse-guirmos saber que uma impressão tem sete dias e o crime foi cometido há cinco...”

Para o responsável da Judiciária, “o estudo sobre os telemóveis de-monstra que vale a pena procurar mais além”. Isto é, extrair toda a informação possível do mesmo ele-mento. “O que se pretende é saber cada vez mais a partir de cada vez menos”, afirma Carlos Farinha.

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ESTUD O

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 25 PRIMEIRO CADERNO

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Expresso, 17 de dezembro de 201626 PRIMEIRO CADERNO

Assad em Alepo, a vitória de Pirro

Ricardo Silva

Onde havia ruas, há montes de ruínas. Onde havia prédios, há lajes inclinadas e paredes esventra-das. E onde havia quarteirões há um caos de crateras, montes de entulho e

algumas estruturas que vá-se lá saber porquê se mantêm na vertical. Nem a vizinha Beirute no tempo da guerra civil alguma vez chegou a este estado.

Por baixo do montão de ruínas em que se transformou a metade oriental de Alepo há um número incontável de mortos, na sua maioria civis, que talvez nunca venham a ser avaliados de forma credível. Nas últimas três semanas, a aviação e a artilharia de Assad e seus aliados tanto atiraram às cegas sobre zonas habitadas, como to-maram deliberadamente como alvos filas de civis à porta das poucas lojas que permaneciam abertas, hospitais, equipas de socorro e a frágil infraes-trutura de água, eletricidade, etc., que ainda restava de pé.

É possível que grupos rebeldes tenham dificultado a saída de civis ou tentado usar estes como escudos humanos. Numa guerra com este grau de barbaridade (e que gerou ódios que levarão gerações a diluir) ninguém tem moral para fazer sua a frase do antigo ministro da Defesa

A única dúvida neste momento é se o processo de saída da cidade de civis e milicianos, negociado entre rebeldes e Governo, por um lado e mediado por turcos e russos pelo outro, prosse-gue de forma relativamente pacífica, ou se se continuarão a multiplicar incidentes. Começou a ser posto em prática na quinta-feira, com a saída das primeiras mil pessoas mas têm--se multiplicado as situações de “stop and go”. Milícias pró-iranianas quase puseram em causa o acordo de ces-sar-fogo, obrigando a aturadas nego-ciações entre Ancara e Teerão mas também há grupos rebeldes dispostos a fazer como os kamikazes japoneses na Guerra do Pacífico.

O ditador Bashar al-Assad tem razão ao dizer que há um antes e um depois da conquista de Alepo, mas não pe-las razões que invoca. É irónico que a televisão russa passe imagens da cidade tchetchena de Grozny antes e depois dos combates entre tropas russas e separatistas sunitas radicais (1994/5), numa alusão ao que poderá suceder com a reconstrução de Alepo. Assad não tem nem o dinheiro nem os meios dos russos e dos 21 milhões de habitantes de antes da guerra, a Síria perdeu seis milhões.

A vitória aqui obtida é importante estrategicamente mas não põe fim à guerra: tirando o eixo Alepo-Homs--Damasco, o país está dividido entre rebeldes, uns moderados e outros não, forças estrangeiras, a começar pelas turcas, a norte de Alepo, milícias cur-

Ilusão O ditador sírio obtém uma vitória importante no norte mas fica cada vez mais refém dos seus patrões iranianos e russos

INTERNACIONAL SÍRIA

OS RUSSOS RECONSTRUÍRAM GROZNY DEPOIS DE A ARRASAREM EM 1995 MAS ASSAD NÃO TEM MEIOS PARA TAL EM ALEPO

de Israel Moshe Dayan (que hoje seria um perigoso esquerdista com-parado com Netanyahu): “Já que estamos condenados a viver pela espada, então que, ao menos, a sai-bamos manter limpa [do sangue de inocentes]”.

Assim está Alepo, segunda maior cidade da Síria e sua antiga capital económica, após quatro semanas de bombardeamentos da aviação rus-sa, da artilharia governamental e de ataques da infantaria estrangeira que desempenhou um papel decisivo na conquista da parte oriental da cidade (detida pelos rebeldes desde 2012): unidades de elite iranianas dos Guardas da Revolução (pasdarans), combatentes do Hezbollah libanês, mercenários xiitas vindos do Afe-ganistão e do Iraque, sem esquecer tropas especiais russas.

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 27 PRIMEIRO CADERNO

Regime sírio e seus aliadosRebeldesDaeshCurdos

SÍRIA

Tal Abyad

Kobane

Deir Ezzor

Palmira

DAMASCO

Deraa

Raqqa

Homs

Hama

Latáquia

IdlibAlepo

Jarabulus

AzazAfrin Al-Bab

Manbij

Tartus IRAQUE

TURQUIA

LÍBANO

JORDÂNIA

UM PAÍS CADA VEZ MAIS FRAGMENTADO E DESTRUÍDO

e encaminhamento para os feudos rebeldes do norte como Idlib.

Jarabulus Entre esta cidade fronteiriça (a norte) e Azaz (a sul) há um estreita língua de terra livre dos bombardeamentos russos devido aos acordos entre a Turquia (que protege o Exército Livre da Síria/ELS, guerrilha laica ou sunita moderada) e a Rússia. Mas isso limita os milicianos do ELS ao mero papel de combate ao Daesh (que está a sul e leste) sem intervenção no teatro de operações de Alepo.

Daesh Os islamo-fascistas estão sob pressão dos curdos em Raqqa mas dominam as ligações ao Iraque até Deir Ezzor e Al-Bukamal. Isso permitiu-lhes deslocar homens e material para contra-atacar na cidade histórica de Palmira donde haviam sido expulsos há nove meses, aproveitando o desvio de meios de russos e governamentais para Alepo.

Assad O ditador sírio venceu em Alepo graças à infantaria estrangeira (Hezbollah libanês, mercenários iranianos e afegãos, tropas especiais russas e iranianas), mas o seu exército está depauperado e totalmente dependente do poder militar externo. Num quadro em que os rebeldes se remetam à guerrilha e às sabotagens, quem faz a quadrícula do território e a segurança das aldeias? Diplomaticamente, Assad apenas conta com a Rússia e o Irão. Dos países árabes só o regime egípcio esboçou uma tímida aproximação.

Apesar da conquista de Alepo pelas forças governamentais e seus aliados estrangeiros há múltiplos polos de rebelião na Síria, correspondentes a 150 mil homens armados.

Idlib Esta cidade, 70 km a sudoeste de Alepo, passou a ser o principal reduto rebelde, defendido pelo Exército da Conquista, coligação dos salafitas da frente Ahrar al-Sham e da frente Fatah al-Sham. Trata-se do grupo com maior poder militar mas a proximidade desta última (antiga frente Al-Nusra) com a Al-Qaeda atrai a fúria dos aviões, tanto russos como americanos. A chegada de milicianos e refugiados vindos de enclaves rebeldes do sul que negociaram a evacuação, encheu a cidade de gente díspar do ponto de vista ideológico e aumentou a pressão sobre os recursos locais. Há quem fale numa nova Faixa de Gaza...

Deraa Esta cidade na fronteira com a Jordânia é o orgulho dos rebeldes, pois a coligação local armada é moderada e tem boas relações com a Jordânia e os EUA. Contudo, isso é também a sua fraqueza, pois jordanos e americanos impuseram como contrapartida do seu apoio a cessação das hostilidades com as forças de Assad, pelo que esta força militar é espúria.

Ghouta Na região rural à volta de Damasco há ainda muitos núcleos de resistência mas a tendência tem sido para a rendição negociada destes, com abandono do material de guerra

Nas últimas horas, Ancara e Mos-covo têm-se desdobrado em nego-ciações para desbloquear o inferno de Alepo, mas a conquista do bas-tião rebelde por Assad e seus alia-dos iranianos e russos pode ter sido o efeito perverso da intervenção militar turca no norte da Síria que roubou à cidade forças rebeldes que teriam feito falta à oposição armada. Dentro de portas, a reação anticurda após o atentado junto ao estádio do Besiktas, em Istambul (dia 10, 46 mortos), dividiu ainda mais a Turquia. Recep Tayyip Er-dogan está mais perto de ser o su-perpresidente-executivo que tanto ambiciona mas também mais perto de ser visto pelo Ocidente como um déspota oriental sem nada que ver com a Europa.

Enquanto milhares de pessoas protestavam, em frente do consu-lado russo em Istambul, contra os massacres de civis em Alepo pelas forças governamentais e seus alia-dos estrangeiros, diplomatas dos dois países trabalhavam para ten-tar garantir a manutenção do ces-sar-fogo em Alepo. Sem qualquer intervenção americana, Ancara e Moscovo trabalharam com os seus aliados locais, respetivamente os rebeldes e o regime de Assad, para uma solução que permitisse aos milhares de civis e aos milicianos rebeldes e suas famílias, encurrala-dos em Alepo oriental, sair através de um corredor humanitário para o bastião rebelde de Idlib, no noroes-te do país. Depois de uma tentativa falhada, os combates voltaram na quarta-feira depois de uma primei-ra noite calma mas pelo menos sete mil pessoas conseguiram sair na quinta-feira e ontem.

Nos bastidores, há um terceiro interveniente importante: o Irão. O ministro dos Negócios Estran-geiros turco teve de telefonar ao seu congénere iraniano depois de milícias xiitas pró-iranianas a com-bater ao lado do regime de Assad terem contribuído para o falhanço do primeiro cessar-fogo. Na com-plexa teia de interesses políticos e geoestratégicos, o martirizado povo de Alepo é a maior vítima.

Ancara anunciou entretanto planos para construir um campo de refugiados para os 80 mil habi-tantes da parte oriental de Alepo, provavelmente perto de Azaz, em território sírio controlado pelas for-ças turcas, que há meses lançaram a operação “Escudo do Eufrates”, e continuam a combater os ultrajia-distas do Daesh e as milícias curdas sírias no país vizinho.

Ironicamente, essa operação, lançada para limitar os ganhos ter-ritoriais das milícias curdas e impe-dir a consolidação do protoestado curdo no norte da Síria, parece ter sido uma das causas da queda de Alepo. O desvio de rebeldes que estavam a lutar nessa cidade para ajudar os turcos facilitou o avanço das tropas sírias, como sugere Re-gis Le Sommier, correspondente de guerra francês que esteve vá-rias vezes em Alepo nos últimos meses. Alguns críticos do Governo em Ancara clamam que a Turquia deixou cair a oposição síria, por estar obcecada com a ameaça cur-da. “A estratégia turca para a Síria continua obscura, exceto no capí-tulo que reza exterminar o PKK”, escreveu Pinar Tremblay, colunista independente.

Erdogan enfraqueceu os sitiadosA operação turca “Escudo do Eufrates” atraiu para norte forças rebeldes que poderiam ter sido decisivas para a defesa de Alepo oriental

O duplo atentado suicida do pas-sado fim de semana no coração de Istambul, que causou 46 mortos — os dois suicidas, de um grupo sepa-ratista próximo ao PKK, 37 polícias e 7 civis, causou uma vaga ultrana-cionalista e anticurda — enquanto nas ruas se pedia o restabelecimen-to da pena de morte, centenas de simpatizantes do partido curdo (HDP) — entre os quais mais dois deputados, foram detidos. O HDP condenou o ataque, mas recusou assinar uma moção parlamentar contra o terrorismo separatista.

Vingança contra curdos

O Governo prometeu endurecer a luta contra os separatistas curdos, na Turquia, mas também na Síria e no Iraque, onde o PKK tem recen-temente consolidado terreno após a retirada do Daesh, nomeadamen-te em Sinjar. Nas ruas das grandes cidades turcas e nas colunas da imprensa pró-governamental já não se distingue entre PKK, HDP, e curdos. “A espada do Estado tur-co é longa. A vingança virá”, disse nos funerais das vítimas o ministro do Interior, Suleyman Soylu. “Não conseguem sair das montanhas ou grutas onde vivem como animais. A partir de amanhã, a principal tarefa das forças de segurança será vingar este atentado”. O Presidente Er-dogan repetiu a mensagem: “Não hesitem em usar a autoridade e as prerrogativas que vos são dadas para combater o terrorismo. Nunca mostrem pena dos brutos, façam o que for necessário”, disse depois do atentado perante uma plateia de polícias.

Governo e especialistas suspei-tam de que os explosivos utilizados em Istambul seriam do tipo militar e têm reiterado a tese que EUA e outra potências, Irão incluído, estão a ajudar os terroristas. A Ad-ministração Obama desbloqueou há dias o acesso das milícias curdas sírias a mais armas americanas, na tentativa de facilitar a ofensiva sobre Raqqa, a capital do Daesh na Síria, enquanto no norte do Iraque os interesses das milícias xiitas pró--iranianas e dos curdos parecem também convergir. Na Turquia a imprensa pró-governamental tem acusado Teerão de apoiar o PKK, além dos já habituais títulos anti-ocidentais: “EUA e Europa, dei-xem de apoiar os terroristas”, lia--se numa das parangonas do “Yeni Safak”, diário pró-Erdogan após o atentado de Istambul. “Quer os líderes quer o público em geral pa-recem ter perdido toda a racionali-dade”, queixava-se Cengiz Candar, respeitado jornalista.

Entretanto, o Governo já enviou ao Parlamento o pacote de revisão constitucional visando a alteração presidencialista do regime, após o partido no poder ter chegado a acordo com a oposição naciona-lista. Governo e nacionalistas não chegam para o aprovar mas podem convocar um referendo, provável na primavera. Daí o endurecimento do combate ao PKK, o arqui-inimi-go dos nacionalistas turcos, pois “os males que afligem a Turquia têm mão estrangeira” por trás. “Precisamos de uma liderança for-te para esmagar os terroristas com punho de ferro”, lia-se no editorial de um diário pró-Erdogan. Curdos, Síria, relações com Iraque, Irão, Rússia, UE e EUA têm uma matriz comum: a obsessão de Erdogan pelo poder absoluto.

José Pedro Tavares Correspondente em Ancara

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No meio das ruínas de Alepo, um miliciano do Exército Livre da Síria

carrega o cadáver de um camarada de armas

FOTO GORAN TOMASEVIC/REUTERS

INTERNACIONAL SÍRIA

das que ocupam quase toda a fron-teira com a Turquia, sem esquecer o Daesh que, como adiante se referirá, aproveitou o empenhamento de meios governamentais em Alepo para dar um ar da sua (des)graça em Palmira.

Tirando Idlib, no norte e os subúrbi-os de Damasco, a sul, não é crível que Assad queira ou possa lançar mais al-guma ofensiva contra os rebeldes. O seu exército está exangue e ele próprio está refém dos aliados russos e iranianos que não tardarão a apresentar a fatura.

Derrota em Palmira

Apesar das vitórias em Alepo e Da-masco, no dia 8 o regime foi surpreen-dido com uma forte ofensiva do Daesh contra Palmira que redundou numa inesperada derrota e alterou os pla-nos de Damasco. Mais de quatro mil ultrajiadistas, apoiados por dezenas de tanques e centenas de veículos, surgiram do deserto e lançaram-se ao ataque das unidades que guarneciam a cidade. Os soldados resistiram às duas vagas iniciais, mas começaram a ceder após várias viaturas suicidas abrirem caminho a um terceiro assal-to. A aviação russa e síria reagiu com intensos ataques aéreos que causaram centenas de baixas ao Daesh mas não evitaram a queda de Palmira no pas-sado domingo.

A grande concentração de meios do Daesh também atraiu a atenção da coligação liderada pelos Estados Unidos, que logo no dia 8 localizou e

ASSAD TEM A SUA TROPA DESGASTADA E FICOU TOTALMENTE DEPENDENTE DO APOIO MILITAR RUSSO E IRANIANO

destruiu 168 camiões-cisterna a pou-cos quilómetros de Palmira. Muitos estariam atestados com combustível para abastecer as forças atacantes mas é provável que uma grande parte tivesse como destino o uso em ataques suicidas de elevada potência. No dia seguinte, os caças norte-americanos voltaram para destruir outros vinte camiões, e a 10 foi a vez de um veículo e um grupo de combatentes serem bombardeados. Durante esta semana a aviação norte-americana não voltou a realizar ataques naquela região, op-tando por concentrar-se no apoio à ofensiva curda sobre Raqqa.

A súbita retirada das forças do Governo permitiu ao Daesh captu-rar dezenas de tanques T-55 e T-62, veículos blindados de transporte de pessoal BMP-1 (tudo material russo), artilharia, armas e munições, além

de permitir aos atacantes continuar a avançar para oeste sem grande oposi-ção. Na segunda-feira, a base aérea de Tiyas converteu-se no epicentro dos combates e no dia seguinte o Daesh conseguiu rodear a base, que está pra-ticamente cercada. O exército enviou importantes reforços para a região para apoiar as unidades da 11ª e 18ª Divisão Blindada, os paramilitares e as Forças Cheetah, e entre os recém--chegados contam-se forças de choque como o Regimento Golã, milicianos do Hezbollah e unidades das forças especiais, mas a situação das forças pró-governo mantém-se grave. A au-toestrada M-20 é a única via que per-mite o seu abastecimento e as colunas que a utilizam estão sujeitas a ataques de morteiro e a emboscadas. O Daesh também lançou ataques suicidas con-tra posições em redor da cidade de Al-Qaryatayn, que levaram centenas de civis a fugir em pânico.

Os acontecimentos em Palmira são a exceção. No espaço de um mês As-sad venceu uma batalha importante em Alepo e eliminou vários enclaves em Damasco. Estas vitórias permi-tem libertar mais de 20 mil soldados para novas operações e aumentam o moral governamental, mas não significam o fim da guerra a curto prazo nem a vitória do regime, reve-lam no entanto que a iniciativa está do lado de Assad e aliados e que nos próximos meses pode haver novas ofensivas contra a oposição.

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Expresso, 17 de dezembro de 201628 PRIMEIRO CADERNO

ANTIGOS LÍDERES DA ONU SOB O FOGO DAS GRANDES POTÊNCIAS

Trygve LiePrimeiro secretário-geral, norueguês crucificado pela URSS por causa da Guerra da Coreia e pelos americanos, em plena Caça às Bruxas por, alegadamente, empregar assessores pró-comunistas. Demitiu-se em 1952 e disse ao seu sucessor que o esperava “o trabalho mais impossível do mundo”.

Dag HammarskjoldSucessor de Lie, sueco, manteve a ONU equidistante das duas superpotências quando começaram as insurreições anticoloniais, como a do Congo Belga (atual RDC). Morreu em 1961 numa misteriosa queda de avião na Rodésia do Norte (atual Zâmbia), ao mediar conversações de paz.

Kofi AnnanCoube-lhe liderar a ONU após os atentados do 11 de Setembro em Nova Iorque. Isso fê-lo entrar em choque com os falcões da administração Bush nos meses que precederam a invasão do Iraque (2003) à qual se opôs, o que lhe valeu uma campanha de descrédito, com acusações de mau uso de fundos da ONU.

OS SETE TRABALHOS DE ANTÓNIO GUTERRES

SíriaÉ a mais óbvia, urgente e dramática das situações, nomeadamente em Alepo. A tentativa de negociação de uma saída política ensaiada pelo enviado especial da ONU Staffan de Mistura desde 2014 esboroou-se quando a ditadura de Assad se convenceu de que podia chegar à vitória militar. Contudo, mesmo que o regime consolide o domínio sobre a “Síria útil” (a linha Alepo-Damasco), o resto do país está em pé de guerra, há centenas de milhares de deslocados e infraestruturas a recuperar. Perante tudo isto, ou seja, tanto para mediar como para ajudar a reconstruir, o apoio da ONU é inevitável.

IémenUma guerra civil, maioritariamente entre xiitas e sunitas, que dura desde setembro de 2014 (entrada dos rebeldes houthis em Sanaa) já fez dez mil mortos e foi agravada pela intervenção militar da Arábia Saudita e monarquias do Golfo. Além dos problemas de ajuda humanitária, há destruição de conjuntos de edifícios classificados como património da humanidade e tensões regionais agravadas entre sauditas e iranianos.

PalestinaUm dossiê eterno, onde a mediação da ONU pode ser vital para desbloquear o diálogo israelo-palestiniano. Este passa pela redução de tensões entre comunidades na Cisjordânia, pela normalização da situação na Faixa de Gaza e por uma atitude diferente da parte das autoridades israelitas.

Sudão do SulLuta sectária no mais jovem país do mundo (nascido da cisão do Sudão em 2011), cuja principal vítima são civis, com múltiplas denúncias de massacres e recurso a violações coletivas por parte de grupos armados. A ONU fala em pré-genocídio.

MigraçõesA maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial, alimentada pelos conflitos em curso na Síria, Iraque, Afeganistão, Somália, etc. Algo que o novo secretário-geral conhece bem, pois foi alto-comissário para os Refugiados.

Estados UnidosA direita ultraconservadora que contribuiu para a eleição de Trump cultiva o ódio cego à ONU. O próprio Presidente-eleito disse que a América “nada ganha com a ONU” pois a organização “não faz o que queremos, apesar de a financiarmos de uma forma desproporcionada”. Os EUA contribuem com 22% do orçamento da ONU. Adivinha-se um diálogo espinhoso entre a Casa Branca e o novo secretário-geral.

Conselho de SegurançaMultiplicam-se as críticas ao funcionamento deste órgão da ONU, quer no que diz respeito à sua composição quer por as grandes potências, sobretudo Rússia e China, abusarem do direito de veto para bloquear resoluções visando moderar conflitos armados como tem sucedido na Síria. Conseguirá Guterres desfazer este nó górdio?

Que sabemos sobre o que vai ser a política externa norte-a-mericana durante a adminis-tração Trump? O que é factual e objetivo e o que é tiro de barra-gem nas redes sociais, na linha do que foi a campanha do mag-nata do imobiliário? Antes de entrar na substância das coisas, retenham-se dois sinais que nos ficam das notícias do final da semana. Por um lado Barack Obama disse sem meias pala-vras que houve interferência de hackers russos na campa-nha presidencial que Trump venceu, que esses ciberataques têm a marca do Estado russo e que os EUA se reservam o di-reito de retaliar onde, quando e como entenderem. E que já fez saber isso mesmo a Putin. Por outro, Trump deu um sinal do que poderá vir a ser a política norte-americana relativamente a Israel. Nomeou para embai-xador dos EUA em Telavive o advogado de origem judaica David Friedman (os radicais da administração Trump gosta-riam que fosse em Jerusalém, o que equivaleria a reconhecer a soberania israelita sobre a cida-de partilhada por judeus e pa-lestinianos). Friedman, que há muitos anos assessora Trump em processos judiciais relacio-

Trump: OK a Moscovo, não a TeerãoNomeações de Trump sugerem viragem na política externa: distância do Irão e China e mais transigência com a Rússia

nados com falências, é descrito pelo diário israelita “Haaretz” como “um radical ortodoxo, por vezes mais à direita do que o próprio primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu”.

De Wall Street ao exército

Tentar adivinhar políticas em função das pessoas nomeadas para os cargos tem, apesar de tudo, alguns riscos. Ainda as-sim, algumas escolhas parecem falar por si. No plano interno, escolheu para o Departamento

do Tesouro e para o Conselho Económico Nacional dois altos responsáveis do Banco Gold-man Sachs, respetivamente Steven Mnuchin e Gary Kohn, o que não fica mal a um candi-dato que durante a campanha fustigou o poder de Wall Street com o qual a sua adversária, Hillary Clinton, estaria manco-munada. Escolheu para a saúde um opositor da política de Oba-ma, Tom Price.

Mas o que nos diz mais sobre o que pode vir a ser a política externa de Trump são outras

escolhas. Desde logo há uma profusão de antigos militares. Mike Pompeo, do Kansas, vai dirigir a CIA e é conhecido por ter criticado o fecho das prisões secretas daquele serviço e ser contrário ao acordo nuclear com o Irão. Idêntica posição relativamente a Teerão tem o novo secretário da Defesa, Ja-mes Mattis, antigo comandante das forças norte-americanas no Médio Oriente, de resto alcu-nhado de “cão raivoso” (mad dog).

Além do próprio Trump, ou-

tros membros da sua equipa são claramente indulgentes para com Putin. É o caso de Michael Flynn, ex-responsável dos serviços de informações militares, agora indigitado para chefiar a Segurança Nacional. Já em relação à China não fal-tam partidários da linha dura, pelo menos no plano comer-cial, como é o caso do secretá-rio do Comércio, Wilbur Ross (alcunhado de o rei das falên-cias devido à sua especialização em comprar empresas falidas), que é um assumido opositor da entrada da China na Organiza-ção Mundial do Comércio.

Se para lugares relaciona-dos com o ambiente Trump nomeou pessoas que fazem ponto de honra em negar a res-ponsabilidade humana (leia-se industrial) nas alterações cli-máticas, para chefiar a diplo-macia escolheu Rex Tillerson, da petrolífera Exxon Mobil, condecorado por Putin e ad-versário das sanções à Rússia na sequência da anexação da Crimeia. Tillerson dirigiu anos a fio uma diplomacia paralela à cabeça deste gigante do pe-tróleo e do gás. Desenha-se um neo-isolacionismo americano, com os EUA a meterem-se na sua concha geoestratégica, o que segundo o secretário de Estado-adjunto de Obama, An-tony Blinken, será um fator de instabilidade pois “as potências hegemónicas (leia-se Rússia e China) raramente se conten-tam com o que têm”. R.C.

Missão impossível na ONU

NAÇÕES UNIDAS

António Guterres ascendeu a secretário-geral da ONU com a organização em crise e uma das piores situações internacionais desde o fim da Guerra Fria

Rui Cardoso

São 28 operações de paz, do Afeganistão ao Congo e do sul de Marrocos ao Darfur. 44 mil funcionários, mais de metade dos quais em missão pelo mun-do fora. Um orçamento de cin-co mil milhões de dólares que não chega para as encomendas, do qual o maior contribuinte, os EUA, se parece distanciar cada vez mais. E uma situação internacional explosiva, do leste da Ucrânia à Síria, dos refugiados ao Mar do Sul da China, onde o protagonismo é cada vez mais das potências regionais ou mundiais em de-trimento do papel da ONU.

Eis o quadro que o ex-primei-ro-ministro português António Guterres vai encontrar como secretário-geral das Nações Unidas, cargo no qual foi em-

possado segunda-feira passada e que começará a desempenhar efetivamente a partir de dia 1 de janeiro. Ser secretário-geral é, nas palavras de Trygve Lie, primeiro ocupante do cargo (1946/52), “o trabalho mais impossível à face da Terra”. O sucessor de Lie, Dag Hammar-skjold, o único secretário-ge-ral morto em funções (leia-se assassinado por uma intriga envolvendo mercenários bran-cos em África, grandes com-panhias ocidentais e serviços secretos europeus) costumava dizer, com o pragmatismo dos escandinavos, que os fundado-res da ONU a tinham criado para nos dar o paraíso, mas que já não seria mau se evitasse que caíssemos no inferno (nuclear).

Guterres terá de olhar simul-taneamente para dentro da ONU e para fora. Para dentro, significa racionalizar a máqui-

António Guterres, segunda-feira em

Nova Iorque, tomando posse

como secretário-geral da ONU

FOTO EPA

na administrativa e conseguir fazer mais com menos dinheiro e menos gente. Conseguiu-o no Alto Comissariado para os Refugiados. Consegui-lo-á à escala de toda a organização? Olhar para fora significa devol-ver protagonismo e iniciativa diplomática à ONU que, à evi-dência, tem faltado na crise dos refugiados e na Síria, quando há uma mudança de política na Casa Branca com a eleição de Donald Trump (ver texto abai-xo). Uma coisa é certa: para Putin ou Trump Guterres será um osso mais duro de roer que Ban Ki-moon pois, como subli-nhava Georg Schwarte da rádio estatal alemã Deutsche Welle, ao perfil discreto de Moon vai suceder um orador que não he-sitará em falar ao mundo, “tra-zendo um sinal de esperança em tempo de trevas”.

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 29 PRIMEIRO CADERNO

BREVES

Explosão em avião da EgyptAir

MEDITERRÂNEO Vestígios de explosivos foram en-contrados em algumas das vítimas da queda de um avião da EgyptAir, a 19 de maio de 2016. O avião par-tira de Paris com destino ao Cairo, mas caiu no mar minutos antes de aterrar. A equipa egípcia que liderou a investigação ao acidente concluiu esta quinta-feira, após análises aos restos mortais de algumas das 66 vítimas, que terá ocorrido uma explosão a bordo.

É PROIBIDO, MAS NA ÍNDIA CONTRATAM-SE LIMPADORES MANUAIS DE LATRINAS. LEIA NO “COURRIER”

Supremacista branco condenado

CHARLESTON Dylann Roof, que matou nove america-nos negros numa igreja em junho do ano passado, foi condenado esta quinta-fei-ra e enfrenta uma pena de morte ou de prisão perpé-tua. Um júri federal consi-derou Roof culpado de 33 crimes de ódio. Antes de assassinar os paroquianos da igreja de Charleston, o homicida escreveu um manifesto racista em que afirma que “os negros são estúpidos e violentos”.

85mil venezuelanos trocaram bolívares por bitcoins, em novembro, contra os 450 que o fizeram em agosto de 2014, para escaparem ao controlo do Estado e à inflação de 500%

Joseph Kabila declarou que não abandona a presidência quando terminar o seu segun-do mandato, a 19 de dezem-bro. Depois de ter sido prote-lada várias vezes a marcação de eleições e apesar de, ainda há dois meses, se ter assinado em Kinshasa um acordo para a reorganização do ciclo elei-toral seguinte — ou seja, este — abrangendo a presidência, as duas câmaras do Parlamento e os executivos provinciais e municipais, a República Demo-

Tudo pronto para incendiar a República Democrática do Congo

Aumenta a tensão com a aproximação do final do mandato do Presidente Kabila. A perspetiva de guerra poderá ser regional

crática do Congo (RDC) está de novo frente ao abismo.

O “país do eterno recome-ço”, como lhe chamou a revista “África21” há dois meses, refe-rindo uma transferência de po-der credível que consiga evitar o mergulho do país e da região numa guerra sem saída previsí-vel, parece estar a recorrer aos métodos habituais de perpetu-ação no poder. A cinco dias do final do mandato, as autorida-des congolesas ordenaram o blo-queio das redes sociais incluindo Facebook, Twitter e WhatsApp, tentando deste modo evitar que sejam convocados protestos pú-blicos contra Kabila.

Segundo a AFP, que teve acesso ao documento, a ordem

da autoridade reguladora das telecomunicações da RDC foi enviada a pelo menos três em-presas fornecedoras de serviço de internet para que entre em vigor a partir das 22h59 locais de domingo sem que nenhuma justificação fosse adiantada.

Violência à vista

É previsível que haja uma es-calada da tensão já existente, alimentada pelo descontenta-mento do povo congolês com a fraca melhoria das suas con-dições de vida. A crise vem de longe, o poder alheou-se da realidade do país e o Reagru-pamento das Forças Políticas e Sociais a favor da Mudança, li-derado por Étienne Tshisheke-di (líder da União para a De-mocracia e Progresso Social, UDPS, o partido mais antigo da oposição) e por Moise Ka-tumbi (ex-governador e atual inimigo de Kabila) não hesita em declarar que o Presidente será derrubado pela força do povo, se necessário.

A promessa feita pela opo-sição de organizar protestos já a partir da próxima segun-da-feira inflamou-se perante cinco dezenas de congoleses mortos nas manifestações con-tra Kabila em setembro. Na altura, foram incendiadas as sedes de três partidos da opo-sição, a UDPS, Forças da Uni-ão e Solidariedade, FONUS, e o Movimento Progressivo

Lumumbista, MPL, na capital Kinshasa, metrópole de dez milhões de habitantes onde o atual chefe de Estado nunca ganhou nas urnas.

O apoio a Kabila é muito bai-xo. Uma sondagem nacional de outubro revela que 80% dos inquiridos querem que o Presidente se demita e apenas 8% dizem apoiar uma sua nova

candidatura. É evidente que há violência à vista. Nada de novo na RDC, onde milhões morre-ram na guerra de cinco anos iniciada em 1997 sob a presi-dência do pai de Joseph, Lau-rent-Desiré Kabila, que então alastrou a nove países da regi-ão. Vinte grupos armados da-quela altura continuam ativos, alertam as Nações Unidas. C.P.

INAMOVÍVEIS DE A A Z

ANGOLAJosé Eduardo dos Santos preside a Angola desde 1979 e só há duas semanas indicou o seu sucessor à liderança do MPLA e às eleições de 2017. Houve ida às urnas em 2008, e em 2010 a alteração da Constituição ditou que a presidência não tivesse eleição direta. Em 2012, o MPLA teve maioria de dois terços, o que tornou José Eduardo dos Santos automaticamente chefe de Estado.

RUANDAO Presidente Paul Kagame fez do país do genocídio de 1994 (mais de 800 mil mortos) um modelo de estabilidade e desenvolvimento louvado internacionalmente. Entre primeiro-ministro e Presidente, Kagame governa desde então. Alterou a Constituição para se candidatar às presidenciais de 2017, garantindo ficar até 2030.

ZIMBABWERobert Mugabe é Presidente há 36 anos. A mão de ferro e a desigualdade de distribuição de riqueza são o estilo deste líder de 92 anos, que tem impedido a emergência de sucessores no partido do Governo, o ZANU-PF. A oposição não tem melhor tratamento.

Cristina Peres

A Gâmbia tem um Presidente eleito e um Presidente que não quer sair. O Presidente eleito, Adama Barrow, começou na sexta-feira a revelar os nomes dos políticos que deveriam in-tegrar o novo Governo. Indicou o líder do Partido Unido Demo-crático, um dos sete coligados que apoiaram a sua candida-tura, Ousaunou Darboe, para vice-presidente. Esta notícia, avançada pelo “Freedom News-paper”, o principal jornal di-gital da Gâmbia, precisa que Darboe fora libertado há uma semana da prisão onde estive-ra, acusado de incitamento à violência.

O nome de Seedy Morro San-neh é adiantado como possível futuro chefe da diplomacia de Barrow. Chegou a ser ministro dos Negócios Estrangeiros do ainda Presidente Yahya Jam-meh e está atualmente no exí-lio. O “Freedom Newspaper” explica que Sanneh fora afas-tado por razões nunca esclare-cidas e enviado de seguida para o Senegal como embaixador. Depois de ter sido demitido, ru-mou aos Estados Unidos, onde se tornou ativista e blogger em-penhado na mudança política na Gâmbia.

Mais de duas semanas depois das eleições de 1 de dezembro, Banjul vive em expectativa. Uma delegação de chefes de Estado da África Ocidental deslocou-se à capital gambia-na para ajudar a ultrapassar a

Gâmbia na corda bamba por causa de Jammeh

ÁFRICA

Presidente não aceita derrota e impugna resultado. Comunidade internacional intensifica pressão

situação criada pelo volte-face do chefe de Estado dos últimos 22 anos. O Presidente Ernest Bai Koroma da Serra Leoa e a Presidente da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf, integraram a delegação enquanto figuras políticas regionais da CEDEAO (Comunidade de Estados da África Ocidental), juntando--se ao apelo para que Jammeh honre a sua palavra inicial.

“Uma transição de poder pacífica em Banjul daria um sinal de esperança a todos os gambianos de que podem esco-lher os seus destinos através do exercício democrático do voto”, declarou o ex-secretário-geral da ONU, o ganês Kofi Annan.

Primeiro sim, depois não

Yahya Jammeh aceitou o voto popular e chegou a cum-primentar Adama Barrow, o vencedor nas urnas. Só que Jammeh mudou de ideias, desprezou a declaração da co-missão eleitoral e impugnou o resultado do voto através de uma ação na mais alta instância jurídica da Gâmbia, o Supre-mo Tribunal. Porém, dos sete juízes que deveriam constituir o painel do Supremo, só o juiz presidente exerce. Dois outros foram demitidos em 2015 e os restantes não estão nomeados.

O Presidente eleito e os líde-res da coligação de sete parti-dos que representa declararam o óbvio: a Gâmbia não tem em funcionamento um Supremo Tribunal e seria inaceitável que o Presidente ainda em exer-

cício nomeasse novos juízes para resolver o caso, sendo ele parte interessada. A situação levou a associação de juízes da Gâmbia a declarar ser “alta-mente improvável” que o tri-bunal pudesse chegar a algum veredicto antes de expirar o mandato de Jammeh, amanhã, 18 de dezembro, sublinhando que a Constituição não autoriza nem mais um dia no poder.

O candidato vencido argu-menta com a “inconsistência da comissão eleitoral”. As irregu-laridades no escrutínio — que a comissão admitiu — resultaram numa recontagem dos votos, que diminuiu a vantagem de Adama Barrow de 9% para 4%. Mesmo assim, venceu com 43,3% dos votos, contra 39,6% de Jammeh. Há quem, no en-tanto, defenda que o atual Pre-sidente teme vir a ser julgado

Vitória? FOTO CHRISTIAN THOMPSON/EPA

por alegados abusos de direitos humanos.

Yahya Jammeh liderou um golpe de Estado em 1994 que o manteve até agora na presidên-cia. Este país com menos de dois milhões de habitantes e uma superfície de 10 mil quilómetros quadrados (rodeados pelo Sene-gal) teve uma série de eleições, sobre as quais pairam suspeitas de fraude e de intimidação.

As instalações da comissão eleitoral estão neste momento ocupadas pelo exército a man-do de Jammeh. O que se segue não é claro: o chefe das Forças Armadas, Ousman Badjie, ti-nha jurado lealdade ao Presi-dente eleito assim que Yahya Jammeh reconheceu a derrota. O termo do mandato presiden-cial amanhã vai obrigar a apres-sar uma saída.

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Expresso, 17 de dezembro de 201630 PRIMEIRO CADERNO

Guerra e PazMiguel [email protected]

A coluna “Guerra e Paz” faz dez anos esta sema-na. Esta tem sido uma coluna sobre o que está

para lá do horizonte na política e na economia internacional. É, pois, tempo de um balanço. Será possível termos uma ideia do que pode acontecer nos pró-ximos tempos?

Para tentar responder a esta pergunta, devemos olhar para a ordem internacional. Esta ordem foi criada pelos EUA sobre as ruínas da II Guerra Mundial na Europa e na Ásia e harmonizou os interesses mili-tares, financeiros e comerciais de Washington com os dos seus aliados, Bona e Tóquio. Isto per-mitiu quatro coisas — o renasci-mento dos países da Europa Oci-dental durante a Guerra Fria, a construção de um novo polo asiático industrial e marítimo na Ásia à volta do Japão, Coreia do Sul e Taiwan, a derrota econó-mica e ideológica da URSS em 1989 e, por fim, toda a ascensão económica e política da China.

O principal objetivo estraté-gico da Administração Obama durante os últimos oito anos foi fortalecer esta ordem inter-nacional. O papel de tratados comerciais como a Parceria Transpacífica (TPP) e a Parce-ria Transatlântica de Comércio e Investimento foi garantir que Washington continuaria a li-derar a gestão das regras da globalização. Porém, dois acon-tecimentos mudaram a avalia-ção de uma parte da elite e da sociedade norte-americana.

O primeiro foi a ressurreição energética dos EUA que, em apenas cinco anos, passaram a ser um dos principais produto-res mundiais de petróleo e gás natural. A segunda foi o sucesso de Pequim na criação do Banco Asiático de Investimentos em Infraestruturas (AIIB). Apesar da oposição da Administração Obama, em 2015 a China con-seguiu atrair para a instituição praticamente todos os aliados de Washington na Europa e na Ásia. Portugal foi um deles. Como tive oportunidade de escrever aqui na altura, estes dois acontecimentos levanta-ram em Washington questões importantes sobre os custos e benefícios da gestão da ordem internacional pelos EUA.

A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais nos EUA pode precipitar as coisas. A sua frase — “Compreendo perfeitamente a política ‘uma só China’, mas não percebo por-que haveremos de nos vincular a ela. A não ser que façamos um acordo com a China sobre outros assuntos, incluindo o co-mércio” — na entrevista à Fox News Sunday no início da se-mana, é um sinal de que a atual ordem internacional deixou de satisfazer as necessidades e os interesses de muita gente em Washington e no país.

A viragem da economia por-tuguesa para a exportação pressupõe uma ordem inter-nacional garantida pelos EUA. Onde ficamos se os norte-ame-ricanos começarem a mudar a sua orientação estratégica?

Ordem ou desordem?

“Costumava andar em Davao, montado na minha grande moto, a patrulhar as ruas à procura de problemas. Estava à procura de uma luta para poder matar.” A frase, dita por um Presidente-eleito, poderia chocar por si só, mas Rodrigo Duterte não se ficou por aqui. Esta semana, o Presidente fi-lipino fazia mais um balanço sobre a sua famosa “guerra às drogas” quando deu o exem-plo da sua ação na cidade de Davao, onde foi presidente de câmara. Além de garantir que

O carrasco confessa-seDuterte garante que ele próprio já matou traficantes. Uma tirada que pode inflamar a “guerra à droga” filipina

patrulhava as ruas, o homem que tem a alcunha de “Pu-nidor” assumiu que matou: “Costumava fazê-lo pessoal-mente. Só para mostrar [aos polícias] que se eu conseguia fazê-lo, eles também conse-guiam.”

O episódio já levou dois se-nadores filipinos a pedir a destituição do Presidente, ar-gumentando que crimes como homicídio podem servir de base a um afastamento. Em troca, o Governo desvalorizou, classificando as declarações de Duterte como “uma hipérbo-le”. “Ele exagera sempre para fazer passar a sua mensagem”, disse o ministro da Justiça, Vi-taliano Aguirre.

Verdade ou exagero, certo

é que a “guerra à droga” de Duterte tem provocado mi-lhares de mortes, mesmo que não resultem da ação direta do Presidente. Desde o início de julho, mais de seis mil pessoas foram assassinadas — duas mil em operações policiais, as res-tantes por milícias populares ou justiceiros voluntários, por suspeitas de serem trafican-tes ou consumidores de droga. As identificações dos corpos revelam que as vítimas são na maioria “homens pobres e desempregados, que vivem de tostões contados e de biscates nas obras ou como conduto-res de triciclos”, revela o sítio filipino de notícias “The Ra-ppler”. Segundo uma análise feita pela Reuters a mais de 50

operações policiais, 97% das vezes a polícia disparou e ma-tou — algo que, para a agência, “sugere que os agentes estão a fazer execuções sumárias de suspeitos”.

Cerco internacional está a apertar

Com o próprio Presidente a incentivar as execuções por populares, a “guerra à droga” nas Filipinas está a alimen-tar um clima de violência que preocupa várias ONG e até as Nações Unidas. Esta quar-ta-feira, o Governo anunciou o cancelamento de uma visi-ta do relator da ONU para as execuções extrajudiciais por este não ter concordado com

as condições impostas por Du-terte. No entanto, não foram reveladas quais seriam essas condições.

O cerco internacional aperta--se, tendo os EUA cancelado esta semana um pacote de aju-da humanitária por “preocu-pações significativas” com “o Estado de direito e as liberda-des civis nas Filipinas”. Duterte garante não se preocupar e rea-firma o seu lema de “não querer saber dos direitos humanos”.

Para a Amnistia Internacio-nal, a “confissão” de Duterte irá “inflamar polícia e vigilan-tes para violarem a lei às claras e levarem a cabo mais mortes”.

Para já, a “guerra à droga” filipina continua, sem um fim à vista. C.B.

Cátia Bruno

O Presidente das Filipinas, Ro-drigo Duterte, é conhecido por não poupar nas palavras. Foi assim durante a campanha elei-toral, quando insultou o Papa Francisco pelas perturbações de trânsito que a sua visita a Manila causou, e foi assim já depois de eleito, quando dis-parou até contra o Presiden-te norte-americano Barack Obama, chamando-lhe “filho da puta”. Daí que a frase “a América perdeu”, que proferiu durante a sua visita de Estado a Pequim em outubro, pareça quase inofensiva. No entanto, representa bem a tendência de aproximação das Filipinas à China que se tem vindo a con-solidar e que pode provocar um abalo na região.

A visita de Estado foi rechea-da de declarações amigáveis dos dois países e no regresso o Presidente filipino trouxe consigo um pacote de ajuda financeira no valor €8600 mi-lhões, bem como novos acordos comerciais avaliados em €13,5 milhões. Para um país que ne-cessita de investimento para a construção de infraestrutu-ras como caminhos de ferro, os milhões chineses são uma oferta preciosa — e podem mes-mo fazer valer a pena irritar Washington.

“A mensagem foi clara: os EUA já não são o nosso melhor aliado”, resume ao Expresso Marites Vitung, jornalista filipi-na em Manila. Para a repórter, a aproximação entre as Filipi-nas e a China fez soar alarmes: “Não sei se Duterte conseguirá garantir investimento da China sem afastar os Estados Unidos. As Filipinas estão a tornar-se demasiado próximas dos chi-neses e não estamos a usar a

Viragem de Duterte irrita os EUA

FILIPINAS

Manila parece afastar-se de Washington e aproximar-se de Pequim. Mas há a incógnita Trump

decisão do Tribunal de Haia a nosso favor.” Em julho, o Tribu-nal Internacional deu razão às Filipinas numa disputa territo-rial com Pequim a propósito de uma ilha no Mar do Sul da Chi-na, onde os EUA gostariam de ver a influência chinesa reduzi-da. Ao contrário do esperado, Manila não levantou a questão junto das autoridades chinesas.

Contudo, nem todos os filipi-nos veem com igual preocupa-ção uma aproximação à China. “Duterte não está a levar a cabo nenhuma revolução na política internacional, pelo menos para já. Até agora tem feito apenas uma reacerto numas Filipinas demasiado dependentes da América e demasiado hostis à China”, declara ao Expresso Richard Heydarian. Para este professor de ciência política da Universidade de De La Salle, é tudo uma questão de equilíbrio: “Reduzir, mas manter, a forte relação militar com os EUA, apesar das tiradas constantes de Duterte contra Washington, ao mesmo tempo que promove uma aproximação a Pequim, apesar das disputas ásperas no Mar do Sul da China.”

Política no arame

Para a maioria dos analistas, o mais provável é que Duter-te mantenha esta tentativa de equilíbrio entre as duas po-tências, à semelhança do que fazem outros países na região como o Vietname. Um sinal disso é o facto de o Presidente filipino ter expressado o desejo de reduzir a presença militar norte-americana no seu país, mas até agora não ter dado ne-nhum passo em concreto para tal.

Afinal de contas, os estudos de opinião dão conta de que os filipinos gostam dos norte-a-

mericanos — desde 1999 que as Filipinas são o país com melhor opinião dos EUA nos estudos do Pew Research Center. Além disso, mais de dois milhões de filipinos vivem nos Estados Unidos e as trocas comerciais entre os dois países ascende-ram aos €18 mil milhões no ano passado.

Tal não significa, contudo, que a boa relação entre EUA e Filipinas seja intocável.

A incógnita Trump

A eleição de Donald Trump introduz um grau de incerteza, já que, ao contrário de Obama, o norte-americano revela al-gum desinteresse pela região e, possivelmente, pela aliança com as Filipinas. A reação de Duterte à eleição de Trump foi positiva, com o Presidente fili-

pino a sublinhar as parecenças entre os dois (“ambos gostamos de praguejar”), mas essas se-melhanças podem revelar-se mais perigosas do que bené-ficas. “Duas cabeças quentes não são boas para relações di-plomáticas estáveis”, escrevia a CNN em outubro a propósito de Duterte e Trump. Apesar da popularidade dos norte-ameri-canos em terras filipinas, não é de descartar a possibilidade de que Duterte tente explo-rar alguns sentimentos anti-colonialistas que também se fazem sentir face aos EUA, aproveitando a retórica contra o “politicamente correto” tão cara a Trump. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Per-fecto Yasay, já fez inclusiva-mente um primeiro ensaio, dizendo que as Filipinas não serão mais “os pequenos ir-mãos castanhos” da América. Poderá Duterte virar o feitiço contra o feiticeiro?

Popular até quando?

Se muitos analistas como Heydarian consideram que o discurso antiamericano de Du-terte é estudado, outros como

Duterte em Pequim com o Presidente chinês, Xi Jinping, em outubro FOTO THOMAS PETER/REUTERS

Marites Vitung expressam dú-vidas: “Ao início pensei que era uma estratégia, mas agora, à medida que o tempo passa, co-meço a achar que é uma ques-tão pessoal. Ele ainda pensa que é presidente de câmara de uma pequena cidade.”

Apesar da personalidade polémica, Duterte mantém-se uma figura altamente popular. No entanto, a sua atitude no plano internacional tem rece-bido críticas internas, com mui-tos filipinos a recearem que os insultos do Presidente a outros líderes possam ter consequên-cias. Tal não impede Duterte de gozar de uma taxa de populari-dade global invejável, acima dos 60%, mas aquém dos 91% que registava nos primeiros meses no cargo. “Não é só devido à sua aproximação à China, mas também devido ao enterro [do ex-ditador] Ferdinand Marcos no Cemitério dos Heróis, que provocou fortes protestos”, re-sume Vitung. “Contudo, aquilo que afeta realmente os filipinos é a economia. Se esta piorar devido às atitudes de Duterte face aos EUA... Aí sim veremos os resultados desta política.”

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Apesar das polémicas, Duterte goza de uma taxa de popularidade global invejável, acima dos 60%

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Page 31: cld.pt · homenagem. Foi esta semana detido e consti- ... Há muita parra e pouca uva nos dentes dos leões que saem sendeiros. E porquê? ... O crime vai compensando: muito sangue,

Expresso, 17 de dezembro de 2016 31 PRIMEIRO CADERNO

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Expresso, 17 de dezembro de 2016PRIMEIRO CADERNO32

Editorial&Opinião

Pedro Adão e [email protected]

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Associação Portuguesapara o Controlo de Tiragem

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ESTATUTO EDITORIAL DISPONÍVEL EMwww.impresa.pt/Lei78/2015

Victor Baptista

O relatório orçamental de outubro gerou um foguetório a transmitir a ideia de que estamos no bom ca-minho. A festa é tanta que os men-

sageiros de má notícia são os “diabos à solta”, a regressar-se ao tempo da “morte” do mensageiro quando a notícia desagrada.

O défice orçamental na versão da conta-bilidade pública (CP) é diferente do défice na versão da contabilidade nacional (CN), sendo este o reportado à Comissão Euro-peia. No reporte, a receita é a gerada no período independentemente de ter sido ou não recebida e a despesa é a realizada ainda que não tenha sido paga, a significar no cálculo a inclusão da dívida a fornecedores. O défice em CP não inclui a despesa por pa-gar, o que permite temporariamente uma certa criatividade contabilística, quanto menor forem os pagamentos melhor será o saldo.

A melhoria do saldo global das Admi-nistrações Públicas (CP) no montante de 356,9 ME e do saldo primário no valor de 691,4 ME resultam de um menor investi-mento no montante de 689,7 ME, sendo a redução do investimento direto 470 ME. A redução do défice resulta da diminuição do

investimento. A melhoria da receita fiscal de 409,8 ME resulta do crescimento do ISP de 852 ME, a significar uma diminuição homóloga do IRS e IRC, dado que o IVA se mantém ao mesmo nível de 2015. A receita fiscal até outubro totaliza 32.322 ME, uma média mensal de 3232,2 ME. A projeção para final do ano aproximá-la-á para cerca de 38.786,4 ME, montante muito aquém da previsão do Governo de 46.319 ME. O Governo para concretizar a sua previsão terá de cobrar em novembro e dezembro mais 7532,6 ME, a significar uma cobrança mensal média nestes dois meses de 6998,5 ME, mais do dobro do que nos 10 meses restantes do ano. O perdão fiscal será uma boa ajuda mas insuficiente.

A melhoria do saldo da Administração Central e Segurança Social (CP) de 154,6 ME resulta de uma diminuição do inves-timento de 485,8 ME, sendo a redução do investimento direto de 266,1 ME. Numa análise mais cuidadosa ao défice corrente verifica-se um aumento de 524,1 ME, a resultar de um significativo agravamento do défice na Administração Central de 1653,2 ME, dado que a Segurança Social registou um saldo positivo de 1129,1 ME. A melhoria do saldo na Segurança Social (CP) de 341,6 ME resulta do acréscimo de receita das contribuições de 519,3 ME e

de receita do FSE de 251,6 ME, conjugado com uma diminuição da despesa da pres-tação do subsídio de desemprego de 216,8 ME. No entanto, apesar desta diminuição, a despesa corrente aumentou 2,3%, o que se traduz num crescimento real de mais 1,8%, muito superior ao crescimento do PIB, de cerca de 1,1%. O sistema contribu-tivo (contribuições menos pagamento de pensões) apresentou um défice de 1175,6 ME compensado pelo IVA social de 642,1 ME. A Administração Local reforçou o superavit global em 20,4 ME, conseguido à custa da diminuição do investimento de 176,8 ME. A dívida a fornecedores no final de outubro totalizava 2227 ME, sendo que 1161 ME é dívida vencida.

A dívida pública direta mencionada no RO em 2015 totalizava 223.125,8 ME, não se referindo o valor em outubro de 2016. No entanto, o valor indicado pelo IGCP totalizava 236.774,8 ME, o que significa, no mínimo, um agravamento da ordem dos 13.649 ME.No cálculo do défice global (CN) a receita do perdão fiscal não entra, uma vez que já foi contabilizada em anos anteriores, o que ainda vai dificultar mais o objetivo do valor final do défice.

Perante esta realidade será ininteligível compreender o foguetório ao mais alto nível da responsabilidade política.

Economista, ex-deputado do PS, critica execução orçamental de 2016

As contas públicas e o foguetório

João Romão

Num caso inédito na história da ciên-cia, dois irmãos holandeses foram laureados com Prémios Nobel: Jan Tinbergen recebeu o da Economia

em 1969 e Nikolaas Tinbergen o da Medi-cina em 1973. O economista dá nome ao Tinbergen Institute, centro de investigação conjunto das Universidade de Amesterdão, Universidade Livre e Universidade de Ro-terdão, que promove estudos avançados na ciência económica — e em particular nas tão negligenciadas relações entre a organiza-ção espacial e a economia —, num processo colaborativo que antecipou a tendência contemporânea de fusão de universida-des e centros de investigação, em tempos de competição planetária pelas melhores posições nos rankings internacionais e de contenções orçamentais ‘austeritárias’ (...).

Se a Holanda se foi notabilizando pela quantidade de economistas, geógrafos e arquitetos com reconhecida reputação na análise das questões espaciais — do plane-amento urbano às políticas de transporte e mobilidade, ao consumo de água e energia ou às implicações sociais da organização

espacial — menos conhecida é a influência que movimentos sociais urbanos foram tendo sobre a forma de refletir e intervir sobre o espaço e o território. Um exemplo é o do movimento Provo, que com apenas dois anos de existência (1965-1967) lançou as bases do que viriam a ser os movimentos ecologistas urbanos nas décadas seguin-tes: muito além dos tradicionais aspetos da poluição e do ambiente, reivindicaram o direito à cidade numa perspetiva que incluía a mobilidade, a habitação, a coesão social, a proximidade ou a prioridade às pessoas sobre os automóveis. Nos planos que pro-puseram para as cidades daquela época (os “Planos Brancos”) encontram-se muitas das características das cidades holandesas atu-ais, incluindo a omnipresença das bicicletas e a possibilidade de circulação pedonal en-tre a habitação e os serviços essenciais.

A prioridade ao uso sobre a propriedade dos edifícios foi também uma particular característica holandesa que prevaleceu até 2010, quando o país teve um governo com apoio parlamentar de centro-direita (o pri-meiro fora da área social-democrata desde a II Guerra Mundial): até aí, a ocupação de edifícios vazios era legalmente protegida e o proprietário só poderia reivindicar a evacua-

ção dos seus utilizadores caso demonstrasse a intenção de os reutilizar. Este original enquadramento legal resolveu o problema da habitação a milhares de pessoas e deu ori-gem a dinâmicas culturais de efeitos inespe-rados: por exemplo, numa zona de estaleiros desativados a norte da cidade (uma espécie de Cacilhas em relação a Lisboa, onde se chega de barco), artistas locais instalaram os seus ateliês em edifícios ocupados. A di-nâmica que se seguiu — regulada pela autar-quia — levou a que, por exemplo, empresas como a MTV viessem também a instalar-se na zona. Pelos vistos, o empreendedorismo tem mais caras do que parece.

Na minha primeira visita à zona, pergun-tei onde se compravam os bilhetes para a travessia fluvial. Responderam-me que não havia bilhetes: como não é possível a circula-ção gratuita (em bicicleta) até àquela parte da cidade, não é permitido cobrar bilhetes. Mesmo num país que hoje parece estar na linha da frente da hegemonia neoliberal na Europa, o direito à cidade e os interesses comunitários ainda vão prevalecendo sobre a mercantilização do espaço e os negócios dos transportes. E numa cidade portugue-sa, como seria classificado quem tivesse o desplante de fazer semelhante proposta?

Investigador analisa a gestão dos transportes na cidade holandesa

Amesterdão e a mobilidade gratuita

O novo secretário-geral das ONU pode tornar-se o interlocutor de uma opinião pública global, humanista e cosmopolita, que está carente de referências

Os homens fazem a his-tória em circunstâncias que não escolhem. A velha asserção assenta

que nem uma luva aos desafios de António Guterres nas Nações Unidas.

Há razões para entusiasmo. Guterres, ao combinar o rea-lismo que lhe advém da expe-

se tornou impossível olhar de forma dicotómica para o mun-do. É, a este propósito, impres-siva a infografia da CNN com os alinhamentos que “explicam” a tragédia da Síria. Há um número sempre crescente de conflitos regionais que não só ameaçam qualquer ambição de paz como se traduziram em novas amea-ças — à cabeça, agudizaram o drama dos refugiados, para o qual parece não existir resposta.

Tudo isto num contexto em que, nos EUA, a administração Trump parece estar a concreti-zar as promessas de campanha, rompendo com o multilateralis-mo e enveredando por mime-tizar nos assuntos de Estado a diplomacia bilateral que carac-teriza o mundo empresarial. A escolha de Rex Tillerson, presi-dente da Exxon e parceiro pre-dileto da Rússia, para secretário de Estado sugere que, para já, deixaremos de ter uma potência hegemónica a procurar garantir algum equilíbrio na arena inter-

nacional. Com o recuo norte--americano, a Rússia aproveita para reconquistar a proeminên-cia perdida e a China não escon-de a vontade de assumir nova centralidade. Nisto, o Conselho de Segurança já não reflete a correlação de poderes atual (a potência hegemónica europeia, a Alemanha, mantém-se de fora e envolveu-se de forma tosca na eleição do secretário-geral).

Este concerto internacional parece sugerir que o espaço de afirmação das Nações Unidas é reduzido. Em todo o caso, en-cerra também um paradoxo: o novo secretário-geral pode ficar amarrado por uma máquina bu-rocrática ineficiente e diminuído por um contexto muito adver-so, mas encontra-se, também, numa situação singular. Se for capaz de se afirmar por cima dos interesses conflituantes, Guter-res pode tornar-se o interlocutor de uma opinião pública global, humanista e cosmopolita, que está carente de referências.

E agora, Guterres?

riência política anterior com um idealismo de matriz humanista, reúne qualidades excecionais para o exercício do cargo. Mais: o procedimento de eleição trans-parente e competitivo confere um poder a Guterres que destoa do dos seus antecessores. As Na-ções Unidas beneficiaram com uma eleição que teve caracterís-ticas distintas, mas a natureza do próprio processo dá margem de manobra política a um secretá-rio-geral que, desta feita, não foi escolhido com base em negocia-ções infindáveis no conselho de segurança.

Mas parecem acabar aqui os motivos para otimismo. Dificil-mente se poderiam conceber cir-cunstâncias mais adversas. Tudo parece jogar contra Guterres e as Nações Unidas, por natureza o espaço do multilateralismo.

As relações internacionais or-ganizam-se cada vez menos em torno dos alinhamentos lineares do passado e vivemos um contex-to de incerteza radical, no qual

Editorial A forma como o PSD conseguir descalçar a bota das eleições autárquicas pode ditar o futuro do líder do partido

O caminho das pedras

A tenaz que vai a pouco e pouco apertando o líder do PSD, com os partidos da ‘geringonça’ a lançarem-se com tudo contra Passos e a oposição interna social-democrata a dar sinais de agitação crescente, tornam o caminho do líder laranja cada vez mais estreito e inclinado. Passos, como escrevemos nesta edição, insiste na tecla de sempre e na tese de que o regresso aos tempos de crise não está afastado e que por isso não faz sentido tergiversar. Não é crível que até às autárquicas do próximo outono algo de extraordinário se passe, mas nessa altura será dado o tiro de partida para as legislativas e o resultado nas locais não é despiciendo. E aqui a equação não é mais simples para Passos: parte com grande atraso no número de autarquias e está longe de ver resolvido de forma satisfatória o problema em Lisboa e no Porto. Um eventual apoio laranja a Cristas pode resolver parte do problema, mas não apaga a ideia de uma falta de comparência na maior autarquia do país.

O mercado do sangue

O sangue, sendo um bem raro, tem um preço. Porém, ele deve ser estritamente regulamentado pelo facto de ser essencial inúmeras vezes para a vida humana. O júri que preside aos concursos para aquisição de sangue para o Serviço Nacional de Saúde não pode deixar dúvidas quanto à sua credibilidade. Porque de um lado está a vida de pessoas e do outro o preço de um bem muito raro. Alterar as regras em benefício próprio não pode passar impune: por serem as nossas vidas e por ser o nosso dinheiro.

O terror de Alepo

Depois de um mês de bombardeamentos indiscriminados sobre as zonas residenciais de Alepo Oriental, o feudo da rebelião caiu. Entre acusações de genocídio e de crimes de guerra, as tropas de Assad, apoiadas por Irão e da Rússia, obtiveram uma vitória importante que, no entanto, não põe fim à guerra. Esta promete continuar, até porque os ódios acumulados precisarão de gerações para se diluírem. Assad ganhou uma batalha mas reina sobre um país devastado e exangue.

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 PRIMEIRO CADERNO 33

Editorial&Opinião

Daniel [email protected]

Henrique [email protected]

David Marçal

Ganhar uma bolsa de investi-gação (cujos concursos têm taxas de sucesso à volta dos 10%) é primeiro uma boa no-

tícia. Mas à medida que as bolsas se vão sucedendo começa a sentir-se um aperto no estômago. Um bolseiro de investigação não tem direitos la-borais, não está abrangido pelo regi-me geral de Segurança Social, pode ser dispensado sem sequer precisar de ser despedido (porque não é um trabalhador) e não tem subsídio de desemprego.

Um contrato de trabalho torna-se uma miragem porque as institui-ções portuguesas estão viciadas em

bolsas e planeiam as suas ativida-des contando com o custo low cost dos bolseiros. Os investigadores do quadro precisam de mão de obra para publicar e progredir na car-reira, os bolseiros são baratos. As instituições precisam de preencher os seus quadros administrativos e de jardinagem, os bolseiros são baratos. Mesmo nos casos em que o financia-mento provém de receitas próprias, as bolsas são uma tentação irresis-tível. Se uma empresa (portuguesa ou estrangeira) fizer uma parceria com uma universidade, o custo total de um trabalhador altamente espe-cializado passa a ser de 1000 e picos euros por mês, 12 meses por ano. Também as instituições privadas de investigação que têm a possibilidade

de contratar bolseiros não a desper-diçam. É um esquema conveniente para todos, menos para os bolseiros.

É inegável o mérito da expansão do sistema científico, levada a cabo nas últimas décadas, muito impulsio-nada pelo ex-ministro José Mariano Gago. Mas este progresso foi feito, em boa parte, à custa da generali-zação das bolsas de investigação. Num ano em que os investigadores e professores do quadro irão ver os seus salários repostos aos níveis de 2013, era bom lembrar que as remu-nerações dos bolseiros estão ao nível de 2002, data da última atualização. E que no quadro dos direitos laborais e da proteção social estão em níveis bem anteriores ao 25 de Abril. Já é tempo de resolver esta situação.

Bioquímico sustenta que a contratação de bolseiros é um esquema conveniente para todos, menos para os próprios

As universidades portuguesas estão viciadas em bolsas e falsas bolsas

Christian Van Thillo

Existe neste momento em Bruxelas um grande burburinho por causa dos direitos de autor. Por favor continue a ler — este não é um artigo sobre as maravilhas da lei dos direitos de autor; é sobre o futuro da imprensa profissional independente; é sobre como avaliamos a produção de notícias, análise, cobertura em zonas de guerra, entretenimento, desporto, inves-

tigação e entrevistas por parte de jornalistas profissio-nais que seguem códigos de conduta e ética profissional rígidos, 24 horas por dia, sete dias por semana; é sobre se os editores podem continuar a investir infinitamente em conteúdos online que são constantemente roubados, reutilizados e transformados em dinheiro por terceiros sem permissão ou remuneração.

Como parte do tão esperado pacote de reformas dos direitos de autor da UE que visa trazer os direitos de autor para a era digital, o Comissário Europeu para a Economia Digital Oettinger propôs o Publisher’s Right (Direito dos Editores), reconhecendo o valor da impren-sa livre e viável para uma sociedade democrática e os desafios que enfrentamos. Simplesmente, esta lei trará certeza jurídica, para benefício de editores grandes e pequenos, confirmando que somos donos dos nossos conteúdos e que os mesmos não podem ser copiados ou reutilizados para efeitos comerciais sem autorização. Da mesma maneira que é ilegal entrar num quiosque, tirar um jornal sem pagar, fotocopiar todos os conteú-dos, vender alguma publicidade sobre esse conteúdo e distribui-lo por milhões de pessoas, o Publisher’s Right (Direito dos Editores) torna claro que o mesmo não pode ser feito com as publicações online.

Podemos questionar o porquê de uma campa-nha contra algo tão justo e direto. Há muito que as empresas de tecnologia tentam justi-ficar o uso gratuito de media profissionais com a necessidade de a internet se manter “aberta e criativa”. Os mesmos que de-fendem uma rede “aberta” precisam compreender que os editores não podem continuar a investir nos conteúdos que es-ses defensores querem encontrar gratuita-mente disponíveis sem uma remuneração con-veniente. O modelo de negócio online suportado pela publicidade pode fun-cionar perfeitamente para os editores se os conteúdos não puderem ser copiados numa

escala maciça por outros que vendem esses mesmos conteúdos sem pagarem por isso. Isto não tem nada que ver com uma internet aberta e criativa. É um roubo e um aproveitamento.

Para os editores que florescem nos mercados com-petitivos, recorrer a compensações legais e apoiar uma mudança na legislação é absolutamente necessário; é a única solução para acabar com a pirataria e aprovei-tamento de conteúdos que são nossos. “Tradicional” parece ter-se tornado uma palavra feia no contexto da revolução digital dos media e, ainda assim, os meios de comunicação tradicionais enfrentaram de frente a revolução digital. Inovámos, investimos, distribuímos todo o tipo de conteúdos em todos os tipos de aparelhos e plataformas para benefício dos consumidores e as nossas redações supertecnológicas estão longe das re-dações da era pré-digital. Mas como podem os meios de comunicação continuar a investir, se é fácil para outros explorar o seu trabalho sem correr riscos ou ter custos de produção? E se os meios de comunicação “tradicio-nais” falharem? Importa?

Penso que sim e estou certo que pensam como eu. Os afortunados de nós que vivemos numa democracia tomamos a liberdade de imprensa como garantida. No entanto é essa liberdade de imprensa que sustenta a nossa democracia e depende de um mercado que possa gerar dividendos suficientes para fazer face aos custos enormes do negócio das notícias.

Os opositores a esta reforma dizem, maliciosamente, que ela vai criminalizar pessoas singulares pela partilha de links. Esta é uma tática de medo enganadora utilizada pelos que procuram enfraquecer a possibilidade de um Publisher’s Right (Direito dos Editores). Nada nesta refor-ma impedirá pessoas singulares de navegar na internet,

partilhar e postar links de coisas que lhes interessem. Na verdade, as únicas pessoas que vão sentir a diferen-

ça serão os agregadores comerciais e motores de busca que, hoje em dia, gratuitamente tiram proveito comercial dos investimentos das editoras sem permissão e remuneração. Essas

pessoas terão de trabalhar com os meios de comunicação para encontrar um interesse comum no centro de todos os acordos.

O Publisher’s Right (Direito dos Editores) não acabará to-talmente com a selvajaria que é a internet, mas dará clareza jurídica e tornará mais fácil a reivindicação de propri-edade das nossas edições e juntará os interessados para negociar os termos de utilização dos nossos valiosos conteúdos. É justo, certo?

CEO do grupo Persgroep na Bélgica e presidente do European Publishers Council alerta para o futuro do sector

Tomamos a nossa imprensa livre e independente como garantida por nosso risco

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O espetáculo em redor da pala-vra “pós-verdade” chega a ser cómico. Anda tudo indignado com as narrativas de Trump,

que são imunes à verdade. Mas dei-xem-me fazer uma pergunta: onde é que andaram nas últimas décadas? O pós-verdade tem sido o ofício da es-querda pós-moderna. Desde os anos 60, a pós-modernidade não tem feito outra coisa senão destruir o conceito de verdade através de um relativismo epistemológico, moral e cultural. O pós-verdade tem sido o ar que respi-ramos. O vento apenas mudou de di-reção. No desrespeito pela verdade, a direita de Trump é idêntica à esquer-da pós-moderna que nos apascentou nas últimas décadas.

O relativismo epistemológico deter-minou que não existe verdade empíri-ca, apenas narrativas. Nesta mundivi-dência, a realidade perde a sua forma material, demográfica, económica, geográfica. Ficamos reduzidos a um mero verbalismo estético que desis-te de percecionar a realidade que é comum a toda a gente; em vez disso, cria-se uma realidade privativa, a tal narrativa. Entre nós, é essa a essên-cia dos socráticos: o que interessa é a narrativa e o apelo emocional das palavras, não a sua veracidade. É por isso que ainda dizem que a segurança social é sustentável. Quando alguém recorda que temos um rácio trabalha-dor/reformado de 1,4 e que temos uma taxa de natalidade de 1,2, os socráticos transformam estes factos insofismá-veis em “narrativas neoliberais”. A outro nível, pelo Ocidente inteiro, as humanidades ou ciências sociais foram destruídas por este relativismo cognitivo que transforma a realidade numa mera extensão privada de quem escreve. É o inferno construtivista. É como se não existissem constrangi-mentos materiais à expressão linguís-tica do livre arbítrio. Pior: é como se as palavras não tivessem significado material e moral. É por isso que Zizek analisa o cristianismo através dos ovos Kinder enquanto tenta desvalorizar as mortes do totalitarismo; brinca com a palavra “totalitarismo” como se não tivessem morrido milhões de pessoas no gulag.

Se há uma abolição da verdade em-pírica, também há a destruição da verdade enquanto conceito moral. Os socráticos ficam indignados quando alguém diz que José Sócrates teve comportamentos indecentes (receber dinheiro do amigo construtor, por exemplo); quando é a lei a indicar essa imoralidade, garantem que é uma cabala e transformam o ministério público numa pide de toga. A outro nível, pelo Ocidente inteiro, a destru-ição da verdade moral é a essência do politicamente correto ou do multi-culturalismo. De forma reacionária, a esquerda multiculturalista diz que não existe uma moral transcendente por cima da história e das culturas; cada cultura é terminal e define por si só a sua verdade; não há direito natural, tudo é relativo. É por esta razão que não se pode criticar mu-çulmanos, negros ou ciganos a partir de um conceito universal de decência. Diz-se que esse conceito universal de decência é um tique racista. Portanto, se o pós-verdade tem sido este ganha--pão da esquerda, porque é que só acordaram agora? Do mal, o menos: este despertar é o princípio do fim do pós-modernismo.

Pós-verdade? Chama-se esquerda

Procuro nas imagens que nos che-gam os lugares que conheci numa das mais belas cidades do mundo, há mais de 4000 anos habitada,

e hoje pouco mais do que ruínas e ferro retorcido. Mas não me deixo toldar pela dor. Porque, tal como avisa Robert Fisk, jornalista veterano do “Independent”, há mais do que uma verdade na terrível história de Alepo. É fácil manipular a dor das “opiniões púbicas” com imagens terríveis e apagar as imagens terríveis quando a dor das “opiniões públicas” pode ser um problema. No cerco a Mos-sul, onde o exército iraquiano e os cur-dos, com a ajuda dos norte-americanos, conquistam, como têm de conquistar urgentemente, a cidade ao Daesh, as vítimas civis sitiadas não têm rosto nem morte. Em Alepo têm. Umas e outras es-tão a ser usadas como escudos humanos por islamitas radicais. Só que em Mossul a ofensiva é dos “nossos” e em Alepo o ataque é feito pelo sanguinário Bashar Al-Assad e pelo criminoso Vladimir Pu-tin. Sendo verdade que o são, e que isso é evidente nos limites que nunca têm na guerra, entre os ‘rebeldes’ que a eles resistem está a Al-Qaeda síria, a Jabhat Fateh Al-Sham (antiga Al-Nusra). Como diz Fisk, “muitos dos ‘rebeldes’ que o ocidente andou a apoiar estão entre os mais cruéis combatentes do Médio Ori-ente”. Muitos deles serão, não menos do que Assad e Putin, criminosos de guerra. Os democratas que se arriscaram na primavera árabe já morreram todos, sem um soluço de comoção do Ocidente.

Não desculpo aos russos na Síria o que é indesculpável. Mas só um tonto tenta encontrar o lado do bem numa guerra onde se cruzam, combatem e aliam Daesh, Jabhat Fateh al-Sham, vários grupos islamitas, Irão, Rússia, Turquia, curdos, Hezbollah, Governo sírio, milícias sírias de várias colora-ções. Dispensemos a bondade onde ela está sepultada e procuremos o lado da estabilidade possível. E é provável que ela não venha a ser garantida pelos ‘re-beldes’ islamitas que o Ocidente andou a ajudar. Muito menos numa das pou-cas cidades árabes que conheci onde a convivência pacífica entre cristãos (ar-ménios, ortodoxos gregos, maronitas e católicos latinos), drusos, xiitas, alauitas e a maioria sunita era real e visível. No bairro cristão onde fiquei, os sinos das igrejas misturavam-se com o chama-mento dos muezzins. O regime sírio era uma das mais brutais ditaduras do Médio Oriente. Mas era laica, nas mãos de uma minoria (os alauitas) e por isso defensora intransigente da liberdade religiosa. A realidade não se resume a um combate entre bem e mal.

O que fazer quando a um ditador cruel pode suceder o caos dos fanáticos? E se o facínora Assad, como todos os seus odiosos crimes, for a única coisa que resta de um poder viável na Síria? Como se impede o ressurgimento dos que der-rubaram as Torres Gémeas e dos que mataram em Paris? Não é seguramente através da matança organizada por Pu-tin, que não tem terroristas e islamitas como alvo. Mas também não foi pelo apoio aos ‘rebeldes’. Estamos a pagar o vazio de poder que se deixou no Iraque. Num processo negocial que não estava esgotado, teria sido decisivo não repetir o erro e garantir um poder viável na Sí-ria. Na menos feliz das hipóteses, Assad teria encontrado em Obama um inter-locutor que, em troca de algum apoio no combate aos islamitas, o contivesse. Encontrou em Putin quem lhe tratasse da carnificina. Mas que as lágrimas não nos turvem os olhos: a alternativa a As-sad não é melhor do que Assad.

Apesar da dor

HENRIQUE RAPOSO ESCREVE NO EXPRESSO DIÁRIO DE SEGUNDA A SEXTA-FEIRA

DANIEL OLIVEIRA ESCREVE NO EXPRESSO DIÁRIO DE SEGUNDA A SEXTA-FEIRA

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Expresso, 17 de dezembro de 2016PRIMEIRO CADERNO34

A CARTA DA SEMANA

In Memoriam Cartas

Os originais das cartas não devem ter mais de 150 palavras, reservando-se a Redação o direito de as condensar. Os autores devem identificar-se indicando o nº do B.I., a morada e o nº do telefone. Não devolvemos documentos que nos sejam remetidos. As cartas também podem ser publicadas na edição online.

Para contacto:fax nº (+351) 214 435 319ou [email protected]

OBITUÁRIO

1921-2016 A 20 de fevereiro de 1962 tornou-se o primeiro herói americano da era espacial ao dar três voltas à Terra numa cápsula

John GlennJosé Cutileiro

John Herschel Glenn Jr., de quem a morte foi anunciada pela Universi-dade Estatal de Colum-

bus, Ohio, cidade onde passava parte do ano e em cujo centro hospitalar de oncologia fora recentemente internado — em-bora na altura houvesse sido dito que tal não implicava, ne-cessariamente, que sofresse de cancro e houvesse também sido lembrado que cerca de dois anos antes, com intervalo de poucas semanas, recebera cirurgia car-díaca que lhe substituíra válvula do coração e sofrera pequeno acidente vascular cerebral — na quinta-feira, dia 7 deste mês, morrendo serenamente e sem sofrimento depois de vida inten-sa e, a todos os títulos, exemplar, durante a qual — mais precisa-mente, durante cinco horas do dia 20 de Fevereiro de 1962 — se transformara no primeiro herói americano da era espacial, em época de intensa rivalidade en-tre os Estados Unidos e a União Soviética, guindados à posição de superpotência, as duas únicas do globo, enormes, populosas, detentoras de filosofias diferen-tes e em parte antagónicas da sociedade e da história, cada uma delas querendo ganhar à outra a batalha das ideias e do-minar o mundo sozinha, ambas poderosas politicamente na sua periferia e armadas até aos den-tes por armas convencionais e nucleares e, sendo a conquista do espaço lugar privilegiado do seu duelo, havendo até essa al-tura a Rússia parecido dominar com as viagens à estratosfera dentro de uma cápsula, primeiro de Iuri Gagarin, depois do seu compatriota Gherman Titov, idos muito mais longe do que os dois astronautas americanos que os haviam precedido e co-meçando o público americano a duvidar das capacidades do seu próprio país nessa contenda e, por extensão, também da capa-cidade de vir a ganhar a Guerra Fria, quando John Glenn, 40 anos, piloto de ensaio dos Mari-nes, trepou para a “Friendship 7”, pequena cápsula Mercury em cima de um foguetão Atlas,

disparado de Cabo Canaveral às 9h47 da manhã, hora local, e foi levado, num voo curto, a fazer três circum-navegações — três órbitas da Terra — antes de amarar são e salvo 12 mil qui-lómetros a sudeste, deixando de repente os astronautas russos al-guns anos para trás e levantando o ânimo de uma nação inteira.

Tinha partido de manhã um desconhecido (do qual, todavia, se esperava qualquer coisa: em muitas escolas primárias des-sa zona horária do país houve professoras e professores que empurraram até às salas de aula televisões — nessa altura a preto e branco — para os alunos poderem seguir a aventura e rezar pelo aventureiro); voltara a meio do dia um herói naci-onal que toda a gente queria conhecer e que havia aplicado aos Estados Unidos uma espé-cie de electrochoque benfazejo. A recepção foi eufórica. Ken-nedy recebeu-o na Casa Bran-ca. O acolhimento em Nova Iorque foi um dos maiores de que há memória, com bandas, bandeirinhas e confetes. Ficou tão célebre, de celebridade tão estimada — não se encontraria melhor para ser o verdadeiro símbolo da coragem, da bon-dade, da decência americanas,

direito, nascido no Midwest, casado com a sua namoradi-nha de liceu (hoje sua viúva), incapaz de se pôr em bicos dos pés para alcançar o que não lhe coubesse. Honesto e honrado. Na NASA não queriam que ele tornasse a voar pois, se tragédia acontecesse, a perda nos cora-ções dos americanos seria incal-culável. (Só muitos anos depois, já senador, os convenceu e aos 77 anos tornou-se a pessoa mais velha a visitar o espaço).

Senador por muitas décadas (mantinha uma residência em Washington), reeleito enquan-to o quis ser, era um pilar do Partido Democrata do Ohio. Em 1976 tentara candidatar-se a candidato à vice-presidência mas aí fora menos bem-sucedi-do: o partido escolhera Walter Mondale para ser o vice de Car-ter. Quiçá a sua seriedade fosse considerada demasiada para tratar naturalmente gregos e troianos. Morreu num ano em que a política da conquista da Presidência dos Estados Unidos atingiu baixezas éticas inéditas em tempos modernos.

José Cutileiro escreve de acordo com a antiga ortografia

Paulo Evaristo Arns1921-2016 Religioso brasileiro, era bispo emérito de São Paulo e foi um dos maiores opositores e lutadores contra a ditadura brasileira que se arrastou desde os anos sessenta até 1985. Quinto filho de uma prole de 13 irmãos (três irmãs eram freiras e um irmão padre), foi ordenado em 1945 e doutorou-se na Sorbonne em Literatura Clássica. Aluno brilhante, regressou ao Brasil, foi nomeado presbítero de Petrópolis e fez da assistência aos pobres o principal

objetivo da sua missão. Com uma ideologia próxima do comunismo, opôs-se à ditadura militar de 1964 e já bispo de São Paulo passou a combatê-la. Denunciou a tortura e morte de dois padres opositores do regime, passou a visitar regularmente presos políticos na cadeia de Carandiru e denunciou todos os abusos de que foi testemunha. Chegou a ser sequestrado por um esquadrão da morte da Polícia Militar que o espancou e torturou, mas assim que foi libertado, apareceu na igreja, de cadeira de rodas e curativos. Em 1985, juntou oito mil pessoas numa missa em memória do jornalista Vladimir Herzog, torturado até à morte pela polícia, ou vítima de suicídio, na versão oficial. Já em democracia fez parte do movimento Brasil Nunca Mais que denunciou todos os abusos da ditadura. Dia 14, de causas naturais.

> Alberto Seixas Santos (1936-2016), realizador português, era um dos mentores do movimento do Cinema Novo e professor da Escola de Cinema do Conser-vatório . O seu primeiro filme, “Brandos Costumes”, talvez seja a sua obra-prima. Nos anos 90 fez “Mal”, um retrato certeiro da sociedade de então. Dia 10, de causas não reveladas. > Mo-hamed Tamalt (1974-2016), jor-nalista britânico e argelino, foi condenado a dois anos de prisão por ter escrito artigos conside-rados ofensivos contra o Pre-sidente Abdelaziz Bouteflika. Preso quando regressou à Ar-gélia, entrou em greve de fome. Dia 11, na sequência do protesto. > Esma Redzepova (1943-2016), cantora macedónia, era cigana e cantava em romani. Enfrentou a comunidade por cantar em pú-blico e por se ter casado fora da comunidade com o compositor que a descobriu. Foi nomeada rainha dos ciganos e adotou 48 órfãos da guerra dos Balcãs. Dia 10, de causas não reveladas.

Suecos e portugueses

O “JN” de 13 de dezembro in-forma-nos de que “suecos mais pobres ganham tanto como portugueses mais ricos”. A di-ferença entre Portugal e Suécia está nisto: a Suécia pratica a verdadeira social-democracia; Portugal pratica umas falsas variantes dela, a saber, a “so-cial-democracia” do PSD, o “socialismo democrático” do PS, a “popular democracia” do CDS e a “democracia” dos três. Este é o azar de um povo com uma história cheia de heróis mas a quem faltou um herói político com a categoria de Er-nst Wigforss. Por mim, procuro aprender a educação política de Ernst Wigforss e do “Pro-grama de Gottenberg”, em vez do programa dos congressos dos nossos partidos, e a dialo-gar com os meus compatriotas sobre a maneira de dar volta a este fado lusitano. Afinal, se os excelentes automóveis de mar-ca sueca nos servem, as ideias políticas dos suecos também nos deveriam servir!José Madureira, Porto

Espinhos no mar de rosas

(...) A classe médica e os pro-fessores estão em burnout. A falta de condições laborais, a despersonalização e a irrea-lização profissional colocam 66% dos médicos em autêntica exaustão emocional. Mas José Manuel Silva, bastonário da Or-dem dos Médicos, não hesita em afirmar que “os médicos também estão a ser vítimas da ausência de recursos suficien-tes para assistirem os doentes com qualidade”. Com 44% dos professores insatisfeitos, o rela-tório da “Escola Segura” deixa os docentes ainda mais preo-cupados: 2849 crimes foram praticados dentro das escolas e 1253 fora dos estabelecimentos de ensino. Afinal, o mar de ro-sas de António Costa começa a ter muitos espinhos.Ademar Costa, Póvoa de Varzim

Evitar a diabolização da gripe

Têm aumentado significativa-mente as corridas às urgências hospitalares, devido aos núme-ros crescentes de doentes afeta-dos pela gripe sazonal que, em pânico e em algum estado de histeria, entopem os serviços de urgência, apesar dos mesmos existirem alegadamente para si-tuações de elevado risco de vida ou associadas a sintomatologias ou patologias com diagnósticos de possíveis fatalidades. Apesar da informação constante para que estas sintomatologias, ex-cluindo doentes cuja idade ou fragilidade justifiquem o recur-so à urgência hospitalar, sejam diagnosticadas e tratadas numa primeira fase, através do recur-so ao médico de família, seja via telefónica nos horários para tal estipulados, seja presencial-mente, seja nos vários centros de atendimento complementar das várias áreas de residência, há uma tendência para o recur-so direto às urgências hospi-

talares sem atender aos riscos em que incorrem esses mesmos pacientes nas filas de espera para atendimento. É importan-te ter em conta que a afluência desenfreada de pacientes com sintomas de gripe às urgências hospitalares dificulta o trata-mento e assistência médica eficaz a quem realmente deles necessita.Cristina Machado, Lisboa

Falcoaria Real

Na sequência de uma visita a Salvaterra de Magos, fui acon-selhado a visitar a Falcoaria Real instalada num belo edifício pombalino com muita história dos tempos da monarquia e que em boa hora a Câmara Munici-pal recuperou proporcionan-do a todos uma visita guiada com elevado profissionalismo e simpatia pouco vulgar de todo o pessoal. As boas-vindas dos administrativos, da meticulosa guia da parte histórica e insta-lações com projeção dum filme explicativo terminando com o falcoeiro com toda a paciência e abertura às nossas dúvidas, minucioso nas explicações pormenorizadas sobre cada es-pécie finalizando com uma de-monstração da chamada “falsa presa” e da função do falcão nos aeroportos, pois afasta as ou-tras aves que poderiam colidir com os aviões. Digno de registo é a gratuitidade da lição desta arte cinegética milenar. Sen-tia-se em todos os funcionários uma certa ansiedade e com jus-tificação. Aproximava-se a data que se ficaria a saber o resulta-do da candidatura da Falcoaria Real a Património Cultural da Humanidade pela UNESCO. Por azar, a boa nova chegou a 1 de dezembro, dia da restaura-ção da Independência, mas que toda a gente o que celebrava era mais a restauração... do feriado e daí não ter sido dado o rele-

vo merecido àquela conquista. Para todos que vibram com es-tas vitórias para Portugal (...) esta conquista veio juntar-se a tantas outras que temos conse-guido e que sem dúvida ajudam a elevar o nosso ego. Jorge Morais, Porto

Honra a Luaty Beirão

Os angolanos Luaty Beirão e 16 companheiros “rebelaram-se contra o Governo de Angola”, acusaram as autoridades go-vernamentais. Móbil da “rebe-lião”, leitura e discussão dum livro, acabando todos eles na prisão(!). O preso Luaty Beirão escreveu no seu diário: “Sou eu mais livre na prisão, a lutar pela liberdade”, do que muitos com responsabilidades que se demitem e se vão integrando na democradura de Eduardo dos Santos. Recentes entrevistas a Luaty são exemplos de cora-gem, determinação e desafios aos mecanismos do medo que “faz com que as pessoas man-tenham omissas e não passem as suas ideias para os outros”, disse ao “Negócios”. Admire-se--lhe a tenacidade e espírito livre em continuar a pugnar por um ideal de liberdade de opinião/associação, para os seus conci-dadãos. De verbo fácil e fluído raciocínio descritivo, afirmou ter ficado sensibilizado com a iniciativa parlamentar do BE na AR a favor das libertações. Porém, o Parlamento chumbou a proposta com os votos contra do PSD/CDS e do PCP (...)Vítor Santos, Areias

Alojamento Local

A Secretaria de Estado do Tu-rismo, relativamente ao arti-go “Travagem brusca no alo-jamento local” publicado no Expresso de 10 de dezembro de 2016, esclarece que: (...) “O Alojamento Local tem tido uma evolução muito significativa e positiva em termos de regis-tos desde que foi criado [em 2008], mantendo-se este ano esta tendência de crescimento. Entre janeiro e dezembro de 2015 foram registadas 11.059 novas unidades de AL. Só neste ano de 2016, até ao momento, foram registadas 12.035 novas unidades num universo atual de 35.171 registos. Cerca de 34% do total das unidades existentes no Registo Nacional do Aloja-mento Local foram registadas este ano entre janeiro e dezem-bro de 2016. O número de re-gistos verificados até ao dia 12 de dezembro de 2016 é cerca de 9% superior ao verificado em 2015, demonstrando ine-quivocamente que não existe uma ‘travagem brusca’ no AL. Têm sido desenvolvidas várias ações de promoção da entrada no Registo Nacional do Aloja-mento Local, nomeadamente através de trabalho conjunto com as plataformas de comer-cialização, no sentido de passa-rem a incluir um campo para o número do RNAL, bem como notificações aos proprietários que constam das plataformas informando as regras e aler-tando para a necessidade de registo. As ações pedagógicas têm tido resultados evidentes no número de registos. Veja-se o caso do efeito da comunica-ção eletrónica conjunta com a Airbnb a todos os proprietários inscritos na plataforma. Nos 30 dias seguintes a esta comunica-ção, o número de registos de AL no Registo Nacional cresceu exponencialmente, tendo-se re-gistado mais 2100 alojamentos, o maior crescimento desde a introdução do RNAL (...)”.Hermínia Saraiva

Uma barbárie, um crime, uma tragé-dia o que continua a passar-se em Alepo

e onde todas — sem exce-ção — as potências mundi-ais olham o seu egoísmo, os seus interesses e estão-se literalmente marimbando para as pessoas que são mortas, como nem a cães pode acontecer.

Não é possível termo-nos tão rapidamente esquecido do Holocausto do nazismo e estar a fazer-se exatamen-te o mesmo, uma vez mais. Alepo é hoje um campo de concentração, onde civis de-sarmados são mortos por aviões que os sobrevoam, por tipos a pé ou de jipe, de arma em punho e mata-se, matam-se crianças, velhos, mulheres e homens, como se ratos fossem que ocupa-ram indevidamente uma ci-dade, hoje fantasma. E cada um de arma em punho quer o seu espaço, a sua vitória (...) E isto é feito com tanto à vontade, com tanto desca-ramento, com tanta falta de pudor e de vergonha, que é um desastre para a raça humana. Uma vergonha! E enquanto estas linhas foram escritas quanto mais mortos inocentes “aconteceram” no campo de concentração de Alepo?Augusto Küttner, Porto

Alepo, uma vergonha

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 35 PRIMEIRO CADERNO

UMA INICIATIVA EXPRESSO/SIC NOTÍCIAS COM O APOIO

KIA SPORTAGEMODELO 1.7CRDI TX

FORMA(portas/lugares) SUV, 5/5

PREÇOBASE(€) 22.688

PVP(€) 34.521

MOTORDIESEL(cilindros/cm3) 4/1685

POTÊNCIA(cv/r.p.m.) 115/4000

BINÁRIO(Nm/r.p.m.) 280/1250/2750

CAIXAMANUAL(velocidades) 6

VELOCIDADEMÁXIMA(km/h) 176

ACELERAÇÃO0-100KM/H(s) 11,5

BAGAGEIRA(litros) 503

DEPÓSITODECOMBUSTÍVEL(litros) 62

COMP./LARG./ALT.(m) 4,48/1,85/1,65

CONSUMOS(litros/100km)

URBANO 5,4

EXTRAURBANO 4,2

MISTO 4,6

EMISSÕESCO2(g/km) 119

RENAULT MÉGANEMODELOBerlinaDCI 130 GT Line

FORMA(portas/lugares)Hatchback, 5/5

PREÇOBASE(€) 21.426

PVP(€) 30.468

MOTORDIESEL(cilindros/cm3) 4/1598

POTÊNCIA(cv/r.p.m.) 130/4000

BINÁRIO(Nm/r.p.m.) 320/1750

CAIXAMANUAL(velocidades) 6

VELOCIDADEMÁXIMA(km/h) 198

ACELERAÇÃO0-100KM/H(s) 10

BAGAGEIRA(litros) 384

DEPÓSITODECOMBUSTÍVEL(litros) 47

COMP./LARG./ALT.(m) 4,36/1,81/1,45

CONSUMOS(litros/100km)

URBANO 4,7

EXTRAURBANO 3,6

MISTO 4,0

EMISSÕESCO2(g/km) 103

VW TIGUAN MODELO 2.0 tdi 150cv Highline

FORMA(portas/lugares) SUV, 5/5

PREÇOBASE(€) 28.634

PVP(€) 44.341

MOTORDIESEL(cilindros/cm3) 4/1968

POTÊNCIA(cv/r.p.m.) 150 (3500/4000)

BINÁRIO(Nm/r.p.m.) 340 (1750/3000)

CAIXAAUTODS6(velocidades) 7

VELOCIDADEMÁXIMA(km/h) 200

ACELERAÇÃO0-100KM/H(s) 6,2

BAGAGEIRA(litros) 502

DEPÓSITODECOMBUSTÍVEL(litros) 58

COMP./LARG./ALT.(m) 4,49/1,84/1,65

CONSUMOS(litros/100km)

URBANO 6,8

EXTRAURBANO 5,1

MISTO 5,7

EMISSÕESCO2(g/km) 149

Indo direito ao assunto, qual a maior qualidade deste car-ro? O espaço e a combinação quase perfeita entre motor (150 cv) e caixa (automática de sete velocidades). Qual o maior defeito? O preço que supera os 44 mil euros. É certo que há versões com menos cilindrada, menos potência e de caixa manual, vendidas (na versão menos equipada) a partir dos 33 mil euros mas é esta a versão a concurso.

Este é daqueles carros aos quais nos adaptamos sem di-ficuldade. A posição de con-dução é alta, com excelente visibilidade, como se espera de um SUV. A maior altura ao solo se, por um lado, não favorece a aerodinâmica e logo os baixos consumos, por outro é útil numa cidade cheia de obras e de buracos como Lisboa, para não falar dos lençóis de água quando chove. Por alguma coisa este subsegmento dos SUV (ou

Volkswagen Tiguan O prazer da caixa automática

Crossover) é o que está em maior crescimento e pare-ce reunir os favores de um público cada vez mais vasto.

A caixa automática é suave e tanto permite deslizar no meio do trânsito intenso de uma grande cidade sem dar cabo do joelho e da perna esquerda, como ultrapassar, subir e descer em estrada aberta, a um ritmo mais elevado. Com 150 cavalos e caixa automática, o consu-mo não podia ser portentoso mas também, verdade seja dita, nunca se afastou muito dos sete litros aos cem ou mais umas décimas. Se nos lembrarmos do que gasta-vam os SUV de há dez anos, como o primeiro Hyundai Tucson, é claramente um progresso. Mas alguma concorrência faz melhor, a começar pelo líder do seg-mento, o Nissan Qashqai, so-bretudo com a motorização 1.5 a gasóleo. O espaço para passageiros e carga tem a generosidade que seria de esperar num carro destas dimensões. R.C.

Malefícios do sistema

Uma das tecnologias que equipam a versão a concurso do VW Tiguan é um sistema Start and Stop, pensado para a redução de consumos e emissões em meio urbano. O motor desliga-se sempre que a viatura se imobiliza, voltando a funcionar quando deixamos descair ou pisamos o acelerador. Esta é a teoria. Na prática, verifiquei que em situações típicas de cidade em que é preciso pisar a tábua e ter resposta, por exemplo para evitar a queda do vermelho num semáforo ou entrar numa rotunda antes que o trânsito vindo da nossa esquerda se aproxime demais, a viatura ensaiada não foi tão lesta como teria gostado. R.C.

Vou contar-vos como expe-rimentei este carro sem vos ocultar nada. Estávamos a 14 de outubro e nessa sexta-fei-ra tinha havido, ao almoço, uma ação da Volvo (também concorrente ao Essilor Carro do Ano/Troféu Volante de Cristal com a carrinha V90) na baía de Cascais. Foi antes de almoço e ainda bem, por-que a combinação de barri-ga cheia com acrobacias em semirrígido com mar picado poderia ter consequências menos agradáveis. De re-gresso ao jornal para as úl-timas operações de fecho de edição pouco pude apreciar do Renault Mégane Berlina, uma vez que se tratou de ir e vir pela A5 com o desemba-raço possível.

Um pouco antes do jan-tar zarpei para Porto Covo, onde ia fazer a minha despe-dida da época de praia. Parei em Alcácer do Sal porque o ‘Glorioso’ jogava com o 1º de Dezembro de Sintra para

Renault MéganePela estrada fora

a Taça de Portugal. Como o jogo nunca mais se resol-via fui ficando e quando o Celis fez aquele atraso sui-cida para o guarda-redes e o Martim Águas, neto adivi-nhem de quem, transformou o penálti, a bifana e a sopa de feijão até me começaram a azedar no estômago. Mas, enfim, tudo se compôs com a cabeçada do Luisão e lá voltei ao volante, enquanto os meus companheiros de jantar e bola me diziam com fleuma alentejana: “Então amigo, agora até a viagem lhe vai correr melhor”...

E de facto correu. O Méga-ne evidenciou belas qualida-des estradísticas na serra de Grândola pelo IC33, desem-baraçando-se nas (poucas) ultrapassagens que houve. Era tal o entusiasmo que já no ramal para Porto Covo abordei uma curva com ex-cesso de confiança, o que me obrigou a uma travagem de rali seguida de correção de trajetória que o meu com-panheiro de viagem tolerou sem queixas. R.C.

Estranho paradoxo

Quis o destino que testasse os dois Renault Mégane seguidos, primeiro a carrinha e depois o carro. As mecânicas não podiam ser mais semelhantes e apenas o peso e as dimensões variam ligeiramente. Donde, seria de esperar que os consumos fossem muito semelhantes e que, inclusivamente, o carro superasse a carrinha, ainda que por pequena margem. Que acha o leitor que aconteceu? Ainda que com a berlina tivesse feito bastante mais estrada que com a carrinha, acabou por ser esta a fazer melhores consumos e com uma diferença de um litro. Quem me explica este paradoxo? R.C.

KIA Sportage Um jipe de cidade

Esta quarta geração do Kia Sportage mostra como o SUV da marca coreana se sofisticou, cresceu por den-tro e por fora e ganhou equi-pamento. Não fica a dever à concorrência europeia, nomeadamente germânica, e mesmo tendo encarecido, continua a ter preços inte-ressantes, quer de tabela quer por via da campanha de lançamento. Custa à volta de 34 mil euros mas, até ver, o preço praticado é de pouco mais de 31 mil.

Entramos no carro, senta-mo-nos, ajustamos espelhos, volante e banco e aí estamos prontos para seguir viagem. O interior impressiona favo-ravelmente, apesar da pro-fusão de botões sob a zona do rádio e ecrã multimédia. Desse ponto de vista é quase um regresso a um carro de há 20 anos: há para ali bo-tão a mais, embora eu não seja um fanático dos ecrãs táteis que, de resto, nem

sempre são fáceis de usar.Ligamos o motor e temos

um trabalhar suave e pouco ruidoso. O motor responde bem e, mesmo só com 115 cavalos chega para as enco-mendas. Contudo, se come-çarmos a prestar atenção aos consumos instantâneos e médios depressa descobri-mos o calcanhar de Aqui-les deste motor: de tanto o terem adaptar à redução de emissões (partículas e gases) da norma Euro VI, os engenheiros da marca não conseguiram resolver satisfatoriamente o fator consumo: à volta dos sete e meio. Não é catastrófico mas a concorrência, nomea-damente nipónica, conse-gue fazer melhor. Enquanto não chega um novo motor a marca tem de se governar com o que tem. Em tudo o resto, este novo Sportage pede meças à concorrên-cia, trate-se de andamento, comportamento em estrada, conforto, equipamento ou espaço para passageiros ou carga. R.C.

Automático, para quando?

Fica no ar alguma curiosidade quanto às versões do Sportage a lançar no primeiro trimestre deste ano e que já trarão caixa automática. SUV que se preze, mesmo que seja só para andar na cidade, onde a transposição mais radical de obstáculos se resume a subir e descer passeios, tem de ter caixa automática. Estas nos últimos anos sofreram uma tremenda evolução tecnológica e já se aproximam muito das manuais, seja não penalizando significativamente os consumos seja permitindo vivacidade de andamento. Se for como a caixa da carrinha Optima, promete... R.C.

Carros candidatos

Audi Q2 1.6 TDI 116 Sport

Citroën C3 Pure Tech

Hyundai IONIQ Hybrid Tech

Hyundai Tucson 1.7 CRDi

Kia Sportage 1.7 CRDi

Kia Optima Sportwagon 1.7

Mazda3 CS Skyactiv-D 1.5

Mitsubishi Outlander PHEV

Peugeot 3008 Allure 1.6

Renault Mégane Berlina

Renault Mégane Sport Tourer

Volkswagen Passat Variant GTE

Volkswagen Tiguan 2.0 TDI Volvo V90 D4 SEAT Ateca

1.6 TDI Hyundai i20

1.0 TGDiHyundai i20

Active 1.0 TGDi

Os SUV em alta E

sta revolução come-çou em 1994 quando a Toyota, que toda vida fabricara jipes e pick--ups, coisa que ainda faz embora mais para

países do Terceiro Mundo, re-solveu fazer algo de diferente, inventando um jipe aligeirado, o RAV 4, que mesmo não tendo chassis nem caixa de transferên-cia, puxava às quatro e ia a qua-se todo o lado. Estava lançada a moda dos SUV (Sport Utility Vehicle), à qual outras marcas não tardaram a aderir, nomea-damente a Honda com o CR-V. Esta primeira geração de SUV, mais leve que os jipes clássicos

CARRO D O ANO ESSILOR

e com melhor comportamen-to em estrada, tinha, apesar de tudo, alguma aptidão todo o terreno. O primeiro a só puxar à frente foi o Honda HR-V, mas mesmo este ainda fazia umas habilidades fora de estrada.

Depois, em 2007, veio a segun-

da revolução, quando a Nissan inventou o Qashqai e inaugurou o segmento a que hoje chama-mos dos crossover. Abandonada a tração integral (que só um lote de connaisseurs ou utilizadores profissionais aprecia devida-mente), manteve-se, apesar de

tudo, a silhueta de um carro mais alto, com melhor visibilidade e um mínimo de versatilidade, ainda que limitada a caminhos de terra em relativo bom estado. Ainda hoje o modelo nipónico (já na sua segunda geração) do-mina totalmente esta categoria no que respeita a vendas, em Portugal e não só. Finalmente, uma terceira semirrevolução quando as marcas começaram a fazer SUV de tamanho médio ou pequeno, de que são exemplo o Mazda CX-3 ou, dos modelos a concurso este ano, o Audi Q2 de que em breve falaremos.

Rui [email protected] aposta global

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Expresso, 17 de dezembro de 201636 PRIMEIRO CADERNO

FO OTBALL LEAKS FINANCIAMENTO

A MISTERIOSA DOYEN QUE LUCRA 300% COM O SPORTING

Textos Pedro Candeias, Miguel Prado e EIC

Ilustrações Mário Henriques

P ense num negócio com margens de lucro superiores a 500%. Não haverá muitas atividades com esses níveis de rentabilidade. Mas há um negócio, que move paixões, onde

semelhantes margens estão a ser conseguidas. É o futebol, que faz vi-brar milhões de fãs. Nos bastidores, há centenas de atores pagos a peso de ouro. Se o nome Kondogbia não lhe diz nada, talvez também não saiba o que é a Doyen. Seja bem-vindo à história de um dos fundos mais influ-entes na história recente do futebol europeu, que só num negócio com o Sporting teve uma margem de lucro de 300%. Mas já lá iremos.

Geoffrey Kondogbia é um futebo-lista francês de 23 anos contratado pelo Sevilha em 2012 por €3 milhões. O dinheiro veio de uma empresa que nascera um ano antes, a Doyen Sports Investments (Doyen), como mostra a investigação Football Leaks, coor-denada pela rede EIC-European In-vestigative Collaborations, a partir de documentos obtidos pela revista alemã “Der Spiegel”. A Doyen ficou com 50% dos direitos económicos de Kondogbia. Para ter os restantes 50%, o Sevilha prometeu pagar à Doyen €1,65 milhões, mais prestações de €150 mil ao ano até que o jogador fosse vendido a outro clube. Na prá-tica, o Sevilha obteve um empréstimo

de €1,5 milhões, com juros de 10% ao ano. Sim, 10%.

Este seria um modelo de negócio que se repetiria em várias transações, oferecendo aos clubes sem liquidez uma alternativa ao tradicional, mas cada vez mais fechado, financiamen-to bancário. A Doyen cobrava aos clubes um juro de referência de 10% para lhes emprestar dinheiro. Di-nheiro esse que era avançado pelos acionistas da Doyen a uma taxa indi-cativa de 4,5%. Com este diferencial de juros a empresa fazia uma parte dos seus ganhos. Era como um banco exclusivo para clubes de futebol.

O contrato com o Sevilha foi um dos primeiros. No pior dos cenários, se outro clube não adquirisse os direi-tos de Kondogbia até 2015, a Doyen receberia do Sevilha €3,45 milhões. Mas não foi isso que aconteceu. Em agosto de 2013, Kondogbia foi con-tratado pelo Mónaco, que pagou €20 milhões, o valor da cláusula de resci-são. A empresa, que tinha 50% dos direitos, encaixou €10 milhões. O que deu um lucro de €8,5 milhões em apenas um ano: uma rentabilidade do capital investido de 567%, antes de descontadas as comissões. O agente de Kondogbia, Jonathan Maarek, assegurou à rede EIC que a Doyen “nunca teve qualquer influência nas escolhas desportivas” sobre o atleta.

Em junho de 2014, a Doyen transfe-riu €1,3 milhões a uma empresa sua parceira, a Denos Limited, instalada no paraíso fiscal de Ras Al Khaimah, nos Emirados Árabes Unidos. A ver-ba é justificada, nos documentos que o Expresso consultou, por serviços de consultoria prestados pela Denos nas transferências dos futebolistas Kondogbia, Falcao e Miguel de las Cuevas. A Doyen não respondeu às questões colocadas pela rede EIC sobre os negócios com Kondogbia.

A Doyen (que tem sede em Malta e escritório em Londres) e a Denos (que opera no Dubai) partilham uma história comum: a de que nas milio-nárias transferências de jogadores

de futebol os intermediários fazem--se pagar bem e muitas vezes traba-lham em rede, recorrendo a paraísos fiscais e a estruturas que permitem ocultar o rasto do dinheiro.

A Doyen é liderada pelo português Nélio Lucas. A Denos faz muitos dos seus negócios por intermédio de Amadeu Paixão, outro agente por-tuguês que explora com Nélio Lucas a empresa britânica Principal Spor-ts Management, que por seu turno presta serviços à Doyen. Amadeu, de 64 anos, é um dos mais experientes intermediários portugueses. Nélio, aos 36 anos, é um dos mais ambicio-sos empresários do futebol europeu.

E agora veja como um dos maio-res negócios de sempre do Sporting se transformou, paradoxalmente, num dos seus piores pesadelos. Fala-mos de Marcos Rojo... que renderá à Doyen €12 milhões. Mais juros.

O caso Rojo

Em julho de 2012, o Sporting contra-tou o futebolista argentino Marcos Rojo ao Spartak de Moscovo, ofe-recendo ao clube russo €4 milhões. Desse valor, €3 milhões foram finan-ciados pela Doyen, que ficou com 75% dos direitos económicos do jo-gador. Além disso, o fundo financiou €1,5 milhões para a contratação do marroquino Zakaria Labyad, e um empréstimo de curto prazo de €1,57 milhões (mais €175 mil em juros).

No negócio com o Sporting a Doyen salvaguardou-se: por um lado, o fundo garantia que, qualquer que fosse o futuro de Rojo, receberia pelo menos €4,2 milhões pelos seus 75%; por outro lado, estipulava-se que se algum outro clube oferecesse pelo menos €8 milhões por Rojo, o Sporting deveria aceitar ou, não o fazendo, compensar o fundo. Um contrato tirado a papel químico do de Kondogbia: se terceiros oferecessem o dobro do investimento feito pela Doyen, qualquer que fosse a vontade do clube, a empresa de Nélio Lucas

podia obrigar o clube a devolver-lhe o capital investido e, em cima disso, um retorno de 100%.

Os negócios de Nélio foram feitos com um Sporting em situação de emergência financeira. A direção de Luís Godinho Lopes já tinha alienado uma parte dos direitos económicos dos jogadores do clube ao BES e ao BCP. Pouco antes de sair do clube, em 2013, Godinho Lopes mandatou o agente Amadeu Paixão para vender o avançado Ricky van Wolfswinkel (cujos direitos eram detidos em par-tes iguais pelo Sporting e pelo fundo irlandês Quality Football). Os ingle-ses do Norwich ofereceram €10 mi-lhões. A comissão de intermediação foi fixada em €500 mil, cuja fatura-ção Amadeu Paixão deixou a cargo da Denos. Mas o Sporting só pagou metade, considerando que o resto de-via ser pago pela Quality Football. E a Denos processou o Sporting no Tri-bunal Arbitral do Desporto na Suíça.

Mais tarde veio um novo processo. Em agosto de 2014, o Sporting ven-deu os direitos de Marcos Rojo ao Manchester United por €20 milhões. Descontando €4 milhões para o an-tigo clube de Rojo (Spartak), caberia à Doyen €12 milhões (o que dava um lucro de €9 milhões, ou 300%, em apenas dois anos). Só que o Sporting decidiu rescindir o contrato e apenas restituir ao fundo os €3 milhões inves-tidos em 2013. Mais tarde a FIFA abri-ria uma investigação sobre este caso.

A Doyen processou o clube na Suíça e um acórdão de dezembro de 2015 deu razão à empresa, condenando o Sporting a pagar €12 milhões. O Sporting recorreu para o Supremo Tribunal da Suíça, argumentan-do que a sentença obriga os leões a pagar “juros usurários” e “valida contratos que violam direitos funda-mentais dos jogadores”, lê-se no últi-mo relatório e contas do clube. Esta quinta-feira, o Sporting informou que o Supremo confirmou a sentença de primeira instância, condenando o clube a pagar €12 milhões mais juros.

O conflito ilustra os dilemas da in-dústria do futebol. Para quem defende os fundos, como Nélio Lucas, há dois grandes argumentos. Por um lado, o financiamento ajuda os clubes me-nos abastados a contratar jogadores melhores. Por outro lado, quando um fundo lucra com a valorização do in-vestimento feito num jogador, tam-bém o clube sai a ganhar com a sua transferência. “Os clubes ricos são cada vez mais ricos, por isso a competi-ção é cada vez mais injusta e desvirtu-ada”, lembrou Nélio Lucas numa con-ferência em Madrid no ano passado. A outra face da moeda é que quanto maior o peso dos fundos, menor é a autonomia dos clubes na gestão do seu futuro. No final de 2014, a FIFA pôs em marcha um plano para acabar com este modelo de financiamento (“third party ownership”, ou TPO), banindo-o a partir de maio de 2015.

O fim do mundo?

A proibição de novos TPO fez soar os alarmes. Várias empresas estavam fo-cadas no negócio de investir no passe de um futebolista e num par de anos embolsar o dobro ou o triplo. Mas os gestores destes fundos rapidamente pensaram noutras formas de ganhar dinheiro, como o investimento direto nos clubes (e não nos jogadores) ou negócios de titularização de direitos

Fundo O Supremo Tribunal da Suíça confirmou a decisão de primeira instância de condenar o Sporting a pagar €12 milhões à Doyen pelo negócio de Rojo. Parece magia: a empresa de Malta sai quase sempre a ganhar nos contratos que faz

“PINI ZAHAVI NÃO TEM ESCRITÓRIO. EU QUERIA UMA ESTRUTURA. ELE DISSE-ME: ‘NÉLIO, TINHAS RAZÃO’”Nélio LucasCEO da Doyen Sports, ao “Libération”, sobre o agente com quem trabalhou até 2010

567%No rocambolesco negócio da venda de Kondogbia — contratado pelo Mónaco ao Sevilha em agosto de 2013 por €20 milhões — a Doyen Sports Investments teve uma rentabilidade de 567% (€8,5 milhões de lucro após a realização da operação) em apenas um ano.

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 37 PRIMEIRO CADERNO

Continua na página 38

Quem é o português à frente da Doyen que em dez anos “passou de contar tostões para contar milhões”?

NÉLIO, O SUPERAGENTE IMPROVÁVEL

Em março de 2000, Nélio Lu-cas foi caçado a conduzir sem carta e pagou uma multa de €319. Em novembro de 2000, passou um cheque sem cober-tura e pagou uma multa de €600. A 29 de novembro de 2000, passou outro cheque sem cobertura e pagou uma multa de €720. Em 2002, cometeu um delito fiscal, foi julgado pelo mesmo em 2005 — e pagou uma multa de €1190 em maio de 2007. Em agos-to de 2015, dez anos e €2929 depois, assinou um contrato para comprar um iate no va-lor de €3,2 milhões através de uma empresa de Malta.

Em pouco mais de uma dé-cada, Nélio Lucas saiu da Al-deia da Mata para a ilha de Malta, e para as offshores, e hoje é o CEO do fundo mais global e diversificado a ope-rar no futebol: a Doyen Sports Investment. É uma história invulgar que nos traz à cabeça o ideal e o ideário do ameri-can dream, o sonho america-no à portuguesa de um rapaz obviamente inteligente, mas pobre, filho de dois pequenos agricultores de um lugar de Condeixa-a-Nova, que partiu para os EUA à procura de uma vida melhor. Este é o seu per-fil, feito através do cruzamen-to de artigos de jornais com fontes próximas e com a análi-se aos documentos do Football Leaks — e revela o percurso improvável deste agente.

O caminho

Coimbra, Aveiro, Cape Ca-naveral, na Florida, Beverly Hills, em Los Angeles, Madrid e Londres. Nélio Lucas este-ve em todo o lado e conheceu toda a gente; ou, pelo menos, diz ter estado em todo o lado e conhecido toda a gente, gen-te importante como Mariah Carey ou Bruce Springsteen, do qual foi road manager na Creative Artists Agency — re-velou-o ao “Libération”, numa rara entrevista em que ele conta aventuras do seu pas-sado. Uma delas é esta: Nélio garante ter feito um teste de QI cujos bons resultados o le-varam a trocar a família e a Mata por uma família de aco-lhimento na Florida; não foi possível confirmar esta infor-mação. Outra: Nélio diz ter es-tudado comunicação, marke-ting e política internacional na Universidade da Califórnia

(UCLA), em LA; contactada pelo Expresso, a instituição assegura não ter nos “seus re-gistos” nenhum “aluno com o nome de Nélio Lucas” ou “Né-lio Freire Lucas”, de seu nome completo.

Vamos aos factos compro-vados: aos 18 anos, em 1997, abriu uma empresa chamada 100% Produções Arte & Espec-táculo para organizar festas e outras variedades, e, depois, a L.D. World Football Manage-ment, com a qual inaugurou o novo estádio do Beira-Mar, em 2003. Aveiro ter-lhe-á fi-cado na cabeça, porque foi lá que apareceu outra vez como representante da britânica Stellar Group, de Jonathan Barnett, um agente que dividia a meias um negócio com Pini Zahavi, o superagente original. A ideia era simples: colocar jo-gadores ingleses no Beira-Mar. Correu mal para o clube, que desceu de divisão, mas bem para Nélio, que começou a co-laborar com Zahavi na Soccer Investments & Representation (SIR). Em Londres.

“Durante nove anos”, disse Nélio ao “Libération”, “tra-balhámos juntos. Ele tinha contactos em Inglaterra, eu no resto do mundo; eu en-contrava os jogadores que ele procurava e fechava o negó-cio”. Ganhava 450 mil euros por ano, mais 10% por cada contratação. Pelo meio, Né-lio também fez uma perninha como “técnico em gestão de casting de atores”, e há um vídeo a correr na internet em que este é entrevistado a pro-pósito disto mesmo.

As offshores

Em 2010, Nélio decidiu sepa-rar-se de Zahavi, e, em 2011, esteve na origem do apareci-mento do fundo Doyen Sports Investments, o braço ‘desporti-vo’ da Doyen. Nélio conhecera o filho do dono do grupo, Refik Ari, nos EUA, tornaram-se ín-timos e quando o fundo quis diversificar a sua atividade o português foi chamado para dar a cara. Segundo conta um amigo, terá sido a própria Doyen a pagar “um milhão de euros a Zahavi” para a rescisão do contrato. Nélio juntou-se a Amadeu Paixão, um misterioso português radicado em Ingla-terra, e a Juan Manuel López e Mariano Aguilar, ex-jogadores do Atlético de Madrid dos tem-pos de Paulo Futre.

Os quatro fundaram a Assets 4 Sports, em Espanha, pela qual receberiam os pagamen-

televisivos e direitos de imagem (em que um fundo adianta ao clube o di-nheiro desses contratos, com um juro associado).

Mas é ainda cedo para decretar o fim do mundo para os fundos que in-vestem no futebol. No caso da Doyen, a empresa tem interesses económicos em vários atletas em Portugal. No Benfica, detém 50% dos direitos eco-nómicos do jogador Ola John, fruto de um acordo de dezembro de 2012. Em agosto desse ano, o Benfica tinha adquirido os direitos ao clube holan-dês Twente por €9,15 milhões. Em de-zembro, a Doyen comprou ao Benfica metade do passe por €4,6 milhões. Mas garantiu que, qualquer que fosse o futuro de Ola John, o Benfica teria de lhe entregar pelo menos €5,95 milhões. O valor ainda está por pagar.

Este é, tanto quanto sabemos, o único contrato ativo da Doyen com o Benfica. Mais a Norte a empresa tem tido resultados interessantes. No Futebol Clube do Porto (FCP) o fundo de Nélio Lucas teve em 2014 um dos seus melhores negócios: uma rentabilidade superior a 300% no investimento feito no futebolis-ta Mangala. Em dezembro de 2011, a Doyen tinha adquirido 33% dos direitos do atleta francês por €2,6 milhões, quando Mangala chegou ao FCP. Em julho de 2014, o FCP vendeu os direitos do futebolista ao

Manchester City por €30,5 milhões. Negociando separadamente com o clube inglês, a Doyen encaixou quase €11 milhões. Por seu turno, o agente Jorge Mendes, como intermediário, ganhou €4,2 milhões. A FIFA pediu esclarecimentos ao FCP, admitindo que o facto de a Doyen negociar a sua posição com o Manchester City indi-ciava que o fundo podia condicionar a venda do jogador (contra os regu-lamentos da instituição). No campe-onato inglês os clubes têm de deter 100% dos direitos dos atletas. Logo, se a Doyen não aceitasse vender a sua parte, o FCP não conseguiria transfe-rir Mangala para Manchester. Mas o negócio fez-se.

Outros jogadores do FCP em que a Doyen adquiriu direitos económicos foram Steven Defour, Radamel Fal-cao, Brahimi e Sérgio Oliveira. Em todos eles os contratos foram feitos de modo que a Doyen tivesse sem-pre lucro, independentemente de o clube conseguir ou não valorizar os futebolistas. Na aquisição pelo FCP do francês Imbula, por €20 milhões (a mais cara contratação de sempre dos dragões), chegou a especular-se que a Doyen teria financiado metade desse valor, mas o FCP assegurou à FIFA ser detentor da totalidade dos direitos do atleta.

Nélio Lucas teve distintos negó-cios com os dragões: em 2014 a Vela

Management (por ele administrada) ganhou uma comissão de €840 mil na transferência de Otamendi para o Valência, tendo ainda firmado com o clube um contrato de prospeção de talentos por €300 mil. Ora, foi atra-vés desta mesma Vela que a empresa Energy Soccer, de Alexandre Pinto da Costa, faturou €700 mil pela transfe-rência de Casemiro do Porto para o Real Madrid. A Energy Soccer é um dos parceiros privilegiados da Doyen em Portugal. Em fevereiro de 2015, o FCP obteve um empréstimo de €3 milhões do Banco Carregosa parcial-mente garantido pela Doyen.

O grupo Doyen assume-se como “um dos principais atores da indús-tria de entretenimento desportivo”. A empresa não divulga no seu site os resultados financeiros que obtém. Mas as informações obtidas na in-vestigação Football Leaks indiciam que a Doyen já terá investido mais de uma centena de milhões de euros no futebol e marketing desportivo. O Twente, na Holanda, e o Atlético Ma-drid, em Espanha, além dos clubes portugueses, foram alguns dos alvos da máquina de fazer dinheiro lidera-da por Nélio Lucas e financiada pela família Arif. Quem? Explicamos-lhe já de seguida.

*European Investigative Collaborations

[email protected]

900Novecentos mil euros é quanto a Doyen Sports Investments, gerida por Nélio Lucas, paga como comissão anual de gestão à Vela Management, administrada também por Nélio. A Vela recebe ainda um prémio de 10% do lucro dos negócios intermediados para a Doyen. Ambas têm sede em Malta.

PORQUE É QUE A FIFA PROIBIU O REGIME DOS “TPO”REGULAMENTOS Desde maio de 2015 que a FIFA proíbe contratos no regime de “third party ow-nership” (TPO), um modelo através do qual uma parcela dos direitos de um futebolista é detida por terceiros (que não o clube nem o jogador). A FIFA considerou que os negócios com TPO minam a independência dos clubes na tomada de decisões sobre contratação e transferência de atletas.

BRAHIMI: DOYEN NO PASSE, VELA NA COMISSÃOFC PORTO Na contratação de Yacine Brahimi, em 2014, o FC Porto firmou um acordo com a Doyen: a empresa entraria com €5 milhões, ficando com 80% do passe do atleta, embora com cláusulas permitindo ao clube comprar uma parte dos direitos. Em 2015, na renovação de contrato com Brahimi, o FC Porto entrega à Vela Management uma comissão de €500 mil. Ambas as empresas são geridas por Nélio Lucas.

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Expresso, 17 de dezembro de 201638 PRIMEIRO CADERNO

Continuação da página 37

DOYEN SPORTS INVESTMENTS

Direitos económicos em jogadores MALTA

BENINGTON GROUPMALTA

WOOD, GIBBINS & PARTNERS

MALTA

VELA MANAGEMENTMALTA

DOYEN GLOBAL SPORTMARKETING

REINO UNIDO

A REDE DE MALTAA ESTRUTURA DA DOYEN EM 2015

TEVFIK ARIF Pai de Arif Arif

REFIK ARIF Investidor

ARIF ARIF Diretor não oficial

Sobrinho de Refik Arif

MALIK ALI Testa de ferro

NÉLIO LUCAS Acionista e Administrador

CONTRATO DE GESTÃO Honorários:

€900mil por ano

20%80%

100%100%

100%80%

tos da Doyen Sports Invest-ment. Nélio, Amadeu, López e Aguilar trabalhariam numa es-pécie de regime freelance para o fundo. Em 2011, a Assets 4 fa-turou 150 mil euros e 75 mil eu-ros em 2012; em 2013 a Assets 4 foi extinguida quando Nélio e a sua entourage optaram por sociedades offshore: a Vela, a Principal Sports Management, a Wood Gibbins & Partners Limited, a Denos, a Rixos a PMCI, um complexo esquema de empresas em paraísos fis-cais pelas quais passaram a ser feitos os pagamentos relativos às comissões mas também aos custos do ofício, como viagens ou estadias.

Foi através da Wood Gibbins & Partners Limited que Nélio assinou contrato para comprar o tal iate de 3,2 milhões de eu-ros, por exemplo; sobre a Vela, detida a 50% por Nélio e outros 50% por Aguilar, o Football Leaks demonstra que cada um deles recebe 450 mil euros anuais e 10% de comissão sobre os jogadores transacionados. Foi igualmente pela Vela que Nélio pagou a festa do seu 35º aniversário, em Londres, que custou €162 mil, com uma lista de convidados a fazer lembrar uma gala da FIFA. Basicamen-te, constavam lá todos os que são alguém.

Um salto quântico. Em me-nos de dez anos, Nélio Lucas passou a viajar em jatos pri-vados, a frequentar as festas mais exclusivas nos lugares menos inclusivos, a dar-se com Florentino Pérez, presidente do Real Madrid, ou Adriano Galliani, CEO do AC Milan, a ter lugar nos camarotes do Bar-celona, Benfica, FC Porto, Real Madrid, na O2 Arena, a almo-çar nos melhores restauran-tes com os melhores diretores desportivos e a dar bacalhaus aos melhores futebolistas do mundo. E, segundo Nélio ao “Libération”, a servir como um facilitador de negócios expe-dito, dando conselhos aqui e acolá pelos quais também co-bra — ou tenta cobrar.

Em Portugal, este benfiquis-ta dos sete costados amigou-se com Alexandre Pinto da Cos-ta, filho do presidente Pinto da Costa, com o qual inter-mediou o negócio de Imbula, do Marselha para o Dragão. Ambos são vistos em janta-res na zona de Matosinhos, nos quais Nélio, que tem um fraco por mocassins de pele de crocodilo e por relógios caros, come habitualmente bacalhau ou polvo sem tocar numa gota de álcool. Ele gosta da ostentação. Recentemente, num colóquio internacional sobre fundos e futebol, Nélio foi convidado para ser um dos oradores principais e in-terveio via videoconferência diretamente de uma piscina. Um conhecido de longa data resume-o: “Deixou de contar tostões para contar milhões.”

Este é Nélio Lucas, o mais curioso e ambíguo dos supe-ragentes. E é português.

Pedro Candeias, Isabel Paulo e Miguel Prado

[email protected]

FO OTBALL LEAKS FINANCIAMENTO

OS ARIF: MINÉRIOS, ESCÂNDALOS E MUITOS MILHÕES

Irmãos Os verdadeiros donos da Doyen escondem-se atrás de negócios opacos, que vão do Cazaquistão até Nova Iorque, com paragens na Turquia e em Londres

Texto Pedro Candeias, Miguel Prado e EIC

A gora que sabemos o que é a Doyen e o que a empresa faz, importa per-ceber quem são os homens que a ope-ram. É um enredo complicado e com várias camadas

sob as quais se escondem negócios e personagens opacos. Tentaremos desconstruí-lo por pontos.

A família

Refik Arif, Rustem Arif, Vakif Arif e Tevfik Arif são quatro irmãos caza-ques que adotaram a nacionalidade turca quando as circunstâncias assim

o exigiram. São eles os homens que operam a Doyen na sombra e deste quarteto apenas um foi citado pela comunicação nos últimos anos — e não pelas melhores razões. Tevfik, entretanto transformado num mag-nata do ramo imobiliário em Nova Iorque, foi detido em 2010 na Tur-quia por suspeitas de ter organizado uma rede de prostituição de luxo a bordo do iate “Savarona”.

Tevfik foi declarado inocente, mas os documentos da plataforma “Fo-otball Leaks” analisados pela rede EIC-European Investigative Collabo-rations, à qual o Expresso está associ-ado, lançam uma sombra sobre o em-presário: nos inquéritos policiais lê-se que as autoridades acreditam que Tevfik organizou a chegada de um grupo de prostitutas, algumas delas menores, e que as levou para o hotel Rixos (do qual é dono) antes da orgia

no “Savarona”, que fora do fundador da Turquia, Mustafa Kemal Atatürk. Segundo o relatório policial, estas fes-tas também “serviram para transferir algumas quantias de fundos”.

Os negócios

Os Arif são ricos, aliás, milionários, e têm o dinheiro espalhado em de-zenas de companhias offshore e em fundos com testas de ferro, no Pana-má, na Ilha de Man, Holanda, Malta e Ilhas Virgens Britânicas. São estas sociedades que gerem a fortuna da família, que inclui uma propriedade de €21 milhões em Londres e dois ja-tos privados — é neles, por exemplo, que Nélio Lucas viaja para fechar contratos. Para chegarmos à origem dos milhões, é preciso recuar ao iní-cio dos anos 90, à queda do Muro de Berlim e à dissolução da União

Soviética. Os irmãos Arif saíram por cima durante a chamada “Guerra dos Alumínios” — tal como Roman Abramovich, dono do Chelsea —, um período em que grupos criminosos lutaram e mataram pelo controlo das fábricas de químicos e de exploração de minérios. Quando a poeira assen-tou, a família Arif, beneficiando da posição ocupada por Tevfik e Refik no Ministério do Comércio e no Mi-nistério da Indústria, respetivamen-te, tornou-se dona da Aktyubinsk Chromium Chemicals Plant (ACCP), no Cazaquistão, uma das maiores produtoras de crómio. Mais tarde, Tevfik fugiu do Cazaquistão e rumou à Turquia; nos final dos anos 90, os irmãos seguiram o mesmo caminho e todos eles adotaram a nacionalidade turca. Em 2002, Refik Arif criou uma empresa em Istambul através da qual transferiu as receitas da ACCP para sociedades offshore e companhias de fachada — entre 2004 e 2014, passa-ram por lá €386 milhões de lucros. Enquanto Refik tratava da ACCP, Tevfik diversificou os negócios da família: a cadeia de hotel Rixos; a Sembol (receitas de €1000 milhões por ano), que ganhou o contrato para a construção da universidade Nazar-bayev (nome do presidente do Caza-quistão); e uma imobiliária nos EUA.

Os contactos

Já percebemos que as fontes de ri-queza desta família são diversifica-das: recursos naturais, fábricas de químicos, hotéis e, agora, futebol; é escolher. Mas os contactos tam-bém o são: os Arif são próximos dos multimilionários russos Alexander Mashkevitch, Alijan Ibragimov e Pa-tokh Chodiev, donos do maior grupo de extração de minérios no Caza-quistão; Recep Erdogan, Presidente da Turquia, que terá ajudado Tevfik no escândalo do “Savarona”; Donald Trump [ver artigo ao lado], o polémi-co Presidente-eleito dos Estados Uni-dos; Samuel Jonah, um sul-africano implicado no caso de corrupção e de fraude da Uramin, empresa de extra-

€74,6 milhões foi quanto Refik Arif injetou para fundar a DSI. Parte desse dinheiro terá vindo da exploração da Aktyubinsk Chromiu Chemicals Plant, uma das maiores produtoras de crómio do mundo. Entre 2004 e 2014, passaram €386 milhões de lucro dessa empresa por offshores da família

ESTRELAS Brozovic, Álvaro Negredo, Álvaro Morata, Centeno, Lucas João, Ricardo Batista, Scepovic, Sérgio Oliveira, Ante Coric, Sérgio Conceição, Diego Simeone, Carlos Carvalhal, Paulo Fonseca, Douglas Coutinho, Ga-briel Barbosa, Leandro Damião, Lucas Lima e Yacine Bra-himi são alguns dos nomes que a Doyen representa. Os direitos de imagem de Neymar (foto), David Beckham ou Usain Bolt são igualmente negociados por esta empresa. FOTO ALBERT GEA/REUTERS

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Expresso, 17 de dezembro de 2016 39 PRIMEIRO CADERNO

DOYEN MARKETINGContratos publicitários

para desportistas MALTA

CREDENCE HOLDINGSMALTA

SIMON OLIVEIRA Agente desportivo

MATTHEW KAY Agente desportivo

20%Entre 2005 e 2009 Donald Trump aliou-se à família Arif para construir várias torres de apartamentos de luxo

TRUMP FEZ NEGÓCIOS COM DONOS DA DOYEN... MAS NÃO CORREU BEM

O Presidente-eleito dos Esta-dos Unidos da América (EUA), Donald Trump, esteve duran-te vários anos ligado, como parceiro de negócio, à rede de empresários cazaques que fundou a Doyen. A relação ar-rancou em 2005, quatro anos depois de o empresário Tevfik Arif ter lançado, em solo ame-ricano, a promotora imobiliá-ria Bayrock.

Trump trabalhou com a Bayrock pelo menos até 2009, momento em que as relações com a família Arif arrefece-ram. Trump deu uma preciosa ajuda à família Arif na pro-moção da Bayrock, empresa que também contou com fi-nanciamento do empresário Alexander Mashkevitch e que construiu o edifício Trump SoHo, em Nova Iorque. A tor-re de 46 andares, que teve um investimento de 450 milhões de dólares (€423 milhões ao câmbio atual), começou a ser construída em 2006 e ficou pronta em 2010.

Segundo um perfil publica-do em 2007 pela revista “Real Estate Weekly”, Tevfik Arif reconheceu que Trump foi um importante facilitador de negócios. “Ele tem-nos dado uma grande ajuda desde o início e tem ajudado muito a abrir portas”, declarou o em-presário cazaque. Arif já ten-tava há mais de uma década singrar no mercado norte-a-mericano.

Na década de 1990, Tevfik Arif movimentava-se entre a Turquia e os EUA. O seu primeiro negócio imobiliário nos EUA foi em 1996, quan-

do investiu na reabilitação de um centro comercial em Brooklyn. Só nove anos depois o empresário iniciaria uma parceria com Trump, pondo a Bayrock a desenvolver vá-rios projetos imobiliários com aquela marca.

Mas, em 2008, cai o gigante Lehman Brothers. A econo-mia norte-americana entra em convulsão. E também os empreendimentos de luxo da parceria entre a Bayrock e Do-nald Trump falhariam os obje-tivos. A Trump International Hotel & Tower Fort Lauder-dale, na Florida, entrou em insolvência. Em 2010, Donald Trump informava já não estar associado ao edifício, que seria leiloado em 2012.

A torre Trump SoHo, em Nova Iorque, também não cor-reu como era esperado. Em 2008, Ivanka Trump (filha do Presidente-eleito) afirmava que 60% dos apartamentos já estavam vendidos. Na ver-dade, quando o edifício ficou pronto, em 2010, a ocupação rondava os 15%. Em agosto de 2010 alguns compradores dos apartamentos da Trump SoHo processaram os promotores do empreendimento, incluin-do a Bayrock e Tevfik Arif. O edifício acabaria por ser con-vertido num hotel.

Pelo meio falhou ainda o projeto que Trump e a família Arif tinham para um hotel em Moscovo e outros empreendi-mentos com a marca Trump noutras cidades. O magnata americano nem sequer teria de investir o seu dinheiro nos projetos. Concedia o uso da sua marca e receberia 20% a 25% dos dividendos.

Segundo os documentos a que a rede EIC-European In-vestigative Collaborations teve acesso, no âmbito da investi-gação Football Leaks, Tevfik Arif enfrentou em 2009 um processo do diretor financeiro da Bayrock, Jody Kriss, que acusou Arif e os restantes só-cios do grupo de desfalque, fraude fiscal e extorsão.

De acordo com um docu-mento revelado em maio des-te ano pelo “The Telegraph”, em 2007 Trump aprovou um negócio que permitiu à Bay-rock transformar uma venda de uma participação nos seus projetos num empréstimo do grupo islandês FL. A venda da participação implicaria uma taxa de imposto de 40%. Mas o negócio foi estrutura-do de modo a que o investi-mento islandês de 50 milhões de dólares fosse classificado como empréstimo, poupan-do 20 milhões de dólares em impostos.

Em novembro de 2015, Jody Kriss, o antigo diretor finan-ceiro da Bayrock, voltou a pro-cessar Tevfik Arif. Na ação, em Nova Iorque, Kriss acusa-o de fraude e extorsão. A defesa de Jody Kriss diz que Tevfik Arif “esteve ligado ao crime organizado”, lembrando que foi detido em 2010 na Turquia, acusado de participar numa rede de prostituição (um pro-cesso do qual seria absolvido em 2011).

M.P. e P.C.

ção de urânio da qual é o principal acionista. Estas ligações estão pre-sentes nos documentos encontrados na plafatorma Football Leaks.

A Doyen

Em 2010, os Arif decidiram rein-vestir a fortuna gerada pela fábrica ACCP e criaram uma sociedade fami-liar a que chamaram Doyen Capital, com sede nos seus escritórios em Londres. Deram a Arif Arif, o filho de Tevfik Arif, a oportunidade de gerir a empresa, localizada na parte nobre da cidade, pertinho do Palácio de Buckingham. Aos poucos, os irmãos começaram a olhar para o futebol e foi assim que nasceu a Doyen Sports Investments (DSI), com €74,6 mi-lhões injetados por Refik Arif e uma espécie de relações públicas, amigo de Arif Arif, que seria o único a poder dar a cara pela Doyen. Chamava-se Nélio Lucas. Os Arif queriam pouca exposição, Nélio não se importaria de a ter. O português ficou com uma fa-tia de 20% do negócio que receberia através de uma companhia offshore; o resto ficaria para um dos sobrinhos dos irmãos a quem cabe o papel de testa de ferro em vários dos negócios da família. A ideia não seria apenas pôr um pé no ramo do agenciamento e da exploração dos jogadores e trei-nadores de futebol — no site da DSI, constam 44 nomes, entre os quais Brahimi, Rojo, Neymar, Morata, Ne-gredo ou os técnicos portugueses Sérgio Conceição, Carlos Carvalhal e Paulo Fonseca; a ideia era também aproveitar esses novos contactos para impressionar futuros parceiros de negócios. Para lucrar mais uns milhões. Arif Arif, por exemplo, terá pedido a Nélio Lucas para que este conseguisse convencer o Real Ma-drid ou o Barcelona a disputar um jogo de exibição no Turquemenistão de forma a impressionar o Presidente local. Nunca aconteceu.

Há um limite para tudo.*European Investigative

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“FALAMOS DE UMA INSTITUIÇÃO QUE JÁ FOI CONSIDERADA PROPENSA PARA LAVAGEM DE DINHEIRO”Bruno de Carvalho Presidente do Sporting, 15/12/2016, sobre decisão judicial na Suíça favorável à Doyen

OBLAK, D'ONOFRIO E JOVICCASOS A investigação “Football Leaks” explicou esta semana como o agente de Jan Oblak conse-guiu inflacionar a sua comissão na transferência do guarda-redes do Benfica para o Atlético de Madrid. O caso do sérvio Jovic, contratado pelo Benfica aos cipriotas do Limassol por €6,6 mi-lhões sem nunca lá ter jogado, e os episódios em que o agente Luciano D'Onofrio contorna continuadamente as regras da FIFA também marcaram os últimos dias. Pode ler estas e outras histórias em tribunaexpresso.pt.

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Henrique [email protected]

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Sábado17 de dezembrode 2016

1712

TEMPO FIM DE SEMANA

Azul “Bendito seja o mesmo sol de outras terras/ Que faz meus irmãos todos os ho-mens”, escreveu Alberto Caei-ro. Céu limpo e tempo frio.

Ex-Presidente da República recuperou ontem a consciência. Prognóstico mantém-se reservado

Mário Soares regista melhorias

Internado desde terça-feira no Hospital da Cruz Verme-lha, Mário Soares regista “uma progressão clínica fa-vorável”, conforme indicava ontem o boletim clínico diá-rio divulgado aos jornalistas. “O Presidente Mário Soares

já não está inconsciente”, ex-plicou José Barata, porta-voz do hospital, acrescentando que o ex-chefe de Estado já responde a perguntas, uma vez que existe “contacto verbal direto com resposta compreensiva, ainda que in-cipiente”. Nos próximos dias, Soares irá continuar nos cui-dados intensivos e com prog-nóstico reservado.O ex-Presidente da República e fundador do PS, de 92 anos,

deu entrada no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa, depois de uma “indisposição”. Durante a semana, recebeu várias visitas como Manu-el Alegre, Vasco Lourenço, Januário Torgal Ferreira ou Freitas do Amaral. “Aquilo que ele está a fazer, a resistir, é a demonstração de que não desistiu de lutar. Fico esperan-çado”, enalteceu ontem o pre-sidente do Parlamento, Ferro Rodrigues, à saída do hospital.

Acordo no BPP liberta €67 milhões para o Esta-do O acordo entre BPP, BPP Cayman e Estado sobre cré-ditos de €100 milhões liberta verbas para os cofres públicos. Aos €60 milhões que vão para o Estado juntam-se €7 milhões de recuperações de créditos. O dinheiro vai ajudar a baixar o défice. E6

PR salva livros de Marce-llo Caetano A biblioteca do último primeiro-ministro do Estado Novo correu o risco de ser vandalizada durante mais de dois anos, depois de a uni-versidade a que foi doada, no Rio de Janeiro, ter falido. Mar-celo Rebelo de Sousa reuniu-se com as autoridades judiciais brasileiras e o Real Gabinete Português de Leitura para agi-lizar a transferência dos livros para esta instituição. P18

Precários pressionam Go-verno A Associação Precários Inflexíveis vai lançar este sába-do um manifesto, uma petição e uma plataforma online para denúncias de precariedade no Estado, de modo a pressionar o Governo a integrar nos qua-dros da Função Pública todos os precários identificados no levantamento já feito pelo Exe-cutivo. P19

BE condena por engano O BE apresentou ontem no Par-lamento um “voto de condena-ção pelos resultados dos alunos das escolas portuguesas nos es-tudos internacionais”. O texto, com elogios e críticas à melho-ria de Portugal nos rankings, foi assinado por todos os depu-tados bloquistas. Era engano: o BE substituiu “congratulação” por “condenação”.

Nomes para a CGD não chegaram ao BCE O Minis-tério das Finanças ainda não deu ao Banco Central Europeu a lista da equipa de Paulo Ma-cedo para a Caixa Geral de De-pósitos. Os nomes dos futuros gestores estão a ser testados informalmente junto do BCE.

Preço das casas a subir Um estudo divulgado esta semana revela que nos próximos meses deverá haver “subida elevada” no preço das casas, nomea-damente em Lisboa. A nível nacional, o aumento de pre-ços será da ordem dos 4% e na capital pode rondar os 10%. E27

Évora quer comboio mas longe da porta O Governo mandou estudar um traçado alternativo à linha ferroviária que irá atravessar Évora, na ligação Sines-Caia. P22

RITUAL A Redação do Expresso elegeu 3ª feira os factos e as personalidades do ano, uma iniciativa que remonta a 1981. Donald Trump e António Guterres são as figuras, internacional e nacional; e o ‘Brexit’ e a vitória de Portugal no Europeu de futebol são os acontecimentos do ano. Os temas serão tratados na próxima edição. Na escolha online dos leitores, realizada pelo terceiro ano, Trump e Marcelo Rebelo de Sousa são as personalidades de 2016; já os factos são as eleições nos EUA e de Guterres para a ONU. FOTOS REUTERS

Expresso escolhe figuras e acontecimentos de 2016

FONTES: IPMA E INSTITUTO HIDROGRÁFICO

Bragança

Porto

P. Douradas

Lisboa

Évora

Faro

P. Delgada

Funchal

Porto

Lisboa

Faro

11:12

11:10

10:38

Baixa

12:03

11:56

11:25

Baixa

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17:25

17:06

Alta

18:17

17:25

17:54

Alta

12°

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SÁBADO

SÁBADOMARÉS

DOMINGO

DOMINGO

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A Cornucópia anunciou que vai terminar hoje a sua atividade de 43 anos, fechando as portas do Teatro do Bairro Alto, em Lisboa. A falta de dinheiro para gerir o espaço e o seu espólio esteve na base da decisão, con-firmou ao Expresso Cristina Reis, cenógrafa e codiretora com o fundador, Luís Miguel Cintra. Há três anos, a com-panhia teve um corte de 50% no apoio do Ministério da Cul-tura e entrou numa situação de precariedade. O derradeiro espetáculo (Teatro do Bairro Alto, 16h, entrada livre) incluirá leitura de poesia de Apollinaire por colaboradores históricos da companhia e os lançamentos do 2º volume do catálogo de todas as peças e do DVD “Fim de Citação”.

O fim do Teatro da Cornucópia

O desenvolvimento de projetos de educação para a cidadania é o objetivo central

Vieira de Almeida cria Fundação

A Fundação Vasco Vieira de Almeida é apresentada na pró-xima terça-feira em Lisboa, a par do lançamento de um livro de homenagem ao funda-dor, de 84 anos, da sociedade de advogados. João Vieira de Almeida será o presidente da Fundação e Margarida Cou-to diretora executiva, estan-do contemplada a existência de um conselho estratégico. Fundada há 40 anos, a VdA desenvolve há quase 10 anos um programa de responsa-bilidade social, prestando serviços pro bono a entidades não lucrativas, sendo, segundo

Margarida Couto, “ o essencial do esforço da VdA - mais de 5 mil horas por ano – canalizado para projetos de inovação so-cial”. João Vieira de Almeida diz que a Fundação tem por objeto a educação para a cida-dania, através de ações junto de crianças e jovens, e pela abordagem a públicos mais vulneráveis, como migrantes e idosos, impulsionando a ad-vocacia como instrumento de proteção de grupos em risco social. A Fundação também pretende capacitar institui-ções do 3º setor e “promover a alteração das leis que atra-palham a própria economia social”. Com uma dotação ini-cial de €250 mil, os seus recur-sos virão de uma percentagem dos resultados da VdA.

PSD pronto a negociar apoio a CristasSociais-democratas admitem fazer acordo em Lisboa, deixando de fora juntas de freguesia. Concelhia está dividida

O PSD está pronto para ne-gociar um acordo com o CDS, para apoiar Assunção Cristas como candidata à Câmara de Lisboa. Os sociais-democratas continuam a ponderar nomes próprios para disputar a capi-tal, mas segundo uma fonte próxima do processo, todas as sondagens do partido dão re-sultados “bastante fracos” aos nomes testados — entre eles, o de Maria Luís Albuquerque.

Por outro lado, os mesmos estudos indicam que uma co-ligação teria hipóteses de der-rotar Fernando Medina. Daí a predisposição para começar a falar. Depois do “acordo-qua-dro” que baliza as futuras coli-gações entre os dois partidos, assinado esta semana, as con-versas sobre Lisboa deverão estar para breve.

Passos Coelho nunca colo-cou de parte um entendimento com Cristas, caso se gorasse a hipótese Santana Lopes. Car-los Carreiras, coordenador au-tárquico, e Miguel Pinto Luz, presidente da distrital, veem com bons olhos esse acordo,

que pode permitir uma nego-ciação mais ampla com o CDS. Só Mauro Xavier, presidente da concelhia, era contra. Porém, depois de Santana sair de cena, o líder concelhio moderou a posição. A resistência vem, agora, de Rodrigo Gonçalves, nº 2 da concelhia e homem--forte do aparelho laranja em Lisboa (ver pág. 17). Em cau-sa estará, ao que o Expresso apurou, a preocupação com os lugares nas juntas de fregue-sia da capital. Por essa razão o PSD admite deixar as juntas fora de um acordo. A coligação seria, apenas, para a Câmara e a Assembleia Municipal.

HENRIQUE MONTEIRO ESCREVE NO EXPRESSO DIÁRIO DE SEGUNDA A SEXTA-FEIRA

Depois de a revista “The Economist” a ter utilizado na sua capa de 10 de se-tembro, e de o “Ox-ford Dictionary”

a considerar palavra do ano de 2016, ‘pós-verdade’ entrou na moda para caracterizar os tempos atuais. Porém, a expressão é antiga. Em 1992, foi utilizada por Steve Tesich, um dramaturgo, num ensaio e, em 2004, Ralph Keyes, um cientista político, escreveu um livro intitulado “A Era da Pós--Verdade”. Se Tesich referia o Watergate, Keyes apontava a segunda guerra do Iraque, motivada pela existência de armas de destruição maciça que nunca existiram.

A pós-verdade é algo que Orwell, sem cunhar assim a expressão, refere na sua distopia “1984” (escrita em 1948), e que Arthur Koestler já descrevera em “O Zero e o Infinito” (de 1940). Estas duas obras referiam, ainda que metaforicamente, o universo concentracionário soviético, ou dos seus países satélites.

Poderíamos ir mais atrás. A frases como “numa guerra a primeira vítima é a verdade”, escrita por Ésquilo, pai da tragédia grega, que viveu no século VI antes de Cristo, ou a muitos outros conceitos que, não tendo a concisão e a elegância de ‘pós-verdade’, significam precisamente o mesmo. A mentira, a perfídia, a traição, a inconsciência, a demagogia, o apelo fácil a ideias simples — tudo o que vemos hoje — já existia. Por que motivo nos admiramos com Trump, com o assassino das Filipinas, Duterte, ou com tantos outros fenómenos? Porque não reagimos como na passagem do Eclesiastes (“Aquilo que foi é aquilo que será; aquilo que foi feito há de voltar a fazer-se e nada há de novo debaixo do Sol” — esta frase, que na vulgata foi traduzida como nihil novi sub sole, tornou-se mesmo um aforismo)?

O que houve de novo foi o abalo das nossas convicções. Vivemos largos tempos na ideia de que mudaríamos a natureza humana. Não era só o ‘homem novo’ propalado pelos comunistas, era a ideia de que a educação, o conhecimento e a informação generalizados preveniriam os erros do passado. Acreditámos que o ser humano, fruto do conhecimento e da sua fácil transmissão, seria diferente, muito melhor. Entrámos num mundo de ‘pós-verdades’? Ou antes num mundo de pré-convicções que abalam a nossa maneira de o ver? Um mundo que nos recorda que o esforço nunca acaba, que o mito de Sísifo, condenado a carregar a pedra montanha acima para, quase ao chegar ao topo, ela rebolar de novo até à base, é bem real.

E que não podemos desistir.

O mundo na pós- -verdade

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