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Anais do XV Encontro Estadual de História “1964-2014: Memórias, Testemunhos e Estado”,
11 a 14 de agosto de 2014, UFSC, Florianópolis
COLUNAS FEMININAS E PROPAGANDAS: REPRESENTAÇÕES DA MULHER
NO JORNAL FOLHA DO NORTE DO PARANÁ
Amanda de Souza Ribeiro1
Cristina Satiê de Oliveira Pátaro2
Frank Antonio Mezzomo3
Resumo: A pesquisa tem como objetivo analisar as representações da mulher no Jornal
Folha do Norte do Paraná, mídia impressa católica que circulou durante as décadas de 1960
e 1970 na região norte do estado do Paraná, no intuito de problematizar as relações de
gênero que emergem dos discursos no/do periódico em questão. Faz parte de investigação
mais ampla que vem sendo desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Cultura e Relações de
Poder desde 2011, com apoio do CNPq e da Fundação Araucária. Neste trabalho, propõe-se
a discussão a partir das propagandas e colunas femininas publicadas nas edições dos anos de
1968 e 1969, buscando verificar os valores, as relações e os comportamentos que emergem
da maneira pela qual as mulheres são representadas. Com base nas edições digitalizadas,
foram identificados, tabulados e analisados os conteúdos das propagandas e colunas
femininas que faziam, de alguma forma, referência à mulher. A partir do material tabulado,
foi possível identificar, nas representações veiculadas, influências do contexto histórico e
das transformações sociais, políticas, culturais e econômicas que marcaram o período. A
análise evidenciou os valores, comportamentos e normas que orientavam modelos a serem
seguidos, sendo possível ainda identificar influências da religião católica nas representações
da mulher presentes no periódico. Por fim, apesar de o Jornal se intitular laico, podemos,
observar a influência de valores religiosos em algumas matérias para a mulher e sobre a
mulher.
Palavras-chave: Mulher, Jornal, Fonte.
Nossa pesquisa tem como objetivo identificar e analisar as representações da mulher
construídas na imprensa vinculada à Igreja Católica na região Norte do Paraná no período de
1968 a 1969, a partir da análise das propagandas e colunas femininas publicadas no Jornal
Folha do Norte do Paraná, buscando identificar as representações da mulher que se fazem
presentes nessa mídia impressa, verificando os valores, as relações, comportamentos, e os
papéis de gênero que emergem da maneira pela qual as mulheres são representadas.
O Jornal Folha do Norte do Paraná, conhecido como o jornal do Bispo, era o segundo
maior jornal da região, representando parte do patrimônio imaterial produzido pela Igreja
Católica da diocese de Maringá, e constituiu-se como a principal mídia impressa da Igreja no
norte do Paraná entre as décadas de 1960 e 1970. Foi fundado no ano de 1962 por Dom Jaime
Luiz Coelho, arcebispo de Maringá, e teve suas atividades encerradas em 1979. Dom Jaime
1 Graduanda, Unespar, Campus de Campo Mourão, PIBIC/CNPq, [email protected] 2 Doutora em Educação, Unespar, Campus de Campo Mourão, [email protected] 3 Doutor em História Cultural, Unespar, Campus de Campo Mourão, [email protected]
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não tinha intenção de ganho financeiro ou político, e o Jornal foi criado, a princípio, para
propagar a fé cristã. Maringá era uma das principais dioceses do Paraná e sede Provincial, o
que representa, em grande parte, a síntese de toda a dinâmica religiosa presente nas dioceses
sufragâneas de Campo Mourão, Umuarama e Paranavaí. Este é um aspecto que caracteriza a
relevância do periódico em toda a região nesse período.
Ao focar o jornal como fonte privilegiada, está-se de acordo com as discussões
teóricas oriundas da terceira geração do Annales, ainda da década 1970, quando o jornal deixa
de ser compreendido como um mero veículo de informações, transmissor imparcial e neutro
dos acontecimentos, nível isolado da realidade político social na qual se insere, ou mesmo
como apenas instrumento de dominação, manipulação de interesses e de intervenção na vida
social, utilizado pelas classes dominantes (CAPELATO; PRADO, 1980). Ao utilizar o jornal
como fonte, e aqui são adequadas as reflexões de Robert Darnton, é preciso pensar sua
inserção histórica enquanto força ativa da vida moderna, muito mais ingrediente do processo
do que registro dos acontecimentos, atuando na constituição de nossos modos de vida,
perspectivas e consciência histórica (DARNTON, 1990).
Quanto à temática das relações de gênero, de acordo com Moreno (1999), a visão
sexista e de discriminação entre os sexos é dominante em nossa sociedade. Tanto nosso
comportamento como a forma que pensamos, sentimos, falamos, sonhamos ou fantasiamos
são influenciados pela imagem que possuímos de nós. Essa imagem é construída com base
nos modelos oferecidos pela sociedade em que vivemos. Não é a biologia que determina
nossos limites e possibilidades, nosso comportamento e modo de ser, mas a sociedade e a
cultura. As imagens de homem e de mulher que são transmitidas pela sociedade contribuem
de forma intensa para a formação, nos indivíduos, do seu eu social, de seus padrões
diferenciais de comportamento, com que modelo devem se identificar e para informar sobre a
diferente valorização atribuída pela sociedade aos indivíduos de cada um dos sexos.
Assim, as discussões sobre gênero buscam superar a visão naturalizante das diferenças
entre homens e mulheres, visão que acaba por atribuir às especificidades biológicas a
inferioridade feminina e a dominação masculina, justificando as desigualdades e injustiças
presentes na relação entre homens e mulheres. A partir da utilização do conceito de gênero, a
inferiorização das mulheres passou a ser questionada, e a relação entre homens e mulheres –
caracterizada muitas vezes pela assimetria e pela hierarquização – passou a ser vista como
permeada por relações de poder (VIANA; RIDENTI, 1998; SOIHET; PEDRO, 2007; ROSA,
2009).
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No cenário mundial, a década de 1960 foi marcada pela intensificação do movimento
da contracultura, sendo o ano de 1968 um marco importante, que representa o auge das
manifestações de protesto, em especial dos segmentos juvenis, contra uma sociedade
conservadora. Outro aspecto marcante dessa década foi a “explosão do feminismo” (SOIHET;
PEDRO, 2007), com destaque para os anos em questão, trazendo novas ideias e formas de se
pensar a mulher.
Em relação ao contexto brasileiro, devemos mencionar a radicalização e estabilização
do Regime Militar, que passou a provocar reações de descontentamento daqueles que
esperavam pela liberdade de imprensa e pelo retorno da democracia. Em paralelo, nesse
período, é possível perceber modificações no cenário econômico do país, e em especial no
Paraná, no qual começam a ser notados os primeiros passos de um processo de
industrialização, de urbanização e de investimento no agronegócio com vistas à exportação.
Estes e outros aspectos do recorte temporal devem ser levados em conta na análise do material
coletado em nossa pesquisa.
Desenvolvimento da pesquisa
Foi efetuada, para o desenvolvimento da nossa investigação, a digitalização das
edições referentes aos anos de 1968 e 1969 do Jornal Folha do Norte do Paraná. Ao todo,
foram tabulados e analisados 7.525 mil arquivos eletrônicos em forma de fotos das páginas do
jornal. As edições foram lidas na íntegra, procurando-se identificar, separar e descrever todas
as reportagens, notícias, imagens, propagandas e demais conteúdos que fizessem referência à
mulher.
Com base nos conteúdos tabulados, identificamos categorias que nos auxiliaram na
análise das representações da mulher, dentre as quais discutiremos, neste trabalho, as colunas
femininas – conteúdos destinados especificamente ao público feminino, apresentados nas
colunas “Folha da Mulher” (1968) e “Sua Excelência a Mulher” (1969) – e as propagandas
comerciais que faziam, de alguma forma, referência à mulher.
Análise dos dados
Colunas femininas
As colunas femininas (“Folha da Mulher”, em 1968, e “Sua Excelência a Mulher”, em
1969) agregam matérias relacionadas e direcionadas às mulheres, veiculadas nas duas
colunas. A “Folha da Mulher” foi dirigida por Maria Teresa de Janeiro até Julho de 1968 e,
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após esse período, por Ilda Garcia (Julho de 1968 a Setembro de 1968). Já a coluna “Sua
Excelência a Mulher” foi coordenada por Édice Fernandes durante todo o ano de 1969.
Direcionadas ao público feminino, as duas colunas apresentam estruturas diferentes. A
“Folha da Mulher” publicada no Jornal aos domingos em suas primeiras edições, Janeiro e
Fevereiro, apresenta em média seis páginas, sendo que uma delas são histórias em quadrinhos
e outras atividades para as crianças. No restante do ano, ocupa somente uma folha, geralmente
na página 08. Na “Folha da Mulher” são frequentes matérias sobre moda, cuidados com o
cabelo e pele, dicas de beleza, cremes, dicas sobre maquiagem, culinária e exercícios físicos
para um corpo magro. Segundo Miguel (2012) a mulher deveria, “cuidar de si, mas não
unicamente para sentir-se bem, mas, principalmente, para agradar o outro, leia-se, aí, o
marido, noivo ou namorado.” (MIGUEL, 2012, p. 224).
A maior parte do espaço da coluna era ocupado por conteúdos referentes a conselhos
de beleza e moda. A matéria intitulada Bolinhas na moda (28/04/1968) traz um exemplo de
tais conteúdos, versando sobre a volta da moda dos anos 1930, com os tecidos estampados
com bolinhas, com modelos mais delicados e femininos. Também é possível observar que
modelo de beleza é valorizado: “A cintura está novamente cortada. Largos cintos afinam
novamente o corpo esbelto das jovens.” (Folha do Norte do Paraná, 28/04/1968). Nas
matérias que tratam sobre beleza e moda, são sempre representadas modelos magras com
“corpos esbeltos”.
Imagem 1 – Folha do Norte do Paraná, 03 de Março de 1968.
Na matéria Emagrecer: o grande problema (03/03/1968), Imagem 1, afirma-se que “A
moda exige uma silhueta esbelta, ágil, elegante e as mais gordinhas não podem segui-la à
risca. Por isso usam de recursos os mais diversos para perder os quilinhos a mais.” (Folha do
Norte do Paraná, 03/03/1968). São apresentados conselhos sobre como emagrecer de forma
saudável, indicando que emagrecer depende da perseverança da mulher, que deve moderar a
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ingestão de alimentos e controlar a sua “falsa fome”. A matéria segue alertando sobre os
perigos em usar pílulas para emagrecer de forma rápida, mas afirma que se elas forem
utilizadas com prudência podem trazer bons resultados. São mencionados, na matéria, os
medicamentos mais comuns receitados para quem quer emagrecer, como as anfetaminas, que
reduzem o apetite e os diuréticos. Na sequência conta que antes do aparecimento deles, o
jejum parcial ou total era o meio mais difundido e utilizado pelas mulheres para emagrecer.
Podemos notar a valorização da magreza, a busca constante da mulher pelo corpo magro,
visto que, como afirmado nessa e em outras matérias, a mulher deveria ser magra para ser
bela. Esse fato nos mostra um padrão de beleza que era transmitido às mulheres nesse período
e que, de certa forma, faz-se presente até a atualidade.
Podemos encontrar ainda, na coluna “Folha da Mulher”, matérias sobre a educação e o
desenvolvimento das crianças. Encontramos notas que falam sobre o desenvolvimento da
criança, sendo utilizados como referência os estudos de alguns autores como Jean Piaget.
Imagem 2 – Folha do Norte do Paraná (Folha da Mulher), 15 de Setembro de 1968.
Na Imagem 2, temos a uma matéria Você deve acompanhar os estudos de seu filho
(15/09/1968), onde se afirma que os pais devem acompanhar os estudos dos filhos, pois a
educação de uma criança seria o resultado dos esforços conjuntos da escola e da família, e
uma contradição entre as duas poderia levar a criança a ter problemas escolares. Apresenta
algumas dicas para ajudar os pais a escolher a melhor escola, se tradicional ou moderna.
Depois da escolha feita, os pais devem colaborar com a escola, ter cuidado com a frequência,
não deixando seus filhos faltarem, além de aconselhar à mãe que “quando for convocada para
festinhas na escola, procure não faltar, e, sempre que possível leve seu marido. As crianças,
principalmente do curso primário, dão muito valor a isso.” (Folha do Norte do Paraná,
15/09/1968). Afirma ainda que, quando necessário, a criança deve ser ajudada em casa e que a
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mãe deve cultivar a autonomia do filho, oferecendo-lhe meios para desenvolver sua
autonomia. Podemos entender que, por esta matéria estar em uma coluna dedicada ao público
feminino, a responsabilidade de cuidar, acompanhar os estudos dos filhos era tarefa sobretudo
da mulher. Apesar da matéria em grande parte se referir aos pais, podemos observar trechos
onde se faz referência exclusivamente à mulher, como no trecho mencionado anteriormente.
A coluna “Sua Excelência a Mulher”, representada na Imagem 3, era publicada às
quartas-feiras e aos sábados, e ocupa em geral uma página. Apresenta uma estrutura diferente
da “Folha da Mulher”, anteriormente apresentada. Ela se parece com uma coluna social, e
encontra-se dividida em três partes. A primeira delas, ao lado esquerdo, com o título
Aconteceu, onde são publicadas matérias sobre eventos que ocorreram na sociedade,
casamentos, aniversários, desfiles de modas, entre outros. Essas notas, em sua maioria, dão
destaque à mulher, sua participação nesses eventos sociais, com fotos de mulheres da
sociedade. A parte central da página é dedicada a entrevistas, onde o destaque é sempre para
uma mulher. As questões abordadas são sempre as mesmas: onde nasceu, sua formação, sobre
seu marido, quem ele é, com que trabalha, sobre seus filhos e as que trabalham fora do lar
também mencionam suas carreiras e como conciliam os cuidados com o lar, marido e filhos.
No lado direito da coluna, existe um espaço com o nome O Mundo Feminino, onde são
publicadas notas sobre nascimento de crianças, eventos sociais, casamentos, desfiles de
modas, etc., com conteúdo semelhante ao publicado no espaço Aconteceu.
A Imagem 4 traz a entrevista realizada com Célia Rossini Meneguetti. Ela conta que
nasceu e foi criada em Ourinhos-SP, onde fez o curso primário e ginasial. Relata sobre seu
marido Geraldo Meneguetti, gerente da SOMACO S/A, e sobre os seus sete filhos. Afirma
Imagem 3 – Folha do Norte do Paraná, 15 de
Fevereiro de 1969.
Imagem 4 – Folha do Norte do Paraná (Sua
Excelência a Mulher), 15 de Fevereiro de 1969.
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que sua principal meta é formar todos os seus filhos. Destaca que, durante seus 22 anos de
casamento, não teve muitas oportunidades para viajar e passear, porque se dedicou ao lar,
marido e filhos. Em geral, o conteúdo das entrevistas publicadas neste espaço seguem o
mesmo padrão. São mulheres da sociedade, modelos a serem seguidos, que têm como
prioridade em sua vida o cuidado com seu lar, marido e filhos, geralmente se declarando
realizadas com a vida que levam. De acordo com Miguel (2012), cuidar dos filhos, do marido
e da casa seria essencial para a felicidade do casal, “ou seja, a partir do momento em que
cuido do outro, eu estou cuidando de mim, já que garanto minha ‘felicidade’ como esposa e
como mãe.” (MIGUEL, 2012, p. 239). Dessa forma, as mulheres deveriam zelar pela sua casa,
marido e filhos, assim como às senhoras entrevistadas, pois só dessa forma elas seriam felizes.
Com base na análise das colunas “Folha da Mulher” e “Sua Excelência A Mulher”,
podemos notar que nesse período a mulher era representada como a responsável pelos
cuidados com o seu lar, marido e filhos. Ela deveria estar sempre por dentro da moda, cuidar
de sua beleza, manter seu lar organizado, desempenhar a função de mãe e o dever de zelar
pela educação de seus filhos. Farias e Tedeschi (2010) afirmam que “as características
construídas e atribuídas ao feminino são aquelas necessárias ao cuidado do lar, da família e do
bom desempenho da maternidade, negando à mulher outras possibilidades e reforçando seu
enclausuramento no espaço doméstico.” (FARIAS; TEDESCHI, 2010, p. 148).
Propaganda
Essa categoria engloba propagandas comerciais que faziam, de alguma forma,
referência à mulher. As mulheres aparecem em diversos conteúdos, desde anúncios de
institutos de beleza e propaganda de utensílios domésticos até propagandas de carro e barcos,
além de anúncios de filmes e bebidas alcoólicas.
As propagandas estão relacionadas a cuidados com a beleza da mulher, como em
anúncios de institutos de beleza, anúncios de utensílios domésticos, supermercado, produtos
ou serviços que se ligam ao espaço e ao papel que é destinado à mulher na sociedade, naquele
período.
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Na propaganda da Walita da Hermes Macedo, Imagem 5, apresenta-se o seguinte texto
“Seu lar merece walita de Hermes Macedo. Ofertas que são verdadeiros presentes!”. São
anunciados diversos utensílios domésticos como ferro de passar roupa, liquidificador,
enceradeira, entre outros. Quando a imagem da mulher é utilizada para anunciar esse tipo de
produto, demostra que as interessadas são as mulheres que, responsáveis pelos cuidados
domésticos, têm interesse na utilização desses aparelhos. As mulheres que aparecem nesses
anúncios seguem o que seria o modelo ideal de mulher da época, a esposa dedicada, que cuida
do seu lar, do seu filho e do seu marido, dócil, carinhosa, compreensiva e santa. Logo,
ninguém melhor para ajudar a vender produtos domésticos do que elas, que vão comprá-los e
utilizá-los em seu lar.
A propaganda de Fermento Seco Fleischmann, Imagem 6, traz uma receita de
pãezinhos de queijo e afirma que essa seria uma boa receita para a mulher preparar para o café
da manhã e para a merenda de seus filhos. Podemos observar na imagem duas crianças
sentadas à mesa comendo os pãezinhos preparados por sua mãe, que se encontra no fundo da
imagem usando um avental. Mais uma vez, a mulher é representada como forma de ilustrar
uma propaganda que a liga ao mundo privado, doméstico, do lar, onde seria seu lugar.
Ao analisar as propagandas da Revista Capricho nas décadas de 1950 e 1960, Miguel
(2012) afirma que as propagandas de eletrodomésticos, produtos de limpeza e para a casa,
juntamente com as propagandas de produtos de beleza “apresentam um retrato da função
social esperada pelas mulheres da época, função esta diretamente vinculada ao cuidado de si,
ao cuidado da casa e ao cuidado dos outros, incluindo, aí, os filhos e o marido.” (MIGUEL,
Imagem 5 – Folha do Norte do Paraná, 07 de
Setembro de 1969.
Imagem 6 – Folha do Norte do Paraná,
14 de Abril de 1968.
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2012, p. 222). A mídia apresenta uma função educativa e por consequência é responsável pela
disseminação, prescrição e perpetuação de códigos e valores de conduta e comportamento.
Imagem 7 – Folha do Norte do Paraná, 05 de Dezembro de 1968.
A propaganda de natal da loja Hermes Macedo, Imagem 7, traz o seguinte texto: “Não
quebre a cabeça, procurando um presente de natal para seu marido, Hermes Macedo tem as
melhores sugestões com as melhores ofertas. E a senhora aproveita as extraordinárias
facilidades do crédito feminino HM, natal sem capital é com Hermes Macedo S/A” (Folha do
Norte do Paraná, 05/12/1968). Na imagem da propaganda, o desenho do rosto de uma mulher
com a mão no queixo e com uma expressão de quem estava pensando na oferta. Os produtos
em oferta para a mulher comprar para o marido são autorrádios, faróis, rodas cromadas, entre
outros acessórios para o carro. A propaganda evidencia alguns dos papéis atribuídos ao
masculino e ao feminino; a mulher aparece ligada ao cuidado com o marido, e o homem, com
base nos produtos em oferta, ao espaço publico.
Na propaganda da Ciclobel Trainer, Hermes Macedo S/A, Imagem 8, o texto afirma
que “A mulher esbelta é mais admirada” e que “somente o exercício pode modelar o seu
corpo e conserva-lo jovem e em forma”.
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Imagem 8 – Folha do Norte do Paraná, 02 de Novembro de 1969.
Na imagem da propaganda encontramos o desenho de uma mulher utilizando o
aparelho anunciado. Podemos notar uma normatização do corpo da mulher, a propaganda
transmite um modelo de beleza e afirma que ela só será admirada se corresponder ao modelo
determinado.
Considerações finais
Por meio da análise das edições do Jornal folha do Norte do Paraná (1968 e 1969) e
das categorias anteriormente apresentadas (Coluna feminina e Propaganda), podemos tecer
algumas considerações.
A partir das representações analisadas, pudemos verificar que, de maneira geral, a
imagem e o papel da mulher aparecem, de alguma forma, vinculados – ou subordinados – à
figura masculina. Voltados especificamente para a mulher leitora, destacam-se as colunas
femininas, com linguagem e conteúdo organizados para destinar-se especialmente às
mulheres. Os assuntos abordados eram – ou deveriam ser – do seu interesse, abrangendo dicas
de moda, maquiagem, conselhos domésticos, de beleza em geral, cuidados com os filhos,
entre outros. O conteúdo passado nessas matérias trazia indicações de como a mulher deveria
agir, vestir-se, pensar, ser. O mesmo ocorre nas propagandas direcionadas às mulheres, na
intenção de vender produtos que seriam de seu interesse (utensílios domésticos, culinária,
moda, entre outros) e, em alguns casos, fazendo uso da própria imagem da mulher.
Ademais, é necessário destacar que as representações da mulher presentes no Jornal
são delimitadas por valores, comportamentos e normas, muitos deles reforçados pela doutrina
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religiosa, que orientam o modelo a ser seguido e aquele a ser rechaçado. Nesse sentido, o
modelo reforçado é o da mulher mãe, esposa, dona de casa, associada ao espaço e aos afazeres
domésticos – ainda que, em alguns casos, presente também no âmbito do trabalho. É a
imagem da mulher recatada, submissa, generosa e pura. Este é o modelo desejável, no qual
todas as “boas” mulheres devem se espelhar, o que é reforçado principalmente pelos
conteúdos voltados ao público feminino e por aqueles associados de alguma forma à religião.
A partir dos conteúdos analisados, é possível notar a presença de outro modelo de
mulher que começa a ser evocado (ainda que de forma tímida) em conteúdos mais
direcionados ao público adulto e masculino – a imagem da mulher entregue aos prazeres do
corpo e da sexualidade como é possível notar, por exemplo, nos cartazes de filmes e em
algumas propagandas, em que passa a se fazer presente a conotação à sexualidade feminina.
Por fim, em face aos conteúdos analisados, é importante ressaltar que, ainda que o
Jornal Folha do Norte do Paraná seja considerado um periódico laico e com interesses
comerciais, as influências da doutrina Católica, ao que parece, fazem-se presentes nas
representações e discursos veiculados, em especial aqueles referentes à mulher.
Referências
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ideologia em O Estado de São Paulo. São Paulo: Omega, 1980.
DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo:
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FARIAS, Marcilene Nascimento; TEDESCHI, Losandro Antonio. Quando mulheres se olham
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Florianópolis, v. 7, n. 2, jul./dez. 2010.
MIGUEL, Raquel de Barros p. Os cuidados de si e os cuidados do outro: lugares de gênero
na publicidade da revista capricho (décadas de 1950-1960). Projeto História, São Paulo, n. 45,
pp. 219-242, dez. 2012.
MORENO, Montserrat. Como se ensina a ser menina. São Paulo: Moderna, 1999.
ROSA, Rita de Cássia Vianna. As mulheres de "Paraiburgo": representações de gênero em
jornais de Juiz de Fora/MG (1964 a 1975). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-
Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói-RJ, 2009.
SOIHET, Rachel; PEDRO, Joana Maria. A emergência da pesquisa da História das Mulheres
e das Relações de Gênero. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 27, n. 54, p. 281-
300, 2007.
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VIANNA, Claudia; RIDENTI, Sandra. Relações de gênero e escola: das diferenças ao
preconceito. IN: AQUINO, Julio G. (Org.). Diferenças e preconceito na escola: alternativas
teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1998, p. 93-105.